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Ensino de Sociologia: desafios


teóricos e pedagógicos para as
Ciências Sociais
Luiz Fernandes de Oliveira

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5º ENSOC -GT 2 – Formação do Professor


Phelipe Oliveira

Ent re as inst it uição e os sujeit os: reflexões sobre a prát ica docent e equilibrist a
Paulo Vict or Albert oni Lisboa
Ensino de Sociologia:
desafios teóricos e pedagógicos para as ciências
sociais.

Organizador:
Luiz Fernandes de Oliveira
2

SUMÁRIO

Prefácio....................................................................................................................................... 3

Introdução................................................................................................................................... 8

Capítulo 1 Por uma sociologia da juventude............................................................................ 11


Juarez Dayrell

Capítulo 2 Formação de professores de sociologia do ensino médio: para além das dicotomias..... 32
Amaury Cesar Moraes

Capítulo 3 Ensino de Sociologia, Estado Nacional e Reflexividade: Dilemas da Modernidade...... 43


Amurabi Oliveira

Capítulo 4 Pensando sobre as experiências de formação de professores/as de sociologia no


Programa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES: modelos de estágio em gestação na
Universidade Estadual de Londrina-Pr. ................................................................................... 57
Ileizi Luciana Fiorelli Silva

Capítulo 5 Notas para um balanço crítico da produção recente dos livros didáticos de
sociologia no Brasil ................................................................................................................. 66
Simone Meucci

Capítulo 6 Propostas curriculares em Sociologia..................................................................... 74


Flavio Marcos Silva Sarandy

Capítulo 7 Sociedade e Meio ambiente: O papel do professor de Sociologia ......................... 93


Tânia Elias Magno da Silva

Capítulo 8 Didática e ensino de sociologia: questões didático-metodológicas contemporâneas.... 106


Luiz Fernandes de Oliveira
Ricardo Cesar Rocha da Costa

Capítulo 9 O Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA): a sociologia e o


aprendizado científico ............................................................................................................ 121
Adelia Miglievich -Ribeiro
Lígia Wilhelms Eras

Capítulo 10 Mudando o rumo dos ventos: a sociologia no ensino médio.............................. 136


Luiza Helena Pereira

Capítulo 11 O Retorno da Sociologia no Ensino Médio no Rio de Janeiro: uma luta que
merece ser pautada!................................................................................................................ 147
Antonio de Ponte Jardim
Otair Fernandes de Oliveira
3

Prefácio

Escrever sobre os desafios teóricos e pedagógicos bem como os elementos presentes no


ensino da Sociologia na escola média no Brasil hoje é sempre uma tarefa significativa, pois só
recentemente constatamos a presença de pesquisadores e professores envolvidos nesta
atividade, depois de um longo silêncio, com poucas exceções. Assim a presença de mais uma
coletânea discutindo o tema Ensino da Sociologia é sempre oportuno e necessário.
Na coletânea que ora se apresenta temos uma variedade de questões abordadas o que
demonstra as possibilidades de análise que este tema envolve.
A discussão sobre a juventude de Juarez Dayrell da UFMG é um tema que na década de
1960 e 1970 foi muito valorizado e trabalhado no Brasil e depois caiu no esquecimento para
retomar com força nos últimos anos, com novas questões, pois afinal os tempos são outros e a
juventude também é outra. Por isso, a reflexão sobre a juventude no Brasil hoje, levando-se
em conta toda uma reflexão sociológica existente, é fundamental para se compreender a
necessidade da sociologia no ensino médio, pois afinal os jovens que estão na escola se
envolvem em questões como trabalho, sociabilidade, cultura, comunicação instantânea,
política e tantos outros espaços de vida que não se pode prescindir de se pensar como um
objeto de estudo fundamental para o desenvolvimento de uma prática pedagógica específica
para esta parcela da sociedade. Enfim pensar a relação entre juventude e escola e a função
desta no processo de socialização se torna fundamental para refletir sobre os cursos de
Ciências Sociais hoje, bem como sobre a presença da Sociologia no ensino médio.
Neste sentido observa-se que falta na maioria de nossos cursos de ciências sociais um
espaço privilegiado para esta discussão que perpassa a Sociologia, a Antropologia e a Ciência
Política, principalmente nas licenciaturas, como se os futuros professores, por serem jovens,
já conhecessem a discussão sobre este tema.
O texto de Amurabi Oliveira nos remete a uma discussão de relevância, pois a
constituição de um Estado nacional republicano é concomitante com as primeiras tentativas
de se introduzir a Sociologia nos níveis intermediários e superiores de ensino no Brasil. Este
texto se torna importante para refletirmos que as preocupações com a presença e ausência da
sociologia no ensino médio escolar, em vários momentos tiveram razões e motivações
diversas e que muitas vezes aparece como se houvesse uma linearidade/continuidade quando
houve sim muita descontinuidade. Por outro lado, isso não significa dizer que os discursos
4

hoje, exigindo a presença e manutenção da sociologia no ensino médio, em alguns casos, não
tragam ainda alguns resquícios de outras épocas diferentes da que hoje vivemos.
Mas a questão fica em aberto, pois afinal, a sociologia aparece como sendo uma
ferramenta para o combate e a transformação ou para fazer parte integrante de uma política
legitimadora da situação vigente.
Após duas discussões de grande amplitude penso que os textos de Amaury Cesar
Moraes, de Ileizi Luciana Fiorelli Silva e de Luiza Helena Pereira nos remetem de alguma
forma à questão da formação dos professores na universidade, e as políticas públicas
existentes hoje vinculadas às licenciaturas. A dicotomia existente, desde o início dos cursos
de ciências sociais, na década de 1930, aparece hoje de forma mais explícita, porque a maioria
dos nossos cursos de ciências sociais privilegia o bacharelado, devido, em parte, a ênfase dada
à pós-graduação, deixando de lado a licenciatura. Mas como formar professores sem os
conhecimentos das ciências sociais? Parece-me que é uma visão enviesada pensar a separação
entre bacharelado e licenciatura, pois a maior parte das disciplinas dos cursos de ciências
sociais, na maioria das universidades, são as mesmas para ambas as habilitações.
Mesmo assim, ela continua na prática e ainda com o estigma para quem faz a
licenciatura, como se não soubesse fazer pesquisa, que fica expressa quando ainda se ouve
que o licenciado “não tem capacidade/condições de fazer uma monografia”.
Como romper com esta visão tacanha e sem fundamento empírico? A formação de um
professor exige tanto ou mais que um não professor do ensino médio. Neste sentido, o texto
vai além e faz uma avaliação de outras dicotomias presentes na formação dos professores de
sociologia do ensino médio. E por fim indica a necessidade de uma revisão radical da
formação dos professores de sociologia para o ensino médio.
A preocupação com a formação está presente também no texto de Ileizi L.F. Silva que
descreve a experiência do PIBID (Plano Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência) de
Ciências Sociais na UEL, programa do governo federal, que considero da maior relevância,
pois é a primeira vez que há um programa desta natureza, ou seja, com bolsas para
professores e estudantes e que tem como alvo a licenciatura. Penso que esta é uma
oportunidade que todas as universidades e cursos devem aproveitar para implantar um PIBID
e assim ampliar as possibilidades de termos uma formação de professores mais sólida
inclusive levando a uma revisão profunda dos estágios supervisionados.
Na mesma temática Luiza Helena Pereira nos remete a uma análise sobre a formação
dos futuros professores de sociologia no ensino médio no Rio Grande do Sul, apresentando
para tanto uma proposta teórico-metodológica bem como as estratégias para a seleção de
5

temas e as implicações da escolha teórica de determinadas metodologias para orientar a


prática pedagógica.
Se existe uma discussão constante sobre o processo de formação dos professores, outros
dois temas que aparecem cada dia mais na agenda sobre o ensino da sociologia são os livros
didáticos e as propostas curriculares presentes nas escolas.
O texto de Flavio M. S. Sarandy ao se propor analisar as possíveis propostas
curriculares em Sociologia, e o que as fundamenta nos remete inicialmente aos PCNs e às
OCNs, mostrando as diferenças essenciais entre estes dois textos oficiais que deveriam
orientar as possibilidades de estruturação de propostas curriculares nas diferentes regiões e
estados da federação brasileira, para não dizer das escolas. Este debate é importante, porque
muitas vezes se tem a impressão que tanto professores como administradores educacionais
desconhecem ou não levam em conta estes documentos, muitas vezes confundindo-os como
se fossem um só, ou simplesmente desconhecendo-os. Mas eles existem e são levados em
conta na definição de políticas públicas, mais os PCNs do que as OCNs, pois estas ainda não
foram digeridas por muito dos administradores, por fugir da lógica até então preconizada por
determinados grupos dominantes na burocracia estatal da educação.
Mas o texto de Flávio Sarandy também retoma uma discussão que abordou em 2004 na
sua dissertação de mestrado1 quando analisou alguns livros didáticos recentes e levanta a
questão como estes livros são de alguma forma um dos elementos, de fato, que definem as
propostas curriculares pelos professores, no dia a dia da escola. Isso nos leva a pensar na
importância e no papel que joga o livro didático na prática cotidiana dos professores de
sociologia no ensino médio, principalmente quando sabemos que a maioria deles não possui
formação específica para ministrarem esta disciplina.
Por sua vez o texto de Simone Meucci sobre livros didáticos é fundamental para se
entender não só à lógica que impele uma política pública a disseminar milhares de livros na
educação básica, mas também à lógica interna dos próprios livros didáticos de sociologia
produzidos hoje no Brasil. A autora que já tinha analisado em sua dissertação de mestrado,
em 2000, sobre os primeiros manuais das décadas de 1920 a 1940 e que agora o transformou
em livro2. Nesta procura fazer, como intitula sua introdução, uma sociologia dos manuais de
sociologia de então. É nesta mesma linha que seu artigo procura agora analisar, mesmo que

1
SARANDY, Flávio Marcos Silva. A Sociologia volta à escola: um estudo dos manuais de Sociologia para o
ensino médio no Brasil. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas – UFRJ, 2004.
2
MEUCCI, Simone. Institucionalização da Sociologia no Brasil. Primeiros manuais e cursos. São Paulo:
Hucitec/FAPESP, 2011.
6

brevemente, os livros didáticos de sociologia que participaram, pela primeira vez, do PNLD e
que foram distribuídos nas escolas públicas em 2012. Crítica geral precisa que nos aponta
uma série de elementos que possibilitam uma análise mais detalhada dos livros didáticos
existentes hoje. Além disso, procura indicar como os livros didáticos implicam numa possível
rotinização do conhecimento sociológico no sistema escolar.
Quais são as propostas curriculares ou os programas, quais são os livros e quais são os
possíveis temas que podem ser abordados pela sociologia no ensino médio são questões que
aparecem na cabeça do professor a todo o momento no cotidiano da escola. Neste sentido o
texto de Tânia Elias Magno da Silva, tratando da relação sociedade e meio ambiente é
importante para deslocar das temáticas clássicas da sociologia para uma questão hoje
discutida em todos os meios de comunicação, organismos nacionais e internacionais, mas
também preocupação cotidiana de milhares de pessoas que veem na questão ambiental um
espaço para discutir a sociedade em que vivemos.
Neste sentido, ela parte da discussão sobre natureza e cultura, discutindo as raízes dos
antagonismos da relação homem e natureza para chegar à proposição de que o tema deve ser
abordado pelos professores de sociologia contribuindo para uma formação de uma visão
critica que rompa com a visão utilitarista e individualista que permeia os valores em nossa
sociedade e que estão presentes na concepção de vida dos alunos no interior das escolas.
Postas estas questões pelos textos anteriores, ficam ainda duas outras que estão sempre
presente no cotidiano do professor do ensino médio. A primeira é a questão didática que o
texto de Luiz Fernandes de Oliveira e de Ricardo Cesar Rocha da Costa nos remete a uma
reflexão do famoso “como ensinar sociologia para jovens”. Mesmo que se utilizem os mais
diversos recursos didáticos, adequando-os sempre ao uso de teorias, conceitos e temas, fica
ainda uma discussão sobre a formação docente neste quesito. Como estão sendo ensinados e
discutidos os usos de diferentes, tradicionais ou não, recursos didáticos aos futuros
professores do ensino médio? Esta pergunta se faz necessária porque na maioria dos casos o
que se encontra é uma situação muito antiga, ou seja, as aulas são ministradas na base do “giz
e saliva”. E aí se podem levantar várias questões que também envolvem, por exemplo, a
linguagem predominante entre os estudantes, suas interações e relações interpessoais, a
proposta de um Letramento sociológico, além é claro do uso de novas tecnologias de ensino.
Sobre esta, pergunto eu, os professores estão preparados para utilizar equipamentos
computadorizados ou mesmo internet em sala de aula? Enfim, vamos da inexistência de
condições objetivas e materiais até a incapacidade dos professores. Aqui se tem uma boa
7

entrada para discutir tanto a formação dos professores, neste quesito, até a prática de ensino
no cotidiano da sala de aula, ou como se diz “no chão da escola”.
A segunda questão é a da avaliação no processo de ensino, ou seja, como avaliar se
nossos alunos conseguem absorver e elaborar os temas, teorias e conceitos sociológicos
propostos em sala de aula. Adelia Miglievich Ribeiro e Lígia Wilhelms Eras, em seu texto
fazem uma análise sociológica do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (sigla
em inglês PISA) e como a questão deste tipo de avaliação influencia determinadas políticas
públicas. São válidos os instrumentos utilizados para se avaliar um sistema de ensino como
um todo? Mas por outro lado, quais seriam os instrumentos mais precisos para se avaliar o
ensino? São questões que se pode fazer quando se defronta com um sistema de avaliação que
se propõe universal.
Mas, para além dessa possível polêmica o texto nos remete a uma discussão que poderia
estar vinculada ao tema discutido anteriormente por Tânia Elias Magno da Silva, quando se
pode problematizar as potenciais relações entre as ciências da vida e as tecnológicas com a
sociologia. Mesmo que isso não esteja presente no PISA, mas segundo as autoras, pode
inspirar ou não o entendimento da pesquisa também nas aulas de sociologia.
E para concluir, nada como voltar a um tema já trabalhado em outros momentos e
lugares, pois afinal a luta continua, e isto está presente no texto de Otair Fernandes de
Oliveira e de Antonio de Ponte Jardim que resolvem trazer à tona o que foi a luta pelo retorno
da sociologia no ensino médio no Rio de Janeiro. Os percalços, incongruências, acertos até a
efetivação da disciplina são evidenciados pelo papel significativo da Associação Profissional
dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro (APSERJ) neste processo. Entretanto, deixam
bem claro que uma coisa foi a luta pela implantação da sociologia no ensino médio e outra é a
garantia da efetivação de uma pratica pedagógica de ensino em que as ciências sociais possam
ser úteis na formação do jovem brasileiro. Portanto só estamos começando outra batalha no
mesmo caminhar.
Como se pode perceber, discutir a presença da sociologia no ensino médio, seus
desafios teóricos e pedagógicos e práticos, não é uma tarefa fácil, pois são muitos os temas
que podem ser abordados de diferentes formas e visões. Mas, esta é a riqueza da sociologia,
que seria muito importante se pudéssemos transmitir aos nossos alunos na universidade e no
ensino médio.

Nelson Dácio Tomazi


(Professor aposentado da UEL)
8

Introdução

Na atual conjuntura de debates sobre o ensino de Sociologia no Ensino Médio, este livro
tem um caráter singular e histórico, pois reunimos aqui 14 dentre os principais especialistas
das Ciências Sociais que refletem teoricamente sobre o ensino de sociologia, em diversas
universidades brasileiras que formam os professores. Não são os únicos, é claro, mas a
representatividade expressa nesta coletânea, significa que este campo de reflexão dentro das
Ciências Sociais já acumulou formulações teóricas capaz de produzir um “campo de
pensamento” sobre o ensino e as práticas pedagógicas de uma disciplina pouco tradicional na
educação básica.
Ouvi esta expressão “campo de pensamento” sobre o ensino de sociologia, em 2007, na
ocasião dos debates sobre o tema no I Encontro de Ensino de Sociologia do Estado do Rio de
Janeiro, realizado na UFRJ. Ela foi expressa pelo professor da UFF, Flávio Sarandy, na mesa
de debates sobre as perspectivas do ensino de sociologia na escola básica. A época, ao jogar
esta formulação ao público, parecia que o autor queria pensar alto e coletivamente para a
constituição de um coletivo de reflexão, que não se limitaria ao espaço acadêmico.
Anos depois, podemos afirmar que estamos em outro patamar. Entendemos um “campo
de pensamento” como sendo um sujeito coletivo (ideias e pessoas) que expressa uma
perspectiva reflexiva e ação social conjunta, com objetivos políticos, teóricos e acadêmicos
específicos, num determinado tema ou área de conhecimento. Este campo não se caracteriza
como escola de pensamento, no qual há muito mais convergências teóricas e ações políticas
centralizadas em um espaço institucional. Entretanto, o que veremos neste livro, é uma
expressão bastante embrionária de uma perspectiva de construção de um campo de reflexão
teórica plural que pode, ou não, dependendo das condições objetivas dos sujeitos aqui
presentes, se consolidar nos próximos anos em função das grandes demandas abertas nos
cursos de licenciaturas em Ciências Sociais, no campo mais abrangente das Ciências Sociais
nas universidades e no campo profissional, especificamente o magistério público.
Essa nova demanda aberta, principalmente a partir da Lei 11.684/08 que institui a
obrigatoriedade da sociologia no ensino médio, é produto de muitas lutas coletivas de
professores e estudantes de Ciências Sociais em todo o Brasil. Mas, também reflete a
9

produção coletiva, mesmo que não seja organizada, de centenas de docentes da educação
básica.
Os conteúdos dos textos presentes neste livro, explicita e implicitamente, traduzem anos
de trajetórias de profissionais da educação básica que, mesmo enfrentando as dificuldades
objetivas e subjetivas do exercício do magistério, conseguiram se afirmar num campo de
atuação pouco tradicional e quase invisível para grande parte dos sujeitos que atuam nas
Ciências Sociais.
Quantos de nós, professores de sociologia no ensino médio, já atuamos solitariamente
numa escola? Quantos de nós fomos questionados sobre a relevância da sociologia no ensino
médio? Quantos de nós, enfim, já inventaram formas de ensinar, inventaram materiais e
recursos didáticos e inventaram formas de avaliação da aprendizagem em sociologia? Nós
temos histórias e muitas histórias para contar de diversas regiões e escolas do Brasil.
A despeito dos problemas estruturais da educação brasileira e da má formação inicial,
muitos professores de sociologia foram e são pioneiros em suas áreas e escolas na aplicação
didática e metodológica da sociologia entre os jovens estudantes. Aliás, estes, estão ou
poderão se tornar o público prioritário e amplo da sociologia, e o título desta coletânea vai
neste sentido: um desafio para uma ciência que predominantemente pensou os jovens até hoje
como simples objetos de pesquisa e não como sujeitos de interação no campo educacional.
E não nos limitamos a um só desafio, mas abrem-se muitos outros como: um outro olhar
sobre os jovens; uma sociologia da escola enquanto pesquisa e, ao mesmo tempo, enquanto
ação pedagógica; uma produção de conhecimento didático especifica; um diálogo com as
ciências da educação nos aspectos de currículo, de interdisciplinaridade, de seleção de
conteúdos, de avaliação da aprendizagem, de inserção específica nas atuais políticas públicas
educacionais e, principalmente, no campo da formação docente.
O que aparece nesta coletânea é a tentativa de construção de uma comunidade que
defende um ethos acadêmico, um campo de produção de conhecimento teórico e que possa
possibilitar a construção de uma intervenção de qualidade na educação brasileira.
Florestan Fernandes em 1954, na ocasião do 1º Congresso Brasileiro de Sociologia,
quando apresentou o debate sobre ensino de sociologia na escola secundaria, dizia que este
era um objeto inventado e que não existia. Mas, hoje, ele é um fato e uma realidade, que
provoca e mobiliza conflitos, polêmicas, rearranjos e disputas nos currículos, nos espaços
escolares e na grande mídia.
Neste sentido, os cursos de Ciências Sociais nas universidades brasileiras estão sendo
chamados a se mobilizarem diante dessa demanda que bate a sua porta, os estudantes de
10

graduação começam a perceber que o magistério público é o grande nicho profissional que se
anuncia após a conclusão do curso, mesmo que as condições de trabalho e salário não sejam
atraentes. E os professores, já atuantes no ensino médio, começam a participar, mesmo que de
forma fragmentada nacionalmente, de encontros, de seminários, de debates etc, e nestes,
descobrem novas experiências e formulações didáticas e pedagógicas com seus pares. Ou
seja, percebemos uma movimentação, um crescer de articulações nacionais, regionais e locais
que parecem propiciar um novo lócus de produção e enunciação de conhecimentos no campo
das Ciências Sociais e nas Ciências da Educação.
Esta coletânea não tem a pretensão de canalizar as referências neste campo de
pensamento que se está construindo. Ela pretende, humildemente, se inserir nesse momento
histórico que pode render novas elaborações, formulações e pesquisas, numa disciplina que
sempre gerou polêmica na história do currículo escolar brasileiro.
Duas intenções, entretanto, se fazem explícitas nesta coletânea: a primeira é fortalecer
toda uma luta de décadas pela sociologia no ensino médio propiciando uma real legitimidade
acadêmica e educacional sobre o ensino de sociologia na escola básica. A segunda, contribuir
para que os professores de sociologia se instrumentalizem teoricamente, que os estudantes se
formem numa perspectiva de diálogo permanente entre teoria e prática e que os professores
formadores nas licenciaturas, percebam que suas atuações nos cursos de Ciências Sociais
estão cada vez mais embasadas na perspectiva de construção de um sujeito coletivo e de uma
comunidade acadêmica que produz conhecimento socialmente relevante.
Enfim, esta coletânea, é uma obra aberta, é um investimento no diálogo e é uma
ferramenta que expressa a pluralidade de perspectivas que se abre na educação brasileira.

Luiz Fernandes de Oliveira


Professor adjunto de Ensino
de Ciências Sociais da UFRRJ
11

Capítulo 1 Por uma sociologia da juventude

Juarez Dayrell3

Introdução

Compreender a perspectiva sociológica acerca do mundo requer um olhar mais apurado


sobre os acontecimentos da vida social. A imaginação sociológica nos pede, sobretudo, que
sejamos capazes de pensar nos distanciando das rotinas familiares de nossas vidas cotidianas,
para poder vê-las como se fossem algo novo. Por isso, para compreender sociologicamente, é
preciso incentivar um olhar que alcance acontecimentos e sujeitos não como “problemas
sociais”, como tantas vezes são percebidos no senso comum, mas avistá-los como “problemas
sociológicos”.
Nesse sentido, ter a juventude ou sujeitos jovens como temas de compreensão
sociológica exige também a compreensão do senso comum sobre a juventude. Afinal, quais
são as imagens mais comuns sobre a juventude: fase de transição ou momento presente,
tempo de liberdade ou de responsabilidades?
Alcançar as formas como os jovens são vistos pela sociedade, pela mídia, pelo Estado e
outras instituições nos possibilita rasgar os véus das representações sociais e compreendê-los
sob uma nova ótica. Uma aventura que em boa medida depende de nossa disposição para sair
dos estreitos limites dos preconceitos e alcançar a possibilidade de desnaturalização dos
modos de ser jovem, através de entendimentos sobre as variadas dimensões da condição
juvenil. Nesse texto, vamos discutir alguns temas da sociologia da juventude,
problematizando a noção de juventude, alguns aspectos da realidade juvenil no Brasil
(trabalho, educação, mortalidade), as culturas e estilos, sociabilidades e a questão da
participação juvenil na contemporaneidade. Sugerimos que cada um destes temas seja objeto
de discussão em uma aula, perfazendo assim uma unidade. No final apresentamos algumas
sugestões de atividades a serem desenvolvidas com os alunos.

3
Sociólogo, professor da Faculdade de Educação da UFMG e coordenador do Observatório da Juventude
(www.fae.ufmg.br/objuventude).
12

Juventude: uma categoria em construção.

À pergunta: quantos anos você tem?


Dever-se-ia poder responder exatamente:
“Tenho todas as idades da vida humana”.
Edgar Morin.

Inicialmente é necessário discutir a nossa compreensão sobre a categoria Juventude,


cujo debate se insere em uma reflexão mais ampla acerca dos tempos da vida. Assim se
explica a epígrafe acima. Nela, Morin faz uma provocação a respeito das relações que
mantemos com a idade, levando-nos a refletir sobre os significados de se ter uma idade, as
relações entre os diferentes tempos da vida e, principalmente, a naturalização com que
geralmente tratamos este tema, como se ser criança, jovem ou velho fosse apenas um dado da
natureza, e não uma dimensão simbólica. Você já parou para pensar nisto?
Morin vai contra toda uma tendência de pensar a infância, a juventude a maturidade e a
velhice como etapas rígidas, que se esgotam em si mesmas, como se a passagem de cada um
desses ciclos implicasse a superação do anterior. Nessa concepção, ainda muito presente entre
nós, a cada uma dessas etapas seria necessário adequar-se a um conjunto de normas
socialmente definidas, que, associadas a um imaginário social, vão nos dizer desde o que
podemos ou não fazer em cada idade, até o que vestir ou mesmo como falar. Não seguir estas
normas implica ”cair no ridículo”, uma forma de coagir os possíveis desviantes. Assim, a
idade não é a sua nem a minha, é a idade do outro, que ao nos ser dada nos possui, de tal
forma que nosso tempo fica aprisionado. Significa dizer que ainda existe entre nós uma
imposição de uma identidade em função de parâmetros socialmente estabelecidos: é indicado
quem se pode ser, o que se pode fazer e o que é permitido ou não em tal ou qual idade.
Ao contrário desta posição, Morin (1987, p.255) afirma que cada ciclo da vida engloba
todos os outros vivenciados até então:
“É agora, quando se misturam envelhecimento e rejuvenescimento, que sinto em
mim todas as idades da vida. Sou permanentemente a sede de uma dialógica entre
infância / adolescência / maturidade / velhice. Evoluí, variei, sempre segundo esta
dialógica. Em mim, unem-se, mas também se opõem, os segredos da maturidade e
os da adolescência.”

Nessa outra forma de refletir e lidar com os tempos da vida supera-se a sucessão linear e
fechada de cada uma das suas etapas. Significa ver e viver as experiências articuladas, com a
possibilidade de múltiplas respostas, de forma que uma idade não elimina a outra, mas a
contém. Significa assumir o direito de jogar, em cada situação, com todas e cada uma das
cartas da experiência acumulada, seja ela grande ou pequena, de tal maneira que, em cada
13

itinerário pessoal, o tempo fosse nosso amigo, e não cárcere, permitindo, assim, uma
identidade flexível e diversificada.
Essas concepções interferem diretamente na forma como geralmente se elabora uma
compreensão e define-se uma postura diante da infância, da juventude e também da velhice.
Deparamos-nos no cotidiano com uma série de imagens socialmente construídas a respeito da
juventude que interferem na nossa maneira de compreender os jovens. Uma das mais
arraigadas é a juventude vista na sua condição de transitoriedade, onde o jovem é um “vir a
ser”, tendo, no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente.
Sob essa ótica, há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, o que ainda não
se chegou a ser, negando o presente vivido.
Essa imagem convive com outra: a juventude vista como problema, ganhando
visibilidade quando associada ao crescimento alarmante dos índices de violência, ao consumo
e tráfico de drogas ou mesmo à expansão da AIDS e da gravidez precoce, entre outros. Não
que estes aspectos da realidade não sejam importantes e estejam demandando ações urgentes
para serem equacionados. A questão é: ao conceber o jovem de uma maneira reducionista,
vendo-o apenas sob a ótica do problema, as ações em prol da juventude passam a ser focadas
na busca de superação do suposto “problema” e, nesse sentido, voltam-se somente para os
setores juvenis considerados pela sociedade, pela escola e pela mídia como “em situação de
risco”. Tal postura inibe o investimento em ações baseadas na perspectiva dos direitos e que
desencadeiem políticas e práticas que focalizam a juventude nas suas potencialidades e
possibilidades.
Uma outra imagem presente é uma visão romântica da juventude, que veio se
cristalizando a partir dos anos sessenta, resultado entre outros, do florescimento da indústria
cultural e de um mercado de consumo dirigido aos jovens (Abramo, 1994). Nessa visão a
juventude seria um tempo de liberdade, de prazer, de expressão de comportamentos exóticos.
A essa ideia se alia a noção de moratória, como um tempo para o ensaio e erro, para
experimentações, um período marcado pelo hedonismo e pela irresponsabilidade, com uma
relativização da aplicação de sanções sobre o comportamento juvenil. Mais recentemente,
acrescenta-se uma outra tendência em perceber o jovem reduzido apenas ao campo da cultura,
como se ele só expressasse a sua condição juvenil nos finais de semana ou quando envolvido
em atividades culturais.
Na perspectiva da sociologia da juventude, é necessário colocar em questão essas
imagens, pois, quando arraigados nesses “modelos” socialmente construídos, corremos o risco
de analisar os jovens de forma negativa, enfatizando as características que lhes faltariam para
14

corresponder a um determinado modelo de “ser jovem”, ou mesmo projetarmos nas novas


gerações as lembranças, idealizações e valores da juventude de uma outra época. Agindo
dessa forma, não conseguimos apreender os modos pelos quais os jovens reais constroem a
sua experiência como tais, muito menos apreender as suas demandas. Como nos lembra a
antropologia: “para compreender é necessário conhecer”.

Mas, afinal, como compreender a juventude?

Temos de partir da ideia que os tempos da vida, e neles a juventude, são constitutivos da
produção e reprodução da vida social. Significa dizer que em qualquer sociedade humana
existe uma forma própria de categorizar os tempos da vida, atribuindo significados culturais a
cada uma das etapas biológicas do desenvolvimento humano. (Debert, 2000). Em grande
parte das sociedades indígenas, por exemplo, a passagem da infância para a juventude se dava
(e ainda se dá) através dos chamados ritos de passagem. Eram e são provas difíceis, nas quais
tanto o menino quanto a menina tinham de provar que podiam assumir uma nova identidade
social, definindo assim a passagem para o mundo adulto. São provas quase sempre duras,
dolorosas: os meninos têm de mostrar que sabem usar armas, reconhecer plantas e animais, a
sentir medo e a experimentar as dificuldades de sobrevivência. As meninas, por sua parte, têm
de mostrar que estão familiarizadas com os segredos da gestação da vida. É a partir dessas
provas que eles podem dizer: sou membro deste coletivo, pertenço a este grupo, sou tal
pessoa. Ou seja, assumem uma determinada identidade. Mas uma identidade que era dada de
fora, respondida pelos outros, pela família, pela comunidade.
A pesquisa antropológica é rica em exemplos que demonstram que as etapas biológicas
da vida são elaboradas simbolicamente com rituais que definem fronteiras entre idades que
são específicas de cada grupo social. Neste sentido, ser jovem no meio rural pode ser muito
diferente do que ser jovem nas grandes metrópoles, da mesma forma que ser jovem de classe
média pode não ser igual a ser jovem nas camadas populares, dentre outros exemplos. Assim
a forma como cada grupo social representa e valoriza a juventude é, no dizer de Levi Strauss,
“boa para pensar”. É uma chave possível para conhecer a sua organização social, para
apreender a sua cultura, constituindo-se, assim, um fértil campo de conhecimento das ciências
sociais.
15

Ainda nessa direção, pode-se afirmar que a juventude é uma construção histórica.
Diversos autores4 já mostraram que a juventude aparece como uma categoria socialmente
destacada nas sociedades industriais modernas, resultado de novas condições sociais, como as
transformações na família, a generalização do trabalho assalariado e o surgimento de novas
instituições, como a escola. Nesse processo, começou-se a delinear a juventude como uma
condição social, definida além dos critérios de idade e/ou biológicos. Uma condição de
indivíduos que estão inseridos em um processo de formação e que ainda não possuem uma
colocação permanente na estrutura da divisão social do trabalho.
Mas, alerta Debert, afirmar que a juventude ou as categorias de idade são construções
culturais e que mudam historicamente não significa dizer que elas não tenham efetividade.
Como já vimos, essas categorias são constitutivas de realidades sociais específicas, uma vez
que operam recortes no todo social, estabelecendo direitos e deveres diferenciais em uma
população, definindo relações entre as gerações e distribuindo poder e privilégios.
A Sociologia da Juventude vem se debatendo entre várias posições no esforço de
desnaturalizar esta noção e fazer do problema da juventude um problema sociológico, sem
conseguir, porém, chegar a um denominador comum. A Sociologia da Juventude tem oscilado
entre duas vertentes. Na primeira — classificada como geracional — a juventude é uma fase
da vida, enfatizando a busca de aspectos característicos mais uniformes e homogêneos que
fariam parte de uma cultura juvenil, unitária, específica de uma geração definida em termos
etários. Nesta corrente estariam presentes tanto as teorias da socialização de inspiração
funcionalista quanto as teorias sobre gerações. A segunda vertente, classista, trata a juventude
como um conjunto social necessariamente diversificado, em razão das diferentes origens de
classe, que apontam para uma diversidade das formas de reprodução social e cultural. As
culturas juvenis seriam sempre culturas de classe. Como produto das relações sociais
antagônicas, expressariam sempre um significado político de resistência, ganhando e criando
espaços culturais. Em abordagens culturalistas mais recentes, podemos notar, ainda, uma
tendência em considerar a juventude na perspectiva da dimensão simbólica, com forte ênfase
no aspecto significativo, estético, muitas vezes incorrendo no risco de desvinculá-la das
condições sócio-históricas, o que gera um empobrecimento da sua capacidade de análise.
Neste texto, buscaremos fugir destas polaridades e construir uma noção de juventude na
ótica da diversidade. Nesta perspectiva, temos de levar em conta que a juventude tem um
caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas

4
Dentre eles, destacam-se Peralva (1997) e Abramo (1994).
16

quais completa seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas. Ao mesmo


tempo, como já discutimos, a forma como cada sociedade, e no seu interior cada grupo social,
vai lidar e representar esse momento é muito variada. Essa diversidade se concretiza nas
condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores), de
gênero, e até mesmo geográfica, dentre outros aspectos.
Consideramos assim a categoria juventude não mais presa a critérios rígidos, mas sim
como parte de um processo de crescimento mais totalizante, que ganha contornos específicos
no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos no seu contexto social. Significa
não entender a juventude como uma etapa com um fim predeterminado, muito menos como
um momento de preparação que será superado quando entrar na vida adulta. A juventude
constitui um momento determinado, mas que não se reduz a uma passagem, assumindo uma
importância em si mesma como um momento de exercício de inserção social, no qual
indivíduo vai se descobrindo e descortinando as possibilidades em todas as instâncias da vida
social, desde a dimensão afetiva até a profissional. Esse processo é influenciado pelo meio
social concreto no qual se desenvolve e pela qualidade das trocas que este proporciona,
fazendo com que os jovens construam determinados modos de ser jovem. É nesse sentido que
enfatizamos a noção de juventudes, no plural, para enfatizar a diversidade de modos de ser
jovem existente. Além de ser marcada pela diversidade, a juventude é uma categoria dinâmica,
transformando-se na medida das mutações sociais que vêm ocorrendo ao longo da história. Na
realidade, não há tanto uma juventude e sim jovens, enquanto sujeitos que a experimentam e
sentem segundo determinado contexto sociocultural onde se inserem. 5

As palavras juventude e adolescência têm significados distintos, ainda que superpostos. Muitas
vezes, porém são usadas como sinônimos. A Organização das Nações Unidas (ONU) define como
jovens as pessoas entre 15 e 24 anos (no Fórum Mundial da Juventude de 2001, houve uma solicitação
para que se estendesse a definição aos 30 anos, a fim de que os países pudessem enfrentar mais
adequadamente os desafios colocados às suas populações jovens).
A Organização Mundial de Saúde (OMS), instituição da ONU para a saúde, entende que a
adolescência constitui um processo fundamentalmente biológico, que vai dos 10 aos 19 anos de idade,
abrangendo a pré-adolescência (10 a 14 anos) e a adolescência propriamente dita (15 a 19 anos). Já a
juventude é considerada uma categoria sociológica que implica a preparação dos indivíduos para o
exercício da vida adulta, compreendendo a faixa dos 15 aos 24 anos de idade. As diferenças entre
adolescência e juventude existem, portanto, não só em termos dos limites etários, mas em termos
conceituais. No Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação federal de 1990 que estabelece
direitos específicos para crianças e adolescentes, a adolescência é definida como a fase que vai dos 12
aos 18 anos incompletos, sendo o período imediatamente posterior à infância. Cabe mencionar que,
no âmbito das políticas públicas, a adoção do recorte etário de 15 a 29 anos é bastante recente. Antes,
geralmente era tomada por “jovem” a população na faixa etária entre 15 e 24 anos. A ampliação dessa

5
Para ampliar a discussão sobre a noção de juventude, ver Sposito (1993 e 2000); Peralva (1997), Dayrell (1999,
2003, 2005 e 2007), dentre outros.
17

faixa para os 29 anos não é uma singularidade brasileira, configurando-se, na verdade, numa tendência
geral dos países que buscam instituir políticas públicas de juventude.
Há duas justificativas que prevalecem para ter ocorrido essa mudança: maior expectativa de vida para
a população em geral e maior dificuldade dessa geração em ganhar autonomia em função das
mudanças no mundo do trabalho. Se por um lado não podemos reduzir a juventude a uma faixa etária
delimitada, por outro, a elaboração de políticas públicas tendem a determinar o tempo da juventude
com critérios etários predefinidos e rígidos para a definição do seu público-alvo.

Um retrato da juventude brasileira

EDUCAÇÃO

Para ampliar nossa compreensão a respeito dos jovens, vamos traçar um breve retrato da
juventude no Brasil, fazendo uma síntese dos indicadores sociais relacionados a essa fase da
vida. Nem sempre consideramos a importância desses indicadores. Contudo, um maior
conhecimento dos dados estatísticos que dizem respeito à realidade juvenil brasileira poderá
nos revelar aspectos importantes da situação desse segmento em setores importantes como
emprego, educação, saúde, segurança pública e cultura. Esse conhecimento poderá ampliar o
nosso olhar diante da realidade do jovem no Brasil e, quem sabe, ajudará na construção de
uma maior solidariedade e responsabilidade dos educadores e do poder público diante dessa
população.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2007, a
população jovem, compreendida na faixa de 15 a 29 anos, é de cerca de 51 milhões,
correspondendo a 27% da população total do país. Desse total, a grande maioria (80%) vive
nas áreas urbanas e, em grande medida, não possuem os equipamentos sociais necessários
para suprir suas múltiplas necessidades de desenvolvimento. Em termos educacionais, a taxa
de escolarização varia conforme os grupos de idade. Assim, entre os jovens de 15 a 17 anos,
82,1% estavam matriculados nas escolas no ano 2007. Mas essa taxa vai decrescendo no
avançar da idade: entre os jovens de 18 e 19 anos, a taxa cai para 46,6% e, entre aqueles de 20
a 24 anos, apenas 25,6% estavam estudando - uma das taxas mais baixas da América Latina.
Os mesmos dados que apontaram a extensão do acesso à escolarização por um maior
contingente de jovens revelaram também dados preocupantes sobre o atraso escolar no ensino
público. Segundo o levantamento, só na faixa etária de 15 a 17 anos, boa parte dos jovens que
estudavam (38,5%) estava matriculada no ensino fundamental, que deveria ser terminado aos
14 anos. E apenas 48% destes estavam matriculados no ensino médio. Significa dizer que,
18

mesmo com a melhora relativa nos índices de escolaridade, a grande maioria dos jovens ainda
não consegue chegar ao Ensino Médio e ao Superior.
Se considerarmos outras variáveis, como cor da pele, verifica-se um quadro muito
intenso de desigualdades entre os jovens. Assim, dentre os estudantes que vivem situações de
exclusão social (famílias que vivem com até ½ salário mínimo), 69,2% são negros e pardos.
A PNAD de 2007 nos mostra que, no grupo de 15 a 17 anos de idade, o percentual de
adolescentes negros que concluíram o ensino fundamental e frequentam o ensino médio foi de
20%, enquanto que, entre os brancos, essa taxa foi de 28,1%.
Uma pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre
“desigualdade racial no Brasil; evolução das condições de vida na década de 90” revela
dados importantes sobre a situação étnico/racial da juventude brasileira e seu processo de
escolarização. Esse estudo atesta a existência de uma grande desigualdade racial entre jovens
negros e brancos na educação. Segundo ele, a escolaridade média de um jovem negro com 25
anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem
cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos de estudo.
Apesar de reconhecer que a escolaridade média dos brancos e dos negros tem
aumentado de forma contínua ao longo das últimas décadas, os dados de tal pesquisa não
deixam de ser alarmantes quando se comparam as condições e a trajetória escolar de jovens
negros e brancos. Um jovem branco de 25 anos tem, em média, mais 2,3 anos de estudo que
um jovem negro da mesma idade e essa intensidade da discriminação racial é a mesma vivida
pelos seus pais e pelos seus avós. Nesse sentido, apesar de a escolaridade média de ambas as
raças ter crescido ao longo do século, o padrão de discriminação racial no Brasil, expresso
pelo diferencial de anos de escolaridade entre brancos e negros, mantém-se absolutamente
estável entre as gerações, padecendo assim de uma inércia histórica.
A realidade do ensino superior é ainda mais desoladora. Em 2007, 57,1% dos jovens
brancos entre 18 e 25 anos haviam ingressado na universidade. Os jovens negros nessa
mesma faixa de idade, por sua vez, possuem um acesso bem mais restrito ao ensino superior,
na medida em que apenas 25,9% deles ingressaram na universidade.

TRABALHO

É impossível analisar a juventude brasileira se não for considerado o mundo do


trabalho. No Brasil, a juventude não pode ser caracterizada pela moratória em relação ao
trabalho, como é comum nos países europeus. Ao contrário, para grande parcela de jovens, a
19

condição juvenil só é vivenciada porque trabalham, garantindo o mínimo de recursos para o


lazer, o namoro ou o consumo. É comum a iniciação ao trabalho ocorrer ainda na
adolescência, por meio dos mais variados “bicos”, numa instabilidade que tende a persistir ao
longo da juventude. Os dados da PNAD de 2006 apontam que 66.5% dos jovens estavam
envolvidos, de alguma forma, com o mundo do trabalho. Boa parte deles só trabalha (41,3%),
já estando fora da escola, o que não significa que concluíram o ensino básico, pois 50% destes
não completaram o ensino médio. Mas há um grande contingente que alia trabalho e estudo,
significando 15,4% dos jovens. Os indicadores sociais que medem a desocupação da força de
trabalho sugerem que a principal responsabilidade pela concentração de renda pode ser
atribuída ao desemprego. No que se refere à distribuição etária do desemprego, as piores taxas
de desocupação são encontradas no segmento populacional juvenil, significando 9,8% do total
da População Economicamente Ativa (PEA).
Em termos gerais, podemos dizer que as portas do primeiro emprego foram fechadas
para os jovens brasileiros, em especial para aquela maioria de baixa escolaridade oriunda dos
estratos populares. O sentimento de fracasso que acompanha o jovem que procura trabalho
remunerado e não consegue representa uma porta aberta para a frustração, o desânimo e
também a possibilidade do ganho pela via do crime.

MORTALIDADE

As estatísticas indicam que o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo naquilo que se
refere ao assassinato de jovens, segundo estudo da UNESCO divulgado em agosto de 2000 e
denominado Mapa da Violência III. O Rio de Janeiro se tornou a terceira capital brasileira
mais perigosa para a vida de jovens. De 1989 a 1998, o percentual de jovens mortos por
homicídios no Rio subiu 217,3%. Segundo informações do Ministério da Saúde, no Brasil, as
taxas de mortalidade entre homens jovens são quase 50% maiores que as dos Estados Unidos
e 100% maiores que as registradas no Canadá, na França ou na Itália. Os números excedem
aqueles relativos a países em situação de guerra declarada. O tráfico e o consumo de drogas
contribuem fortemente para a participação de jovens brasileiros no ciclo perverso de
homicídios, quer sejam como agressores ou como vítimas da violência. Os traficantes de
drogas encontram, nos jovens das áreas populares urbanas, uma mão-de-obra barata e
disponível para seus empreendimentos, que se situam no contexto de uma rede de ações
criminosas que envolvem também o roubo, os jogos de azar, a exploração sexual, a extorsão e
o comércio ilegal de armas.
20

Assim, para a grande maioria da população jovem brasileira - seus setores


empobrecidos -, os níveis de escolaridade são bastante baixos, o trabalho precário ou o
desemprego são realidades cotidianas, observando-se poucas perspectivas de vida diante do
incremento da violência nas áreas urbanas metropolitanas, sobretudo os homicídios. Esses
indicadores sociais constituem-se uma forte evidência para a confirmação da noção de que as
juventudes não são apenas muitas, mas são, fundamentalmente, constituídas por múltiplas
dimensões existenciais que condicionam o leque de oportunidades da vivência da condição
juvenil.

