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Material Teórico
O que é Filosofia Política?
Revisão Textual:
Profa. Ms. Rosemary Toffoli
O que é Filosofia Política?
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Unidade: O que é Filosofia Política?
Contextualização
Para iniciar esta Unidade, com base na tabela abaixo, reflita sobre a questão da falta de interesse
dos brasileiros por política. De maneira geral, temos a opinião, muitas vezes caracterizada como
senso comum, que as pessoas não gostam de política, que têm, inclusive, até uma certa aversão
ao tema, ou que procuram excluir esse assunto de suas vidas. Será que isso é verdade? Temos
dados que comprovam esse tipo de crença?
Gráfico
Interesse dos Brasileiros por Política – Brasil - Em % 2011
60
50 48,6
40
30
23,1
20 13,9 13,5
10
0
Nenhum Baixo Médio Alto
Fonte: DataSenado/senado.gov.br
Para Pensar
Oriente sua reflexão pelas seguintes questões:
Qual foi o interesse dos brasileiros por política em 2011?
O interesse dos brasileiros por política está ligado a quais fatores?
O desinteresse dos brasileiros por política está ligado a quais fatores?
O que podemos concluir ao analisar esse gráfico?
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O que é filosofia política?
Abordaremos, nesta unidade, não só do que se trata a Filosofia política, como também seu
objeto de estudo.
Serão enfocados dois tópicos: primeiramente, delimitaremos o nosso objeto de estudo,
elencando as diferenças entre filosofia política e ciência política, esboçando um conceito de
política, e, posteriormente, trataremos da democracia na Grécia Antiga, precisamente, em
Atenas, através dos sofistas e da morte de Sócrates. Aqui você terá melhor compreensão
sobre esses tópicos, cujas análises são baseadas em estudos realizados por especialistas
sobre esses temas.
A filosofia política tem como objetivo a teorização de como deve ser o Estado e a forma de
governo ideal. Utilizando o método dedutivo e teorizando como seria uma sociedade ideal,
do ponto de vista político. A filosofia política coloca as seguintes questões: que tipo de Estado
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Unidade: O que é Filosofia Política?
deve existir? Como deve ser mediada a relação Estado e indivíduo? O que é poder? Qual a sua
origem? Para que ele deve ser usado? Para que ele não deve ser usado? Qual a relação entre
ética e política? Quem deve participar da política? Quem deve ser considerado cidadão? Quais
são os direitos dos cidadãos?
Maquiavel é considerado o pai da ciência política, por ter escrito a sua obra O Príncipe (1514). Na
referida obra, o filósofo italiano afirma que o que lhe interessa era é a verdade efetiva das coisas e
não as idealizações.
Essas duas áreas - filosofia política e ciência política - muitas vezes, caminham juntas, muitas
vezes, misturam-se e por isso a linha divisória entre elas é muito tênue.
O conceito de política
A Grécia Antiga era constituída por um aglomerado de cidades estados autônomas. Atenas,
Esparta e Tebas são exemplos de pólis. Política ou politiké vem de pólis, em português cidade-
estado, ou seja, política era uma prática que estava relacionada com a vida na pólis e que
envolvia, consequentemente, um conjunto de pessoas.
Dessa primeira definição de política, nasce uma pergunta: como os povos anteriores aos
gregos se organizavam? Ou de uma maneira mais direta e simples: antes dos gregos não
existia a política?
Segundos os historiadores, antes dos gregos vigorava o poder despótico ou patriarcal. O
patriarca era o chefe da família que possuía o poder e decidia sobre a vida e a morte de todos
os membros do grupo, determinando o que era e o que não era permitido, a distribuição de
riquezas, a guerra, a paz e as alianças. A origem desse poder estava na posse das terras ou de
riquezas e também se atribuía a ele uma origem divina. Ou seja, quem detinha a autoridade e
o poder possuía o privilégio de relacionar-se diretamente com o divino, concentrando também
a autoridade religiosa. Além disso, também era o chefe militar, era o comandante máximo.
Agregava-se a isso o fato de que o patriarca também delegava funções, criando, assim, as castas
dos sacerdotes e a dos guerreiros.
Quando afirmamos que os gregos inventaram a política, significa dizer que eles reformularam
o poder patriarcal, agregando às atribuições do chefe político a atividade política que garantia
a participação dos cidadãos nos destinos da pólis, fundando dessa forma, a prática política no
mundo Ocidental.
