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Rumos da Sociologia na Educação Básica - ENESEB 2017: reformas, resist ências e experiênci…
Crist iano Bodart , Alexandre Correia Lima, Diogo Tourino de Sousa, Ileizi Fiorelli, Débora Crist ina…
Ent re as inst it uição e os sujeit os: reflexões sobre a prát ica docent e equilibrist a
Paulo Vict or Albert oni Lisboa
Ensino de Sociologia:
desafios teóricos e pedagógicos para as ciências
sociais.
Organizador:
Luiz Fernandes de Oliveira
2
SUMÁRIO
Prefácio....................................................................................................................................... 3
Introdução................................................................................................................................... 8
Capítulo 2 Formação de professores de sociologia do ensino médio: para além das dicotomias..... 32
Amaury Cesar Moraes
Capítulo 5 Notas para um balanço crítico da produção recente dos livros didáticos de
sociologia no Brasil ................................................................................................................. 66
Simone Meucci
Capítulo 11 O Retorno da Sociologia no Ensino Médio no Rio de Janeiro: uma luta que
merece ser pautada!................................................................................................................ 147
Antonio de Ponte Jardim
Otair Fernandes de Oliveira
3
Prefácio
hoje, exigindo a presença e manutenção da sociologia no ensino médio, em alguns casos, não
tragam ainda alguns resquícios de outras épocas diferentes da que hoje vivemos.
Mas a questão fica em aberto, pois afinal, a sociologia aparece como sendo uma
ferramenta para o combate e a transformação ou para fazer parte integrante de uma política
legitimadora da situação vigente.
Após duas discussões de grande amplitude penso que os textos de Amaury Cesar
Moraes, de Ileizi Luciana Fiorelli Silva e de Luiza Helena Pereira nos remetem de alguma
forma à questão da formação dos professores na universidade, e as políticas públicas
existentes hoje vinculadas às licenciaturas. A dicotomia existente, desde o início dos cursos
de ciências sociais, na década de 1930, aparece hoje de forma mais explícita, porque a maioria
dos nossos cursos de ciências sociais privilegia o bacharelado, devido, em parte, a ênfase dada
à pós-graduação, deixando de lado a licenciatura. Mas como formar professores sem os
conhecimentos das ciências sociais? Parece-me que é uma visão enviesada pensar a separação
entre bacharelado e licenciatura, pois a maior parte das disciplinas dos cursos de ciências
sociais, na maioria das universidades, são as mesmas para ambas as habilitações.
Mesmo assim, ela continua na prática e ainda com o estigma para quem faz a
licenciatura, como se não soubesse fazer pesquisa, que fica expressa quando ainda se ouve
que o licenciado “não tem capacidade/condições de fazer uma monografia”.
Como romper com esta visão tacanha e sem fundamento empírico? A formação de um
professor exige tanto ou mais que um não professor do ensino médio. Neste sentido, o texto
vai além e faz uma avaliação de outras dicotomias presentes na formação dos professores de
sociologia do ensino médio. E por fim indica a necessidade de uma revisão radical da
formação dos professores de sociologia para o ensino médio.
A preocupação com a formação está presente também no texto de Ileizi L.F. Silva que
descreve a experiência do PIBID (Plano Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência) de
Ciências Sociais na UEL, programa do governo federal, que considero da maior relevância,
pois é a primeira vez que há um programa desta natureza, ou seja, com bolsas para
professores e estudantes e que tem como alvo a licenciatura. Penso que esta é uma
oportunidade que todas as universidades e cursos devem aproveitar para implantar um PIBID
e assim ampliar as possibilidades de termos uma formação de professores mais sólida
inclusive levando a uma revisão profunda dos estágios supervisionados.
Na mesma temática Luiza Helena Pereira nos remete a uma análise sobre a formação
dos futuros professores de sociologia no ensino médio no Rio Grande do Sul, apresentando
para tanto uma proposta teórico-metodológica bem como as estratégias para a seleção de
5
1
SARANDY, Flávio Marcos Silva. A Sociologia volta à escola: um estudo dos manuais de Sociologia para o
ensino médio no Brasil. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas – UFRJ, 2004.
2
MEUCCI, Simone. Institucionalização da Sociologia no Brasil. Primeiros manuais e cursos. São Paulo:
Hucitec/FAPESP, 2011.
6
brevemente, os livros didáticos de sociologia que participaram, pela primeira vez, do PNLD e
que foram distribuídos nas escolas públicas em 2012. Crítica geral precisa que nos aponta
uma série de elementos que possibilitam uma análise mais detalhada dos livros didáticos
existentes hoje. Além disso, procura indicar como os livros didáticos implicam numa possível
rotinização do conhecimento sociológico no sistema escolar.
Quais são as propostas curriculares ou os programas, quais são os livros e quais são os
possíveis temas que podem ser abordados pela sociologia no ensino médio são questões que
aparecem na cabeça do professor a todo o momento no cotidiano da escola. Neste sentido o
texto de Tânia Elias Magno da Silva, tratando da relação sociedade e meio ambiente é
importante para deslocar das temáticas clássicas da sociologia para uma questão hoje
discutida em todos os meios de comunicação, organismos nacionais e internacionais, mas
também preocupação cotidiana de milhares de pessoas que veem na questão ambiental um
espaço para discutir a sociedade em que vivemos.
Neste sentido, ela parte da discussão sobre natureza e cultura, discutindo as raízes dos
antagonismos da relação homem e natureza para chegar à proposição de que o tema deve ser
abordado pelos professores de sociologia contribuindo para uma formação de uma visão
critica que rompa com a visão utilitarista e individualista que permeia os valores em nossa
sociedade e que estão presentes na concepção de vida dos alunos no interior das escolas.
Postas estas questões pelos textos anteriores, ficam ainda duas outras que estão sempre
presente no cotidiano do professor do ensino médio. A primeira é a questão didática que o
texto de Luiz Fernandes de Oliveira e de Ricardo Cesar Rocha da Costa nos remete a uma
reflexão do famoso “como ensinar sociologia para jovens”. Mesmo que se utilizem os mais
diversos recursos didáticos, adequando-os sempre ao uso de teorias, conceitos e temas, fica
ainda uma discussão sobre a formação docente neste quesito. Como estão sendo ensinados e
discutidos os usos de diferentes, tradicionais ou não, recursos didáticos aos futuros
professores do ensino médio? Esta pergunta se faz necessária porque na maioria dos casos o
que se encontra é uma situação muito antiga, ou seja, as aulas são ministradas na base do “giz
e saliva”. E aí se podem levantar várias questões que também envolvem, por exemplo, a
linguagem predominante entre os estudantes, suas interações e relações interpessoais, a
proposta de um Letramento sociológico, além é claro do uso de novas tecnologias de ensino.
Sobre esta, pergunto eu, os professores estão preparados para utilizar equipamentos
computadorizados ou mesmo internet em sala de aula? Enfim, vamos da inexistência de
condições objetivas e materiais até a incapacidade dos professores. Aqui se tem uma boa
7
entrada para discutir tanto a formação dos professores, neste quesito, até a prática de ensino
no cotidiano da sala de aula, ou como se diz “no chão da escola”.
A segunda questão é a da avaliação no processo de ensino, ou seja, como avaliar se
nossos alunos conseguem absorver e elaborar os temas, teorias e conceitos sociológicos
propostos em sala de aula. Adelia Miglievich Ribeiro e Lígia Wilhelms Eras, em seu texto
fazem uma análise sociológica do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (sigla
em inglês PISA) e como a questão deste tipo de avaliação influencia determinadas políticas
públicas. São válidos os instrumentos utilizados para se avaliar um sistema de ensino como
um todo? Mas por outro lado, quais seriam os instrumentos mais precisos para se avaliar o
ensino? São questões que se pode fazer quando se defronta com um sistema de avaliação que
se propõe universal.
Mas, para além dessa possível polêmica o texto nos remete a uma discussão que poderia
estar vinculada ao tema discutido anteriormente por Tânia Elias Magno da Silva, quando se
pode problematizar as potenciais relações entre as ciências da vida e as tecnológicas com a
sociologia. Mesmo que isso não esteja presente no PISA, mas segundo as autoras, pode
inspirar ou não o entendimento da pesquisa também nas aulas de sociologia.
E para concluir, nada como voltar a um tema já trabalhado em outros momentos e
lugares, pois afinal a luta continua, e isto está presente no texto de Otair Fernandes de
Oliveira e de Antonio de Ponte Jardim que resolvem trazer à tona o que foi a luta pelo retorno
da sociologia no ensino médio no Rio de Janeiro. Os percalços, incongruências, acertos até a
efetivação da disciplina são evidenciados pelo papel significativo da Associação Profissional
dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro (APSERJ) neste processo. Entretanto, deixam
bem claro que uma coisa foi a luta pela implantação da sociologia no ensino médio e outra é a
garantia da efetivação de uma pratica pedagógica de ensino em que as ciências sociais possam
ser úteis na formação do jovem brasileiro. Portanto só estamos começando outra batalha no
mesmo caminhar.
Como se pode perceber, discutir a presença da sociologia no ensino médio, seus
desafios teóricos e pedagógicos e práticos, não é uma tarefa fácil, pois são muitos os temas
que podem ser abordados de diferentes formas e visões. Mas, esta é a riqueza da sociologia,
que seria muito importante se pudéssemos transmitir aos nossos alunos na universidade e no
ensino médio.