A DIMENSÃO DAS CULTURAS JUVENIS

Na construção dos modos de vida juvenil, o mundo cultural ocupa uma centralidade.
Mas essa não é uma prerrogativa da sociedade contemporânea. Em toda sociedade humana os
jovens sempre foram alvo específico de algum ritual, como os ritos de passagem, ou se
integravam ativamente no conjunto de festas e rituais que constituem a dinâmica social.
Podemos afirmar que a relação entre juventude e cultura é um velho tema que se reatualiza. A
existência de espaços específicos de trocas e expressões culturais pelos quais os jovens
afirmam uma separação geracional é muito recente. Essa é uma dimensão inovadora
constatada em várias pesquisas sobre a juventude contemporânea, o alargamento dos
interesses e práticas coletivas juvenis, com ênfase na importância da esfera cultural, que cria
formas próprias de sociabilidade, de práticas coletivas e de interesses comuns, principalmente
em torno dos diferentes estilos musicais.
Sem nos determos num conceito específico, quando falamos em culturas juvenis nos
referimos a modos de vida específicos e práticas cotidianas dos jovens, que expressam certos
significados e valores não tanto no âmbito das instituições como no âmbito da própria vida
cotidiana (Pais, 1993, p. 20). Nessa perspectiva, é evidente que não podemos falar de uma
cultura juvenil homogênea, tanto que a estamos utilizando no plural. Ao contrário, expressa
um conjunto de significados compartilhados, um conjunto de símbolos específicos que
expressam a pertença a um determinado grupo, uma linguagem com seus específicos usos,
particulares rituais e eventos, por meio dos quais a vida adquire um sentido. O processo de
construção das culturas juvenis tem de ser entendido no contexto da origem social e das
condições concretas de vida na qual os jovens estão sendo socializados.
A partir da década de 1990 assistimos, no Brasil, a uma nova forma de visibilidade dos
jovens na qual a dimensão simbólica e expressiva tem sido cada vez mais utilizada por eles
21

como forma de comunicação, expressas nos comportamentos e atitudes pelos quais se


posicionam diante de si mesmos e da sociedade. A música, a dança, o vídeo, o corpo e seu
visual, dentre outras formas de expressão, têm sido os mediadores que articulam jovens que se
agregam para ouvir um “som”, para dançar, dentre outras diferentes formas de lazer.
O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações,
símbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Nessas
práticas, criam novas formas de mobilizar os recursos culturais da sociedade atual além da
lógica estreita do mercado, assumindo um papel de protagonistas, atuam de alguma forma
sobre o seu meio, construindo um determinado olhar sobre si mesmos e sobre o mundo que os
cerca. Significa dizer que, no contexto da diversidade existente, a condição juvenil é
vivenciada por meio da mediação simbólica, expressa nas mais diferentes expressões
culturais.
Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre tendo-os como
referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens.
As culturas juvenis, como expressões simbólicas da condição juvenil, se manifestam na
diversidade em que esta se constitui, ganhando visibilidade através dos mais diferentes estilos,
que tem no corpo e seu visual uma das suas marcas distintivas. Jovens ostentam os seus
corpos e neles as roupas, as tatuagens, os piercings, os brincos, dizendo da adesão a um
determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizar um
status social almejado. Ganha relevância também a ostentação dos aparelhos eletrônicos,
principalmente o MP3 e o celular, cujo impacto no cotidiano juvenil precisa ser mais
pesquisado.
As pesquisas indicam que a adesão a grupos dos mais variados estilos existentes ganha
um papel significativo na vida dos jovens. De forma diferenciada, lhes abre a possibilidade de
práticas, relações e símbolos por meio dos quais criam espaços próprios, com uma ampliação
dos circuitos e redes de trocas, o meio privilegiado pelo qual se introduzem na esfera pública.
Por meio da produção dos grupos culturais a que pertencem, eles recriam as possibilidades de
entrada no mundo cultural além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores
ativos inserindo-se em um circuito cultural alternativo mais amplo que envolve produtores
culturais, produtores musicais e seus pequenos estúdios, inúmeras rádios comunitárias, shows
e eventos culturais, dentre outros.. Muitas vezes, o grupo cultural é um dos poucos espaços de
construção de uma auto-estima, possibilitando-lhes identidades positivas. Nestes casos, eles
querem ser reconhecidos, querem uma visibilidade, ser "alguém" num contexto que os torna
"invisíveis", "ninguém" na multidão. Eles querem ter um lugar na cidade, usufruir dela,
22

transformando o espaço urbano em um valor de uso. Tem se ampliado o número daqueles que
se colocam como produtores culturais e não apenas fruidores.
A música é o principal produto cultural consumido pelos jovens não só no Brasil, mas
também em outros países. A música acompanha os jovens em grande parte das situações no
decorrer da vida cotidiana: música como fundo, música como linguagem comunicativa que
dialoga com outros tipos de linguagem, música como estilo expressivo e artístico; são
múltiplas as dimensões e os significados que convivem no âmbito da vida interior e das
relações sociais dos jovens, sendo mais vivida do que apenas escutada. Nos parece que os
jovens sentem através da música alguma coisa que não podem explicar nem exprimir: uma
possibilidade de reencontrar o sentido.
Na sua "lição" sobre sociologia da arte e da música, Adorno coloca em evidência como
a música tende a criar um espírito e formas de comunidade, exercendo um grande poder de
agregação. De fato, ela constitui um agente de socialização para os jovens, à medida que
produz e veicula molduras de representação da realidade, de modelos de interação entre
indivíduo e sociedade, e entre indivíduo e indivíduo. Parece que a música oferece aos jovens a
possibilidade de conjugar a trama de um caminho de busca existencial com os signos de uma
pertença coletiva. Por meio da música, as necessidades dos jovens de uma ancoragem e
agregação coletiva se articulam com os percursos de experimentação de si mesmos.
A partir do rock'n'roll ficou mais clara a relação entre a indústria cultural e a juventude,
no contexto das culturas juvenis. A partir do pós-guerra, a cultura de massas passou a investir
na criação de um mercado próprio, estimulando um estilo peculiar de vestir, com produtos
privilegiados de consumo, desde chicletes e refrigerantes até meios de locomoção, como a
motocicleta. O cinema contribuiu para veicular a nova estética, mas é o rock'n' roll que veio
expressar o novo padrão de comportamento e novos valores, centrados, dentre outros, na
liberdade, na autonomia e no prazer imediato. É o símbolo dessa cultura juvenil emergente,
com uma música delimitada etariamente, que se expande para todo o mundo como a
"linguagem internacional da juventude".
O rock, como resultado de uma fusão entre a cultura negra e a branca norte-americana,
será sempre considerado estrangeiro, com uma dimensão inovadora que vai caracterizá-lo
desde então. Ao mesmo tempo, pela sua estrutura circular, de repetição da base musical e das
atitudes corporais, possibilita acoplar às diferentes linguagens e continuar sendo rock,
favorecendo esse seu caráter internacional. (Abramo, 1994) É neste contexto que ocorre a
transferência de um estilo musical para a vida dos jovens, que passam a se identificar com a
23

sonoridade, as letras, o modo de se vestir e de se comportar, fazendo com que, muitas vezes,
uma geração possa reconhecer-se na produção musical de um determinado período.
O fenômeno do rock também foi responsável pela afirmação da música como uma
prática artística coletiva, simbolizada e veiculada por meio do papel da rock band. Até então,
o modelo de identificação era centrado na figura heróica do artista individual, mas com o rock
passou a se centrar em um grupo de pessoas que trabalham e elaboram juntas os processos
criativos musicais, aproveitando as potencialidades das novas tecnologias. Os Beatles podem
ser vistos como um emblema paradigmático desse novo modelo.
Paralelamente ao desenvolvimento da indústria fonográfica e da mídia, a música veio se
tornando um dos principais códigos de diferenciação no processo de autonomia cultural dos
jovens. Desde os anos 50 vem ocorrendo uma sucessão de ritmos e sons que não são apenas
um meio de diversão ou evasão da vida cotidiana. Desde os teddy boys, os mods, os
skinheads, os punks, os rappers, os funkeiros ou os clubbers, dentre outros diversos estilos,
todos constituem uma expressão de culturas juvenis que concretiza-se em um estilo que
reinterpreta e, muitas vezes, subverte os códigos normativos e os significados dominantes na
sociedade.
A estetização da realidade ressalta a importância do estilo, principalmente entre os
jovens, numa procura constante por modas novas, estilos novos, sensações e experiências
novas, incentivada pela dinâmica do mercado capitalista. O que se observa a partir desses
anos é uma diversidade de modos de vestir, de falar, de divertir, de estabelecer relações,
sempre articulados em torno de gostos musicais próprios, de tal forma que os indivíduos
constroem-se como objeto de arte da rua, como ícones públicos. E todo esse processo ocorre
sob um dinamismo intenso, numa sobreposição de estilos e ídolos.
No Brasil, esse processo começou a tornar-se visível com os punks, na década de 80,
embora desde a década anterior já viesse ocorrendo uma grande inserção dos jovens no
mercado de trabalho urbano, gerando uma ampliação significativa do consumo juvenil,
principalmente na moda e no lazer. Criaram-se as condições para uma maior diversificação
social da juventude urbana. Se, na década de 60, falar em juventude era referir-se aos jovens
estudantes de classe média e à participação política, nos anos 80 falar em juventude implica
incorporar os jovens das camadas populares e a diversidade de estilos existentes. Aliado à
pulverização das ações coletivas, faz com que a visibilidade social dos jovens se dê por
intermédio dos grupos culturais existentes.
Desde os punks, sucede-se uma lista considerável de movimentos e tendências, umas
mais passageiras, outras ainda persistentes, envolvendo jovens de diferentes camadas sociais,
24

com diferentes projetos, níveis diferenciados de envolvimento, mas tendo em comum uma
proposta de estilização e a eleição de um determinado ritmo musical. Dentre tantos estilos,
podemos hoje citar os otakus (fãs de animes e mangás japoneses), micareteiros (seguidores
dos carnavais fora de época embalados pelo axé-music), forrozeiros, pagodeiros, funkeiros,
rappers, emos, dentre outros.
Esses grupos se tornam espaços privilegiados de expressão da realidade juvenil urbana,
seus anseios e suas contradições. Por meio da música que tocam ouvem, das roupas que
vestem, da forma como se relacionam entre si e com a sociedade, torna-se possível inferir as
questões mais candentes presentes entre eles. Esta é a noção de estilo, ou seja, a manifestação
simbólica das culturas juvenis, expressa em um conjunto mais ou menos coerente de
elementos materiais e imateriais, que os jovens consideram representativos da sua identidade
individual e coletiva. A construção de um estilo não é simplesmente a apropriação ou a
utilização de um conjunto de artefatos; implica a organização ativa e seletiva de objetos, que
são apropriados, modificados, reorganizados e submetidos a processos de ressignificação,
articulando atividades e valores que produzem e organizam uma identidade do grupo. Nesse
sentido, pressupõe uma escolha intencional cuja ordenação pode levar a uma diferenciação
dos padrões dominantes. Podemos dizer que o estilo forma uma gramática visual pela qual
torna-se possível localizar os valores e a política de vida presentes em cada grupo,
exercitando-se sobre o próprio corpo o poder de interferência ausente na determinação do
projeto social.

A SOCIABILIDADE JUVENIL

Aliada às expressões culturais, uma outra dimensão da condição juvenil é a


sociabilidade. Uma série de estudos6 sinaliza a centralidade dessa dimensão que se
desenvolve nos grupos de pares, preferencialmente nos espaços e tempos do lazer e da
diversão, mas também presente nos espaços institucionais como na escola ou mesmo no
trabalho. Segundo Pais (1993, p.94), os amigos do grupo “constituem o espelho de sua própria
identidade, um meio através do qual fixam similitudes e diferenças em relação aos outros”.
A turma de amigos cumpre um papel fundamental na trajetória da juventude,
principalmente na adolescência. Geralmente este é o momento quando iniciam uma ampliação
das experiências de vida, quando alguns deles começam a trabalhar, quando passam a ter mais

6
Dentre eles podemos citar: Sposito (1993 e 1999), Caldeira (1984), Minayo (1999), Abromavay (1999). Esta
mesma tendência é constatada entre os jovens portugueses, analisados por Pais (1993).
25

autonomia para sair de casa à noite e poder escolher as formas de diversão. É quando
procuram romper com tudo aquilo que o prende ao mundo infantil, buscando outros
referenciais para a construção da sua identidade fora da família. É o momento privilegiado de
se descobrirem como indivíduos, buscando um sentido para a existência individual. É um
momento próprio de experimentações, de descoberta e teste das próprias potencialidades, de
demandas de autonomia que se efetivam no exercício de escolhas. Nesse processo, a turma de
amigos é uma referencia: é com quem fazem os programas, "trocam idéias", buscam formas
de se afirmar diante do mundo adulto, criando um “eu” e um "nós" distintivo. É importante
ressaltar que o grupo de pares responde a necessidades de comunicação, de solidariedade, de
autonomia, de trocas, de reconhecimento recíproco e de identidade. A força atrativa dos
primeiros grupos de pares favorece a construção de uma autonomia em relação ao mundo
adulto.
Podemos afirmar que a sociabilidade é uma dimensão central na constituição da
condição juvenil, remetendo às reflexões do sociólogo clássico Simmel (1983) sobre essa
dimensão da vida social. Para esse autor, a sociabilidade é uma forma possível de sociação,
mas que apresenta características próprias. Uma delas é a sua emancipação dos conteúdos,
uma relação na qual o fim é a própria relação; com os indivíduos se satisfazendo em
estabelecer laços, os quais têm em si mesmos a sua razão de ser. É o que vemos acontecer nas
relações que os jovens estabelecem com o grupo de pares, sejam eles os "chegados" do hip
hop, a galera do funk ou os parceiros da capoeira. Outra característica é a forma de jogo de
sociação, expressa na conversação, por exemplo. Na sociabilidade, o falar torna-se o próprio
fim, o assunto é simplesmente o meio para a viva troca de palavras revelar seu encanto. É um
jogo, e um "jogo com". No caso desses jovens, a conversação assume um papel importante,
tornando-se uma das motivações principais dos seus encontros. O "trocar idéias" é de fato um
exercício da razão comunicativa, ainda mais significativo quando encontram poucos espaços
de diálogo além do grupo de pares. Enfim, podemos afirmar que a sociabilidade para os
jovens parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de
democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade.

FORMAS DE PARTICIPAÇÃO JUVENIL

A relação entre os jovens e a vida pública no nosso país é complexa e multifacetada.


Há uma diversidade de estratégias utilizadas pelo mundo juvenil no sentido de construir sua
visibilidade pública e sua práxis social. Por outro lado, há, nos últimos anos, uma percepção
26

social bastante negativa em torno da relação dos jovens com a vida pública e a política. Os
discursos das instituições e de boa parte da mídia acusam os jovens de serem apáticos,
individualistas e até mesmo alienados. Tais discursos costumam lembrar os movimentos
estudantis das décadas de 60 e 70 e confrontá-los com uma suposta paralisia da juventude
atual.
O lugar histórico do movimento estudantil passou por importantes transformações,
mas é bom lembrar que suas entidades continuam sendo muito atuantes e possuem um papel
bastante significativo. Em 1992, jovens estudantes retornaram ao cenário nacional com o
movimento dos caras-pintadas, contribuindo para o impeachment do presidente Collor.
Também na década de 1990, importantes movimentos conquistaram o passe-livre em
transportes coletivos e a meia entrada em cinemas, teatros e museus.
Já sobre o descrédito dos jovens em relação à representação política, são muito poucos
os dados sobre a participação sociopolítica do conjunto da população, o que torna difícil saber
se a juventude é o único segmento que não apresenta maiores índices de participação ou se
essa realidade refere-se a toda a população. Mas é possível que os jovens expressem seu
descontentamento de forma mais intensa. Parece haver, por parte dos jovens, uma negação
dessas formas tradicionais de participação, principalmente quando elas são dominadas pelos
vícios do clientelismo e do nepotismo. Esse parece ser um fenômeno também constatado em
outros países. No caso da Europa, por exemplo, algumas pesquisas evidenciam o afastamento
dos jovens dos sindicatos, mas não a sua negação; a desconfiança em relação aos partidos,
mas o reconhecimento de um interesse difuso sem a participação correspondente; e a busca de
uma política sem rótulos tradicionais que designam posições de direita e esquerda (Sposito,
2000). Além disso, os jovens em geral acreditam não ter influência nestes espaços
institucionais, embora reconheçam o peso que eles possuem em suas vidas.
Entretanto, não podemos centralizar a idéia de participação vinculada apenas ao
campo da política institucional, aquela feita em partidos políticos, sindicatos, grêmios
estudantis, etc. É preciso compreender novas formas de associativismo juvenil, mais
autônomo e espontâneo, não institucionalizado e mais fluido do que o movimento estudantil
das décadas de 60 e 70. É interessante perceber que ao mesmo tempo que aumenta a discussão
sobre a importância da participação dos jovens, principalmente na mídia, por outro lado existe
uma dificuldade em reconhecer suas novas formas de organização.
27

Um exemplo pode ser dado pela pesquisa Juventude Brasileira e Democracia7, que
mostrou o grau da mobilização dos jovens no Brasil. Do total de 8 mil jovens entrevistados,
28% participam no seu bairro ou em qualquer parte da cidade, de algum grupo. Desses
grupos, 42,5% são religiosos, 32,5% desenvolvem atividades esportivas, 26,9% são de
música, dança ou teatro, e 6,3% de atividades ligadas à comunicação. Os grupos jovens se
multiplicam ao longo dos últimos anos e apesar da sua importância crescente, são ainda pouco
reconhecidos pela sociedade em geral. Signos de um outro tempo social e histórico, essas
associações juvenis apresentam novos repertórios políticos, cuja leitura requer um tipo
diferente de escuta e de decifração por parte da sociedade.
Uma outra configuração da participação juvenil tem sido o trabalho voluntário. Esse
tipo de intervenção possui um caráter predominantemente individual e centrado na pessoa, em
contraposição a outros modelos de participação voltados à dimensão coletiva.
O trabalho voluntário não surge originalmente nos meios juvenis, por isso não pode
ser considerado uma forma de participação autônoma e própria da juventude, tal como os
grupos juvenis. Mas sua ampliação no Brasil vem se caracterizando pelo grande envolvimento
de adolescentes em torno de suas atividades. A tônica do trabalho de tipo voluntário é a busca
do desenvolvimento social e a atenuação dos efeitos das desigualdades sociais. Assim, muitos
jovens se movem a partir de uma pauta social legitimada pela sociedade (prestação de
serviços comunitários tais como a limpeza de prédios públicos, desenvolvimento de oficinas e
cursos, ações de solidariedade, atividades de prevenção às DST/Aids, etc.)
É bom lembrar que, em termos práticos, o trabalho voluntário assume muitas formas,
diferentes quanto ao tipo, objetivos e estratégias. Há trabalhos mais próximos dos modelos
assistencialistas e de inspiração cívica e há ações de cunho mais transformador. O assunto é
controverso, mas o que interessa aqui é ressaltar que a atuação individual de jovens em ações
de cunho social, geralmente ligadas a organizações não governamentais, também se inscreve
num novo processo de envolvimento da juventude atual com a política e a vida pública.
Estas novas formas de associativismo juvenil podem apontar para um alargamento dos
interesses e práticas coletivas juvenis que fomentam mecanismos de aglutinação de
sociabilidades, de práticas coletivas e de interesses comuns. Tais ações apontam para a
questão da identidade juvenil e o direito a vivenciar a própria juventude como mobilizadores
de uma possível participação social. Além disso, novas formas de ação e novos temas

7
Para maiores informações sobre esta pesquisa ver Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e
políticas públicas (IBASE, 2006).
28

parecem se articular em torno de ações coletivas que se dão de múltiplas formas e com níveis
diversos de intervenção no social, muitas vezes de uma maneira fluida e pouco estruturada.

O CIBERESPAÇO

As novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e as diversas


manifestações de práticas juvenis desenvolvidas por meio de ferramentas na internet são
atividades corriqueiras entre jovens. Atualmente, uma geração de estudantes do Ensino
Fundamental e Médio vivencia o ciberespaço como local quase inerente para estabelecimento
e manutenção de relações de amizade, vizinhança, namoro, etc.
O uso da internet nas esferas da sociabilidade, através dos sites de relacionamento ou
dos chamados blogs, é uma realidade notória. Quem não conhece alguém que tem um perfil
no Orkut, no Facebook, no Myspace, ou no Hi5; que fala sobre seu cotidiano no Twitter ou
que constrói um blog para escrever sobre seus interesses? Essas ferramentas têm constituído,
paulatinamente, espaço privilegiado de comunicação entre os jovens. Diante dessa
popularidade das mídias eletrônicas, acreditamos que essas manifestações culturais juvenis
podem e devem ser utilizadas como ferramentas que possam facilitar a interlocução e o
diálogo entre os jovens e a escola, contribuindo assim para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas inovadoras. O ensino de sociologia pode ter um papel fundamental de
problematizar as práticas entre os jovens estudantes, muitas vezes verdadeiros nativos
digitais.
Algo que salta aos olhos quanto ao a utilização da internet entre jovens é um certo
padrão quanto ao uso intenso e habitual do Messenger e Orkut. Messenger ou MSN é um
programa de mensagens instantâneas que permite conversas em tempo real. Pelas caixas de
diálogo os usuários podem além de comunicar teclando, compartilhar e visualizar fotos, trocar
arquivos, conversar por voz (por microfone e câmera), dentre outros recursos. O outro
campeão na comunicação juvenil brasileira é o Orkut. Em definição do próprio site: “O
orkut.com é um website de comunidade on-line projetado para amigos. O principal objetivo
do nosso serviço é tornar a sua vida social, e dos seus amigos, mais ativa e estimulante”. As
comunidades no Orkut são uma espécie de grupo de discussão, ou grupo de interesse em torno
de determinado tema. Em cada uma delas há um “dono” e “moderadores” que podem modelar
certas regras com relação ao aceite na participação dos membros, à postagem de conteúdos e
eventos ou até mesmo apagar postagens.
29

Algumas comunidades são construídas para evidenciar qualidades dos participantes do


Orkut, geralmente aferindo beleza ou características de amizade, afeição ou mesmo
ridicularizando alguém, como por exemplo: “Nós amamos a Paty”, “O Thiago é mala”. São
muito comuns também aquelas que reúnem alunos de uma mesma turma de escola, grupos de
música, dança ou esporte. São inumeráveis possibilidades de recorte para a construção das
comunidades. Ainda outras que só aprovam membros que são convidados pelos donos ou
moderadores como “As mais tops do Orkut – BH”, “As mais belas negras do Orkut (só para
convidadas). Na plataforma, podemos (re) configurar o social e aglutinar pessoas aliadas por
uma variedade de grupos de status, qualidades, preferências, gostos ou por comunidades de
um indivíduo só. Tal reconfiguração incessante em grupos de preferência nos leva a
estabelecer outras formas de sociabilidade.
No interior das mais variadas comunidades, tanto os tópicos quanto as enquetes, podem
atuar no mesmo sentido, apontando as mais “gatas” da escola, as mais “metidas”, “os mais
bagunceiros”. Em muitas comunidade sobre escolas, os tópicos costumam levantar debates
em torno das qualidades dos alunos, em outros há postagens distinguindo os melhores ou
piores professores. É manifesto que a comunicação on-line atravessa os ambientes físicos,
orientando novas conversas e posturas diante da rede, potencializando conflitos ou fazendo
com que novos surjam, guiando ou desconstruindo encontros afetivos.
Além disso, algumas ferramentas da net, como os recados do Orkut e MSN, viabilizam e
complementam as mensagens e ligações no celular. Sendo assim, símbolos oriundos do
contexto on-line complexificam uma rede de relações que perpassam experiências de co-
presença. Um mal entendido na rede on-line, como a comunicação textual que dá margens a
compreensões dúbias ou a descoberta do bloqueio8 de alguém da lista de contatos no MSN,
são exemplos possíveis de detonadores de desentendimentos. Outras vezes, relações de
conflito do universo do bairro, elucidadas na rede mundial, ganham visibilidade entre outras
pessoas, reafirmam ou reconfiguram relações de proximidade e distância.
Nesse sentido, cabe também à disciplina de sociologia compreender juntamente com os
jovens estudantes, que são predominantemente os sujeitos da web, as transformações que
afetam as relações sociais contemporâneas tão atravessadas pelo contexto on-line.

8
Bloquear um contato do MSN faz com que o usuário não saiba que quem o bloqueou está on-line e o
impossibilita de começar um diálogo.
30

Referências

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31

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VIANNA, Hermano. Galeras cariocas, territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
32

Capítulo 2 Formação de professores de sociologia do ensino


médio: para além das dicotomias.

Amaury Cesar Moraes9

Sociologia no Ensino Médio: um resgate histórico

“É exatamente essa imbricação entre interpretação e intervenção, entre pensamento e


ação, entre teoria e prática, que diferencia a ciência sociológica dentro das ciências
humanas. Talvez esteja aí o nó górdio que assusta os conservadores e explique a
posição do ensino de Sociologia no curso médio no sistema educacional brasileiro”.
(Machado, Olavo O Ensino de Ciências Sociais na escola média, São Paulo: FEUSP,
1996 – dissertação de mestrado)

É interessante notar como alguns temas se tornam polêmicos, revelando muito mais a
fragilidade do contexto em que são abordados e menos de si mesmos. É o que vemos nas
várias vezes em que a proposta de obrigatoriedade do ensino de Sociologia na escola média
brasileira é trazida à baila. Já Florestan Fernandes (1985), em 1954, aludia a essa situação.
Naquela época, como nós hoje, o eminente sociólogo ao defender, durante o I Congresso
Brasileiro de Sociologia, a obrigatoriedade da disciplina na escola secundária brasileira,
visava antes de tudo a um questionamento do currículo escolar, que ele entendia muito
inadequado, ultrapassado e ineficiente para as expectativas nacionais em relação à escola
básica. Tinha o professor como principal objetivo de sua intervenção “debater a conveniência
de manter a estrutura do sistema educacional do país e a conveniência de aproveitar, de
maneira mais construtiva, as ciências humanas no currículo da escola secundária”. Mesmo
no interior de um congresso de sociólogos o tema gerou polêmica, já se vendo que não se
trata, como a ligeireza com que os oponentes da idéia a entendem, como uma proposta
meramente corporativista. Alguns argumentaram que o currículo da escola média estava por
demais saturado, caracterizando-o como ‘enciclopédico’; que não comportava mais uma
disciplina. Outros eram mais técnicos e queriam saber o que e como seria ensinado na
disciplina Sociologia. (Fernandes, 1955) Esse antienciclopedismo hoje retorna como fundo de
uma tendência à desdisciplinarização. Neologismos muito ao gosto dos discursos pedagógicos
que reiteram sempre a simplicidade de uma escola que deve “ensinar a ler, escrever e
contar”... Noutro lugar tivemos oportunidade de comentar essa ilusória simplicidade atribuída

9
Professor da Faculdade de Educação da USP.
33

pelos pedagogos à escola e pudemos ajuntar que ler, escrever e contar se fazem em níveis
diferentes, em contextos diversos, em campos disciplinares distintos. Não se reduzem ao
ensino da língua pátria e à matemática. (Moraes, 1999)
Diante da proposta de (re)introdução de Sociologia como disciplinas obrigatória do
ensino médio, há pelo menos duas posições. Uma, como a nossa, de professores, sociólogos,
alunos e um grande número de entidades representativas de diferentes setores intelectuais,
profissionais e populares, entende que estaríamos apenas a fazer uma “correção de percurso”,
revisando a leitura equivocada feita nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, a
respeito do artigo 36, § 1º., inciso III da LDBEN 9394/96, restabelecendo o sentido próprio
que o legislador quis lhe dar.
A outra leitura entende que haveria um “desvio de percurso”, tendo em vista que a
‘tendência’ internacional é para a desdisciplinarização dos currículos, aliás, a simples menção
à palavra disciplina causa mal-estar em alguns desses educadores. Numa leitura mais acurada
do documento, percebe-se, no entanto, que a proposta de obrigatoriedade é uma reação
justificada e consistente a uma interpretação muito arbitrária e distorcida da lei maior, mas,
sobretudo um apelo para um tratamento honesto, cuidadoso e responsável da educação de
nossos jovens. Aludir a ‘tendências’ não é argumento que se sustente quer porque parece
sujeitar a educação nacional – como de resto tem-se feito noutros setores – a modismos –
doença congênita da educação brasileira, diga-se de passagem – ou a uma naturalização das
coisas, abdicando o homem de seu papel na História, como se a história do homem fosse
apenas um capítulo da História Natural, submetido às suas leis e tendências.... Como
sociólogo repugna-nos essa postura; como educador cremos que a educação deve ser pensada
em termos de longo prazo e não de imediatismos, é uma questão de Estado e não de governos.
Pode ser um lugar comum, mas cabe trazer esse dever intelectual que nos anima: tudo merece
passar por uma avaliação crítica e não ser seguido cegamente.
Sobre a ideia de interdisciplinaridade, cantada em prosa e verso por quantos se
pretendem progressistas ou pragmáticos, paira desde sempre, e muito mais ultimamente
quando virou panaceia dos males da educação, tornando-se hegemônica no discurso
pedagógico, uma tal profusão de interpretações e aplicações que não se poderia encontrar dois
pobres professores ou dois nobres educadores que tenham minimamente alguma convergência
quanto ao que é e como se faz. Para muitos nem existe e o que se pode, no melhor dos casos,
fazer é juntar equipes multidisciplinares que tratem de um mesmo tema ou objeto etc.; mas
isso, de certa forma, o currículo como está já garante. Se não garante, trata-se menos de
domínio de uma nomenclatura ou estratégias didáticas especiais e muito mais de uma
34

formação bastante deficiente que se promove nas instituições de ensino superior responsáveis
pelo credenciamento de professores. Qualquer boa intenção é desperdiçada quando quem a
põe em prática ignora o seu sentido e/ou não tem as condições próprias para a sua efetivação.
No caso do Brasil, é tudo isso e mais um pouco. Muita vez, o que transparece nesse discurso
pedagógico que defende a interdisciplinaridade é uma nostalgia de uma imagem da Filosofia
rainha das ciências...
Caberia perguntar por que brandir esse argumento da interdisciplinaridade somente
contra a Sociologia, quando outras disciplinas escolares, por uma questão de coerência,
poderiam ser submetidas a esse princípio. Por exemplo, língua e matemática que podem
muito bem estar subentendidas, ensinadas e avaliadas a partir de outros componentes
curriculares e que têm tido resultados sofríveis no contexto de formação de crianças e jovens.
Ou por que se pretende marcar o currículo do ensino médio com essa orientação quando seria
muito mais conveniente e adequado fazê-lo no ensino fundamental que pela sua natureza traz
conteúdos em nível de aprofundamento menos distintos, muito mais integrados. Acresce que
o ensino médio tem como um de seus objetivos preparar o jovem para “o prosseguimento nos
estudos” aprofundando “os conhecimentos adquiridos no ensino fundamental”. Isto é, um
horizonte do ensino médio é o ensino superior e a profissionalização nesse nível de ensino. E
seria interessante que o jovem na escola média adquirisse conhecimentos mais sólidos e
profundos, para além das ‘noções’ aprendidas na escola elementar, e, ao mesmo tempo,
entrasse em contato com a diversidade científica, artística e profissional que terá pela frente e
na qual terá de escolher o seu caminho. Sair de um limbo e cair numa ‘geléia geral’ não
parece ser o que se espera da educação nacional.

Sociologia no currículo de ensino médio: ciência ou consciência?

Em sua pesquisa sobre professores da rede pública do Distrito Federal, Mário Bispo
Santos constata a diferença de concepção entre os professores formados em Ciências Sociais e
os formados em outras áreas (Pedagogia, História, Geografia, Filosofia): os formados em CS
tendem a compreender o ensino de Sociologia a partir de um a visão científica ou de seu
potencial cognitivo – conceitos, teorias –, o que permitiria aos alunos a compreensão dos
fundamentos da vida social, das relações sociais, entendendo a Sociologia como uma
disciplina teórica; enquanto que os formados em áreas afins dão-lhe um caráter mais
instrumental, sobretudo visando a ação, entendendo-a como uma disciplina prática. Mas é
interessante notar que quando se pensa em pesquisa como um recurso de ensino de
35

Sociologia, os professores formados em CS, resistem a esse recurso por entenderem que é
impossível trabalhar a pesquisa no nível médio, fugindo aos rigores de uma pesquisa
sociológica; no entanto, os outros professores concebem a possibilidade de uso de
instrumentais científicos com seus alunos, independentemente do caráter menos rigoroso das
pesquisas que propõem. (Santos, 2002)
Pois bem, esta é uma dicotomia que temos de enfrentar quando pensamos no ensino de
Sociologia e que está diretamente relacionada com formação do professor. Embora na
pesquisa de Santos se possa distinguir tão claramente os grupos, persiste do lado de cá –
formadores e professores e professores de Sociologia no ensino médio –, assim como do lado
de lá – os assim chamados formadores de opinião, jornalistas polifônicos e multidisciplinares
–, uma discussão sobre os limites e conveniências de se ensinar visando a formação científica
dos alunos ou a sua conscientização (política). Enquanto para uns o temor se dá em vista de se
preservar e garantir o rigor e legitimidade das Ciências Sociais, transformadas no recorte
disciplinar Sociologia; para outros, o temor é que se vão doutrinar jovens e crianças com uma
ideologia esquerdizante, incutindo-lhes o “exotismo da luta de classes”, como dizia Getúlio na
justificativa do golpe de 10 de Novembro de 1937... Ficamos então imobilizados por uma
pretensa neutralidade das Ciências (Sociais) ou enfrentamos e superamos essa falsa
dicotomia? Retomemos para nos inspirar, as palavras de Antonio Cândido a respeito da
criação da Faculdade de Filosofia da USP e do curso de Ciências Sociais:
“Acostumados a falar em ‘sociologia burguesa’ e a conceituando de maneira por
vezes estreita o pensamento revolucionário, muitos intelectuais deixam de perceber
a força progressista que as Ciências Humanas representaram numa sociedade
atrasada, como era a brasileira dos anos 30 e 40, pelo simples fato de serem modos
objetivos e sistemáticos de descrever a realidade. Por isso mesmo a Sociologia foi
tão combatida pela direita e apresentada como perigo para a tradição”. (Antonio
Candido, 1995, p. 312).

Nesta passagem, Antonio Candido apresenta o duplo sentido radical de criticidade da


Sociologia: por um lado, por serem “modos objetivos e sistemáticos de descrever a realidade”
e, por outro, e por isso mesmo, pela “força progressista que as Ciências Humanas
representaram numa sociedade atrasada, como era a brasileira dos anos 30 e 40”. O que
podemos resumir no binômio - que muitos entendem como dicotomia - “ciência e
consciência”.
Outra não era visão de Durkheim sobre o papel da Sociologia da Educação como
disciplina dos cursos de formação de professores na França do começo do século XX:
“(...) o mais urgente é ajudar os futuros professores de nossos institutos a fazer-se
coletivamente uma opinião sobre o que deve ser o ensino do qual são responsáveis,
os fins que devem perseguir, os métodos que devem empregar. Pois bem, para isto
não há outra forma senão pô-los em presença dos problemas que se colocam e das
36

razões pelas quais se colocam, de pôr-lhes nas mãos todos os elementos de


informações que possam ajudá-los a resolver estes problemas, que possam
guiar suas reflexões pela via de um ensino livre...” (Durkheim[1938] citado por
Baudelot, 1991, p. 29)

Esta era a dupla militância de um autor que estamos muitas vezes acostumados a ver
como conservador: “homem de ciência, preocupado em analisar objetivamente a realidade
social, com base nos fatos” (idem, p. 30), sentia-se “afetado pela evolução e transformação da
sociedade na qual vivia” (idem, p. 30) e entendia que “a Sociologia que edificava só tinha
para ele sentido se pudesse contribuir, iluminando-a, para esta mudança social” (idem,p.30).
Para Durkheim, “nossas especulações não merecem uma hora de esforço se não tem mais que
um interesse especulativo”. (citado por Baudelot, idem p. 30)
Quase numa paráfrase, encontramos fala de Bourdieu a respeito da Sociologia, que tem
nos servido a todos, quando pensamos no ensino da disciplina no nível médio, e dela podemos
extrair as mesmas conseqüências: “A Sociologia não valeria nem uma hora de esforços se
fosse um saber de especialista reservado aos especialistas.” Para além de uma pretensa
neutralidade científica, o que encontramos é uma relação profunda e necessária entre fazer
ciência social e viver numa realidade social, entre conhecer e intervir. No entanto, esta
percepção não é dada imediatamente, e a mesma Sociologia é o meio pelo qual chegamos a
esta consciência do fazer ciência: “Só a sociologia da sociologia – e do sociólogo – pode dar
um certo domínio dos fins sociais que podem estar na mira dos fins científicos directamente
perseguidos” (Bourdieu, 1989, p. 58)
Mas isso não nos deve confundir, pensando que a Sociologia está dentro ou fora do
currículo conforme os ventos ideológicos que sopram na sociedade, repetindo por aí que em
tempos autoritários, está fora, e em tempos democráticos, está dentro. Nós todos sabemos o
que é viver em um tempo democrático e ter de lutar por mais de uma década para que o
direito a ensinar e aprender Sociologia fosse reconhecido. 10

Formação de professores: ainda a dicotomia Bacharelado X Licenciatura

Nesses vários anos em que vimos acompanhando o debate sobre a obrigatoriedade do


ensino de Sociologia na escola média, temos sido testemunha do aparecimento, cada vez mais

10
Referimo-nos aos extremos que marcam a luta pela obrigatoriedade do ensino de sociologia na escola média
brasileira, que começa com a crítica às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, de 1998, que
entendiam a sociologia e filosofia como “conhecimentos a serem tratados contextualizada e
interdisciplinarmente”, e a aprovação da Lei 11.684/2008 que torna obrigatório o ensino de sociologia e filosofia
nas três séries do ensino médio.
37

presente, daquilo que podemos chamar de a questão da formação do professor.


Primeiramente, vinha escondido na resistência de muitos membros da Academia quando se
opunham ao ensino de Sociologia na escola média: ou porque os alunos não tinham ainda
maturidade ou capacidade de abstração suficientes para entender a complexidade e
sofisticação das análises e conceitos propostas pelas Ciências Sociais, ou porque os
professores dariam cursos muito ruins, o que prejudicaria ainda mais a imagem das Ciências
Sociais perante a Sociedade; sobretudo porque muitos dos que lecionam Sociologia nem são
formados em Ciências Sociais, pois são Historiadores, Geógrafos, Filósofos e Pedagogos, que
completam cargas horárias com aulas de Sociologia.
Num segundo momento, conforme nossos debates foram avançando e ultrapassando
aquele espírito inicial de luta pela obrigatoriedade e se dirigindo mais para o que chamamos
de “o dia seguinte”, sobre “o que fazer?”, começou a aparecer mais consistentemente também
uma demanda específica, ora explicitada na alternativa imediata, já posta, bacharelado e
licenciatura, ora num objetivo mais complexo e fundamental: formação do professor de
Sociologia para o ensino médio.
Aqui e ali todos já tivemos oportunidade de dizer alguma coisa a respeito, sobretudo
porque desde as reformas da educação empreendidas pelo governo FHC, esse tema passou a
ser mais geral, de toda a comunidade acadêmica e uma questão absolutamente incontornável
dado pelas mais variadas pesquisas sobre educação ou resultados de avaliações estaduais,
nacionais ou internacionais. 11

Bacharelado e licenciatura ou Pesquisa e ensino

Uma questão que tem sido tomada como critério para a distinção entre bacharelado e
licenciatura é a orientação para a formação profissional. O bacharelado em Ciências Sociais,
mas não só, tem por principal senão único objetivo formar pesquisadores; a licenciatura
explicitamente estaria voltada para a formação de professores, para o ensino. Mas o que no
currículo do bacharelado estaria mais voltado para a pesquisa? Além das chamadas
Metodologias de Pesquisa ou Métodos e Técnicas de Pesquisa I, II e III, que outras disciplinas
cumpririam essa finalidade? Estatística, uma disciplina mais extensa antigamente, que foi
tendo sua carga horária reduzida quer em vista dos chamados métodos qualitativos,
etnográficos quer porque por uma resistência dos alunos que, buscando as Ciências Humanas,

11
Respectivamente: SARESP, SAEB, ENEM, PISA.
38

fugiam às Ciências Exatas e apresentavam muita dificuldade ao depararem-se novamente com


esse tipo de disciplina. É claro também que se possa aludir que todo o conjunto das
disciplinas constantes nos programas de Ciências Sociais esteja voltado para a pesquisa,
embora de modo implícito; mas o que garantiria a alguém, formado em bacharelado ou
licenciatura, uma base razoável para o exercício da pesquisa.
Por outro lado, parece que a licenciatura, ou as disciplinas pedagógicas, incluindo aí a
Metodologia do Ensino, careceria(m) dessa orientação – “para a pesquisa” -, ocupando-se
exclusivamente de “métodos” e “técnicas” de ensino – uma versão especial de Didática.
Acontece que particularmente nas instituições públicas, até nas faculdades de educação a
orientação para a pesquisa é uma obrigação incontornável, de modo que os professores dessas
disciplinas também são pesquisadores e as disciplinas também acabam tendo essa dupla
finalidade: prática de ensino e prática de pesquisa. Mas também devemos nos lembrar de que
algumas dessas disciplinas – como as Metodologias ou Práticas de Ensino -, em muitas
instituições são dadas nos próprios departamentos de Ciências Sociais e não em faculdades de
educação, estando os professores sujeitos às regras da dinâmica desses departamentos que
impõem a pesquisa como uma condição de contrato etc.. Pode-se pensar que a ampliação da
licenciatura daria maiores e melhores condições para que se desenvolvessem mais explícita e
intensamente a pesquisa nessa área que tem ficado carente por conta do abandono da
Sociologia da Educação para o campo da Pedagogia. 12
A partir da tese de doutoramento de Ileizi Silva (2006), que faz um estudo comparativo
e histórico dos cursos de Ciência Sociais em duas instituições de ensino do Paraná – UFPR e
UEL -, percebemos que enquanto a Federal repete em boa medida a estrutura da USP
(bacharelado + licenciatura), a UEL busca fugir desse padrão, ao instituir cursos separados ou
com formação especializada a partir da segunda metade de sua duração. No entanto, ao
observamos mais de perto os currículos dos cursos – bastante bem informados pelos quadros
trazidos pela autora -, percebemos que as diferenças ainda são bastante reduzidas em termos
de especialização para a pesquisa (bacharelado) e para o ensino (licenciatura). Fora uma
Metodologia de Pesquisa a mais, outras disciplinas do bacharelado ainda são, aparentemente,
teóricas (a menos que se lhes aplique a interpretação de que são teórico-metodológicas, o que
é discutível em termos de prática efetiva). É possível – e isso é imponderável quando se opera
apenas com análise de currículos – que os cursos realmente se orientem para uma coisa ou
outra no seu cotidiano, dependendo das idiossincrasias de professores e alunos. Mas aí

12
Ver LUDKE, Menga. Entrevista com Pierre Bourdieu. In: Teoria e Educação. Porto Alegre: no. 3, Pannonica,
1991, p. 3-8.
39

precisaríamos de uma pesquisa que, mais que uma pesquisa meramente quantitativa, fizesse
uma avaliação qualitativa dessas formações específicas em termos de resultados – por
exemplo, a atuação efetiva dos egressos. Também se pode pensar, então, que a licenciatura
faça diferença com os projetos criados para a realização do ensino, como é o caso dos
chamados “laboratórios de ensino”. Estes também estão a merecer um estudo mais
aprofundado, pois temos ficado nos relatos e propostas, que, via de regra, são laudatórios e
pouco críticos.

