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Organizadoras

Acácia A. A. dos Santos


Evely Boruchovitch
Katya L. de Oliveira

Um Instrumento de Diagnóstico e Intervenção


CLOZE
um instrumento
de diagnóstico
e intervenção

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ACÁCIA APARECIDA ANGELI DOS SANTOS
EVELY BORUCHOVITCH
KATYA LUCIANE DE OLIVEIRA
(Organizadoras)

CLOZE
um instrumento
de diagnóstico
e intervenção

Casa do Psicólogo®

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© 2009 Casapsi Livraria, Editora e Gráfica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação,
para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores.
1ª edição
2009
Editores
Ingo Bernd Güntert e Jerome Vonk
Assistente Editorial
Aparecida Ferraz da Silva
Capa
Carla Vogel
Produção gráfica
Ana Karina Rodrigues Caetano
Editoração Eletrônica
Sergio Gzeschnik
Preparação do original
Luciane Helena Gomide
Revisão
Flavia Okumura Bortolon

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cloze: um instrumento de diagnóstico e intervenção/ Acácia Aparecida
Angeli dos Santos, Evely Boruchovitch, Katya Luciane de Oliveira
(organizadoras). — São Paulo: Casa do Psicólogo®, 2009.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7396-644-2
1. Estratégia de aprendizado 2. Técnica de Cloze 3 Universitários
- Compreensão e leitura - Teste de aptidão I. Santos, Acácia Aparecida
Angeli dos. II. Boruchovitch, Evely. III. Oliveira, Katya Luciane de.

09-06007 CDD-371.26
Índices para catálogo sistemático:
1. Técnica de Cloze: Instrumento de avaliação: Estudantes universitários:
Compreensão de leitura: Educação 371.26

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à

Casapsi Livraria, Editora e Gráfica Ltda.


Rua Santo Antônio, 1010
Jardim México • CEP 13253-400
Itatiba/SP Brasil
Tel.: (11) 4524.6997 Site: www.casadopsicologo.com.br

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SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................ 7
Fermino Fernandes Sisto

Apresentação ................................................................................ 13
Acácia Aparecida Angeli dos Santos, Evely Boruchovitch e
Katya Luciane de Oliveira

PARTE I ........................................................................................ 21

Capítulo 1 - Proficiência em leitura: um panorama da situação ..... 23


Maria Aparecida Mezzalira Gomes e Evely Boruchovitch

Capítulo 2 - A técnica de cloze na avaliação da compreensão


em leitura ..................................................................................... 47
Katya Luciane de Oliveira, Evely Boruchovitch e Acácia
Aparecida Angeli dos Santos

Capítulo 3 - Pesquisas com o teste de cloze no Brasil .................. 79


Neide de Brito Cunha

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Capítulo 4 - Estudos com o sistema orientado de cloze para o
ensino fundamental ...................................................................... 119
Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly

PARTE II ....................................................................................... 147

Capítulo 5 - Leitura e desempenho escolar em alunos do


ensino fundamental ...................................................................... 149
Katya Luciane de Oliveira, Evely Boruchovitch e
Acácia Aparecida Angeli dos Santos

Capítulo 6 - Compreensão em leitura no ensino médio:


análise de acertos por item .......................................................... 165
Katya Luciane de Oliveira, Lucicleide Maria de Cantalice e
Fernanda Andrade Freitas

Capítulo 7 - O teste de cloze e o desenvolvimento perceptomotor


no início da escolarização ............................................................ 187
Adriana Cristina Boulhoça Suehiro e
Acácia Aparecida Angeli dos Santos

Capítulo 8 - Maturidade perceptomotora e compreensão


em leitura: um estudo correlacional............................................. 227
Laura de Carvalho e Ana Paula Porto Noronha

Capítulo 9 - A técnica de cloze e o jogo de regras: construindo


relações e conhecimentos ............................................................ 249
Cristina de Andrade Ferreira Silveira e Rosely Palermo Brenelli

Capítulo 10 - Desempenho em leitura e suas relações com o


contexto familiar .......................................................................... 283
Andréia Arruda Guidetti e Selma de Cássia Martinelli

Capítulo 11 - Eficiência de um curso de português no


desenvolvimento da leitura e escrita ............................................ 311
Elza Maria Tavares Silva e Geraldina Porto Witter

Sobre as Autoras ........................................................................... 343

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PREFÁCIO

Tratar de um tema dessa natureza requer uma especialização


e interesse que perpassam a área da psicologia e da educação. Por
se tratar de um fenômeno cognitivo, é mais fácil classificar a com-
preensão da leitura como uma interface entre as duas.
Ademais, quando se dá conta das situações em que o ter-
mo compreensão é utilizado, percebe-se que há o predomínio
da incompreensão do que seja compreensão. É provável que is-
so ocorra em ambas as áreas, ainda que de forma diferente.
Talvez seja mais fácil exemplificar essa incompreensão
em uma situação escolar, por seu uso mais frequente e as preo-
cupações existentes em relação à compreensão dos conteúdos
programáticos aprendidos ou a aprender. É comum ouvir nas es-
colas ou entre educadores que as pessoas precisam compreender
e não memorizar um determinado conteúdo. Afirmações como
“não é para decorar, é para compreender”, “o que se memoriza

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se esquece rapidamente e o que se compreende, não” são cons-


tantes e há muitas variantes dos conteúdos dessas afirmações.
Na realidade, quando se pensa nelas, do ponto de vista
da psicologia, elas são paradoxais. Isso porque é preciso ter em
mente que a memória está entre as capacidades básicas e neces-
sárias para a vida cotidiana. Mais ainda, seria bastante paradoxal
propor uma discussão para um grupo de pessoas de algo de que
nenhum deles se lembra. É provável que essa proposta provo-
casse risos ou até que fosse classificada como algo excêntrico.
Mas quando o professor pede que os alunos não decorem,
que ele não quer respostas como as do texto, que eles se esfor-
cem para compreender o que estão estudando, ele está sério e
acreditando no que está dizendo. O paradoxo não se faz presen-
te para ele. Não há consciência de que a memorização é anterior
à compreensão ou, pelo menos, concomitante. É difícil aceitar
que uma pessoa compreenda o que não se lembra.
Com a leitura ocorre algo similar. Os professores têm
interesse em saber se a pessoa compreende o que lê. É algo im-
bricado no próprio processo educacional. Não se deseja que
uma pessoa leia e não saiba o que está lendo, ainda que isso seja
impossível de acontecer porque sempre alguma compreensão
ocorre. A não ser que a pessoa esteja lendo pseudopalavras ou
em uma língua cujas palavras desconheça. Mas isso são casos
extremos. Na realidade, espera-se (ainda que não se verbalize
frequentemente) uma compreensão de leitura compatível com a
um nível de escolaridade. E essa relação é um problema bastante
importante para ser pesquisada e determinada, isto é, qual seria
o nível bom de leitura para uma pessoa com uma dada escolari-
dade? Esse problema se torna mais complexo ao considerarmos
que temos escolas fundamentais e de ensino médio com níveis
de escolarização bastante diferenciados. No Brasil, infelizmente,