Introdução
Na atual conjuntura de debates sobre o ensino de Sociologia no Ensino Médio, este livro
tem um caráter singular e histórico, pois reunimos aqui 14 dentre os principais especialistas
das Ciências Sociais que refletem teoricamente sobre o ensino de sociologia, em diversas
universidades brasileiras que formam os professores. Não são os únicos, é claro, mas a
representatividade expressa nesta coletânea, significa que este campo de reflexão dentro das
Ciências Sociais já acumulou formulações teóricas capaz de produzir um “campo de
pensamento” sobre o ensino e as práticas pedagógicas de uma disciplina pouco tradicional na
educação básica.
Ouvi esta expressão “campo de pensamento” sobre o ensino de sociologia, em 2007, na
ocasião dos debates sobre o tema no I Encontro de Ensino de Sociologia do Estado do Rio de
Janeiro, realizado na UFRJ. Ela foi expressa pelo professor da UFF, Flávio Sarandy, na mesa
de debates sobre as perspectivas do ensino de sociologia na escola básica. A época, ao jogar
esta formulação ao público, parecia que o autor queria pensar alto e coletivamente para a
constituição de um coletivo de reflexão, que não se limitaria ao espaço acadêmico.
Anos depois, podemos afirmar que estamos em outro patamar. Entendemos um “campo
de pensamento” como sendo um sujeito coletivo (ideias e pessoas) que expressa uma
perspectiva reflexiva e ação social conjunta, com objetivos políticos, teóricos e acadêmicos
específicos, num determinado tema ou área de conhecimento. Este campo não se caracteriza
como escola de pensamento, no qual há muito mais convergências teóricas e ações políticas
centralizadas em um espaço institucional. Entretanto, o que veremos neste livro, é uma
expressão bastante embrionária de uma perspectiva de construção de um campo de reflexão
teórica plural que pode, ou não, dependendo das condições objetivas dos sujeitos aqui
presentes, se consolidar nos próximos anos em função das grandes demandas abertas nos
cursos de licenciaturas em Ciências Sociais, no campo mais abrangente das Ciências Sociais
nas universidades e no campo profissional, especificamente o magistério público.
Essa nova demanda aberta, principalmente a partir da Lei 11.684/08 que institui a
obrigatoriedade da sociologia no ensino médio, é produto de muitas lutas coletivas de
professores e estudantes de Ciências Sociais em todo o Brasil. Mas, também reflete a
9
produção coletiva, mesmo que não seja organizada, de centenas de docentes da educação
básica.
Os conteúdos dos textos presentes neste livro, explicita e implicitamente, traduzem anos
de trajetórias de profissionais da educação básica que, mesmo enfrentando as dificuldades
objetivas e subjetivas do exercício do magistério, conseguiram se afirmar num campo de
atuação pouco tradicional e quase invisível para grande parte dos sujeitos que atuam nas
Ciências Sociais.
Quantos de nós, professores de sociologia no ensino médio, já atuamos solitariamente
numa escola? Quantos de nós fomos questionados sobre a relevância da sociologia no ensino
médio? Quantos de nós, enfim, já inventaram formas de ensinar, inventaram materiais e
recursos didáticos e inventaram formas de avaliação da aprendizagem em sociologia? Nós
temos histórias e muitas histórias para contar de diversas regiões e escolas do Brasil.
A despeito dos problemas estruturais da educação brasileira e da má formação inicial,
muitos professores de sociologia foram e são pioneiros em suas áreas e escolas na aplicação
didática e metodológica da sociologia entre os jovens estudantes. Aliás, estes, estão ou
poderão se tornar o público prioritário e amplo da sociologia, e o título desta coletânea vai
neste sentido: um desafio para uma ciência que predominantemente pensou os jovens até hoje
como simples objetos de pesquisa e não como sujeitos de interação no campo educacional.
E não nos limitamos a um só desafio, mas abrem-se muitos outros como: um outro olhar
sobre os jovens; uma sociologia da escola enquanto pesquisa e, ao mesmo tempo, enquanto
ação pedagógica; uma produção de conhecimento didático especifica; um diálogo com as
ciências da educação nos aspectos de currículo, de interdisciplinaridade, de seleção de
conteúdos, de avaliação da aprendizagem, de inserção específica nas atuais políticas públicas
educacionais e, principalmente, no campo da formação docente.
O que aparece nesta coletânea é a tentativa de construção de uma comunidade que
defende um ethos acadêmico, um campo de produção de conhecimento teórico e que possa
possibilitar a construção de uma intervenção de qualidade na educação brasileira.
Florestan Fernandes em 1954, na ocasião do 1º Congresso Brasileiro de Sociologia,
quando apresentou o debate sobre ensino de sociologia na escola secundaria, dizia que este
era um objeto inventado e que não existia. Mas, hoje, ele é um fato e uma realidade, que
provoca e mobiliza conflitos, polêmicas, rearranjos e disputas nos currículos, nos espaços
escolares e na grande mídia.
Neste sentido, os cursos de Ciências Sociais nas universidades brasileiras estão sendo
chamados a se mobilizarem diante dessa demanda que bate a sua porta, os estudantes de
10
graduação começam a perceber que o magistério público é o grande nicho profissional que se
anuncia após a conclusão do curso, mesmo que as condições de trabalho e salário não sejam
atraentes. E os professores, já atuantes no ensino médio, começam a participar, mesmo que de
forma fragmentada nacionalmente, de encontros, de seminários, de debates etc, e nestes,
descobrem novas experiências e formulações didáticas e pedagógicas com seus pares. Ou
seja, percebemos uma movimentação, um crescer de articulações nacionais, regionais e locais
que parecem propiciar um novo lócus de produção e enunciação de conhecimentos no campo
das Ciências Sociais e nas Ciências da Educação.
Esta coletânea não tem a pretensão de canalizar as referências neste campo de
pensamento que se está construindo. Ela pretende, humildemente, se inserir nesse momento
histórico que pode render novas elaborações, formulações e pesquisas, numa disciplina que
sempre gerou polêmica na história do currículo escolar brasileiro.
Duas intenções, entretanto, se fazem explícitas nesta coletânea: a primeira é fortalecer
toda uma luta de décadas pela sociologia no ensino médio propiciando uma real legitimidade
acadêmica e educacional sobre o ensino de sociologia na escola básica. A segunda, contribuir
para que os professores de sociologia se instrumentalizem teoricamente, que os estudantes se
formem numa perspectiva de diálogo permanente entre teoria e prática e que os professores
formadores nas licenciaturas, percebam que suas atuações nos cursos de Ciências Sociais
estão cada vez mais embasadas na perspectiva de construção de um sujeito coletivo e de uma
comunidade acadêmica que produz conhecimento socialmente relevante.
Enfim, esta coletânea, é uma obra aberta, é um investimento no diálogo e é uma
ferramenta que expressa a pluralidade de perspectivas que se abre na educação brasileira.
Juarez Dayrell3
Introdução
3
Sociólogo, professor da Faculdade de Educação da UFMG e coordenador do Observatório da Juventude
(www.fae.ufmg.br/objuventude).
12
Nessa outra forma de refletir e lidar com os tempos da vida supera-se a sucessão linear e
fechada de cada uma das suas etapas. Significa ver e viver as experiências articuladas, com a
possibilidade de múltiplas respostas, de forma que uma idade não elimina a outra, mas a
contém. Significa assumir o direito de jogar, em cada situação, com todas e cada uma das
cartas da experiência acumulada, seja ela grande ou pequena, de tal maneira que, em cada
13
itinerário pessoal, o tempo fosse nosso amigo, e não cárcere, permitindo, assim, uma
identidade flexível e diversificada.
Essas concepções interferem diretamente na forma como geralmente se elabora uma
compreensão e define-se uma postura diante da infância, da juventude e também da velhice.
Deparamos-nos no cotidiano com uma série de imagens socialmente construídas a respeito da
juventude que interferem na nossa maneira de compreender os jovens. Uma das mais
arraigadas é a juventude vista na sua condição de transitoriedade, onde o jovem é um “vir a
ser”, tendo, no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente.
Sob essa ótica, há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, o que ainda não
se chegou a ser, negando o presente vivido.
Essa imagem convive com outra: a juventude vista como problema, ganhando
visibilidade quando associada ao crescimento alarmante dos índices de violência, ao consumo
e tráfico de drogas ou mesmo à expansão da AIDS e da gravidez precoce, entre outros. Não
que estes aspectos da realidade não sejam importantes e estejam demandando ações urgentes
para serem equacionados. A questão é: ao conceber o jovem de uma maneira reducionista,
vendo-o apenas sob a ótica do problema, as ações em prol da juventude passam a ser focadas
na busca de superação do suposto “problema” e, nesse sentido, voltam-se somente para os
setores juvenis considerados pela sociedade, pela escola e pela mídia como “em situação de
risco”. Tal postura inibe o investimento em ações baseadas na perspectiva dos direitos e que
desencadeiem políticas e práticas que focalizam a juventude nas suas potencialidades e
possibilidades.
Uma outra imagem presente é uma visão romântica da juventude, que veio se
cristalizando a partir dos anos sessenta, resultado entre outros, do florescimento da indústria
cultural e de um mercado de consumo dirigido aos jovens (Abramo, 1994). Nessa visão a
juventude seria um tempo de liberdade, de prazer, de expressão de comportamentos exóticos.
A essa ideia se alia a noção de moratória, como um tempo para o ensaio e erro, para
experimentações, um período marcado pelo hedonismo e pela irresponsabilidade, com uma
relativização da aplicação de sanções sobre o comportamento juvenil. Mais recentemente,
acrescenta-se uma outra tendência em perceber o jovem reduzido apenas ao campo da cultura,
como se ele só expressasse a sua condição juvenil nos finais de semana ou quando envolvido
em atividades culturais.