Conclusão

Vivemos ainda, no campo das Ciências Sociais, um tempo de dicotomias que nutrem
certa hierarquização entre profissionais (Bourdieu, 2003): pesquisador X professor,
bacharelado X licenciatura, pesquisa X ensino. Que isso seja comum em outras áreas parece,
senão normal, ao menos o modus operandi das competições que movem o mundo do mercado
que invade o mundo acadêmico. No entanto, menos por uma razão muita vez suposta e muito
fundada em preconceitos de natureza ideológica - a relação entre Sociologia e socialismo -,
mas muito mais por conta de uma necessária postura crítica do campo das Ciências Sociais,
essa aceitação de distinções, que trazem mais prejuízos que ganhos, deveria ser questionada e
fazer ver que nada contribui para que ambos os termos dessas dicotomias realizem-se
plenamente. Primeiramente, a condição de país periférico, que ainda somos, não permite que
as empresas estrangeiras instaladas no Brasil financiem centros de pesquisas, importando em
boa medida a tecnologia de que precisam direto das matrizes, resultando disso que as
instituições de ensino superior sejam em sua maioria centros de pesquisa e a maior parte dos
pesquisadores são contratados como professores. Nesse caso, a distinção vem afastando
pesquisadores que poderiam ser bons professores do contato com alunos da graduação, pois,
como subproduto disso, temos animado o desejo latente de dar aulas exclusivamente na pós-
graduação. Isso poderá reverter em dificuldades de recrutamento de novos pesquisadores ou
acabará produzindo, mesmo no bacharelado, outras distinções, por exemplo, entre quem faz
iniciação cientifica e quem não faz... A obrigação de bolsistas da CAPES de realizarem
preparação pedagógica e estágio de docência é em boa medida-denúncia desse estado de
coisas e tentativa de correção de suas mazelas.
Um outro ponto importante é a relação entre bacharelado e licenciatura: a concepção
original de que ao professor bacharel bastaria um verniz pedagógico apenas, munindo-o de
40

algumas “técnicas” de ensino não encontra mais legitimidade, ao menos não corresponde
mais à verdade dos fatos. Se lá nos anos 1930, quando foram criadas as primeiras
universidades brasileiras, a “sólida formação do bacharel” era uma realidade e não havia
estudos de educação consistentes para se entender que o professor da escola básica fosse um
especialista, podendo-se mesmo resumir a formação do professor ao bacharelado; no entanto,
hoje, essa sólida formação virou apenas um clichê - dada a indigência cultural com que vêm
os alunos do ensino médio para as universidades –, assim também os estudos das Ciências da
Educação evoluíram muito e podem ser tomados como referências importantes para a atuação
do professor: pesquisas no campo da Sociologia da Educação, da História da Educação (e no
nosso caso da Educação Brasileira), da Psicologia da Educação e mesmo da Didática e
Metodologias do Ensino, para ficar em apenas alguns ramos... O passo decisivo aqui seria
ligar esses dois termos e não investir na dicotomia. Como professor de Metodologia do
Ensino, temos pensado seriamente nas relações possíveis entre metodologia de pesquisa e
metodologia do ensino como fundamento dessa formação especial do professor de Sociologia.
Como professor de uma Faculdade de Educação temos acompanhado os esforços que
colegas de Ciências Naturais, por exemplo, desenvolvem na tentativa de relacionar essas duas
linhas de atuação, mesmo que muitas vezes inspirados por tendências da Psicologia da
Educação na moda – como é o construtivismo. Vemos que mesmo entre as Ciências
Humanas, os estudos historiográficos têm modificado muito as orientações de ensino de
História já no ensino fundamental e médio – os conteúdos desse ensino têm-se preocupado
menos com a história narrada e mais com a discussão de fontes e métodos de pesquisa...
Pensando nisso, entendemos que alguém que queira ser professor da educação básica não
pode deixar de ser um pesquisador, caso contrário tornar-se-á presa do livro didático, pois se
começa a perder a autonomia para escolher os exercícios, passa logo a perder a autonomia
para decidir sobre textos, e rapidamente perde-se o controle sobre os temas do curso. Tudo
isso mediado pela fala do autor do livro, de modo que o professor é agora um reprodutor do
discurso, um papagaio, carregador de manual... Aqui seria sempre bom lembrar o primeiro
passo da proletarização: a separação entre o trabalhador e os meios de produção...
Quando coordenamos a equipe que elaborou as OCEM-Sociologia, nossa preocupação
central foi com a formação dos professores e por isso vimos nas OCEM, como o próprio
nome diz – orientações curriculares – a oportunidade de contribuir para essa formação,
trazendo não uma proposta nova, mas uma perspectiva inovadora ao discutir com mais
profundidade o sentido das escolhas dos professores quando vão elaborar uma proposta
curricular: 1) o nível teórico – a teoria social como modelo explicativo ou compreensivo da
41

realidade e não sua hipóstase; 2) o nível conceitual – os conceitos como sendo elementos da
linguagem sociológica, entendendo-se as teorias como discursos sobre a realidade; 3) o nível
temático – o empírico, a realidade concreta imediata. O que quisemos pôr em relevo foi que a
tendência predominante à escolha da perspectiva temática deveria levar em conta a
necessidade das mediações, os níveis teórico e conceitual, condição para que a aula saísse da
conversa de botequim, do senso comum, do puro exercício da discussão e exposição de
opiniões e assumisse um caráter escolar efetivo: fundamentada, crítica, elaborada,
contribuindo para uma maior racionalização sobre o mundo; permitindo ao aluno fugir ao
aparentemente caótico, mas compreendendo sua inteligibilidade, garantida pelo domínio de
uma nova linguagem, de argumentos e esquemas explicativos, criando um elo entre a ciência
e a consciência de si e do mundo. Aqui vemos a oportunidade de o professor desenvolver essa
dupla formação, como professor e como pesquisador, pois há um campo imenso, ainda pouco
explorado por detrás dos convencionais conteúdos de ensino de Sociologia: falar da realidade
imediata do aluno para o aluno pode não passar de reiteração, de discussão circular e, no fim,
pensando em estar “conscientizando” os alunos, acaba-se na verdade, muita vez,
anestesiando-os; também apresentar as teorias sociológicas pode não passar de uma busca de
legitimidade das mais discutíveis, só garantida entre os iniciados. Trata-se de relacionar os
problemas que os autores viviam com as explicações que buscavam, ou seja, o que faziam, o
método que construíam (ou o caminho que percorriam). A quase unanimidade das pesquisas
sobre ensino de Sociologia tem sido sobre o processo de institucionalização da Ciência ou da
disciplina escolar, quando faltam informações sobre os processos internos às salas de aula –
da educação básica à superior.
42

Referências

CANDIDO, Antonio. A Faculdade no Centenário da Abolição. In: Vários Escritos. São


Paulo: Duas Cidades, 1995.
BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: BOURDIEU, Pierre. O Poder
Simbólico. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel, 1989.
___. Método científico e hierarquia social dos objetos. In: NOGUEIRA, Maria Alice e
CATANI, Afrânio (Orgs.). Escritos de Educação. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003.
DURKHEIM, Émile. L’évolution pedgogique em France, Paris: PUF, 1938. Citado por
BAUDELOT, C. “A Sociologia da educação: para quê?” In: Teoria e Educação. Porto
Alegre: Pannônica, 3, 1991.
FERNANDES, Florestan. O ensino de Sociologia na escola secundária brasileira. 1º Dossiê
de Ciências Sociais. São Paulo: CEUPES-USP/CACS-PUC, 1985, p. 46-58, (mimeo).
FERNANDES, Florestan. Comunicação e debates. In: Anais do I Congresso Brasileiro de
Sociologia. São Paulo: 23 e 24/06/1954, p. 319-321; 325-328, 1955.
LUDKE, Menga. Entrevista com Pierre Bourdieu. In: Teoria e Educação. Porto Alegre:
Pannonica, no. 3, p. 3-8, 1991.
MACHADO, Olavo. O Ensino de Ciências Sociais na escola média. São Paulo: FEUSP,
dissertação de mestrado, 1996.
MORAES, Amaury Cesar. Por que Sociologia e Filosofia no ensino médio? In: Revista da
APEOESP. São Paulo: n.10, maio 1999, p. 50-53.
SANTOS, Mario Bispo dos. A Sociologia no Ensino Médio: o que pensam os professores da
rede pública do Distrito Federal. Brasília: ICS-DS/UnB, 2002 (dissertação de mestrado).
SILVA, Ileizi Luiciana Fioreli da. Por uma sociologia do ensino de sociologia. São Paulo:
FFLCH-USP, Tese de Doutoramento, 2006.
43

Capítulo 3 Ensino de Sociologia, Estado Nacional e Reflexividade:


Dilemas da Modernidade 13

Amurabi Oliveira14

Sociologia, Educação e Poder: palavras introdutórias

A Sociologia foi definida no século XIX, por Durkheim (2002), como a ciência que
estuda os fatos sociais, sendo o seu método o comparativo, de lá para cá muitas coisas
mudaram. Para além do positivismo, do funcionalismo, ou do marxismo, emergem a
etnometodlogia, o interacionismo simbólico, o estruturalismo, a teoria crítica, os estudos pós-
coloniais, os estudos culturais, dentre outras tantas abordagens teóricas e metodológicas. No
entanto, desde as abordagens consideras mais conservadoras, até aquelas consideradas mais
liberais (ou revolucionárias para alguns), todas convergem para um processo de desvelamento
da realidade social, e de desnaturalização da mesma.
Talvez a premissa da dialética hegeliana – em que a essência e a aparência das coisas
encontram-se em contradição, de modo que o conhecimento busca ultrapassar esta superfície
– não tenha estado presente só na obra de Marx, mas em todo o pensamento social, que
buscou desbravar o emaranhado que se apresenta na tessitura do social.
Enquanto uma resposta intelectual a seu tempo, que buscou compreender um mundo em
mudanças, a sociologia configurou-se em um campo, enquanto uma ciência, dotada de uma
epistême própria. Como tal, possui singularidades, e uma relação mais visceral com outras
áreas do conhecimento, bem como com outras instâncias sociais. Bourdieu (2007) nos chama
a atenção para o fato de que, a autonomia que um campo possui pode ser averiguara pela sua
capacidade de refratar as influências “externas”, ou seja, de outros campos. De modo que,
uma ciência que possa ser pensada como de direita, ou de esquerda, seria uma ciência pouco
autônoma.

13
Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada durante o XV Congresso Brasileiro de Sociologia, junto
ao GT Ensino de Sociologia.
14
Licenciado e Mestre em Ciências Sociais (UFCG), Doutor em Sociologia (UFPE), Professor de Estágio
Supervisionado em Ciências Sociais (UFAL). É presidente pró-tempore (gestão 2012-2013) da Associação
Brasileira de Ensino de Ciências Sociais - ABECS.
44

Nesses termos, assim como a sociologia, o campo educacional poderia ser classificado
como um “pouco autônomo”, logo, sobre a sua dinâmica circunscrevem-se questões de cunho
econômico, político, cultural, dentre outros. A interface estabelecida entre estes dois campos
configura-se, portanto, como uma esfera marcada por “interferências” diversas, neste sentido,
o ensino de sociologia atrela-se aos humores políticos e sociais, partindo desta abordagem
teórica, mais que o ensino de outras ciências na estrutura curricular da educação básica.
Diversos autores têm demonstrado uma crítica contundente aos aspectos reprodutores
da instituição escolar, de modo que tanto as presenças, quanto as ausências, no currículo, e
nas práticas educativas, confluiriam para o processo de reprodução da ordem social posta.
Durkheim (1978) apontou para tal questão, destacando o caráter moral e socializador da
escola, leitura esta diametralmente oposta àquela adotada por Althusser (1998), que denuncia
o caráter ideológico da instituição escolar, assim como Baudelot e Establet (1971) que vão
apontar para o caráter dualista da escola na sociedade capitalista, linha de raciocínio similar
ao adotado por Bowles e Gintis (1976). Bourdieu e Passeron (2006, 2008), apontam outras
questões ainda não exploradas nem pelas leituras marxistas, nem pelas liberais, situando o
processo de reprodução do sistema de ensino, da ênfase ao fato de como o mesmo aprofunda
as desigualdades existentes, destacando, para além do aspecto econômico, a relevância do
capital cultural, para a reprodução das desigualdades de classe, nesta realidade.
Apple (2002) nos chama a atenção para uma falha nestas teorias, que debatem o
processo de reprodução, na realidade escolar, para o autor estas simplificam demasiadamente
o fenômeno, por dois aspectos: primeiro, encara os atores sociais envolvidos no processo
educativo, em especial os alunos, como sujeitos passivos ante as questões postas, como se
houvesse uma reprodução direta e perfeita com relação o que é posto pelo currículo oculto15,
o que incorre em uma inverdade; segundo, negligencia o fato de que as relações sociais no
capitalismo são inerentemente contraditórias, o que se reverbera nas instituições dominantes,
incluindo aí a escola.
Interessa-nos esta discussão em torno da reprodução através da instituição escolar, na
medida em que, compreendermos que o silenciamento, ao qual é lançada a sociologia durante
anos, no currículo da educação básica brasileira, remete a uma estratégia de reprodução das
práticas sociais. Mas também a sua presença não pode ser simplificada a uma guinada política
e institucional, como se, por si mesma, a inclusão da sociologia no currículo escolar

15
Segundo Bernestein (apud Silva, 1999), Bernstein, o currículo oculto, conceito fundamental na teoria do
currículo, “constitui-se daqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial explícito,
contribui de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes” (p. 78).
45

representasse uma mudança paradigmática, em termos tanto políticos quanto epistemológicos,


na realidade brasileira.
Sua introdução começa a ser discutida já no século XIX, por Rui Barbosa, e iria
substituir a disciplina de Direito Natural, a Reforma Benjamin Constant a inclui, porém isso
não chega a se efetivar, apenas com as Reformas Francisco Campo, e Capanema, já nos anos
de 1920, é que ela toma um espaço significativo no currículo escolar, acompanhando, neste
momento, uma grande profusão de manuais para o seu ensino (Meucci, 2011).
Argumentamos aqui que tanto a presença, quanto a ausência da sociologia, no currículo
do ensino médio, representa demarcações de poder, que em boa parte do momento histórico,
tem sido utilizado como estratégia de dominação e reprodução social.
Buscamos, neste trabalho, desenvolver uma análise acerca da relação entre Estado
Nacional, Modernidade e Reflexividade, de modo que possamos elaborar uma chave
heurística de interpretação do processo de institucionalização da sociologia na educação
básica, em especial nos seus anos iniciais. Demonstrando os processos de aproximações e
distanciamentos, estabelecidos entre o conhecimento científico e a formação do Estado
Nacional, bem como a relação hierarquizada que se estabelece entre o bacharelado e a
licenciatura, na formação dos experts, ou peritos, do saber sociológico.

Estado Nacional e Pensamento Social: Legitimidade e Contradições

A formação do Estado Nacional pressupõe o processo de legitimação social, como já


expuseram autores como Weber (1999) e Bobbio (1992), tal processo pode se dar através das
mais diversas formas, no entanto, as instituições sociais ocupam um lugar central na
legitimação da dominação do Estado, que compõe o seu próprio processo de formação, para
Althusser (1998) o Estado dependerá tanto dos Aparelhos Repressivos do Estado (ARE), que
agem principalmente com base na coerção, quanto dos Aparelhos Ideológicos do Estado
(AIE), que agem baseados principalmente na persuasão, para o Estado manter sua
legitimidade, na interpretação do autor, demanda-se a manutenção destes dois tipos de
Aparelhos. Tal Estado, na concepção que aqui estamos tomando, figura-se a partir da
modernidade, de modo que tal categoria mostra-se fundamental para a compreensão de nossa
análise.
A Modernidade, tal qual concebida por Giddens (1991), “refere-se a estilo, costume de
vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que
ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (p. 11). Notoriamente
46

tal definição de modernidade mostra-se limitada, na medida em que, refere-se a uma


concepção eurocêntrica de mundo. No entanto, uma das características que o autor nos
aponta, acerca da modernidade, que nos chama mais a atenção, diz respeito ao lugar que a
tradição ocupa no mundo moderno, e sua relação com processo de legitimidade.
Segundo o autor, nas sociedades pré-modernas é a tradição que cimenta as relações
sociais, legitimando as práticas, para o autor: “(...) a tradição é uma orientação para o passado,
de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído
para ter uma pesada influência para o presente”. (Giddens, 1997, p. 80). Podemos apontar,
segundo o modelo explicativo weberiano, que nestas sociedades prevalece a dominação
tradicional. Giddens (1997, 2010) não realiza apontamentos em torno da dissolução da
tradição nas sociedades modernas, no entanto, situa que nestas sociedades ao invés dos
guardiões, que possuíam uma verdade revelada, os peritos passam a possuir um saber
assentado na confiança moderna, esta que dá credibilidade a determinado conhecimento, que
é tido como correto, este saber tende a ser universalizante, ainda que os especialistas tendam a
discordar entre si, como nos aponta Popper (1972), a ciência é assentada na areia movediça.
Em meio a este cenário, o processo de legitimação perpassa o discurso intelectual, de
modo que a nascente ciência social passa a ser utilizada, por vezes, como instrumento de
legitimidade. Há de se destacar que, o cenário da emergência da sociologia no Brasil é
marcado pela presença do positivismo, enquanto principal corrente teórica explicativa
(Cândido, 2006), de modo que sua articulação epistemológica marca este momento inicial
desta relação entre a sociologia e o Estado.
Ainda na Modernidade, há que se dar relevo ao fato de que ao invés da segurança
ontológica trazida pela comunidade os indivíduos modernos assentam sua confiança em
sistemas abstratos, e em instituições impessoais. Ainda segundo o autor:
“A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protetor da pequena
comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e
impessoais. O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta o apoio
psicológico e o sentido de segurança oferecidos em ambientes mais tradicionais”.
(Giddens, 2002, p. 38)

Logo, a legitimidade do Estado perpassa uma relação em que o discurso dos peritos se
faz necessário, tal discurso encontra-se tanto de forma explícita, como no caso da obra de
Zweig (2006), que chegou a ser recebido por Getúlio Vargas, já que sua leitura da realidade
social brasileira estava em consonância com a o perfil ideológico da Era Vargas, mas também
o discurso intelectual pode se encontrar dissolvido nas instituições sociais modernas, como no
caso da própria escola e do currículo escolar.
47

Outro Momento emblemático, diz respeito ao próprio fato de que no período da Era
Vargas, após a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1931 durante a VI Conferência
Nacional de Educação, promovida pela Associação Brasileira de Educação, o Estado (na
figura de Vargas e do Ministro da Educação Francisco Campos) vai exortar os educadores
presentes nesta Conferência a definir as bases da política educacional que deveria guiar as
ações do governo em todo o país (Saviani, 2011).
Sendo o Estado Nacional, na forma de instituição abstrata e impessoal, uma instituição
eminentemente moderna, ele necessitou, para o seu processo de legitimidade, apresentar-se
como tal. O currículo, como espaço de tensão e expressão das relações de poder, numa dada
sociedade (Apple, 2006), transparece tal dinâmica.
O processo de introdução da sociologia, no currículo escolar, na primeira metade do
século XX, representou este esforço. Sarandy (2004), ao analisar os manuais de sociologia
para o ensino médio, aponta como, neste tipo de produção, a sociologia é apontada com uma
ciência que emerge da crise das sociedades industriais, sendo, neste sentido, uma ciência
capaz de explicá-la, e propensa a intervir nessa realidade. Na interpretação do autor isto indica
uma preponderância da leitura da sociologia como ciência, sobre a de disciplina escolar.
Em todo o caso, a relação entre modernidade e currículo escolar se dá de forma estreita,
desse modo, introduze-se a sociologia no currículo para que com isso o Estado assuma uma
“postura moderna”, tornando o currículo mais “científico”. Sua presença atrela-se ao processo
de legitimidade institucional mais ampla, há um significado imbuído na presença escolar da
sociologia.
Ao passo que os anos 20, do século XX, estavam marcados pela introdução da
sociologia na educação básica, a partir dos anos 30 surgem as primeiras graduações em
ciências sociais, primeiramente na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo –
ELSP, e, posteriormente, na Universidade de São Paulo – USP. Assim como neste processo
de institucionalização a legitimidade da disciplina encontrava-se mais assentada no seu caráter
científico, e no seu potencial explicativo sobre a gênese e estrutura do social, a preocupação
com estes primeiros cursos também deixavam de lado a questão do ensino, forma-se,
primeiramente, cientistas, e não professores. Segundo Simões (2009):
“[...] a Escola de Sociologia e Política surgia como um centro de estudos voltados
para a compreensão científica da realidade brasileira e que visava formar quadro
técnicos qualificados em ciências sociais para atuarem nas nascentes instituições
públicas de planejamento econômico e desenvolvimento social.” (Simões, 2009, p.
37)
48

O nascente campo das ciências sociais emergia sob a batuta do bacharelismo, como
explicar que num momento em que o ensino da disciplina encontrava-se consolidado no país,
em que mesmo grandes intelectuais chegaram a lecionar na educação básica, como Gilberto
Freyre, Fernando Azevedo, Carneiro Leão (Meucci, 2011), não haver um compromisso com a
formação de professores?
Devemos destacar que a questão da licenciatura vai ser alvo de regulamentação nacional
só em 1939, através do Decreto n.º 1.190/39, tomando como modelo a Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil, no qual todos os cursos seriam organizados em duas
modalidades: bacharelado e licenciatura, o curso de pedagogia, por exemplo, foi definido
como bacharelado, junto com os demais cursos. O diploma de licenciado seria obtido através
de um curso de didática com duração de um ano, após a realização do curso do bacharelado,
dando origem ao famoso modelo “3 +1” (Saviani, 2006).
Há de se destacar, neste cenário, a preponderância da cultura do bacharel em nossa
sociedade. O universo do bacharel é aquele que pertence às classes mais abastardas, no
âmbito das políticas educacionais, na primeira metade do século XX, cabe às classes menos
favorecidas caminharem para os cursos técnicos, e àquelas positivamente privilegiadas (para
usar um termo weberiano) cabia-lhes o mundo do bacharelado, que também implicava em
situar o seu lugar no mundo, o seu lugar no comando desta realidade social (Freitag, 1985).
Holanda (1995) nos oferece uma interpretação acerca da relevância que a cultura
bacharelesca toma no Brasil, apontando para o percurso histórico e o significado que o
diploma de bacharel vai representar na sociedade brasileira. Para o autor:
“Apenas, no Brasil, se fatores de ordem econômica e social – comum a todos os
países americanos – devem ter contribuído largamente para o prestígio das
profissões liberais, convém não esquecer que o mesmo prestígio já as cercava
tradicionalmente na mãe pátria. Em quase todas as épocas da história portuguesa
uma carta de bacharel valeu quase tanto como uma carta de recomendação nas
pretensões a altos cargos públicos. (...) De qualquer modo, ainda no vício do
bacharelismo ostenta-se também nossa tendência para exaltar acima de tudo a
personalidade individual como valor próprio, superior às contingências. A dignidade
e importância que confere o título de doutor permitem ao individuo atravessar a
existência com discreta compostura e, em alguns casos, podem libertá-lo da
necessidade de uma caça incessante aos bens materiais, que subjuga e humilha a
personalidade.” (Holanda, 1995, p. 157)

Ou seja, para além de uma legitimidade de caráter epistemológico, a sociologia, ao


atrelar-se essencialmente ao mundo do bacharel, mostra-se também como uma forma de
legitimação social. Sua introdução, não implicou na introdução de uma disciplina de caráter
escolar, mas, acima de tudo, a introdução de uma disciplina científica. Afirmando, por um
lado, o caráter moderno do Estado Nacional, também incipiente em termos republicanos, e
49

por outro, o caráter elitista e bacharelesco que o prestígio da disciplina trazia em seu âmago.
Nos anos que se seguiram, no que tange ao ensino de sociologia, houve um afastamento ainda
mais gradual entre a acadêmica (bacharelesca) e a esfera da formação de professores, na área
das ciências sociais (Moraes, 2008).

Reflexividade e Ensino: Para que Serve a Sociologia?

Atrelamos a introdução da sociologia ao processo de legitimidade do Estado Nacional,


que por sua liga-se ao caráter “moderno” de tal ciência. No entanto, tal análise poderia cair
num simplismo. Afinal, outras estratégias poderiam ser lançadas para legitimar o Estado,
através do currículo escolar.
Devemos destacar também, as possibilidades trazidas pela sociologia para a vida dos
sujeitos, Giddens (2005) nos chama a atenção para o fato de que “A imaginação sociológica
nos permite ver que muitos eventos que parecem dizer respeito somente ao indivíduo, na
verdade, refletem questões mais amplas.” (p. 25).
O autor ainda destaca outras possibilidades que a sociologia abre, como a consciência
das diferenças culturais, permitindo ver o mundo social a partir de outro ponto de vista que
não o nosso, ou mesmo a prática na avaliação dos resultados de iniciativas políticas, e,
notoriamente, o auto-esclarecimento.
Para além desta questão, buscando destacar aqui o caráter reflexivo da sociologia, e
como esta característica traz novas possibilidades da mesma na realidade escolar, ampliando e
alargando horizontes.
Giddens (1991) aponta a reflexividade como uma das fontes do dinamismo da
modernidade, o que implica em dizer que as práticas sociais modernas são enfocadas,
organizadas e transformadas, à luz do conhecimento constantemente renovado sobre estas
próprias práticas. Conhecer na modernidade implica numa dúvida constante, voltamos, neste
ponto, à metáfora de Popper, sobre a ciência estar assentada na areia movediça, há, desse
modo, a uma contínua geração de autoconhecimento sistemático.
O conhecimento, tanto científico quanto especializado e leigo, é aplicado à atividade
social, filtrado pelos seguintes aspectos:
1) Poder diferencial: a depender da capacidade individual, ou de grupos, de se apropriar de
conhecimento especializado;
2) Papel dos valores: valores e conhecimento empírico se vinculam através de uma rede de
influência mútua;
50

3) Impacto das conseqüências não-pretendidas: o conhecimento sobre a vida social


transcende as intenções dos sujeitos;
4) Circulação do conhecimento social: o conhecimento aplicado altera as circunstâncias às
quais ele originalmente se referia.
O conhecimento reflexivo acaba com o ideal iluminista, que pretendia superar as
superstições, a tradição e o mito, atingindo um conhecimento verdadeiro, trazendo, com isso,
a segurança ontológica, no entanto, o conhecimento reflexivo assenta não nas permanências,
mas nas mudanças, num saber que se metamorfoseia constantemente, à luz de um novo
conhecimento. Devemos destacar ainda o caráter reflexivo da sociologia, tanto enquanto
ciência, quanto como disciplina escolar.
“Consideremos, portanto, essas esferas: a sociologia como estudo das sociedades
modernas e a modernidade marcada pela reflexividade. Em verdade, podemos
afirmar que a sociologia é essencialmente reflexiva, seu conhecimento é sempre
reformulado visando a uma nova compreensão de si; situa-se, desse modo, numa
posição que lhe permite realizar um salto qualitativo no processo educacional. Não
que as demais disciplinas do currículo não possam reivindicar a dimensão
reflexividade; a sociologia, porém, possui este caráter de forma epistemológica bem
como ontológica.” (Oliveira, 2010, p. 58)

Ou seja, a sociologia ocupa um lugar singular enquanto conhecimento escolar, claro que
o seu papel perpassa também seu locus no âmbito científico, porém, interessa-nos aqui
destacar a sua relação com a realidade educacional.
Sua presença no currículo mostra-se imprescindível, considerando-se a singularidade de
sua epistême, que se volta especificamente para a reflexão em torno das sociedades modernas.
Tal característica, segundo Giddens (2003) demarca a própria diferenciação da sociologia
com relação às demais teorias sociais.
“[...] emprego a expressão ‘teoria social’ para abranger questões que sustento serem
do interesse de todas as ciências sociais. Essas questões relacionam-se com a
natureza da ação humana e do self atuante; com o modo como a interação deve ser
conceituada e sua relação com as instituições; e com a apreensão das conotações
práticas da análise social. Em contrapartida, entendo que a ‘sociologia’ não é uma
disciplina genérica que se ocupa do estudo das sociedades humanas como um todo,
mas aquele ramo da ciência social que concentra seu foco particularmente sobre as
sociedades modernas ou ‘avançadas’ “(Giddens, 2003, p. XVII-XVIII)

O currículo escolar, enquanto instancia da realidade educacional que reflete seu tempo,
traz em sua gênese a necessidade de se posicionar ante a um mundo em transformações. O
lugar do conhecimento escolar, para além das reproduções das condições sociais de uma dada
sociedade, situa-se também na apreensão e na reflexão em torno da transformação social, de
modo que possamos pensar também uma educação para a mudança.
51

Não implica em dizer que a sociologia seja sempre uma sociologia da mudança social, a
proposta teórica de Parsons (1974), por exemplo, situa-se numa posição diametralmente
oposta de tal assertiva, no entanto, toda teoria sociológica ao buscar a desnaturalização da
realidade social, questiona sua permanência, pois a situa no âmbito da construção humana, e,
enquanto tal, efêmera.
O lugar da sociologia, neste currículo, reflete uma necessidade histórica. Não
afirmamos aqui que sua introdução, nos idos dos anos 20, situou-se enquanto preocupação no
alargamento a visão de mundo, e na busca pelo autoconhecimento, dos alunos da educação
básica, no entanto, as ações históricas possuem efeitos não intencionais.
Se a sua introdução perfaz um percurso atrelado à legitimação institucional do Estado,
em que a modernidade se apresenta como um imperativo, que deve ser incorporado, sua
dinâmica reflete um campo de disputas, em que, o momento histórico viabiliza mais ou menos
a sua estadia.
Interessa-nos destacar que no decorrer do século XX, a sociologia, enquanto disciplina
escolar, apresentou um percurso caudaloso, marcados por idas e vindas. Não defendemos aqui
que sua presença esteve sempre atrelada a contextos democráticos, e suas ausências, a
contextos ditatoriais, claro que os humores políticos e sociais sempre pesaram sobre sua
figuração na educação básica, no entanto, tal simplificação constitui uma falácia. Houve
momentos democráticos em que ela esteve ausente, e momentos de ditadura em que ela esteve
ausente (Silva, 2008), como na Era Vargas, em que mesmo no Estado Novo ela esteve
presente nos cursos de formação de professores (Santos, 2002), ou no processo de
redemocratização em que seu retorno chegou a ser vetado em 2001, pelo então presidente da
república, ironicamente sociólogo.
É inegável, contudo, a sua ausência durante o período ditatorial, em que com o processo
mais amplo de tecnificação do currículo escolar, a sociologia, juntamente com a filosofia,
foram relegadas enquanto disciplinas que na prática não aconteciam, sendo substituídas pelas
disciplinas Educação Moral e Cívica, e Organização Social e Política do Brasil.
Com o final da ditadura houve uma volta tímida, marcada por um retorno pontual em
alguns estados, e com uma presença tímida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
de 1996, através da qual os conhecimentos de sociologia e de filosofia foram apontados como
imprescindíveis para os egressos do ensino médio, para o exercício da cidadania. A tentativa
de retorno no ano de 2001, como já apontado, foi vetada pelo então presidente da república.
Em 2006, através do parecer CNE nº 38/06, e posteriormente com a lei nº 11648, a sociologia
(juntamente com a filosofia), tornou-se obrigatória em todas as séries do ensino médio.
52

Sua introdução, neste momento histórico, também aponta interesses singulares, que
orbitam em torno de um discurso democrático, que se atrela a questão da cidadania. O
argumento da lei 11.648 se dá neste sentido, utilizando-se como referência a LDB, ela faz
menção a possibilidade da sociologia “preparar o aluno para a cidadania”, ainda que tal
discursos, por vezes, mostre-se vago e reducionista (Mota, 2003, 2005). A ideia de “preparar”
alguém para cidadania mostra-se infrutífera, na medida em que denota uma negação de sua
cidadania no presente, alçando o outro a um lugar de dependência.
Não negamos, com isso, que a sociologia auxilie neste processo, na vivência cidadão,
no entanto, consideramos que seu caráter reflexivo muito mais esclarecedor com relação a sua
razão de ser no currículo da educação básica. No contexto contemporâneo a sociologia mais
nos permitir saltar de uma cidadania apenas participativa, ou mesmo meramente crítica, para
uma cidadania reflexiva, que considere o escopo das mudanças em curso.

Considerações Finais

Sendo a sociologia uma ciência da modernidade, ela também é uma disciplina escolar
da modernidade, ainda que não haja uma relação mecânica, entre estas duas esferas, há uma
interligação considerável entre as mesmas. Suas intermitências refletem humores políticos,
mas também interpretações em torno da concepção de currículo e de educação, bem como a
própria interpretação da modernidade.
Suas possibilidades, na educação básica, devem ser confrontadas também com os seus
limites, ou ao menos com os seus desafios, que vão desde o nível epistemológico (Oliveira,
2011a), passando pela própria identidade dos cursos de ciências sociais, no país, que
historicamente não se pensam como cursos de formação de professores (Oliveira, 2011b).
Sua reflexividade epistemológica remete a sua própria ontologia, enquanto
conhecimento científico, que nasce no bojo das transformações das sociedades industriais,
todavia, seu fazer reflexivo remete a uma práxis educacional, que ocorrer de forma
contextual. Queremos afirmar, com isso, que por mais que a sociologia seja uma ciência
reflexiva, isso não implica dizer que ela seja, automaticamente, uma disciplina escolar
reflexiva, pois isto remete a um esforço maior, que não é dado como um a priori.
A práxis educacional é sempre contingencial, de modo que remete a uma possibilidade
de articulação entre os conceitos sociológicos, as teorias, e os temas, estes, apresentam-se
enquanto aporte imprescindível para se tocar a realidade do aluno. Tal dinâmica remete ao
53

próprio reconhecimento das limitações das categorias sociológicas, como nos aponta
Wallerstein (2006). Sua capacidade de gerar polêmicas, que outras disciplinas acadêmicas
jamais geraram (Giddens, 2001) deve ser utilizada a seu favor, enquanto fomentador reflexivo
de uma prática pedagógica emancipadora.
Seu percurso histórico transparece as tramas sociais e políticas de seu tempo, bem como
as tramas intelectuais, e como todas estas se entremeiam e se reverberam no currículo escolar,
e, em última instancia, nas práticas educativas. Ainda há muito que se avançar no debate, até
mesmo porque houve após os anos 60 um afastamento considerável, em termos de produção
acadêmica, por parte das ciências sociais com relação à educação (Silva, Branco, Pera, 2010),
de modo que apenas na primeira década deste século é que vem ganhando mais fôlego a
produção em torno do ensino de sociologia (Handfas, 2011). A pesquisa em torno do ensino
de sociologia no Brasil apresenta-se, assim, como uma necessidade acadêmica, representando,
também, um esforço aproximativo entre as ciências sociais e o campo da formação de
professores, o que, por si mesmo, também transparece uma mudança nas relações de poder
estabelecidas no campo acadêmico.
54

Referências

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57

Capítulo 4 Pensando sobre as experiências de formação de


professores/as de sociologia no Programa de Iniciação à Docência
- PIBID/CAPES: modelos de estágio em gestação na Universidade
Estadual de Londrina-Pr.

Ileizi Luciana Fiorelli Silva16

Este capítulo reflete sobre as experiências de formação de docentes de sociologia na


UEL e no Programa de Iniciação a Docência-PIBID da CAES. São experiências estruturadas
no formato do programa, com estudantes de licenciatura, professores/as das escolas e
coordenador do projeto, todos bolsistas. Há, ainda, financiamento para custeios. O curso de
Ciências Sociais da UEL iniciou as atividades do PIBID, contemplando duas escolas, em
junho de 2011. Tais atividades indicam um modelo de estágio que inclui envolvimento com a
escola, o entorno da escola, os estudantes e os docentes de sociologia em ações conjuntas da
universidade e das escolas. Os estudantes, futuros/as professores/as de sociologia, relatam que
a vivência nas escolas tem sido muito intensa e produtiva. Os docentes das universidades
observam que a postura dos estudantes muda rapidamente e ganha habilidades e hábitos, que
aumentam as competências para ensinar. Com essas atividades pretende-se criar modelos de
estágio que perdurem como políticas públicas e se institucionalizem de forma perene nas
universidades brasileiras em geral e, na UEl, em particular.
O PIBID do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais, ao lado de outros projetos e
ações desenvolvidos no âmbito do Departamento de Ciências Sociais e da UEL, a exemplo do
Laboratório de Ensino e Pesquisa em Sociologia – LENPES, Semanas de Sociologia, Grupo
de Estudos e Extensão sobre Materiais Didáticos de Sociologia – GEEMAS,
PRODOCÊNCIA, Grupo de Estudos Avançados sobre Meio Ambiente – GEAMA,
Laboratório de Cultura e Estudos Afro-brasileiros – LEAFRO e Diálogos com o Patrimônio
Cultural e a Memória Coletiva – IPAC/Lda têm como objetivo central proporcionar aos atuais
e futuros educadores, práticas teórico-metodológicas inovadoras de ensino das Ciências
Sociais (Sociologia/Antropologia/Ciência Política), transformando-os em agentes ativos e
multiplicadores, no cotidiano escolar, de uma formação cidadã, mais plena e inclusiva. Com

16
Doutora em Sociologia, Professora no Departamento Ciencias Sociais da UEL e Coordenadora do PIBID de
Ciencias Sociais da UEL.
58

ênfase na multidisciplinaridade e em teoria e método das Ciências Sociais, os trabalhos e


ações possuem como eixos norteadores as temáticas: desigualdades, diversidade, gênero,
identidades, memória, patrimônio cultural, relações étnico-raciais, educação e meio ambiente.
• Criar metodologias de ensino e de pesquisa que possibilitem consolidar a formação
inicial de professores de Sociologia para a Educação Básica, a formação continuada dos
professores ativos nas escolas e inovar nos processos de ensino-aprendizagem com vistas à
diminuição da evasão e das reprovações;
• Buscar a superação das desigualdades sócioeducacionais, através da disseminação das
ciências nas escolas e da articulação entre universidade e sociedade;
• Desenvolver metodologias de ensino que levem em conta a percepção dos alunos
sobre os conteúdos, o universo social em que se socializou e os recursos pessoais e coletivos
que poderão ser mobilizados no processo ensino-aprendizagem;
• Propiciar a formação de elementos teóricos e sociais que contribuam para o
desenvolvimento de uma cultura escolar de inclusão das diferenças, em termos de classes
sociais, raça/etnia, gênero, sexualidade, religião, necessidades especiais (físicas e afetivas),
entre outras que historicamente estruturam sistemas de preconceito e discriminação no meio
social e que podem ser reforçados no ambiente escolar;
• Instituir na escola, espaços de construção de identidades, por meio do direito à
memória, envolvendo a comunidade escolar em pesquisas e projetos sobre Memória e
Patrimônio, a partir de uma concepção antropológica de cultura;
• Consolidar a Licenciatura em Ciências Sociais da UEL, elaborando modelos de
estágio diferenciados, formas de interação com a comunidade escolar, a fim de formar
professores comprometidos com a superação das desigualdades sociais e educacionais de
nosso país, sobretudo as desigualdades étnico-raciais e de gênero;
• Promover metodologias que proporcionem aos professores e alunos do Ensino Médio
pesquisar e analisar a LEI 10.639/03, bem como vivenciar e instrumentalizar as informações
sobre a História e a Cultura Afro-Brasileira e Africana, de forma a avaliarem criticamente as
atitudes de preconceito e racismo e serem capazes de lutar contra elas;
• Desenvolver visão holística e crítica do problema ambiental na sociedade atual, os
desafios e perspectivas da sustentabilidade num mundo desigual e a importância da escola e
formação do educador no universo da Educação Ambiental;
• Identificar critérios e mecanismos que permitam avaliar, do ponto de vista qualitativo
e quantitativo, os resultados das ações.
59

No conjunto das Licenciaturas da UEL o PIBID/ C. Sociais demonstra contribuição


significativa, na medida em que a Sociologia faz parte da maioria dos Cursos de Licenciatura
da UEL. No I Encontro do PIBID da UEL ficou clara esta contribuição quando a nossa
estratégia de ação em envolver toda a comunidade escolar (professores, alunos e funcionários)
em nossas atividades fez parte do relatório da plenária do encontro. Temos, inclusive,
recebido em nosso blog convites para trabalhos conjuntos com outras Licenciaturas, devendo
ser concretizadas no ano de 2012. Acredita-se que as mudanças de comportamentos na nossa
própria Licenciatura também repercutem nas Licenciaturas em que a Sociologia está presente.
O PIBID/C. Sociais acredita que A Imaginação Sociológica, tal como concebe Wrigth Mills,
não pode ser de uso exclusivo do sociólogo ou cientista social, mas sim de todos aqueles
profissionais (educadores ou não) que desejam compreender a sociedade em que vivemos,
para o exercício de uma prática cidadã, ou seja, nossa relação com a história e as mudanças
sociais. Portanto, temos que ter sempre presentes as perguntas: Que tipo de homens somos e
que tipo de homens estamos nos transformando? É disso que tratamos quando falamos em
desenvolver a Sociologia Como Forma de Consciência à luz do pensamento de Peter Berger.
Apesar de estarmos no início do projeto, somente 7 meses, praticamente um semestre de
dedicação e desenvolvimento – de junho a dezembro de 2011, o PIBID de C. Sociais
desenvolveu muito além das atividades programadas a seguir elencadas.
Reuniões periódicas do grupo e nos colégios de atuação; participação em encontros
nacionais e locais acerca do Ensino da Sociologia na Educação Básica; coordenação de
eventos Nacional e local; participação e disseminação de trabalho do PIBID em GTs;
publicação em artigo completo em anais; observações em sala de aula sob a supervisão das
professoras supervisoras; apoio em pesquisa dos alunos dos colégios acerca de temáticas
desenvolvidas pelo PIBID/C. Sociais; registros em diários de campo (bordo); realização de
oficinas no Ensino Médio; Palestras e debates teórico-metodológicos para formação inicial
dos alunos bolsistas; construção de acervo de fotos, slides e filmagens; integração nas
atividades dos colégios atendendo demandas específicas como já salientado em itens
anteriores (Semanas Culturais, Gincana) com introdução de metodologias inovadoras de
ensino; construção de blog para comunicação entre o grupo e a comunidade escolar,
disseminações, discussões, avaliações das atividades desenvolvidas e troca de experiências
acerca das atividades, arquivo de textos e artigos sobre as temáticas propostas pelo Grupo.
Todas as dificuldades encontradas, especialmente de integração do grupo e com as
escolas foram resolvidas com reuniões coletivas com avaliações sobre os limites e problemas
encontrados com sugestões também coletivas para soluções. Esta metodologia de trabalho tem
60

proporcionado conquista de autonomia dos bolsistas e professoras supervisoras nas escolas de


atuação. Acredita-se que as futuras experiências determinarão novas sugestões de práticas,
especialmente quando se considera a diversidade das demandas das escolas em que atuamos.
Em nossas últimas avaliações, em 2012, os bolsistas sugeriram a importância em intensificar
trabalhos interdisciplinares com outros PIBIDs da UEL, especialmente após o I Encontro dos
PIBIDs da UEL. Esperamos que em 2012 possamos contar com recursos materiais para o
projeto, já que deixamos de participar de encontros em outros Estados e Universidades por
falta de recursos para deslocamento dos bolsistas do PIBID- Fase II, bem como apoio material
(equipamentos, recursos para reprodução de fotos e folders). O que nos obriga a resolver as
situações com o apoio de outros projetos ou mesmo com recursos do próprio grupo.
Nos colégios temos tido boa receptividade, especialmente com a estratégia que
adotamos em envolver toda a comunidade escolar em várias atividades: palestras, oficinas,
exposição de fotos, gincanas, semanas culturais, levantamentos de acervo das bibliotecas,
estrutura, entre outros, vivência cotidiana do ambiente escolar, enfim, “viver o chão da
escola” (expressão de nossa Profª supervisora Vani do Espírito Santo), com registros em
diário de campo (de bordo), relatórios e muitas reuniões coletivas de avaliação.
Propostas importantes e já previstas para 2012: Cursos de Formação Inicial para os
alunos bolsistas sobre metodologias de ensino e temáticas propostas em nosso projeto e
Cursos de Formação Continuada para professores dos Colégios para conferir maior
organicidade ao projeto do PIBID/C. Sociais.
No Colégio CEEP Profª Maria do Rosário Castaldi: o projeto do PIBID/C. Sociais nos
primeiros 7 meses de atuação provocou impacto significativo nas discussões sobre as questões
étnico-raciais, a questão da diversidade cultural, preconceito e racismo, com envolvimento de
toda a comunidade escolar no processo (professores, funcionários e alunos), culminando com
a realização da Semana Cultural e Gincana sobre a temática. O apoio e envolvimento dos
alunos bolsistas, da Profª Supervisora Vani do Espírito Santo do PIBID/C. Sociais e da equipe
multidisciplinar do colégio foram fundamentais para os resultados obtidos, consubstanciados
em solicitação ao grupo do PIBID/C. Sociais a realização, no primeiro semestre de 2012, de
Curso de Formação para a comunidade escolar sobre essas temáticas. Nota-se, portanto, que a
comunidade escolar do colégio vem demonstrando mudanças significativas de
comportamento em relação ao racismo, preconceito e relações étnico-raciais presentes no
cotidiano escolar, inclusive incluindo os funcionários no debate. Nos bolsistas do PIBID/C.
Sociais nota-se mudanças significativas em relação à necessidade de aprofundamento do
conhecimento do cotidiano escolar, percepção mais sensível a respeito das diversidades e
61

diferenças presentes no colégio e sobre temáticas fundamentais a serem discutidas e


abordadas em sua Formação Inicial e na Sociologia no Ensino Médio como: Cultura,
diversidades cultural e étnico racial, preconceito, racismo, Direito à Memória e Cidadania. Na
realidade, o grupo do PIBID/C. Sociais, especialmente os alunos bolsistas, sentiu desde o
início de sua atuação no Colégio esta demanda, pois inclusive a equipe multidisciplinar do
mesmo já havia realizado pesquisa entre a comunidade escolar com questionário acerca destas
temáticas, especialmente sobre racismo e preconceito (racial, gênero, homofobia, entre
outros). As frases: “Todo homem produz cultura”, “desconstruir preconceitos”, “luta por
cidadania”, “educação transformadora” constituem as máximas atuais no comportamento de
nossos alunos bolsistas, professores colaboradores e professora supervisora e aplicadas em
suas práticas no colégio. As impressões registradas pelos alunos em nosso blog revelam como
desenvolveram percepção sensível a respeito de seu papel como educadores.
No Colégio Estadual Prof. José Aloisio Aragão - Colégio de Aplicação da UEL: o
projeto do PIBID/C. Sociais nos primeiros 7 meses de atuação provocou impacto significativo
nas discussões acerca da Dinâmica Cultural na Sociedade (diversidade cultural, tipos de
cultura, mídia, memória e patrimônio). Criatividade dos Bolsistas e Professora Supervisora do
PIBID/C. Sociais foram as principais marcas deste período, pois a atividade obrigatória anual
do Colégio da Festa Junina, desenvolvida pelos 3º anos do Ensino Médio, por meio de
registros em entrevistas com professores, fotos e filmagens da organização e realização do
evento, com apoio e orientação da Profª Supervisora proporcionou ao grupo dos bolsistas do
PIBID um conjunto de técnicas e metodologias inovadoras no Ensino da Sociologia,
resultando em OFICINAS sobre essa temática. O que pode ser resumido pela seguinte
afirmação: “Da Festa Junina ao Ensino da Dinâmica Cultural na Sociedade”. Além de todo
este trabalho os bolsistas do PIBID/C. Sociais desenvolveram atividade de pesquisa e registro
acerca da memória do Teatro do Colégio, também atividade obrigatória e tradicional realizada
pelos 3º anos do Ensino Médio. Os Bolsistas do PIBID/ C. Sociais realizaram trabalho de
reconstituição da Memória com Exposição de Fotos nos dias da apresentação das peças
teatrais, além de apoio com filmagens dos ensaios, atribuindo valor pedagógico e sociocultural
à atividade tomada pelos alunos apenas como obrigatória para avaliação final do Ensino
Médio. Quando, na realidade, até as escolhas das peças e temáticas a serem encenadas pelos
alunos denotam compromisso sociopolítico, criatividade, capacidade de organização coletiva,
expressão de práticas e expressões de diferentes gerações e juventudes, dentre outros aspectos.
O que pode ser observada durante a realização do evento no Cine Teatro Ouro Verde e na
Exposição de Fotos quando a comunidade escolar e os familiares constataram a importância
62

dessa atividade desenvolvida desde a década de 1990, como bem cultural e expressão de
épocas sócio históricas da sociedade brasileira. As frases: “A Sociologia deve desenvolver um
olhar sensível", “O Ensino da Sociologia pode e deve ser meio para conquista de cidadania
plena” e “Educação Transformadora“ constituem as máximas atuais no comportamento de
nossos alunos bolsistas, professores colaboradores e professora supervisora e aplicadas em
suas práticas no colégio. As impressões registradas pelos alunos do nosso blog revelam como
desenvolveram percepção sensível a respeito de seu papel como educadores.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM 2011

Objetivo da Descrição sucinta da atividade Resultados alcançados


atividade
1. Planejamento e Reuniões quinzenais com alunos bolsitas, Avaliação das atividades desenvolvidas e
integração do professorass supervisoras e professores integração do grupo de bolsistas do
grupo. colaboradores para discussão, planejamento PIBID nas escolas.
e elaboração de atividades, observações em
sala de aula com supervisão, levantamentos
nas bibliotecas dos colégios, análise dos
PPPs, levantamento dos dados dos Colégios
no site diaadiaeducação, observações sobre o
cotidiano escolar e diálogos com professores
e técnicos administrativos. Apresentação de
relatórios mensais. Início 16/06/2011-
09/12/2011.
2. Apresentação e Reuniões nas Escolas de atuação com as Planejamento das atividades do segundo
discussão do Professoras Supervisoras, Coordenadores semestre/2011 a serem iniciadas nos
Projeto do Pedagógicos e com alunos bolsistas, para colégios. Vivência e observação do
PIBID/Ciências tomada de decisões de atividades a serem cotidiano escolar, integração com as
Sociais nos desenvolvidas pelos bolsitas, definição de professoras supervisoras, alunos do
Colégios. horários e equipe de trabalho em cada ensino médio e comunidade escolar com
colégio. (04 e 05/06/2011; 21/06/2011 e registros em diários de campo (bordo).
27/06/2011).