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P REFÁCIO

as 7ª séries do ensino fundamental, por exemplo, são muitas em


termos de patamares de conhecimento. Assim, em uma mesma
escola que tenha várias classes da mesma 7ª, dificilmente haverá
duas similares em termos de conhecimento, ainda que todos os
alunos possam ser aprovados com notas bastante altas. De fato
a nota alta, atualmente, não indica muito bem o que a pessoa
sabe, pois pessoas com notas nove podem ter conhecimentos
bastante diferentes de uma mesma disciplina.
Vejamos um exemplo. Hoje em dia, na 4ª série do ensino
fundamental (ou 5ª ano na nova nomenclatura) das escolas pú-
blicas do estado de São Paulo, há muitos alunos que não sabem
escrever e muitos, também, que escrevem com tantos erros que
,passados uns sete dias, se tiverem que ler o texto que escreve-
ram, não saberão do que se trata. Em contraposição, em algumas
escolas particulares, as crianças estão alfabetizadas na 1ª série
(2º ano na atual nomenclatura).
Assim, ao propor esse tipo de pesquisa, não estou des-
merecendo a plasticidade e flexibilidade de nosso ensino. Mas
valeria a pena tentar investigar a compatibilidade entre os níveis
de leitura dos alunos e a série cursada, deixando claras as cir-
cunstâncias, para que se possa interpretar e saber o significado
desse parâmetro. Isso porque um parâmetro empírico da rea-
lidade escolar sempre permite uma descrição mais realista do
sistema de ensino.
Mas podemos voltar às preocupações mais básicas de
compreensão de leitura, relacionadas aos princípios da sua aqui-
sição, mas não tão ao princípio, quando ela ainda se mescla com
a aquisição da escrita. Ler um texto em uma sala de aula e de-
pois perguntar sobre ele é uma prática comum, principalmente
no ensino fundamental. As perguntas estarão em um continuo
em que as respostas estão no texto, até o oposto, em que não

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estão explicitadas no texto, necessitando de interpretação. Com


as perguntas que necessitam de uma interpretação, há um fenô-
meno bastante curioso. Se é para interpretar, porque só existe
uma resposta correta? Na interpretação não se pode dar asas
à imaginação? Por que não se procura entender o porquê da
interpretação do outro ao invés de se classificá-la como errada?
Depois de certa idade, soube que a precisão linguística é algo
difícil de ser alcançado... E a maior parte das vezes um texto
pode ser interpretado corretamente de várias maneiras e cabe
ao professor ensinar qual a interpretação correta, em conso-
nância aos dados que subjazem àqueles conhecimentos e a
cultura que permeia esse texto.
Se isso é correto, fornecer perguntas que solicitem in-
terpretação não indica que ela se relaciona diretamente com
a compreensão do texto (ainda que haja uma boa comunicabi-
lidade), pois outros fatores culturais estão interagindo com o
fenômeno. Em contraposição, ao se fornecer perguntas cujas
respostas estão no texto, se está instando ao uso da compreen-
são ou da memória?
De forma bem resumida, pode-se observar que em um ex-
tremo do contínuo a compreensão pode estar sendo confundida
ou estar mesclada com cultura e, no outro, com memória. Nesse
contexto, pode-se perguntar se a compreensão de leitura é um
fenômeno contraditório, híbrido, multifacetário, difícil de ser
captado, entre muitos outros.
Particularmente, acredito que é desse modo que a técnica
de Cloze torna-se especialmente interessante. Quando um texto
em formato Cloze, em qualquer de suas formas (exceção feita a
um texto que seja usado para se verificar a aprendizagem de um
conteúdo tal como o “descobrimento do Brasil” ou a “citologia”,
por exemplo) é aplicado pela primeira vez, esse momento é de

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P REFÁCIO

grande importância. Se o texto é desconhecido pela pessoa que


está sendo examinada, o fenômeno observado não se confunde
com a memória e a resposta encontrada pode estar desliga-
da de conhecimentos específicos (cultura). Em outros termos,
a resposta para as lacunas pode ser encontrada em razão da
própria lógica e sentido do texto. Essa possibilidade favorece
interpretar que a compreensão de leitura está sendo captada
com uma pureza que não é comum no cotidiano da escola,
local onde é bastante usada.
Nesse contexto, posso afirmar que a contribuição que os
vários estudos oferecidos neste livro proporcionam só pode
ser considerada intrigante, pois a maneira de diagnosticar o
fenômeno é uma das mais auspiciosas e menos imbricadas com
outros fenômenos.
Mas o interessante não é apenas isso. Os autores são
pessoas com história na utilização da técnica e retratam uma
experiência que, em alguns casos, está além do usual e do cir-
cunstancial. Por isso, há mãos hábeis por trás desses escritos que
procuram, sem apologias (num país onde no processo escolar as
apologias se sucedem e os problemas não são resolvidos), forne-
cer informações de nossa realidade educacional e fundamentos
para sua interpretação, tendo como bojo o interesse na melhoria
do ensino. Ao mesmo tempo, não se trata de contribuições repe-
titivas e extemporâneas: cada texto consegue descortinar uma
realidade inesperada por suas relações com outros fenômenos e
com uma abordagem personalizada.
Para mim, foi uma leitura que me ensinou muito. Por isso,
não sei se estava à altura para prefaciar um livro com um con-
teúdo, ao mesmo tempo, específico e valioso.

Fermino Fernandes Sisto

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APRESENTAÇÃO

A competência em leitura é uma das habilidades mais


importantes, não só para o sucesso em todas as áreas do saber
durante a escolarização formal, mas também para o exercício da
cidadania e a participação plena do indivíduo em uma socieda-
de moderna e democrática. A leitura e sua compreensão, como
tema, sempre despertaram o interesse no meio acadêmico e
científico. Conhecer e estudar a compreensão em leitura, a par-
tir de questões levantadas, sob uma perspectiva multidisciplinar
proposta por educadores, linguistas e psicólogos, representa um
grande passo para as áreas da educação e da psicologia.
Este livro busca colocar em discussão alguns temas que estão
diretamente relacionados à compreensão em leitura, especialmen-
te, utilizando como foco a técnica de Cloze como ferramenta que
permite tanto o diagnóstico quanto a intervenção nas dificuldades
associadas à compreensão de textos. As questões, ora apresenta-
das são de ordem prática e teórica, sempre tendo como referência

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o cotidiano escolar. Organizado por Acácia Aparecida Angeli dos


