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A Indústria Cultural: O
Esclarecimento Como Mistificação
das Massas
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer
1944
Isso, porém, não deve ser atribuído a nenhuma lei evolutiva da técnica
enquanto tal, mas à sua função na economia atual. A necessidade que talvez
pudesse escapar ao controle central já é reprimido pelo controle da consciência
individual. A passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis. Liberal,
o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel do sujeito.
Democrático, o rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entregá-
los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações.
Não se desenvolveu nenhum dispositivo de resposta e as emissões privadas são
submetidas ao controle. Elas limitam-se ao domínio apócrifo dos “amadores”, que
ainda por cima são organizados de cima para baixo.
O homem em seu momento de ócio, deve se orientar por essa unidade que
caracteriza a produção. A função que o esquematismo do kantismo ainda atribuía
ao sujeito, a saber, referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos
fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria. O esquematismo é o primeiro
serviço
prestado por ela ao cliente.
Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido
antecipado no esquematismo da produção. A arte sem sonho destinada ao povo
realiza aquele idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico.
Tudo vem da consciência, em Malebranche e Berkeley da consciência de Deus; na
arte para as massas, da consciência terrena das equipas de produção. Não somente
os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente
como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espectáculo é ele próprio
derivado deles e só varia na aparência. Os detalhes tornam-se intercambiáveis. A
breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de
sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como bom
desportista que é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do vilão,
sua rude reserva em face da herdeira mimada são, como todos os detalhes, clichês
prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente
definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Confirmá-lo, compondo-o, eis
aí sua razão de ser. Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é
recompensado, e, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é sonoro.
Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao
pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, sem
perder o fio da meada, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo,
no entanto, cada piada, proeza ou brincadeira é calculada e posicionada
rigorosamente para tornar mais fácil a compreensão
proporcionada pela equipe de
criação.
A tudo isso deu fim a indústria cultural mediante a efeitos, o toque óbvio, e o
detalhe técnico acaba com a própria obra - que exprimia uma idéia, mas foi
liquidada junto com ela. Quando o detalhe ganha espaço, ele torna-se rebelde, e no
periodo do Romantismo para o Expressionismo, afirma-se como expressão livre,
como veículo de protesto contra a organização. O efeito harmônico isolado havia
ofuscado, na música, a consciência do todo formal; a cor particular na pintura, a
composição pictórica; a penetração psicológica no romance, a estrutura. A
totalidade da indústria cultural pos fim a isso.
Embora nada mais conheça além dos efeitos, ela vence sua insubordinação e os
submete à fórmula que substitui a obra. Ela atinge igualmente o todo e a parte. O
todo se antepõe inexoravelmente aos detalhes como algo sem relação com eles;
assim como na carreira de um homem de sucesso, tudo deve servir de ilustração ou
prova, ao passo que ela própria nada mais é do que a soma desses acontecimentos
idiotas. A chamada Ideia abrangente é um classificador que serve para estabelecer
ordem, mas não conexão. O todo e o detalhe exibem os mesmos traços, na medida
em que entre eles não existe nem oposição nem ligação. Sua harmonia garantida
de antemão é um escárnio da harmonia conquistada pela grande obra de arte
burguesa. Na Alemanha, a paz sepulcral da ditadura já pairava sobre os mais
alegres filmes da época da democracia.
Aí ainda é possível fazer fortuna, desde que não se seja demasiado inflexível e
se mostre que é uma pessoa com quem se pode conversar. Quem resiste só pode
sobreviver enquadrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria
cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária
ao capitalismo. A discordância realista torna-se a marca registada de quem tem
uma nova ideia a trazer à atividade industrial. A esfera pública da sociedade que
editores literários e musicais decentes puderam cultivar por exemplo autores que
rendiam pouco mais do que o respeito do conhecedor. Só a obrigação de se inserir
incessantemente, sob a mais drástica das ameaças, na vida dos negócios como um
especialista estético impôs um freio definitivo ao artista. Ainda, na indústria
cultural, também, a posição liberal dá inteira
vazão a esta capacidade de homens
sobreviverem.
