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ARTIGO
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Dança de salão, instrumento para a qualidade de vida

Márcio Donizetti Rocha


Ms. Prof. Cleusa Maria de Almeida
Docente da PUC-Campinas- FAEFI

Resumo

A dança de salão, genericamente denominada dança social, executada aos


pares, em bailes, ou reuniões, e que antigamente era considerada “coisa de
velho” e “fora de moda”, atualmente já não é mais vista como passatempo de
casais de meia idade. O estudo, a investigação e a própria prática da mesma
facilitam o entendimento e convencimento do atual prestígio da atividade.
Pouco praticada, à princípio, a dança de salão ganhou impulso depois da
crescente divulgação feita pela mídia. O seu crescimento, porém, não trouxe
junto a definição dos seus objetivos durante os diversos períodos de sua
história: em alguns momentos aprendia-se a dança de salão apenas como
qualquer outro novo conhecimento; em outros, se vislumbrou que servia para
amenizar o estresse, os estados de tensão; ou ainda para superar os conflitos
do cotidiano. Constatou-se também o grande potencial educativo da dança. O
seu ensino, inclusive, prevê a utilização do movimento para expressar idéias,
sentimentos, emoções, pensamentos, ou ainda princípios filosóficos, sociais e
políticos. Por sua essência integradora dos domínios humanos, a atividade da
dança, e especificamente a dança de salão, é capaz de levar a pessoa a
descobrir e a redescobrir sua corporeidade e sensibilidade. A pesquisa, ora
realizada, tem como objetivo o estudo das emoções que perpassam a prática
da dança de salão e a sua relação com a qualidade de vida. Trata-se de
pesquisa social, uma vez que, além de resgatar valores culturais de diferentes
regiões e contextos, desvenda seus múltiplos efeitos para o indivíduo.

Palavras-Chave: Qualidade de vida, dança de salão, atividade física, dança.

Abstract

The hall dance, generically called social dance, is danced in pairs, at balls, or
meetings. It has been considered, in the past, “old-fashioned” and “for elderly
people”, but at the moment it is not being seen as such. The study, the
investigation, and the practise itself made it easy to understand the current
prestige of the activity. Little practised at first, the hall dance gained strength
after the media started to highlight it. Its growth, however, did not bring
together the definition of its objectives during the diverse periods of its
history: at some point, the hall dance was learned as any other new skill,
and at some others, it has been glimpsed to serve as a stress and tension
relieve, or even to surpass the conflicts of a daily life. The great educative
potential of the dance was also evidenced. Its education foresees the use of
the movement to express ideas, feelings, emotions, thoughts, or even
philosophical, social and political principles. The activity of dance, specifically

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the hall dance, with its integrating essence for humans, is capable to take a
person to discover and rediscover its body quality and sensitivity. The
research carried through, has as its objective the study of emotions which go
behond the practice of hall dance and its relation with healthy life. It is about
social research, rescuing cultural values of different regions and contexts, and
unmasking its multiple effects for the individual.

Key-Words: Healthy life, hall dance, physical activity, dance.

Introdução

A dança de salão, denominada genericamente como dança social, executada ao


pares, em bailes, ou reuniões, e que antigamente era considerada “coisa de velho” e
fora de moda”, atualmente já não é mais vista como atividade de casais de meia
idade.
A dança de salão sempre apresentou “altos e baixos” e, nas últimas décadas,
sofreu a influência da lambada, no final dos anos 80, modismo que teve vida curta,
mas muita aceitação entre os amantes e apaixonados pela prática da dança. De lá
para cá registra um crescimento expressivo, especialmente entre jovens e
adolescentes.
Sem sombra de dúvida, a mídia tem a sua parcela de contribuição para esse
desenvolvimento. Assim, novelas como “Dancing Days” e “Rainha da Sucata”, tiveram
o dom de popularizar o ritmo da discoteca e a lambada. Já “Salsa e Merengue” e
“Laços de Família”, incumbiram-se de disseminar os ritmos caribenhos e o “samba
liso”, que relembra a bossa nova. Por seu turno “O Clone” e, mais recentemente, o
“Sabor da Paixão”, difundiram o samba de gafieira e o samba quadradinho. Confirma-
se, assim, que a dança de salão está viva e soube romper com maestria as portas do
século XXI.
Entrar para o mundo da dança de salão, porém, exige alguns dotes
privilegiados de seus participantes. A dança, sabe-se, é arte, movimento, gestos,
expressão, manifestação do movimento.
Para Achcar (1985), a dança “é arte do movimento e da expressão, onde a
estética e a musicalidade prevalecem”.
A dança, como forma de expressão e comunicação, estimula as capacidades
humanas e pode, por exemplo, ser comparada à linguagem oral. Assim como as
palavras são formadas por letras, os movimentos são formados por elementos. Dessa