Na perspectiva da sociologia da juventude, é necessário colocar em questão essas
imagens, pois, quando arraigados nesses “modelos” socialmente construídos, corremos o risco
de analisar os jovens de forma negativa, enfatizando as características que lhes faltariam para
14
Temos de partir da ideia que os tempos da vida, e neles a juventude, são constitutivos da
produção e reprodução da vida social. Significa dizer que em qualquer sociedade humana
existe uma forma própria de categorizar os tempos da vida, atribuindo significados culturais a
cada uma das etapas biológicas do desenvolvimento humano. (Debert, 2000). Em grande
parte das sociedades indígenas, por exemplo, a passagem da infância para a juventude se dava
(e ainda se dá) através dos chamados ritos de passagem. Eram e são provas difíceis, nas quais
tanto o menino quanto a menina tinham de provar que podiam assumir uma nova identidade
social, definindo assim a passagem para o mundo adulto. São provas quase sempre duras,
dolorosas: os meninos têm de mostrar que sabem usar armas, reconhecer plantas e animais, a
sentir medo e a experimentar as dificuldades de sobrevivência. As meninas, por sua parte, têm
de mostrar que estão familiarizadas com os segredos da gestação da vida. É a partir dessas
provas que eles podem dizer: sou membro deste coletivo, pertenço a este grupo, sou tal
pessoa. Ou seja, assumem uma determinada identidade. Mas uma identidade que era dada de
fora, respondida pelos outros, pela família, pela comunidade.
A pesquisa antropológica é rica em exemplos que demonstram que as etapas biológicas
da vida são elaboradas simbolicamente com rituais que definem fronteiras entre idades que
são específicas de cada grupo social. Neste sentido, ser jovem no meio rural pode ser muito
diferente do que ser jovem nas grandes metrópoles, da mesma forma que ser jovem de classe
média pode não ser igual a ser jovem nas camadas populares, dentre outros exemplos. Assim
a forma como cada grupo social representa e valoriza a juventude é, no dizer de Levi Strauss,
“boa para pensar”. É uma chave possível para conhecer a sua organização social, para
apreender a sua cultura, constituindo-se, assim, um fértil campo de conhecimento das ciências
sociais.
15
Ainda nessa direção, pode-se afirmar que a juventude é uma construção histórica.
Diversos autores4 já mostraram que a juventude aparece como uma categoria socialmente
destacada nas sociedades industriais modernas, resultado de novas condições sociais, como as
transformações na família, a generalização do trabalho assalariado e o surgimento de novas
instituições, como a escola. Nesse processo, começou-se a delinear a juventude como uma
condição social, definida além dos critérios de idade e/ou biológicos. Uma condição de
indivíduos que estão inseridos em um processo de formação e que ainda não possuem uma
colocação permanente na estrutura da divisão social do trabalho.
Mas, alerta Debert, afirmar que a juventude ou as categorias de idade são construções
culturais e que mudam historicamente não significa dizer que elas não tenham efetividade.
Como já vimos, essas categorias são constitutivas de realidades sociais específicas, uma vez
que operam recortes no todo social, estabelecendo direitos e deveres diferenciais em uma
população, definindo relações entre as gerações e distribuindo poder e privilégios.
A Sociologia da Juventude vem se debatendo entre várias posições no esforço de
desnaturalizar esta noção e fazer do problema da juventude um problema sociológico, sem
conseguir, porém, chegar a um denominador comum. A Sociologia da Juventude tem oscilado
entre duas vertentes. Na primeira — classificada como geracional — a juventude é uma fase
da vida, enfatizando a busca de aspectos característicos mais uniformes e homogêneos que
fariam parte de uma cultura juvenil, unitária, específica de uma geração definida em termos
etários. Nesta corrente estariam presentes tanto as teorias da socialização de inspiração
funcionalista quanto as teorias sobre gerações. A segunda vertente, classista, trata a juventude
como um conjunto social necessariamente diversificado, em razão das diferentes origens de
classe, que apontam para uma diversidade das formas de reprodução social e cultural. As
culturas juvenis seriam sempre culturas de classe. Como produto das relações sociais
antagônicas, expressariam sempre um significado político de resistência, ganhando e criando
espaços culturais. Em abordagens culturalistas mais recentes, podemos notar, ainda, uma
tendência em considerar a juventude na perspectiva da dimensão simbólica, com forte ênfase
no aspecto significativo, estético, muitas vezes incorrendo no risco de desvinculá-la das
condições sócio-históricas, o que gera um empobrecimento da sua capacidade de análise.
Neste texto, buscaremos fugir destas polaridades e construir uma noção de juventude na
ótica da diversidade. Nesta perspectiva, temos de levar em conta que a juventude tem um
caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas
4
Dentre eles, destacam-se Peralva (1997) e Abramo (1994).
16
As palavras juventude e adolescência têm significados distintos, ainda que superpostos. Muitas
vezes, porém são usadas como sinônimos. A Organização das Nações Unidas (ONU) define como
jovens as pessoas entre 15 e 24 anos (no Fórum Mundial da Juventude de 2001, houve uma solicitação
para que se estendesse a definição aos 30 anos, a fim de que os países pudessem enfrentar mais
adequadamente os desafios colocados às suas populações jovens).
A Organização Mundial de Saúde (OMS), instituição da ONU para a saúde, entende que a
adolescência constitui um processo fundamentalmente biológico, que vai dos 10 aos 19 anos de idade,
abrangendo a pré-adolescência (10 a 14 anos) e a adolescência propriamente dita (15 a 19 anos). Já a
juventude é considerada uma categoria sociológica que implica a preparação dos indivíduos para o
exercício da vida adulta, compreendendo a faixa dos 15 aos 24 anos de idade. As diferenças entre
adolescência e juventude existem, portanto, não só em termos dos limites etários, mas em termos
conceituais. No Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação federal de 1990 que estabelece
direitos específicos para crianças e adolescentes, a adolescência é definida como a fase que vai dos 12
aos 18 anos incompletos, sendo o período imediatamente posterior à infância. Cabe mencionar que,
no âmbito das políticas públicas, a adoção do recorte etário de 15 a 29 anos é bastante recente. Antes,
geralmente era tomada por “jovem” a população na faixa etária entre 15 e 24 anos. A ampliação dessa
5
Para ampliar a discussão sobre a noção de juventude, ver Sposito (1993 e 2000); Peralva (1997), Dayrell (1999,
2003, 2005 e 2007), dentre outros.
17
faixa para os 29 anos não é uma singularidade brasileira, configurando-se, na verdade, numa tendência
geral dos países que buscam instituir políticas públicas de juventude.
Há duas justificativas que prevalecem para ter ocorrido essa mudança: maior expectativa de vida para
a população em geral e maior dificuldade dessa geração em ganhar autonomia em função das
mudanças no mundo do trabalho. Se por um lado não podemos reduzir a juventude a uma faixa etária
delimitada, por outro, a elaboração de políticas públicas tendem a determinar o tempo da juventude
com critérios etários predefinidos e rígidos para a definição do seu público-alvo.
EDUCAÇÃO
Para ampliar nossa compreensão a respeito dos jovens, vamos traçar um breve retrato da
juventude no Brasil, fazendo uma síntese dos indicadores sociais relacionados a essa fase da
vida. Nem sempre consideramos a importância desses indicadores. Contudo, um maior
conhecimento dos dados estatísticos que dizem respeito à realidade juvenil brasileira poderá
nos revelar aspectos importantes da situação desse segmento em setores importantes como
emprego, educação, saúde, segurança pública e cultura. Esse conhecimento poderá ampliar o
nosso olhar diante da realidade do jovem no Brasil e, quem sabe, ajudará na construção de
uma maior solidariedade e responsabilidade dos educadores e do poder público diante dessa
população.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2007, a
população jovem, compreendida na faixa de 15 a 29 anos, é de cerca de 51 milhões,
correspondendo a 27% da população total do país. Desse total, a grande maioria (80%) vive
nas áreas urbanas e, em grande medida, não possuem os equipamentos sociais necessários
para suprir suas múltiplas necessidades de desenvolvimento. Em termos educacionais, a taxa
de escolarização varia conforme os grupos de idade. Assim, entre os jovens de 15 a 17 anos,
82,1% estavam matriculados nas escolas no ano 2007. Mas essa taxa vai decrescendo no
avançar da idade: entre os jovens de 18 e 19 anos, a taxa cai para 46,6% e, entre aqueles de 20
a 24 anos, apenas 25,6% estavam estudando - uma das taxas mais baixas da América Latina.
Os mesmos dados que apontaram a extensão do acesso à escolarização por um maior
contingente de jovens revelaram também dados preocupantes sobre o atraso escolar no ensino
público. Segundo o levantamento, só na faixa etária de 15 a 17 anos, boa parte dos jovens que
estudavam (38,5%) estava matriculada no ensino fundamental, que deveria ser terminado aos
14 anos. E apenas 48% destes estavam matriculados no ensino médio. Significa dizer que,
18
mesmo com a melhora relativa nos índices de escolaridade, a grande maioria dos jovens ainda
não consegue chegar ao Ensino Médio e ao Superior.
Se considerarmos outras variáveis, como cor da pele, verifica-se um quadro muito
intenso de desigualdades entre os jovens. Assim, dentre os estudantes que vivem situações de
exclusão social (famílias que vivem com até ½ salário mínimo), 69,2% são negros e pardos.
A PNAD de 2007 nos mostra que, no grupo de 15 a 17 anos de idade, o percentual de
adolescentes negros que concluíram o ensino fundamental e frequentam o ensino médio foi de
20%, enquanto que, entre os brancos, essa taxa foi de 28,1%.