3. Formação Inicial Três Seminários sobre Patrimônio Formação inicial dos bolsistas nas
dos bolsistas nas Cultural/Memória temáticas do projeto, preparação para
temáticas Coletiva/Identidades/Culturas Dois oficinas e atividades didático
propostas pelo Seminários sobre Relações Étnico-Raciais e pedagógicas, subsídios para organização
PIBID/C.Sociais Religiões e Religiosidades de Matriz Afro; e participação nos eventos dos colégios:
a serem Dois Seminários sobre Meio Ambiente e Festa Junina, Semanas Culturais do
trabalhadas nas Educação Ambiental. Colégio de Aplicação e do Colégio
escolas. (03/08/2011 até 10/12/2011). Castaldi.
4. Metodologias e Registro e Filmagens da Festa Junina do 3 oficinas de 100 minutos cada uma nos
práticas de ensino Colégio de Aplicação da UEL (06/07/2011), terceiros anos do Ensino Médio (A,B,C),
nas entrevistas com funcionários e comunidade utilizando conceitos como Cultura,
temáticas escolar para subsidiar as oficinas nos Memória, Patrimônio, Identidades e
propostas pelo terceiros anos do ensino médio sobre Festa Indústria Cultural. Material didático:
PIBID/C.Sociais Junina em sua Dinâmica Cultural. slides com fotos da Festa e filmagens
desenvolvidas Entrevistas e coleta de material iconográfico das “quadrilhas” da escola. Composisão
pelos bolsistas entre alunos e professores do Colégio de acervo de fotos e entrevistas para a
nos Colégios. Castaldi para subsidiar futura atividade de memória do Colégio Castaldi.
construção da memória do Colégio, já que o
mesmo se origina do PREMEN. 08/2011/até
12/2011
5. Disseminações e Participação da Professora Coordenadora, Inserção no debate acerca da
63

Discussões acerca Professoras Supervisoras e Colaboradoras do implantação da Sociologia no ensino


do Ensino da PIBID de Ciências Sociais da UEL no II médio no Brasil e no grupo de ensino da
Sociologia,Metod Encontro Nacional de Ensino de Sociologia Sociedade Brasileira de Sociologia-SBS.
ologias, do Brasil-ENESEB/SBS/PUC/Curitiba-Pr. Integração entre os PIBIDs de Ciências
Formação Inicial Comissão Organizadora do Evento (Ileizi Sociais/Sociologia das Universidades
e Continuada de Fiorelli Silva), Coordenação de GTs Brasileiras.
professores do (Adriana de Fátima Ferreira, Angela Maria
Ensino Médio em de Sousa Lima) apresentação de
Congresso comunicação acerca de práticas de ensino
Nacional. sobre Patrimônio Cultural e Memória
Coletiva com alunos do Ensino Básico (Ana
Maria C. de Almeida) e participação em
reunião dos PIBIDs de Ciências
Sociais/Sociologia do Brasil. (Ana Maria C.
de Almeida, Vani do Espirito Santo, Edna de
Gaspari Guizelini. (24/25/26/07/2011).
6. Disseminações e Participação: XV Congresso Brasileiro de Comunicação oral com publicação de
Discussões acerca Sociologia-SBS/UFPR/Curitiba-Pr. artigo completo em Anais
de trabalhos Apresentação de trabalho em GT –
teórico- Memória e Sociedade. (Ana Maria C. de
metodológicos Almeida e Ana Cleide C. Cesário). (26-
referentes às 29/07/2011).
temáticas
propostas pelo
PIBID/C.Sociais
em Congresso
Nacional de
Sociologia
7. Formação Inicial Participação na V Semana de Sociologia e Inserção das escolas no debate acerca da
dos bolsistas do de Humanidades. I mostra científica e importância da Sociologia no Ensino
PIBID e cultural. Colégio Estadual Olavo Bilac- Médio Publicação em Anais e
Formação Ibiporã-Pr. Palestras sobre temáticas do divulgação em outros colégios dos
Continuada de PIBID: Meio Ambiente e Sociedade de trabalhos do PIBID/Ciências Sociais.
professores do Risco. (Paulo Bassani); Memória Cultura e
Ensino Básico. Patrimônio. (Ana Maria C. de Almeida e
Ana Cleide C. Cesário); Exclusão, Juventude
e Indústria Cultural (Poliana dos Santos
Fortunato-Bolsista do PIBID). (08-
10/08/2011).
8. Integração dos Participação: V Jornada de Humanidades: Organização do evento pelo Grupo do
trabalhos iniciais mídia, cidadania e questões ambientais na PIBID/Ciências Sociais.
do construção da coletividade humana, no Integração do Grupo na escola foco de
PIBID/Ciências Colégio Estadual Maria do Rosário Castaldi. atuação do projeto PIBID/C.Sociais
Sociais nas (20-22/06/2011).
escolas de
atuação
9. Relação entre Participação: I Jornada do Forum Coordenação da Mesa Redonda:
Estágios, Permanente das Licenciatura-FOPE e Reflexões sobre o papel do estágio na
Formação de PRODOCÊNCIA/UEL. formação de professores. (Adriana de
Professores e o (3º Módulo 26/09/2011). (4º Módulo Fátima Ferreira). Comunicação oral e
PIBID. 11/11/2011). pôster virtual sobre Correlações entre o
PIBID/Ciências Sociais e o estágio
Reflexões sobre as diferentes modalidades supervisionado. (Ana Maria C. de
de estágios na formação inicial e continuada Almeida).
de professores - desafios, metodologias e Comunicação oral e pôster virtual sobre
inclusão os trabalhos de estágio do
PIBID/Ciências Sociais no Colégio
Castaldi. (Bruno Ueno Bertao-
Bolsista/PIBID/C. Sociais).
Comunicação oral e pôster virtual sobre
64

os trabalhos de estágio e do PIBID no


Colégio de Aplicação da UEL. (Profª
Supervisora do PIBID/C. Sociais Edna
de Gaspari Guizelini - Colégio de
Aplicação).
10 Integração dos Participação no I Encontro do PIBID/UEL Mostra dos trabalhos desenvolvidos,
. subprojetos do Elaboração e Exposição de 3 banners do troca de experiências entre os PIBIDs da
PIBID da UEL – PIBID/Ciências Sociais. Apresentação oral UEL e com outras áreas do
metodologias, em 4 GTs: GT-1 – formação inicial e em conhecimento, discussões sobre práticas
práticas de ensino serviço. GT-2-participação em materiais desenvolvidas nas escolas, bem como
e didáticos. GT-3-atividades desenvolvidas na limites e alcances na formação inicial de
interdisciplinarida Escola. GT-5- participação em eventos professores.
de realizados e disseminações: publicações,
sites, blogs, etc. (05/11/2011).

11 Desenvolvimento Organização e participação da Semana 1000 Folders de divulgação das semanas


. de atividades e Cultural do Colégio Castaldi: diversidade culturais.
práticas cultural indígena, africana e cigana, com Apoio com pesquisa e orientação dos
pedagógicas atividades de apoio aos grupos com grupos da gincana sobre diversidades
relativas às pesquisas e nas provas da gincana, coleta de culturais trabalhadas na gincana do
temáticas do fotos e entrevistas com alunos e professores Colégio Castaldi; registro em fotos de
PIBID/C.Sociais sobre a memória do Colégio para futuros todas as atividades com organização de
nos colégios. resultados. (10 até 14/10/2011). uma exposição de fotos na primeira
semana de dezembro; duas palestras
Apoio na Semana Cultural no Colégio de dirigidas a professores e funcionários do
Aplicação da UEL especificamente com as Colégio sobre: Relações Raciais no
atividades de apresentação de peças teatrais Brasil, Religiões e Religiosidades de
dos 3º anos do Ensino Médio, com Matriz Afro por professores do PIBID e
entrevistas e coleta de fotos com professores do Departamento de C. Sociais (Elena
e ex-alunos. (11,12,13/10/2011). Andrei e Maria Nilza Silva.

Registro em fotos e filmagens dos


ensaios e montagem de exposição de
fotos sobre a Memória do Teatro do
Colégio de Aplicação desde 1996, nos
dias das apresentações, no Cine Teatro
Ouro Verde.
12 Apresentação e Meios de discussões impresso e eletrônico: Diálogos com outros PIBIDs da UEL e
. divulgação do Brasil.
Institucional do Elaboração de 500 folders com as propostas Apresentação de propostas e resultados,
PIBID/Ciências do PIBID/Ciências Sociais. diálogos acadêmicos, teórico-
Sociais. metodológicos, artigos e materiais
EMAIL: didático-pedagógicos, eventos, notícias e
PIBID.SOCIAISUEL@HOTMAIL.COM disseminação de produtos. (fotos, vídeos,
BLOG: entrevistas com endereços eletrônicos,
HTTP://PIBIDSOCIAISUEL.BLOGSPOT. diários de campo(bordo) dos bolsistas
COM com avaliações dos trabalhos
desenvolvidos
OBS: Blog criado e organizado pela aluna
bolsista Denise Akemi Nishi atualizado
pelos demais alunos bolsistas.
65

GRUPO DE TRABALHO PIBID-UEL

Coordenador Institucional
Profº Dr. Sergio de Mello Arruda

Coordenador Área/Ciências Sociais


Profª Dra. Ana Maria Chiarotti de Almeida (Julho de 2011 a Fevereiro de 2012)
Profª Dra. Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Março de 2012 -)

Professores Supervisores
Profª Edna de Gaspari Guinzelini - Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão [Colégio
de Aplicação UEL].
Profª Vani do Espírito Santo - Centro Estadual Educacional e Profissional Profª. Maria Do
Rosário Castaldi.

Alunos Bolsistas
Ana Claudia R. de Oliveira
Bruno Ueno Bertao
Denise Akemi Nishi
Douglas Alves Graciano
Franciele Rodrigues
Loren Marie Vituri Berbert
Luana Rodrigues de Carvalho
Maria Leticia Grecchi Pizzi
Poliana dos Santos Fortunato
Samuel de Oliveira Rodrigues
Simone Maria Boeira

Professores Colaboradores
Profª Ms. Adriana Ferreira Cernev
Profª Dra. Ana Cleide Chiarotti Cesário
Profª Dra. Ângela Maria de Sousa Lima
Profª Dra. Elena Maria Andrei
Profº Dr. Paulo Bassani
Profª Dra. Silvana Aparecida Mariano

Email para contatos: pibid.sociaisuel@hotmail.com


66

Capítulo 5 Notas para um balanço crítico da produção recente dos


livros didáticos de sociologia no Brasil 17

Simone Meucci18

Este breve texto pretende realizar um balanço crítico da produção atual em livro
didático de sociologia no Brasil a partir da análise geral dos livros inscritos no Plano Nacional
do Livro Didático (PNLD) - Ensino Médio - 2012.19 Desejo compreender o que esta produção
revela sobre as condições gerais para a rotinização do conhecimento sociológico no sistema
escolar e sobre os sentidos atribuídos à sociologia escolar.
Antes de fazer o balanço proposto desejo, porém, fazer duas ressalvas: uma diz
respeito à natureza do livro didático e das funções que ele cumpre independentemente da área
de conhecimento. A outra diz respeito à noção de livro didático que está presente no PNLD.

1ª ressalva: A elaboração de um livro didático não é tarefa fácil. O autor do livro é um


mediador entre uma área de referência e o sistema escolar e tem como interlocutor tanto
aquele que ensina quanto aquele que aprende. Além do trabalho de selecionar e apresentar as
inflexões de um determinado campo de conhecimento, o autor deve considerar, de um lado, a
atividade do professor e, de outro, a perspectiva do aluno. Isso se torna tarefa ainda mais
hercúlea quando reconhecemos que, no Brasil, o livro atende a alunos e professores de
contextos sociais e culturais muito diferentes.
Deve-se também lembrar que, para o aluno, estes são alguns dos únicos livros adquiridos
durante toda a vida. Ele é, portanto, um dos únicos bens culturais que está ao alcance de parte
significativa dos jovens. Condições de trabalho e de qualificação docente no Brasil fazem
com que coleções didáticas tenham também outro uso imprevisto: freqüentemente os

17
Versões deste texto foram apresentadas no II ENESEB (Curitiba, julho de 2011) e no IV ENCISO (Fortaleza,
novembro de 2011).
18
Professora de Sociologia da UFPR.
19
Fui membro representante da área de sociologia da Comissão Técnica do PNLD – Ensino Médio 2012 do
Ministério da Educação. Este texto é resultado das discussões realizadas durante o período de avaliação das
coleções didáticas inscritas no Programa. Não obstante, as impressões impressas aqui são de minha inteira
responsabilidade. Agradeço a todos da equipe de coordenação e avaliação por sua dedicação, especialmente à
professora Dra. Anita Handfas.
67

professores utilizam a sequência de conteúdos do livro como uma espécie de plano de aula,
quando não o utilizam como obra de referência em sua formação. Nesse sentido, os livros não
se constituem apenas como ferramenta de ensino e aprendizado, mas também como bem
cultural, matriz curricular e instrumento de formação docente.

2ª ressalva: Acho importante pelo menos lembrar que o PNLD enquanto política pública
prescreve para editores, autores, professores e alunos certo modelo de coleção didática
composto pelos volumes do professor e do aluno e que compreende capítulos independentes,
cheios de imagens, boxes com questões acessórias e sugestões, excertos de textos e
atividades. É um modelo de livro didático surgido por volta da década de 1960 que se
caracteriza por distinguir-se dos demais livros no tamanho, na diagramação, na quantidade de
imagens e nas dicas que arremessam o aluno para outros recursos considerados auxiliares no
aprendizado. Este modelo contém um ponto de vista sobre o que é ‘didático’ e creio ser
fecundo pensar sobre isso. Não podemos nos furtar da responsabilidade de discutir os
pressupostos que estão contidos nesta idéia de livro didático e de suas conseqüências sobre a
visão do trabalho do professor e até de suas conseqüências culturais mais amplas.

No entanto, ainda que seja imperativa uma discussão sobre os usos do livro didático e
sobre o que qualificamos de ‘didático’, neste texto me limitarei a demonstrar algumas
impressões sobre o que sugere o conteúdo dos livros didáticos que se orientam por esta
perspectiva. Vou me limitar a discutir os sentidos dos conteúdos evocados, embora não ignore
a importância de seus usos previstos e imprevistos e o arbítrio deste formato didático.
Parto de duas indagações fundamentais – invitáveis - aos conteúdos destes livros: quais
os sentidos que atribuem à sociologia na escola e de que modo traduzem o conhecimento
sociológico para o ambiente escolar. São indagações que, no limite, dizem respeito às
condições de democratização do conhecimento científico. No caso particular da sociologia,
dizem também respeito às condições de racionalização da vida social e, logo, de qualificação
do debate social que se apresenta nas polêmicas que nos ocupam no dia-a-dia. Queremos dizer
que as possibilidades ou dificuldades para o ensino da sociologia na escola estão relacionadas
à natureza da circulação das ideias científicas e às possibilidades e limitações para a
sofisticação do debate público.
Com efeito, identifico nas páginas dos livros didáticos recentemente publicados dois
tipos de sentidos atribuídos à sociologia escolar.
1) prescrição de conduta politicamente correta,
68

2) denúncia das injustiças da sociedade atual.

Alguns livros propõem uma espécie de ‘etiqueta cidadã’, outros se assemelham a


manifestos anti-neoliberais. Como qualquer caracterização tipológica, esta formulação tem
algo de exagero que, entretanto, me permite destacar traços fundamentais e, com isso,
fecundar a reflexão e o argumento. E tomo de inspiração o método de Weber para dizer que
estes sentidos não são encontráveis em estado puro em cada livro. Não são também, em
princípio, sentidos absolutamente excludentes, embora por vezes partam de pressupostos
bastante distintos em relação à aceitação ou crítica da vida social contemporânea. Aparecem
por vezes combinados, mais ou menos tensamente ajustados.
Vamos ao primeiro sentido:
1. Nas páginas dos livros atuais frequentemente combate-se racismo e corrupção,
recomenda-se respeito à diversidade cultural, por vezes aconselha-se trabalho voluntário.
Ainda que reconheçamos que este é um papel fundamental da escola e que pode até encontrar
no componente curricular de sociologia um ambiente favorável para seu desempenho, o tom
prescritivo oculta ou mesmo subtrai uma compreensão sociológica acerca de como estes
fenômenos (o racismo, a corrupção e o trabalho voluntário) são socialmente produzidos e
reproduzidos e de que maneira se relacionam com outras dimensões da vida social.
Por vezes, parece haver certo temor de conferir inteligibilidade sociológica a fenômenos
tão condenáveis como o racismo e a homofobia, por exemplo. Uma atitude intelectual voltada
para a reflexão sobre as origens e as condições de reprodução destas condutas é compreendida
como um esforço de justificá-los moralmente.
Refletir sobre as condições sociais que fundamentam as condutas humanas (até as mais
condenáveis) e demonstrar os mecanismos de produção e reprodução da complexa estrutura
social que independem da vontade individual são tarefas pouco enfrentadas pelos livros de
sociologia. A normatividade parece limitar as indagações propriamente sociológicas. É
possível ao menos formular a hipótese de que o tom prescritivo da sociologia escolar se
fundamenta em certo temor de levar a interpretação sociológica ao seu limite. Com certo
exagero, podemos aqui dizer que a interpretação sociológica por excelência é indesejada na
escola. Atualmente, entretanto, não é temida sob a acusação de estar compromissada com um
projeto político à esquerda, mas pela radicalidade da reflexão sociológica, pelos imaginados
efeitos sociais desta forma de inteligibilidade que não prevê respostas fáceis e confortantes
sobre os nexos, limitações e possibilidades da relação indivíduo e sociedade.
69

2. O outro sentido dado à sociologia escolar, notavelmente observado nos livros


didáticos recentes, é o que a compreende, sobretudo, como uma crítica às injustiças sociais do
‘globalismo’ e do ‘neoliberalismo’. Esta perspectiva parte de um pressuposto que não é, em
princípio, equivocado, de que a sociologia é o lócus privilegiado para a crítica do
protagonismo dos interesses econômicos que repercutem igualmente na produção industrial
de gostos e hábitos de consumo dos indivíduos e nas decisões políticas de alcance
internacional.
Esta perspectiva tece uma visão sistêmica da vida social contemporânea. Entretanto, não
raramente aproxima fenômenos distintos a partir de um ponto de vista bastante simplório.
Confrontos militares, tensões no trânsito urbano e homicídios na periferia são vistos como
fenômenos absolutamente equivalentes dado que têm origem na clivagem entre dominantes e
dominados. Não se discute as diferentes modalidades nem as sutilezas e ambiguidades desta
clivagem que se traduzem em fenômenos diversos de modo também diverso. Aqui também a
radicalidade das indagações sociológicas não tem lugar, pois se trata de uma abordagem que
oculta especificidades dos fenômenos, reduzindo a vida social aos imperativos do mercado,
subsumindo as contradições e representando instituições como órgãos monolíticos.
Por vezes, esta abordagem desperta melancolicamente saudades do período pré-
capitalista, romantiza sociedades tradicionais. Muito frequentemente, naturaliza as
desigualdades que busca denunciar e torna o mercado uma entidade abstrata e intangível, ao
mesmo tempo em que, contraditoriamente, busca empoderar o indivíduo e os movimentos
sociais para as tarefas de transformação social.
Se o primeiro sentido aqui destacado se caracteriza por um tom prescritivo, este
segundo sentido se caracteriza pelo tom de denúncia. Em ambos os casos, não há espaço para
a reflexão sociológica que indaga não apenas os fenômenos sociais propriamente ditos, mas
também os conceitos e abordagens das ciências sociais. O esforço didático resulta, pois, em
simplificação do complexo mundo social e das idiossincrasias do próprio campo científico.
Guardadas as devidas proporções, e que me perdoem mais uma vez o exagero, vejo
semelhanças entre estes novos sentidos dados à sociologia escolar e aqueles atribuídos à
disciplina na década de 1930, quando servia de prescrição de condutas cívicas e cristãs e de
crítica ao liberalismo. Ainda que atualmente, em contexto democrático, pelo menos a
princípio, a sociologia escolar não seja tomada como aparato discursivo do Estado autoritário;
nos dois períodos históricos, não fecunda indagações sociológicas propriamente ditas, não
estimula uma atitude investigativa que quer olhar pelo buraco de todas as fechaduras. Se
levarmos ao limite o nosso argumento, podemos dizer que a despeito da intermitência da
70

sociologia no sistema escolar, seus usos escolares permanecem inalterados. É uma disciplina
que assume funções normativas no sistema escolar.
Uma evidência do caráter normativo que substrai a indagação sociológica é a quase
completa ausência, nos livros didáticos, de sugestões e orientações para a pesquisa num e
outro período: nos anos de 1930 e na década de 10 do século XXI. Muito comum, entretanto,
é pedir que os alunos emitam opiniões acerca do conteúdo de textos ou dados demonstrados.
Quero com isso dizer que nem ontem e nem hoje a sociologia escolar conquistou o
estatuto de ciência. Ainda que os autores dos livros didáticos reivindiquem formalmente este
estatuto ao caracterizar o pensamento científico e diferenciá-lo do senso comum e do
pensamento religioso (síntese em geral apresentada nos primeiros capítulos do livro) e ao
demonstrar alguns dos dilemas teóricos e metodológicos de seus autores clássicos, a atitude
científica de dúvida radical seguida da racionalização, o esforço de perscrutar um mesmo
objeto sob diferentes olhares, não é propriamente levado a efeito.
Nesse sentido, a mediação didática fica comprometida de modo decisivo. Metáforas
simplórias, quase infantis não se originam apenas da dificuldade de calibrar a linguagem, mas
de um ponto de partida original que não favorece nem está efetivamente disposto a favorecer
a reflexão. O efeito mais notável disso é que mundo do aluno é artificialmente aproximado da
teoria sociológica para, tão simplesmente, ilustrar os conceitos. É assim, por exemplo, que o
bullyng é nomeado de violência simbólica, o casamento inter-racial é chamado de exogamia e
as modalidades de expressão artística juvenil são chamadas de subcultura. Para além de
alguns equívocos conceituais contidos nestas aproximações, devemos indagar em que medida
este esforço de aproximação conceitual contribui para a compreensão dos fenômenos em
questão. Creio que chamar o bullyng de violência simbólica não permite compreender
sociologicamente o que é bullyng, identificar em que condições este tipo de ‘assédio’ foi
assim nomeado e tornado alvo de vigilância e prevenção sistemáticas nos ambientes escolares
e, sobretudo, como a ‘nomeação e prevenção’ do bullyng se relaciona a um tipo específico de
sociabilidade contemporânea.
O resultado destas aproximações infecundas e, não raro, incorretas entre fenômenos e
conceitos são livros assépticos que não mobilizam os recursos da teoria como ferramentas
heurísticas.
Também devemos lembrar que, de modo geral, não há, nos livros didáticos, uma
aproximação com as pesquisas sociológicas recentes desenvolvidas no Brasil ou no mundo.
Isso se torna surpreendente se pensarmos que o reaparecimento da sociologia no sistema de
71

ensino ocorreu após um período de expansão dos programas de pós-graduação em Ciências


Sociais no Brasil.
Sintomático desta separação entre a universidade e a escola é que, embora tenhamos
uma produção científica intensa nas ciências sociais no Brasil, as sínteses sobre a sociologia
brasileira freqüentemente se limitam a apresentar as interpretações clássicas do Brasil e a
clivagem interpretativa entre Florestan Fernandes de Gilberto Freyre. E, por vezes, uma ou
outra idéia de DaMatta e o conceito de ‘cidadania regulada’ de Wanderley Guilherme dos
Santos.
Importante nesse sentido também lembrar que nos livros didáticos de sociologia, ainda
que não estejam ausentes, estão muito precariamente sintetizadas as contribuições das áreas
de ciência política e antropologia.
A ciência política aparece invariavelmente para demonstrar as condições de formação
do Estado moderno. As referências nesse sentido limitam-se aos fundadores da reflexão sobre
os fundamentos e a natureza do poder político no novo pacto moderno: Hobbes, Locke,
Rousseau e Maquiavel. Ocasionalmente, surgem definições simplórias sobre as funções dos
diferentes poderes legislativo, judiciário e executivo. Há alguma menção ao sistema partidário
e as limitadas condições de exercício da cidadania no Brasil bem como simplórias referências
ao ‘enfraquecimento’ do poder dos Estados Nacionais em contexto de formação de novas
agências decisórias internacionais. Trata-se, com muita frequência, de uma bibliografia
desatualizada e desinteressada em demonstrar os debates, os olhares sobre a complexa trama
institucional dos Estados Nacionais contemporâneos.
A contribuição da antropologia, por sua vez, se apresenta na definição da cultura e nos
temas relativos ao etnocentrismo e diversidade cultural. Entretanto, a contribuição mais
fecunda da área que é provocar a desnaturalização da vida social do aluno, rigorosamente não
é acionada. Prova disso é que excertos de etnografias estão completamente ausentes das
páginas dos livros, como também uma reflexão mais consistente sobre a alteridade. Vemos
apenas prescritivas recomendações de zelo e respeito à diversidade cultural sem sequer
demonstrar os impasses constitutivos da atitude de entender e respeitar ‘o outro’.
No entanto, se a ciência política e a antropologia estão subaproveitadas nas páginas
destes livros, o mesmo não se pode dizer da história. Interessante notar que o deslocamento
temporal é privilegiado ao passo que o deslocamento cultural e social é ignorado. Este
deslocamento temporal é apresentado com a intenção de desnaturalizar as instituições, mas
por vezes ironicamente ‘naturaliza’ uma visão de evolução tecnológica e institucional. Muito
freqüentemente, em alguns livros didáticos, a disciplina de sociologia mal se distingue da
72

disciplina de história e, por vezes, apresenta uma visão da história que possivelmente é um
desserviço ao esforço que a história escolar tem realizado para evitar anacronismos e refletir
de modo mais sofisticado sobre a noção de tempo.
Outra evidência das mais notáveis desta cisão entre a produção de conhecimento
científico e os usos escolares da sociologia é que parte significativa de livros didáticos de
sociologia cita outros livros didáticos como obras de referência (tanto para alunos quanto para
professores). As obras didáticas passam a constituir um campo auto-referenciado e autônomo,
no qual autores deixam de fazer sínteses em primeira mão de livros clássicos, bem como
pesquisam pouco sobre a produção sociológica recente.
Não devemos, entretanto, acreditar que a sociologia escolar deva simplesmente replicar
o debate acadêmico. Isso seria ignorar irresponsavelmente as especificidades de um e outro
ambiente. No entanto, não é possível que a iniciação às indagações científicas acerca do
mundo social não possam ter lugar na escola e que não haja esforços de mediação entre o
mundo acadêmico e o mundo escolar.
Nesse sentido, o que se conclui desta reflexão é que a sociologia escolar pretende
formar consciências críticas sem, entretanto, levar ao limite o pensamento reflexivo. Pretende
formar cidadãos sem ao menos mostrar os meandros dos mecanismos decisórios. Pretende
prescrever o respeito à diversidade sem favorecer o ‘estranhamento’ e a ‘desnaturalização’,
nem apresentar uma discussão conseqüente sobre a alteridade. Os termos crítica e cidadania
estão esvaziados de sentido, de substância sociológica. Trata-se ironicamente de uma crítica
que nega a reflexão e de uma noção de cidadania que pressupõe o aluno como um repositório
de conselhos ou denúncias.
Mas qual o sentido para a sociologia escolar que pode possibilitar um diálogo mais
exitoso entre universidade e escola e uma mediação didática fecunda?
Creio que a sociologia é disciplina essencial na escola porque nunca a vida social foi tão
complexa, nunca tantos caminhos e opiniões contraditórias se apresentaram de modo tão
dramático para o jovem em formação. As condições de socialização da sociedade atual
exigem, pois, uma consciência científica da vida que eu creio que a sociologia oferece. De
que modo se produz a individualização dos indivíduos, quais são os fundamentos da fluidez
das relações atuais (desde as familiares, amorosas até as relações de trabalho), quais são os
traços fundamentais da complexa trama institucional que nos envolve, de que maneira se
articulam aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais: estas são apenas algumas das
questões inquietantes, sobretudo para o jovem adolescente, que o conhecimento sociológico
permite perscrutar. Em resumo, acredito que o conhecimento sociológico, didaticamente
73

mediado e levado em sua densidade e radicalidade para a escola, permite tornar legível o
mundo ao jovem e com isso, possibilita que ele decifre de um modo novo, o significado
último, de sua conduta.
74

Capítulo 6 Propostas curriculares em Sociologia

Flávio Marcos Silva Sarandy20

As disputas teóricas e políticas em torno do currículo para a Sociologia

Se nas décadas de 80 e 90, período de mobilização em prol da obrigatoriedade do


ensino da Sociologia, parece ter predominado o debate em torno da construção de currículos
ou programas para a disciplina, hoje o debate parece ter-se centrado na discussão
metodológica e na formação do professor. No entanto, a questão do projeto curricular está
longe de ter perdido sua importância, como demonstram manifestações em torno das
Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Sobre este ponto existem diferentes perspectivas, presentes em manuais didáticos, nos
PCN e nas OCN. Conforme Moraes (2009, p. 22),
as equipes contratadas para discutir os PCN e elaborar as OCN tiveram, cada uma,
um comportamento diverso: umas caminharam para propor uma lista de conteúdos,
outras, como nós [autores das OCN], resolveram parar nas Orientações mesmo.
Entendemos que o melhor que podíamos fazer era elaborar um documento que
viesse a refletir sobre a realidade dos professores de Sociologia e sobre a história da
disciplina; trazer também uma reflexão ou, menos do que isso, uma legitimação das
práticas e recursos usados pelos professores nas salas de aulas.

Em meio ao debate sobre a pertinência de um programa único (e sobre qual deveria ser
este programa, mas quase sempre olvidando a questão sobre quem deveria defini-lo),
curiosamente a mesma crítica feita anteriormente aos PCN foi reproduzida quanto às OCN, de
que tais documentos teriam se orientado por uma perspectiva “neoliberal”, porque
“flexibilizante”. Curiosamente porque tais críticas foram dirigidas a objetos tão distintos
quanto os dois documentos. Ao primeiro se criticou – corretamente, a meu ver – sua
fundamentação na “pedagogia das competências”, sua adequação acrítica à visão de educação
orientada à qualificação profissional e à preparação para o ingresso no mercado de trabalho.

20
Doutorando na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP. Professor de Sociologia da
Educação e Metodologia de Ensino da UFF, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.
75

O mecanismo ideológico da noção de flexibilidade se percebe na justificação da


diluição da Sociologia em outras disciplinas, para dizer apenas de um de seus efeitos. Isto
porque a noção de “flexibilidade”, em seus vínculos com a ideologia neoliberal, figura como
uma chave discursiva a justificar e demandar o ajuste às mudanças em diferentes domínios,
consideradas irreversíveis.
As profundas mudanças no capitalismo global, geradas pela crise cuja origem remonta à
década de 1970 e pela hegemonia do pensamento que se convencionou chamar por
neoliberalismo, com uma intensidade e gravidade que apenas pode ser comparada à crise de
1929, reconfigurou o modelo de organização da produção provocando uma profunda reforma
do Estado - com o esfacelamento do Estado do Bem Estar Social21 -, o que implicou em novas
formas de organização do trabalho e qualificação exigida. Os PCN atualizam a concepção do
ensino médio como uma preparação para o trabalho e para as mudanças tecnológicas atuais
sintonizada a esse contexto. Em certo sentido, não apresentam uma visão propriamente nova.
Pensar o ensino médio como preparação para o trabalho é uma concepção também presente
no chamado “ensino profissionalizante”, desde sua implantação no país; trata-se de definir
que tipo de qualificação o mercado está exigindo. Os PCN para a disciplina Sociologia não
propõem o debate, não estabelecem nenhum ponto de crítica sobre as concepções que lhes
servem de fundamento; tão somente assumem sua perspectiva como a mais coerente ao
contexto em que foram pensados, porém negando aos professores sua capacidade de analisar,
avaliar, problematizar e eventualmente se opor ao mesmo.
Os parâmetros sugerem (apresentada como algo mais que uma sugestão) orientarmos
nossos programas, atividades, projetos e currículos para a “preparação básica para o trabalho”
e para o “exercício da cidadania”22. E o tipo de qualificação que se espera está voltada para
competências e habilidades, especialmente as sintetizadas no “aprender a aprender” ou, nos
termos dos PCN, no “aprender a conhecer” (1999, p. 25), com menor preocupação com o tipo
ou o quantum de informação que se adquire na escola. No documento há claramente o
predomínio do discurso pedagógico como orientação da organização escolar, curricular e da
prática de ensino, nivelando por um pensamento único todas as áreas de conhecimento e
diversidade sociocultural (a despeito da alusão à contextualização). Nenhuma análise sobre

21
Sobre este ponto e para uma visão panorâmica ver Anderson (1995), Rodrigues (1997).
22
A preparação básica para o trabalho e para a cidadania são dois dos objetivos declarados pela LDB para o
ensino médio. Além deles, a Lei 9394/96, em seu artigo 35º, define ainda como finalidade dessa etapa da
Educação Básica: a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental; o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo aí sua formação ética; desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico; e a compreensão dos processos e princípios científicos-
tecnológicos de nossa sociedade.
76

até que ponto é possível falar-se numa educação promotora da cidadania em que ao mesmo
tempo se pretende ajustar o cidadão ao mundo do trabalho, por uma orientação que acima de
todo o legitima.
Em documento preparatório da elaboração das OCN, em que se fez uma análise crítica
das Diretrizes Curriculares Nacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e de outros
documentos e legislação da Reforma do Ensino Médio, podemos ler que
enquanto a Constituição determina o caráter pluralista das orientações pedagógicas a
que deve atender a educação nacional (Art. 206, III), as DCN definem-se
explicitamente por uma orientação pedagógica – o construtivismo: Piaget, Vigotsky
e a “Escola de Genebra”-, o que pode impedir que outras visões sobre o processo
educativo sejam legitimadas desde o poder constituído. Isso, em termos práticos,
pode resultar em insegurança, confusão e desinformação dos principais agentes da
educação – quais sejam, os professores. Ao optar pelo construtivismo – não só em
um sentido metafórico amplo de “construção do conhecimento”, algo que sempre foi
dito sem maiores conseqüências nem pretensões cientificistas –, as DCN definem o
fenômeno educacional como predominantemente psicológico, cognitivista-
comportamental, uma vez que identifica a manifestação da aprendizagem com
“competências e habilidades” (Moraes et al, 2004, p. 346)

Uma contradição, dado que, como afirma o documento referenciado, a Reforma


simplesmente desconheceu o descompasso entre sua proposição de mudança radical (ainda
que de modo algum consensual) e a formação dos professores, para os quais tão somente
solicitou-se a aplicação da nova orientação adotada pelo governo.
A propósito dos PCN, o mesmo texto observa que
a definição de currículo não se fundamenta em teorias de ensino, sobretudo de
caráter psicológico. As metodologias até podem levar em consideração as tais
teorias da aprendizagem e do desenvolvimento. Mesmo assim, alguma relação
devem manter com os conteúdos a serem ensinados, mas certamente o currículo está
assentado inquestionavelmente sobre os conteúdos de ensino e esses têm mais a ver
com a Cultura, num sentido amplo – artes, ciências, vida social, a própria História da
Humanidade, no Direito, nas manifestações da cultura nacional –, que em ginásticas
mentais... As disciplinas são recortes e o currículo é uma amostra da Cultura –
conforme o sentido amplo supracitado (Moraes et al, 2004, p. 347-348)

É verdade que as novas tecnologias tem efeito no processo de trabalho e em sua


organização, bem como se tornaram indispensáveis à organização do cotidiano, como observa
Vanilda Paiva (1995, p. 77), para quem “a generalização tendencial da presença das máquinas
no cotidiano [...], foi acompanhada da complexificação em sua utilização em face de
alternativas e escolhas que devem ser feitas frente à máquina” e, desse modo, “o cotidiano
viu-se invadido por novas lógicas que são produto indireto do mesmo processo”. Ora, esta
invasão “de decisivas esferas da vida pelas tecnologias mais modernas” gerou novas
expectativas e exigências sociais, não restritas às exigências de qualificação profissional e
77

educação tecnológica por parte do mercado. Isso afeta o desenho curricular e precisa ser
considerado por nossos programas de ensino. No entanto, é importante que essa dinâmica seja
respondida não pela pura e simples adequação. Os PCN respondem, ao menos em parte, à
expectativa de uma educação que considera o papel das tecnologias na organização social da
vida moderna, para o qual seria preciso socializar as competências e habilidades necessárias à
vida moderna; ainda que o moderno, no caso, bem como seus reflexos e desdobramentos no
cotidiano, na condição individual, para a cidadania e para os trabalhadores em momento
algum seja objeto de análise crítica. Mas a educação não se restringe a prover domínio de
tecnologias. No documento de análise das DCN e dos PCN, já citado, lemos que
a excessiva instrumentalização do currículo que uma proposta como essa pode
produzir, desvia e deforma os objetivos da educação básica, descaracterizando os
conhecimentos e as potencialidades mais profundas que é a formação do cidadão e o
desenvolvimento do ser humano8. Apesar de citar a orientação dada pela União
Européia à sua educação básica, as Diretrizes acabam por propor exatamente o
contrário, senão vejamos: “a missão fundamental da educação consiste em ajudar
cada indivíduo a desenvolver todo o seu potencial e a tornar-se um ser humano
completo, e não um mero instrumento da economia” (Moraes et al, 2004, p. 351; a
citação é referente a nota 9 do mesmo documento, apud Comision de las
comunidades europeas, Enseñar y aprender. Hacia la sociedad cognitiva: Libro
Blanco sobre la educación y la formación, Bruxelas, 1995. Texto citado pelas DCN)

Ao lado dos PCN, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio reforçam


antigas concepções de uma educação voltada para a formação do trabalhador e do cidadão
brasileiros. Estes documentos repõem a questão em um novo patamar, mais adequado às
novas exigências de qualificação de um mercado cada vez mais internacionalizado, que faz
uso intenso de tecnologias diversas e processos de automação e que tem seu centro nervoso,
por assim dizer, na informação (do que decorre o documento parecer focar principalmente as
tecnologias da informação). A justificativa aparente – e implícita – no documento está calcada
numa visão que se rende acriticamente às transformações tecnológicas e no mundo do
trabalho, porém
o instrumental oferecido pelas ciências ou pelas disciplinas escolares não tem esse
caráter imediatista que as Diretrizes desejam atribuir-lhes e só uma leitura muito
superficial pode identificar conceitos com instrumentos. Aqui, sem necessariamente
aprofundar os pressupostos e compromissos político-ideológicos mais amplos a que
um governo está obrigado na sua ação e decisões, reconhecemos o mal-encontro de
um “triunfalismo mercadológico” com um “milenarismo tecnológico”: o mercado
triunfou, mas é exigente, a salvação é o domínio das tecnologias. As tecnologias não
encerram esse condão de fazer milagres. Mas, na falta de utopias políticas, restaram
as utopias econômico-tecnológicas. As DCN vendem as tecnologias como promessa
de felicidade (Moraes et al, 2004, p. 351-352)
78

Já as OCN receberam crítica similar, pelo vocabulário utilizado, mas com conteúdo
distinto. A crítica da “flexibilização”, neste caso, foi sobre a ausência de um programa
disciplinar. Sobre isso, um dos autores do documento (Moraes et al, 2004, p. 22) esclarece
que a proposta das OCN “não era flexibilizante, porque nunca jamais houve uma proposta de
ensino de Sociologia consagrada nacionalmente”, o que é verdade, ainda que as propostas se
aproximem mais do que possa parecer à primeira vista. Disso decorre que não temos uma
sugestão de currículo presente nas OCN, mas uma rica discussão metodológica para possíveis
recortes de conteúdos. E neste sentido é preciso reconhecer que as Orientações constituiram
um avanço ao documento anterior, dado que provoca um debate que temos relegado a um
segundo plano: a pesquisa e a produção no âmbito da metodologia e dos recursos didáticos
para o ensino de nossa disciplina na escolarização média.
Ao lado de algumas propostas de programa unificado para a disciplina, – unificado
nacionalmente, vale ressaltar –, alguns (incluído o autor deste texto) defendem a necessidade
de um tempo maior de maturação do debate para que se possa falar propriamente num
programa unificado ou mesmo num parâmetro curricular válido para todo o território
nacional. Sem recusar qualquer debate – mesmo para uma base nacional comum – sugiro que
a comunidade de cientistas sociais concentre-se em ampliar as pesquisas sobre o currículo real
que tem sido desempenhado por professores do ensino médio.

Convergências na diversidade dos programas para a disciplina

Ao que parece, não se pode afirmar uma diversidade significativa de concepções sobre
o currículo desejável para a Sociologia como disciplina da escola média – que se expressa em
documentos resultantes de fóruns e eventos sobre o tema, tanto como nos programas
apresentados em livros didáticos ou assumidos pelos professores do ensino médio. Ao
contrário, há uma relativa convergência entre as propostas de currículos e programas de
cursos que mais que expressar o resultado de uma discussão rigorosa sobre, expressa a
ausência dessa discussão e a tendência à reprodução dos modelos dos cursos de bacharelado.
Vamos nos deter um pouco mais sobre este ponto. Não estamos afirmando que os livros
didáticos sejam iguais e tampouco os planos de ensino de professores; o que estamos
sugerindo é que num olhar de conjunto os programas sugeridos apontam tendencialmente para
os mesmos conteúdos.
Apesar de diferenças e similaridades quanto à estrutura formal dos programas para a
disciplina, ainda sabemos pouco sobre os sentidos articulados aos conceitos e temas
79

apresentados como objetos de ensino nesses programas; isto é, entre o currículo oficial e o
currículo real, ensinado cotidianamente em salas de aula do ensino médio, a divergência de
concepções pode ser significativa.
Quando analisei alguns livros utilizados por professores do ensino médio há alguns anos
(Sarandy, 2004, cap. III), observei que os manuais didáticos não diferiam muito quanto a um
programa para a disciplina no ensino médio, assim como organizavam suas propostas de
curso de forma muito próxima à organização do ensino das ciências sociais na graduação.
Hoje, livros como Iniciação à Sociologia, organizado por Nelson Dacio Tomazi (São Paulo:
Atual Editora, 1999), Sociologia, de Paulo Meksenas (São Paulo: Editora Cortez, 1999, 2ª
edição) e Introdução à Sociologia, de Pérsio Santos de Oliveira (São Paulo: Editora Ática,
2000, 20ª edição) não mais correspondem à maioria dos manuais didáticos disponíveis mas
ainda é grande sua utilização por parte dos professores do ensino médio, ao menos a
considerar o levantamento realizado no Grupo de Discussão “Livros e materiais didáticos”, do
I Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica, realizado no
IFCS/UFRJ, entre os dias 26 e 27 de julho de 2009, sob os auspícios da SBS. Ainda assim, o
livro de Paulo Maksenas não foi publicado propriamente como um manual didático, ou não
pretendeu ser exclusivamente um manual didático (ainda que assim tenha sido utilizado pelos
docentes), dado que dirigido a refletir a construção de um programa disciplinar, mas hoje
quase não tem sido mais utilizado. O livro de Pérsio S. de Oliveira passou por revisão e
atualização ela editora Ática e tem sido utilizado por muitos docentes da educação básica.
Do ponto de vista da estrutura e da lógica de organização dos índices destes livros e do
conteúdo de seus textos, podemos fazer os seguintes apontamentos breves: as análises
relativas à transição do feudalismo ao capitalismo, a predominância de uma perspectiva de
classe e as opções por determinadas categorias sociológicas, como o trabalho, caracterizam
quase todos os manuais, à exceção do livro de Pérsio Santos de Oliveira, considerado por
alguns professores do ensino médio como alinhado à Sociologia sistemática, porém imagem
que deve ser relativizada, pois se o livro se distingue bastante dos demais, por um lado, por
outro oferece basicamente os mesmos conceitos, a mesma perspectiva histórica da elaboração
das idéias sociológicas, além da predominância da discussão sobre o trabalho e a produção da
riqueza social com abordagens que não estão muito distantes dos outros dois. A diferença
entre eles não é substancial. No caso do manual de Pérsio pode-se perceber o uso menos
rigoroso do conceito de modo de produção que em outros manuais, que, por sua vez, também
procedem a uma leitura “weberiana” do conceito marxista. Porém, do ponto de vista
estrutural, quanto aos conceitos ensinados, às abordagens teóricas mobilizadas, à organização
80

dos capítulos ou unidades e ao tratamento didático-pedagógico, os manuais se aproximam em


grau significativo.
Parece correto afirmar, portanto, que no caso desses livros didáticos há uma visão bem
semelhante sobre o que ensinar em Sociologia no ensino médio, isto é, quais são os conteúdos
que importam para a aprendizagem do aluno. Percebemos uma convergência sobre conceitos,
temas, instituições e categorias consideradas fundamentais ou relevantes para a disciplina no
ensino médio, como socialização, fato social, classe social, Estado, ação social, trabalho,
movimentos sociais, relação indivíduo-sociedade, desigualdade social, política, escola e
educação. Por vezes encontramos uma seção ou mesmo um capítulo para a discussão de uma
categoria ou de um conceito, tanto quanto um capítulo sobre a história do surgimento da
Sociologia; também um capítulo sobre cultura e outros temas comuns à antropologia, como
família, gênero, relações étnicas ou parentesco, além de um capítulo sobre educação e/ ou
escola estão presentes em quase todos os livros, à exceção do organizado por Tomazi.
Também é possível observar uma convergência nalguns subtítulos de capítulos desses
manuais (e dos conceitos que pretendem expressar ou introduzir), como, por exemplo, “modo
de produção”, “trabalho e renda”, “cidade e campo”, “ideologia e consciência crítica”,
“circulação e consumo”, “a manufatura e a fábrica no mundo urbano”, “movimentos sociais”,
“sindicalismo”, “classes sociais”, “desigualdade social ou estratificação”. Nestes programas, a
disciplina orienta-se para uma aprendizagem teórica, fundada em conceitos/ categorias
assumidas como mais consensuais entre os chamados autores clássicos. Uma visão que não
está muito distante do que é feito no bacharelado. Não há, nesses livros, um espaço dedicado
à noção de habitus, sobre troca/ reciprocidade – sequer costuma-se mencionar Marcel Mauss
–, ou uma sobre o processo civilizador, segundo Norbert Elias. O que nós temos é uma
“leitura autorizada” de alguns autores e obras compondo o que se convencionou como
conteúdos clássicos e o tratamento de algumas temáticas também consideradas como
fundamentais ou mais significativas, especialmente para a compreensão da sociedade
brasileira.
Note-se que algumas idéias possuem uma “ordem de apresentação mais ou menos
consensual” e um “uso com fim semelhante” nos manuais, o que implica numa hierarquização
dos próprios autores, ou, ao menos, é convergente a ela. Assim é o caso dos termos “fato
social”, “classe social” e “ação social”, sempre presentes como a sugerir um programa
mínimo de introdução à Sociologia, sendo o fato social utilizado sempre que se pretende
defender a posição da Sociologia perante outros saberes – tal qual fez o próprio Dürkheim –,
enquanto disciplina de caráter científico e para justificar a idéia do condicionamento social do
81

indivíduo, o de classe social para se criticar o “funcionalismo” de Dürkheim e permitir a


apreensão da historicidade do mundo social – a idéia de que o homem faz a história e é por ela
constituído, o que é fundamental para a discussão das contradições do capitalismo, por
exemplo –, e, por fim, o de ação social, que fica mais ou menos à meio termo dos dois
primeiros, sendo útil quando se quer resgatar o papel de agente dos indivíduos; a idéia de ação
social se presta adequadamente ao reforço – talvez menos agressivo à visão individualista
moderna – da existência da sociedade não como um fato objetivo, exterior e coercitivo às
consciências individuais, como no caso da idéia de fato social, porém como algo mais que a
simples junção de individualidades, tanto quanto tem sido utilizado sempre que se pretende
sugerir a origem consensual das realidades sociais – sejam as representações coletivas ou as
instituições sociais – e o papel da escolha individual em meio a este universo de valores.
No entanto, o mercado editorial brasileiro tem investido em vários novos livros
didáticos de Sociologia voltados ao ensino médio. Nelson Dácio Tomazi publicou um novo
manual didático (2007), porém como autor e não em co-autoria, que difere substancialmente
do primeiro e que pode ser considerado o primeiro handbook brasileiro. Atualmente contamos
com outros excelentes manuais, como o de Luiz Fernandes e Ricardo Costa (2007), bem
como, mais recentes, o de Helena Bomeny e Bianca Freire-Medeiros (2010) e o livro
organizado por Heloisa Buarque Almeida e José Eduardo Szwako (2009); apesar de que
antigas tendências permanecem, como livros dirigidos “ao ensino médio e aos primeiros anos
do ensino superior”, conforme apresentação do livro de Almeida e Szwako. No entanto, a
maior prova deste investimento foi a inscrição de 14 livros didáticos de Sociologia no
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2010. Apesar do PNLD não permitir uma
participação efetiva e direta por parte dos professores da educação básica, restringindo a um
corpo de especialistas e ao conhecimento perito as decisões sobre manuais didáticos, e apesar
dos inúmeros problemas de logística que enfrenta, de fato parece correto o discurso do
próprio Ministério da Educação quando aponta ser o programa um indutor de qualidade. É de
se esperar, portanto, mudanças significativas nos livros didáticos da área nos próximos anos.
Outra fonte de sugestões programáticas que devemos analisar encontra-se nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. É verdade, como afirma Moraes (et
al, 2004, p. 356-357) que se trata de “programa convencional, nem bom nem ruim, apenas
uma possível variante de tantos outros programas, reduzido a conceitos”, uma espécie de
“livre associação de idéias e autores” em certa medida considerados relevantes para o campo
das Ciências Sociais e para o qual parece bastar a compreensão desses conceitos para que se
garanta a aprendizagem das competências e habilidades elencadas.
82

O conteúdo proposto pelos PCN está presente nas palavras-chave (destaques em negrito
ou não e que constituem conceitos importantes das Ciências Sociais) que encontramos por
todo o texto. Estas palavras-chave são (PCN, 1999, p. 71-85): ciência da sociedade;
socialização total; rede de relações sociais; interação social; sistemas sociais; processo social;
ação social; estratificação social; castas; estamentos; classes sociais; exclusão social,
econômica e política; concentração de poder e de renda; estrutura social; normas e padrões;
processo de socialização; fatos sociais; cultura; observação participante; trabalho; semiótica
da cultura; áreas de significado; construções simbólicas; diversidade; relativismo cultural;
cidadania plena; sociedades complexas; experiências culturais; papéis sociais; identidades
sociais; ideologia; alienação; indústria cultural; comunicação de massa; sociedade de
consumo; vida social; linguagem; comunicação e interação; instituição social; ordem social;
conflito social; política; relações de poder; escola; família; igreja; fábrica; Estado; sistemas
econômicos; capitalismo; modo de produção; tipos de Estado (Absolutista, Liberal,
Democrático, Socialista, Welfare-State, Neoliberal); formas de governo; regimes políticos;
público e privado; centralização e descentralização; direitos e deveres; sociedade civil;
direitos dos cidadãos; democracia; formas de participação política; movimentos sociais; poder
público; cotidiano; objetivação e subjetivação.
Estes termos, por si mesmos, já definem um substancial programa de estudos. Muitos
programas de curso são organizados de modo a contemplá-los, ainda que a perspectiva
dominante seja diferente da que predomina nos PCN. Entretanto, sabemos que a realidade é
muito mais complexa do que as teorias estabelecidas conseguem explicar, de modo que os
conteúdos indicados num programa de curso ou matriz curricular não devem constituir um
programa fixo, rígido e obrigatório, o que tornaria os conteúdos o objeto do ensino em si, não
a compreensão da vida social que a disciplina Sociologia pode proporcionar. Sem dúvida são
conteúdos importantes; no entanto, não devem atender a pretensão de serem suficientes para
explicar a vida em sociedade mas partir do pressuposto que conceitos não são a realidade nem
estão dados “naturalmente” nos problemas estudados, ao contrário, são construções, ou
melhor, representações do real.
Os PCN orientam a adoção de categorias e conceitos de várias correntes das três
principais Ciências Sociais. Desse modo, o aluno pode ter contato com diferentes modos de
pensar a sociedade. Categorias funcionalistas, weberianas, marxistas, estruturalistas ou
interpretativistas, ao lado de perspectivas antropológicas, sociológicas ou políticas,
“costuram” o programa sugerido (mais ou menos ou explícito) e estão presentes em todas as
temáticas abordadas. Os PCN (1999, p. 72) sugerem que
83

ao se tomar os três grandes paradigmas (sic!) fundantes do campo de conhecimento


sociológico – Karl Marx, Max Weber e Émile Dürkheim – , discutem-se as questões
centrais que foram abordadas, bem como os parâmetros teóricos e metodológicos
que permeiam tais modelos de explicação da realidade. No entanto, a grande
preocupação é promover uma reflexão em torno da permanência dessas questões até
hoje, inclusive avaliando a operacionalidade dos conceitos e categorias utilizados
por cada um desses autores, no que se refere à compreensão da complexidade do
mundo atual.