Santos, Evely Boruchovitch e Katya Luciane de Oliveira, também
conta com a valiosa contribuição de outros autores que têm tra-
balhado e pesquisado a compreensão da leitura, por meio do
emprego da técnica de Cloze.
É interessante relembrarmos neste livro que o termo Cloze
é originado do conceito de “closure” (fechamento) no sentido
de complementação. Analogamente, pode-se pensar em uma
figura em que falte um pedaço que deve ser completado de ma-
neira a garantir a integridade da forma completa. Para tanto, as
pessoas utilizam como recurso sua experiência passada ou seu
conhecimento prévio, bem como seu raciocínio. Geralmente,
o trecho utilizado como forma de avaliação da compreensão é
apresentado por escrito, sendo que a palavra suprimida é subs-
tituída por um traço sempre do mesmo tamanho ou, ainda, por
um traço proporcional ao tamanho da palavra omitida. A opção
por uma das formas depende do quanto se quer dificultar ou não
a tarefa, sendo importante lembrar que sempre há uma correla-
ção significativa entre o número de acertos no Cloze e outras
medidas de avaliação da compreensão da leitura. Detalhes da
elaboração e do uso da técnica como instrumento de diagnós-
tico ou de desenvolvimento de compreensão da leitura serão
abordados pelos autores convidados a colaborar conosco na rea-
lização desta obra.
Em sua versão final, este livro, composto por onze capítu-
los, aborda a temática da compreensão em leitura de uma forma
bastante abrangente, à luz de diversas correntes teóricas. O livro
foi estruturado em duas partes. A primeira contém quatro capítu-
los que trazem um panorama geral da leitura e as pesquisas sobre
o tema, bem como apresentam os fundamentos da técnica de
Cloze e suas possíveis variações. Os sete capítulos subsequentes

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A PRESENTAÇÃO

constituem a segunda parte do livro e abordam questões perti-


nentes ao diagnóstico e à intervenção da compreensão por meio
da técnica de Cloze. Com referências bibliográficas atualizadas
no final, todos os capítulos proporcionam ao leitor a possibilida-
de de ampliar seu conhecimento em assuntos específicos.
Por ser uma das habilidades fundamentais para a apren-
dizagem de muitos dos conteúdos escolares, a importância
da competência em leitura na vida do aluno é inquestionável.
Lamentavelmente, dados revelam que os estudantes não têm
conseguido alcançar a proficiência em leitura, desde o início da
escolarização. O leitor encontrará no Capítulo 1, “Proficiência
em leitura: um panorama da situação”, de autoria de Maria
Aparecida Mezzalira Gomes e Evely Boruchovitch, um retrato e
uma análise crítica dessa situação, bem como propostas para a
superação desse sério problema em nosso contexto educativo.
“A técnica de Cloze na avaliação da compreensão em
leitura” é o título do Capítulo 2, escrito por Katya Luciane de
Oliveira, Evely Boruchovitch e Acácia Aparecida Angeli dos
Santos. O capítulo aborda de forma didática as aplicações da téc-
nica de Cloze no contexto da sala de aula. As autoras apresentam
as possíveis variações, pontuações e interpretações do Cloze, o
que remete à conclusão de que a técnica pode ser empregada
tanto por educadores em sala de aula quanto por psicólogos que
desejam levantar eventuais dificuldades de leitura. Os exemplos
apresentados pelos autores ilustram a facilidade no manejo do
teste de Cloze.
As considerações sobre as pesquisas de compreensão em
leitura no Brasil parecem ter readquirido um novo e importante
significado, segundo a opinião de Neide de Brito Cunha, que
traz, no Capítulo 3, o tema “Pesquisas com o teste de Cloze no
Brasil”. Para a autora, a compreensão em leitura não deve ficar

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restrita unicamente a trabalhos que se limitam a questões pedagó-


gicas, visto que há um intercâmbio de variáveis associadas ao tema
e que exigem um olhar psicopedagógico, envolvendo linguistas,
educadores e psicólogos. As pesquisas trazidas evidenciam essa
interação dinâmica de diferentes profissionais engajados em um
único objetivo: levantar a compreensão em leitura.
Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly, no Capítulo 4, dis-
corre sobre os “Estudos com o sistema orientado de Cloze para
o ensino fundamental”. Aqui, ela prioriza o problema do abando-
no do ensino da geometria no ensino fundamental, e as questões
teóricas apontadas identificam alguns fatores tradicionalmente
implicados no diagnóstico da compreensão, utilizando a técni-
ca de Cloze. As considerações trazidas indicam que o Cloze se
constitui em um teste psicoeducacional que permite identifi-
car quais habilidades e dificuldades caracterizam o processo de
compreensão do estudante e concluem que a leitura deve ser
conceituada como a habilidade necessária para compreender a
linguagem escrita. Também é dada ênfase à eficácia da técnica
como uma medida de inteligibilidade do texto (readability) e
um indicador da habilidade de leitura (reading ability).
O Capítulo 5, de autoria de Katya Luciane de Oliveira,
Evely Boruchovitch e Acácia Aparecida Angeli dos Santos, versa
sobre as questões relacionadas à “Leitura e desempenho escolar
em alunos do ensino fundamental”. Sob a perspectiva de uma
abordagem que corrobora a concepção de que a aprendizagem e
o desempenho escolar são a interação entre o sujeito e seu meio,
as autoras prestam sua contribuição ao tema. A pesquisa revela
a pouca habilidade de compreensão textual dos participantes,
estabelecendo uma clara associação entre a compreensão da
leitura, o desempenho escolar real e o desempenho escolar
autopercebido de alunos da 5ª série do ensino fundamental.

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A PRESENTAÇÃO

A ideia emergente no texto é que medidas interventivas devem


ser adotadas de modo a viabilizar o diagnóstico e a remediação
das dificuldades inerentes à compreensão em leitura.
Com o objetivo de explorar a “Compreensão em leitura
no ensino médio: análise de acertos por item”, Katya Luciane
de Oliveira, Lucicleide Maria de Cantalice e Fernanda Andrade
Freitas apresentam, no Capítulo 6, resultados de pesquisa que
demonstram que os alunos do ensino médio possuem uma
compreensão em leitura muito aquém do esperado para esse
nível de escolaridade e que no teste de Cloze eles acertam com
maior frequência as palavras com sentido contíguo, por denota-
rem uma menor dificuldade na compreensão textual. As autoras
consideram que, tradicionalmente, as pesquisas não priorizam
a compreensão em leitura no ensino médio, havendo a necessi-
dade de se ampliar as investigações sobre o tema nessa etapa da
escolarização.
Adriana Cristina Boulhoça Suehiro e Acácia Aparecida
Angeli dos Santos, além de oferecerem, no Capítulo 7, “O teste
de Cloze e o desenvolvimento perceptomotor no início da esco-
larização”, exposições atualizadas do estado da arte acerca das
relações entre o desenvolvimento perceptomotor e a compre-
ensão da leitura, temática ainda muito pouco estudada em nosso
meio, revelam, por meio de pesquisa sistemática, o potencial do
teste de Cloze para captar dificuldades visomotoras de estudan-
tes do ensino fundamental.
No Capítulo 8, Laura de Carvalho e Ana Paula Porto
Noronha tecem considerações sobre a “Maturidade percepto-
motora e compreensão em leitura: um estudo correlacional”.
O estudo visou explorar as relações entre a compreensão em
leitura (teste de Cloze) e a maturidade visomotora (teste Bender-
SPG) de crianças de 7 a 10 anos. Os resultados alcançados