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forma, a expressão corporal estimula e desenvolve as atividades psíquicas de acordo


com os seus conteúdos e forma de ser vivida, tanto quanto a palavra. (Laban, 1990)
Para Ferreira (1995) a dança é uma “seqüência de movimentos corporais
executadas de maneira ritmada, em geral ao som de música, baile, bailado, balé,
coreografia, agitação e movimento.”
Assim como o jazz, moderno e contemporâneo, e o sapateado, as danças de
salão, com os ritmos de bolero, samba, salsa, forró, entre outros, todos têm
peculiaridades que os tornam únicos. Em outras palavras, é uma verdadeira arte
saber expressar os mais variados ritmos.
A dança é compreendida como arte porque é capaz de criar formas expressivas
dos sentimentos humanos, comunicando-se com os outros (Duarte, 1995).
Em nosso contexto sócio-cultural, a dança possibilita a abertura de novas
portas para a sociedade, e, por conseguinte, as pessoas podem usufruir os bens
culturalmente produzidos. Uma rápida constatação: acompanhada de gestos os mais
elementares, a dança primitiva logo introduziu seus ritmos e ritos. Dançar era, ao
mesmo tempo, viver, transcender o cotidiano, iniciar-se nos mistérios da vida, da
morte e da fertilidade. A princípio, utilizavam-se as palavras; depois as batidas das
mãos, dos pés, com acompanhamentos, chegando-se, a seguir, à música.
Com o passar do tempo, a dança enriqueceu-se sobremaneira. Fórmulas
variadas e construções com passos tão numerosos quanto as palavras, passaram a
traduzir, na verdade, situações e estados de alma. Uma união tão perfeita e agradável
ao homem, que o levou a praticá-la não apenas sozinho, como também com um(a)
parceiro(a), ou em grupo.
Hoje temos a dança de sociedade, a dança teatral, assim como a dança de
salão. As danças de sociedade (valsa e tango, por exemplo), tiveram origem comum
nas danças populares e adquiriram refinamento através da influência dos nobres, que
a elas emprestaram sua influência. A dança teatral, inicialmente conhecida como
dança da corte era, a princípio, executada nos palcos e tinha como fim divertir o
público. Sujeita a regras específicas, ganha corpo a partir do século XVII.
Enquanto isso, a dança de salão pode ser enquadrada na categoria de dança
popular e pode ser chamada de dança social por ser praticada, aos pares, em bailes
ou reuniões e tem, em seu bojo, o objetivo de socializar e divertir.
Percebe-se em alguns momentos da história da dança de salão, que a atividade
não só possibilitava o próprio aprendizado da dança -- como qualquer outro novo
conhecimento --, como também tinha importância em outros campos, como vencer o