Mais uma vez, o risco desta orientação é tornar a disciplina função do ensino de
conceitos e não do desenvolvimento de “modos de abordagem” do real. Não que os clássicos
não sejam importantes. Qualquer cientista social sabe o valor do conhecimento seguro desses
autores. Entretanto, acreditamos que o ensino médio não deve ser organizado em função de
um estudo teórico semelhante ao do ensino superior de Ciências Sociais. Ao contrário, as
idéias dos clássicos devem ser discutidas e avaliadas na medida em que forem importantes
para a compreensão de problemas concretos, numa perspectiva de educação científica e
crítica, mas não acadêmica (que não é o caso). Pior,
o texto, às vezes, complica-se na linguagem que se quer homogênea na Reforma, o
que prejudica a leitura, em especial do professor com formação precária. Atentando
que esse dado não é raro nas escolas, pois muitos professores de outras disciplinas
completam a sua carga didática com Sociologia nas escolas que mantém essa
disciplina no currículo. Para estes em especial, mas para todos os professores-alvo
dos PCN (de um modo geral também), pode-se aplicar o adágio atribuído a Santo
Agostinho sobre a fé em Deus: “Para quem acredita, nenhuma prova é necessária;
para quem não acredita, nenhuma prova é suficiente”. Noutras palavras: para o
professor bem formado, autônomo, reflexivo, responsável, ético, que se assume
como trabalhador intelectual, produtor de conhecimentos, os PCN são prescindíveis;
para o professor mal formado (para encurtar a história do fracasso), os PCN não
orientam nem ajudam, pois precisam ser decodificados, o que demanda um preparo
do leitor. É o caso do PCN- Sociologia: a partir das palavras – os possíveis conceitos
ou categorias -, ali onde o professor mal formado não vislumbra um curso, apenas
um vocabulário arbitrário; o professor bem formado, vislumbra muitos cursos,
dependendo da perspectiva que assuma e de como “arranja” essas palavras
conceitos; mas, mesmo na inexistência do PCN, esse professor sabe como elaborar
um curso de Sociologia (Moraes et al, 2004, p. 356-357)

As OCN abordam a questão dos conteúdos não pela construção de uma proposta de
programa, muito menos de uma matriz curricular, porém por uma análise das possibilidades
de recortes metodológicos de conteúdos disciplinares. Desse modo, afirma que
“diferentemente das outras disciplinas escolares, a Sociologia não chegou a um conjunto
mínimo de conteúdos sobre os quais haja unanimidade, pois sequer há consenso sobre alguns
tópicos ou perspectivas” (OCN, 2008, p. 115), a despeito de alguns conteúdos comuns ou
quase sempre presentes e de quase todos os programas contemplarem conteúdos próprios das
três áreas das Ciências Sociais.
84

Em pesquisa sobre os recursos de ensino voltados à disciplina Sociologia na escola


média, ao analisar os planos de aula de alunos de estágio docente e após constatar que os
licenciandos tiveram acesso às mesmas referências, Takagi (2007, p. 232) observa que
“produziram planos diferentes se analisados individualmente, pois apesar de os alunos
apontarem uma tendência de curso ao escolherem temas semelhantes, eles fazem recortes
diferentes e consequentemente apresentam cursos diferentes”.
A referida pesquisa explica e atribuiu as divergências observadas “às diferentes
realidades vividas nos estágios e às opções de curso seguidas no bacharelado” (Takagi, 2007,
p. 232). A autora identificou uma divisão, nos planos analisados, entre abordagens que
denominou “Clássica”, “Temática” e “Engajada”, abordagens que de algum modo atualizam a
observação de Meksenas (1999) quanto ao que denominou “tendência conceitual linear” e
“tendência temática fragmentada” dos programas de Sociologia (Takagi, 2007, p. 211-212,
apud Meksenas, edição de 1994, p. 19). Conforme a Tabela 1, Takagi concluiu que nos planos
de ensino analisados a opção por aulas temáticas foi observada na maioria dos casos.

Tabela 1
Tendência 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Temático 75% 76% 85% 44% 89% 95%
Clássico 21% 12% 15% 50% 7% 2%
Engajamento 3% 12% 0% 50% 7% 2%
Sem identificação 0% 0% 0% 0% 0% 2%
Fonte: Takagi, 2007, p. 212.

Os temas encontrados foram Cidadania (englobando noções de direitos humanos,


direitos de cidadania, participação cidadã etc.), Conceito de Sociologia (definições de
Sociologia, mas também de sociedade e de relações sociais), Cultura (em que observou a
presença de definições de cultura, padrões de cultura, “o homem como produto da cultura”,
preconceito, racismo, etc.), Economia/Trabalho (que englobou modo de produção,
capitalismo, socialismo, Divisão Social do Trabalho, mais-valia, desemprego etc.), Política
(em que se discutiu definições de poder e de política, os poderes administrativo-políticos,
democracia etc.), Problemas da Sociedade Brasileira (que englobou desigualdade social,
escravidão, fome etc.), entre outros.
É verdade que os planos de curso dos professores não são fortemente convergentes, nem
quanto aos conteúdos nem quanto à ordem que os mesmos aparecem em seus programas, de
85

sorte que, dependendo do recorte que se faz, a disciplina abordará determinados conteúdos e
não outros.
Porém, entenda-se bem, a dispersão e a diferença dos conteúdos, percebidas e discutidas
no texto das OCN deve-se muito mais às perspectivas e sentidos atribuídos e articulados aos
conteúdos que aos próprios, ainda que os vocabulários ou termos utilizados se aproximem. E
como dito anteriormente, ainda que se perceba que os planos de ensino de professores,
tomados individualmente e em comparação a outros, se diferenciam entre si, considerados em
paralelo parecem apontar para um conjunto de conteúdos que não se distanciam do que os
livros didáticos e os programas oficiais sugerem. Ao que parece, há uma espécie de
transposição, nalgum grau, do currículo da graduação em Ciências Sociais ao ensino da
disciplina no ensino médio (Sarandy, 2004), o que não é motivo de espanto considerando-se
que o currículo da Sociologia, na Educação Básica, ainda se constitui campo aberto às
disputas políticas.
Em todo o caso, para os autores das OCN (2008, p. 116),
essa aparente desvantagem da Sociologia em relação a outras disciplinas escolares –
não ter um corpus consensualmente definido e consagrado – pode se revelar uma
vantagem, no entanto. É certo que pode trazer um questionamento da parte de outros
professores e mesmo alunos, ferindo sua legitimidade já tão precária diante do
currículo, mas também é certo que, pelas mãos das recentes e predominantes
concepções pedagógicas – os construtivismos, por exemplo –, há um
questionamento e uma revisão da organização curricular de todas as outras
disciplinas. Questiona-se, por exemplo, a idéia de pré-requisito, isto é, que um
tópico dependa de outros anteriores para ser desenvolvido, negando-se, portanto, a
idéia de seqüência estabelecida entre os tópicos. Nesse sentido, a Sociologia fica à
vontade. Por um lado, a não existência de conteúdos consagrados favoreceria uma
liberdade do professor que não é permitida em outras disciplinas, mas também
importa numa certa arbitrariedade ou angústia das escolhas... Bem se entende que
essa situação também é resultado tanto da intermitência da presença da Sociologia
no ensino médio quanto da não constituição ainda de uma comunidade de
professores da disciplina, comunidade que possa realizar encontros, debates e a
construção de, senão unanimidades – que também não seriam interessantes –, ao
menos consensos ou convergências a respeito de conteúdos e metodologias de
ensino.

Segundo o documento, os planos de curso apresentados em programas oficiais,


currículos escolares e livros didáticos tem privilegiado um ensino disciplinar por conceitos,
temas e teorias, ora apresentando todos esses recortes, ora optando por apenas um deles,
sendo a tendência a dos professores trabalharem esses recortes separadamente. Algo próximo
se verificou em pesquisas sobre o tema23.

23
Exemplos são as seguintes pesquisas: de SANTOS, Mário B. dos. A Sociologia no Ensino Médio: o que
pensam os professores da Rede Pública do Distrito Federal. Brasília, Instituto de Ciências Sociais, Depto. De
Sociologia, UNB, 2002. (Dissertação de mestrado), bem como as pesquisas desenvolvidas por MENDONÇA,
Cristina Maria Tháles de; OSÓRIO, Andréa Barbosa; SANT’ANNA, Sabrina Marques P; SILVA, Gabriela
86

Possíveis recortes metodológicos para o tratamento de conteúdos da disciplina

Se as OCN não apresentam uma proposta curricular, sugerem uma abordagem que se dê
simultaneamente por conceitos, temas e teorias, pois que “mutuamente referentes”. Desse
modo,
ao se tomar um conceito – recorte conceitual –, este tanto faz parte da aplicação de
um tema quanto tem uma significação específica de acordo com uma teoria, do
contrário os conceitos sociológicos seriam apenas um glossário sem sentido, pelo
menos para alunos do ensino médio. Um tema não pode ser tratado sem o recurso a
conceitos e a teorias sociológicas senão se banaliza, vira senso comum, conversa de
botequim. Do mesmo modo, as teorias são compostas por conceitos e ganham
concretude quando aplicadas a um tema ou objeto da Sociologia, mas a teoria a seco
só produz, para esses alunos, desinteresse. Entende-se também que esses recortes se
referem às três dimensões necessárias a que deve atender o ensino de Sociologia:
uma explicativa ou compreensiva – teorias; uma lingüística ou discursiva –
conceitos; e uma empírica ou concreta – temas. (OCN, 2008, p. 117).

Nas Ciências Humanas e mesmo nas Ciências Naturais, a “reconstrução” do


conhecimento científico deve atender aos objetivos didáticos específicos do nível de ensino
em que está inserido e
teorias, temas e conceitos devem estar articulados previamente no discurso do
professor, de modo que fique claro que há uma necessidade de integração entre a
teoria e os temas abordados, não aparecendo esses como exemplos arbitrários. Do
mesmo modo, há uma coerência entre a teoria e o uso de determinados conceitos, o
que garante que o discurso de uma teoria sociológica tenha sentido e possa ser
reconhecido como válido quando se refere ao mundo empírico. (OCN, 2008, p. 124)

Em certo sentido, a abordagem por teorias, conceitos e temas, como observada nas
práticas docentes e discutida pelas OCN, atualiza um velho debate sobre se o ensino da
Sociologia deve ser estruturado em torno de “temas” ou “conceitos” – debate que percorreu os
anos 80 até início da década de 1990, conforme documentos resultantes de diferentes fóruns e
eventos promovidos por secretarias estaduais e universidades. O que sugerimos é que, em
concordância com as OCN, seja qual for a construção curricular para a disciplina, que os
professores articulem seus conteúdos em torno dos três recortes – teorias, conceitos, temas –,
de modo a evitar que o conhecimento disciplinar apareça como produto exclusivo da
investigação científica, tomada como prática não inserida socialmente e desinteressada. Como
sabemos, as idéias são, antes de tudo, idéias sociais; sua produção, reprodução e mudança,

Moraes da; VIEIRA, Flávia Braga, publicados em VILLAS BÔAS, Gláucia (org). A importância de dizer não e
outros ensaios sobre a recepção da Sociologia em escolas cariocas, Série Iniciação Científica, n. 8, 1998,
pesquisa desenvolvida como parte das atividades do Núcleo de Pesquisas de Sociologia da Cultura (Laboratório
de Pesquisa Social/ IFCS/ UFRJ).
87

entrelaçadas aos processos sociais, à estrutura social e à experiência vivida de grupos e


indivíduos participantes que são em contextos delimitados. Portanto, as teorias, os conceitos e
os temas devem aparecer pelo que são, representações constituídas e constituintes da vida em
sociedade, resultantes de processos dinâmicos relativos ao contexto cultural e a interesses de
poder. Conforme as OCN (2008, p. 125),
o ideal é que esses três recortes possam ser trabalhados juntos e com a mesma
ênfase. Entretanto, isso é muito difícil. Normalmente se coloca a ênfase em um ou
outro recorte – tomado como centro –, e, a partir dele, os outros recortes assumem o
formato de auxiliares – tomados como referenciais –, no processo de explicação de
uma realidade ou de um de- terminado fenômeno social. Seja qual for o ponto de
partida inicial – conceitos, temas ou teorias –, é necessário que o professor tenha
conhecimentos conceituais e teóricos sólidos, além de saber com muita proficiência
os temas que pretende abordar.

Mas os recortes propostos não devem ser tomados em substituição ao fim de produzir
nos alunos do ensino médio a compreensão típica, o modo de raciocínio, a atitude cognitiva
própria às Ciências Sociais, sendo estes recortes fundamentais como meios e ferramentas, não
fins em si mesmos. Sem dúvida, os conteúdos são fundamentais num projeto de ensino. No
entanto, eles pouco significam se seus supostos conhecedores não forem capazes de mobilizá-
los mentalmente na articulação de sentidos que permitam a compreensão do mundo ao redor.
O que pretendemos com a disciplina no ensino médio não é apenas produzir em nossos alunos
a capacidade de falar utilizando as palavras típicas dos discursos sociológicos – numa espécie
de “senso comum erudito”, como bem relembraram Tomazi e Junior (2004, p. 68) a expressão
cunhada por Bourdieu –, a partir do que os alunos se tornariam falantes capengas de uma
“língua estrangeira”, cujos sentidos articulados em seus vocábulos teriam sido reelaborados a
partir de seu próprio universo, mas não em confronto e diálogo com este, portanto, com pouco
impacto sobre sua visão de mundo e seu modo de pensar. Ao contrário, pretendemos que
nossos alunos tornem-se falantes competentes de modos discursivos elaborados no âmbito das
Ciências Sociais, capazes de criar sentidos, de pensar criativamente com os novos
vocabulários aprendidos, de produzir e reelaborar esses vocabulários em diálogo com as
teorias e os conceitos oferecidos pelas Ciências Sociais; capazes, enfim, de imaginação
sociológica e impulso transformador – das representações, sentidos e instituições.
Um limite na produção de um programa de curso de Sociologia, de grande alcance,
quiçá nacional, diz respeito às condições reais em que a disciplina Sociologia é realizada. A
proposição de um currículo que não leve em conta as condições altamente diversificadas das
escolas brasileiras e as diferenças regionais de nossa sociedade corre o risco de permanecer
abstrato de modo a não possibilitar que seja adotado ou cumprido em sua totalidade. No
88

limite, qualquer currículo ou programa de curso enfrentará este obstáculo, dado ser impossível
prever e corresponder a qualquer condição ou contexto. Disso decorre que é altamente
desejável que os programas sejam resultantes de uma reflexão presente no interior das
escolas.
No que diz respeito à elaboração de um programa curricular para a disciplina
Sociologia, para o nível médio de ensino, sugerimos que o professor (ainda que não envolvido
diretamente na definição curricular) reflita e esteja atento à explicitação de seus objetivos
educacionais. E que não esqueça que pensar o sentido da disciplina é pensar a natureza de seu
conhecimento, suas especificidades, o que promove (ou deveria promover) em termos de
desenvolvimento dos indivíduos, suas relações com a posição política do professor etc. Outro
aspecto importante é a justificação de seus conteúdos, pois não basta arrolarmos, na
construção de um programa de curso ou currículo, uma série de temas ou conceitos típicos – o
que, em última análise, poderá somente nos fornecer uma lista de palavras a ensinar. Entre
inúmeros problemas relativos à justificação de conteúdos temos: a categoria dos denominados
“clássicos” da disciplina, a história do campo científico, a atual agenda política e científica
das Ciências Sociais, a “regionalização” dos conteúdos e a diversidade de paradigmas,
linhagens ou escolas teóricas. Portanto, este item também se relaciona a uma reflexão sobre a
natureza do conhecimento científico em Ciências Sociais. Além dos anteriormente descritos,
os professores ainda deveriam considerar as melhores opções metodológicas e de tratamento
didático – e aqui entrariam todas as questões referentes à organização disciplinar, à tradução e
à transposição dos “saberes científicos” em “saberes escolares”, a concepção que fazemos de
nossos alunos – dos jovens e adolescentes aos quais dirigimos nossa disciplina, as estratégias
de mediação do conhecimento. Por fim, são aspectos igualmente relevantes a função e a
posição da disciplina num quadro mais amplo de problemas, desde sua presença na formação
de professores ao seu lugar numa matriz curricular, sua presença – ou não – em vestibulares,
sua inserção – ou não – no ensino fundamental etc.
Aguardamos que, em diálogo com a comunidade acadêmica, a experiência e o saber
acumulados pelos docentes do ensino médio possam encontrar espaços de comunicação,
reflexão e análise para que se possa a partir de então construírem-se critérios mais
consistentes para nossas escolhas curriculares.
89

Conclusão

Vimos que as propostas curriculares oficiais e também as apresentadas em livros


didáticos divergem, porém não significativamente, em termos de seus conteúdos aparentes,
havendo convergência se assumirmos como parâmetros os currículos da graduação. Mas é
necessário que se tenha em conta ser provável que diferenças relevantes se dêem quanto ao
sentido com que conteúdos são abordados pelos professores, o que ainda demandará novas
pesquisas para a melhor compreensão sobre este aspecto.
Analisamos algumas dificuldades na organização de um programa de curso para a
Sociologia e acompanhamos em parte o debate sobre um programa unificado.
Por fim, analisamos também possíveis recortes metodológicos para o tratamento de
conteúdos da disciplina, conforme o texto das Orientações Curriculares Nacionais para o
ensino médio, sendo que estes recortes devem ser articulados de modo integrado na
organização de uma aula para a disciplina.
90

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Sociologia da Cultura (Laboratório de Pesquisa Social/ IFCS/ UFRJ), 1998.
93

Capítulo 7 Sociedade e Meio ambiente: O papel do professor de


Sociologia

Tânia Elias Magno da Silva24

Refletir sobre a relação sociedade e meio ambiente é não desconsiderar os problemas


relativos ao ambiente natural que passam a compor um somatório com os relativos ao
ambiente sócio-cultural, pois o meio ambiente é uma totalidade que engloba o meio físico,
biótico e as sociedades e culturas humanas que nele interagem. Meio ambiente está aqui
definido como uma totalidade composta não apenas pelos recursos naturais, mas também
pelas sociedades humanas, que através de relações sociais nele interagem modificando-o,
conforme suas necessidades.
A ação humana no ambiente natural sem nenhum zelo com os limites e formas de
intervenção na natureza, no sentido de preservá-la, nos conduziu ao quadro caótico de
degradação ambiental que enfrentamos e este é hoje um dos principais desafios para a
sobrevivência de nossa espécie no planeta: entender os limites do crescimento econômico e
encontrar um paradigma de desenvolvimento alternativo que possa garantir a convivência
harmônica entre cultura e natureza, ou seja, entre sociedade e meio natural. O modelo de
desenvolvimento adotado há mais de três séculos no ocidente e depois exportado para outras
partes do mundo, calcado no consumismo e no desperdício dos recursos naturais, caminhou
em sentido contrário ao tempo natural. Embasado na máxima “tempo é dinheiro” que
alimentou e ainda alimenta o imaginário da produção capitalista vai exatamente acelerar o
processo de entropia, pois desconsidera o chamado tempo entrópico. Entropia significa
desperdício de recursos naturais, poluição, crise energética e destruição do ambiente,
conforme define o ecólogo italiano Enzo Tiezzi (1988).
A máxima do desenvolvimento se traduz na mítica do progresso e progresso tanto pode
estar associado à industrialização, urbanização, ao conforto material, ao desenvolvimento de
novas tecnologias, ao avanço desenfreado do capital, como a poluição, desmatamento,
destruição ambiental de toda ordem, dissociação de natureza e cultura, ou seja, dissociação do
homem como um elemento da natureza e dela dependente. O conceito de progresso trás em si
24
Doutora e mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e graduada em
Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo/USP. Professora da Universidade Federal de Sergipe e do
Núcleo de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Grupo de Pesquisa Itinerário Intelectuais Imagem e
Sociedade.
94

uma contradição, pois se gera riquezas e promete conforto a uma parte da população da Terra,
também está associado à pobreza, fome, doenças, mortes prematuras, guerras e dependência
econômica.
O progresso, portanto, pode conduzir ao desequilíbrio e a desordem global da biosfera,
pois no sentido da corrida do capital “é medido pela velocidade com que se produz; chega-se
mesmo a imaginar que quanto mais rapidamente nos servimos dos recursos da natureza, tanto
mais avança o progresso”. (Tiezzi, 1988)
Para entendermos melhor esta questão é necessário uma reflexão sobre os paradigmas
que nortearam o pensamento ocidental e a lógica do capital em sua expansão pelo mundo e
que nos conduziram ao que muitos chamam de uma forma metafórica de “a fuga para
Samarra”. 25

Homem e Natureza: Antagonismo e utopia

João de Jesus Paes Loureiro, em sua obra Cultura amazônica. Uma poética do
imaginário (2001) aborda a relação histórica conflitiva entre o homem e a natureza. Ou, entre
a cultura humana e o mundo natural. Lembra-nos o autor que:
A natureza havia no princípio. O homem veio depois. Confrontaram-se,
enfrentaram-se, alternaram-se, modificaram-se, transfiguraram-se. Uma lenta perda
da inocência e ingresso na história.
Ao longo do tempo, as tensões entre os homens e com a natureza foram crescendo e
se renovando, na dinâmica de um dilema fundador: domínio ou submissão
dominante. Uma tensão agônica e desmedida de mitos e exorcismos. Ora a natureza
impondo-se ao homem. Ora o homem que a ela se impõe (Op. Cit., p. 15).

Somos herdeiros do pensamento iluminista que corroborou a interpretação bíblica da


supremacia dos homens frente às outras espécies vivas, da subjugação da natureza pelos
homens, conforme seus interesses e necessidades. Há um antagonismo latente, neste modo de
ver, entre o homem e a natureza. Entre o social e o natural.
O mundo natural, melhor dizendo, a natureza é apresentada como uma ameaça e,
portanto, é preciso dominá-la, escravizá-la, subjugá-la. Este olhar antropocêntrico faz com
que nos afastemos do mundo natural e o coloquemos a serviço de nossos interesses. A sua
destruição é justificada como necessária para nossa sobrevivência, considerá-la um
patrimônio que deve ser preservado, não raro, é visto como uma ação contrária à lógica de
nossa civilização.

25
Ver a respeito Tiezzi (1988).
95

Não faltam exemplos desta visão antagônica entre o mundo natural e o social em nossa
literatura, especialmente a que foi produzida nos séculos XVIII e XIX, quando a retórica do
progresso e a palavra “moderno” se tornou uma panacéia. São inúmeros os romances e até
relatos de viajantes que reforçam a idéia dos “perigos” que existem na natureza e a
importância dos homens “intervirem” para modificá-la, humanizando-a. Transformando-a em
produto da cultura humana.
Herdeiros que somos do pensamento iluminista que impregnou a filosofia ocidental de
base judaico-cristã, tudo que estiver ligado ao mundo natural, é visto de acordo com esta
lógica de dominação/destruição/subjugação. Por isso os animais, as espécies vegetais e os
minerais devem servir aos interesses humanos e quando se colocam como empecilhos ao
avanço da civilização, devem e podem ser eliminados. Nestes casos, até mesmo as sociedades
humanas que não comungam desses princípios são vistas como parte desse mundo natural e
ao resistirem às transformações impostas pelo avanço do progresso e da modernização,
também são colocadas na lista do que deve ser eliminado. Neste rol estão incluídas as
sociedades indígenas, coletoras, caçadoras, extrativistas.
Keith Thomas em O Homem e o Mundo Natural (1988), ao analisar a relação do
homem com o mundo natural na Inglaterra no período de 1500 a 1800, chama a atenção para
o predomínio do homem sobre o mundo animal e vegetal, que foi “afinal de contas, uma pré-
condição básica da história humana”.
Segundo Thomas a passagem da Inglaterra da vida rural, da natureza selvagem, para o
domínio da agricultura e a domesticação do mundo natural foi resultado da limpeza das
florestas, do cultivo do solo e da conversão da paisagem agreste em terra colonizada pelo
homem. Esta era uma premissa básica da Inglaterra da época Tudor.
Para os ingleses de então, a preservação artificial dos cumes incultos teria parecido tão
absurda como a criação de santuários para pássaros e animais selvagens que não podiam ser
comidos ou caçados (Op. Cit., p. 17).
Warren Dean, em A ferro e Fogo. A História e Destruição da Mata Atlântica Brasileira
(1996) chama a nossa atenção para essa questão ao questionar-se sobre a pertinência de sua
obra: A história e destruição da Mata Atlântica brasileira.
Por que não tentar escrever a história de uma floresta, de um domínio ameaçado da
natureza, cujo desaparecimento, em sua maior parte, ocorreu numa época histórica?
Será possível uma história da floresta? Talvez não. A história tradicionalmente trata
de ambições, satisfações e frustrações humanas. Como pode haver um relato da
“história” de outras espécies quando, devemos supor, suas ações careciam de
qualquer outra intenção além de procriar e sobreviver? Seria mais cômodo afirmar
que outras espécies nessa planície sombria não podem desempenhar qualquer papel
no teatro da história humana salvo o de cenário, mesmo quando a peça é sobre a
96

eliminação do cenário. A natureza, ainda quando a ambição humana se volta contra


ela, continua a ser um objeto O pathos de Sísifo é totalmente seu; nenhum pathos é
atribuído à sua pedra. (1996, p. 21-22)

Como esclarece Thomas (1988), desde os tempos dos anglos saxões, a Igreja cristã na
Inglaterra colocou-se contra o culto das nascentes e dos rios. As divindades pagãs do bosque,
da corrente e da montanha foram expulsas, deixando assim desencantado o mundo, e pronto
para ser formado, moldado e dominado.
Para Marx (1979), não foi a sua religião, mas o surgimento da propriedade privada e da
economia monetária, o que conduziu os cristãos a explorar o mundo natural de uma forma que
os judeus nunca fizeram. A esse processo ele denominou de “a grande influência civilizadora
do capital”, que finalmente desencantou o mundo.
A exploração do meio natural é muito antiga. Os antigos romanos a praticavam de modo
mais eficaz que os seus sucessores medievais cristãos. Muitos países cuja religião prega o
culto à natureza e o respeito a todos os seres vivos, como é caso do Japão e da Índia não
ficaram imunes à poluição industrial e a destruição ambiental. Neste sentido, parece que a
assertiva de Marx sobre o conflito de interesses entre a expansão do capital e a preservação
ambiental é mais consistente que apenas o mito judaico-cristão, embora não se possa negar o
peso que este teve e ainda tem na formação das mentalidades.
O utilitarismo econômico conduziu-nos e continua nos conduzindo ao caos, acelerando
a entropia, é preciso frear esse movimento e ter em conta que o viver não pode ser reduzido à
utilidade, à economia, a homeostasia, à adaptação, embora comporte todas estas dimensões. O
viver faz eclodir não a racionalidade, mas toda a concepção fechada da racionalidade. Ou seja,
o viver nos leva a uma idéia de totalidade que comporta o não-dito, o não-visto, o não-aceito,
a não-verdade, o não-real, porque a Verdade como é entendida pelos cânones tradicionais do
pensamento científico e que em maior ou menor grau fomos conduzidos a crer, não existe,
embora haja sempre uma verdade que aceitamos e acatamos, porém ela é e será sempre
provisória.
A ligação entre os homens e os deuses, entre o sagrado e o profano, sempre marcou
todas as culturas humanas, regulou a vida social, deu sentido a vida e a morte, e às diferenças.
Os cultos dos povos antigos que habitavam a Europa continuaram alimentando o imaginário
das populações e a dominar corações e mentes na esfera do encantado, do mágico, das lendas
do misterioso, mesmo após o cristianismo se tornar hegemônico e Roma impor sua férrea lei.
Essas crenças sobreviveram como algo proibido, coisas demoníacas, sempre praticadas em
segredo, mas foram cruciais para que a natureza se mantivesse presente no imaginário social
97

como fonte primordial da vida. É ela a Grande Deusa, que mesmo perseguida continuou
presente alimentando o universo simbólico de várias culturas e, neste sentido, sendo
defendida.
O culto moderno do progresso – a dominação do masculino sobre o feminino, a razão
contra a emoção, a força contra a sensibilidade, reinterpretou conforme seus interesses
práticas ancestrais de dar e receber.
Ao re-visitar as obras de Marcel Mauss, (Mauss, 1974), sobre prestação, dádiva e
potlach, e entendidos os seus significados simbólicos numa visão não reducionista e
etnocêntrica, encontramos algumas pistas explicativas para as formas de dádiva e potlach
típicas de nossa moderna sociedade ocidental, cujo entendimento foge geralmente das
chamadas evidências analíticas. Bem como podemos apreender a complexidade contida nestas
instituições sociais mediadas pela magia. Ao analisar a obrigação de dar e a obrigação de
receber Mauss esclarece:
A obrigação de dar não é menos importante; seu estudo poderia fazer compreender
como os homens se tornaram permutadores. (...) Recusar-se a dar, deixar de
convidar ou recusar-se a receber equivale a declarar guerra; é recusar a aliança e a
comunhão. (...) o donatário tem uma espécie de direito de propriedade sobre tudo
aquilo que pertence ao doador. Esta propriedade exprime-se e é concebida como um
vinculo espiritual.
(...) E todas essas instituições exprimem unicamente um fato, um regime social, uma
mentalidade definida: é que tudo, alimento, mulheres, crianças, bens, talismãs, terra,
trabalho, serviços, ofícios sacerdotais e postos é matéria de transmissão e
retribuição. Tudo vai-e-vem como se houvesse uma troca constante de uma matéria
espiritual compreendendo coisas e homens, entre os clãs e os indivíduos, repartidos
entre as categorias, sexos e gerações (op.cit., p.57-59).

O advento do pensamento científico, em especial a influência do pensamento cartesiano,


irá trazer como conseqüência uma depreciação do primitivo universo simbólico como forma
explicativa das relações humanas, de mediação entre o homem e a natureza, entre o corpo e o
espírito como realidade presente e constitutiva do patrimônio cultural. Surge em seu lugar a
explicação científica, baseada na experimentação, comprovação e generalização dos
fenômenos observados. A explicação científica é A verdade, nada a ela pode se contrapor,
todo conhecimento para ser reconhecido como válido deve receber seu aval, deve ser
submetido ao seu rigoroso julgamento.
A ciência substituiu os antigos tribunais religiosos monoteístas e similares a aqueles
também as academias de ciência passaram a condenar, não à morte física, mas ao
esquecimento e banimento formas de conhecimento que não se regulavam pelos cânones do
rigor científico das ampulhetas, pipetas, laboratórios, experimentações, medições etc. A
98

ciência desbancou a crença na existência de outra existência, galgou o altar da autoridade


máxima e passou a ditar as regras para a produção do conhecimento.
Concordo plenamente com Durand (1995) quando este afirma que durante dois séculos
(XVI-XVII), a imaginação é violentamente anatematizada pelo dogmatismo de uma ciência
reducionista.
Na filosofia contemporânea produz-se, no rastro do impulso cartesiano, uma dupla
hemorragia do simbolismo: ora se reduz o cogito às “cogitações”, e então se obtém o
mundo da ciência, onde o signo só é pensado como termo adequado de uma relação,
ora se “deseja submeter o ser interior à consciência”. (...) Em resumo, pode-se dizer
que a denúncia das causas finais feitas pelo cartesianismo e a redução do ser ao
tecido das relações objetivas dele resultante liquidaram, no significante, tudo aquilo
que era sentido figurado, toda recondução à profundidade vital do apelo ontológico
(p. 26-27).

E, assim, esmagando e destruindo culturas, crenças, mitos, lendas e todo o


encantamento que cercava a relação cultura/natureza nos fizemos modernos, racionais,
lógicos, objetivos. A vida assentada nos traços exatos das réguas e compassos, nas respostas
obtidas nos laboratórios de análise, nas confrarias de doutos e sábios, traçou o futuro,
condenando à fogueira do ridículo, atrasado, mítico e perigoso as nossas ancestrais
explicações e interpretações de nossa relação no mundo. Ser moderno afastou-nos do mundo
natural como se dele pudéssemos nos desligar. Ao contrário do que ensinavam os povos mais
antigos, sabedores de sua dependência do meio natural, ligados a este por laços de respeito e
sentimento, o pensamento moderno inverteu esta relação e colocou no ápice das prioridades
as necessidades cada vez mais numerosas das sociedades modernas, na crença de que a
natureza estava a serviço dos homens inexoravelmente. Esta nova maneira de interpretar a
relação homem/natureza, desbancando antigas divindades e mitos em nome da verdade, criou
outros mitos, outras fantasias, outros deuses e fantasmas só que abençoados pelo corolário da
razão e está levando a Mãe Gaia, o planeta Terra, a exaustão, ameaçando nossa sobrevivência
futura.
O que é a verdade em ciência? O que é o real que tanto afirmamos como nosso objeto
de estudo e reflexão? Sobre esta questão Morin (1989) nos adverte para a incerteza das
“verdades científicas”, assim como alerta que é necessário destruir completamente essa idéia
ingênua de que o conhecimento científico é o puro reflexo do real, pois esta é uma atividade
construída com todos os ingredientes da atividade humana. Isto quer dizer que ela trás em si
uma dimensão objetiva fundamental, ou seja, não é mera especulação ilusória, invenção.
A realidade que a ciência investiga não é uma realidade trivial, não está revelada de
imediato ao pesquisador, embora esteja presente, não é uma realidade facilmente perceptível e
de fácil explicação ou de uma única explicação. A ciência especula com o real, que é no dizer
99

de Morin “espantoso”. Vemos o que não vemos e não vemos o que pensamos que vemos, eis
o que é realmente espantoso! Somos fruto de nossa imaginação, de nossos devaneios, de
nossa capacidade de abstração, mas como alerta Morin (1989), a comunidade da ciência
continua a alimentar e a alimentar-se de um mito comum sobre o papel e a fecundidade da
ciência na sociedade humana e este mito hoje está extremamente doente.

Realidade e imaginário: a dupla face do conhecimento

Toda sociedade humana quer tradicionais ou modernas, primitivas ou civilizadas,


explica-se, estrutura-se a nível mítico simbólico. O que as diferencia é a forma de elaboração
e a função desempenhada a nível simbólico na organização da vida social, no controle da vida
cotidiana, na produção e reprodução da própria sociedade, nas imagens que o espelho da vida
social constrói, reconstrói e reflete para os indivíduos (Silva, 1998).
As sociedades modernas assentadas no princípio da razão, alicerçadas pela ciência e
dinamizadas pelo avanço tecnológico, criaram e difundiram seus mitos como verdades
supremas, tentando negar a sua criação imaginária, apresentando-a como resultado, ou
produção de suas relações concretas. Os mitos, os deuses, os demônios e afins, bem como a
magia, os oráculos, as premonições, estariam vinculados às sociedades arcaicas e/ou
primitivas, de cunho tradicional. A especialidade deste modo de conceber a vida social, de ver
a realidade, tem componentes que são impermeáveis às estocadas da racionalidade, portanto
são negadas por princípio como paradigmas a serem considerados como formas alternativas
de sociedade.
A sociedade racionalizada só poderia ser explicada como produto do pensamento
científico que se embasa em comprovações empíricas, que é objetivo e impessoal. Sob esta
ótica, a subjetividade como forma explicativa da vida social passa a ser invalidada como uma
espécie de “pane” desta racionalidade. Dissocia-se o individuo dele próprio, resultando disso
um sujeito desfocado de sua imagem, uma vez que a dimensão imaginária é que lhe concede a
identidade social e individual. O imaginário é como um espelho que reflete a verdadeira
identidade do sujeito seja ele uno ou múltiplo.
O novo indivíduo resultante desta distorção de imagem, visualizado como produto de
relações concretas, racionais, comprovadas, esvazia-se de si próprio, perde a sua natureza e,
de certa forma a sua humanidade. Esvaziado de sua principal matéria constitutiva e
explicativa – o imaginário simbólico, passa a refletir-se no espelho mítico de uma sociedade
100

racional, utilitária, povoada pela fria objetividade da explicação científica, de pretensões


universalistas e cujo eldorado assenta-se na máxima da racionalização.
O mito faz parte da cultura de um povo, está impregnado na vida social e uma vez
incorporado ao patrimônio cultural de um grupo não mais se prende a tempo e espaço, que a
este nível são categorias fluídicas, que não tem seqüência lógico-concreta. Assim, os povos de
origem judaico cristã acreditam e defendem a sua gênese pelo que foi escrito no que é
considerado o seu livro sagrado: a Bíblia. Pelas escrituras deste livro, um boneco de barro
feito pelas mãos de Deus e animado pelo sopro divino foi o primeiro homem a povoar a Terra
e de sua costela resultou a primeira mulher. O mito da criação.
Esta é uma explicação mítica e em nome e defesa desta e de outras estórias muitos
povos foram trucidados. Os mitos de origem dos grupos humanos estão presentes em todas as
culturas, são todos igualmente válidos para os que neles se reconhecem e se identificam
enquanto grupo social. Através da leitura de Lévi-Strauss, em História de Lince (1993)
podemos perceber como a mitologia explicativa da origem dos diferentes povos se assemelha,
e principalmente como é base de estruturação dos grupos e de explicação de seu destino.
O pensamento mítico, o nível imaginário simbólico, está presente no que Morin
denomina de uma espécie de mega-computador complexo, que memoriza todos os lados
cognitivos, e que, portador de quase-programas, reescreve normas, práticas, éticas, e relações
políticas das sociedades, quer sejam arcaicas, quer sejam modernas.
Há um tronco comum indistinto entre indivíduos, cultura e sociedade. Há um mega
computador social que memoriza e expressa o conjunto de conhecimentos/cultura de uma
sociedade. Os indivíduos também possuem um computador em seus cérebros, pois este – o
cérebro dispõe de uma memória hereditária, bem como de princípios inatos e organizadores
do conhecimento. Portanto, o indivíduo, mesmo sob o impacto da pressão do conjunto
informacional-social, tem seu princípio de autonomia de seu espírito que está inscrito no
princípio de seu conhecimento, e isso tanto no nível do pensamento filosófico como do
científico.
Os espíritos individuais, contudo, não estão atados a uma golilha que os impede de
criar, de devanear, tornar os sonhos uma realidade. Dispõem de uma autonomia relativa no
seio das culturas, e é preciso considerar que a cultura está aberta a seu mundo exterior, que
nesse intercâmbio, nesse processo de diálogo cultural, se enriquece e se modifica com os
elementos que migram de uma cultura para a outra.
No “imprinting” das sociedades ocidentais racionalizadas, o mega computador social
registra a base imaginário-simbólica de sua formação, quer seja revivendo travestidos velhos
101

mitos, quer seja criando outros explicativos do caos por ela gerado, das desordens de toda a
espécie, dos conflitos generalizados, da violência instituída, das crises cada vez mais agudas e
presentes na nova ordem social. Estes registros re e retro-alimentam os espíritos e a própria
sociedade de suas carências vitais: sua idealização, sua aura imaginaria, sua subjetividade.
Uma vez registradas na memória do grande computador social e individual, as marcas
culturais não se apagam, pois o imprinting nos torna incapazes de vermos uma coisa diferente
do que ele nos mostrou. É exatamente a partir desses imprintings emanados dos padrões
culturais básicos das sociedades ocidentais, embasados na racionalidade científica, que os
mitos por ela engendrados são fixados na memória coletiva e individual como não míticos,
como decorrentes do processo de desenvolvimento racional desta, recebem o corolário da
Razão.
O progresso, entendido como o elemento basilar das sociedades ocidentais modernas, é
assimilado como condição sine qua non do desenvolvimento das mesmas, os resultados das
ações feitas em nome do progresso, mesmo que seus efeitos sejam nocivos, ou que não se
tenha garantias das conseqüências para a vida humana e equilíbrio do planeta, acabam sendo
codificados como necessários, como o preço a pagar.
O progresso, materializado nos avanços tecnológicos e o desenvolvimento são
apresentados como comprovações do êxito da racionalidade científica, do avanço do
capitalismo e da técnica, na verdade são os mitos da modernidade, pois camuflam nesse
ideário de progresso e de um modelo de desenvolvimento que beneficia algumas sociedades
em detrimento da destruição, desagregação e miséria de outras, a desordem planetária, o
desequilíbrio ambiental, a destruição de ecossistemas inteiros, além de nos aproximar da
chamada ameaça “damoclênica” (Morin, 1993) que paira sobre o nosso planeta. Isto sem
mencionar os perversos contrastes entre as regiões desenvolvidas e ricas e as partes pobres e
espoliadas da Terra, com seu cortejo de miseráveis e famintos.
O avanço da ciência e da tecnologia nestes dois últimos séculos levou ao abandono e
rejeição de velhos dogmas e de antigas verdades. O avanço tecno-científico conseguiu proezas
incríveis, muitas consideradas ficção científica até pouco tempo, como prolongar a vida, criar
vida artificialmente, desvendar aos poucos os mistérios da herança genética através da leitura
de nosso DNA, a clonagem de seres, o avanço dos estudos, pesquisas e produtos na área da
nanociência e da nanotecnologia entre outras conquistas. O conhecimento e a ciência não
param.
O homem semideus projeta-se no cosmos em busca de novos conhecimentos, de outras
formas de vida e de outros mundos, aguçando dessa forma o imaginário humano para além do
102

arco-íris. Se este processo destronou velhos deuses e mitos, desencantou o mundo, como
afirmou Max Weber (1970), a respeito da modernidade, por certo criou outros em seu nome e
está sendo vencido por estes novos seres míticos que povoam a idéia de modernidade formada
na tríade desenvolvimento/técnica/indústria.
O imaginário e o mito estão presentes em todos os âmbitos da vida social, são os cernes
da produção cultural, tanto nas chamadas sociedades modernas como nas tradicionais, não
importa como tentemos travesti-los, por isso Morin afirma que “tão importantes quanto à
técnica para a humanidade são a criação de um universo imaginário e a multiplicação fabulosa
dos mitos, crenças, religiões; o desenvolvimento técnico e racional, de resto, mostrou-se, até
hoje, muito pouco apto a eliminá-los” (2002, p.41-42).
Homo sapiens, faber, demens, ludens e mythologicus esta é a nossa realidade, não
podemos negar todas essas dimensões que dão sentido a nossa existência e produzem
conhecimento, cultura. Somos produto e produtores de idéias e de coisas, a distinção decorre
apenas do tipo de matéria de que são constituídas, mas tudo ao nosso redor é explicado
através de signos e retido e retransmitido neste âmbito.