Para fazer isto eficiente ainda hoje é função do mercado, que é por outro lado
competentemente controlado; tanto o mercado livre, no periodo de florescimento
da arte como nos outros, foi a liberdade para o idiota morrer de fome.
Significativamene, o sistema da indústria cultural nasceu na nação industrial mais
liberal, com todos os meios de comunicação social, tais como filmes, radio, jazz e
revistas que florescem lá. rádio, o jazz e as revistas. É verdade que seu projeto
teve origem nas leis universais do capital. Gaumont e Pathé, Ullstein e Hugenberg
conheceram o sucesso seguindo a tendência internacional; a dependência
económica em face dos Estados Unidos, em que se encontrou o continente europeu
depois da guerra e da inflação, teve uma parte nesse processo. A crença de que a
barbárie da indústria cultural é uma consequência do atraso cultural, do atraso da
consciência norte-americana relativamente ao desenvolvimento da técnica, é
profundamente ilusória. Atrasada relativamente à tendência ao monopólio cultural
estava a Europa pré-fascista.
Mas era exatamente esse atraso que deixava ao espírito um resto de autonomia
e assegurava a seus últimos representantes a possibilidade de existir ainda que
oprimidos. Na Alemanha, a incapacidade de submeter a vida a um controle
democrático teve um efeito contraditório. Muita coisa escapou ao mecanismo de
mercado que se desencadeou nos países ocidentais. O sistema educativo alemão
juntamente com as universidades, os teatros mais importantes na vida artística, as
grandes orquestras, os museus estavam sob proteção. Os poderes políticos, o
Estado e as municipalidades, aos quais os correspondentes tipos de empresários,
uma parte essas instituições foram legadas como herança do absolutismo, haviam
preservado para elas uma parte daquela independência das relações de dominação
vigentes no mercado, que os príncipes e senhores feudais haviam assegurado até o
século XIX. Isso resguardou a arte em sua fase tardia contra o veredito da oferta e
da procura e aumentou sua resistência muito acima da proteção de que desfrutava
de fato. No próprio mercado, o tributo a uma qualidade sem utilidade e ainda sem
curso converteu-se em poder de compra: é por essa razão que editores literários e
musicais decentes puderam cultivar por exemplo autores que rendiam pouco mais
do que
o respeito do conhecedor.
Tomando lugar de valores superiores ela elimina das massas pela repetição na
forma mais estereotipada do que lemas de aviso pagos por interesses particulares.
A espiritualidade, a forma subjetivamemete restringida da verdade, esteve sempre
mais em dívida a regras exteriores do que se possa imaginar. A industria cultural é
perversa dentro de mentiras despreocupadas. Aparece agora somente como o bobo
superior tolerado pelos consumidores de livros religiosos mais vendidos, filmes
psicologicos, e séries femininas com uma gravidez agradável como ingrediente,
tanto quanto elas possam de modo mais realista controlar suas próprias emoções
humanas. Neste sentido a diversão é catarse que atinge a na única maneira
atribuída por Aristoteles e atualmente por Mortimer Adler.
É de fato fuga, mas não, como se pede, fuga da má realidade mas do ultimo
pensamento de resistência daquela realidade. A libertação que a diversão promete
é de pensar por negação. O desprezo da pergunta retórica "O que o povo quer?"
leva em conta o apelo para muitas pessoas como sujeitos pensantes cuja
subjetividade especificamente procura se anular. Mesmo naquelas ocasiões quando
o público se revolta contra a indústria do prazer ele demostra a fraqueza
sistematicamente instada nele pela indústria. Mesmo assim, tem-se tornado
paulatinamente dificil manter a passividade do público. O avanço da idioticece não
deve estar atrás do simultaneo avanço da inteligência. Na época da estatisticas das
massas são tão astutas para identificar-se com o rico na tela e muito tolo para
desviar-se mesmo minimamente da Lei dos Grandes Números. A ideologia esconde-
se no cálculo de probabilidades. O sucesso poderá não sorrir a todos aqueles que
tenham um bilhete premiado ou, antes, aquele designado fazer por um poder
superior - normalmente a própria indústria cultural, que apresenta-se como
incessantemente na caça de talentos. Aquele descoberto por um caça talento e
então lapidados nos estúdios são tipos dependentes da nova classe média. A estrela
do sexo feminino é suposta simbolizar a secretária, embora de modo fazer parecer
predestinada, diferente da secretaria real, para usar o vestido da noite da moda.