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estresse, os conflitos causados pelo cotidiano, ou ainda, para amenizar o estado de


tensão.
Constata-se também que a dança de salão tem um grande potencial educativo,
já que o seu próprio aprendizado leva à utilização do movimento para expressar
idéias, sentimentos, emoções, pensamentos, ou ainda princípios filosóficos, sociais e
políticos. Mais ainda: em decorrência de sua essência integradora dos domínios
humanos é capaz de levar a pessoa a descobrir e / ou redescobrir sua corporeidade e
sensibilidade. A simples observação da prática da dança de salão, leva à percepção de
quão rica é em expressões não verbais, a ponto de ser necessário buscar subsídios na
forma mais pura da linguagem oral e escrita para entender e descrever a linguagem
do corpo que dança, do corpo que fala.
A cada passo a dança de salão revela em seus movimentos, por mais
imperceptíveis que sejam, toda uma gama de sensações, do próprio estado de
espírito, e pode determinar, em maior ou menor grau, a facilidade com que certos
obstáculos podem ser transpostos.
Sem dúvida, é difícil descrever, sucintamente, os sentimentos emanados
através da dança de salão. Mas, nem por isto, esmaece o desejo de investigar este
universo de emoções. Pelo contrário, há o estimulo à coordenação de idéias e ações a
fim de penetrar em seu mundo mágico.
A pesquisa, ora realizada, tem como ponto central o estudo das emoções que
perpassam a prática da dança de salão e a relação dessa prática com a qualidade de
vida.
Trata-se de uma pesquisa relevante, uma vez que, além de resgatar valores
culturais de diferentes regiões e contextos, busca desvendar os múltiplos efeitos para
o indivíduo, incluídos aí praticantes e professores de dança de salão.

Qualidade de vida

A expressão Qualidade de Vida, sabe-se, está muito em voga e, por isto, ganha
enfoques os mais variados. Certamente pode-se ligar a expressão ao sentimento
positivo do indivíduo, ao seu entusiasmo pela vida. Também diz respeito ao seu grau
de satisfação com a vida nos diversos aspectos, já que está intimamente relacionada
ao estilo de vida da pessoa.
Ao mesmo tempo, há de se considerar que a qualidade de vida recebe
influência determinante dos valores culturais. Por isso torna-se necessário refletir e
apresentar ações, que sejam coerentes com a realidade de cada país, cada grupo e

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cada cidadão. Da mesma forma, não se pode esquecer que esses valores sofrem
influências devido às imposições dos meios de comunicação, valorização de padrões,
moldes e símbolos.
A expressão aplica-se ao indivíduo aparentemente saudável e diz respeito ao seu
grau de satisfação com a vida nos múltiplos aspectos que a integram: moradia,
transporte, alimentação, lazer, satisfação/realização profissional, vida sexual e
amorosa, relacionamento com as outras pessoas, liberdade, autonomia e segurança
financeira, (...) a obtenção e preservação da qualidade de vida, entendida nesse
sentido genérico, vincula-se intimamente, ao estilo de vida da pessoa. Ao padrão de
alimentação. A prática de atividade física. (BARROS 2000, p.261).
Com a globalização, aumenta-se a exigência para que as pessoas tornem-se
cada vez mais eficientes, de maneira a ficarem cada vez mais “submissas” ao próprio
trabalho. Muitas vezes, o trabalho sufoca a pessoa de modo que, muitas vezes, a faz
esquecer de si mesma, da família, do grupo de amigos e de seu próprio lazer. Tudo se
transforma em rotina obrigatória, até alcançar as grandes síndromes.
Aparentemente, tudo está sobre controle, a pessoa fecha-se em um mundo só
dela, vai da casa para o trabalho e vive-versa. Em geral o indivíduo mora em grandes
cidades, com transito intenso, ônibus lotados, pedestres apressados, sempre
preocupados em não perder o horário. É preciso levar o filho à escola, agilizar a
agenda do dia e, muitas vezes, não tem horário nem mesmo para uma alimentação
adequada. O que parece sob controle, depois de certo tempo, torna-se incontrolável e
a pessoa já não mostra mais resistência para viver esse interminável corre-corre. É
claro, esse comportamento gerado pela síndrome da cidade grande, só resulta em
reflexos negativos para a saúde do ser humano.
A Síndrome das Grandes Cidades, que se traduzem por um comportamento
ansioso, com insônia noturna e sonolência diurna. A depressão reativa é devida ao
estresse das exigências sócio-profissionais, à poluição sonora, à perda da privacidade
e do sentido de segurança. (MADUREIRA 1999, p.102)
A qualidade de vida está diretamente ligada à saúde, é a partir dela que o
indivíduo consegue resistir às deficiências do mundo moderno.
Barros(2000:261) diz que qualidade de vida ligada à saúde aplica-se as pessoas
sabidamente doentes e diz respeito ao grau de limitação e desconforto que a doença
e/ou sua terapêutica acarretam ao paciente e à sua vida. É ainda, assim, uma
concepção pluridimensional, dado que engloba todos os aspectos da vida da pessoa
potencialmente atingidos pelo adoecer e extrapola à pura e simples limitação física.”