O papel e desafios do professor de Sociologia

Creio que estas reflexões nos auxiliarão a discutir e compreender o papel e os desafios
que o professor de Sociologia terá que enfrentar na formação da consciência critica de seus
educandos, se quisermos inverter essa lógica ilógica que justifica os desastres ambientais, a
miséria, a pobreza, as guerras, a intolerância para com o outro em nome do progresso, do
desenvolvimento, da modernização. É de sua responsabilidade questionar o paradigma
reducionista que nos vê como máquinas pensantes, mesmo que complexas, a partir da
premissa de que não somos similares a uma máquina – novamente a metáfora do relógio
newtoniano -, somos humanidade.
A educação, qualquer que seja o conceito que empreguemos para definir o que seja
educação26, ocorre numa sociedade concreta, num processo de interação e relação social e de
certo será o reflexo dos valores desta sociedade, ou seja, educar é, em última instância,
preparar o indivíduo para a vida grupal, para viver em sociedade. É socializá-lo, inculcar os
valores sociais básicos para que haja continuidade do grupo. Neste sentido, é um poderoso
veículo de manutenção do “status quo”, mas também pode ser um veiculo de transformação

26
Existem inúmeros conceitos de educação, que variam conforme a perspectiva teórica de quem o formula, bem
como do contexto social a que se refere.
103

social, de mudança, pois através do processo educativo podemos questionar ou não o modelo
de sociedade vigente e inculcar novos valores nos educandos visando à construção de outra
sociedade, ou de outro modo de vida, no caso aqui em discussão, um modo de vida embasado
em um paradigma que não dissocie cultura e natureza e busque o reequilíbrio ambiental do
planeta, que fortaleça o nosso compromisso para com os outros e não se baseie na
intolerância, no individualismo, no consumismo e no desperdício.
Podemos a partir da educação questionar o modelo vigente e inculcar novos valores nos
educandos visando à construção de outra sociedade, ou de outro modo de vida, mas que em
última instância ainda é a mesma, embora “reformada”, “transformada”. Podemos denominar
este processo de educação de “inovadora” e até mesmo, em alguns casos, de “revolucionária”,
pois visa formar um novo homem, seja lá o que isso quer dizer.
Mas se a educação é um processo social, dependerá de uma série de outros processos
sociais para que possa se realizar plenamente para que atinja seus objetivos e com isso
acabamos dando uma volta sobre nós mesmos e voltamos a refletir sob a inspiração de E.
Durkheim:
Quando se estuda històricamente a maneira pela qual se formaram e se
desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião,
da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das
indústrias, etc. Separados de todas essas causas históricas, tornam-se
incompreensíveis. (1973, p. 38)

Paulo Freire, a partir de sua experiência como educador e diante de uma sociedade
ameaçada pelos interesses do capital internacional, elabora uma proposta revolucionária para
a educação, um novo projeto de educação com base em uma pedagogia do oprimido. Uma
proposta interdisciplinar, democrática, construtora de um cidadão participante, consciente.
Freire estava mudando radicalmente os métodos e a visão do ensino enclausurado em
disciplinas estanques, estava propondo um novo sentido para o conceito de educar.
A proposta de Paulo Freire era a de um projeto de educação democrática que buscava
pensar o projeto escolar além das tradicionais práticas e normas pedagógicas. Baseado em
experiências concretas de sua práxis, Freire em Pedagogia do Oprimido (1975), traz o relato
de sua experiência como educador, de um projeto de desenvolvimento tendo a educação como
alavanca, mas voltado para os excluídos do sistema, pois não haverá desenvolvimento sem a
participação de todos, ou seja, sem democracia.
Democracia implica em soberania, mas como construir a nossa soberania quando nossas
riquezas são solapadas para satisfazer a ganância de um modelo econômico perverso e
destruidor, que paradoxalmente prega o regime democrático? Como ser soberano quando
104

banqueiros internacionais ditam a regra do jogo? E o que dizer dos interesses de Washington
e seus aliados que criam, conforme necessitam, inimigos do dia para noite e solapam culturas
e povos em guerras artificiais, apenas por interesses de grupos econômicos e estratégias
políticas?
Essas questões envolvem também o projeto escolar, desafiam os que fazem à educação
no país. É preciso construir a soberania dos pobres para que possamos nos fortalecer enquanto
grupo social, enquanto nação, enquanto pessoas, enquanto seres humanos. É preciso construir
a sociedade que queremos, e não copiar modelos falidos que nos são apresentados como
soluções.
Na verdade o desafio é de início para o próprio professor, pois este também é produto
da sociedade onde vive e da qual se nutriu de valores similares aos de seus educandos.
Também ele é fruto de uma sociedade utilitarista, imediatista e individualista e não raro
carrega uma visão dicotômica da relação sociedade/natureza.
Pensar nos desafios que o professor de Sociologia terá de enfrentar para que sua
disciplina possa levar estes questionamentos para a sala de aula, envolve o problema dos
conteúdos, as estratégias de transmissão do conhecimento, os recursos de aula, o diálogo com
outras áreas de conhecimento e mesmo o estranhamento e a desnaturalização que devem
decorrer do ensino da Sociologia e isto nos leva a pensar na formação profissional. Estas
questões tem sido objeto de discussão e aprendizado? Como os cursos de licenciatura em
Ciências Sociais e/ou Sociologia têm se envolvido e contribuído com a questão? A formação
para o magistério tem sido uma preocupação?
Marcos Reigota (1999) em A Floresta e a Escola por uma educação ambiental pós-
moderna, levanta uma série de questionamentos sobre os desafios à educação que me parecem
bem pertinentes ao tema deste artigo e que dizem respeito a discussão acerca da relação
sociedade e ambiente. No fundo a questão se resume em como o professor de Sociologia pode
e deve incluir a temática em suas discussões na sala de aula, sem que esta fique artificial e
pontual. Para que se transmita um pensamento critico é preciso que o professor esteja apto e
isto requer uma re-educação do docente. Requer sem dúvida uma quebra de paradigmas.
É papel do professor difundir o princípio de que somos, como afirma Morin (1989),
vivos humanos. Vivemos a vida vivendo a nossa vida. Trazemos em nossa corda hereditária a
história da humanidade e da própria Terra. Pulsa em nós os ventos que sopraram durante
bilhões de anos a poeira cósmica que deu origem à vida. Somos, portanto, seres cósmicos. Há
uma poética que nos envolve desde a origem, que nos explica e que nos define, que traduz o
sentido de humanidade, de vida. Não podemos negá-la, nem fugir dela.
105

Referências

DEAN, W. A ferro e Fogo. A História e Destruição da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo:
Cia. das Letras, 1996.
DURKHEIM, Émile. A Educação como processo socializador: Função homogeneizadora e
Função diferenciadora. In: PEREIRA, Luiz e FORACCHI, Maria Alice (Orgs.). Educação e
Sociedade. 6ª. Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Cultrix, 1995.
LOUREIRO, J. de J. P. Cultura amazônica. Uma poética do imaginário. São Paulo:
Escrituras Editora, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
Marx, K. e Engels, F. A ideologia Alemã. 2ª. Ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Volume II, EPU; EDUSP, 1974.
MORIN, Edgar. O Método II. A vida da Vida. 2ª edição, Portugal: Publicações Europa-
América, 1989.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Portugal: Europa-América, 1989.
___. O Método IV. As Idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Portugal: Europa-
América, 1992.
___. Terra Pátria. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.
___. O Método 5. A humanidade da humanidade. A identidade humana. Porto Alegre: Sulina,
2002.
LEVI-STRAUSS, Claude. História de Lince. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
REIGOTA, Marcos. A Floresta e a Escola por uma educação ambiental pós-moderna. São
Paulo: Cortez Editora, 1999.
SILVA, Tânia E. Magno da. “Um mundo re-encantado”. In: Universidade e Sociedade.
Revista Sindicato ANDES Nacional. Ano VIII Nº 16, junho de 1998, p.31-34.
Tiezzi, Enzo. Tempos históricos, tempos biológicos. A Terra ou a morte: os problemas da
nova ecologia. São Paulo: Nobel, 1988.
THOMAS, K. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970.
106

Capítulo 8 Didática e ensino de sociologia: questões didático-


metodológicas contemporâneas

Luiz Fernandes de Oliveira27


Ricardo Cesar Rocha da Costa28

A nova conjuntura no campo educacional brasileiro com a recente aprovação da Lei


11.684, de 2 de Junho de 2008, que alterou o art. 36 da LDBEN, passando a incluir a Filosofia
e a Sociologia como disciplinas obrigatórias no Ensino Médio, nos aponta novas perspectivas
e muitos desafios. Tanto formadores de professores nas universidades, quanto os professores
da educação básica, devem juntar forças para construir novas perspectivas teóricas e
metodológicas para a prática docente, do ponto de vista da didática no ensino de sociologia e
da construção de um conhecimento escolar em sociologia, trazendo reflexões teóricas sobre
planejamento de ensino, seleção de conteúdos e materiais didáticos e processos de avaliação.
Neste texto desenvolveremos, num primeiro momento, a descrição de alguns desafios
que se apresentam a partir da aprovação da lei na área de Sociologia, principalmente no
campo da didática e da prática de ensino. Em seguida, indicaremos alguns caminhos de
reflexão teórica na didática e nas questões metodológicas do ensino de sociologia –
destacando aspectos como planejamento, seleção de conteúdos e avaliação da aprendizagem –
, que podem ser conduzidos pelos formadores das universidades, seus estudantes licenciandos,
em conjunto com os profissionais inseridos na educação básica.
Apesar da nova legislação, a Sociologia como disciplina escolar é ainda incipiente, não
está consolidada nos currículos das escolas. Há certo consenso, entre aqueles que discutem
esta temática, de que não temos a tradição das disciplinas históricas como Matemática,
História, Geografia etc, e ainda contamos com a ausência de conhecimento de alunos e
também de professores sobre a disciplina de Sociologia. Daí resultam perguntas em forma de
questionamentos críticos: “Para que serve isso?” “O que se aprende em Sociologia?” “Por que
a escola, ao invés de ensinar essas coisas, não prepara para o mercado de trabalho?”

27
Doutor em Educação Brasileira pela PUC – Rio, professor de Ensino de Ciências Sociais do Instituto de
Educação da UFRRJ e Professor do PPGEDUC – Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares da UFRRJ.
28
Doutorando em Serviço Social pela UERJ e professor de Sociologia do IFRJ - Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - Campus São Gonçalo.
107

São questionamentos normais para um campo de conhecimento que sofreu de uma


intermitência nos currículos da educação básica em todo o século XX. Podemos caracterizar
esta intermitência em períodos marcados ora pela sua presença, ora pela sua ausência nas
escolas do Ensino Médio.
Essa intermitência deve ser levada em consideração quando pensamos em vários
aspectos da produção acadêmica sobre a didática, questões metodológicas e a prática de
ensino. Apesar de nos últimos anos registrar-se o início da produção de livros, de dissertações
e de teses sobre o assunto, são poucas as pesquisas que até então trataram de aspectos
didáticos e pedagógicos, tais como a seleção de conteúdos, o planejamento e a avaliação da
aprendizagem.

Uma primeira consideração: as referências tradicionais no campo da didática

Os desafios para o professor de Sociologia no Ensino Médio não são poucos,


principalmente a partir desse novo período em que ele será cobrado a ter uma postura
profissional, onde há poucas referências e tradições pedagógicas sistematizadas no campo da
disciplina.
Um dos maiores desafios destacados por muitos especialistas é de tornar a Sociologia
compreensível para alunos do ensino básico, que requer habilidades no trato desta ciência
que, muitas vezes, são dispensáveis num público especialista no assunto. Mas, por outro lado,
quando este profissional entra no magistério, as referências que prevalecem em termos de
didática e prática de ensino, são aquelas identificadas com os modelos técnicos, ou seja, o
professor é aquele que coloca em prática os conteúdos adquiridos na formação teórica inicial.
Nesta perspectiva, os modelos de planejamento de ensino, seleção de conteúdos e avaliação
da aprendizagem constituem-se como operacionalização automática do conhecimento
apreendido na formação acadêmica.
Em relação ao planejamento de ensino, predominou por longos anos uma dimensão
técnica, onde a prática do planejamento é formalizada, ritualística, normalmente cópia de um
produto ideal acabado ou se constituía num planejamento pro forma, para o simples
cumprimento de normas burocráticas. Este modelo na formação do professor exige que o
futuro profissional da educação domine primeiramente os conhecimentos científicos, as
regras, os princípios gerais das ciências básicas, para depois aplicá-los. Sua prática se
resumiria apenas em escolher os meios e planejar cada etapa dos procedimentos a serem
108

aplicados no ensino para a obtenção de metas, tornando-se uma atividade meramente


instrumental.
Em relação a seleção de conteúdos, os desafios se constituem a partir de uma crítica
formulada por Meksenas (1994), quando analisa que há duas tendências que prevalecem na
maioria das experiências didáticas e metodológicas de seleção e aplicação dos conteúdos da
sociologia no Ensino Médio: uma tendência conceitual linear, que trazem informações que
nem sempre priorizam o entendimento das relações sociais e ainda apresentam conceitos
descontextualizados historicamente; e outra tendência temática fragmentada, que se
caracteriza por um curso onde elenca-se uma série de temas considerados básicos, cujas
partes, somadas, originaria uma pretensa totalidade social.
O que se constata na crítica de Meksenas é a concepção de muitos docentes em associar
os conteúdos de ensino aos conhecimentos de cada disciplina que devem ser transmitidos aos
alunos. Tal associação não concebe a dinâmica do processo de ensino e aprendizagem
marcada por um intercâmbio de saberes entre professor e aluno, consolidando uma visão
estática do mesmo.
Em relação a avaliação das aprendizagens, o que predomina como referência para o
ensino de Sociologia é a “pedagogia do exame” (Luckesi, 2003). Ou seja, uma perspectiva em
que todas as atividades docentes e discentes estão voltadas para um treinamento de “resolver
problemas” ou no ensino de resolução de provas em direção ao vestibular. Com esse tipo de
avaliação mede-se apenas a competência do aluno em memorizar e repetir informações que
lhe foram transmitidas durante as aulas. Ou ainda, a avaliação assume o papel de controle,
visando adequar o planejado e o aprendido. É também a avaliação em sua concepção de
julgamento de resultados finais e irrevogáveis.
Essas perspectivas sobre planejamento, seleção de conteúdos e avaliação têm como
decorrência, nos processos de ensino-aprendizagem, a predominância de uma visão
tradicionalista do fenômeno educativo. O educando é uma tabula rasa, constituindo-se apenas
em depósito de conhecimentos e saberes que são transmitidos por um mestre. Em outras
palavras, o sujeito que passa a conhecer o mundo é aquele que foi capaz de assimilar os saberes
transmitidos por outros, não havendo possibilidades de trocas e transformações entre sujeitos.
As consequências dessas concepções foram bem formuladas por Paulo Freire, na sua crítica ao
que ele denominou como “educação bancária”.
A partir de uma perspectiva diversa e situando algumas considerações sobre o
desenvolvimento dessas discussões e sobre o ensino de Sociologia nos últimos anos, faz-se
necessário, em primeiro lugar, pensar o planejamento de ensino tendo em vista o currículo, a
109

didática, a formação do professor e as demais práticas do contexto escolar; em segundo lugar,


pensar a seleção de conteúdos não como um processo estático, mas uma prática coletiva que
une prática docente e contexto escolar, e no qual este profissional mobiliza uma série de
outros saberes; e, por fim, a necessidade de pensar a avaliação da aprendizagem numa
perspectiva diagnóstica, ou seja, para afrontar situações da vida, para construir instrumentos
de identificação de novos rumos da aprendizagem, para o reconhecimento dos caminhos
percorridos e identificação dos caminhos a serem perseguidos, na perspectiva de que cada
cidadão se capacite para governar, isto é, a capacidade de refletir e de aprender com
autonomia, de analisar, de criar, de estabelecer relações significativas, deixando de lado o
velho esquema do treinamento e da memorização.

Uma segunda consideração: os desafios da didática da Sociologia na educação básica

A partir da LDBEN de 1996 e da nova conjuntura educacional aberta com a introdução


da obrigatoriedade da Sociologia no Ensino Médio, vêm sendo elaborados e refletidos
diversos aspectos didáticos e de construção de uma metodologia de ensino para a disciplina
em nossas escolas.
Nessas elaborações destacam-se que o ensino de Sociologia no ensino básico tem um
caráter diferenciado em relação ao seu ensino na graduação. Na graduação não há uma
preocupação com a linguagem, pois se tem como objetivo internalizar teorias e conceitos no
processo de formação de cientistas sociais. Por outro lado, no Ensino Médio não há essa
preocupação, pois o objetivo não é formar jovens cientistas sociais, mas sim dar elementos
para que os jovens que estão no Ensino Médio possam ter uma imaginação sociológica,
conforme fala Mills (1975).
Essa preocupação com a linguagem denota um conhecimento acerca das experiências
que os professores de Sociologia têm neste contexto de ensino. Muitos professores relatam
que as posturas da maioria dos estudantes não se adequam ao perfil de uma rotina escolar. Ou
seja, posturas nas quais é rara a participação dos alunos, pois estes nas aulas estão envolvidos
com outras práticas e preocupações de suas próprias vidas juvenis. Em muitos relatos o que se
constata é uma grande dificuldade de professores e alunos estabelecerem um convívio
moderado que gerasse interlocuções em torno da Sociologia.
Os professores percebem que se encontra no Ensino Médio uma maioria de jovens
estudantes que não possuem disposições ao estudo, e a curiosidade é deixada de lado em
detrimento de outras formas acabadas de informação. Relata-se que a grande maioria dos
110

estudantes concentra seus interesses em questões relacionadas à diversão e ao lazer. Ou seja,


enquanto o professor desenvolve o conteúdo, os estudantes escutam músicas, consultam a
internet, contam piadas etc.
Neste contexto, muitos professores recém-formados e que estão ingressando nas
escolas, descobrem que sua formação no ensino superior não significou uma formação
específica para a docência, encontrando uma imensa dificuldade de realizar a chamada
transposição ou mediação didática. Nos debates e reflexões teóricas em didática é o que se
denomina de “choque de realidade”.
Porém, em outro plano fora da sala de aula, se constata dificuldades no ensino de
Sociologia. No plano da instituição escolar, há muitas reclamações de docentes de que o
ensino da Sociologia tem os piores horários. Em muitas escolas, quando se realizam
comemorações ou eventos cívicos, é a Sociologia que sacrifica suas aulas. O professor
descobre até que há uma hierarquia simbólica das disciplinas escolares, sendo que a
Sociologia é relegada à última das prioridades na grade curricular.
Por outro lado, esses docentes encontram uma realidade de precariedade das condições
de trabalho, turmas cujo tamanho inviabiliza certos procedimentos, horários de trabalhos
extensos, diferenciação de turmas e escolas e, devido a sua condição salarial, certa
pauperização da vida pessoal em termos de investimentos culturais e atualizações acadêmicas.
Há também o aspecto da solidão do docente em Sociologia, ou seja, ele não encontra um
espaço de diálogo para refletir sobre suas práticas cotidianas, pois em muitas escolas há
somente um professor de Sociologia.
A constatação dessa realidade, apesar dos poucos escritos publicados no âmbito
acadêmico, vem mobilizando reflexões também no que diz respeito à produção didática do
ensino de Sociologia, ao mesmo tempo em que se discute a sua legitimação pedagógica, ou
seja, quais seriam os objetivos e relevância do seu ensino na educação básica.
O desafio posto, para alguns autores, é a reflexão que viabilize a operacionalização do
conjunto de conhecimentos adquiridos na formação acadêmica em Ciências Sociais para um
público sem uma vivência nessa área e que possui expectativas diversas em relação ao
conteúdo científico em Sociologia. Há consenso de que a Sociologia que aprendemos na
graduação deve passar por um processo de didatização.
Neste sentido, passamos por um novo momento no qual a Sociologia não pode se eximir
dos grandes debates teóricos da educação. Nesse sentido, trata-se de uma oportunidade ímpar.
Entretanto, as reflexões não se limitam ao campo da didática. A formação docente é posta em
discussão e muito questionada. Este questionamento pode ser constatado na medida em que
111

existem problemas decorrentes da descontinuidade entre a formação teórica e a prática


pedagógica dos professores, assim como entre universidade e escola.
A partir dessas considerações, necessitamos destacar alguns possíveis caminhos de
reflexão teórica que podem ser conduzidos pelos formadores das universidades no campo da
didática e das questões metodológicas no ensino de Sociologia.

Uma terceira consideração: formação docente, conhecimento escolar e Letramento


sociológico

Nelson Tomazi (2008) afirmou recentemente que a inserção da Sociologia no espaço


escolar inserirá a prática de professores na matriz curricular, não somente enquanto
profissionais do ensino, mas, ao mesmo tempo, como educadores e investigadores da
realidade social em uma instituição social particular.
De fato, esta pode ser a grande novidade no espaço escolar, ou seja, atores sociais que
tenham como um dos seus fundamentos profissionais a pesquisa sobre a própria realidade em
que vivem. Entretanto, as constatações, os conflitos e as contradições que assinalamos acima
sobre as dificuldades didáticas e da formação docente não é uma especificidade do ensino de
Sociologia. Na verdade, essas reflexões sobre a prática de ensino e formação docente já estão
presente há alguns anos no campo da educação nos diversos níveis de ensino e em diversas
formulações teóricas sobre o ensino escolar (são os casos das discussões sobre alfabetização e
letramento, ensino de história, ensino de matemática etc.). E é neste conjunto de reflexões que
devemos estabelecer um diálogo sobre a didática da Sociologia – nos aspectos de
planejamento, seleção de conteúdos e avaliação. Se, por um lado, podemos estar de acordo
com Silva (2005) de que os pressupostos teóricos e metodológicos para o ensino de
Sociologia devem ser buscados no acúmulo de elaborações das Ciências Sociais, por outro,
não podemos deixar de lado o diálogo com as linhas de pesquisas atualmente existentes nas
teorias educacionais que estão refletindo sobre a formação docente e currículo.
Na primeira linha de pesquisa, busca-se investigar os saberes envolvidos nas atividades
docentes e que, se melhor conhecidos, podem contribuir para a qualificação através da
formação e fortalecimento da identidade profissional docente. No bojo desses estudos foi
criada a categoria de saber docente, que procura dar conta da complexidade e da
especificidade do saber construído no (e para) o exercício da profissão.
Assim, surgem investigações e teorizações que colocam em destaque a crise de
confiança na docência e sua “culpabilização” pelo caos escolar e da deficiente aprendizagem
112

dos alunos. Nessas pesquisas sobre a formação de professores, busca-se compreender como se
dá a aquisição dos saberes que os profissionais carregam e constroem. Vejamos as
formulações de dois autores.
O primeiro é Maurice Tardif (2000 e 2004) que, partindo da perspectiva de que a
subjetividade do professor é essencial na condução do processo educativo, afirma que o
professor possui saberes que são plurais e oriundos da prática e da formação científica e
profissional. Segundo o autor, essa perspectiva, se negligenciada, nos faz míope diante do
entendimento de que o professor é um agente estratégico na grande missão educativa da
escola.
O professor não é um agente passivo que aplica teorias e conhecimentos feitos por
outros especialistas. Pelo contrário, ele é um sujeito ativo que produz saberes, que assume na
prática uma ação significativa construída por ele. Produzindo seu saber, a partir de
experiência pessoal e da prática de ensino, ele constrói competências e desenvolve novas
práticas e estratégias de ação. Consequência dessa perspectiva é o repensar as relações entre
teoria e a prática e o modelo da racionalidade técnica. Esta racionalidade, quando concebe que
os saberes são produzidos somente na teoria e que cabe à prática somente aplicá-la, indica a
não compreensão das lacunas e das dificuldades encontradas nas experiências de sala de aula
e que provavelmente entrará no rol das explicações de que o professor é o responsável pelo
baixo aprendizado de seus alunos.
O professor António Nóvoa (1995 e 1999) elabora uma perspectiva semelhante,
afirmando que as situações que os professores enfrentam e resolvem apresentam
características singulares, exigindo, portanto, respostas únicas. Ele também demarca que o ato
de educar sempre se revestiu pela complexidade e de margens significativas de
imprevisibilidade e que essas características são ainda mais marcantes nos dias de hoje,
devido à presença na escola de crianças e adolescentes de todas as origens sociais e culturais.
Conclui-se, portanto, que um elemento essencial dos debates contemporâneos sobre a
identidade docente é a afirmação de que as zonas indeterminadas da prática se encontram no
cerne do exercício profissional docente.
A segunda linha de pesquisa vai focar a questão do currículo. Herdeiros das elaborações
das teorias críticas, alguns autores concebem as categorias conhecimento escolar e cultura
escolar, como um conhecimento com conformação própria, recontextualizado a partir de
necessidades da ação educativa. Neste sentido, as categorias cultura escolar e conhecimento
escolar são operadas para estabelecer a possibilidade de se considerar a didática em suas
articulações com o contexto sociocultural e com os saberes científicos. Isto implica considerar
113

aspectos de ordem epistemológica. Assim, o que poderia significar o reconhecimento dessas


teorizações no que toca as relações entre conhecimento escolar e conhecimento científico?
Quando se questionam quais seriam os objetivos da Sociologia no Ensino Médio,
quando se espera dela uma intervenção mais promissora na educação básica ou quando se
propõem novas metodologias e recursos didáticos, mesmo em contextos adversos ao seu
ensino, podemos pensar sobre a suposta contradição entre conhecimento cientifico e
conhecimento escolar.
O conhecimento escolar, enquanto mediação didática dos conhecimentos selecionados
pela escola, é um conhecimento inserido na contradição de ter por objetivo a socialização do
conhecimento científico, ao mesmo tempo em que constrói o conhecimento hegemônico
(Lopes, 2007).
O conteúdo da educação expressa certos elementos básicos da cultura: é uma seleção
determinada, um conjunto particular de ênfases e omissões. Neste sentido, há necessariamente
um processo de mediação didática. Tal processo se constitui numa reconstrução dos saberes
que permitem que afirmemos haver a constituição de uma epistemologia eminentemente
escolar.
Assim, podemos constatar que o esforço de professores de Sociologia em elaborar
explicações para seus alunos acaba por constituir novas formas de abordagem de conceitos
científicos, não necessariamente equivocadas, assim como novas formas que facilitam a
compreensão de conceitos. Entretanto, este processo só é possível, sem dúvida, se os
professores tiverem facilidades em suas condições de formação e trabalho, além da
legitimação epistemológica na produção de seus saberes.
O conhecimento da Sociologia produzido nas universidades passa necessariamente por
um processo de mediação didática, numa interação entre os sujeitos presentes na escola e
onde se traduzem os conhecimentos científicos em conhecimentos ensináveis. Essa reflexão
indica uma discussão no campo do currículo de Sociologia sobre a diferença entre a
Sociologia enquanto conhecimento científico e a Sociologia enquanto conhecimento escolar.
Como afirma Forquim (1992), existem diferenças substanciais entre a exposição teórica
e a exposição didática. A primeira deve levar em consideração o estado do conhecimento; a
segunda, o estado de quem conhece, os estados de quem aprende e de quem ensina, sua
posição respectiva com relação ao saber e a forma institucionalizada da relação que existe
entre um e outro, em tal ou qual contexto social. Assim, a perspectiva de constituição de um
saber escolar tem por base a compreensão de que a educação escolar não se limita a fazer
uma seleção de conteúdos, mas tem por função tornar os saberes selecionados efetivamente
114

transmissíveis e assimiláveis. Para isso, é necessário um trabalho de reorganização,


reestruturação ou mediação/transposição didática que, como já afirmamos, dá origem a
configurações cognitivas tipicamente escolares, capaz de compor uma cultura e um
conhecimento escolar sui generis (Forquim, 1993, Apud, Monteiro, 2007).
O reconhecimento das novas elaborações no campo da didática e da prática de ensino
nos leva necessariamente a repensar os aspectos do planejamento de ensino, que faz parte de
uma dinâmica complexa e que não pode ser concebido como um momento separado das
diversas práticas escolares.
Isso significa dizer, em primeiro lugar, que se deve pensar o planejamento em função do
contexto escolar, pois consideramos que podem existir diversas situações de ensino como, por
exemplo, escolas com diversos turnos, configurando efetivamente mais de uma escola num
mesmo espaço; escolas de periferia, onde as condições de aprendizagem são dificultadas pelas
precárias condições de vida dos estudantes; escolas de classe média alta, onde o mundo
virtual é muito mais presente entre os estudantes; ou escolas noturnas, onde há uma dinâmica
de ensino que não pode deixar de levar em consideração a rotina exaustiva dos estudantes
trabalhadores. Essa heterogeneidade indica que o professor de Sociologia não pode
estabelecer o mesmo planejamento para contextos diversos.
Em segundo lugar, o planejamento deve levar em consideração a situação do ensino de
Sociologia, ou seja, a falta de tradição pedagógica e de sua legitimação no contexto escolar,
em função da intermitência desta disciplina na história da educação básica e da possibilidade
de que muitos estudantes estudem a Sociologia pela primeira vez. Assim, pode ocorrer
frequentemente um momento de reflexão do professor, entre uma aula e outra, para avaliar se
seus procedimentos e objetivos estão se desenvolvendo como o esperado, já que há
pouquíssimas referências de planejamento de ensino nesta área em termos de atividade
intencional pela qual se projetam fins e se estabelecem meios para atingi-los.
Em terceiro lugar, é necessário perceber os diversos aspectos presentes na sala de aula,
como a linguagem predominante entre os estudantes, suas relações interpessoais e interações,
e seus conhecimentos prévios sobre determinadas temáticas, que muitas vezes são permeadas
pelo senso comum, trazendo por consequência determinados valores morais e éticos. Ou seja,
refletir nesta perspectiva o planejamento de ensino, é partir do entendimento de que na sala de
aula acontecem muitas coisas ao mesmo tempo, rapidamente e de forma imprevista, e durante
muito tempo, o que faz com que se considere difícil, quando não impossível, a tentativa de
encontrar referências ou modelos para racionalizar a prática de ensino (Dubet, 1997).
115

Para se pensar na seleção de conteúdos de sociologia no Ensino Médio, precisamos de


uma reflexão mais complexa sobre as possibilidades de diálogo entre o ensino de Sociologia e
as teorizações educacionais no campo do currículo referente à categoria conhecimento
escolar.
A seleção e a transmissão dos conteúdos de ensino de Sociologia fazem parte de um
processo de intercâmbio de saberes entre os atores escolares. A ação de selecionar os
conteúdos se forja em um processo dinâmico.
Fazendo referência à categoria de conhecimento escolar, no ensino de Sociologia seria
fundamental a adoção de múltiplos instrumentos metodológicos, ou uma polifonia de
métodos, os quais devem adequar-se aos objetivos pretendidos que poderíamos definir, neste
nível básico de ensino, como de Letramento sociológico, ou seja, a ênfase não seria na forma
como a Sociologia se constrói, mas sim, no que a disciplina construiu, ou seja, a Sociologia
produzida na academia. A preocupação não está centrada no processo de produção
sociológica, mas sim no resultado dessa produção a ser didatizada pelo docente aos estudantes
que, na sua grande maioria, precisam ser mobilizados sobre a relevância da disciplina em sua
formação.
Em outros termos, o Letramento sociológico nesse nível de ensino significa possibilitar
aos estudantes novas leituras da realidade social, novos olhares sobre o mundo, novos
sentidos sobre seu cotidiano. O Letramento sociológico não significa simplesmente a ênfase
do aspecto material da linguagem sociológica, mas na constituição de sentidos e das
dimensões argumentativas desta linguagem. Fazendo uma analogia a partir das formulações
de Paulo Freire, poderíamos afirmar que ler o mundo sociologicamente é pronunciar este
mundo, sistematizá-lo em outro nível o que ele já tem de conhecimento, para, ao final,
conhecer a si mesmo no mundo que o cerca.
Entretanto, sabemos que os jovens já possuem contatos com certa leitura sociológica
antes de entrar para o Ensino Médio, de forma atravessada pelos diversos conteúdos como a
História, a Geografia ou a Literatura, mas também atravessada pelas diversas experiências
formativas fora da escola, nos grupos de pares, nas instituições religiosas, na família, na
internet etc. Entretanto, sua imersão na Sociologia sistematizada – mesmo que mediada pelo
conhecimento escolar e pela sua experiência de vida – acontece a partir do contato com as
práticas da leitura e da escrita sociológica no Ensino Médio, ou seja, a partir de um contato
sistemático com um conhecimento que possui um rigor científico. Assim, a tarefa do
professor de Sociologia é propiciar a ampliação do repertório dos jovens acerca da leitura
sociológica dos fenômenos sociais, além do senso comum, para desnaturalizar e estranhar
116

esta mesma realidade, compreendendo-a como relações sociais e não como práticas
individuais.
Assim, não podemos cometer equívocos no sentido de que a seleção de conteúdos seja
descolada do contexto social em que os estudantes estão inseridos, já que um aspecto
importante para o início de um Letramento sociológico é ter a compreensão de que é
necessário aprender uma perspectiva específica deste campo de conhecimento, mas que ele
faça sentido na realidade social dos estudantes. Ou seja, ou os conteúdos sociológicos
selecionados dão sentido ao mundo, ou eles não têm sentido nenhum. É o que denominamos
em didática de aprendizagem significativa.29
Assim, os conteúdos de Sociologia precisam ser articulados entre a identificação da
linguagem sociológica e a forma de ver a realidade por parte dos estudantes que, tanto numa
quanto noutra, podem ser comparados como a manhã, que, como no poema de João Cabral de
Melo Neto, se perfazia pelo “entrelaçamento de muitos galos”, ou seja, a leitura sociológica
do mundo parece se constituir ao mesmo tempo como um ato individual e coletivo.
A avaliação da aprendizagem tem se constituído no campo da educação numa das
grandes polêmicas atualmente, e tem passado por grandes transformações, muito mais no
aspecto das reflexões teóricas do que no aspecto real da prática de ensino.
A partir da reflexão anteriormente descrita sobre uma concepção de ensino, onde a
avaliação é percebida como puro resultado da técnica pedagógica, se constata ainda as
grandes dificuldades desta tarefa docente no campo do ensino de Sociologia, pois tendo como
referências uma cultura de avaliação escolar pautada por uma concepção de controle e
classificatória, as possibilidades de uma concepção de avaliação mais formativa e diagnóstica
requerem algumas considerações práticas e teóricas.
Quando um professor de Sociologia entra para o magistério, encontra muitas vezes uma
cultura de avaliação estabelecida na perspectiva de criação de hierarquias de excelência. A
avaliação faz com que os alunos sejam comparados e classificados em virtude de uma norma
de excelência, definida no absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos.
Neste caso ela é um fator a serviço da seletividade.
Esta cultura de avaliação, de certa forma, se reflete em depoimentos e experiências de
professores de Sociologia em diversos cantos do país. São os casos, por exemplo, em que se
observa muita competitividade entre estudantes, alimentando, por sua vez, a concepção entre

29
Segundo Kleiman (1995), “Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam
a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos
específicos”. Nessa concepção, letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas
práticas são postas em ação, bem como as conseqüências delas sobre a sociedade.
117

eles de que aprender é passar de ano com uma nota boa ou suficiente. Junta-se a esse cenário a
pressão da própria escola em adotar provas e testes como parâmetro único de avaliação,
práticas sistemáticas sempre cobradas depois em conselhos de classe. Entretanto, o maior
desafio é quando os próprios estudantes não compreendem – e às vezes não aceitam –, uma
avaliação processual e diagnóstica, pois estão habituados a um esquema hierárquico de
avaliação desde os anos iniciais de escolaridade. Há também aquelas situações em que o
professor encontra estudantes com sérias defasagens de leitura, escrita e procedimentos de
estudos limitados à repetição do que está escrito em um texto, ou escrito no quadro de giz
pelo professor.
A Sociologia no Ensino Médio exige certo grau de abstração, pois envolve a
compreensão de uma forma de pensar e explicar o mundo. Neste sentido, o processo de
avaliação deve levar em conta que a compreensão de um modo de pensar em Sociologia não
pode se basear na repetição de algumas definições. O enunciado de uma prova nos diz
unicamente que o estudante que a faz é capaz de lembrar com precisão a definição, mas não
permite averiguar se foi capaz de integrar este conhecimento em suas estruturas
interpretativas. E mais, a pura definição conceitual – importante no ensino de Sociologia – é o
resultado de uma compreensão muito simplista de aprendizagem que, de certo modo, assume
que não existe nenhuma diferença entre expressão verbal e compreensão. Portanto, as
atividades de avaliação mais adequadas para conhecer o grau de compreensão dos conteúdos
conceituais não podem ser simples.
Uma das formas para a perspectiva formativa e diagnóstica de avaliação em Sociologia
é a observação do uso de cada conceito, noções ou princípios em diversas situações e nos
casos em que os jovens utilizam em suas explicações espontâneas. Neste sentido, a
observação dos conceitos em trabalhos de equipe, debates, exposições e, sobretudo, diálogos,
seriam as melhores fontes de informação para a avaliação da aprendizagem. Em outros
termos, se o que queremos da aprendizagem de conceitos é que os jovens estudantes sejam
capazes de utilizá-los em qualquer momento ou situação que os mobilize para tal, teremos que
propor atividades que não consistam numa explicação do que entendemos sobre os conceitos,
mas na resolução de conflitos ou problemas a partir do uso dos mesmos.
Entretanto, como afirmamos na proposição sobre a seleção de conteúdos, essa
perspectiva não pode ser pensada como um momento isolado. A avaliação representa uma
dimensão técnica e política. Mas, enquanto ato político, a avaliação deve levar em
consideração a realidade social, econômica e cultural da escola e dos alunos. É preciso levar
em consideração o cotidiano escolar e a sala de aula, que são constituídos pela
118

imprevisibilidade, pelos diferentes saberes, pela turbulência, pelas subjetividades singulares


dos estudantes e, nesse sentido, as práticas pedagógicas não podem ser produzidas para a
uniformidade. O professor de Sociologia deve utilizar-se de diferentes estratégias de
avaliação, para subsidiar decisões a respeito da aprendizagem. Não há uma finalidade única
na avaliação. Ela só ganha sentido na medida em que se articula com um projeto pedagógico.

Última consideração: as possibilidades de uma nova didática em Sociologia

As perspectivas de formação docente e construção de uma didática desse novo


profissional da Sociologia no Ensino Médio indicam o desafio de construção de um
conhecimento escolar da disciplina. Neste sentido, a formação inicial docente não é
espontânea ou improvisada e nem meramente técnica. Pelo contrário, sua formação deveria
ser pensada a partir da sua perspectiva prática e acadêmica.
Nesta perspectiva, as discussões de didática e prática de ensino dos futuros professores
nas universidades devem se construir numa reflexão sobre e a partir da realidade escolar, onde
teoria e prática não se separem. Isto significa que a prática de ensino é também um espaço de
reflexão e produção de conhecimento. Entretanto, isto depende, por um lado, do diálogo
teórico que devemos realizar para a afirmação da necessidade de pensar a docência em
Sociologia como um elemento integrante dos debates pedagógicos enquanto objetos de estudo
e, por outro, na concepção de que a formação dos professores de Sociologia e a docência no
ensino básico não são incompatíveis com a pesquisa, pois, como afirma Lima (2009),
“o profissional de licenciatura tem de ser também um pesquisador, na medida em
que o grande diferencial que a Sociologia pode trazer na educação básica passa pela
construção por parte dos alunos, de uma capacidade de pensar sociologicamente.
Isto só será possível se, guardadas as devidas proporções, eles começarem a utilizar
a pesquisa como forma de conhecer a realidade social. Assim, um bom profissional
de ensino básico precisa ser também um bom pesquisador” (p. 202).

Certamente podemos construir uma nova perspectiva profissional e teórica na educação


básica do ponto de vista do conhecimento escolar em Sociologia. Entretanto, essa construção
deve levar em consideração que enfrentaremos condições bem objetivas que podem dificultar
ou facilitar nossas formulações: somos a disciplina que somente surge para os estudantes da
educação básica nos três anos finais de escolaridade. Neste sentido é que justificamos a
necessidade de se realizar um Letramento, não no sentido de engessar o conhecimento
sociológico, mas na perspectiva de inaugurar novos olhares sistematizados sobre a realidade
social; os docentes de Sociologia vivem um processo de busca de consolidação de seus
espaços nas escolas, numa posição ainda de luta e conquista que não se efetivou
119

completamente; a herança da intermitência da Sociologia pode contribuir para manter as


lacunas pedagógicas vivenciadas pelos professores, porém podem também contribuir para a
construção de outra perspectiva didática e profissional que evite as contradições vivenciadas
por outras áreas do conhecimento escolar; ainda não existe uma comunidade acadêmica, no
sentido de sujeitos coletivos, que combata teoricamente o preconceito acadêmico em relação
ao ensino de Sociologia na educação básica;30 em função das diversas contradições e
problemas estruturais dos contextos escolares, enfrentamos a luta pela legitimação pedagógica
da disciplina e pela constituição de um ethos favorável ao ensino da sociologia; e, por fim, do
ponto de vista epistemológico, o conhecimento sociológico ainda é percebido por muitos
(estudantes e profissionais do ensino de outras áreas) como um campo de conhecimento com
objetos de estudos pouco definidos ou genéricos e, por consequência, com metodologias
pouco objetivas.
Construir a identidade da disciplina e do profissional de Sociologia no Ensino Médio e
uma didática própria é antes de tudo uma conquista de espaço e de reconhecimento. Uma
tarefa complexa, pois é preciso saber quais conhecimentos desejamos que a Sociologia no
Ensino Médio construa, e que responsabilidades possui o professor de sociologia. Por outro
lado, o ensino de Sociologia é conduzido aos alunos para aprenderem a observar, perguntarem
sobre o que observam, construírem explicações e explicarem os fenômenos sociais. Neste
sentido, o ensino de Sociologia não pode se limitar a aulas expositivas, ao estudo do livro
didático ou à “decoreba” de conceitos ou questionários. A sociologia na sala de aula é
complexa e polifônica.
Enfim, um novo desafio teórico para as Ciências Sociais é o entendimento de que a
escola é um lugar onde um professor está tentando ensinar coisas para seus estudantes que
estão tentando aprendê-las, além de levar em consideração que, para os profissionais da
Sociologia, é necessário construir e formular sobre a lógica presente nesse espaço particular,
ao mesmo tempo em que se está atuando nele.
Com certeza, essa construção se fará na articulação entre as formulações teóricas no
campo da educação e da própria Sociologia, forjadas por um conjunto de sujeitos coletivos
reais, a saber, os formadores das universidades, os licenciandos e os profissionais das escolas,
principalmente das escolas públicas.

