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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


Disciplina: Sociologia Econômica
Docente: Daniel Veloso Hirata

DANIELI BORBA D
LARYSSA SILVA DE CARVALHO MIRANDA
LINAMAR DOS SANTOS DOMINGUES

Terceira resenha sobre os textos “A construção social de um mercado perfeito: o caso de


Fontaine- en- Sologne (2003)” de Marie Garcia-Parpet e “A nova razão do mundo.”
(capítulos 3 e 4) de Pierre Dardot e Cristian Laval.

NITERÓI, RJ.
2021
A proposta alemã para o neoliberalismo, nascido nos anos 1930 e chamada de
ordoliberalismo visa a ideia em comum dos autores Walter Eucken, Franz Bohm e Hans
Grossman-Doerth enfatizada na ordem constitucional e procedural que são bases para a ideia
aqui discutida de sociedade e economia de mercado. Epistemologicamente, o prefixo da
palavra sintetiza “ordem”, cujo texto traz como análise dos sistemas econômicos diversos na
economia política.
Para Eucken (1940), há uma distinção entre “ordem econômica” e “ordem da
economia”, um refere-se a uma espécie de conceitos organizacionais e o outro a, literalmente,
uma ordem econômica que visa trabalhar os conceitos cotidianos da vida moderna. Criado nos
meios intelectuais como uma forma de substituição da economia nazista de estadisto
totalitário e concentração de poder econômico, o ordoliberalismo é mais que uma questão
econômica afim de regular a economia, mas um conceito para a transformação social pautada
na resolução dos conflitos econômicos e cívicos da época. Em resumo, pela concepção do
texto acredita-se em uma perspectiva de política regulada e ordenada, mas longe de ser por
uma ordem natural como na fisiocracia pela qual Adam Smith se guiava.
Segundo a discussão do texto, guiada por uma concepção majoritariamente
científica, a economia política deve basear-se não somente na economia de mercado, mas em
uma análise científica da sociedade e da história, relacionando-se a uma ordem social justa e
que respeite a dignidade humana, preservando alianças a instituições jurídicas e visando ações
políticas incisivas. Além desse levantamento, a discussão que a economia de mercado não
teria sido a responsável pela dissolução dos laços orgânicos tradicionais e pela atomização dos
indivíduos, mas pela fomentação do Estado e seu poder, mostra o capitalismo como
instituição do Estado e não o contrário, como é discutido por teorias de autores como Karl
Marx.
“Coletivismo econômico e coerção tirânica do Estado estão ligados, como
estão economia de mercado e liberdade individual. A economia de mercado é, ao
contrário, um obstáculo redibitório a qualquer “politização da vida econômica”; ela
impede que o poder político decida pelo consumidor. O princípio da “livre escolha”
aparece aqui não apenas como um princípio de eficácia econômica, mas também
como um antídoto contra qualquer desvio coercitivo do Estado.” (Dardot/Cristian
Laval, pág 108)

Diferentemente do liberalismo clássico, no ordoliberalismo “há uma tentativa de


legitimação da autoridade política por sua “missão social”” ( Dardot/Cristian Laval, 2017), e
também visa-se obter um quadro estável baseado na livre concorrência, portanto, o
consumidor seria soberano e somente este sistema concorrencial é, segundo Bohm, “o único
que dá chance total de planos espontâneos do indivíduo e consegue conciliar os milhões de
planos espontâneos e livres com os desejos dos consumidores”.

“O mais importante, porém, é a atitude essencialmente antinaturalista e


antifatalista que decorre desse reconhecimento da lógica da concorrência que rege a
economia de mercado: enquanto os velhos economistas liberais concluíram pela
necessidade de uma não intervenção do Estado, os ordoliberais transformaram a
livre concorrência em objeto de uma escolha política fundamental.” (Dardot/Cristian
Laval, pág 112)