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O mundo moderno trouxe para as pessoas, a concorrência, a ganância, a


desigualdade e a fraqueza. Não se pode vacilar, afinal, “tempo é dinheiro”.
Esse novo comportamento do ser humano faz com que a qualidade de vida seja
esquecida, e quer por ganância, ou ignorância, o indivíduo não sabe mais lidar com si
próprio e com a qualidade de vida que merece. Desde o começo de sua vida, seja na
fase estudantil, ou profissional, não sabe discernir quando é hora de parar e reavaliar
sua vida. O resultado é que acaba por ser levado a ir a um medido em busca de
alguma solução, já que a sua saúde, se já não está, poderá ser afetada por algum
problema de difícil solução.
A maioria dessas propostas, visando à busca da qualidade de vida, parte do
princípio de que, alterando-se as estratégias daquilo que é feito, ou alterando-se
critérios que balizam ações no dia-a-dia será possível reverter o quadro da
desqualificação da vida atual e, como num passe de mágica ou de posse de um poder
revelador, estaremos desfrutando de vida qualificada. (MOREIRA,2001, p.1)
Toda essa mudança na vida das pessoas confirma que o mundo está em
contínua transformação, tanto para o lado positivo quanto para o negativo.
Positivamente porque, de certa forma, as pessoas buscam o novo, o melhor para elas
e sua famílias e, negativamente, porque não há limites para essa busca.
De certa forma, as pessoas já estão acordando para os resultados nefastos de
toda essa correria, da eterna falta de tempo, da pressão no trabalho, da ganância,
com tudo desembocando nos malefícios causados pelo stress. É por essas e outras
que, finalmente começam a acordar para os benefícios que somente uma melhor
qualidade de vida pode trazer.
O tema qualidade de vida, assim encarado, faz-nos lembrar que o século XX foi
considerado um século de progressos, de desenvolvimentos, de grandes descobertas,
mas ao mesmo tempo, foi um século de confusões, de horrores, de holocausto, de
guerras mundiais. O desenvolvimento trouxe consigo o subdesenvolvimento; o
progresso foi experimentado e, com ele, as regressões. Vivenciou-se, neste período, o
verdadeiro significado da crise, quando os perigos conviveram com as oportunidades
de mudança. (MOREIRA,2001,p.15).
Qualidade de vida é viver bem em todos os aspectos, é ter uma rotina
saudável, é viver bem com as pessoas com o mundo ao seu redor, é ter uma
alimentação saudável, é fazer alguma atividade física, não apenas como obrigação,
mas também como algo que caminha junto ao prazer. É neste contexto, que
sugerimos a dança de salão. Dançar é colocar todo o sentimento prazeroso para fora,
é viver socialmente com pessoas que gostamos e que nos fazem bem.

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Mas vale dizer que esta não é uma receita simples de ser colocada em prática,
tal qual fazer-se um simples bolo dentro da arte culinária. Há certa complexidade em
sua execução. É necessário, primeiro, encontrar-se consigo mesmo,
independentemente da classe social. É necessário deixar claro que qualidade de vida
não é, obrigatoriamente, freqüentar a melhor academia, o melhor clube, viajar para
lugares obrigatoriamente paradisíacos, alimentar-se no melhor restaurante. Mesmo
porque esses quesitos não fazem parte da rotina da maior parte da população. É
preciso entender e conscientizar-se que a qualidade de vida, em sua essência, tão e
somente ter uma atividade extra, saudável, que leve a uma maior socialização. O
bem-viver está neste pequeno segredo.