Uma pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre
“desigualdade racial no Brasil; evolução das condições de vida na década de 90” revela
dados importantes sobre a situação étnico/racial da juventude brasileira e seu processo de
escolarização. Esse estudo atesta a existência de uma grande desigualdade racial entre jovens
negros e brancos na educação. Segundo ele, a escolaridade média de um jovem negro com 25
anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem
cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos de estudo.
Apesar de reconhecer que a escolaridade média dos brancos e dos negros tem
aumentado de forma contínua ao longo das últimas décadas, os dados de tal pesquisa não
deixam de ser alarmantes quando se comparam as condições e a trajetória escolar de jovens
negros e brancos. Um jovem branco de 25 anos tem, em média, mais 2,3 anos de estudo que
um jovem negro da mesma idade e essa intensidade da discriminação racial é a mesma vivida
pelos seus pais e pelos seus avós. Nesse sentido, apesar de a escolaridade média de ambas as
raças ter crescido ao longo do século, o padrão de discriminação racial no Brasil, expresso
pelo diferencial de anos de escolaridade entre brancos e negros, mantém-se absolutamente
estável entre as gerações, padecendo assim de uma inércia histórica.
A realidade do ensino superior é ainda mais desoladora. Em 2007, 57,1% dos jovens
brancos entre 18 e 25 anos haviam ingressado na universidade. Os jovens negros nessa
mesma faixa de idade, por sua vez, possuem um acesso bem mais restrito ao ensino superior,
na medida em que apenas 25,9% deles ingressaram na universidade.
TRABALHO
MORTALIDADE
As estatísticas indicam que o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo naquilo que se
refere ao assassinato de jovens, segundo estudo da UNESCO divulgado em agosto de 2000 e
denominado Mapa da Violência III. O Rio de Janeiro se tornou a terceira capital brasileira
mais perigosa para a vida de jovens. De 1989 a 1998, o percentual de jovens mortos por
homicídios no Rio subiu 217,3%. Segundo informações do Ministério da Saúde, no Brasil, as
taxas de mortalidade entre homens jovens são quase 50% maiores que as dos Estados Unidos
e 100% maiores que as registradas no Canadá, na França ou na Itália. Os números excedem
aqueles relativos a países em situação de guerra declarada. O tráfico e o consumo de drogas
contribuem fortemente para a participação de jovens brasileiros no ciclo perverso de
homicídios, quer sejam como agressores ou como vítimas da violência. Os traficantes de
drogas encontram, nos jovens das áreas populares urbanas, uma mão-de-obra barata e
disponível para seus empreendimentos, que se situam no contexto de uma rede de ações
criminosas que envolvem também o roubo, os jogos de azar, a exploração sexual, a extorsão e
o comércio ilegal de armas.
20
Na construção dos modos de vida juvenil, o mundo cultural ocupa uma centralidade.
Mas essa não é uma prerrogativa da sociedade contemporânea. Em toda sociedade humana os
jovens sempre foram alvo específico de algum ritual, como os ritos de passagem, ou se
integravam ativamente no conjunto de festas e rituais que constituem a dinâmica social.
Podemos afirmar que a relação entre juventude e cultura é um velho tema que se reatualiza. A
existência de espaços específicos de trocas e expressões culturais pelos quais os jovens
afirmam uma separação geracional é muito recente. Essa é uma dimensão inovadora
constatada em várias pesquisas sobre a juventude contemporânea, o alargamento dos
interesses e práticas coletivas juvenis, com ênfase na importância da esfera cultural, que cria
formas próprias de sociabilidade, de práticas coletivas e de interesses comuns, principalmente
em torno dos diferentes estilos musicais.
Sem nos determos num conceito específico, quando falamos em culturas juvenis nos
referimos a modos de vida específicos e práticas cotidianas dos jovens, que expressam certos
significados e valores não tanto no âmbito das instituições como no âmbito da própria vida
cotidiana (Pais, 1993, p. 20). Nessa perspectiva, é evidente que não podemos falar de uma
cultura juvenil homogênea, tanto que a estamos utilizando no plural. Ao contrário, expressa
um conjunto de significados compartilhados, um conjunto de símbolos específicos que
expressam a pertença a um determinado grupo, uma linguagem com seus específicos usos,
particulares rituais e eventos, por meio dos quais a vida adquire um sentido. O processo de
construção das culturas juvenis tem de ser entendido no contexto da origem social e das
condições concretas de vida na qual os jovens estão sendo socializados.
A partir da década de 1990 assistimos, no Brasil, a uma nova forma de visibilidade dos
jovens na qual a dimensão simbólica e expressiva tem sido cada vez mais utilizada por eles
21
transformando o espaço urbano em um valor de uso. Tem se ampliado o número daqueles que
se colocam como produtores culturais e não apenas fruidores.
A música é o principal produto cultural consumido pelos jovens não só no Brasil, mas
também em outros países. A música acompanha os jovens em grande parte das situações no
decorrer da vida cotidiana: música como fundo, música como linguagem comunicativa que
dialoga com outros tipos de linguagem, música como estilo expressivo e artístico; são
múltiplas as dimensões e os significados que convivem no âmbito da vida interior e das
relações sociais dos jovens, sendo mais vivida do que apenas escutada. Nos parece que os
jovens sentem através da música alguma coisa que não podem explicar nem exprimir: uma
possibilidade de reencontrar o sentido.
Na sua "lição" sobre sociologia da arte e da música, Adorno coloca em evidência como
a música tende a criar um espírito e formas de comunidade, exercendo um grande poder de
agregação. De fato, ela constitui um agente de socialização para os jovens, à medida que
produz e veicula molduras de representação da realidade, de modelos de interação entre
indivíduo e sociedade, e entre indivíduo e indivíduo. Parece que a música oferece aos jovens a
possibilidade de conjugar a trama de um caminho de busca existencial com os signos de uma
pertença coletiva. Por meio da música, as necessidades dos jovens de uma ancoragem e
agregação coletiva se articulam com os percursos de experimentação de si mesmos.
A partir do rock'n'roll ficou mais clara a relação entre a indústria cultural e a juventude,
no contexto das culturas juvenis. A partir do pós-guerra, a cultura de massas passou a investir
na criação de um mercado próprio, estimulando um estilo peculiar de vestir, com produtos
privilegiados de consumo, desde chicletes e refrigerantes até meios de locomoção, como a
motocicleta. O cinema contribuiu para veicular a nova estética, mas é o rock'n' roll que veio
expressar o novo padrão de comportamento e novos valores, centrados, dentre outros, na
liberdade, na autonomia e no prazer imediato. É o símbolo dessa cultura juvenil emergente,
com uma música delimitada etariamente, que se expande para todo o mundo como a
"linguagem internacional da juventude".
O rock, como resultado de uma fusão entre a cultura negra e a branca norte-americana,
será sempre considerado estrangeiro, com uma dimensão inovadora que vai caracterizá-lo
desde então. Ao mesmo tempo, pela sua estrutura circular, de repetição da base musical e das
atitudes corporais, possibilita acoplar às diferentes linguagens e continuar sendo rock,
favorecendo esse seu caráter internacional. (Abramo, 1994) É neste contexto que ocorre a
transferência de um estilo musical para a vida dos jovens, que passam a se identificar com a
23
sonoridade, as letras, o modo de se vestir e de se comportar, fazendo com que, muitas vezes,
uma geração possa reconhecer-se na produção musical de um determinado período.
O fenômeno do rock também foi responsável pela afirmação da música como uma
prática artística coletiva, simbolizada e veiculada por meio do papel da rock band. Até então,
o modelo de identificação era centrado na figura heróica do artista individual, mas com o rock
passou a se centrar em um grupo de pessoas que trabalham e elaboram juntas os processos
criativos musicais, aproveitando as potencialidades das novas tecnologias. Os Beatles podem
ser vistos como um emblema paradigmático desse novo modelo.
Paralelamente ao desenvolvimento da indústria fonográfica e da mídia, a música veio se
tornando um dos principais códigos de diferenciação no processo de autonomia cultural dos
jovens. Desde os anos 50 vem ocorrendo uma sucessão de ritmos e sons que não são apenas
um meio de diversão ou evasão da vida cotidiana. Desde os teddy boys, os mods, os
skinheads, os punks, os rappers, os funkeiros ou os clubbers, dentre outros diversos estilos,
todos constituem uma expressão de culturas juvenis que concretiza-se em um estilo que
reinterpreta e, muitas vezes, subverte os códigos normativos e os significados dominantes na
sociedade.
A estetização da realidade ressalta a importância do estilo, principalmente entre os
jovens, numa procura constante por modas novas, estilos novos, sensações e experiências
novas, incentivada pela dinâmica do mercado capitalista. O que se observa a partir desses
anos é uma diversidade de modos de vestir, de falar, de divertir, de estabelecer relações,
sempre articulados em torno de gostos musicais próprios, de tal forma que os indivíduos
constroem-se como objeto de arte da rua, como ícones públicos. E todo esse processo ocorre
sob um dinamismo intenso, numa sobreposição de estilos e ídolos.
No Brasil, esse processo começou a tornar-se visível com os punks, na década de 80,
embora desde a década anterior já viesse ocorrendo uma grande inserção dos jovens no
mercado de trabalho urbano, gerando uma ampliação significativa do consumo juvenil,
principalmente na moda e no lazer. Criaram-se as condições para uma maior diversificação
social da juventude urbana. Se, na década de 60, falar em juventude era referir-se aos jovens
estudantes de classe média e à participação política, nos anos 80 falar em juventude implica
incorporar os jovens das camadas populares e a diversidade de estilos existentes. Aliado à
pulverização das ações coletivas, faz com que a visibilidade social dos jovens se dê por
intermédio dos grupos culturais existentes.
