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Fala política IV

A inversão anteriormente citada da ordem de Marshal favorece segundo José Murilo


de Carvalho uma visão corporativista das demandas, dos interesses da coletividade, seja
a visão de um conjunto de cidadãos que buscam algum benefício ou um grupo político
que busca manter privilégios. O corporativismo seria esse sistema formado por vários
grupos de setores da sociedade com interesses em comum, a ideia é que todos da
sociedade fossem representados pelo grupo do qual faz parte, mas a palavra final seria
do governo.

Vale ressaltar que eu vou retornar em alguns pontos do conteúdo apresentado por
Bruna e Verena mas eu vou focar na questão do corporativismo certo? Então por isso
vai parecer um apanhado dos conteúdos anteriores.

O corporativismo no Brasil surgiu em 1934, no período da era Vargas, quando ele


(como já dito aqui) adotou uma estratégia política com o objetivo de manter a ordem no
interior do Estado, antes de Vargas assumir haviam muitos sindicatos, todos sem
regulamentação Estatal, Vargas então decide através da lei sindical que cada município
poderia ter somente um sindicato por categoria regulamentado pelo Estado, o que ficou
conhecido como sindicalismo pelego, chamado dessa forma pois pelego é o pano se
coloca debaixo da sela do cavalo para não machuca-lo, o trabalhador achava que estava
conseguido alcançar seus interesses, e de certa forma estava sim, mas ao mesmo tempo
dava controle e ordem ao Estado, tem-se ai o nascimento de um sindicalismo
corporativo, os benefícios sociais passam a ser distribuídos para esses sindicatos através
da negociação com o Estado. Os benefícios sociais não são tratados, nessa relação,
como um direito do cidadão, mas sim como um algo adquirido dentro de uma relação de
negociação, de barganha com o Estado.

A inversão da sequência dos direitos explicada por Marshall deu supremacia ao


Estado, os direitos sociais seja seguridade ou trabalho passam a ser dados em troca de
colaboração, a ideia de que alguém está patrocinando a cidadania. Um governo que cria
um cidadão que não exerce os 3 direitos citados por Marshall, não exerce a cidadania de
forma plena. E é importante frisar novamente que nos períodos ditatórias na nossa
história tivemos a repressão dos direitos civis e políticos.
A sociedade a partir de então passa a se organizar para conquistar ou manter esses
privilégios, ou seja, isso influencia na forma como os cidadãos cobram seus direitos.

Depois de alguns processos históricos com golpe de 1945 A era Vargas acaba, mas o
corporativismo sobreviveu, a partir do século 20 já não era da mesma forma que era na
ditadura varguista, não se apresentava mais somente como um projeto que agia através
de um conjunto de pessoas trabalhando para manter o funcionamento e a ordem da
sociedade, mas passa a representar somente indivíduos que querem garantir benefícios.

E para José Murilo essa cultura corporativista vai interferir na cidadania pois nós
temos aí a ausência de organizações autônomas da sociedade que favorecem esse
comportamento corporativista, um vínculo com a cultura estatista, o estado tutelar que
favorece essa visão de que os direitos são negociáveis.

A forma como os cidadãos enxergam as relações políticas também é alterada a partir


desse ponto, enxergam funcionários do governo como aqueles que poderão barganhar
favores pessoais (como já citado aqui também), e esses funcionários do legislativo quais
sejam os deputados apoiam o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre
seus eleitores. O autor diz que isso causa uma esquizofrenia política: pois os eleitores
detestam os políticos, mas votam para conseguir esses favores, um exemplo são
eleitores que dão o seu voto aos vereadores em troca de um saco de cimento sendo que a
função dos vereadores não diz respeito a manutenção ou construção obras públicas,
sendo que neste caso nem obra pública é.

O autor vai falar que para muitos o remédio estaria em reformas políticas como a
eleitoral, a partidária, a da forma de governo, que poderiam reduzir a ineficácia do
sistema representativo, pois por mais que as corporações sejam representantes desses
grupos que tem demandas especificas que constroem esses sindicatos, eles não têm um
pensamento universal, não lutam uma causa, eles buscam defender os interesses de seus
filiados.