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propõem um novo olhar sobre essa questão, visto que se verifi-


cou uma relação estatisticamente significativa entre as variáveis
estudadas, confirmando que o desenvolvimento perceptivo-
motor adequado e a compreensão de leitura possuem domínios
comuns, embora devam ser considerados construtos distintos.
No Capítulo 9, “A técnica de Cloze e o jogo de regras: cons-
truindo relações e conhecimentos”, Cristina de Andrade Ferreira
Silveira e Rosely Palermo Brenelli abordam e fornecem ao lei-
tor evidências empíricas acerca das importantes relações entre
níveis de compreensão da leitura, níveis de desenvolvimento
cognitivo e desempenho no jogo. Foi entre os participantes que
apresentaram o nível independente de compreensão da leitura
no Cloze que as condutas mais evoluídas do desenvolvimento
cognitivo e o melhor desempenho no jogo emergiram.
Um outro tema que recentemente tem sido objeto de estu-
do e interesse entre pesquisadores é a importância do ambiente
familiar na motivação para a leitura e no desenvolvimento da
compreensão leitora. Nesse sentido, Andréia Arruda Guidetti
e Selma de Cássia Martinelli, no Capítulo 10, “Desempenho
em leitura e suas relações com o contexto familiar”, avaliaram
a compreensão em leitura de crianças do ensino fundamental
na relação com a percepção infantil sobre os suportes e recur-
sos do ambiente familiar. O menor desempenho em leitura foi
encontrado entre os estudantes que apresentavam percepções
mais negativas de seus ambientes familiares.
Não restam dúvidas de que muitos educadores e psicólo-
gos concordam e defendem que a compreensão assume grande
importância seja qual for o propósito da leitura e que no en-
sino superior desempenha um papel ainda mais importante: o
da constituição dos futuros profissionais que deverão ter uma
visão mais crítica da realidade. Sob essa perspectiva, Elza Maria

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A PRESENTAÇÃO

Tavares Silva e Geraldina Porto Witter trazem, no Capítulo 11, o


tema “Eficiência de um curso de português no desenvolvimento
da leitura e escrita”. As autoras corroboram o fato de que o alu-
no que chega à universidade, por vezes, não apresenta a leitura
crítica desejada para o seu nível, o que resulta em uma produção
textual pobre. Desse modo, expõem a necessidade de progra-
mas paliativos, atribuindo ênfase maior à importância de como
trabalhar com os estudantes de forma que a leitura e a redação
não sejam somente atividades escolares, mas habilidades essen-
ciais para o sucesso acadêmico e profissional.
O livro pode ser recomendado a psicólogos, educadores,
linguistas, estudantes e a todos os profissionais interessados pe-
la área escolar. É também um material que não deve faltar nas
bibliotecas das universidades, em virtude do variado repertório
de assuntos, possibilitando o levantamento de novas questões
e contribuindo indiscutivelmente para o crescimento teórico e
prático do conhecimento acerca da leitura e sua compreensão.
Assim, como organizadoras desta obra, nutrimos a expectativa
de que os diferentes temas aqui abordados, todos com base na
técnica de Cloze, sejam de grande valia para aqueles que se in-
teressam em estudar, pesquisar ou utilizá-los em suas atividades
de ensino e/ou atuação psicopedagógica.

Acácia Aparecida Angeli dos Santos,


Evely Boruchovitch e Katya Luciane de Oliveira

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PARTE I

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CAPÍTULO 1
PROFICIÊNCIA
EM LEITURA:
UM PANORAMA DA SITUAÇÃO
Maria Aparecida Mezzalira Gomes
Evely Boruchovitch

No último século, no Brasil, houve um significativo aumen-


to das oportunidades educacionais. No entanto, de cada cem
alunos matriculados na 1a série do primeiro grau em 1978 (atual
ensino fundamental), apenas 18,3% se encontravam nas 8as sé-
ries em 1985. Além disso, nesse mesmo ano, mais de 40% dos
alunos ainda eram excluídos da escola na passagem da 1a para
a 2a série (14,01% por evasão e 24,48% por repetência). Em al-
gumas regiões, o índice de retenção chegava a 50%. Entretanto,
a exclusão de grande parte dos estudantes era apenas uma das
faces mais visíveis do fracasso escolar (Werebe, 1994).
Desde 1948 a educação é considerada um direito pela
Carta Internacional de Direitos Humanos (Unesco, 2003), mas,
apenas nos anos 1960, a Constituição Federal proclamou a edu-
cação obrigatória e gratuita dos 7 aos 14 anos. A extensão oficial
da escolarização, porém, foi insuficiente para garantir o acesso
e a permanência de crianças e jovens na escola, embora tenha

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C LOZE UM INSTRUMENTO DE DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

representado um grande passo. A atual Constituição Federal


previu a progressiva implementação da Educação Básica, da
educação infantil ao ensino médio, o que ainda não ocorreu
de fato. Essas conquistas refletem não apenas a pressão social
pela educação, como também compromissos assumidos pe-
los governos em conferências internacionais. A Declaração
Mundial de Jomtien (Unesco, 1990) e o Marco de Ação de
Dacar (Unesco, 2000) assumem um caráter jurídico, atribuindo
aos governos nacionais a responsabilidade de cumprir as metas
para o milênio até 2015. Entre elas estão garantir a atenção e
os cuidados necessários à educação na primeira infância, pro-
gramas de aprendizagem para jovens e adultos e a melhoria da
qualidade na educação.
No final da década de 1990, foi amplamente divulgado que
97% da população brasileira entre 7 e 14 anos estavam na escola.
Contudo, nos primeiros anos do século XXI, o fracasso escolar
tem assumido uma nova forma, mais assustadora, que é a do en-
sino sem aprendizagem (Glória, 2003).
Nos Sistemas de Avaliação Externa, previstos pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o desempenho
dos alunos do ensino fundamental e médio tem se revelado mui-
to aquém dos objetivos visados pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNS). Ou seja, os estudantes não atingem as habi-
lidades e competências necessárias para participar plenamente
da sociedade moderna e do mundo do trabalho, exercendo sua
cidadania em uma sociedade democrática. De acordo com os
critérios do Ministério de Educação e Cultura (MEC), nas ava-
liações da Educação Básica, com relação à língua portuguesa,
os estudantes são distribuídos em oito níveis, que correspon-
dem a faixas de proficiência, posteriormente organizadas em
uma escala única, o que torna possível comparar alunos entre

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diferentes séries e anos. Relatórios oficiais mostram que os es-


tudantes do ensino médio, avaliados em 2001, situaram-se em
estágios de construção de competências e desenvolvimento de
habilidades aquém do esperado para o seu nível de escolariza-
ção (Inep, 2004).
No nível muito crítico ficaram 4,92% dos estudantes ava-
liados (habilidades de leitura compatíveis com as de alunos de
4ª e 8ª séries, com pontuação entre 125 e 150 pontos); no nível
crítico ficaram 37,2% dos estudantes (com desempenho em al-
gumas habilidades de leitura de textos narrativos e informativos
simples e pontuação situada entre 175 e 200 pontos). Esses
resultados considerados insuficientes abrangeram 42,12% dos
alunos inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
em 2001. Pouco mais da metade dos avaliados − 52,54% dos
participantes − obtiveram entre 200 e 250 pontos e situaram-
se no nível intermediário (habilidades de leitura insuficientes
para o grau de letramento desejável ao final do ensino médio).
O nível adequado, no qual os estudantes possuem habilidades
de leitura compatíveis com as três séries do ensino médio e
mostram domínio de textos argumentativos mais complexos e
longos, poemas e cartuns, assim como os recursos linguístico-
discursivos utilizados na construção de gêneros, foi atingido
por apenas 5,34% dos alunos com 300 a 375 pontos ou mais
(Inep, 2004).
A escolarização sem aprendizagem começa nas séries
iniciais do ensino fundamental. No ano de 2001, os alunos de
4a série do ensino fundamental, avaliados pelo Sistema de Avaliação
da Educação Básica (Saeb) foram classificados nos seguintes ní-
veis: a) muito crítico: 22,2% (estudantes que não desenvolveram
habilidades de leitura, não foram alfabetizados adequadamente
e se situaram abaixo do nível 1 da escala do Saeb (125 pontos);