Em outros locais, como na Pérsia ou no Egito, a atividade política seria a do governante, que comandava
autocraticamente o coletivo em direção a certos objetivos: as guerras, as edificações públicas, a pacificação
interna. Na Grécia, ao lado dessas atribuições do soberano, a atividade política desenvolver-se-ia como
cimento da própria vida social. O que a política grega acrescenta aos outros Estados é a referência à
cidade, ao coletivo da pólis, ao discurso, à cidadania, à soberania, à lei. (MAAR, 1988, p.29).
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Aristóteles, filósofo grego, afirmou que o homem é um zoon politikon, ou “o homem é um
animal político”. Nesse sentido, para o filósofo a política é algo inerente ao ser humano, faz parte
da sua essência. Logo, o homem não chegou à política por uma escolha pessoal ou por um
acidente. A vida coletiva é uma necessidade do próprio homem, é uma característica biológica
própria do ser humano. Ao entendemos o homem como animal político, cabe a discussão sobre
qual o lugar do próprio homem na sociedade e qual a melhor forma de governo para cada cidade.
É importante ressaltar que não devemos petrificar o conceito de política dos gregos e transpô-
lo de maneira direta para os dias atuais: é necessário contextualizar e ter consciência que são
sociedades e culturas diferentes.
(...) usar a palavra político no sentido grego da pólis grega não é arbitrário nem artificial. (...) De fato,
é difícil e mesmo enganoso falar sobre a política e seus princípios sem recorrer, em alguma medida,
às experiências da Antiguidade grega e romana e isso pela única razão de que os homens, antes ou
depois nunca tiveram em tão elevada consideração a atividade política e conferiram tanta dignidade
ao seu âmbito. (WAGNER, 2006, P. 34)
Uma das características da democracia grega antiga é o vínculo entre ética e política, então,
se admitirmos que a política tem como fim a vida justa e feliz, fica estabelecida uma relação com
a ética. Aristóteles e Platão vão afirmar que as qualidades da pólis dependiam das qualidades
morais dos cidadãos, ou seja, somente na cidade boa e justa os homens podem ser bons e
justos, podem construir uma cidade boa e justa.
Ética é uma palavra grega, que deriva de outra, ethos que significa caráter. Também pode significar
costume. Em filosofia moral, definimos ética como a reflexão acerca dos valores, normas e padrões
que são estabelecidos pelos homens ao viverem em sociedade.
Falar sobre ética e política na pólis não faria sentido para o homem grego, pois, no pensamento
filosófico político da época, não há propriamente uma relação entre ética e política, mas um
laço indissolúvel entre ambas, ou seja, não se tratava de um pensamento moral voltado para a
interioridade, para a consciência individual, tal como concebemos modernamente. Toda a ética é
um “olhar fora”, um modo de ser para ver e ser visto, uma ética pela qual o homem se define pela
relação que estabelece com os outros. (TONELLI, 2008, P. 12)
Desse modo, falar em relação entre ética e política como dimensões distintas e separadas
do agir humano no contexto da pólis grega do século V a.C. não faria sentido, uma vez que
a ética surge como modo de ser virtuoso em função de uma vida na comunidade política.
(TONELLI, 2008, P. 10)
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Unidade: O que é Filosofia Política?
Foi na democracia ateniense (em português, demos significa “povo”, já kratos, “poder”)
que a política se manifestou, que ganhou forma. Estudiosos afirmam que o único regime
verdadeiramente democrático foi em Atenas, pois, nas outras cidades gregas, vigorava a
monarquia e a oligarquia.
A democracia grega tinha como locus primordial a ágora, a praça pública. Os cidadãos
reuniam-se, em média, de nove em nove dias. Não eram considerados cidadãos as mulheres,
os escravos, as crianças e os estrangeiros. Logo, a palavra cidadão aplicava-se somente aos
homens, nascidos em Atenas, maiores de 18 anos.
Em termos percentuais, no século V. a. C, em Atenas, eram cidadãos pouco menos de 10%
da população, ou seja, 90% eram escravos, estrangeiros, mulheres e crianças. Somente 10%
estavam autorizados a irem à ágora e nesse grupo todos tinham o mesmo direito na hora de
votar, não importando a sua situação econômica, social ou intelectual.
Para saber mais sobre a democracia em Atenas, leia o livro Democracia, do Professor
e Filósofo, Renato Janine Ribeiro.