Desde os punks, sucede-se uma lista considerável de movimentos e tendências, umas
mais passageiras, outras ainda persistentes, envolvendo jovens de diferentes camadas sociais,
24
com diferentes projetos, níveis diferenciados de envolvimento, mas tendo em comum uma
proposta de estilização e a eleição de um determinado ritmo musical. Dentre tantos estilos,
podemos hoje citar os otakus (fãs de animes e mangás japoneses), micareteiros (seguidores
dos carnavais fora de época embalados pelo axé-music), forrozeiros, pagodeiros, funkeiros,
rappers, emos, dentre outros.
Esses grupos se tornam espaços privilegiados de expressão da realidade juvenil urbana,
seus anseios e suas contradições. Por meio da música que tocam ouvem, das roupas que
vestem, da forma como se relacionam entre si e com a sociedade, torna-se possível inferir as
questões mais candentes presentes entre eles. Esta é a noção de estilo, ou seja, a manifestação
simbólica das culturas juvenis, expressa em um conjunto mais ou menos coerente de
elementos materiais e imateriais, que os jovens consideram representativos da sua identidade
individual e coletiva. A construção de um estilo não é simplesmente a apropriação ou a
utilização de um conjunto de artefatos; implica a organização ativa e seletiva de objetos, que
são apropriados, modificados, reorganizados e submetidos a processos de ressignificação,
articulando atividades e valores que produzem e organizam uma identidade do grupo. Nesse
sentido, pressupõe uma escolha intencional cuja ordenação pode levar a uma diferenciação
dos padrões dominantes. Podemos dizer que o estilo forma uma gramática visual pela qual
torna-se possível localizar os valores e a política de vida presentes em cada grupo,
exercitando-se sobre o próprio corpo o poder de interferência ausente na determinação do
projeto social.
A SOCIABILIDADE JUVENIL
6
Dentre eles podemos citar: Sposito (1993 e 1999), Caldeira (1984), Minayo (1999), Abromavay (1999). Esta
mesma tendência é constatada entre os jovens portugueses, analisados por Pais (1993).
25
autonomia para sair de casa à noite e poder escolher as formas de diversão. É quando
procuram romper com tudo aquilo que o prende ao mundo infantil, buscando outros
referenciais para a construção da sua identidade fora da família. É o momento privilegiado de
se descobrirem como indivíduos, buscando um sentido para a existência individual. É um
momento próprio de experimentações, de descoberta e teste das próprias potencialidades, de
demandas de autonomia que se efetivam no exercício de escolhas. Nesse processo, a turma de
amigos é uma referencia: é com quem fazem os programas, "trocam idéias", buscam formas
de se afirmar diante do mundo adulto, criando um “eu” e um "nós" distintivo. É importante
ressaltar que o grupo de pares responde a necessidades de comunicação, de solidariedade, de
autonomia, de trocas, de reconhecimento recíproco e de identidade. A força atrativa dos
primeiros grupos de pares favorece a construção de uma autonomia em relação ao mundo
adulto.
Podemos afirmar que a sociabilidade é uma dimensão central na constituição da
condição juvenil, remetendo às reflexões do sociólogo clássico Simmel (1983) sobre essa
dimensão da vida social. Para esse autor, a sociabilidade é uma forma possível de sociação,
mas que apresenta características próprias. Uma delas é a sua emancipação dos conteúdos,
uma relação na qual o fim é a própria relação; com os indivíduos se satisfazendo em
estabelecer laços, os quais têm em si mesmos a sua razão de ser. É o que vemos acontecer nas
relações que os jovens estabelecem com o grupo de pares, sejam eles os "chegados" do hip
hop, a galera do funk ou os parceiros da capoeira. Outra característica é a forma de jogo de
sociação, expressa na conversação, por exemplo. Na sociabilidade, o falar torna-se o próprio
fim, o assunto é simplesmente o meio para a viva troca de palavras revelar seu encanto. É um
jogo, e um "jogo com". No caso desses jovens, a conversação assume um papel importante,
tornando-se uma das motivações principais dos seus encontros. O "trocar idéias" é de fato um
exercício da razão comunicativa, ainda mais significativo quando encontram poucos espaços
de diálogo além do grupo de pares. Enfim, podemos afirmar que a sociabilidade para os
jovens parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de
democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade.
social bastante negativa em torno da relação dos jovens com a vida pública e a política. Os
discursos das instituições e de boa parte da mídia acusam os jovens de serem apáticos,
individualistas e até mesmo alienados. Tais discursos costumam lembrar os movimentos
estudantis das décadas de 60 e 70 e confrontá-los com uma suposta paralisia da juventude
atual.
O lugar histórico do movimento estudantil passou por importantes transformações,
mas é bom lembrar que suas entidades continuam sendo muito atuantes e possuem um papel
bastante significativo. Em 1992, jovens estudantes retornaram ao cenário nacional com o
movimento dos caras-pintadas, contribuindo para o impeachment do presidente Collor.
Também na década de 1990, importantes movimentos conquistaram o passe-livre em
transportes coletivos e a meia entrada em cinemas, teatros e museus.
Já sobre o descrédito dos jovens em relação à representação política, são muito poucos
os dados sobre a participação sociopolítica do conjunto da população, o que torna difícil saber
se a juventude é o único segmento que não apresenta maiores índices de participação ou se
essa realidade refere-se a toda a população. Mas é possível que os jovens expressem seu
descontentamento de forma mais intensa. Parece haver, por parte dos jovens, uma negação
dessas formas tradicionais de participação, principalmente quando elas são dominadas pelos
vícios do clientelismo e do nepotismo. Esse parece ser um fenômeno também constatado em
outros países. No caso da Europa, por exemplo, algumas pesquisas evidenciam o afastamento
dos jovens dos sindicatos, mas não a sua negação; a desconfiança em relação aos partidos,
mas o reconhecimento de um interesse difuso sem a participação correspondente; e a busca de
uma política sem rótulos tradicionais que designam posições de direita e esquerda (Sposito,
2000). Além disso, os jovens em geral acreditam não ter influência nestes espaços
institucionais, embora reconheçam o peso que eles possuem em suas vidas.
Entretanto, não podemos centralizar a idéia de participação vinculada apenas ao
campo da política institucional, aquela feita em partidos políticos, sindicatos, grêmios
estudantis, etc. É preciso compreender novas formas de associativismo juvenil, mais
autônomo e espontâneo, não institucionalizado e mais fluido do que o movimento estudantil
das décadas de 60 e 70. É interessante perceber que ao mesmo tempo que aumenta a discussão
sobre a importância da participação dos jovens, principalmente na mídia, por outro lado existe
uma dificuldade em reconhecer suas novas formas de organização.
27
Um exemplo pode ser dado pela pesquisa Juventude Brasileira e Democracia7, que
mostrou o grau da mobilização dos jovens no Brasil. Do total de 8 mil jovens entrevistados,
28% participam no seu bairro ou em qualquer parte da cidade, de algum grupo. Desses
grupos, 42,5% são religiosos, 32,5% desenvolvem atividades esportivas, 26,9% são de
música, dança ou teatro, e 6,3% de atividades ligadas à comunicação. Os grupos jovens se
multiplicam ao longo dos últimos anos e apesar da sua importância crescente, são ainda pouco
reconhecidos pela sociedade em geral. Signos de um outro tempo social e histórico, essas
associações juvenis apresentam novos repertórios políticos, cuja leitura requer um tipo
diferente de escuta e de decifração por parte da sociedade.
Uma outra configuração da participação juvenil tem sido o trabalho voluntário. Esse
tipo de intervenção possui um caráter predominantemente individual e centrado na pessoa, em
contraposição a outros modelos de participação voltados à dimensão coletiva.
O trabalho voluntário não surge originalmente nos meios juvenis, por isso não pode
ser considerado uma forma de participação autônoma e própria da juventude, tal como os
grupos juvenis. Mas sua ampliação no Brasil vem se caracterizando pelo grande envolvimento
de adolescentes em torno de suas atividades. A tônica do trabalho de tipo voluntário é a busca
do desenvolvimento social e a atenuação dos efeitos das desigualdades sociais. Assim, muitos
jovens se movem a partir de uma pauta social legitimada pela sociedade (prestação de
serviços comunitários tais como a limpeza de prédios públicos, desenvolvimento de oficinas e
cursos, ações de solidariedade, atividades de prevenção às DST/Aids, etc.)
É bom lembrar que, em termos práticos, o trabalho voluntário assume muitas formas,
diferentes quanto ao tipo, objetivos e estratégias. Há trabalhos mais próximos dos modelos
assistencialistas e de inspiração cívica e há ações de cunho mais transformador. O assunto é
controverso, mas o que interessa aqui é ressaltar que a atuação individual de jovens em ações
de cunho social, geralmente ligadas a organizações não governamentais, também se inscreve
num novo processo de envolvimento da juventude atual com a política e a vida pública.
Estas novas formas de associativismo juvenil podem apontar para um alargamento dos
interesses e práticas coletivas juvenis que fomentam mecanismos de aglutinação de
sociabilidades, de práticas coletivas e de interesses comuns. Tais ações apontam para a
questão da identidade juvenil e o direito a vivenciar a própria juventude como mobilizadores
de uma possível participação social. Além disso, novas formas de ação e novos temas
7
Para maiores informações sobre esta pesquisa ver Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e
políticas públicas (IBASE, 2006).
28
parecem se articular em torno de ações coletivas que se dão de múltiplas formas e com níveis
diversos de intervenção no social, muitas vezes de uma maneira fluida e pouco estruturada.