(Exemplo é o que aconteceu recentemente com os professores, o prefeito queria que


voltassem a trabalhar alguns professores voltaram e não se articularam com o sindicato,
os que resolveram se articular, acionaram o sindicato que entrou com um processo e
venceu, os profissionais que estavam com o sindicato continuaram trabalhando em suas
casas e sendo pagos os que não o sindicato não ajudou e os deixou para resolver o
problema sozinhos. O prefeito queria descontar os salários dos professores que não
estavam trabalhando (mas estavam sim, em suas casas, ele queria que os professores
voltassem somente com a primeira dose da vacina), esses acionaram o sindicato que
pediu para que os professores não fossem, mas alguns foram, o sindicato aciona o
ministério público que pressiona o prefeito para pagar os professores, mas aqueles que
foram trabalhar tiveram o seu salário descontado mesmo assim, então o sindicato não
defende necessariamente uma causa).

Enfim, eu citei esses problemas da visão corporativista na construção da cidadania,


essa cidadania que hoje vive em um contesto democrático, mas que ainda assim carrega
esses problemas, e como é resolve para o José de Carvalho?

De acordo com ele, para resolver esses problema a democracia precisaria de tempo, ao
longo dos anos maior seria a chance de corrigir esses problemas, vemos aí um certo
otimismo até por parte do autor em relação ao futuro, para ele o exercício continuado da
democracia por mais que não siga a sequência definida por Marshell, por que mais que
não siga a sequência inglesa, ao longo do tempo poderia mudar a cultura política através
da ampliação dos direitos civis que reforçariam os direitos políticos criando um círculo
virtuoso. Porque por exemplo se você limita os direitos civis você limita também os
direitos políticos faz com que não se tenha o exercício pleno da cidadania, como no caso
brasileiro já citado aqui, o período da ditadura militar no qual era negado com o AI 5 o
direito de responder em liberdade (um direito civil) ligado diretamente com o fato de
que tinham negado direitos políticos como se aliar a organizações políticas contrarias ao
regime, nessa época analisando o que Marshall idealizava como cidadania estávamos
longe de ser cidadãos. E até hoje temos problemas se por exemplo se o direito de fazer o
que quiser com o próprio corpo é um direito civil, porque mulheres não podem escolher
retirar o útero ou abortar? Se o direito social deve fornecer saúde, educação, trabalho,
seguridade onde estão estas coisas, a educação está defasada, o trabalho está em falta,
criminalidade em alta, o sistema único de saúde sucateado, então temos uma série de
problemas se formos pensar no exercício da cidadania de forma plena.

Há alguns fatores, um contexto que pode favorecer, que pode vir a dar mais tempo
para a democracia, como o fato de que a esquerda e a direita por mais que divirjam entre
si ao menos consideram legitima a existência da democracia, os militares ao que
parecem não ter pretensões de dar algum golpe de Estado, fato atribuído ao contexto
internacional desfavorável a golpes, então temos fatores internos e externos que dão
para a democracia tempo para se modificar. Mas além desses fatores positivos que
devem ganhar tempo para a democracia, José aponta como algo positivo o surgimento
das Ongs (que vão ser citadas novamente pelo próximo integrante), que surgem em um
período em que se contesta muito a capacidade do Estado de garantir direitos, essas
organizações não teriam o vício do corporativismo pois não são tuteladas pelo Estado e
desenvolvem atividades de interesse público, então é uma forma de pensar a cidadania
para além do corporativismo, as ongs poderiam ser então uma forma maior de
democratização do poder, essas ongs elas colaboram com o Estado, e dentro dos
governos municipais e federais tem trazido soluções interessantes nas áreas de educação
e direitos civis.

Mas o cenário internacional também traz complicações para a implementação da


cidadania o que será melhor aprofundado pelo próximo integrante.
Fala política IV (slide final)

Para finalizar o autor vai falar na interferência internacional na construção da


cidadania, um sintoma relacionado com a globalização da economia e ao renascimento
liberal no mundo. A globalização da economia se constitui de um de integração entre os
países do globo, que permite que eles realizem trocas e intercâmbios culturais e
econômicos (falando isso a grosso modo claro), as pessoas e economias estão
interligadas, nasce com a queda do mundo de Berlim que simbolizou a vitória do
pensamento liberal capitalista sobre o regime socialista ao final da guerra fria e
dissolução das repúblicas socialistas soviéticas. Temos a nascimento do chamado soft
Power o domínio de países sobre outros a nível cultural e econômico, os EUA é um
exemplo desse tipo de poder, quando percebemos o alto consumo cultural e de produtos
norte-americanos pelos brasileiros e outros países.