Então ela agrada ao público feminino não só pela possibilidade de que ela, também,
possa parecer na tela, insistentemente numa menor distância entre ambas. Só uma
pode ficar com a melhor parte, só uma está em destaque, e mesmo embora todas
tenham matematicamente a mesma possibilidade, é mínima para cada sujeito que
é melhor para escrever ela deixa e regozija com o sucesso de outro alguém, que
bem pode ser um pouco melhor mas nunca é ela. Enquanto a indústria cultural
convida a uma empatia ingênua, ela imediatamente o nega. Não é possivel a ela
perder-se em outras. Só as cinéfilas veem seu casamento realizado por outras.
Agora a felicidade do casal na tela é um exemplar da mesma especie que todos no
público, mas a mesmice põe a insuperável separação de seus elementos humanos.
A perfeita semelhança é a absoluta diferença. A identidade das espécies proibe para
cada caso individual. A indústria cultural tem ironicamente todas as espécies de
seres humanos. Alguém conta só por aquelas qualidades que ele ou ela pode
substituir cada um: todos são cogumelos,
apenas espécies.
A sociedade reconhece sua própria força na debilidade deles e lhes cede uma
parte. A passividade do indivíduo o qualifica como elemento seguro. Assim o trágico
é liquidado.
A apoteose do tipo médio pertence ao culto do que tem bom preço. As estrelas
mais bem pagas parecem imagens de propaganda de ignorados artigos- padrão.
Não é por nada que são escolhidas com freqüência entre as fileiras dos modelos
comerciais. O gosto dominante tira o seu ideal da publicidade, da beleza de uso.
Assim o dito socrático para o qual o belo é o útil, por fim, acha-se ironicamente
realizado. O cinema faz publicidade para o monopólio cultural no seu todo; no
rádio, os produtos pelos quais existem os bens culturais são elogiados mesmo
individualizadamente. Por 50 centavos, vê-se o filme, que custou milhões, por 10 se
obtém o chiclete que traz em si toda a riqueza do mundo e que a incrementa com a
sua venda. As melhores orquestras do mundo, que não o são absolutamente, são
fornecidas grátis a domicílio. Tudo isso é uma paródia do reino da carochinha, como
a "comunidade popular" o é da humana. Para todos, alguma coisa é preparada. A
exclamação do provinciano que pela primeira vez se dirigia ao velho
Metropoltheater de Berlim, "é incrível o que oferecem por tão pouco", já há algum
tempo foi retomada pela indústria cultural e elevada à condição de substância da
própria produção. Não só esta é sempre acompanhada do triunfo em virtude
mesmo de ser possível, como a todos faz iguais, em grande escala, por efeito desse
mesmo triunfo. O espetáculo significa mostrar a todos o que se tem e o que se
pode. É ainda a velha feira, mas incuravelmente afetada de cultura. Assim como os
visitantes das feiras, atraídos pela voz persuasiva dos vendedores, superavam com
um corajoso sorriso a desilusão causada pelos barracões, pois que, no fundo, já de
antes conheciam o que se lhes apresentava, assim também o freqüentador do
cinema se enfileira compreensivo do lado da instituição. Mas com a acessibilidade
dos produtos "de luxo" em série e com seu complemento, a confusão universal, tem
início uma transformação no caráter de mercadoria da própria arte. Esse caráter
nada tem de novo: só o fato de se reconhecer expressamente, e o de que a arte
renegue a própria autonomia, enfileirando-se com orgulho entre os bens de
consumo, tem o fascínio da novidade. A arte como domínio separado foi possível,
desde o início, apenas como burguesa. Mesmo a sua liberdade, como negação da
funcionalidade social que se impõe pelo mercado, permanece essencialmente ligada
ao pressuposto da economia mercantil. As puras obras de arte, que negam o