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C LOZE UM INSTRUMENTO DE DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

b) crítico: 36,8% dos participantes não puderam ser considera-


dos leitores competentes porque leem de forma truncada apenas
frases simples (ficaram localizados nos níveis 1 e 2 da escala do
Saeb, tendo obtido entre 125 e 175 pontos); c) intermediário:
36,2% dos participantes demonstraram estar no início do desen-
volvimento das habilidades de leitura, mas se situaram aquém
do nível exigido para a 4a série, localizando-se entre os níveis 3
e 4 da escala do Saeb (175 a 250 pontos); d) adequado: apenas
4,4% dos alunos demonstraram ser leitores com níveis de com-
preensão apropriados à 4a série e localizaram-se no nível 5 da
escala (250 a 300 pontos); e) avançado: 0,4% dos alunos avalia-
dos (15.768 estudantes) atingiram o nível 6 da escala do Saeb,
demonstrando ter habilidades de leitura já consolidadas e acima
do nível esperado para a série, isto é, mais de 300 pontos (Inep/
Saeb, 2002a ; 2003a).
O desempenho dos alunos de 8a série foi semelhante,
sendo que 4,8% dos alunos foram classificados em um estágio
muito crítico; 20,0%, no estágio crítico; 64,7% situaram-se no
nível intermediário; 10,6%, no estágio adequado; 0,06% atin-
giu níveis acima do esperado para a série. Ou seja, a maioria dos
concluintes do ensino fundamental desenvolveu competências e
habilidades de compreensão de gráficos e tabelas simples, textos
narrativos e outros de baixa complexidade aquém das possibili-
dades de participação em atividades de letramento exigidas em
uma sociedade aberta e multicultural (Inep, 2003b).
Em um estudo comparado das avaliações dos últimos dez
anos ficou evidente que a amostra de estudantes avaliados em
2005 praticamente foi o dobro daquela avaliada em 1995 nos
diferentes segmentos (4a e 8a séries do ensino fundamental e
3a série do ensino médio). Por outro lado, o desempenho dos
alunos em língua portuguesa piorou, com pequenas oscilações,

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P ROFICIÊNCIA EM LEITURA : UM PANORAMA DA SITUAÇÃO

sendo que os resultados brutos de todas as regiões brasileiras


da 4a série caíram de 290 pontos em 1995 para 258 pontos em
2005; na 8a série, decaíram de 256 para 232, e na 3a série do
ensino médio, de 188 para 172 (Inep/Saeb, 2007). Convém regis-
trar, também, que além da análise quantitativa foram realizadas
análises qualitativas baseadas no cruzamento dos escores de
desempenho com os dados demográficos solicitados aos partici-
pantes e que poderão ser encontrados nas publicações citadas.
Esses resultados não foram incluídos neste texto por não serem
o foco do capítulo.
Nas avaliações internacionais, os alunos brasileiros tam-
bém não têm se saído bem, comparativamente a outros países de
diversos continentes. No Programme for International Student
Assessment 2000 (Pisa), cuja ênfase foi nas competências em
leitura em língua materna, os escores obtidos pelos países fo-
ram organizados em uma escala com cinco níveis: a) 335 a 407
pontos; b) 408 a 480; c) 481 a 552; d) 553 a 625; e) 625 ou mais
pontos. Entre 42 países participantes, o Brasil foi o penúltimo
classificado, com 375 pontos. Apenas a Argentina (396 pontos),
o Brasil, o Chile (415) e o Peru (333) representaram a América
do Sul nessa avaliação. O país que atingiu a melhor pontuação
foi a Coreia com 552 pontos (OECD/Unesco-UIS, 2003).
Não se pretende validar nem questionar esses procedimen-
tos avaliativos nem os dados obtidos quanto ao conteúdo, à forma,
ou a aspectos sociais e ideológicos envolvidos. Isso porque são os
únicos disponíveis com essa abrangência e amplitude. Análises e in-
terpretações dessas avaliações nacionais e internacionais têm sido
realizadas por estudiosos de diferentes áreas e podem ser encon-
tradas em Abicalil (2002); Barretto (2001); Bonamino, Coscarelli e
Fanco (2002); Carvalho (2001); Cury (2002); Ferretti (2002); Franco
(2001); Santos (2002), entre outros.

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C LOZE UM INSTRUMENTO DE DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

O foco deste capítulo é a leitura como objeto de ensino


e de aprendizagem. Inicialmente, serão examinadas algumas
das questões, controversas sobre o tema, as quais se refletem
na atuação dos diferentes atores que transitam pela educação.
Entre essas questões podem ser mencionadas as concepções de
leitura e de competência leitora e suas implicações nos proces-
sos de intervenção e avaliação, com o objetivo de melhorar o
ensino e a aprendizagem. Um ponto de partida importante para
essa análise é admitir que as questões relativas a esse problema
sejam de caráter multidisciplinar envolvendo conhecimentos
linguísticos, psicolinguísticos, sociológicos, sociolinguísticos,
filosóficos, psicológicos, pedagógicos, entre outros.
No entanto, não obstante o grande avanço científico das
ciências da educação e da linguística, destacando-se as valiosas
contribuições de pesquisadores das diversas áreas para o ensino
e a aprendizagem da leitura na escola no último século, as con-
trovérsias ainda são inúmeras. Apesar de muitos estudos sobre
o tema terem sido publicados nas últimas décadas, a transforma-
ção da realidade tem sido pontual e incipiente. De fato, no meio
social, mesmo observando as pessoas escolarizadas, muitas não
gostam de ler, leem muito pouco ou leem mal, e esse fato ocorre
não apenas no Brasil como em países mais adiantados do ponto
de vista econômico e educacional (Kleiman, 2004).
O conceito de leitura, assim como a noção de proficiência
em língua portuguesa, é entendido de diferentes modos, de
acordo com as concepções de língua e linguagem adotadas.
As ciências da linguagem apresentaram avanços conceituais e
metodológicos expressivos ao longo do século XX. De acordo
com Orlandi (1988), a linguística do início do século XX teve
Saussure como ícone, a língua como objeto teórico e por ei-
xo de análise, o signo (linguística da palavra). Já a gramática