Dança

Desde a pré-história, o homem já dançava. Os motivos eram os mais diversos.


Dançava-se à volta da fogueira para se esquentar do frio, para demonstrar a
fertilidade, para obter uma boa caça. Com certeza, o homem não se dava conta de
que, com o passar do tempo, aqueles exercícios rítmicos e repetitivos, se
transformariam em movimentos muito valorizado pelas gerações subseqüentes.
Antropólogos e arqueólogos assumem que o homem primitivo dançava como
sinal de exuberância física, rudimentar tentativa de comunicação e, posteriormente, já
como forma de ritual, dançou-se assim, desde os tempos imemoráveis, em torno de
fogueiras e diante de cavernas; gestos rítmicos, repetitivos, às vezes levados ao
paroxismo, serviam para aquecer os corpos antes da caça e combate. (PORTINARI,
1989, p. 17)
Observamos que cada povo tinha como principal objetivo na dança satisfazer a
seus deuses para não receber algum tipo de castigo. Os egípcios, por exemplo,
dançavam para o deus Bes de para as mulheres terem partos rápidos. Já os gregos
dançavam para a titã Réia, mulher de Cronos, devorador da prole, para proteger o
filho Zeus.
No Egito, bem como em outras antigas civilizações, a dança tinha um caráter
sagrado. Sua invenção era atribuída a Bes, um deus-anão originário da Núbia, que
usava pele de leopardo, protegia contra feitiçaria e favorecia um parto rápido... sua
invenção era atribuída a titã Réia, mulher de Cronos sinistro devorador da prole.
Assim para proteger o filho Zeus que acabara de nascer no Monte Ida, em Creta, Réia
confiou-o a um grupo de guerreiros-sacerdotes, depois de ensinar-lhes um ritmo e
barulhento bater de pés. ( PORTINARI, 1989, p. 23)

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Nem tudo, porém, correu de forma tranqüila para a dança na Idade Média. Por
volta de 476 a 1953, os praticantes da dança foram perseguidos pela igreja, já que
aquele era um sinal de pecado. É interessante dizer também, que alguns santos como
São Basílio de Cesáreia achava que a dança era atividade dos anjos. Sendo assim,
observamos que ela tinha um caráter dúbio, ou seja, para a igreja era vista, ao
mesmo tempo, como santa e pecadora.
Segundo Portinari (1989), “ em relação a dança, a atitude da Igreja foi dúbia:
condenação por um lado, tolerância por outro.” Isso mostra que a dança, através dos
tempos, já havia conquistado o seu espaço e, mesmo com a interferência de fortes
influencias como a da Igreja, foi seguindo o seu caminho desde a época que o homem
a praticava, à volta do fogo, com o intuito de se aquecer.
Em meados do século XI, à dança foi creditado o papel de cura para algumas
mazelas físicas. Percebeu-se que a dança melhorava o bem estar físico com sensível
aumento da flexibilidade. O que permite pensar que, de alguma maneira, a dança
naquela época já era vista como um dos caminhos que levava ao incremento da
“qualidade de vida”.
De acordo com Portinári (1989), “ o sinal do desespero diante de dores físicas e
de doenças epidêmicas como a peste negra, que ceifou milhares de vidas, e numa
histeria coletiva, as pessoas dançavam freneticamente expressando pavor da morte.”
A partir do século XVI, a dança inseriu-se nos salões da nobreza e ganhou o seu
status. Os nobres passaram a achar importante saber movimentar ritmicamente seu
corpo ao lado de sua parceira. Mas somente a eles era dada a oportunidade de
receberem as devidas aulas, ao contrário das classes mais baixas.
Segundo Ried (2002) “As classes nobres diferenciavam-se das classes baixas,
entre outros, através das danças típicas, cuja aprendizagem fazia parte da educação.
A aristocracia praticava as danças da corte, e o povo as danças folclóricas.”
E a dança foi ganhando novos aspectos. O homem, que até então era visto
como simples cavaleiro acompanhante da dama pelo salão, começa a reverenciar, a
cortejar e a proteger a mulher, que, por sua vez, passa a expressar-se através de
maneirismos que refletiam uma sutil aceitação da sedução do homem. Nesse contexto
percebe-se, em nossas leituras, que a dança é uma experiência do corpo em
movimento, e quem assiste a um espetáculo, ou coreografia, tem uma experiência
essencialmente visual do outro.
Dessa forma observa-se a dança de pares, ou dança a dois, passa a enquadrar-
se na categoria das danças sociais, também com o objetivo de socializar e divertir.