30
No mês de maio de 2012 foi fundada no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais
– ABECS. Esta associação tem como um de seus principais objetivos agregar profissionais das universidades e
professores da Educação Básica para promover discussões políticas, acadêmicas e pedagógicas acerca dos
desafios do ensino de Sociologia no Ensino Médio, constituindo-se de fato enquanto coletivo nacionalmente
estruturado e capaz de ampliar a legitimidade da Sociologia nesse nível de ensino.
120

Referências

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nº 5 e 6, mai/dez 1997, p. 222-231.
FORQUIN, Jean C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. In: Teoria &
Educação. Porto Alegre: nº 5, 1992, p. 28-49.
___. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto
Alegre: ArtMed, 1993.
LIMA, Rogério Mendes de. A sociologia no ensino básico: desafios e dilemas. In:
HANDFAS, Anita e OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. (Orgs.). A Sociologia vai à escola.
História, ensino e docência. Rio de Janeiro: Ed. Quartet, 2009, p. 197-202.
KLEIMAN, Angela B. (Org.). Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras,
1995.
LOPES, Alice Casimiro. Currículo e epistemologia. Ijuí: Ed. Unijui, 2007.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia. São Paulo: Cortez Editora, 1994.
MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
MONTEIRO, Ana Maria. Professores de história. Entre saberes e práticas. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2007.
NÓVOA, Antonio (Org.) Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1995.
___. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. In:
Educação e Pesquisa. São Paulo: v. 25, n. 1, jan/jun. 1999, p. 11-20.
SILVA, Ileizi Fiorelli. A Imaginação Sociológica: desenvolvendo o raciocínio sociológico nas
aulas com jovens e adolescentes. (Experiências e Práticas de Ensino). Roteiro apresentado no
minicurso do Simpósio Estadual de Sociologia, promovido pela Secretaria de Estado de
Educação do Paraná, nos dias 20 a 22 de Junho de 2005, em Curitiba-PR.
TARDIF, M. e RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério.
Educação e Sociedade. Campinas: Vol. 21. Nº73, dez. 2000, p. 209-244.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2004.
TOMAZI, Nelson Dacio. Entrevista. Revista eletrônica Inter-legere. Nº 03, jul/dez, 2008.
Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/revista/pdf/3/db02.pdf.
121

Capítulo 9 O Programa Internacional de Avaliação dos


Estudantes (PISA): a sociologia e o aprendizado científico

Lígia Wilhelms Eras31


Adélia Miglievich-Ribeiro32

Apresentação

O Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA)33 compõe uma rede


mundial de análise educacional liderada pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento (OCDE) que desde o ano 2000, a cada triênio, realiza avaliações
envolvendo hoje aproximadamente 65 países34 e, tem, no Brasil, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)35 como coordenador geral. Os estudantes a
participar da avaliação são escolhidos por amostragem aleatória dentre os que estão

31
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista CAPES. Membro do Grupo
de Pesquisa Educação, Cultura e Cidadania (Unioeste). E-mail: ligiaweras@hotmail.com
32
Doutora em Sociologia PPGSA/IFCS/UFRJ. Professora do DCSO e dos Programas de Pós-Graduação em
Ciências Sociais (PGCS) e em Letras (PPGL) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista
Sênior Cátedra IPEA/CAPES. E-mail: miglievich@gmail.com.br
33
Relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Edição 2000, 2003, 2006 e 2009.
Disponível em <www.inep.gov.br/internacional/pisa> Acesso em fevereiro de 2012.
34
Países participantes da avaliação: Argentina, Alemanha, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Brasil,
Bulgária, Canadá, Chile, Colômbia, Coréia, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Eslováquia, Espanha, Estados
Unidos da América, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hong Kong - China, Hungria,
Indonésia, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Jordânia, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macau
- China, México, Montenegro, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Catar, Quirguistão,
Reino Unido, República Tcheca, Romênia, Sérvia, Suécia, Suíça, Tailândia, Taipei - China, Tunísia, Turquia,
Uruguai, Albânia, Cazaquistão, Cingapura, Dubai (Emirados Árabes Unidos), Panamá, Peru, Trinidad e Tobago,
Xangai, China.
35
No Brasil há dois sistemas complementares de avaliação da Educação Básica (SAEB) e um específico para a
avaliação do Ensino Médio (ENEM), todos coordenados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
Educacional Anísio Teixeira (INEP) e o Ministério da Educação (MEC). Os dados coletados geram índices sobre
o desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no Brasil: a) Avaliação Nacional da Educação Básica (ANAEB)
aplicada a uma amostra de alunos da educação pública e privada que estão cursando o 5º e o 9º ano do Ensino
Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio; b) Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANAESC)
censitariamente aplicadas aos alunos da rede pública e privada de ensino que estão no 5º e o 9º ano da Educação
Básica. As provas são aplicadas a cada dois anos e avaliam as habilidades interpretativas dos alunos ligadas às
áreas de Língua Portuguesa, Matemática e questões socioeconômicas; c) ENEM – Exame Nacional do Ensino
Médio, realizado anualmente, que além de avaliar o sistema e a qualidade do Ensino Médio é contemplado por
algumas Instituições de Ensino Superior Públicas (IES) do Brasil como sistema de ingresso de estudantes para o
ensino superior. Disponível em: < www.inep.gov.br>. Acesso em maio de 2012. Para objeto restrito desse estudo
elegemos o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) para análise dos limites e da formação
do letramento científico e as possibilidades de se pensar o aprendizado científico no Ensino de Sociologia no
âmbito escolar.
122

finalizando a escolaridade básica obrigatória, o que no Brasil, abrange a sétima e a oitava


séries do ensino fundamental e os três anos do ensino médio.
A avaliação busca conhecer dos alunos as competências e as habilidades utilizadas por
estes na elaboração de seu raciocínio para identificar, recuperar informações, integrar e
interpretar, refletir e avaliar os dados na prática da leitura e na resolução de problemas
matemáticos. Contempla ainda questionários com os diretores das escolas, públicas e
privadas, rurais e urbanas, sorteadas sobre o perfil da escola, os métodos e processos de
ensino e aprendizagem e a ambiência sócio-educacional.
O PISA fornece-nos em seus resultados dados relevantes sobre a realidade escolar que
nos incentivam a algo como uma “Sociologia do aprendizado”. Posto que o aprendizado
científico das ditas ciências da vida e tecnológicas não se dá separadamente do aprendizado
das ciências humanas e sociais, ver no letramento científico almejado pelo PISA a construção
de prática social reflexiva que instiga a curiosidade da inteligência e pode ter frutos também
nas aulas de Sociologia. Noutro sentido, a Sociologia pode exercer uma influência no
desenvolvimento de atitudes positivas à busca de conhecimentos, neste caso, tornar-se ela
mesma um incentivo ao letramento científico.
A tarefa intelectual e didática da Sociologia pode – este é nosso argumento - ser mais do
que apenas uma presença no currículo escolar. Ela pode ser convidada a mobilizar a prática da
auto-reflexividade, um dos componentes para se construir uma educação para a autonomia,
também, no “fazer científico” que inclui a possibilidade de se duvidar da própria ciência.
Como propôs Mannheim (2004), a Sociologia pode como pensamento sobre uma prática
atribuir uma nova dinâmica à existência humana e social, capacitando-nos a lidar com todas
as angústias e destinos de nosso tempo.

Uma Sociologia do PISA e do letramento científico

No extenso relatório que compõe os resultados de cada edição do PISA, pode-se coletar
indicadores sociais que relacionam a produção do conhecimento e dos saberes escolares aos
aspectos demográficos e socioeconômicos. Também sobre a motivação dos alunos em face do
aprendizado uma vez que se busca registrar a percepção do estudante acerca de si mesmo no
processo de aproximação das ciências. As competências avaliadas conjugam as áreas pessoal,
social e global e, por fim, científica. A cada triênio, a avaliação elege uma ênfase temática
dentre as três áreas avaliadas: leitura, matemática e ciência. Para a produção desse artigo,
detemo-nos nos dados gerais coletados das edições PISA realizadas de 2000 a 2009 e, mais
123

detidamente, examinamos a edição PISA 2006, que trata do aprendizado “sobre Ciência e
para a Ciência”, conforme se pode ver no quadro que segue:
EDIÇÕES PISA – ÊNFASE TEMÁTICA
Ano Área Temática – Ênfase Análise
2000 Leitura
2003 Matemática
2006 Ciência
2009 Leitura
Tabela 1 – Fonte: PISA em Foco. Inep (2012). In: www.inep.gov.br

No ano de 2006, os conhecimentos em foco no PISA foram os sistemas físicos, vivos,


da terra e tecnológicos e os resultados apontaram para o fato de que o bom desempenho em
ciência não garante por si só um envolvimento satisfatório dos indivíduos nas áreas de
ciências, ou seja, o letramento científico. Os alunos podem dizer que “a ciência é importante”,
mas não vêem por isto conexão com sua vida. Detêm informação científica, porém, sem
convicções pessoais com relação aos fatos científicos que sustentem qualquer decisão sua.
Não existe, noutros termos, atitude científica, aquela que para além da constatação dos fatos
leva o indivíduo à busca de meios de intervenção nestes.
Até mesmo no item “preocupação ambiental” que, por excelência, traz o debate dos
efeitos da ação humana sobre o meio ambiente, os estudantes avaliados são capazes de
reconhecer sentido na discussão, que lhes é mais familiar, porém isto não implica que se
percebam como habilitados a agir na busca de novas saídas e resoluções para esse problema.
Mais uma vez, o letramento científico mostra-se fragilizado por seu distanciamento da vida
sem gerar a postura de responsabilidade social perante o meio ambiente e a sociedade nos
quais o aluno se insere.
O contato com as disciplinas científicas desafia dois elementos que participam da
constituição do aprendizado, a saber, a capacidade do aluno em descobrir a sua autonomia
com relação à construção do conhecimento e como lidar com as dificuldades de todo
aprendizado. Falamos aqui de frustrações e superações, a mola-mestra da pesquisa científica.
O que o letramento científico ou sua ausência vem demonstrar é que o investimento na
aprendizagem, na formação cognitiva, humana e profissional do educando, não se encerra no
quesito “nota da prova”, mas na busca eficaz do sentido do conhecimento adquirido para a
vida do aluno. Na medida em que este “salto qualitativo” não se dá, os estudantes revelam um
aprendizado deficitário no quesito “confiança em si mesmo” e em sua não-capacidade de
124

resolver problemas escolares que trarão desdobramentos negativos nas dificuldades e histórias
de insucesso também na vida adulta. Por isso, aprender é mais do que o acesso a um conjunto
de conteúdos, requer envolvimento – dos sentidos e significações - com as matérias, os
colegas, o entorno social e consigo mesmo no processo de construção do conhecimento.
Requer motivação para a criatividade e para a ousadia.
No perfil dos estudantes que apresentavam “afinidade com relação ao ensino de
ciências”, pôde-se notar um elemento emocional na produção desse gosto pela ciência: a)
gostam de conhecer o novo e divertem-se com a aprendizagem; b) associam a aula ao
cotidiano, não a apartando da sua vida; c) há prazer na construção do conhecimento.
Os alunos que apresentam um perfil voltado à formação científica percebem que a
habilidade da leitura e da escrita são importantes para o desenvolvimento da aprendizagem.
Também não é gratuito, mas esperado, que aqueles cujos pais que estão na carreira científica
são mais facilmente instigados. Quanto às formas pelas quais os jovens utilizam seu tempo
livre para saber sobre ciência, a maioria aponta a TV, o jornal, as revistas, o rádio como
canais privilegiados de acesso ao mundo da ciência. Um total de 96% dos estudantes
avaliados não frequenta “clubes de ciência” com regularidade e o acesso à ciência se dá
normalmente, na sala de aula e/ou por meio de outras mídias.
Um perfil curiosamente identificado foi o caso de escolas de filhos de imigrantes. Neste
caso, pôde-se perceber um gosto pelo diferente, “um diferente de mim com quem posso
aprender e desenvolver a curiosidade pelo novo (costumes, práticas, conhecimentos)”, mas
também um medo, ”o estrangeiro tem o domínio de um conhecimento diferenciado, estranho
e distanciado, que me inibe e distancia nossos mundos” O desafio, portanto, está em se
despertar a primeira atitude ao invés da segunda.
Com relação aos dados contextuais aplicados às competências de aprendizado sobre as
ciências, podemos partilhar algumas problematizações:
a) Há o reconhecimento do interesse e da importância, que os alunos atribuem à
ciência, porém os efeitos com relação à formação das atitudes são muito frágeis que
inibe a construção de mudanças sociais e educacionais. Perguntamos: podemos
tornar o interesse pela ciência mais consequente na construção da
personalidade do educando?
b) A distância dos conteúdos científicos e a vida é algo preocupante. A experiência
escolar está dissociada da formação de um agente transformador em exponencial.
Perguntamos: Os alunos confiam mais nas tecnologias do que em sua própria
capacidade para a mudança?
c) Existe um gosto um tanto indefinido pela ciência, porém, nem todos parecem ter
a mesma a mesma percepção do que seja efetivamente a ciência, do lugar dela na
sociedade, das atitudes dos cientistas e de como são afetados por seus inventos em
sociedade. O letramento se depara com a necessidade do aluno dialogar criticamente
com essa ciência e os seus resultados em seu espaço social. Perguntamos: o gosto
pela ciência é cultivo apenas de uma minoria?
125

As respostas exigem cautela em razão de algumas evidências atestadas, sobretudo, pela


análise sociológica:
• O acesso à ciência pelo desenvolvimento do gosto pela mesma é “travado”
geralmente por uma origem familiar e socioeconômica que impede a participação
lúdica em experiências escolares-científicas que possam formar este gosto.
Enfrentamos aqui um problema que é além de educacional, É social. Poda-se, de
princípio, a possibilidade criadora de nascimento de novos talentos dentre grupos
sociais naturalizados como distantes ou hostis à ambiência do letramento científico;
• A estrutura da escola e as práticas de ensino tendem a trabalhar com o “fato
científico” de forma estática, inerte e exógena. O aluno tem dificuldade de
aproximar teoria e prática e o conteúdo didático se esvazia de sentido ao longo do
processo de aprendizagem. Quiçá, a estrutura escolar precise também ela passar por
um novo letramento educacional? Falamos aqui da cuidadosa formação para o
magistério a formar professores competentes na criação de elos entre conteúdos e
vivência de seu alunado, a dirimir a oposição entre o mundo científico, o espaço
escolar e o cotidiano do estudante. Ponderamos que incentivar a iniciativa pública e
privada a investir, fomentando bolsas de iniciação científica, desde os primeiros
anos do ensino fundamental, a curiosidade pelo conhecimento é uma condição de se
criar, desde cedo, o que Pierre Bourdieu (1998, 2004) cunhou como “habitus”, no
caso, favorável à ciência. Trata-se de pré-disposições psíquicas que, ao mesmo
tempo, são estruturadas socialmente, também, estruturam os agentes sociais e seus
contextos, no caso, levando-o a “sentir” o ambiente da pesquisa como algo do qual
possa se apropriar: algo curioso e instigante. Se a escola e seus agentes não vêem a
criação do conhecimento como algo que lhes diz respeito, distanciam-se, para o
educador e para o educando, as possibilidades de surgimento de novos talentos
geracionais, aumentando, por sua vez, o risco de também se paralisar as
possibilidades de inovação e mudança social.

Para haver o letramento científico há de se investir em trabalho pedagógico direcionado


a um planejamento e projeto de currículo em que se definam caminhadas e trajetórias dos
sujeitos-educandos. Ainda assim, inserir o letramento científico no currículo sem os
suficientes e competentes recursos humanos e estruturais é uma inconsequência. O letramento
científico existe para uma mudança na formação e nas experiências educacionais na medida
em que se alia ensino, pesquisa e experiências de vida. Os espaços “frios” dos laboratórios de
física, química, biologia e/ou outras ciências não garantem o letramento científico, mas seu
uso, tornado espaço social, de relacionamentos humanos, sociais e afetivos.

O lugar do Ensino de Sociologia no Ensino da e para a Ciência

Diante de uma situação de insucesso no letramento científico como pudemos expor


anteriormente, há uma série de razões em que a escola apareceria como produto impotente
diante de constrangimentos sociais a impedir o êxito da experiência, exceto entre grupos
claramente privilegiados. Ocorre que se pode postular que, em que pesem os limites impostos
externamente à prática pedagógica, ela mesma tem chances de se constituir também num
126

impeditivo para o desenvolvimento de um gosto nos alunos pela descoberta científica e pela
construção conhecimentos diante de desafios práticos.
A Sociologia como ciência que surge historicamente ligada a um contexto de
emergência do conhecimento científico, como herdeira do advento da modernidade e
convidada constantemente a explicar os efeitos da sociedade moderna, dentre eles a
racionalidade, a cientificização da vida, sobre o conjunto de experiências que interferem na
organização desta sociedade e na conformação dos comportamentos humanos, também
participa da constituição de um letramento científico. Até mesmo a crise da modernidade com
a percepção dos efeitos perversos da cientifização do mundo não é menos carente de
compreensão do que quando se tinha no progresso científico todas as apostas humanas.
A trajetória intermitente da sociologia nos currículos da Educação Básica (Moraes,
1989 e 2011), (Silva, 2007, 2008 e 2011), traz problemas graves para sua inserção na escola,
mas também possibilidades inéditas, tal como a que aqui postulamos acerca de sua
participação na construção do letramento científico almejado pelo PISA. A chance do aluno
pensar sua biografia e seu cotidiano relacionados a outras esferas a ele mais abstratas tais
como a sociedade, seu passado, presente e futuro, sobretudo, não tomando o conhecimento
como dado, mas como produzido e dotado de sentido, que as pessoas atribuem a este e supõe
o exercício da “imaginação sociológica” (Mills, 1975), numa percepção que o inspire à
desconstrução e ao estranhamento36 (Moraes, 2011) das visões mais fatalistas do senso
comum que vêem o mundo como imutável.
A perspectiva de um aprendizado científico a partir da Sociologia apresenta dois
desafios: a) apresentar ao aluno que é necessário compreender e problematizar a gênese dos
fenômenos sociais de modo que apreendam a dinâmica das estruturas, dos processos e de si
mesmos nas configurações societárias; b) expor ao aluno que este se torna sujeito do
conhecimento na medida de sua própria socialização na produção de conhecimentos e de
sentidos para os mesmos, sentidos estes em aberto, indefinidos, portanto, possibilidades e
oportunidades.
O momento da Sociologia nas escolas coaduna-se, pois, com a necessidade emergente
desta mesma escola exercitar a reflexividade, de modo a propor novos parâmetros para um
“novo letramento da vida escolar”, em que coexistam letramento científico e letramento social
(daí que o letramento científico em seu sentido pleno será também viável) mediante formas

36
Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio – OCNEM. Ciências Humanas e suas tecnologias.
Brasília: MEC, 2006. In: MORAES, Amaury César, GUIMARÃES, Elisabeth da Fonseca. Metodologia de
Ensino de Ciências Sociais: relendo as OCNEM – Sociologia. Coleção explorando o Ensino. Ministério da
Educação, 2011.
127

mais significativas de aprendizado, levando em consideração as condições sociais de


produção e determinação da produção do processo educacional na escola, uma Sociologia do
conhecimento da escola/dos processos educacionais que leve em conta o:
(...) conjunto de questões e de orientações metodológicas que tem por objeto o
estudo dos “determinantes” sociais do conhecimento e especialmente do
conhecimento científico (...) o conteúdo do programa e a descrição de seus
resultados do que com a sua natureza, isto é, principalmente com a própria noção
dos determinantes sociais do conhecimento e a maneira como essa “determinação” é
interpretada. (Boudon e Bourricaud, 1993, p. 90).

Entre o Ensino de Sociologia e o Ensino de Ciência/para a Ciência se percebe que os


conteúdos e as modalidades das práticas de ensino, presentes em livros e manuais didáticos,
apontam para temas pertinentes e urgentes de serem tomados enquanto objeto de estudo da
Sociologia, a favorecer o letramento científico, que exige entre a realização da conexão com o
mundo real e a percepção do aluno como seu agente. Sabemos que a produção de
conhecimento, afastada da produção de sentidos para o jovem estudante e seu mundo é um
agravante a paralisar os efeitos inovadores do aprendizado científico, contribuindo na
estagnação escolar e em sua não-atratividade sobre o aluno. Isto vem marcando drasticamente
as gerações de professores e alunos no contexto contemporâneo em que a escola parece se
tornar irrelevante ou opressora para o estudante. Além da habilidade matemática, o letramento
científico implica na atribuição de sentido pelo aluno a suas fórmulas matemáticas. Mas,
como fazer isto se sequer este aluno se percebe ele mesmo como agente de sentidos?
As tabelas dois e três apresentadas abaixo são compilações produzidas a partir do
acompanhamento de experiências, discussões, possibilidades de trabalho relatadas em
diferentes espaços – eventos e produções científicas acerca do Ensino de Sociologia37 –
quanto ao aproveitamento exponencial do Ensino de Sociologia para se pensar conteúdos e
metodologias de ensino para o espaço escolar. Propomos retomar conteúdos específicos da
disciplina de Sociologia a fim de apontar, num segundo momento, para sua interface com a
construção de uma ambiência escolar mais permeável à curiosidade intelectual e científica.
Alguns desses temas podem ser vistos abaixo:

37
Vide discussões e experiências sobre temas e metodologias de Ensino de Sociologia voltadas à Educação
Básica em: XV Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Curitiba: UFPR, 2011. XIII
Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. XIV Congresso
Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Recife: UFPE, 2007. Disponíveis em:
www.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de 2012. I Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na
Educação Básica. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. 2º Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação
Básica. Curitiba: PUC, 2011. Disponíveis em: < www.educacaobasica.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de
2012.
128

CONTEÚDOS/TEMAS – ENSINO DE SOCIOLOGIA

Identidades Étnico-Culturais; Religiosas; Sexuais; Políticas (Processos de afirmação,


diferença e reconhecimento)

Meio-Ambiente e Sociedade

Movimentos, Mobilizações e Participação

Mass Media e Vida Social

Violência

Tabela 2 – Compilações produzidas a partir das discussões e experiências sobre o Ensino de Sociologia
(Congresso Brasileiro de Sociologia- 2007, 2009 e 2011 e Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia
na Educação Básica – 2009 e 2011).

O estudo sociológico das identidades e de sua constituição na relação com os outros, o


meio ambiente, as diferentes mídias na forma de compatibilidades e incompatibilidades,
conflitos, resistência, adaptação, apatia, conversão, violência, destruição, construção,
transformação que se evidenciam em diferentes movimentos de ordem social, política e
cultural (na escola e fora da escola), temas da ordem do dia nas Ciências Sociais, propõem a
formação de um ser competente para a autonomia e a responsabilidade, fatores requeridos
para um aluno interessado em decifrar o mundo e a si mesmo no mundo, para nele atuar com
aptidões para lidar com os constrangimentos, as adversidades, as frustrações, que, em suma,
serão também, no modo como se pretende enfrentá-las, condicionantes da identidade do
sujeito. Se todas as disciplinas e a escola devem propiciar tais aprendizados, não há que se
negar o papel singular da Sociologia.
O ensino de Sociologia não pretende desconsiderar, ao contrário, a caminhada de
acúmulo de conhecimentos em sua seara, mas a partir deste acúmulo, interpelar o sujeito-
educando a participar deste processo. Para tal, a revisão das metodologias pelas quais se dá a
mediação entre os saberes acadêmicos e a sala de aula na Educação Básica é uma exigência.
Neste empenho, a interação com o universo midiático, as várias modalidades de expressão, da
arte e das corporalidades, são exemplares das novas configurações de conhecimentos.

METODOLOGIAS DE ENSINO DE SOCIOLOGIA


Redes Sociais e Comunitárias
Documentários e Vídeos
Mídias Digitais
Jornais e Revistas
129

Arte, Música, Literatura e Poesia


Produção Livros Didáticos e Materiais Didáticos de Apoio
Entrevista/Pesquisa-Ação
Seminários e Semanas Sociologia
Projetos Interdisciplinares
Tabela 3 – Compilações produzidas a partir das discussões e experiências sobre o Ensino de Sociologia
(Congresso Brasileiro de Sociologia- 2007, 2009 e 2011 e Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia
na Educação Básica – 2009 e 2011)

Se o Projeto PISA demonstra uma expectativa em torno da escola como letramento


científico, revelamos depender este de uma ressignificação do universo escolar e, por isso,
nenhuma disciplina está indiferente a esta meta. Também não a Sociologia em sua nítida
participação na formação de sujeitos que pela linguagem, buscam o entendimento mútuo em
torno de sua preparação compreensiva, atitudinal e transformadora da realidade social, cada
vez mais merecedora da adjetivação “sociedade do conhecimento”.
Mais do que nunca, compreender o que seja efetivamente a Ciência, e como podem
estar inseridos nela é uma exigência sobre o educando se não se pretende mantê-los marginais
na sociedade. Disto faz parte pensar com clareza as condições sociais para a produção do
conhecimento em sua sociedade. A avaliação feita pelo PISA, contudo, explicita a apartação
entre vida e conhecimento científico, de modo que o conhecimento escolar mostra-se ineficaz
na mobilização do conhecimento científico para os desafios reais que são enfrentados pelos
alunos inibindo-o de ser partícipe ativo da construção do mundo social. E a Sociologia, por
excelência, dialoga com o aluno acerca deste mesmo mundo social.
Alguns indicadores do PISA relatam que o letramento científico remete à necessidade
de rupturas e ações no cerne da formação e das práticas de ensino, de modo, sobretudo, ao
indivíduo perceber a ciência como relação social contínua na qual interagem experiências,
ideias, conhecimentos e parâmetros tecnológicos em incessantes ressignificações.
Podemos lembrar que a última avaliação realizada (PISA: 2009), as habilidades para a
leitura e para a o cálculo matemático ainda revelavam sérios problemas. Trata-se, porém, de
duas habilidades que só podem ser conquistadas se praticadas também para além das rígidas
disciplinas escolares. Mais do que o uso da cognição para a Língua Portuguesa e a
Matemática, propriamente ditas, falamos de habilidades que se pautam no desafio de se
pensar logicamente e significativamente a comunicação entre seres humanos entre si e com
seu meio físico. Se para desenvolver um raciocínio científico em Física, Química, Biologia
necessita-se compreender o que se lê e remeter a perguntas lógicas, quânticas e matemáticas e
se, para se situar geográfica, histórica, filosófica e sociologicamente precisamos também de
130

aptidões comunicacionais, portanto, de processos de leitura de mundo, de contextos,


reiteramos algo que é uma exigência sobre o sistema escolar que liga nossa disciplina às
demais na mesma relevância, cada qual com suas especificidades: desenvolver no aluno a
capacidade de se fazer entender, de entender a si e ao entorno, de agir sobre este bem como
compreender como é por ele também. O precário resultado nesta avaliação de nossos alunos
em seu letramento científico aponta, é nossa hipótese, para uma possível subestimação do
papel central das disciplinas não nominadas no PISA em seu êxito.

BRASIL/RESULTADOS - PISA 2009


Leitura 49º lugar
Matemática 53º lugar
Ciências 49º lugar
Tabela 4 – Fonte: PISA em Foco. Inep (2012). In: www.inep.gov.br

Ainda observando o conjunto dos dados do relatório PISA 2009, notam-se desafios
inúmeros tendo em vista, um maior êxito em futuras avaliações. Não é mera coincidência que
tais desafios e seus temas relacionam-se francamente aos conteúdos da Sociologia que retorna
em necessário momento ao currículo escolar:

O que os alunos sabem e o que podem saber/fazer?


Aprendizado e prática: fazer, fazendo
A busca da equidade social e educacional
Aprender a aprender: participação estudantil, estratégias e práticas
O que faz uma escola de sucesso: recursos, políticas e práticas
Experiências de superação educacionais: países e superação dos dados PISA ao longo do
tempo/avaliações
Aprendizado em tempos de comunicação on-line: tecnologias digitais e o uso das tecnologias
para o aprendizado.
Tabela 5 – Fonte: PISA em Foco. Inep (2012). In: www.inep.gov.br

Temas que atravessam o PISA


Imigração
Autonomia
Aprovação/Reprovações e o sistema de ensino
Origem social e Superação Educacional
131

Disciplina escolar
Classes extra-escolares
O diálogo entre os níveis de ensino: educação infantil, básica, superior e de pós-graduação.
Tabela 6 – Fonte: PISA em Foco. Inep (2012). In: www.inep.gov.br

Expectativas se movem para as novas edições de avaliação PISA. Em 2012, o foco de


avaliação será a Matemática e, em 2015, o Ensino de Ciências. Estima-se que a avaliação de
2012 abrangerá uma sub-amostra de 256 escolas brasileiras de uma amostragem total de 25
mil alunos e 902 escolas. Ocorrerá por meio de uma prova em pendrive criptografado. O
Brasil tem participado desde a primeira edição e acompanhado evoluções na aplicação da
prova, fato que ocorrerá a partir das aplicações que serão realizadas no mês de maio de 2012,
cogitando-se que a prova seja por meio eletrônico, a fim de observar também mais um
letramento – o digital – na instrumentalização dos conhecimentos de leitura, matemática e
ciência atrelados a sociedade informacional e tecnológica.
O conhecimento científico estabelece na cultura contemporânea um tipo de relação
social específico. Especialmente visualizados no uso e na apropriação de uma tecnologia que
estimula e provoca um aprendizado, na vivência e experimentação. O universo tecnológico
também pode ser um sinônimo do espaço virtualizado. Em Manuel Castells (1998), a chave
de leitura está em seu conceito de sociedade em rede, pelo qual percebe as características do
mundo contemporâneo globalizado que se une a lógica da reestruturação do capitalismo à
potencialidade e o alcance da tecnologia da informação. A internet também se torna um canal
de apropriação epistemológica humana, de manifestação e afirmação de identidades e
diversidades (movimentação de ideias ambientalistas, comunitárias, etnicidades, tendências
musicais e de movimentos sociais específicos). É inegável a forma pela qual a técnica invade
a vida humana e o quão dependentes ficamos desta relação. Porém, é também necessário
observar que os recursos tecnológicos – mesmo entre o público jovem – não é uma segurança
plena de inclusão digital, do uso efetivo da ferramenta virtual em telecentros, lan houses ou
laboratórios escolares e os significados e utilidades distintas do uso da internet. Os recursos
nem sempre conseguem atingir um cunho escolar e de aprendizado na transformação das
experiências de vida e de seus desafios de sociabilidade, e que moverão a nossa curiosidade
como constarão em futuros diagnósticos.
Quando se discute a idéia de letramento, está envolvida uma prática de ensino associada
à capacidade reflexiva de ler/pensar o mundo, de visualizar mudanças e motivar ações. É
descobrir seus talentos. Saber ler um texto é também saber ler uma realidade social e isto
132

implica num relacionamento, numa perspectiva de mundo. Saber comunicar-se, mover-se é


compreender atribuir sentido ao mundo. É desenvolver um raciocínio aplicado a outras
criações e inovações. É desenvolver uma inquietude, da busca, da descoberta, da criação. É
saber explorar significativamente seu habitat em favor, espera-se, da humanidade e do
planeta. Também é saber respeitar limites e intervir nas condições de vida humana.

Considerações finais

O Grupo Ibero-Americano PISA, composto por representantes das políticas


educacionais do Brasil, México e Uruguai, busca compartilhar e problematizar situações,
experiências, dilemas em face dos indicadores produzidos pela avaliação PISA, além de
intercambiar possíveis soluções aos problemas educacionais que cada país enfrenta, em duas
tarefas primordiais: a) conhecer melhor à realidade educacional do país e de suas escolas; b)
redirigir o olhar focado exclusivamente na sua própria realidade para experiências
educacionais de outros países e regiões.
É fato que os resultados do relatório PISA (2000 a 2009) não se encerram nos
diagnósticos, mas suscitam o pensamento sobre as formas mais adequadas e eficazes de
intervir no processo educacional, que potencialize os recursos educacionais, formativos e de
construção de novos sujeitos atuantes na sociedade em que vivem.
Se o desempenho escolar insatisfatório é o primeiro dos grandes desafios, tal problema
pode ser proveniente de múltiplas dimensões: condição socioeconômica e familiar; sistema
escolar; formação dos professores, currículo, metodologias, didáticas. Há a necessidade, por
isso, de várias frentes de ações, que impactem nas condições de vida do educando e de sua
família, num sentido; noutro, que o espaço escolar possa ser rediscutido a fim de que haja
mudanças significativas.
O relatório PISA aponta para a necessidade de se pensar o problema educacional em
nível de políticas públicas, pois a grande parcela dos problemas educacionais não se
circunscreve ao momento da sala de aula. O aprendizado é um processo, que não é
imediatista, é contínuo e depende de uma série de outras relações que o sujeito desenvolve
com o seu meio e com quem vive e convive. Percebe-se que o alvo de intervenção maior
dessas políticas há de ser os alunos desfavorecidos socialmente que não contam em casa com
um ambiente favorável ao letramento em seus vários tipos. A ênfase visa à efetivação das
políticas universais e não o contrário. O que não se quer, contudo, é supor que todos
educandos chega ao espaço escolar com idênticas motivações e habilidades. Note-se que o
133

problema não é apenas de recursos, mas da forma como os agentes sociais se apropriam ou
não destes. Problematizar a pobreza, o desemprego, o saneamento básico, a fome, a miséria,
as oportunidades sociais e culturais implica em também permitir que a população e os agentes
públicos conheçam e reconheçam esta realidade e negociem sua intervenção nesta.
O letramento, na leitura e/ou na escrita, por tudo que se disse, é mais do que uma
habilidade. É também uma ferramenta para qualificar o desempenho dos estudantes em suas
vivências e na construção de projetos a se perseguir – familiar, relacionamentos, perspectivas
de futuro, atuação mais engajada em causas sociais. Trata-se de criar e inovar situações em
seu cotidiano, ser capaz de resolver problemas, lidar com incertezas e inseguranças modernas,
entender a finalidade das tecnologias e manter-se motivado a uma maior participação na
sociedade. Se isto também o habilita a participar do desenvolvimento tecnológico, há de se
registrar que este não é uma categoria neutra. Necessita ser pensada também dentro de um
princípio ético de formação. Tecnologia para quê?
O relatório PISA é uma dentre as várias ações que expressam uma preocupação sobre a
educação, mas uma afirmação perturbadora no relatório é quando se lê que seus formuladores
admitem que a excelência em educação seja uma meta remota. Não que não estejam certos,
apenas que isto assinala para a gravidade do cenário com que nos defrontamos, não apenas na
realidade brasileira. Fala-se do desafio educacional em distintas partes do globo. Os males
ultrapassam as fronteiras nacionais: problemas ambientais, escassez de alimentos, crise
econômica, danos e lesões morais e psíquicas. A educação ainda é, contudo, um elemento
primordial de formação, de socialização, de preparo do ser humano para não poucos desafios.
A escola apartada do mundo real anula suas potencialidades de inovação e transformação.
Aos docentes-pesquisadores de Sociologia na escola, trazemos a possibilidade de
pensarem seriamente nas epistemologias presentes na escola e em sua sala de aula e como
estas provocam a produção de ideias, sentidos, perspectivas de afinidade com o artesanato
intelectual na interface com a vivência de seus alunos. Por fim, perguntamos se nossos
conteúdos e metodologias favorecem o gosto pela busca do conhecimento, pela pesquisa no
educando, também, se contribuem na sua percepção de sua relevância no mundo, um mundo
em constante tensão e dinamismo. A ciência, não-positivista, reserva a si o privilégio da
dúvida e da transformação. Não há, porém, ciência sem pessoas capazes de fazer uso dela:
sequer falamos dos “cientistas” por ofício, que se um aluno se tornar é, sem dúvida, salutar.
Falamos, porém, de pessoas que em sua vida – a despeito da profissão – são capazes de ler o
mundo e ressignificá-lo na prática.
134

Referências

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tecnologias. Brasília: MEC, 2006.
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Editora UNESP, 2004.
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MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.
MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. 4ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1975.
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balanço e o relato. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo: Vol. 15, nº. 1
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Ciências Sociais: relendo as OCNEM – Sociologia. Coleção explorando o Ensino. Brasília:
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2006 e 2009. Disponível em <www.inep.gov.br/internacional/pisa>. Acesso em fevereiro de
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2006 e 2009. Disponível em <nces.ed.gov> Acesso em maio de 2012.
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sociais/sociologia no Estado do Paraná (1970/2002). XIII Congresso Brasileiro de Sociologia.
Recife: UFPE, 2007.
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consolidação da disciplina. XII Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS). Belo Horizonte:
31/5 A 03/6 de 2005.
___. O ensino de Ciências Sociais/Sociologia no Brasil: histórico e perspectivas. In: BRASIL.
Coleção explorando o Ensino. Brasília: Ministério da Educação. 2011.
XV Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. UFPR: Curitiba,
2011. Disponível em: www.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de 2012.
XIV Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2009. Disponível em: www.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de 2012.
135

XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Recife: UFPE, 2007.


Disponível em: www.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de 2012.
I Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica. Rio de Janeiro: UFRJ,
2009. Disponível em: <www.educacaobasica.sbsociologia.com.br> Acesso em maio de 2012.
2º Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica. Curitiba, 2011.
Disponível em: <www.educacaobasica.sbsociologia.com.br> Acesso em maio de 2012.
136

Capítulo 10 Mudando o rumo dos ventos: a sociologia no ensino


médio

Luiza Helena Pereira38

A toda hora rola uma história


Que é preciso estar atento
A todo instante rola um movimento
Que muda o rumo dos ventos
Quem sabe remar não estranha
Vem chegando a luz de um novo dia
O jeito é criar um outro samba
Sem rasgar a velha fantasia
Paulinho da Viola

A toda hora rola uma história, que é preciso estar atento (resistências): a sociologia
torna-se obrigatória no ensino médio no Brasil

A história da sociologia no ensino médio, no Brasil, mostra que a implantação desta


disciplina, sempre se defrontou com o dilema entre obrigatoriedade x opcionalidade39.
Em 1996, com a promulgação da Lei40 que define as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), foi estabelecido que ao final do ensino médio o educando demonstre:
"domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da
cidadania”.
Após a promulgação da LDB os sociólogos, reunidos em suas entidades representativas:
a Federação dos Sociólogos do Brasil e a Sociedade Brasileira de Sociologia e Universidades
de todo o País, lutaram para tornar a disciplina obrigatória. Esta luta se prolongou por doze
anos, pois em 2001, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, vetou
o Projeto de implantação da sociologia como disciplina obrigatória no ensino médio, após ter
sido aprovada na Câmara e no Congresso.
No entanto o movimento se intensificou nos congressos, reuniões, fóruns, encontros de
cursos, e manifestos tornados públicos a partir dos Congressos e dos Encontros Nacionais de

38
Professora Doutora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
39
Em 1890, Benjamin Constant sugeriu, pela primeira vez, a introdução obrigatória da sociologia nos cursos
superiores e secundários. A partir deste fato, a disciplina entra e sai dos currículos, até 1996, com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
40
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
137

Cursos de Ciências Sociais, promovidos pelas entidades representativas dos sociólogos, acima
citadas, juntamente com as Universidades de todo País.
Paralelamente a todos esses eventos, os sociólogos se mobilizaram em âmbito nacional,
junto à Câmara dos Deputados e Senado Federal, realizando articulações no Ministério da
Educação-MEC e no Conselho Nacional de Educação-CNE. Houve uma serie de Encontros
Regionais, promovidos pelos Sindicatos Estaduais, nos quais foi discutido o tema da
sociologia no ensino médio e as estratégias de luta para implantação da mesma. Também
foram realizadas inúmeras reuniões junto às Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação.
Em vários estados e municípios brasileiros foram promovidos fóruns de discussão nas
Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, tendo como meta garantir espaços de
discussão sobre o tema.
Buscando não apenas a aprovação da obrigatoriedade da sociologia no ensino médio,
mas também a qualidade do ensino, tanto na graduação dos Cursos de Ciências Sociais como
no ensino médio, nos vários Encontros de Cursos foram discutidos os Cursos de Ciências
Sociais especialmente quanto à formação dos futuros professores de sociologia e nos
Congressos foram apresentadas pesquisas realizadas sobre o tema.
Finalmente a introdução obrigatória da sociologia no ensino médio recebeu parecer
favorável em 200641. Em 2008, a Lei42 foi sancionada pela Presidência da República (Brasil,
2008).
Atualmente várias Universidades realizam cursos de atualização de professores e
criaram laboratórios de ensino de sociologia, preparando, desta forma, professores que
ministram a disciplina no ensino médio, atualizando sua formação teórica e metodológica;
propiciando ao docente a reflexão sobre o estado atual e as perspectivas do ensino da
sociologia no ensino médio.

Quem sabe remar não estranha, vem chegando a luz de um novo dia: a construção do
conhecimento teórico da sociologia para o Ensino Médio

No Rio Grande do Sul, para fazer frente ao desafio que se anunciava com a LDB de
1996 o Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS
decidiu implantar, em 1997, uma disciplina que, junto com os alunos de Ciências Sociais,

41
Através do Parecer CNE/CEB Nº. 38/2006 e da Resolução CNE CEB nº 4, de 16 de agosto de 2006.
42
Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008, a qual determina que “serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como
disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”.
138

desenvolve, desde então, novas propostas de lecionar sociologia para o ensino médio,
refletindo a realidade social. Atualmente a disciplina denomina-se “Sociologia no Ensino
Médio: teoria e prática”.
Teoria no sentido de pensar como o conhecimento adquirido no Curso de Ciências
Sociais transforma-se em rica vertente, sobre a qual o aluno se debruçará para construir o ato
de ensinar sociologia para alunos de escola secundária. Teoria e prática no sentido de entender
como deve ser o ensino da sociologia para jovens que possivelmente não tenham presente a
importância da sociologia para suas vidas.
Na disciplina “Sociologia no Ensino Médio: teoria e prática” discutem-se diversas
questões, entre as quais: a importância da sociologia para o ensino médio, como selecionar
temas para serem trabalhados com os jovens estudantes e a metodologia de ensino. Os alunos
de Ciências Sociais estudam, na graduação, o pensamento dos autores clássicos e
contemporâneos da sociologia, os parâmetros teórico-metodológicos para a construção da
pesquisa social, e se deparam com um problema a resolver: como este cabedal de
conhecimento teórico vai lhes ajudar a ensinar sociologia para alunos do ensino médio? O que
fazer com o conhecimento que adquiriram na Universidade?
Em nossa visão acadêmica a importância da sociologia para o ensino médio é aguçar, no
aluno, o olhar sociológico sobre a realidade social, oportunizando ao aluno de ensino médio
um olhar diferenciado sobre os fenômenos que o cercam em sua vida cotidiana: outra forma
de entender o mundo. Os futuros professores de sociologia poderão oportunizar aos alunos a
construção de uma nova percepção da realidade, a partir da desnaturalização e do
estranhamento sobre esta realidade (OCNs, 2006). Enfim, é necessário realizar uma revisão e
um questionamento da sociologia e das Ciências Sociais em seus fundamentos de ensino-
aprendizagem e de propostas teórico-metodológicas para o ensino médio.
A tarefa que se apresenta como mais promissora, seria contribuir para que os jovens
estudantes do ensino médio venham a desenvolver “a imaginação sociológica”, ou seja,
relacionar história, biografia e as relações de ambas no interior da sociedade (Mills, 1969,
p.10), quer dizer, propiciar o entendimento da relação entre estruturas sociais e as ações dos
sujeitos. Qualquer tema sociológico abordado pode ser trabalhado neste sentido.
Observou-se através de pesquisa sobre a Sociologia no Ensino Médio43, que professores
de sociologia na escola secundária, muitos dos quais não são formados nas Ciências Sociais44,

43
Pesquisa “A Sociologia no Ensino Médio” do qual sou coordenadora.
44
Na pesquisa foi constatado que apenas 15% de um universo constituído por 441 professores de sociologia das
escolas públicas do Rio Grande do Sul eram formados em Ciências Sociais.
139

muitas vezes tendem a trabalhar a sociologia a partir de um dos dois extremos: por um lado
fazem uma abordagem da realidade nacional estudando os “problemas brasileiros” como
temas em si mesmos, correspondendo a uma abordagem jornalística da conjuntura nacional,
por outro lado, realizam uma abordagem puramente conceitual e teórica, sem auxiliar o aluno
a entender a lógica de funcionamento da sociedade, em particular a brasileira.
No primeiro caso, geralmente são trabalhados temas selecionados pelos próprios alunos.
Costumamos dizer, sempre, que os temas, em sociologia não devem ser trabalhados como
temas de “problemas brasileiros45”. Em outras palavras o que se tem visto na prática46 de
muitos professores de sociologia das escolas públicas do Rio Grande do Sul, é que dia após
dia são trabalhados temas diversos, de forma desarticulada, sem relação com um todo
explicativo.
No caso da abordagem teórica e conceitual, os alunos do ensino médio não entendem o
significado da sociologia e para que serve seu estudo, o que foi também comprovado em
nossa pesquisa. Isso acontece, pois não conseguem fazer um link com a realidade em que
vivem. Nestes alunos podemos visualizar dois tipos de postura: eu adoro/odeio sociologia
(Silva Sobrinho, 2007).
Desta forma, os alunos da graduação, futuros professores de sociologia no ensino
médio, enfrentarão os dilemas da produção do conhecimento e do ensino para estudantes que,
por um lado, podem não perceber a importância da disciplina e, por outro lado, tomando
como exemplo a escola pública, vivenciam uma realidade de desigualdade social e, em muitos
casos de violência, de desemprego, de gravidez na adolescência, entre outros problemas
sociais. É importante que os alunos de Ciências Sociais desenvolvam suas aulas de sociologia
contemplando dois níveis: em primeiro lugar precisarão compreender, a partir das teorias
sociológicas clássicas e contemporâneas, a realidade em que os alunos do ensino médio
vivem, e, a seguir, precisarão trabalhar esta realidade, em sala de aula, como temas de estudo.
Então, como fazer para orientar os estudantes do ensino superior na compreensão deste
cenário e como devem interrogar sociologicamente esta realidade a fim de realizar a escolha
dos temas e das metodologias que constituirão seu material do ensino?
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio, de 2006, indicam que para lecionar
sociologia no ensino médio, existem três opções: pode-se começar pelos conceitos, pelos

45
No Brasil, na época da ditadura militar (1964-1980) foi implantada nas Universidades uma disciplina
denominada “Estudos de Problemas Brasileiros” na qual, por um lado, se fazia a apologia ao desenvolvimento
brasileiro e, por outro lado, os temas eram todos tratados de forma desarticulada de um todo explicativo.
46
Informação baseada na pesquisa “A Sociologia no Ensino Médio”.
140

temas ou pelas teorias. Porém, qualquer das opções contempladas, é necessário que os três
aspectos estejam articulados e presentes no ensino da disciplina (OCNs, 2006).
Defendemos que, para ensinar sociologia no ensino médio, os professores desta
disciplina partam, sim, dos temas de interesse dos alunos. Mas estes temas não podem ser
trabalhados de forma linear e fragmentados, sem relação com as teorias que possibilitam o
entendimento destas questões. Os conteúdos das disciplinas que foram ministradas aos alunos
da graduação em Ciências Sociais não podem ser considerados temas (conteúdos) a serem
trabalhados com os alunos da escola secundária. Mas este conhecimento (teorias) deverá se
constituir na base sobre a qual será construída a explicação das questões sociais, sugeridas
pelos alunos para discussão.
De que forma autores como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, e outros como
Wright Mills, Bourdieu, Giddens, Elias, Boaventura de Souza Santos e, no Brasil Octávio
Ianni, entre outros, irão auxiliar na elaboração das aulas a serem desenvolvidas com os alunos
de sociologia do ensino médio?
É importante definir com os futuros alunos do ensino médio, quais são as questões
públicas relevantes e as preocupações-chaves da sociedade da nossa época. Assim os
problemas sociais são construídos enquanto problemas sociológicos, isto é, passíveis de
análise (Mills, 1969, p. 14). A escolha do tema (para pesquisa ou para o ensino) tem um
sentido valorativo (Weber, 1967). Mas, para evitar cair na linearidade e fragmentação dos
temas, a sociologia remete, necessariamente, para a diferença entre questões individuais,
privadas, pessoais, que são perturbações originadas no meio mais próximo, e questões
públicas, sociais, que dizem respeito à estrutura social (Mills, 1969, p. 14). Esta última, por
excelência o objeto da explicação sociológica.
Tomemos, por exemplo, a questão do desemprego.
Num mundo em que o desemprego se torna crucial, realidade vivenciada por muitas
famílias dos jovens adolescentes, e pelos próprios estudantes das escolas secundárias,
perguntar se o desemprego é uma questão social ou individual é um primeiro passo para
estimular a reflexão sobre a diferença destas duas instâncias da vida social. Ensinar os alunos
do ensino médio como identificar a distinção entre os níveis – o individual e o social - e
perceber as características de cada nível, orienta a formulação exata do problema a ser
estudado em sala de aula e possibilita a visualização das possíveis alternativas para sua
solução. A diferença de abordagem se evidencia no fato de que, analisando o desemprego
como uma questão social, necessariamente está se considerando as instituições econômicas,
141

políticas da sociedade e não somente a situação pessoal de alguns indivíduos (Mills, 1969, p.
15).
Voltamos a insistir que, para realizar esta tarefa, é necessário que o aluno de Ciências
Sociais tenha intimidade com as teorias clássicas e contemporâneas e um conhecimento
aprofundado em pesquisa social para, desta forma, subsidiar a análise do cotidiano em que os
alunos da escola secundária estão inseridos e não simplesmente ensinar estas teorias, como
conteúdos em si mesmos. O que aprenderam nas aulas do Curso de Ciências Sociais quanto às
teorias, objeto e método da sociologia serão recursos importantíssimos para que eles mesmos,
os futuros professores de sociologia, possam analisar a realidade em que estão inseridos para,
então, oportunizar aos alunos de ensino médio o exercício da compreensão deste cenário mais
amplo que os cercam. Pois, não é possível orientar como analisar a realidade se nós mesmos
não a compreendemos.