Uma vez que eram livres, ou cidadãos eram iguais no direito de falar. A igualdade entre
os cidadãos, ou isonomia, era resultado da isegoria, igual direito de todos de manifestar sua
opinião, de participar nas decisões da comunidade através da palavra. (TONELLI, 2008, P. 11)
Não era obrigatória a participação dos cidadãos na política, iria à ágora aquele que desejasse, que
quisesse. Para quem não participava da política, das reuniões na praça, na ágora, da vida pública,
os gregos davam o nome de idiota (em grego idiotes, em oposição ao polites).
Para Pensar
Na ágora, o debate tinha como temas (sempre propostos pelos cidadãos): os jogos olímpicos, os
assuntos relativos ao teatro e as festas religiosas. Por que temos a ideia que a democracia grega só se
preocupava com temas que estivessem obrigatoriamente ligados à economia e a guerra?
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Os debates organizavam-se da seguinte maneira: havia um mediador escolhido por sorteio,
o que indicava algum grau de rotatividade. Votava-se e ganhava a tese endossada pelo maior
número. Aquela pessoa que tivesse o discurso mais hábil, mais bem elaborado, mais persuasivo
conseguiria impor suas teses na ágora e fazer com que a maioria votasse a seu favor. Assim
o poder na ágora dependia da persuasão, da competência de conseguir a adesão do maior
número de pessoas.
Em 399 a. C., o filósofo Sócrates foi julgado pela democracia ateniense. Participaram do seu
julgamento 501 pessoas, sendo que 281 votaram pela sua condenação à morte.
Mas como aprender a arte da retórica e da persuasão? Quem poderia ensiná-las àqueles que
não nasceram com o dom da palavra e do convencimento?
Era possível pagar por esses ensinamentos e os sofistas eram os responsáveis por ensinar a
retórica e a persuasão. O mais famoso deles foi Protágoras, de Abdera.
Os Sofistas e a Política
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Unidade: O que é Filosofia Política?
Críton (CR) . Quem é Sócrates, aquele com quem conversavas ontem no Liceu? Decididamente,
uma grande multidão vos cercava, de modo que eu, querendo escutar, <ainda que> me aproximando,
nada pude ouvir de distinto. Debruçando-me entretanto <sobre os outros>, consegui ver, e pareceu-
me ser um estrangeiro aquele com quem falavas. Quem era?
Sócrates (SO). De qual dos dois exatamente perguntas, Críton? Pois eram dois, não um.
CR. Esse de quem falo estava sentado à direita, o terceiro a contar de ti. Entre vós dois estava o
menino de Axíoco. Pareceu-me ter-se desenvolvido realmente muito, Sócrates, e não diferi muito em
idade do nosso Critóbulo. Só que este é franzino, enquanto aquele é bem crescido para sua idade, e
de bela e nobre aparência.
SO. É Eutidemo, Críton, esse de quem perguntas, enquanto o que estava sentado à minha esquerda
é o irmão dele, Dionisodoro; e também este participa das discussões.
CR. Não conheço nenhum dos dois, Sócrates. Alguns novos sofistas também estes, segundo
parece. De onde são? E qual é seu saber?
SO. Quanto a sua origem, como eu creio, eles são de algum lugar daqui, de Quios, mas
emigraram para Túrio; estando banidos porém de lá, já há muitos anos moram por estas bandas.
Sobre o que perguntas, o saber deles, é uma maravilha, Críton. Os dois são simplesmente sábios
em tudo; e eu ignorava até aqui o que fossem os pancratiastas. Pois esses dois são certamente
lutadores de tudo; não como eram os dois acarnanes, os irmãos pancratiastas. Pois estes só eram
capazes de lutar com o corpo, enquanto aqueles são, em primeiro lugar, habilíssimos com o corpo
e na luta na qual é possível dominar a todos - pois são sábios consumados em lutar com armas,
e capazes de nisso fazer sábio a outrem, desde que lhes pague um salário; em seguida, no que
concerne à disputa nos tribunais, são ótimos, tanto para sustentar o litígio, quanto para ensinar
outrem a falar e a redigir discursos tais que apropriados aos tribunais. De fato, até o presente, eram
hábeis só nessas coisas, agora, entretanto, colocaram o remate na arte do pancrácio. Pois, a luta
que lhes restava por exercer, essa agora eles realizaram plenamente, de modo que ninguém será
capaz de sequer erguer-se contra eles, de tal forma tornaram-se hábeis em lutar com palavras e
em refutar completamente o que, a cada vez, é dito, de forma semelhante se for falso e se
for verdadeiro. Assim sendo, Críton, eu, de minha parte, estou com intenção de entregar-
me nas mãos desses homens, pois eles dizem que, em pouco tempo, fariam qualquer
outra pessoa hábil nessas mesmas coisas. (PLATÂO, 2000)
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Diálogo com o Autor
(...) a persuasão era uma forma específica do diálogo político. Como lembra Arendt, os gregos se
orgulhavam com o fato de sua política ser conduzida pela palavra e sem a utilização da violência, o
que os distinguia dos bárbaros. (TONELLI, 2008, P. 45 e 46)
De acordo com os sofistas, os homens, ao perceberem que viver em sociedade era mais
vantajoso que viver sozinho, decidem inventar a pólis, através de um acordo. As leis, as regras
de convivência são fruto desse ajuste entre os homens.