A política ordoliberal trata-se, resumidamente, de uma institucionalização da


economia de mercado cuja forma seria uma “constituição econômica”, completa e coerente.
Frisando a “concorrência perfeita” de um sistema econômico atrelado a uma sociedade
eloquente, de estabilidade da política econômica, monetária, valorização das propriedades
privadas e de mercados abertos; estes que devem contribuir para assegurar o funcionamento
do modelo neoliberal alemão.
A cosmologia da economia para o liberalismo clássico, tenta provar que existe um
espaço de liberdade econômica que deve ser limitado pela a sua própria lógica de
funcionamento, enquanto a cosmologia da economia do neoliberalismo, abordada no livro de
Pierre Dardot/Cristian Laval, busca entender a formação do homem dentro do mercado.
Trata-se de compreender como o sujeito age dentro das situações impostas e como se
sobressai buscando tirar o melhor proveito das circunstâncias.
A palavra “mercado”, que é importante para o liberalismo clássico, também é usada no
neoliberalismo, porém, atribuiu-se a ela um significado diferente, tendo em vista que o objeto
de estudo tornou-se o comportamento do homem. Seu significado está associado ao processo
de modificação e aprendizado do indivíduo.
“O mercado é concebido, portanto, como um processo de autoformação do
sujeito econômico, um processo subjetivo autoeducador e autodisciplinador, pelo
qual o indivíduo aprende a se conduzir. O processo de mercado constrói seu próprio
sujeito. Ele é autoconstrutivo.” ( Dardot/Cristian Laval, pág 140)