O CIBERESPAÇO
8
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30
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31
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VIANNA, Hermano. Galeras cariocas, territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
32
É interessante notar como alguns temas se tornam polêmicos, revelando muito mais a
fragilidade do contexto em que são abordados e menos de si mesmos. É o que vemos nas
várias vezes em que a proposta de obrigatoriedade do ensino de Sociologia na escola média
brasileira é trazida à baila. Já Florestan Fernandes (1985), em 1954, aludia a essa situação.
Naquela época, como nós hoje, o eminente sociólogo ao defender, durante o I Congresso
Brasileiro de Sociologia, a obrigatoriedade da disciplina na escola secundária brasileira,
visava antes de tudo a um questionamento do currículo escolar, que ele entendia muito
inadequado, ultrapassado e ineficiente para as expectativas nacionais em relação à escola
básica. Tinha o professor como principal objetivo de sua intervenção “debater a conveniência
de manter a estrutura do sistema educacional do país e a conveniência de aproveitar, de
maneira mais construtiva, as ciências humanas no currículo da escola secundária”. Mesmo
no interior de um congresso de sociólogos o tema gerou polêmica, já se vendo que não se
trata, como a ligeireza com que os oponentes da idéia a entendem, como uma proposta
meramente corporativista. Alguns argumentaram que o currículo da escola média estava por
demais saturado, caracterizando-o como ‘enciclopédico’; que não comportava mais uma
disciplina. Outros eram mais técnicos e queriam saber o que e como seria ensinado na
disciplina Sociologia. (Fernandes, 1955) Esse antienciclopedismo hoje retorna como fundo de
uma tendência à desdisciplinarização. Neologismos muito ao gosto dos discursos pedagógicos
que reiteram sempre a simplicidade de uma escola que deve “ensinar a ler, escrever e
contar”... Noutro lugar tivemos oportunidade de comentar essa ilusória simplicidade atribuída
9
Professor da Faculdade de Educação da USP.
33
pelos pedagogos à escola e pudemos ajuntar que ler, escrever e contar se fazem em níveis
diferentes, em contextos diversos, em campos disciplinares distintos. Não se reduzem ao
ensino da língua pátria e à matemática. (Moraes, 1999)
Diante da proposta de (re)introdução de Sociologia como disciplinas obrigatória do
ensino médio, há pelo menos duas posições. Uma, como a nossa, de professores, sociólogos,
alunos e um grande número de entidades representativas de diferentes setores intelectuais,
profissionais e populares, entende que estaríamos apenas a fazer uma “correção de percurso”,
revisando a leitura equivocada feita nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, a
respeito do artigo 36, § 1º., inciso III da LDBEN 9394/96, restabelecendo o sentido próprio
que o legislador quis lhe dar.
A outra leitura entende que haveria um “desvio de percurso”, tendo em vista que a
‘tendência’ internacional é para a desdisciplinarização dos currículos, aliás, a simples menção
à palavra disciplina causa mal-estar em alguns desses educadores. Numa leitura mais acurada
do documento, percebe-se, no entanto, que a proposta de obrigatoriedade é uma reação
justificada e consistente a uma interpretação muito arbitrária e distorcida da lei maior, mas,
sobretudo um apelo para um tratamento honesto, cuidadoso e responsável da educação de
nossos jovens. Aludir a ‘tendências’ não é argumento que se sustente quer porque parece
sujeitar a educação nacional – como de resto tem-se feito noutros setores – a modismos –
doença congênita da educação brasileira, diga-se de passagem – ou a uma naturalização das
coisas, abdicando o homem de seu papel na História, como se a história do homem fosse
apenas um capítulo da História Natural, submetido às suas leis e tendências.... Como
sociólogo repugna-nos essa postura; como educador cremos que a educação deve ser pensada
em termos de longo prazo e não de imediatismos, é uma questão de Estado e não de governos.
Pode ser um lugar comum, mas cabe trazer esse dever intelectual que nos anima: tudo merece
passar por uma avaliação crítica e não ser seguido cegamente.
Sobre a ideia de interdisciplinaridade, cantada em prosa e verso por quantos se
pretendem progressistas ou pragmáticos, paira desde sempre, e muito mais ultimamente
quando virou panaceia dos males da educação, tornando-se hegemônica no discurso
pedagógico, uma tal profusão de interpretações e aplicações que não se poderia encontrar dois
pobres professores ou dois nobres educadores que tenham minimamente alguma convergência
quanto ao que é e como se faz. Para muitos nem existe e o que se pode, no melhor dos casos,
fazer é juntar equipes multidisciplinares que tratem de um mesmo tema ou objeto etc.; mas
isso, de certa forma, o currículo como está já garante. Se não garante, trata-se menos de
domínio de uma nomenclatura ou estratégias didáticas especiais e muito mais de uma
34
formação bastante deficiente que se promove nas instituições de ensino superior responsáveis
pelo credenciamento de professores. Qualquer boa intenção é desperdiçada quando quem a
põe em prática ignora o seu sentido e/ou não tem as condições próprias para a sua efetivação.
No caso do Brasil, é tudo isso e mais um pouco. Muita vez, o que transparece nesse discurso
pedagógico que defende a interdisciplinaridade é uma nostalgia de uma imagem da Filosofia
rainha das ciências...
Caberia perguntar por que brandir esse argumento da interdisciplinaridade somente
contra a Sociologia, quando outras disciplinas escolares, por uma questão de coerência,
poderiam ser submetidas a esse princípio. Por exemplo, língua e matemática que podem
muito bem estar subentendidas, ensinadas e avaliadas a partir de outros componentes
curriculares e que têm tido resultados sofríveis no contexto de formação de crianças e jovens.
Ou por que se pretende marcar o currículo do ensino médio com essa orientação quando seria
muito mais conveniente e adequado fazê-lo no ensino fundamental que pela sua natureza traz
conteúdos em nível de aprofundamento menos distintos, muito mais integrados. Acresce que
o ensino médio tem como um de seus objetivos preparar o jovem para “o prosseguimento nos
estudos” aprofundando “os conhecimentos adquiridos no ensino fundamental”. Isto é, um
horizonte do ensino médio é o ensino superior e a profissionalização nesse nível de ensino. E
seria interessante que o jovem na escola média adquirisse conhecimentos mais sólidos e
profundos, para além das ‘noções’ aprendidas na escola elementar, e, ao mesmo tempo,
entrasse em contato com a diversidade científica, artística e profissional que terá pela frente e
na qual terá de escolher o seu caminho. Sair de um limbo e cair numa ‘geléia geral’ não
parece ser o que se espera da educação nacional.
Em sua pesquisa sobre professores da rede pública do Distrito Federal, Mário Bispo
Santos constata a diferença de concepção entre os professores formados em Ciências Sociais e
os formados em outras áreas (Pedagogia, História, Geografia, Filosofia): os formados em CS
tendem a compreender o ensino de Sociologia a partir de um a visão científica ou de seu
potencial cognitivo – conceitos, teorias –, o que permitiria aos alunos a compreensão dos
fundamentos da vida social, das relações sociais, entendendo a Sociologia como uma
disciplina teórica; enquanto que os formados em áreas afins dão-lhe um caráter mais
instrumental, sobretudo visando a ação, entendendo-a como uma disciplina prática. Mas é
interessante notar que quando se pensa em pesquisa como um recurso de ensino de
35
Sociologia, os professores formados em CS, resistem a esse recurso por entenderem que é
impossível trabalhar a pesquisa no nível médio, fugindo aos rigores de uma pesquisa
sociológica; no entanto, os outros professores concebem a possibilidade de uso de
instrumentais científicos com seus alunos, independentemente do caráter menos rigoroso das
pesquisas que propõem. (Santos, 2002)
Pois bem, esta é uma dicotomia que temos de enfrentar quando pensamos no ensino de
Sociologia e que está diretamente relacionada com formação do professor. Embora na
pesquisa de Santos se possa distinguir tão claramente os grupos, persiste do lado de cá –
formadores e professores e professores de Sociologia no ensino médio –, assim como do lado
de lá – os assim chamados formadores de opinião, jornalistas polifônicos e multidisciplinares
–, uma discussão sobre os limites e conveniências de se ensinar visando a formação científica
dos alunos ou a sua conscientização (política). Enquanto para uns o temor se dá em vista de se
preservar e garantir o rigor e legitimidade das Ciências Sociais, transformadas no recorte
disciplinar Sociologia; para outros, o temor é que se vão doutrinar jovens e crianças com uma
ideologia esquerdizante, incutindo-lhes o “exotismo da luta de classes”, como dizia Getúlio na
justificativa do golpe de 10 de Novembro de 1937... Ficamos então imobilizados por uma
pretensa neutralidade das Ciências (Sociais) ou enfrentamos e superamos essa falsa
dicotomia? Retomemos para nos inspirar, as palavras de Antonio Cândido a respeito da
criação da Faculdade de Filosofia da USP e do curso de Ciências Sociais:
“Acostumados a falar em ‘sociologia burguesa’ e a conceituando de maneira por
vezes estreita o pensamento revolucionário, muitos intelectuais deixam de perceber
a força progressista que as Ciências Humanas representaram numa sociedade
atrasada, como era a brasileira dos anos 30 e 40, pelo simples fato de serem modos
objetivos e sistemáticos de descrever a realidade. Por isso mesmo a Sociologia foi
tão combatida pela direita e apresentada como perigo para a tradição”. (Antonio
Candido, 1995, p. 312).