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E onde a valsa, por exemplo, inclui-se neste contexto? Com certeza pode ser
considerada a mais antiga das danças de salão, praticada que era por toda a corte do
século XVI.
De acordo com Ried (2003) “Já na Idade Média, os pares davam a volta no
salão, girando em torno de si mesmos em postura fechada, para finalizar uma rodada
da dança.”
Importante lembrar que, na verdade, a valsa surgiu primeiro entre os
camponeses e a aristocracia tomou para si o papel de introduzir algumas modificações
para refiná-la.
Mas à valsa reinava sozinha nos grandes salões? Neste contexto há de se
lembrar que, com o decorrer do tempo passou-se a executar também a polca e o
galope.
Mais tarde, já o século XVIII, surge o tango que, logo a seguir, foi proibido
pelos governantes e pela Igreja, receosos de que o ritmo viesse a corromper os bons
costumes.
Para Ried (2003) foi somente em 1907 que o tango se popularizou na Europa,
onde virou uma verdadeira mania, com reflexos na moda e nos costumes. É da época
o surgimento, nos grandes hotéis, dos “chás de tango”, um fato absolutamente
revolucionário e até então inaceitável para os padrões da época.
Segundo Ried (2003), o Onestep invadiu as pistas desenvolveu-se para o
Foxtrot, e danças como Cakewalk, Boston, Ragtime e Twostep acabam por ultrapassar
danças tradicionais giratórias, como a Valsa e Polca: inicia-se aí o dançar com
deslocamentos para frente e para trás.
Com o estouro da primeira guerra mundial, em 1912, a dança acaba por ser
proibida em alguns países da Europa, como França e Alemanha, o que resultou na
perda de popularidade de ritmos como Onestep, Boston e Tango. Alheia a proibições
em outros países, a Inglaterra permitiu-se até a entrada de ritmos novos em seu
território. Segundo Ried (2003), “ na Inglaterra, ao contrário, conjuntos americanos
animavam, trazendo os ritmos ousados vindos do Novo Mundo. No intuito de distrair e
oferecer lazer aos soldados que estavam de férias.”
Em 1929, a dança de salão acaba por ganhar novos e estimulantes contornos,
segundo Ried: Professores e dançarinos ingleses, atuando até então de forma
individual e isolada um do outro, convencionaram reunir o Slowfox (Foxtrot lento),
Onestep, Valsa Inglesa, Tango e Blues numa categoria chamada Danças padrão.
Sentiu a necessidade de padronizar passos, figuras e critérios de avaliação já que, na
época, conforme Günter/Schäferm os concursos de dança de salão estavam tão em