caráter de mercadoria da sociedade já pelo fato de seguirem a sua própria lei,
sempre foram, ao mesmo tempo, também mercadorias: e à medida que, até o
século XVII, a proteção dos mecenas defendeu os artistas do mercado, estes eram
sujeitos, em troca, aos mecenas e a seus propósitos. A liberdade dos fins da grande
obra de arte moderna vive do anonimato do mercado. As exigências deste são tão
complexamente mediadas que o artista permanece isento, seja apenas em uma
certa medida, da pretensão determinada: pois sua autonomia, simplesmente
tolerada, foi acompanhada, durante toda a história burguesa, por um momento de
falsidade, que se desenvolveu por último na liquidação social da arte. Beethoven,
mortalmente enfermo, que lança longe de si um romance de Walter Scott
exclamando: "Este escreve por dinheiro!", e que, ao mesmo tempo, usufrui da
venda dos últimos quartetos — suprema recusa do mercado — revela-se um
homem de negócios, ainda que teimoso e nada esperto, oferecendo o exemplo mais
grandioso da unidade dos opostos (mercado e autonomia) na arte burguesa.
Vítimas da ideologia são aqueles que ocultam a contradição, em vez de acolhê-la,
como Beethoven, na consciência da própria produção. Em música, ele refez a cólera
pelo soldo perdido e deduziu aquele metafísico "Dever ser", que procura superar
esteticamente — assumindo-a em si mesmo — a necessidade do mundo, a
necessidade de pagar mensalmente o aluguel. O princípio da estética idealista, a
finalidade sem fim, é a inversão do esquema a que obedece — socialmente — a
arte burguesa: inutilidade para os fins estabelecidos pelo mercado. Por fim, na
demanda de divertimento e dissensão, a finalidade devorou o reino da inutilidade.
Mas como a instância da utilizabilidade da arte se torna total, começa a se delinear
uma variação na íntima estrutura econômica das mercadorias culturais. O útil que
os homens se prometem na sociedade de conflito, por meio da obra de arte, é
exatamente, em larga medida, a existência do inútil: que, entretanto, é liquidado
no ato de ser subjugado por inteiro ao princípio da utilidade. Adequando-se por
completo a necessidade, a obra de arte priva por antecipação os homens daquilo
que ela deveria procurar: liberá-los do princípio da utilidade. Aquilo que se poderia
chamar o valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de
troca, em lugar do prazer estético penetra a idéia de tomar parte e estar em dia;
em lugar da compreensão, ganha-se prestígio. O consumidor torna-se a desculpa
da indústria de divertimento, a cuias instituições ele não se pode subtrair.
Precisa ter visto Mrs. Minniver, como precisa ter em casa as revistas Life e
Time. Tudo é percebido apenas sob o aspecto que pode servir a qualquer outra
coisa, por mais vaga que possa ser a idéia dessa outra. Tudo tem valor somente
enquanto pode ser trocado, não enquanto é alguma coisa de per si. O valor de uso
da arte, o seu ser, é para os consumidores um feitiço, a sua valoração social, que
eles tomam pela escala objetiva das obras, torna-se o seu único valor de uso, a
única qualidade de que usufruem. Assim o caráter de mercadoria da arte se
dissolve no próprio ato de se realizar integralmente. Ela é um tipo de mercadoria,
preparado, inserido, assimilado à produção industrial, adquirível e classificavel, mas
o gênero de mercadoria arte, que vivia do fato de ser vendida, e de, entretanto, ser
invendável, torna-se — hipocritamente — o absolutamente invendável quando o
lucro não é mais só a sua intenção, mas o seu princípio exclusivo. A execução de
Toscanini no rádio é, de certo modo, invendável.
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Inclusão 06/06/2018