Esta era a dupla militância de um autor que estamos muitas vezes acostumados a ver
como conservador: “homem de ciência, preocupado em analisar objetivamente a realidade
social, com base nos fatos” (idem, p. 30), sentia-se “afetado pela evolução e transformação da
sociedade na qual vivia” (idem, p. 30) e entendia que “a Sociologia que edificava só tinha
para ele sentido se pudesse contribuir, iluminando-a, para esta mudança social” (idem,p.30).
Para Durkheim, “nossas especulações não merecem uma hora de esforço se não tem mais que
um interesse especulativo”. (citado por Baudelot, idem p. 30)
Quase numa paráfrase, encontramos fala de Bourdieu a respeito da Sociologia, que tem
nos servido a todos, quando pensamos no ensino da disciplina no nível médio, e dela podemos
extrair as mesmas conseqüências: “A Sociologia não valeria nem uma hora de esforços se
fosse um saber de especialista reservado aos especialistas.” Para além de uma pretensa
neutralidade científica, o que encontramos é uma relação profunda e necessária entre fazer
ciência social e viver numa realidade social, entre conhecer e intervir. No entanto, esta
percepção não é dada imediatamente, e a mesma Sociologia é o meio pelo qual chegamos a
esta consciência do fazer ciência: “Só a sociologia da sociologia – e do sociólogo – pode dar
um certo domínio dos fins sociais que podem estar na mira dos fins científicos directamente
perseguidos” (Bourdieu, 1989, p. 58)
Mas isso não nos deve confundir, pensando que a Sociologia está dentro ou fora do
currículo conforme os ventos ideológicos que sopram na sociedade, repetindo por aí que em
tempos autoritários, está fora, e em tempos democráticos, está dentro. Nós todos sabemos o
que é viver em um tempo democrático e ter de lutar por mais de uma década para que o
direito a ensinar e aprender Sociologia fosse reconhecido. 10
10
Referimo-nos aos extremos que marcam a luta pela obrigatoriedade do ensino de sociologia na escola média
brasileira, que começa com a crítica às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, de 1998, que
entendiam a sociologia e filosofia como “conhecimentos a serem tratados contextualizada e
interdisciplinarmente”, e a aprovação da Lei 11.684/2008 que torna obrigatório o ensino de sociologia e filosofia
nas três séries do ensino médio.
37
Uma questão que tem sido tomada como critério para a distinção entre bacharelado e
licenciatura é a orientação para a formação profissional. O bacharelado em Ciências Sociais,
mas não só, tem por principal senão único objetivo formar pesquisadores; a licenciatura
explicitamente estaria voltada para a formação de professores, para o ensino. Mas o que no
currículo do bacharelado estaria mais voltado para a pesquisa? Além das chamadas
Metodologias de Pesquisa ou Métodos e Técnicas de Pesquisa I, II e III, que outras disciplinas
cumpririam essa finalidade? Estatística, uma disciplina mais extensa antigamente, que foi
tendo sua carga horária reduzida quer em vista dos chamados métodos qualitativos,
etnográficos quer porque por uma resistência dos alunos que, buscando as Ciências Humanas,
11
Respectivamente: SARESP, SAEB, ENEM, PISA.
38
12
Ver LUDKE, Menga. Entrevista com Pierre Bourdieu. In: Teoria e Educação. Porto Alegre: no. 3, Pannonica,
1991, p. 3-8.
39
precisaríamos de uma pesquisa que, mais que uma pesquisa meramente quantitativa, fizesse
uma avaliação qualitativa dessas formações específicas em termos de resultados – por
exemplo, a atuação efetiva dos egressos. Também se pode pensar, então, que a licenciatura
faça diferença com os projetos criados para a realização do ensino, como é o caso dos
chamados “laboratórios de ensino”. Estes também estão a merecer um estudo mais
aprofundado, pois temos ficado nos relatos e propostas, que, via de regra, são laudatórios e
pouco críticos.
Conclusão
Vivemos ainda, no campo das Ciências Sociais, um tempo de dicotomias que nutrem
certa hierarquização entre profissionais (Bourdieu, 2003): pesquisador X professor,
bacharelado X licenciatura, pesquisa X ensino. Que isso seja comum em outras áreas parece,
senão normal, ao menos o modus operandi das competições que movem o mundo do mercado
que invade o mundo acadêmico. No entanto, menos por uma razão muita vez suposta e muito
fundada em preconceitos de natureza ideológica - a relação entre Sociologia e socialismo -,
mas muito mais por conta de uma necessária postura crítica do campo das Ciências Sociais,
essa aceitação de distinções, que trazem mais prejuízos que ganhos, deveria ser questionada e
fazer ver que nada contribui para que ambos os termos dessas dicotomias realizem-se
plenamente. Primeiramente, a condição de país periférico, que ainda somos, não permite que
as empresas estrangeiras instaladas no Brasil financiem centros de pesquisas, importando em
boa medida a tecnologia de que precisam direto das matrizes, resultando disso que as
instituições de ensino superior sejam em sua maioria centros de pesquisa e a maior parte dos
pesquisadores são contratados como professores. Nesse caso, a distinção vem afastando
pesquisadores que poderiam ser bons professores do contato com alunos da graduação, pois,
como subproduto disso, temos animado o desejo latente de dar aulas exclusivamente na pós-
graduação. Isso poderá reverter em dificuldades de recrutamento de novos pesquisadores ou
acabará produzindo, mesmo no bacharelado, outras distinções, por exemplo, entre quem faz
iniciação cientifica e quem não faz... A obrigação de bolsistas da CAPES de realizarem
preparação pedagógica e estágio de docência é em boa medida-denúncia desse estado de
coisas e tentativa de correção de suas mazelas.
Um outro ponto importante é a relação entre bacharelado e licenciatura: a concepção
original de que ao professor bacharel bastaria um verniz pedagógico apenas, munindo-o de
40
algumas “técnicas” de ensino não encontra mais legitimidade, ao menos não corresponde
mais à verdade dos fatos. Se lá nos anos 1930, quando foram criadas as primeiras
universidades brasileiras, a “sólida formação do bacharel” era uma realidade e não havia
estudos de educação consistentes para se entender que o professor da escola básica fosse um
especialista, podendo-se mesmo resumir a formação do professor ao bacharelado; no entanto,
hoje, essa sólida formação virou apenas um clichê - dada a indigência cultural com que vêm
os alunos do ensino médio para as universidades –, assim também os estudos das Ciências da
Educação evoluíram muito e podem ser tomados como referências importantes para a atuação
do professor: pesquisas no campo da Sociologia da Educação, da História da Educação (e no
nosso caso da Educação Brasileira), da Psicologia da Educação e mesmo da Didática e
Metodologias do Ensino, para ficar em apenas alguns ramos... O passo decisivo aqui seria
ligar esses dois termos e não investir na dicotomia. Como professor de Metodologia do
Ensino, temos pensado seriamente nas relações possíveis entre metodologia de pesquisa e
metodologia do ensino como fundamento dessa formação especial do professor de Sociologia.
Como professor de uma Faculdade de Educação temos acompanhado os esforços que
colegas de Ciências Naturais, por exemplo, desenvolvem na tentativa de relacionar essas duas
linhas de atuação, mesmo que muitas vezes inspirados por tendências da Psicologia da
Educação na moda – como é o construtivismo. Vemos que mesmo entre as Ciências
Humanas, os estudos historiográficos têm modificado muito as orientações de ensino de
História já no ensino fundamental e médio – os conteúdos desse ensino têm-se preocupado
menos com a história narrada e mais com a discussão de fontes e métodos de pesquisa...
Pensando nisso, entendemos que alguém que queira ser professor da educação básica não
pode deixar de ser um pesquisador, caso contrário tornar-se-á presa do livro didático, pois se
começa a perder a autonomia para escolher os exercícios, passa logo a perder a autonomia
para decidir sobre textos, e rapidamente perde-se o controle sobre os temas do curso. Tudo
isso mediado pela fala do autor do livro, de modo que o professor é agora um reprodutor do
discurso, um papagaio, carregador de manual... Aqui seria sempre bom lembrar o primeiro
passo da proletarização: a separação entre o trabalhador e os meios de produção...
Quando coordenamos a equipe que elaborou as OCEM-Sociologia, nossa preocupação
central foi com a formação dos professores e por isso vimos nas OCEM, como o próprio
nome diz – orientações curriculares – a oportunidade de contribuir para essa formação,
trazendo não uma proposta nova, mas uma perspectiva inovadora ao discutir com mais
profundidade o sentido das escolhas dos professores quando vão elaborar uma proposta
curricular: 1) o nível teórico – a teoria social como modelo explicativo ou compreensivo da
41
realidade e não sua hipóstase; 2) o nível conceitual – os conceitos como sendo elementos da
linguagem sociológica, entendendo-se as teorias como discursos sobre a realidade; 3) o nível
temático – o empírico, a realidade concreta imediata. O que quisemos pôr em relevo foi que a
tendência predominante à escolha da perspectiva temática deveria levar em conta a
necessidade das mediações, os níveis teórico e conceitual, condição para que a aula saísse da
conversa de botequim, do senso comum, do puro exercício da discussão e exposição de
opiniões e assumisse um caráter escolar efetivo: fundamentada, crítica, elaborada,
contribuindo para uma maior racionalização sobre o mundo; permitindo ao aluno fugir ao
aparentemente caótico, mas compreendendo sua inteligibilidade, garantida pelo domínio de
uma nova linguagem, de argumentos e esquemas explicativos, criando um elo entre a ciência
e a consciência de si e do mundo. Aqui vemos a oportunidade de o professor desenvolver essa
dupla formação, como professor e como pesquisador, pois há um campo imenso, ainda pouco
explorado por detrás dos convencionais conteúdos de ensino de Sociologia: falar da realidade
imediata do aluno para o aluno pode não passar de reiteração, de discussão circular e, no fim,
pensando em estar “conscientizando” os alunos, acaba-se na verdade, muita vez,
anestesiando-os; também apresentar as teorias sociológicas pode não passar de uma busca de
legitimidade das mais discutíveis, só garantida entre os iniciados. Trata-se de relacionar os
problemas que os autores viviam com as explicações que buscavam, ou seja, o que faziam, o
método que construíam (ou o caminho que percorriam). A quase unanimidade das pesquisas
sobre ensino de Sociologia tem sido sobre o processo de institucionalização da Ciência ou da
disciplina escolar, quando faltam informações sobre os processos internos às salas de aula –
da educação básica à superior.