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P ROFICIÊNCIA EM LEITURA : UM PANORAMA DA SITUAÇÃO

transformacional focalizou a relação entre a competência


linguística e a estrutura da frase e, finalmente, na análise do
discurso, o objeto analítico é o discurso oral ou escrito materia-
lizado em um texto, que não se reduz a uma soma de palavras
ou frases (linguística discursiva e textual).
Ao longo das últimas décadas a ênfase dos estudos da área
da linguagem deslocou-se do produto para o processo, isto é, pa-
ra o funcionamento da língua (Orlandi, 1988). Nessa perspectiva
discursiva, a atividade linguística (oralidade, escrita e leitura)
é dialógica e envolve uma interação entre interlocutores reais
(embora nem sempre presentes no mesmo tempo e no mesmo
espaço). Pressupõe intencionalidade, contexto e situação (não
meramente escolares, mas histórico-sociais) que emolduram o
evento linguístico (Matencio, 1998).
Consistente com esses posicionamentos, do ponto de vis-
ta didático-pedagógico, segundo as orientações adotadas nos
PCNs de Português, a competência em linguagens constitui-se
de um eixo cognitivo que deverá permitir às pessoas escolari-
zadas dominar a norma culta da língua portuguesa, assim como
construir e aplicar conceitos das diversas áreas do conhecimen-
to para a compreensão dos fenômenos naturais. Para isso, o
estudante deverá ser capaz de selecionar, organizar, interpretar
dados, relacioná-los para tomar decisões, enfrentar problemas,
construir argumentação consistente e, sobretudo, elaborar pro-
postas de intervenção solidária na realidade, respeitando os
valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.
Entre as competências gerais a serem desenvolvidas, incluem-
se, portanto, o reconhecimento das linguagens como elementos
integradores dos sistemas de comunicação e o desenvolvimento
de uma consciência crítica sobre os usos que se fazem delas; a
compreensão e valorização da literatura; bem como a utilização

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da língua materna para estruturar a experiência e, explicar a


realidade, e analisar os diferentes discursos, inclusive o próprio
discurso como forma de avaliar criticamente os textos. Incluem-
se também o reconhecimento e a valorização da linguagem do
próprio grupo social e as diferentes variedades do português,
procurando combater o preconceito linguístico (MEC, 1997,
2000; MEC/PCNLP, 1998).
Relativamente às habilidades a serem desenvolvidas,
mencionam-se, entre muitas outras, a distinção e utilização
dos diferentes recursos das linguagens utilizados em diferentes
meios, sistemas e suportes, como forma de se resolverem proble-
mas em conformidade com sua função social. Outra habilidade
citada é a identificação de produtos e procedimentos artísticos
expressos em várias linguagens, as categorias pertinentes de aná-
lise e interpretação do texto literário, os procedimentos para sua
construção, assim como a identificação, em um texto literário,
das relações entre tema, estilo e contexto histórico de produção
e a utilização desses conhecimentos para atribuir-lhe um sentido.
Também é relevante o reconhecimento da importância do patri-
mônio literário para a preservação da memória e da identidade
nacional, em seus diferentes temas, gêneros, suportes textuais,
formas e recursos expressivos; a identificação da função predo-
minante (informativa, persuasiva etc.) dos textos em situações
específicas de interlocução, a inferência de possíveis intenções
do autor marcadas no texto. Importa igualmente o reconheci-
mento dos procedimentos de persuasão utilizados pelo autor e
as marcas de valores e intenções que expressam interesses polí-
ticos, ideológicos e econômicos.
O elenco dessas competências, que não esgotam todo o
referencial adotado para a Educação Básica, serve de parâmetro
à organização dos currículos e programas no Brasil, assim como

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às avaliações institucionais nacionais (Inep/Saeb, 2002a). Essas


competências são semelhantes àquelas que atualmente são pro-
postas em muitos países e objeto das avaliações internacionais.
Ao final da Educação Básica, para que o aluno egresso do ensino
médio seja capaz de compreender e utilizar plenamente as dife-
rentes linguagens presentes em seu meio social, é preciso um
trabalho pedagógico consistente e coerente ao longo de todo o
processo de escolarização.
A proposta curricular de língua portuguesa incorporou,
pois, os avanços teóricos da linguística atual, assim como da so-
ciolinguística, psicolinguística e pragmática, juntamente com
áreas correlatas e que constituem hoje ciências da linguagem.
Não se exige do estudante a memorização das regras de gramá-
tica, mas, sim, o seu uso nas diferentes situações de interação
por meio da linguagem oral ou escrita, em condições reais de
produção, ou seja, de modo contextualizado. As atividades bási-
cas da linguagem como ouvir, falar, ler, escrever, compreender
pressupõem habilidades e competências a serem desenvolvidas
ao longo da Educação Básica, desde a Educação Infantil.
Rockwell (2001) e Signorini (2006), entre outros auto-
res estrangeiros e brasileiros, condenam uma supervalorização
de aspectos cognitivos relacionados à leitura em detrimento
dos aspectos socioculturais. Eles argumentam que a oralidade
influencia o uso social da escrita e que a escola deverá criar situa-
ções de leitura compartilhada para a construção do sentido dos
textos, em vez de priorizar a leitura e interpretação individual
dos mesmos. De acordo com essa concepção, os objetivos do
desenvolvimento em leitura deverão enfatizar a compreensão e
utilização dos textos existentes na comunidade, em consonância
com seus usos nos diferentes contextos, e valorizar a aproxima-
ção da leitura com as experiências dos estudantes. Da mesma

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forma, a ênfase na uniformidade deve ser substituída pela multi-


plicidade de sentidos e permitir que processos sociais e políticos
externos à escola permeiem a cultura escolar.
Essa discussão tem relação com os conceitos e as práticas
de alfabetização e de leitura na escola que envolvem um novo
conceito, o do letramento, na dimensão individual e social, como
se verá a seguir. Poucos anos de escolarização são insuficientes
para consolidar nas pessoas alfabetizadas as competências e ha-
bilidades necessárias para participarem de todas as atividades
sociais que envolvem a lecto-escritura. Ou seja, o abandono pre-
coce da escola pode levar a uma regressão a estágios próximos
do analfabetismo (Ribeiro, 2001). Daí a necessidade de amplia-
ção do número de anos de estudo da Educação Básica, para que
o estudante, criança ou adulto, aproprie-se da leitura e da escrita
e faça uso delas em seu meio social.
Além disso, de acordo com Chartier (1995), Goulart (2001)
e Rockwell (2001), promover a melhoria do ensino e da apren-
dizagem implica promover a oralidade, a alfabetização e a leitura
integradas ao uso social da leitura e da escrita e contextualizadas
de forma a serem incorporadas no cotidiano da vida do aluno e de
sua família. Esse algo a mais, além da alfabetização, é o que se
entende por letramento na sua dimensão individual (Kato, 1986;
Kleiman, 2004; Matencio, 1998; Soares, 2004a).
Segundo Soares (1998), o letramento traz para o indiví-
duo consequências cognitivas, linguísticas, sociais e culturais.
Tornar-se letrado é, pois, mais do que desenvolver as habilidades
de leitura e de escrita e utilizá-las como eixos de outras apren-
dizagens durante o processo de escolarização, é apropriar-se
da leitura e da escrita e utilizá-las para fins individuais e sociais
(Kleiman, 2004; Soares, 2004b). Essa tarefa ultrapassa a respon-
sabilidade exclusiva dos professores de língua portuguesa e vai