O jeito é criar um outro samba, sem rasgar a velha fantasia (recriando a sociologia): a
construção de propostas teórico-metodológicas da sociologia para o ensino médio

Para qualificar o ensino da sociologia no ensino médio sugerimos seguir um método que
é dialético em sua essência; a metodologia da problematização (Pereira, 2007a, 2007b;
Berbel, 1999). Esta metodologia tem suas raízes em Marx e Gramsci, pois propõe, como
ponto de partida, a problematização da realidade que o aluno vivencia (concreto) busca a
teorização (abstração), momento em que se realiza o confronto entre saberes diferenciados
(senso comum x conhecimento científico), quando então propõe a explicação para os fatos da
realidade, para finalmente chegar ao bom senso (concreto) (Gramsci, 1978). Ou ainda, como
dizia Marx: o movimento de investigação parte do concreto real (caótico) busca as leis mais
gerais (conceitos, teorias, abstrato) e volta ao concreto, agora entendido como uma realidade
rica de múltiplas relações e determinações (Marx, 1971a e1971b).
Pensando o ensino da sociologia no ensino médio tendo como base os clássicos da
sociologia e a metodologia da problematização, vamos propor um exercício de imaginação
sociológica. Escolhemos como exemplo o tema da diferenciação, da desigualdade, da
dinâmica social e da violência. Tendo em vista que os professores de sociologia enfrentarão
os dilemas da produção do conhecimento e do ensino para estudantes, que em muitos casos
podem estar submetidos à exclusão social e que vivem uma realidade de diferenciação e
desigualdade social e em alguns casos com experiências muito próximas a situações de
142

violência, como explicar esta realidade a partir das teorias e dos conceitos clássicos e
contemporâneos?
Sugerimos aos futuros professores, como ponto de partida, trazer à tona as experiências
de seus próprios alunos, a partir da observação da realidade por eles vivenciada, se for o caso
de diferenciação, de desigualdade social e de violência. A seguir, instigar esses jovens alunos
na identificação daquilo que em sua realidade se mostra carente, inconsistente, preocupante,
necessário ser explicado. Assim trabalharão a curiosidade dos alunos no sentido de procurar
entender porque a realidade se apresenta como tal.
Como próximo passo, definir objetivamente o que vai ser estudado sobre o tema,
construir hipóteses, suposições, sobre as possíveis causas da diferenciação, da desigualdade
social e da violência, que estão presentes no cotidiano destes alunos. Para completar, definir a
metodologia de estudo e as etapas que serão percorridas buscando a compreensão da
diferenciação e da desigualdade social.
Na etapa da teorização os futuros professores conduzirão seus alunos a comparar
percepções iniciais, rever pontos de vista que antes estavam mais ao nível do senso comum,
ampliar a consciência sobre a diferenciação e desigualdade social e de sua influência sobre o
meio social, indicando alternativas de solução do problema. Teorizar, nos limites da abstração
sociológica é a capacidade de se libertar do quadro das próprias circunstâncias de vida pessoal
e pensar um contexto mais abrangente.
Os autores clássicos da sociologia entram como aportes teóricos para os futuros
professores de sociologia, auxiliando-os nas explicações sobre os temas. Importante
demonstrar aos alunos do ensino médio que há diversas explicações sobre o mesmo fato da
realidade social, pois a sociedade é complexa e os saberes são diferenciados. Assim sendo,
também na sociologia há diversidade teórica. Se perguntarmos, por exemplo, para a opinião
pública: “porque há diferenciação e desigualdade social na sociedade”? Teríamos respostas
diversas, mas não uma infinidade de respostas. Isto porque, estas respostas poderiam ser
agrupadas em matrizes teórico-metodológicas, cuja diversidade encontra-se elucidada pelos
clássicos e contemporâneos da sociologia, ou seja, para os temas diferenciação e desigualdade
social, há diferentes explicações nas teorias de Durkheim, de Marx, ou de Weber.
Assim, poderíamos como exemplo, afirmar que para Émile Durkheim a divisão social
do trabalho gera diferenciação, pela especialização que gera, por sua vez integração das
múltiplas funções no interior dos sistemas sociais - a Teoria da Integração (objeto) Funcional
(método). Os fatos sociais são objeto da sociologia e o método funcionalista propõe a análise
143

das relações de correspondência entre o objeto da sociologia (as instituições) e as


necessidades da sociedade.
Para Karl Marx, a divisão social do trabalho gera exploração e contradição, que por sua
vez resulta na diferenciação em termos da desigualdade de classes o que determinaria todas as
demais desigualdades e resultaria da opressão dos que possuem a propriedade dos meios de
produção sobre os que não a possuem (possuem apenas a força de trabalho) - Teoria da
Contradição (objeto) Dialética (método). Significa observar a sociedade, expor as
contradições existentes, e indagar sobre as possibilidades de transformação da sociedade.
Já Max Weber indicava três categorias de estratificação social: econômica (classes),
social (grupos de status) e política (partidos). A teoria da estratificação social considera que a
sociedade distribui os indivíduos e as famílias em vários degraus de diferenciação social,
quanto à riqueza, ao poder, ao prestígio e, para autores mais recentes, à cultura. Os indivíduos
podem ser agrupados em várias camadas ou estratos sociais - Teoria da Ação Racional
(objeto) Compreensiva (método). A sociologia pretende compreender, interpretando a ação
social, cujo sentido indicado pelo(s) sujeito(s) da ação é orientado pela conduta de outros.
Finalmente recomendamos que, para analisar o tema da violência, o aluno de graduação
em Ciências Sociais, deve em primeiro lugar, estudar as pesquisas feitas por sociólogos sobre
o tema, para conhecer as explicações (teorias) sobre o fenômeno concreto. Que o futuro
professor compreenda a realidade social, para que, por sua vez possibilite o entendimento ao
jovem aluno do ensino médio. Assim compreenderá que a escola é palco de relações tensas
entre classes sociais e grupos culturais diferentes, que possa inteirar-se da situação
ambivalente do jovem frente à violência, que ora é vítima e ora é agressor (Tavares dos
Santos, 2006/2). Que o futuro professor não aborde o problema da violência no primeiro dia
de aula, mas leve os alunos através do método de perguntas e respostas a descobrir por que a
violência prejudica o grupo social.
Com Bourdieu o futuro professor de sociologia reconhecerá e fará o aluno distinguir a
violência simbólica (Bourdieu e Passeron, 1982) presente no dia a dia e no saber escolar,
exercida através dos hábitos dos alunos, professores e funcionários, também presente na
organização do currículo e da própria estrutura da escola.
Esta sugestão de enfrentamento ao desafio de ensinar sociologia no ensino médio teve
origem no ensino e na pesquisa. Os exemplos e as experiências teórico-metodológicas de
seleção de temas e de como ensinar sociologia foram extraídas das aulas da disciplina
“Sociologia no Ensino Médio: teoria e prática”, da qual sou professora e da pesquisa “A
Sociologia no Ensino Médio no Rio Grande do Sul”.
144

Para concluir ressaltamos a importância do atual e do futuro professor de sociologia do


ensino médio compreender que as escolhas teóricas para orientar sua prática pedagógica,
explícita ou implicitamente, trarão consigo um embasamento teórico que terá implicações
práticas nas relações entre professor e aluno e no ensino da sociologia, enfatizamos também a
importância de uma atualização permanente sobre o conhecimento sociológico produzido,
tendo em vista a constante transformação da realidade social, pois como disse o poeta “a todo
instante rola um movimento que muda o rumo dos ventos”.
145

Referências

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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967.
147

Capítulo 11 O Retorno da Sociologia no Ensino Médio no Rio de


Janeiro: uma luta que merece ser pautada!47

Antonio de Ponte Jardim48


Otair Fernandes de Oliveira49

Será introduzida, como disciplina obrigatória, nos currículos de 2º grau, da rede


pública e privada, em todo o território do Estado do Rio de Janeiro, a Sociologia.
(Parágrafo 4º do Artigo 317, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
promulgada em 05 de outubro de 1989, pela Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro)

Considerações iniciais

O retorno da sociologia no ensino médio brasileiro data desde os fins dos anos oitenta
como resultado das pressões do movimento social organizado, sobretudo, dos sociólogos ou
cientistas sociais, fruto do intenso processo de mobilização e participação política da
sociedade civil em prol da instalação do regime democrático e do exercício da cidadania, após
um longo período da ditadura militar.
A inscrição da Sociologia como disciplina obrigatória em todas as escolas (publicas e
privadas) representa o reconhecimento legal do conhecimento das ciências sociais como
parâmetro fundamental na formação do jovem brasileiro enquanto ser humano, bem como a
valorização de uma educação humanística e cidadã, há muito menosprezada e negligenciada
na nossa sociedade.
O presente artigo tem como principal objetivo revelar, mesmo de forma breve, um
pouco da historia recente da luta pela implantação dessa disciplina, particularmente no Estado
do Rio de Janeiro, que teve como principal protagonista a Associação Profissional dos
Sociólogos do Rio de Janeiro – APSERJ. Trata-se de uma historia pautada pelos avanços e
retrocessos que caracterizaram uma trajetória de luta pela comissão de educação da APSERJ
que merece ser pautada num contexto sócio-político, ambíguo e contraditório, marcado pelo

47
Texto publicado na Revista Eletrônica Perspectiva Sociológica, do Departamento de Sociologia, do Colégio
Pedro II, Ano 1, nº2, nov. 2008, abr. 2009.
48
Antonio de Ponte Jardim, sociólogo, doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ, ex-
diretor da APSERJ.
49
Otair Fernandes de Oliveira, sociólogo, doutor em Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ, ex-militante da
APSERJ. Professor Adjunto do Departamento de Educação e Sociedade – DES, do Instituto Multidisciplinar –
IM (Campus Nova Iguaçu), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Membro do Laboratório
de Estudos Afro-Brasileiros e do Grupo de Pesquisa Educação Superior e Relações Étnico-Raciais –
GPESURER.
148

processo de democratização do Estado brasileiro, especificamente no campo das políticas


educacionais desde os anos oitenta.
Nesse contexto, o caminho tomado pela luta do retorno da sociologia nos currículos
escolares do ensino médio foi tortuoso e cheio de incongruências que aos poucos legalmente
foi alçando êxito começando pelos estados e, posteriormente, atingindo todo país, de forma
obrigatória. Mas, esses fatos, não garantiram por si sós a efetivação de uma pratica
pedagógica do ensino de Sociologia pelos licenciados em Ciências Sociais ou Sociologia na
formação do jovem brasileiro.
Feitas essas considerações apresentaremos, ainda que de forma breve e embrionária, um
pouco da trajetória conturbada do ensino da sociologia no ensino médio brasileiro, para
depois ressaltarmos algumas questões teóricas e metodológicas que implicam na prática do
professor de sociologia. Neste sentido, a elaboração deste texto é uma forma de resgatar e de
valorizar aqueles que diretamente fizeram parte dessa historia de luta, especialmente no
estado do Rio de Janeiro.

O Ensino da Sociologia no Ensino Médio: uma trajetória conturbada

A inclusão da sociologia nos programas escolares no Brasil remonta a época da difusão


do positivismo (século XIX) e ocorreu sob forte influência cultural francesa na educação
brasileira. O modelo educacional adotado nas escolas normais50 copiava o modelo francês e
seguia a orientação da Escola Objetiva Francesa de Emile Durkheim passando a ser
influenciada posteriormente pelo norteamericano John Dewey. Fora desse circuito, tem-se
notícia da introdução da disciplina na grade curricular do Colégio Pedro II por Delgado de
Carvalho, de influência durkheimiana, em 1927.51
Cabe lembrar, que a educação pública nessa época era para uns poucos e a maioria da
população brasileira estava excluída. Soma-se a isso, o fato de que a educação pública estava
em processo de organização nacional mediante reformas governamentais, conforme as
mudanças na direção política do país. Nesse contexto, os anos 30 foram especiais para o
ensino da sociologia nas escolas e faculdades brasileiras marcando a sua institucionalização
nas escolas secundarias e no ensino superior. Como disciplina a sociologia passou a integrar a
grade curricular do Curso Complementar, criado a partir da Reforma Francisco Campos, e a
50
As escolas normais foram fundadas para melhorar a formação dos professores de educação básica. Por volta
das décadas de 1860, 70 e 80 varias províncias criaram suas escolas normais (Rio de janeiro, Minas Gerais,
Bahia e São Paulo). Porem, a primeira escola foi fundada em 1835 no Rio de Janeiro, a Escola Normal de
Niterói, mas teve vida breve fechando em 1849.
51
Documento do Departamento de Sociologia e Educação Comunitário do Colégio Pedro II, in mimeo.
149

fazer parte integrante do exame do vestibular52. No campo acadêmico, a sociologia passou a


fazer parte da formação da intelectualidade brasileira tanto de direita quanto de esquerda,
principalmente paulista, de idéias liberais e democráticas, a partir da fundação da Escola Livre
de Sociologia e Política, em 1933, de influência da sociologia americana, e da Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras, em 1934, de influência da sociologia francesa. O país vivia um
momento de grandes mudanças e transformações na sua estrutura econômica, política e social
que teve como resultados a ascensão da burguesia nacional, o incremento da industrialização,
a estruturação político-administrativo do Estado em moldes moderno, a descentralização do
sistema do ensino brasileiro.
Porém, a despeito da centralização política e do autoritarismo implantado pelo Estado
Novo (1937-1945)53 por Getulio Vargas, a sociologia deixou de ser ministrada nas escolas
secundárias do país e a não ser mais exigida no exame vestibular, a partir de 1942, em
decorrencia da Reforma Capanema que criou as Leis Orgânicas do Ensino mediante Decretos-
lei, representando um retorcesso na politica educacional brasileira54. Em contraste, no ensino
superior, o desenvolvimento da sociologia ocorreu justamente com a industrializaçao e a
centralização do poder pelo Estado Novo. Após a Reforma Capanema, o ensino da sociologia
ficou restito as Faculdades de Filosofia, aos cursos de Didática (Sociologia Geral Sociologia
da Educacional), de Pedagogia e de Ciências Sociais. Os anos 30 foi um período aureo para a

52
Neste momento, a educação brasileira se organizava nacionalmente mediante ação planejada do Estado. A
frente do Recém criado Ministério da Educação e Saúde estava o mineiro Francisco Campos que promoveu uma
reforma educacional que organizou o ensino em âmbito nacional e estruturou as universidades, a partir de 1931 e
1932. O ensino secundário passou a ter de dois ciclos: um fundamental, de cinco anos, e outro complementar, de
dois anos, este ultimo visando a preparação para o curso superior, exceto para os destinados a Faculdade de
Filosofia. A reforma também instituiu três institutos superiores, incluídos os de Direito, de Medicina e de
Engenharia ou, no lugar de um deles, a Faculdade de Educação, Ciência e Letras. Cabe lembrar que a Reforma
Francisco Campos foi inspirada no “escolanovismo” que no Brasil mobilizou um grupo de educadores que em
1932 lançou à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e
assinado por outros conceituados educadores da época. Em 1934, a nova Constituição (a segunda da República)
dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes
Públicos.
53
No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a historiadora Otaíza Romanelli, fez com
que as discussões sobre as questões da educação, profundamente ricas no período anterior, entrassem "numa
espécie de hibernação". As conquistas do movimento da escola nova, influenciando a Constituição de 1934,
foram enfraquecidas na Constituição de 1937. As mudaanças promovidas pela ditadura Vargas marcam uma
distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino
profissional para as classes mais desfavorecidas.
54
A gestão do Ministro Gustavo Capanema, o Ministério da Educação e da Saúde promoveu mudanças que
reestruturou o ensino secundário no pais, dentre outras. O ensino secundário passou a ter dois segmentos:
Ginasial (4 anos) e Colegial (3 anos), este último dividido em Clássico (predominava o ensino de humanidades)
e Cientifico. Com esta Reforma o ensino Colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o
ensino superior, passando a ser mais de formação geral. A Reforma criou o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial – SENAI e valorizou o ensino profissionalizante.
150

Sociologia no Brasil com contribuição socio-antropológica de diversos barsileiros e


acadêmicos estrangeiros.55
Entre os anos de 1940 e 1960, o país assistiu o fortalecimento da sociologia acadêmica,
isto é, área de conhecimento científico capaz de compreender a realidade brasileira pelo ao
alcance das teorias sociológicas. Conhecido como período de democratização do país foi
marcado pela ausência da sociologia nas escolas secundárias brasileiras, por um lado; e por
uma rica produção de estudos e pesquisas de tendências teóricas e metodológicas diversas,
mas que buscavam, em geral, denunciar as desigualdades sociais, as relações de domínio e de
opressão, a exploração entre as regiões, classes e países contribuiu para a consolidação de um
pensamento sociológico brasileiro, em particular para um pensamento social crítico e
revelador de conflitos sociais56. Nesse período, o Brasil adquiriu consciência da sua
complexidade, ao mesmo tempo em que buscava descobrir a sua singularidade. O problema e
que as formulações de cunho acadêmico ficavam restritas um a um ambiente de letrados
privilegiados.
A Reforma Capanema extinguiu a Sociologia do ensino secundário (hoje Médio)
brasileiro e o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao de 1961, Lei 4024, não a
reintroduziu. Com isso, o ensino da Sociologia se restringiu ao Curso Normal. Com a
Reforma Educacional promovida pelo regime militar, de forma autoritária, introduzida pela
Lei 5692, de 1971, a situação do ensino da sociologia nas escolas secundárias não se alterou,
mas seu retono ficou ainda mais difícil na medida em que o país passou novamente por um
processo de concentração de poder e as políticas educacionais passaram por um outro
retrocesso em relação ao período anterior57. A introdução de disciplinas de Educação Moral e
Civica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB), a criação das licenciatura
curta em Estudos Sociais, dentre outras medidas, deixavam cada vez mais distante a volta da
Sociologia no ensino secundario (médio).

55
Destacam nesse período estudos e pesquisas no campo da Etnologia, Etnografia e Antropologia tanto de
brasileiros quanto de estrangeiros. Entre os primeiros destacam os estudos de Gilberto Freire, Roquete Pinto,
Heloisa Alberto Torres, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Edson Carneiro e Costa Pinto. Entre os acadêmicos
estrangeiros, são destaques as contribuições dos estudos de Radcliffe Brown, Lynn Smith, Kalervo Obeg,
Williard Quine, Wegley, Roger Bastide, Pierre Defontaines, dentre outros.
56
Destacam no conjunto de produção acadêmica nesse período, os estudos de Antonio Cândido, Florestan
Fernandes, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, dentre outros.
57
A Lei 5692/71 reestruturou completamente o ensino no país criando os Ensinos de 1º. e 2º. Graus. O primeiro
unificou o ensino primário com o primeiro ciclo do ensino secundário (ginasial), em oitos anos, e o segundo
unificou as escolas profissionalizantes com alguns ramos dos cursos colegiais, valorizando a habilitação
profissional. A profissionalização obrigatória do ensino de 2º. Grau foi efetivada mediante a implantação de
disciplinas profissionalizantes, porem com muitas críticas e dificuldades.
151

No campo acadêmico e do pensamento sociológico brasileiro destaca-se a sociologia


revolucionaria com o engajamento de professores e alunos dos cursos de Ciências Sociais nos
vários movimentos e organizações (partidárias, populares, outros) que lutaram contra o
regime autoritário. A repressão política aos professores e universitários, com aposentadoria
compulsoria, o exilio e a prisao provocou mudanças, de forma violenta, no desenvolvimento
do pensamento sociológico e do ensino da Sociologia no país58. Mesmo sob o regime
autoritário os cursos de Ciências Sociais continuaram a existir, apesar dos expurgos sofrido. A
ironia reside nesse momento no fato de que apesar das restrições impostas, jovens oriúndos
das camadas populares passaram a ter acesso ao ensino superior com a proliferação das
faculdades privadas, inclusive na área das Ciências Sociais.

A luta pelo retorno da sociologia no Rio de Janeiro

Nos anos oitenta a luta pelo retorno do ensino da sociologia na educação secundária
ganhou significado e importância tendo em vista a mobilização e organização dos cientistas
sociais em vários estados brasileiros, principalmente aqueles com uma postura mais crítica e
engajamento político cujo compromisso estava relacionado não somente com os problemas
específicos da área, mas também com a luta contra o regime autoritário e a instalação do
regime democrático no país. Tínhamos uma conjuntura política favorável marcada pelo
gradual avanço eleitoral da oposição ao regime militar, o que proporcionava intensos debates
sobre o processo de democratização. O aumento dos formados em ciências sociais ao longo
dos anos setenta e oitenta, principalmente oriundos dos cursos de licenciaturas existentes nas
faculdades privadas fez com que houvesse um contingente de profissionais que passaram a
ocupar mais espaços no mercado de trabalho. Para além, da ocupação no magistério superior e
de 1º. e 2º. Graus (público e privado)59 e nas administrações públicas, esses profissionais
ocuparam espaços num mercado de trabalho que se ampliava com a abertura de novas áreas
nas empresas privadas como nas áreas de propaganda e marketing, de treinamento de pessoal,
de recursos humanos, de pesquisas de mercado e de opinião, dentre outras.

58
O pensamento sociológico brasileiro e as Ciencias Sociais como um todo, ao lado de outros segmentos
academicos ou não, sofrem duramente o golpe militar quando da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI5), em
dezembro de 1968. Os principais nomes da sociologia no Brasil foram sumariamente aposentados e impedidos
de lecionar. Muitos foram exilados, outros se exilaram, passando a publicar seus trabalhos no exterior, lecionar
em universidades estrangeiras.
59
Naquela época o licenciado em ciências sociais era autorizado a lecionar as disciplinas de Historia e de
Geografia (desde que tivesse na sua formação geografia física) no 1º. Grau, as disciplinas de OSPB, Elementos
de Economia e Geografia Humana e Sociologia no 2º. Grau.
152

Ao lado das questões políticas mais amplas relacionadas ao processo de


democratização do país, as questões relacionadas ao mercado de trabalho e a regulamentação
da profissão de sociólogo passaram a centralizar a agenda de discussões de uma categoria
ainda em via de formação e de organização que buscava sua própria identidade. Em 1984, o
Decreto no. 89.531 regulamentou a Lei no. 6.888, de 1980, reconhecendo legalmente a
profissão de Sociólogo e sua área de atuação. Porém, na prática essa legislação se mostrou
inócua devido o seu caráter genérico, não definindo com clareza e objetividade as atribuições
de competência exclusiva dos sociólogos, o que rendeu muitas críticas por parte do
movimento dos sociólogos.
O movimento dos sociólogos tem início no final dos anos setenta e resulta do
surgimento de diversas entidades, associações (civil, pré-sindical e sindical) que se
multiplicaram ao longo dos anos oitenta, para defender questões relacionadas ao mercado de
trabalho, profissionalização, piso salarial, dentre outras. Nesse contexto, se destaca
nacionalmente a Associação dos Sociólogos do Brasil (ASB), entidade fundada em 1977,
transformada em Federação Nacional dos Sociólogos (FNS)60, em 1988. Os Congressos
promovidos por esta entidade foram fundamentais para a organização tanto nacional quanto
estaduais dos sociólogos brasileiros. Daí, que no VI Congresso Nacional dos Sociólogos, em
Curitiba/PR, no ano de 1986, a luta pela introdução da Sociologia no 2º. Grau se transformou
em bandeira nacional da categoria. O momento era oportuno devido a elaboração da nova
Carta Constitucional do país e os sociólogos engajados e compromissados em suas
associações participavam ativamente desse processo, que se desdobrou pelos Estados, no ano
seguinte para a elaboração das Cartas estaduais61. A estratégia adotada, segundo as condições
e circunstancias da época, foi a inclusão da disciplina pelos estados, sem abrir mão da luta
para incluí-la em âmbito nacional.
A campanha pela inclusão da Sociologia no 2º. Grau (hoje Ensino Médio) ganhou
singularidades nos estados conforme a configuração e correlação das forças políticas no
momento e do próprio grau de mobilização e organização dos sociólogos em nível estadual.
No Rio de Janeiro, essa campanha teve a frente a Associação Profissional do Estado do Rio
de Janeiro, a APSERJ, entidade pré-sindical, nascida em 1982, da antiga Associação dos

60
As entidades profissionais.
61
Cabe destacar nesse processo, o papel desenvolvido pelo Movimento Pró-Participação Popular na Constituinte
que era autônomo e pluripartidário congregando inúmeras entidades e grupos sociais, e participando ativamente
da elaboração do texto Constitucional, inclusive em alguns estados brasileiros. Os sociólogos através de suas
entidades contribuíram com esse movimento, inclusive com as discussões relacionadas à educação.
153

Cientistas Sociais do Rio de Janeiro, a ACISERJ, entidade civil fundada no ano de 197562. A
criação de Sindicato de Sociólogos nos estados era outra bandeira de luta da categoria em
nível nacional, o que remete a questões relacionadas a capacidade de organização e
mobilização da categoria, que segue caminhos diferentes em cada estado.63
A APSERJ através do seu Grupo de Educação promoveu uma campanha que
desenvolveu varias ações com o objetivo de introduzir a disciplina de Sociologia nas escolas
estaduais. A seguir, algumas ações da Campanha pela Volta da Sociologia no II Grau,
apresentadas sinteticamente.
Em abril de 1988, ocorreu o II Encontro Estadual dos Sociólogos do Rio de Janeiro64
como preparação para o VII CNS previsto para acontecer em maio, em Salvador/BA. Neste
encontro o Grupo de Trabalho de educação apresentou um conjunto de proposta com o
propósito de realizar mudanças significativas para os cientistas sociais no magistério de 1º.
2º. Graus no Estado do Rio de Janeiro, dentre as quais se destaca o encaminhamento da
proposta de inclusão da Sociologia, a preparação de um seminário interdisciplinar sobre
educação no Estado para levantar sugestões para a Constituinte Estadual, rediscutir a
permanência ou não da disciplina OSPB. 65
Em outubro do mesmo ano, foi realizado o I Encontro de Licenciados do Rio de Janeiro
no IFCS/UFRJ, e que reuniu professores e estudantes dos cursos de ciências sociais do Estado
para discutir os problemas relacionados as licenciaturas66. A questões em torno das

62
No período áureo da organização dos sociólogos no Estado do Rio de Janeiro (1986 a 1990), a diretoria eleita
da APSERJ era formada por Ozéas Gomes Larangeiras (Presidente), Antonio de Pontes Jardim (Vice-
presidente), Paula C. Martini T. dos Santos (Secretaria), Maria Helena de Magalhães Mendonça (Diretora
Cultural), Mauro Petersem Domingues (Tesoureiro). Na suplência, faziam parte Lindalva Guerra Baz, Gloria
Regina Manuel, Regina Cortez de Oliveira e Luiz Sergio da Mata Machado. O Conselho Fiscal era composto por
Isabel Picaluga e Luis Carlos Freire.
63
Ser pré-sindical era uma condição necessária na época para formar o sindicato. Em alguns estados as
associações civis se transformaram em pré-sindical e, depois, em sindicato. Em outros, o caminho foi o de fundar
o sindicato e manter a associação civil (caso de São Paulo). Em alguns casos, como o do Rio de Janeiro, não foi
possível criar as condições favoráveis para formar o sindicato. Sabe-se que recentemente foi criado um Sindicato
dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro, mas sob questionamentos diversos e acusações que comprometem a
legitimidade dessa forma de organização.
64
O I Encontro dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro promovido pela APSERJ foi em julho de 1986.
65
Naquela época havia uma discussão voltada para a transformação de OSPB numa disciplina de conteúdo
programático de ciências sociais. Outra discussão mais polêmica era suscitada pelo Parecer 233/87, do Conselho
federal de Educação (CFE), cujo relator Pe. Antonio Geral, apresentada como proposta a transformação das
licenciatura de Ciências Sociais em Licenciatura em Estudos Sociais. Esta questão mobilizou as entidades de
áreas de conhecimentos diversos como ANDES, SBPC, ANPUH, AGB e ASB que reagiram nacionalmente e
regionalmente criando grupos de trabalho para analisar essa proposta considerada num contexto mais amplo de
um projeto voltada para promover uma reforma no ensino superior, no âmbito das licenciaturas (GERES).
66
Na época existiam sete cursos de graduação em ciências sociais no Estado do Rio de Janeiro: três nas
universidades publicas (UERJ, UFRJ e UFF), um numa IES confessional (PUC) e três em Faculdades privadas
(Santa Doroteia, em Friburgo, Valença e FEUC), estas ultimas, formavam especificamente licenciados e as
informações disponíveis indicavam que apenas uma tinha o curso em pleno funcionamento que era a que se
154

licenciaturas em ciências sociais suscitavam polêmicas e envolviam outras áreas como


História e Geografia, por exemplo. Alem disso, havia no Conselho Federal de Educação um
Parecer que apresentava uma proposta de transformar as licenciaturas de ciências sociais em
licenciaturas em estudos sociais67. Como resultado desse encontro tirou-se como
encaminhamento a busca de apoio da opinião pública e dos estudantes secundaristas, dos
parlamentares da Assembléia Legislativa, da Secretaria de Educação do Estado (SEE/RJ) e do
Conselho Estadual de Educação (CEE/RJ). Aproveitou-se o momento para realizar o
lançamento do livro Sociologia: introdução à ciência da sociedade, de Cristina Costa, editora
Moderna, direcionado ao ensino de sociologia.
No ano de 1989, o Grupo de Trabalho de Educação da APSERJ deu início a campanha
pública “Pela Volta da Sociologia no IIo Grau” através de confecções de botons, camisetas,
cartazes, jornal68 e recolhimento de assinaturas para a apresentação de uma Emendar Popular
Aditiva ao Projeto de Constituição do Estado do Rio de Janeiro (nº 1988). Essa campanha foi
o resultado de um e esforço coletivo de articulação da APSERJ com os alunos dos cursos de
graduação de ciências sociais, especificamente os da Universidade Federal Fluminense (UFF),
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e Faculdade de Filosofia de Campo Grande (FEUC). Com um pouco mais de três mil
assinaturas a proposta de emenda popular foi apresentada a Subcomissão de Ordem Social da
Assembléia Constituinte do Estado do Rio de Janeiro e defendida oralmente em Plenário, no
dia 30 de agosto de 1989, pela professora Moema Toscano69. Chama atenção o fato da
apresentação de uma Emenda Aditiva (nº 1379) ao texto constitucional para incluir a
sociologia na rede pública estadual de ensino, de autoria do Deputado Constituinte Accácio
Caldeira, do PDT. Diante da aprovação por consenso pela bancada parlamentar desta
proposta, a APSERJ procurou reforça-la. Cabe ressaltar o fato de que a APSERJ participou do
processo da elaboração do texto constitucional do Estado do Rio de Janeiro como membro

localizava no município do Rio de janeiro, no Bairro de Campo Grande, a Fundação Educacional


Campograndense (FEUC).
67
O relator do Parecer 233/87, do Conselho federal de Educação (CFE), Pe. Antonio Geraldo Amaral Rosa,
apresentou uma proposta a transformação das licenciatura de Ciências Sociais em Licenciatura em Estudos
Sociais. Esta questão mobilizou as entidades de áreas de conhecimentos diversos como ANDES, SBPC,
ANPUH, AGB e ASB que reagiram nacionalmente e regionalmente criando grupos de trabalho para analisar
essa proposta considerada num contexto mais amplo de um projeto voltada para promover uma reforma no
ensino superior, no âmbito das licenciaturas (GERES).
68
Os boletins e o Jornal Papo de Sociólogo publicado pela APSERJ foi um dos mais importantes instrumentos
de divulgação de assuntos da categoria no Estado.
69
Além da APSERJ, também patrocinaram a proposta de emenda popular de inclusão da sociologia no 2º. Grau
as entidades Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Instituto Brasileiro de Analises
Sociais e Econômicas (IBASE) e Centro de Estudos e Pesquisas da Baixada Fluminense (CEPEBA).
155

integrante junto com outras entidades do Fórum de Educação das Entidades Representativas
do Movimento Social70, apresentando proposta no Capítulo da Educação.
Com a aprovação da emenda aditiva que consagrou no texto constitucional a inclusão
do ensino de sociologia na rede pública estadual de ensino no Estado do Rio de Janeiro, a
campanha promovida pelo GT de Educação da APSERJ ganhou nova dimensão
redirecionando-se para ações que visavam a implantação da disciplina de forma efetiva.
Nesse caminho, a APSERJ buscou junto aos diretores da rede pública estadual de ensino
garantir o pedido de vagas para professores de sociologia com o propósito de garantir vagas
no concurso público, fato que alcançou êxito no ano seguinte, quando 182 vagas foram
abertas no concurso para o magistério público estadual (1990).
A APSERJ participou ativamente dos dois Encontros promovido pelo Conselho
Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ) que tinham como principal finalidade a
elaboração de um documento para orientar o posicionamento dos conselheiros diante da
necessidade deste órgão normativo pronunciar-se sobre a inclusão do ensino da sociologia71.
Os debates nesses encontros ocorreram a partir das contribuições oferecidas por várias IES
que buscaram promover no âmbito de seus departamentos reuniões preparatórias de propostas
para esses encontros. Alem da APSERJ, apresentaram propostas os Cursos de Ciências
Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense e o Colégio de Aplicação da UFRJ (CAP).
Um grupo relator sistematizou as contribuições apresentadas nessas propostas.72
A conclusão desse trabalho apontou para a promoção de
(...) novos encontros, nos moldes dos já realizados, tratando de todo o ensino de 2º.
grau, uma vez que se considerou que a oportunidade de entrada da Sociologia não

70
Alem da APSERJ faziam parte deste Fórum o Sindicato Nacional de Docentes das IES Publicas e Privadas
(ANDES), o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE/RJ), o Sindicato dos Profissionais do
Município do Rio de Janeiro (SINPRO), a Associação dos Docentes da Universidade do Rio de Janeiro
(ASDUERJ), a Associação dos Servidores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ASUERJ), Diretório
Central dos Estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DCE/UERJ), a Associação dos Geógrafos
do Brasil (AGB), a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FNEIS), Triangulo Rosa, o
Movimento pela Emancipação dos Leigos.
71
O Conselho Estadual de Educação é o órgão normativo do sistema educacional do Estado e tem como uma de
suas incumbências em nível constitucional fornecer as diretrizes para questões de ensino (Artigo 316, da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, 1989). O I Encontro Sobre a Introdução da Sociologia como
Disciplina no Ensino Médio ocorreu nos dias 15 e 16 de maio e 1990, o II Encontro foi realizado nos dias 9 e 10
de outubro do mesmo ano.
72
O Grupo Relator era composto por João Trajano de Lima Sento-Se (CAp/UFRJ), Luitgard Oliveira Cavalcanti
Barros (UERJ), Maria Lucia Martins Pandolfo (PUC/RJ), Mauro Petersem Domingues (APSERJ), Santo
Conterato (UFF) e Vera Pereira (IFCS/UFRJ).
156

poderia ser pensada como mais uma disciplina, mas como oportunidade de se
rediscutir a própria forma como se encontra concebido esse nível de ensino.73

A riqueza desses encontros poderia ser vista nos pontos de vistas teóricos,
procedimentos metodológicos diversos através de conteúdos programáticos e indicação
bibliográficas variados, apresentados pelos representantes presentes, alem de oportunizar a
integração entre as universidades e a associação da categoria dos sociólogos no Estado. No
entanto, ao longo dos anos noventa, a luta pela sociologia arrefeceu-se tendo devido as
dificuldades de mobilizar a categoria o que derivou no esvaziamento da sua principal
entidade. Em geral, esse fenômeno atingiu a maior parte dos movimentos sociais em várias
partes do país e nacionalmente, o que caracterizava um refluxo das organizações oriundas
desses movimento.
No Estado do Rio de Janeiro depois dos encontros promovidos pelo CEE/RJ assistiu-se
uma implantação da sociologia de forma lenta e repleta de dificuldades, apesar da sua
consagração no texto constitucional. Em 1992, o Colégio Pedro II reestabeleceu a disciplina
na sua grade curricular e seguido por algumas poucas escolas privadas, por iniciativa própria.
Sabe-se de forma imprecisa que o ensino de sociologia foi declarado inconstitucional e
deixado de lado a partir do segundo governo Brizola.
A partir do final da década de 90 a luta ganha sua dimensão nacional, a partir da
promulgação da atual Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 9394/96, dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (DCNEM) e do Parecer 15/98 do Conselho Nacional de Educação. Em conjunto, essa
legislação reestruturou o Ensino Médio, particularmente na área das ciências humanas,
estabelecendo os conceitos, os procedimentos e as atitudes provenientes da Geografia,
História, Filosofia e da Sociologia que passaram constituir a área de Ciências Humanas e suas
Tecnologias. Com isso, algumas unidades da federação efetivaram reformas curriculares que
incluíram a Sociologia como disciplina obrigatória. Porém, faz-se necessário ressaltar a
lentidão e as incongruências desse processo em nível nacional que exigiu uma concentração
de esforços de profissionais e estudantes de todo país através de suas organizações nacionais
tendo a frente a Federação nacional dos Sociólogos (FNSB) numa batalha junto ao Ministério
da Educação, o Conselho Nacional de Educação e ao Congresso Nacional na busca da
concretização da bandeira da categoria. Com a junção da luta pela Filosofia em nível

73
Documento Final dos Encontros Sobre a Introdução da Sociologia como Disciplina no Ensino Médio. In
CONTERATO, Santo (Org.). A Profissão de Sociólogo e a Sociologia no Ensino Médio. Rio de Janeiro:
APSERJ, 2006.
157

nacional, veio o êxito com o estabelecimento da obrigatoriedade do ensino da Sociologia nas


escolas públicas e privadas de todo país depois de vinte anos de uma trajetória conturbada.
Em suma a luta pela volta da sociologia ocorreu de diferentes maneiras com estratégias
distintas: por lei estadual e agora federal, por via administrativa (quando a Secretaria de
Educação decide a questão), por via dos vestibulares, pela mobilização dos cursos em suas
regiões. Há casos de municípios e escolas que introduziram a disciplina no Ensino
Fundamental e no Ensino Supletivo.

Questões teóricas e metodológicas no ensino da sociologia: alguns apontamentos

Muitas foram as questões tanto teóricas quanto metodológicas suscitadas nos embates
sobre a inclusão da sociologia no ensino médio. Na impossibilidade de tratar tais questões
com a profundidade merecida, nos limitaremos aqui apresentá-las de forma pontual e sucinta.
Em primeiro lugar, era consenso de que a implantação da sociologia não era uma pura e
simples adição de uma disciplina ao sistema de ensino, mas de introdução de uma ciência
capaz de instrumentalizar a reflexão necessária sobre a adequação do modelo educacional
existente no ensino médio. Em segundo lugar, dentre os objetivos da disciplina, o principal
era contribuir para a formação do aluno a fim de que o mesmo pudesse construir e exercer a
cidadania em sua plenitude de direitos. Para tanto, a disciplina deveria contribuir para
recuperar a dimensão humanística no ensino médio e fornecer instrumental de reflexão e
análise crítica que visasse uma melhor compreensão da realidade social em que o aluno está
inserido. A consideração de uma relação interdisciplinar entre a sociologia e outras áreas de
conhecimento para a análise dos fatos e da sociedade era outro ponto ressaltado nos debates,
além da criatividade didático-pedagógica do professor de maneira que se evitasse trabalhar
com o público juvenil uma sociologia clássica aos moldes do ensino acadêmico nas
universidades.
Em geral, a posição se resume no fato de entender que o conhecimento sociológico
aplicado no ensino médio não deva ser meramente instrumental e mecânico. Daí, ser de
fundamental importância a indagação para que serve a sociologia? junto aos jovens. O ponto
de partida era o princípio de que a compreensão da aplicabilidade do conhecimento como um
processo de apropriação reflexiva nos coloca a viabilidade de uma Sociologia interessante
para os alunos, na medida em que permita a análise de seus projetos de construção do “eu”, da
sua identidade e ao mesmo tempo, fundamenta o exame e a mudança das práticas sociais nas
quais estão envolvidos.
158

Os problemas suscitados pelo debate apontavam para a necessidade da reestrutura dos


cursos de licenciatura em ciências sociais vistos sob críticas de um esvaziamento tanto teórico
quanto metodológico. A adequação desses cursos para o ensino de sociologia no ensino médio
e a criação de programas permanentes de atualização de professores de sociologia, inclusive
em nível de pós-graduação (aperfeiçoamento ou atualização) eram indicados como
emergenciais em face de demanda crescentes por professores de sociologia. Na prática os
problemas enfrentados por esses professores foram muitos e de diversa complexidade quando
em sala de aula nas escolas.
Importante lembrar que inicialmente a disciplina de sociologia foi estabelecida no
currículo do Ensino Médio, a partir de uma reforma curricular que refletiu a mudança de uma
concepção do papel social da educação centrada na cidadania, hegemônica na década de 80,
para uma educação centrada na competitividade (Sobral, 1999). Portanto, uma mudança
relacionada às transformações no mundo do trabalho e na forma de produção e apropriação de
conhecimentos que, nas últimas décadas, também tiveram implicações na forma de produção
do conhecimento sociológico, a partir das novas tecnologias informacionais.

Considerações finais

A luta recente pelo retorno do ensino da sociologia no ensino médio brasileiro seguiu
uma trajetória conturbada e com dificuldades, ao ponto de que somente vinte anos depois a
disciplina foi implementada de forma obrigatória no currículo das escolas públicas e privadas
no país. No Estado do Rio de Janeiro isso aconteceu em 1990 quando da promulgação da
Constituição Estadual, mas sua implantação seguiu caminhos tortuosos e acidentados. O fato
de ser uma luta associada a profissionalização da sociologia abriu feridas e criou cisão entre
os cientistas sociais. Tínhamos dois grupos: um considerado “sociólogos acadêmicos” e
defendiam a sociologia como área de conhecimento cientifico, em geral localizados nas
universidades públicas e nos principais centros de pesquisas; outro grupo era o dos formados
em ciências sociais e ocupavam espaços tradicionais na administração publica (assessores,
administradores, outros) e novos espaços no mercado de trabalho (empresas privadas, ongs,
partidos políticos, dentre outros)74, chamados de sociólogos “não acadêmicos” ou “técnicos” e
defendiam a profissionalização.

74
Como novos espaços de atuação dos sociólogos nos anos oitenta encontramos as áreas de propaganda e
marketing, de treinamento de pessoal, de recursos humanos, pesquisas de mercado e de opinião, dentre outras.
159

Foram esses últimos que levantaram a bandeira da organização profissional,


regulamentação da profissão e retorno da sociologia ao ensino médio, apoiados por alguns
professores universitários.
Os desafios para o professor de sociologia no ensino médio não são poucos, o que deve
levá-los a repensar suas práticas em sala de aula. Essas práticas têm como base as referências
dos documentos curriculares oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais e os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, que propõe que o ensino da Sociologia
em conjunto com a Ciência Política e a Antropologia, de maneira que permita ao educando
desenvolver as seguintes competências e habilidades (PCNEM/MEC, 1999, p.85):
a) Representação e comunicação
• Identificar, analisar e comparar os diferentes discursos sobre a realidade: as
explicações das Ciências Sociais, amparadas nos vários paradigmas teóricos, e as do
senso comum.
• Produzir novos discursos sobre as diferentes realidades sociais, a partir das
observações e reflexões realizadas.

b) Investigação e compreensão
• Construir instrumentos para uma melhor compreensão da vida cotidiana,
ampliando a “visão de mundo” e o “horizonte de expectativas”, nas relações
interpessoais com os vários grupos sociais.
• Construir uma visão mais crítica da indústria cultural e dos meios de
comunicação de massa, avaliando o papel ideológico do “marketing” enquanto
estratégia de persuasão do consumidor e do próprio eleitor.
• Compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias e
segmentos sociais, agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto
princípio estético, político e ético que supera conflitos e tensões do mundo atual.

c) Contextualização sócio-cultural
• Compreender as transformações no mundo do trabalho e o novo perfil de
qualificação exigida, gerados por mudanças na ordem econômica.
• Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da
cidadania plena, no contexto do Estado de Direito, atuando para que haja,
efetivamente, uma reciprocidade de direitos e deveres entre o poder público e o
cidadão e também entre os diferentes grupos.

Com tudo isso, deixamos a pergunta: quais são as condições externas e internas de um
trabalho efetivo desse professor em sala de aula?
160

Referências

APSERJ. Jornal papo de sociólogos – várias edições.


___ . Boletins informativos – varias edições.
ASCIUTTI, Cacilda. O mercado de trabalho para o sociólogo: antigos e novos espaços. São
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Revisada e ampliada. São Paulo: Moderna, 2006.
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional: lei 9394. Brasília: 1996.
___. Parâmetros curriculares nacionais para o Ensino Médio. Ciências Humanas e suas
Tecnologias V.4. Brasília: MEC, 1999.
CARVALHO. Lejeune Mato Grosso de. (Org.). Sociologia e ensino em debate: experiências
e discussão de sociologia no ensino médio Ijui: Ed. Unijui, 2004.
CONTERATO, Santo (Org.). A Profissão de Sociólogo e a Sociologia no Ensino Médio. Rio
de Janeiro: APSERJ, 2006.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução a ciência da sociedade. 3ª. Ed. São Paulo:
Moderna, 2005.
MARINHO, Marcelo Jacques Martins da. A profissionalização da sociologia no Brasil. In:
Dados Revista de Ciências Sociais. Vol. 30, no. 2. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1987.
OLIVEIRA, Dalta Motta de. A pratica pedagógica dos professores de sociologia: entre a
teoria e a pratica. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: 2007 (mimeo).
ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. Historia da educação no Brasil: 1930/1973. Petrópolis:
1978.
SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇAO DO RIO DE JANEIRO. Reorientação
curricular, Livro III, Ciências Humanas: sucesso escolar. Rio de Janeiro: 2006.

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