Considerados os pais do relativismo, como doutrina filosófica, acreditavam que as verdades
são sempre relativas, subjetivas, particulares, mutáveis, depende de cada um, de seus gostos,
preferências, culturas, sendo sempre provisória.
Protágoras de Abdera, um dos sofistas com mais notoriedade, afirmava que o homem é a
medida de todas as coisas, daquelas que são e daquelas que não são. Ou seja, cada pessoa
estabelecerá um valor, uma crença, não existindo uma verdade absoluta e definitiva.
Estudiosos alegam que os sofistas eram sábios itinerantes, viveram em muitas cidades,
conheceram muitas culturas, costumes e crenças, o que teria contribuído para a visão contingente
acerca do mundo. Eram professores que cobravam por seus ensinamentos, instruindo, assim,
os jovens ricos de Atenas. Ao irem para a ágora, os cidadãos tinham a possibilidade de debater
e votar os temas, utilizando a retórica e a persuasão como instrumentos. Assim, a vontade
da maioria estabelecia o que era verdadeiro. Logo, o objetivo último da política era criar e
estabelecer consensos.
Os sofistas foram atraídos para Atenas em virtude das novas condições políticas com o
objetivo de ensinar os cidadãos de uma forma diferente daquela que caracterizava a formação
guerreira dos poetas. Eram os mestres da técnica do discurso e o caminha que percorriam
não era o da verdade, mas o da opinião. Com o aparecimento do movimento sofista, surge a
primeira crítica da razão política porque para os sofistas a política não é da esfera da verdade
(alethéia) mas da opinião (doxa) daí a aposição dos filósofos, que estavam em busca da
verdade. Os sofistas, nesse sentido, são os primeiros a fundarem uma filosofia da democracia.
(TONELLI, 2008, P. 29)
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Unidade: O que é Filosofia Política?
De todos os sofistas, o mais importante foi Protágoras de Abdera, autor da célebre frase “O homem
é a medida de todas as coisas”. Isso quer dizer que para Protágoras nada existe a não ser o que cada
indivíduo percebe ou conhece, o que para Aristóteles tratava-se de puro subjetivismo e relativismo.
(TONELLI, 2008, P. 30 e 31)
Para Pensar
Os sofistas são considerados os pais do relativismo. Ou seja, não existem verdades absolutas. A
verdade é sempre subjetiva, relativa e provisória. Diante disso, podemos afirmar que os sofistas são
filósofos amorais?
Se por um lado podemos dizer que se trata de uma visão extremamente realista ou pragmática
da política, por outro, é inegável a contribuição dos sofistas no que se refere à participação
política igualitária dos cidadãos num regime democrático, embora saibamos que nem todos
tivessem esse direito em Atenas. (TONELLI, 2008, P. 32)
Na medida em que a democracia era o regime da opinião, os sofistas podiam reconhecer
que a democracia se traduz num permanente ato da linguagem e é exatamente esse ato o
instrumento sem o qual para ele o elo social não seria possível. (TONELLI, 2008, P. 32 e 33)
A Morte de Sócrates
Depõe muito a favor de Sócrates o fato de que só ele, entre todos os grandes pensadores – singular
neste aspecto como em muitos outros- jamais se tenha entregue ao trabalho de dar forma escrita a
seus pensamentos. (ARENDT, 2000, P. 28)
Nos diálogos de Platão, temos como personagem principal Sócrates, que gostava de interrogar
as pessoas e levá-las a ter consciência que a ignorância é o primeiro passo para se alcançar o
conhecimento e que, muitas vezes, tomamos por verdadeiro opiniões particulares e contraditórias.