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voga que qualquer filhinho de papai respeitado alugava um fraque e um salão e


informava que, sob sua égide profissionalíssima, seria realizado um concurso:
primeiro prêmio: um carro, segundo prêmio: um casal de cães de raça pincher,
terceiro prêmio: um smoking segundo a última moda ( RIED, 2002, p.14)
A Valsa Vienense, por seu turno, é oficializada em 1930, e entra para o rol das
danças clássicas nas competições oficiais da Alemanha. Por seu turno, a Rumba é
descartada no país, pois os nazistas proibem-na com a alegação de ser “música
desfigurada”. O samba também sofreu o mesmo revés mas, desta feita, por parte do
Vaticano, enquanto toda a Europa, se encanta com a nova dança.
Já em 1970, com o aparecimento das discotecas, surge o Twist e o Beat,
danças que dispensam a padronização de passos para facilitar a interação com o
parceiro.
Apesar disso alguns filmes da época, como “Saturday Night Fever”,
estimulavam os jovens do mundo todo a continuar a dançar a dois nas pistas das
discotecas, os TochDances . Foi quanto surgiu o DiscoFox, adaptação dos
movimentos do Foxtrot ao ritmo e embalo das músicas de discoteca. Analogamente,
em 1987, o filme “Dirty Dancing” lançou o Mambo, que caiu no agrado dos jovens.
Virou dança da moda, desenvolveu-se para a Lambada e, posteriormente, para o
Discohustle. (RIED, 2002,P.19)
Atualmente a dança de salão pode ser encarada e inserida no variado rol das
atividades físicas conhecidas, e é praticada por pessoas de todas as idades, com os
mais diferentes objetivos.

Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido a partir da pesquisa descritiva, onde o


“pesquisador procura conhecer e interpretar a realidade sem nela interferir ou
modificá-la” (RUDIO, 2003,p.69). Dentre as formas apresentadas na pesquisa
descritiva, foi escolhida a pesquisa de opinião, que “procura saber que atitudes, ponto
de vista e preferências têm as pessoas a partir de um assunto, com o intuito
geralmente de se tomar decisões sobre o mesmo”. (RUDIO, 2003, p.71).
A pesquisa foi elaborada através da leitura de livros, revistas e periódicos
científicos. Após a reflexão e análise dos estudos, partiu-se para a aplicação de um
questionário, com 9 perguntas fechadas, junto aos freqüentadores de academias que
praticam a dança de salão em Campinas, cidade localizada no interior do estado de
São Paulo.

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O objetivo da pesquisa foi identificar o perfil do praticante de dança de salão;


verificar os motivos pelos quais as pessoas a praticam; analisar as possíveis melhoras
no condicionamento físico alcançadas com a atividade, checar se, de fato é
instrumento para o combate ao estresse e, por conseguinte, fator condicionante para
a melhoria da qualidade de vida.

Universo da pesquisa

No passeio pelas inúmeras academias na cidade, optou-se pelos locais onde só


se pratica a dança de salão. Foram entrevistadas 49 pessoas, das quais 22 do sexo
masculino e 27 do sexo feminino, com idade a partir de 19 anos.

Resultado

Entre as perguntas a que foram submetidos os entrevistados, uma delas


referiu-se ao tempo que praticam a dança de salão. Sob este aspecto chegou-se ao
seguinte resultado: entre eles, 15 indivíduos praticavam a dança de salão há exato 01
ano, enquanto outros 11 o faziam há 02 anos. Enquanto isso 10 pessoas
freqüentavam a academia há menos de 01 ano e outras 04 há exatos 04 anos. Por
seu turno, quatro outros grupos compostos por 02 pessoas cada, exerciam a atividade
em períodos que iam de 12, 10, 05 e 03 anos. E, finalmente, 01 dos integrantes do
universo pesquisado praticava a dança de salão já há 15 longos anos.
O resultado reflete com clareza que a dança de salão pode ser considerada
atividade que veio para ficar e, nem de longe é simples modismo. Percebe-se com
clareza que, em um primeiro momento, a pessoa entra em um curso para aprender a
dançar e, ao perceber os benefícios advindos de sua prática, continua envolvida na
atividade por mais tempo.
Conferiu-se também que, entre os 49 entrevistados, 30 também são adeptos
de outras formas atividades físicas, com destaques os mais variados. Dentro deste
universo, 18 indivíduos praticam a caminhada, 05 outros vêem a musculação como
atividade indispensável e 04 consideram a hidroginástica indispensável. Enquanto
isso, no mesmo universo, 03 são adeptos da ioga, outros 03 incluem a dança clássica
em seu dia-a-dia, da mesma forma que 03 grupos distintos, cada um com 02 pessoas,
colocam a corrida, o futebol e o taekendo em seu rol de atividades. O ciclismo, a
natação, o jazz, a ginástica, a dança axé, a capoeira e o handebol inserem-se nas

