Na poesia lírica, com a obra Espumas flutuantes (1870), a única publicada em vida, abordou
o amor de forma mais concreta do que seus antecessores. Em seus poemas, Castro Alves
descreve cenas amorosas explorando o erotismo sem subterfúgios. Diferente-mente da
poesia social, que veremos a seguir, o lirismo amoroso castroalvino traz uma linguagem
simples e coloquial.
O "ADEUS" DE TERESA
PARTE I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
PARTE II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
PARTE III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
Uma única estrofe de seis versos alexandrinos (do-decassílabos). Nas asas do albatroz, o
poeta aproxima-se da embarcação e se espanta com o que vê. Neste momento há uma
ruptura com a idealização e uma dolorosa tomada de consciência.
PARTE IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Seis estrofes de seis versos rimados em AABCCB. O terceiro e o sexto versos são
hexassílabos e os demais são decassílabos.
Esta é a parte em que o poeta descreve os horro-res do navio negreiro. A escravidão não
poupa mulheres nem crianças. Negros são açoitados ao som de uma “orquestra” de sons
sinistros como gritos, gemidos, chicotes e ferros, que ilustram uma cena infernal.
PARTE V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Esta parte é composta por nove décimas (estrofes de dez versos), com versos heptassílabos,
sendo o primeiro e o terceiro brancos (sem rima). Forma-se a seqüência ABCBDDEFFE.
A famosa apóstrofe que inicia e encerra esta parte constitui uma invocação, primeiramente a
Deus, e em seguida para as próprias figuras titânicas da natureza (mar, astros, tempestades,
tufão) para que se ponha um fim aos horrores da escravidão. O poeta contrasta o passado
heróico e livre daqueles que eram escravizados com sua degradante condição atual.
PARTE VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Intertextualidade:
É mole de ver
Que em qualquer dura
O tempo passa mais lento pro negão
Quem segurava com força a chibata
Agora usa farda
Engatilha a macaca
Escolhe sempre o primeiro
Negro pra passar na revista
Pra passar na revista
É mole de ver
Que para o negro
Mesmo a aids possui hierarquia
Na áfrica a doença corre solta
E a imprensa mundial
Dispensa poucas linhas
Comparado, comparado
Ao que faz com qualquer
Figurinha do cinema
Comparado, comparado
Ao que faz com qualquer
Figurinha do cinema
Ou das colunas sociais
Um dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, "O Navio Negreiro – Tragédia no
Mar", foi concluído pelo poeta em São Paulo, em 1868 – quase 20 anos depois, portanto, da
promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos (4 de setembro
de 1850). A proibição, no entanto, não vingou de todo, o que levou Castro Alves a se
empenhar na denúncia do horror a que eram submetidos os africanos na cruel travessia
oceânica. É preciso lembrar que, em média, menos da metade dos escravos embarcados
nos navios negreiros completava a viagem com vida. Composto em seis partes, o poema
alterna métricas variadas para obter o efeito rítmico mais adequado a cada situação
retratada. Assim, inicia-se com versos decassílabos que representam, de forma claramente
condoreira, a imensidão do mar e seu reflexo na vastidão dos céus:
Anote!
O poema inicia-se com a supressão da vogal "E" inicial da palavra "Estamos", grafada
"Stamos" para que o poeta forme um verso decassílabo.
É um recurso tipicamente romântico: a expressão suplanta o cuidado formal.
Eu lírico
O crítico Augusto Meyer apontou a influência do poema "Das Sklavenschiff" ("O Navio
Negreiro", 1854), do poeta romântico alemão Heinrich Heine (1797-1856), sobre a obra
homônima de Castro Alves. A leitura dos versos de Heine, traduzidos pelo mesmo Augusto
Meyer, não deixa dúvidas quanto à influência sobre o escritor baiano. Tanto o segmento
inicial do poema brasileiro quanto a dança macabra descrita na quarta parte são inegáveis
recriações do original alemão:
"Música! Música! A negrada
Suba logo para o convés!
Por gosto ou ao som da chibata
Batucará no bate-pés.