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Tinha como inimigos os sofistas, os quais criticava por não terem amor à sabedoria, não se
empenharem por desvelar as verdades absolutas e ensinarem aos jovens que a elaboração de
discursos e o convencimento era algo mais importante do que a busca pelas ideias absolutas,
pelos conceitos.
Andando sempre com os pés descalços e com roupas velhas e desgastadas, Sócrates
perambulava pelas ruas de Atenas e interpelava os jovens, usando para isso o seu método.
O diálogo, o elenchos, a ironia e a maiêutica são elementos do método socrático. Sócrates, ao
dialogar com uma pessoa, fazia uma série de perguntas, fingindo não saber o que sabia pare que,
ao final, a pessoa fosse levada a abandonar a opinião que possuía e dar a luz para uma ideia,
para um conceito, o mais geral possível. Sócrates indagava: O que é a justiça? O que é a beleza?
Todas essas perguntas deixavam as pessoas irritadas, constrangidas e por isso Sócrates criou
muitas inimizades, pois, ao final do diálogo, as pessoas esperavam que o filósofo desse para elas
a resposta de suas perguntas, mas Sócrates, muitas vezes, dizia ao final dos diálogos: eu não
sei, atitude essa que deixava as pessoas perplexas e desconcertadas, mas que revelava que a
consciência da própria ignorância é o início da filosofia, ou seja, “Só sei que nada sei”.
A filosofia política nasce com Sócrates, embora uma filosofia política escrita só tenha
início com Platão. Sócrates, na verdade, foi um filósofo-cidadão, leal às leis da cidade, um
verdadeiro legalista, a ponto de afirmar que mesmo as leis injustas devem ser respeitadas.
(TONELLI, 2008, P. 44)
Sócrates não podia pensar outra forma de fazer filosofia. Seu ofício era interrogar os homens
e a cidade, por isso mesmo pensava em seu ofício de filósofo como “missão política”. Para
Sócrates, uma vida só vale a pena ser vivida se for examinada. O amor de Sócrates pela política
nada tinha a ver com qualquer aspiração ao poder. Para Sócrates, a interrogação, a reflexão,
enfim, o exame sobre a política é missão do filósofo, um ato de lealdade para com a cidade.
(TONELLI, 2008, P. 45)
Os sofistas ao procurarem opiniões (algo relativo, subjetivo, mutável), afastavam-se da
filosofia que, no entender de Sócrates, deveria ser pautada pela busca de conceitos, ideias,
essências universais, absolutas.
Sócrates é aquele que se dedicou à atividade de pensar, mas não pretendeu converter
os cidadãos da pólis a quaisquer crenças ou convicções. Desejava instaurar um espaço de
compreensão, que não era a sua própria, num momento em que a pólis, em crise, desde a
morte de Péricles, encontrava-se assolada por um individualismo exacerbado. Sócrates queria
tornar amigos os cidadãos da pólis. (WAGNER, 2006, P. 29)
Utilizando a maiêutica – o diálogo que questionava as convicções dos cidadãos – Sócrates
acreditava que poderia recriar um espaço de convivência entre eles.
Um dos elementos do método socrático é a dialética, que procura desvendar as opiniões dos
cidadãos, conduzindo-os à verdade absoluta, ao conceito. (WAGNER, 2006, P. 31)
Platão, no diálogo “Apologia de Sócrates”, conta-nos porque Sócrates foi levado a julgamento.
Um certo dia, seu amigo de longa data, Querefonte, foi ao oráculo de Delfos e, chegando lá,
perguntou à Pitonisa quem era o homem mais sábio da Grécia. Os deuses responderam que
esse homem era Sócrates. Voltando a Atenas, Querefonte conta a boa nova ao seu amigo que
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Unidade: O que é Filosofia Política?
de posse de uma atitude filosófica decide colocar tal verdade a prova, pois não tinha consciência
da sua própria sapiência, pelo contrário, não se achava sábio. Para tanto, decide procurar as
pessoas que eram tidas como sábias, pois elas poderiam confirmar que os deuses se enganaram
e que Sócrates não possuía tanta sapiência
Sócrates decide procurar os políticos, os poetas e os artífices. Conversa com um representante
de cada um deles e, no final, descobre que essas pessoas que eram tidas como sábias, na verdade,
não sabiam tudo aquilo que achavam que sabiam. Na verdade, elas sabiam muito pouco, pois,
quando interrogadas sobre o seu ofício, sobre o seu fazer, perdiam-se em argumentos frágeis e
sempre subjetivos. Dessa experiência, Sócrates conclui que realmente era o homem mais sábio
da Grécia, onde mesmo sabendo pouco, tem consciência que não sabe tudo. Já os que pensam
saber muito, sabem muito pouco.