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além dos muros da escola, proporcionando às pessoas possibili-


dades de participarem plenamente da cultura letrada.
Quando se estuda a dimensão social do letramento em uma
população, verifica-se que campanhas nacionais de alfabetização
de adultos, por si só, dificilmente melhoram os níveis de alfa-
betismo da população, divulgados após avaliações censitárias.
Por outro lado, mudanças conceituais a respeito da classificação
sobre o que caracteriza o ser ou não ser analfabeto/alfabetizado,
iletrado/letrado ocorreram ao longo do século XX e influencia-
ram as práticas e as interpretações dessas medidas (Pinto, Brant,
Sampaio & Pascom, 2003; Popkewitz & Lindblad, 2001; Ribeiro,
2001; Soares, 1998).
Ao final dos anos 1970, a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) propôs a am-
pliação do conceito de literate para functionally literate e,
portanto, sugeriu que os critérios de avaliação sobre domínio de
competências de leitura e de escrita incluíssem a capacidade de
usar socialmente a capacidade de saber ler e escrever. No dizer
de Ferraro (2002), refletindo essa mudança, no Brasil, atualmen-
te, a avaliação censitária repousa sobre os anos de escolaridade
concluídos, o que permite classificar a população desde o anal-
fabetismo funcional (capacidade de ler e escrever um bilhete)
até outros níveis mais elevados de letramento (a capacidade de
compreensão e o uso de textos que circulam no meio social).
Kleiman (2004), Ribeiro, Vóvio e Moura (2002) e Soares (2004a)
descrevem as mudanças desses critérios de avaliação.
À medida que uma sociedade se torna mais complexa,
maiores são, pois, as exigências para a participação ativa dos ci-
dadãos. Ainda que no cotidiano a oralidade seja suficiente para a
interação bem-sucedida entre os participantes de um determina-
do grupo social, em uma cultura letrada, as práticas de leitura e

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de escrita são diversificadas. Dessa forma, o estado ou condição


de uma pessoa ser ou não ser letrada influencia o seu modo de
viver nessa sociedade, de inserir-se na cultura e de relacionar-se
com as demais pessoas (Goulart, 2006; Soares, 2004a,b).
Infelizmente, conforme os dados apresentados anterior-
mente, em muitas escolas, crianças chegam à 4ª série, ou até
mesmo à 8a, sem o domínio do processo de leitura e escrita.
Diversos fatores, externos e internos à escola − inclusive a não
compreensão ou não aceitação de mecanismos de flexibilização
da organização curricular permitida pela LDB. 9394/96, a falta
de propostas efetivas de atendimento diferenciado aos alunos
com defasagens e/ou necessidades especiais −, têm contribuído
para que a evasão e a repetência sejam substituídas pela escola-
rização sem aprendizagem (Inep/Saeb, 2002b; Duran, Alves &
Palma Filho, 2005).
Essa situação gera críticas e insatisfações dentro da pró-
pria escola, da comunidade, dos pais e dos próprios alunos.
Os estudantes dividem-se entre a falta de motivação (ensino pou-
co relevante e significativo, percepção da não-aprendizagem),
a necessidade de prosseguir (a escolaridade é obrigatória) e a
ansiedade relativa à futura inserção no mundo do trabalho, sem
o desenvolvimento das capacidades e habilidades atualmente
exigidas (Glória, 2003).
Abordar esses aspectos relacionados ao ensino e à apren-
dizagem da leitura na escola é complexo, em parte porque as
posições teóricas são diversas e, muitas vezes, irreconciliáveis.
Em uma proposta de mudança, a leitura precisa ser considerada
um objeto de reflexão e de conhecimento na escola e, igualmen-
te, uma atividade necessária para a aquisição e/ou reestruturação
de conceitos, informações, procedimentos e atitudes traba-
lhados nas diferentes áreas e disciplinas do currículo escolar.

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P ROFICIÊNCIA EM LEITURA : UM PANORAMA DA SITUAÇÃO

É necessário também que seja contemplada a diversidade de tex-


tos circulantes no meio social.
O ato de ler será focalizado em uma concepção da lei-
tura como interação entre autor/leitor mediante o texto, sem
deixar de reconhecer que esse processo se insere em um
contexto social em que as práticas de leitura compartilhadas
se estabelecem. Compreender um texto consiste, pois, fun-
damentalmente, em estabelecer relações entre as diferentes
ideias nele veiculadas − processo de integração − e na ligação
da informação do texto com os conhecimentos anteriores do
leitor − processo de construção.
Segundo Festas (1998), o leitor reconstrói o modelo do
texto. Para isso, precisa integrar a informação em um todo
coerente (foco explícito), o que, por sua vez, exige o estabe-
lecimento de uma continuidade referencial. Essa continuidade,
assegurada pelas marcas de coesão e de conexão, das quais se
destacam as anáforas, implica um grande número de casos, em
que o leitor faz inferências baseadas em seus conhecimentos an-
teriores (foco implícito).
Ler é, portanto, uma atividade complexa que envolve ra-
ciocínio (Brandão & Spinillo, 1998; 2001; Solé, 1998; Vaz, 1998).
Mais especificamente, a leitura é um processo interativo e cons-
trutivo, no qual entram em jogo as relações entre as diferentes
partes do texto e os conhecimentos prévios do leitor. O processo
de compreensão envolve a coordenação de múltiplos fatores: os
objetivos visados pela leitura, as circunstâncias em que ela ocorre
e as características pessoais do leitor. As particularidades do tex-
to, as intenções do autor e a intertextualidade também devem ser
consideradas (Brown, 1992; Koch & Elias, 2006).
A compreensão é um nexo entre sentido e interpretação.
Os leitores atribuem sentidos às palavras e proposições a partir

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do contexto e o interpretam, com base em seu conhecimento


de mundo. Assim como as palavras têm um espectro amplo de
significados, também o texto apresenta um leque de possibili-
dades de interpretação. Na verdade, o significado que o leitor
elabora não provém apenas do que lê, mas integra a nova infor-
mação oferecida pelo autor e as suas experiências prévias como
leitor. A leitura é, portanto, um processo duplamente interati-
vo: o texto modifica o conhecimento do leitor, e este modifica
o sentido atribuído ao texto e o interpreta. Essa interpretação
modifica outra vez o conhecimento do leitor (Hacker, 2000).
A compreensão leitora forma-se, pois, a partir das experiências
acumuladas em outras situações de leitura e que são ativadas à
medida que se decodificam as palavras, frases, os parágrafos e
ideias do autor. As novas informações recebidas são então or-
ganizadas, elaboradas, estruturadas em sua mente. Em outras
palavras, é preciso que o leitor apreenda, a partir do texto, a
forma como o autor estruturou as ideias no texto escrito, para
relacioná-las com outras anteriormente armazenadas na memó-
ria de longo prazo.
A aprendizagem da leitura ocorre de modo informal desde
os primeiros anos. No início de sua aprendizagem formal, a me-
lhor maneira para o professor ajudar a criança é criar um clima
de confiança, sem ansiedade ou medo de errar e de correr riscos,
criar situações que exijam leitura rápida e de busca de sentido no
texto lido. O melhor teste sobre a capacidade de compreensão
de um tema ou tipo de texto é ler para a criança. Se não houver
a compreensão do que é lido para ela, dificilmente será capaz de
encontrar sem ajuda o sentido do texto, o que pode ocorrer pela
falta de conhecimentos significativos sobre o assunto.
Brandão e Spinillo (1998, 2001) investigaram a produção
e a compreensão de crianças de pré-escola, mediante atividades