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atividades de 07 pessoas distintas, enquanto outras 04 pessoas não especificaram


atividade alguma além da dança de salão.
Como se constata, a dança de salão é atividade bastante procurada mesmo por
aqueles adeptos de outras modalidades físicas e que buscam na dança um veículo
para exercitar-se, trazer benefícios à saúde e também prazer e bem estar. Esta
constatação fica patente quando indagados sobre os motivos pelos quais levaram o
praticante a ir atrás da dança de salão. Sete encaram a dança como lazer, 04 a
vêem como atividade física importante e 36 a procuram pelo grande prazer que a
prática lhes traz.
Indagadas sobre eventuais benefícios que a dança de salão trouxe à saúde, 41
pessoas dentro do universo pesquisado consideram a atividade é altamente positiva
neste sentido. Ao apontarem os benefícios alcançados, 48 pessoas sentiram o estresse
amenizado, 47 obtiveram melhora na coordenação motora e 45 viram a flexibilidade
aumentada. Enquanto isso, 11 sentiram aumento na disposição, 04 alcançaram
reeducação postural, 02 perderam peso; 01 viu amenizada as dores na coluna; 01
melhorou a agilidade e 01 melhorou o condicionamento físico. Do total, apenas 10 não
especificaram alguma melhora alcançada.
A melhoria da vida social também foi um dos itens apontados pela maioria,
dado que para 45 pessoas a indicaram como importante para a socialização,
principalmente em meio à correria dos dias atuais, quando pouco tempo se tem para
uma convivência entre as pessoas.
À pergunta final do questionário, que indagou através de três opções como
alcançar a tão falada Qualidade de Vida, obteve-se como resultado o seguinte: para a
maioria, somente a prática de exercícios físicos podem promovê-la; em segundo plano
ficou o “estar com os amigos” e, por último, a leitura de um bom livro pode ajudar o
indivíduo a sentir-se feliz satisfeito.

Considerações finais

Esta pesquisa revela também que a dança de salão é incapaz de provocar


qualquer tipo de dano muscular, ou postural, ao seu praticante. Além disso, como
atividade física que contribui para a manutenção funcional do organismo, observou-se
que os entrevistados declararam-se muito motivados pelos aspectos relacionados a
saúde promovidos pela atividade. É importante observar também que a dança de
salão trabalha com elementos voltados à melhoria da aptidão física e do

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desenvolvimento psicomotor, através do lúdico, de maneira a favorecer a redução das


tensões do dia-a-dia.
A dança proporciona a seu praticante o desenvolvimento da autoconfiança, cria
socialização e divertimento, estimula a circulação sangüínea, desenvolve capacidades
físicas básicas, como coordenação motora, agilidade, flexibilidade, resistência
muscular e ritmo, melhora o sistema cardiorrespiratório, diminui o estresse, queima
de calorias, além de desenvolver a percepção corporal, melhorando até mesmo a
auto-imagem do ser humano. (LOMAKINE, 2001, p.12)
Dessa forma, pode-se considerar a dança de salão um instrumento importante
para as pessoas melhorarem a qualidade de vida, já que a atividade não é tão
somente uma forma de atividade física, de expressão, mas sim também uma saudável
maneira de viver.
Dessa forma, como uma atividade física, a dança de salão deve fazer parte da
vida das pessoas, mesmo para aquelas que não tenham a pretensão de tornar-se
exímias bailarinas e, apenas, se descontrair, fazer amigos. Afinal, dançar é viver, é
sentir-se vivo é ganhar saúde.

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Data de recebimento: 27/05/06


Data de aceite:31/07/06

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