Dessa constatação nascem muitas inimizades e duas acusações: a de corromper a juventude
e a de ser ímpio, ou seja, duvidar dos deuses.
Por ironia, a democracia, o regime da palavra, condenou Sócrates à morte. A partir de
então, segundo Hannah Arendt, abriu-se um abismo entre filosofia e política, o que fez com que
Platão se desencantasse com a vida na pólis. Mas não só isso. Conforme Arendt, Platão teria
colocado em dúvida alguns princípios fundamentais dos ensinamentos de seu mestre, pois a
incapacidade de Sócrates em persuadir os juízes de sua inocência, foi o fato decisivo para que
Platão perdesse de uma vez por todas qualquer certeza a respeito da validade da persuasão.
(TONELLI, 2008, P. 45)
Levado à assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar cicuta, ou seja,
morreu envenenado. Diferentemente dos sofistas, acreditava que a política deveria ser uma
oportunidade para a reflexão, para o pensamento sobre si mesmo e sobre a pólis.
Assim, o trauma originado pela morte de Sócrates fez com que os filósofos passassem a
desconfiar e a hostilizar a política, abandonando a pólis, refugiando-se em ideias políticos.
(WAGNER, 2006, P. 32)
Produto disso é o mito da caverna, que levou Platão a elaborar uma teoria que definiu padrões e
regras para a conduta humana e a ordenação do âmbito político. (WAGNER, 2006, P. 33)
Platão radicaliza de tal maneira sua teoria que passa a defender a ideia de que apenas os
filósofos são capazes de serem bons governantes, exatamente porque só o filósofo é capaz de
conhecer a verdade. (TONELLI, 2008, P. 46)
16
Para Pensar
Observe a pintura A Morte de Sócrates (fr: La Mort de Socrate), de 1787, elaborada pelo pintor
francês Jacques-Louis David. Por que Sócrates está apontando para cima?
Considerações finais
Em resumo, a filosofia política pode ser caracterizada como uma área da filosofia que
se propõem a estudar a vida dos homens em sociedade ou, como afirmavam os gregos,
a vida do homem na pólis, na cidade. Para tanto, ela teoriza ao responder questões que
dizem respeito à melhor organização do Estado e à melhor forma de governo. Diante disso,
abre-se uma diferença entre filosofia política e ciência política. Na cidade de Atenas, o
berço da filosofia e da política, os cidadãos dirigiam-se à ágora e participavam, por meio da
democracia direta, das discussões e decisões.
Os responsáveis por formar politicamente os cidadãos eram chamados de sofistas, filósofos
responsáveis pelos ensino da retórica e da persuasão, duas artes fundamentais para quem
quisesse ver suas propostas aceitas na praça. Sócrates, importante filósofo grego que não
escreveu livros, pois acreditava que a filosofia se manifestava principalmente no diálogo, foi
condenado pela democracia ateniense. Recusou-se, diante de seu júri, a usar a retórica e a
persuasão, preferindo fazer com que as pessoas colocassem a prova suas ideias e chegassem
ao conhecimento verdadeiro das coisas. Diante desse fato, Platão fará um exame crítico da
democracia e proporá outro modelo político.
17
Unidade: O que é Filosofia Política?
Material Complementar
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··“O que é Política?” Coleção Primeiros Passos, de autoria de Wolfgang
Leo Maar;
··“A condição humana”, de autoria da filósofa Hannah Arendt.
··“Política para não ser idiota” de autoria de Renato Janine Ribeiro
e Mario Sérgio Cortella.
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Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10º ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária,
2000.
JANINE, Renato Ribeiro. A Democracia – Coleção Folha Explica. São Paulo: Publifolha.
TONELLI, Maria Luiza Quaresma. Ética e Política: Qual Liberdade?. São Paulo, 2008. 150 p.
Disseratção (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós Graduação em Filosofia, Universidade
de São Paulo, 2008.
WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt: ética e política. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.
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Unidade: O que é Filosofia Política?
Anotações
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