A partir disso, a relação do empreendedor com o mercado não necessitaria de


intervenção externa, como a do Estado, pois o indivíduo conhece as suas reais necessidades
por estar inserido e atuando ativamente nele. Este também possui a sua própria dinâmica que
uma vez instaurada, poderia prosseguir tranquilamente, se não houvesse intervenções
externas.
"O Estado acredita saber, no lugar dos indivíduos, o que é bom para eles.
Hora, para Von Mises e Hayek, a particularidade e a superioridade da economia de
mercado é que o indivíduo deve ser o único a decidir a finalidade de suas ações,
porque somente ele sabe o que é bom para ele.” ( Dardot/Cristian Laval, pág 138)
As relações dos indivíduos acontecem através da concorrência, que é um fator
importante para o funcionamento do mercado, pois cria desigualdades e situações que levam à
estimulação e o despertar do empreendedorismo humano. O empreendedor não é um
capitalista que possui o objetivo de mudar incansavelmente as condições das produção,
constituindo o motor do desenvolvimento. Ele é um ser que está à procura da obtenção de
lucros através de oportunidades que vão, principalmente, favorecê-lo em relação a outras
pessoas, por possuir algum tipo de habilidade e conhecimento que elas não têm.
Segundo os levantamentos feitos no livro, a coordenação do mercado tem como
principal objetivo a descoberta mútua dos planos individuais. Nesse processo a interação dos
indivíduos aos poucos revelam oportunidades que aos poucos vão melhorar as condições de
cada um, pois acredita-se que o mercado é um processo de aprendizado contínuo e de
adaptação permanente, que se todos soubessem tudo, haveria um ajuste imediato que pararia
tudo.
Afinal, o que seria um mercado perfeito? Precisamente, a ideia de mercado elaborada
pela tradição da cosmologia econômica se apresenta de maneira abstrata, como um puro jogo
de oferta e demanda analisada a partir de modelos econômicos que, por sua vez, visam
construir práticas ordinárias que desconsideram em certa medida as relações sociais que a
compõe. O antropólogo econômico Karl Polanyi, amplamente conhecido por sua elaborada
crítica voltada a uma cosmologia econômica supostamente dotada de universalidade,
questiona a dimensão tomada pelo mercado na maior parte do mundo, dedicou sua vida a
entender como o que antes era tido como um acessório embebido em relações sociais
tornou-se algo a parte da realidade concreta.
Ao se apropriar de uma Sociologia demonstrativa Marie Parpet define como objeto de
estudo Fontaines-en-Sologne, um mercado que se dedica a comercializar morangos de mesa,
categoria que apresenta alta qualidade e é voltada para o consumo "in natura".
No decorrer da produção algumas características pertences ao mercado da região são
ressaltadas, como o uso de tecnologia ponta nas operações, a separação arquitetônica entre
vendedores e compradores- almejando afastar qualquer possibilidade de interação que
corrompa o equilíbrio geral do modelo de concorrência pura e perfeita proposta pela teoria
econômica- e os preços fixados pelo painel eletrônico. Os preços estipulados pela tecnologia
se baseiam no leilão ocorrido no dia anterior, caso o produtor não esteja de acordo com o
valor proposto pelo painel eletrônico, pode ofertar o seu lote de novo após a rodada de
transações. Não existe qualquer obrigatoriedade no processo de compra e venda.
Outro traço de distinção do mercado de morangos de mesa de Fontaines-en-Sologne
está presente na padronização e homogeneização do produto ofertado, a fim de alcançar uma
maior qualidade dos morangos, valorização e consequente obtenção de maiores lucros. A
valoração também é almejada pelo mercado, a marca de qualidade "morango de Sologne"
atribui status a produção, o que também contribui para fomento da economia local.
Em virtude dessas características o mercado de Sologne detém pontos de
convergência com o que seria, segundo economistas como Samuelson, o modelo de
concorrência pura e perfeita. A formulação desse modelo econômico pressupõe quatro
condições, sendo respectivamente: a atomicidade, a homogeneidade, a fluidez e a
transparência. Pode-se conceitualizar modelo econômico como a simplificação das interações
entre agentes econômicos, proporcionando substancialmente uma análise abstrata dos
fenômenos econômicos. Não há dúvidas de que existe uma defasagem entre o modelo abstrato
e o modelo real, economistas admitem que o modelo de concorrência pura e perfeita não é
realista, no entanto, isso não impede sua aplicação.
A influência sociológica no campo econômico é interpretada pelo economista
Samuelson e seus discípulos como residual, periférica a concorrência perfeita. O trabalho
desenvolvido pela autora circunda a crítica elaborada à respeito desta concepção econômica,
pois Parpet se dedica a fazer um resgate propriamente histórico da comercialização de
morangos na região, assim como mobiliza diversas dimensões relacionais construídas no
decorrer de um século. Busca compreender quais agentes sociais atuaram para propor e
financiar a reformulação do mercado e em que medida o governo ofereceu respaldo nesse
processo. Marie Parpet resgata os conflitos gerados por tais mudanças, define os atores
prejudicados e beneficiados dentro do que ela define como um “campo de lutas” , visto que o
mercado é construído principalmente por forças sociais e não, pelo menos não de maneira tão
significativa, por leis mecânicas inscritas na natureza do mundo social.
Um dos pontos que considero importante destacar provoca uma reflexão sobre a
falácia da ligação direta entre mérito e poder. O modelo meritocrático é um ideal de
organização social visto como um modelo de justiça social. O ideal meritocrático é
constantemente alvo de críticas de sociólogos, pedagogos e filósofos, uma vez que esse
modelo não é capaz de resolver, sozinho, as desigualdades. A meritocracia é explicada como
uma farsa, como um ideal que jamais existiu, em razão da falta, por exemplo, de medidas
eficazes para compensar as diversas desvantagens dos indivíduos. Quando Parpet discorre
sobre as características sociais dos promotores do mercado de Sologne, pontua que " os
agricultores que estiveram na origem da criação do mercado de Fountains situam-se entre os
maiores agricultores da região e cultivam superfícies entre 30 e 80 hectares" (Parpet, M. 2003.
P, 18) representando apenas 25% do total de agricultores da região. Esse grupo não só possuía
mais capital, também detinham mais tempo e possibilidade de se dedicar unicamente aos
morangos. Outro ponto abordado por Parpet faz referência ao agente responsável pela
organização do mercado, um jovem economista dotado de capital cultural.
É importante ressaltar que a dialética se fez presente nesse processo de reformulação
dos mercados, vemos que ocorre uma resistência local e esse movimento parte dos
intermediários que lucravam com o antigo modelo de mercado, também por intermediários
que se negavam a fazer parte da nova organização visto que detinham força na organização
antecessora como, por exemplo, o prefeito eleito em virtude do apoio dos mandatários.
É curioso observar como a separação espacial entre os parceiros de troca contribui
para reforçar a identidade social de compradores e vendedores. Stuart Hall em sua obra "A
identidade cultural na pós-modernidade", nos mostra algumas concepções de identidade sendo
uma delas a concepção de sujeito sociológico em que a formação da identidade seria resultado
da interação entre o eu e a sociedade. (2006. P, 11). Marie Parpet nos diz que as experiências
comuns compartilhadas entre os produtores contribuiria para a construção de uma identidade
legítima que " constituiu o símbolo de uma agricultura com futuro para uma região até então
tida como atrasada e unicamente destinada à caça e reservas florestais." (Parpet, M. 2003. P,
35)
Por fim, o que a obra de Parpet faz é desmistificar a ideia de que o fator sociológico
atua de maneira residual à concorrência perfeita. É observável que o mercado de Fontaines
não foi criado por um acaso, mas "em oposição a relações já constituídas diante das quais
certos indivíduos não se achavam mais suficientemente recompensados." É importante
considerar fatores como a existência anterior dos intermediários, o investimento de capital
financeiro e de capital cultural, assim como o trabalho empregado pelos agricultores de
Solange. A criação de uma associação e de uma identidade social que favorecia a crença
coletiva nas chances de sucesso, assim como fomenta a "confiança entre todos os
participantes."

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Dardot, Pierre e Laval, Cristian. A nova razão do mundo. São Paulo: Boitempo (capítulos 3
e 4)
Garcia-Parpet, Marie France (2003). A construção social de um mercado perfeito: o caso
de Fountaine – en – Solagne. Estudos Sociedade e Agricultura, 20.

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