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orais. Eles consideram o processo de compreensão de textos


uma atividade de solução de problemas. Em 1998 estudaram 40
participantes de pré-escola, em Pernambuco, com idades entre
4 e 6 anos, os quais foram submetidos a um teste de memória
verbal e a questões literais e inferenciais destinadas a avaliar a
compreensão. No segundo estudo, em 2001, foram avaliadas
60 crianças de 4 a 8 anos. Foi dado um tema para que elas
elaborassem oralmente uma história, e a compreensão foi ava-
liada por meio da reprodução de uma história ouvida de uma
gravação. A categorização da produção oral levou em conta a
estrutura linguística textual, a organização da cadeia narrativa e
o estabelecimento de relações dentro do texto; na reprodução,
consideraram-se, simultaneamente, os aspectos relativos à pro-
dução (estrutura, cadeia narrativa, estabelecimento de relações
dentro do texto) e a relação da reprodução com o texto origi-
nal quanto à fidelidade das ideias nele contidas. Os resultados
foram examinados em uma perspectiva de desenvolvimento,
explorando-se as relações entre produção e compreensão de
textos. Nos dois estudos, o fator idade revelou-se determinante
do desempenho.
Para Brandão e Spinillo (1998, 2001), a compreensão
implica traduzir palavras em conhecimento, enquanto a produ-
ção de textos requer a tradução do conhecimento em palavras.
A compreensão de textos é, pois, uma atividade de natureza
cognitiva e linguística. Para compreender um texto, é neces-
sário construir significados, criar uma rede de relações entre
os enunciados, integrando as informações neles contidas e
as partes que compõem este mesmo texto, fazer inferências,
reconhecer e selecionar informações relevantes e, ainda, acio-
nar conhecimentos de mundo e conhecimentos linguísticos.
Como se trata de um processo complexo, os instrumentos mais

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frequentemente utilizados para verificar a compreensão − a re-


produção do texto e responder às perguntas −, isoladamente,
são insuficientes. Reproduzir requer uma compreensão global,
enquanto que responder perguntas, literais ou inferenciais, se
limita a aspectos pontuais do texto. Dessa forma, a avaliação da
compreensão exige instrumentos diversificados que possam re-
velar os diferentes aspectos envolvidos na compreensão. Essas
considerações também são válidas para níveis mais elevados do
processo de escolarização.
Em uma investigação a respeito das mudanças ocorridas
nas práticas de leitura nas escolas americanas, Sweet (1993)
constatou que houve aumento da ênfase na leitura silenciosa pa-
ra ajudar a compreensão bem como a substituição de práticas
centradas no adulto por atividades que ajudam o estudante a
dirigir a própria compreensão. Ademais, o questionamento aos
estudantes passou a estimular o pensamento, com menor ênfase
a perguntas do tipo “o quê” para perguntar “como” e “por quê”,
priorizando o desenvolvimento de estratégias de compreensão.
Relativamente à prática docente, foi recomendado o ensino dire-
to de estratégias cognitivas e metacognitivas, seguido de prática
independente supervisionada. A autora apresenta “10 ideias
transformadoras” destinadas à orientação de professores, consi-
derados agentes fundamentais para assegurar que cada criança
se torne um adulto letrado. Ela comenta que esse conjunto de
ideias sobre o ensinar e aprender a ler ajudará passo a passo
os estudantes na viagem ascendente que devem empreender
(Sweet, 1993). Administradores, políticos e pais deverão conhe-
cer esses princípios para prover aos professores e alunos o apoio
necessário. O artigo afirma que, em um trabalho bem articulado,
é possível que todo estudante se torne um leitor capaz e um
pensador crítico preparado para dirigir a própria aprendizagem

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P ROFICIÊNCIA EM LEITURA : UM PANORAMA DA SITUAÇÃO

ao longo da vida. Seu estudo marca um momento de mudança


de orientação na organização curricular para o ensino da leitura
de algumas escolas americanas.
Segue-se a síntese das “10 ideias transformadoras: a crian-
ça, ao ler, constrói o próprio significado, e a instrução efetiva da
leitura pode desenvolver leitores comprometidos, estratégicos
e socialmente interativos; a consciência fonêmica, um precur-
sor para a competência de identificar palavras, é um dos fatores
mais favoráveis ao sucesso posterior em leitura. O papel do pro-
fessor é oferecer apoio em sala de aula para a aprendizagem de
alfabetização e leitura; a leitura de livros de contos, no contexto
de compartilhar experiências, ideias e opiniões, é uma atividade
mental altamente exigente para crianças. Questionar a litera-
tura ajuda os estudantes a construir o próprio significado que
pode não ser o mesmo para todos os leitores; crianças que se
ocupam de discussões diárias sobre o que leram terão maior
probabilidade de se tornarem leitores e estudantes críticos.
Leitores proficientes têm estratégias que utilizam para construir
significado antes, durante e depois de ler. Ler e escrever são
habilidades que se desenvolvem de forma concomitante, e o
mais valioso meio de avaliação da compreensão deverá refletir
o entendimento atual sobre o processo de leitura, simulando
tarefas autênticas no ato de ler.
A necessidade de promover a aprendizagem da leitura no
início da escolarização torna-se mais evidente quando estudos
mostram que o desempenho dos estudantes nas séries iniciais é
um fator altamente preditivo de seu desempenho ulterior. Por
um lado, Allington e Walmsley (1995), Juel (1998) e Sternberg e
Grigorenko (2003) afirmam que uma criança reconhecida como
um leitor pobre, nas etapas iniciais, tem uma alta probabilida-
de de ser um leitor pobre no quarto grau; cada dificuldade não

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C LOZE UM INSTRUMENTO DE DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO

superada pode ser um obstáculo para desenvolver a leitura es-


tratégica e atingir o nível de proficiência em leitura. Por outro
lado, um estudo de Schmitt (2003) mostra que a intervenção
precoce é capaz de ajudar o aluno não só a superar dificulda-
des imediatas, mas também a manter os ganhos ao longo de sua
escolarização, eliminando diferenças existentes em etapas ante-
riores e equiparando estudantes com dificuldades àqueles que
não as possuíam.
É sabido que um esforço voluntarista é incapaz de resol-
ver problemas estruturais da sociedade e da educação, porém, a
intervenção pedagógica, psicológica ou psicopedagógica, opor-
tunas e bem estruturadas, têm o poder de inserir muitos alunos
rotulados ou “deixados para trás” em um percurso favorável à
aprendizagem e ao desenvolvimento. Avaliar a compreensão da
leitura e diagnosticar problemas referentes a ela são um dos pas-
sos primordiais para a intervenção e prevenção nessa área. Uma
técnica promissora nessa direção é a de Cloze (Taylor, 1953),
que será apresentada em detalhe no capítulo que se segue.

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