Essa globalização econômica de ritmo acelerado modifica as relações entre o Estado a


sociedade e a nação. Entre as mudanças temos a redução da tutela do Estado no diz
respeito a garantia dos direitos, principalmente os direitos sociais de saúde, educação,
seguridade e trabalho que passam a ser considerados gastos os quais o Estado não
deveria se preocupar.

Dentro do chamado livre mercado as pessoas trabalhariam para ter condições de arcar
com suas próprias despesas não precisando da tutela governamental, o que não ocorre
tão bem na prática, temos o fato por exemplo de que o mercado é monopolizado por
grandes empresas, essas quando resolvem colocar filiais em regiões onde pequenos
negócios sustentavam o local, quebram esses pequenos lojistas que acabam perdendo
sua fonte de renda e consequentemente ficam à mercê de empregos mal remunerados
inclusive dentro da própria empresa que os quebrou a chamada competição desleal.

Os direitos sociais como dito anteriormente vão ser diretamente afetados, graças a
essa exigência de reduzir o déficit fiscal, ou seja, os gastos do Estado, governos vem
realizando cortes de benefícios atacando o bem-estar social, um outro acontecimento
relevante é a contratação de mão de obra imigrante para países Europeus, tendo como
resposta movimentos de extrema xenofobia por parte dos trabalhadores desses países.
Essa contratação ocorre pelo alto nível de competitividade entre empresas que exige que
estas para manter suas funções façam cortes de gastos, entre eles o gasto com mão de
obra. O que ocorre é que os imigrantes quando vem procurar emprego acabam custando
mais barato para as empresas, pois estas não pagam tão bem quanto pagariam a
funcionários nacionais, esses imigrantes não são considerados cidadãos, a eles não são
dados os direitos que são dados aos europeus, os cidadãos fazem pressão para a não
extensão de direitos sociais, civis e políticos para esses imigrantes, sejam africanos,
asiáticos ou mexicanos.

Movimentos de minorias também colocam em questão a identidade nacional, trazendo


vozes de culturas que não eram antes ouvidas, trazem ênfase na discussão de
identidades culturais baseadas em gênero sexualidade e etnia. Então além do
enfraquecimento da centralidade do Estado na administração também há uma
fragmentação da identidade nacional que passa a ser questionada.

O José Murilo de Carvalho ele aponta como um sintoma perturbador desse novo
mundo o aumento da cultura do consumo, inclusive por parte da população mais
excluída, e dá o exemplo que ocorre no RJ onde ocorreu uma invasão de sem teto a um
shopping, eles reivindicavam o direito de consumir, eles reivindicavam a cidadania dos
liberais e logo depois ele fala que se o direito de comprar um telefone celular consegue
silenciar ou prevenir entre os excluídos a militância política, o tradicional direito
político, as perspectivas de avanço democrático se veem diminuídas

José Murilo de Carvalho não quer dizer com isso que consumir é errado, ele diz para
não confundir cidadania e consumo como uma coisa só, o consumo pode ser o direito,
mas diferentemente da visão liberal que enxerga o sujeito mais e mais como um objeto
de consumo, ele não pensa o cidadão como se fosse simplesmente um agente
econômico, então o problema para ele não é consumir é essa redução do cidadão a
alguém que consome ocasionado pela emergência desse novo sistema.

Para finalizar o autor ainda diz que a cultura do consumo dificulta o desatamento do nó
que torna tão lenta a marcha da cidadania entre nós, qual seja, a incapacidade do sistema
representativo de produzir resultados que impliquem a redução da desigualdade e o fim
da divisão dos brasileiros em castas separadas pela educação, pela renda e pela cor.

O cidadão ele se percebe também inserido dentro de uma cultura liberal como alguém
que quer consumir, nesse contexto o valor social é medido de acordo com o padrão de
consumo que alguém possuí, nessa visão o cidadão se afasta de preocupações políticas e
problemas coletivos, isso causaria uma falta de reivindicação potente para melhorar o
sistema representativo, para fazer com que este promova ações para acabar com a
desigualdade que impede o exercício da cidadania plena.

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