42
Referências
Amurabi Oliveira14
A Sociologia foi definida no século XIX, por Durkheim (2002), como a ciência que
estuda os fatos sociais, sendo o seu método o comparativo, de lá para cá muitas coisas
mudaram. Para além do positivismo, do funcionalismo, ou do marxismo, emergem a
etnometodlogia, o interacionismo simbólico, o estruturalismo, a teoria crítica, os estudos pós-
coloniais, os estudos culturais, dentre outras tantas abordagens teóricas e metodológicas. No
entanto, desde as abordagens consideras mais conservadoras, até aquelas consideradas mais
liberais (ou revolucionárias para alguns), todas convergem para um processo de desvelamento
da realidade social, e de desnaturalização da mesma.
Talvez a premissa da dialética hegeliana – em que a essência e a aparência das coisas
encontram-se em contradição, de modo que o conhecimento busca ultrapassar esta superfície
– não tenha estado presente só na obra de Marx, mas em todo o pensamento social, que
buscou desbravar o emaranhado que se apresenta na tessitura do social.
Enquanto uma resposta intelectual a seu tempo, que buscou compreender um mundo em
mudanças, a sociologia configurou-se em um campo, enquanto uma ciência, dotada de uma
epistême própria. Como tal, possui singularidades, e uma relação mais visceral com outras
áreas do conhecimento, bem como com outras instâncias sociais. Bourdieu (2007) nos chama
a atenção para o fato de que, a autonomia que um campo possui pode ser averiguara pela sua
capacidade de refratar as influências “externas”, ou seja, de outros campos. De modo que,
uma ciência que possa ser pensada como de direita, ou de esquerda, seria uma ciência pouco
autônoma.
13
Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada durante o XV Congresso Brasileiro de Sociologia, junto
ao GT Ensino de Sociologia.
14
Licenciado e Mestre em Ciências Sociais (UFCG), Doutor em Sociologia (UFPE), Professor de Estágio
Supervisionado em Ciências Sociais (UFAL). É presidente pró-tempore (gestão 2012-2013) da Associação
Brasileira de Ensino de Ciências Sociais - ABECS.
44
Nesses termos, assim como a sociologia, o campo educacional poderia ser classificado
como um “pouco autônomo”, logo, sobre a sua dinâmica circunscrevem-se questões de cunho
econômico, político, cultural, dentre outros. A interface estabelecida entre estes dois campos
configura-se, portanto, como uma esfera marcada por “interferências” diversas, neste sentido,
o ensino de sociologia atrela-se aos humores políticos e sociais, partindo desta abordagem
teórica, mais que o ensino de outras ciências na estrutura curricular da educação básica.
Diversos autores têm demonstrado uma crítica contundente aos aspectos reprodutores
da instituição escolar, de modo que tanto as presenças, quanto as ausências, no currículo, e
nas práticas educativas, confluiriam para o processo de reprodução da ordem social posta.
Durkheim (1978) apontou para tal questão, destacando o caráter moral e socializador da
escola, leitura esta diametralmente oposta àquela adotada por Althusser (1998), que denuncia
o caráter ideológico da instituição escolar, assim como Baudelot e Establet (1971) que vão
apontar para o caráter dualista da escola na sociedade capitalista, linha de raciocínio similar
ao adotado por Bowles e Gintis (1976). Bourdieu e Passeron (2006, 2008), apontam outras
questões ainda não exploradas nem pelas leituras marxistas, nem pelas liberais, situando o
processo de reprodução do sistema de ensino, da ênfase ao fato de como o mesmo aprofunda
as desigualdades existentes, destacando, para além do aspecto econômico, a relevância do
capital cultural, para a reprodução das desigualdades de classe, nesta realidade.
Apple (2002) nos chama a atenção para uma falha nestas teorias, que debatem o
processo de reprodução, na realidade escolar, para o autor estas simplificam demasiadamente
o fenômeno, por dois aspectos: primeiro, encara os atores sociais envolvidos no processo
educativo, em especial os alunos, como sujeitos passivos ante as questões postas, como se
houvesse uma reprodução direta e perfeita com relação o que é posto pelo currículo oculto15,
o que incorre em uma inverdade; segundo, negligencia o fato de que as relações sociais no
capitalismo são inerentemente contraditórias, o que se reverbera nas instituições dominantes,
incluindo aí a escola.
Interessa-nos esta discussão em torno da reprodução através da instituição escolar, na
medida em que, compreendermos que o silenciamento, ao qual é lançada a sociologia durante
anos, no currículo da educação básica brasileira, remete a uma estratégia de reprodução das
práticas sociais. Mas também a sua presença não pode ser simplificada a uma guinada política
e institucional, como se, por si mesma, a inclusão da sociologia no currículo escolar
15
Segundo Bernestein (apud Silva, 1999), Bernstein, o currículo oculto, conceito fundamental na teoria do
currículo, “constitui-se daqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial explícito,
contribui de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes” (p. 78).
45
Logo, a legitimidade do Estado perpassa uma relação em que o discurso dos peritos se
faz necessário, tal discurso encontra-se tanto de forma explícita, como no caso da obra de
Zweig (2006), que chegou a ser recebido por Getúlio Vargas, já que sua leitura da realidade
social brasileira estava em consonância com a o perfil ideológico da Era Vargas, mas também
o discurso intelectual pode se encontrar dissolvido nas instituições sociais modernas, como no
caso da própria escola e do currículo escolar.
47
Outro Momento emblemático, diz respeito ao próprio fato de que no período da Era
Vargas, após a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1931 durante a VI Conferência
Nacional de Educação, promovida pela Associação Brasileira de Educação, o Estado (na
figura de Vargas e do Ministro da Educação Francisco Campos) vai exortar os educadores
presentes nesta Conferência a definir as bases da política educacional que deveria guiar as
ações do governo em todo o país (Saviani, 2011).
Sendo o Estado Nacional, na forma de instituição abstrata e impessoal, uma instituição
eminentemente moderna, ele necessitou, para o seu processo de legitimidade, apresentar-se
como tal. O currículo, como espaço de tensão e expressão das relações de poder, numa dada
sociedade (Apple, 2006), transparece tal dinâmica.
O processo de introdução da sociologia, no currículo escolar, na primeira metade do
século XX, representou este esforço. Sarandy (2004), ao analisar os manuais de sociologia
para o ensino médio, aponta como, neste tipo de produção, a sociologia é apontada com uma
ciência que emerge da crise das sociedades industriais, sendo, neste sentido, uma ciência
capaz de explicá-la, e propensa a intervir nessa realidade. Na interpretação do autor isto indica
uma preponderância da leitura da sociologia como ciência, sobre a de disciplina escolar.
Em todo o caso, a relação entre modernidade e currículo escolar se dá de forma estreita,
desse modo, introduze-se a sociologia no currículo para que com isso o Estado assuma uma
“postura moderna”, tornando o currículo mais “científico”. Sua presença atrela-se ao processo
de legitimidade institucional mais ampla, há um significado imbuído na presença escolar da
sociologia.
Ao passo que os anos 20, do século XX, estavam marcados pela introdução da
sociologia na educação básica, a partir dos anos 30 surgem as primeiras graduações em
ciências sociais, primeiramente na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo –
ELSP, e, posteriormente, na Universidade de São Paulo – USP. Assim como neste processo
de institucionalização a legitimidade da disciplina encontrava-se mais assentada no seu caráter
científico, e no seu potencial explicativo sobre a gênese e estrutura do social, a preocupação
com estes primeiros cursos também deixavam de lado a questão do ensino, forma-se,
primeiramente, cientistas, e não professores. Segundo Simões (2009):
“[...] a Escola de Sociologia e Política surgia como um centro de estudos voltados
para a compreensão científica da realidade brasileira e que visava formar quadro
técnicos qualificados em ciências sociais para atuarem nas nascentes instituições
públicas de planejamento econômico e desenvolvimento social.” (Simões, 2009, p.
37)
48
O nascente campo das ciências sociais emergia sob a batuta do bacharelismo, como
explicar que num momento em que o ensino da disciplina encontrava-se consolidado no país,
em que mesmo grandes intelectuais chegaram a lecionar na educação básica, como Gilberto
Freyre, Fernando Azevedo, Carneiro Leão (Meucci, 2011), não haver um compromisso com a
formação de professores?
Devemos destacar que a questão da licenciatura vai ser alvo de regulamentação nacional
só em 1939, através do Decreto n.º 1.190/39, tomando como modelo a Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil, no qual todos os cursos seriam organizados em duas
modalidades: bacharelado e licenciatura, o curso de pedagogia, por exemplo, foi definido
como bacharelado, junto com os demais cursos. O diploma de licenciado seria obtido através
de um curso de didática com duração de um ano, após a realização do curso do bacharelado,
dando origem ao famoso modelo “3 +1” (Saviani, 2006).
Há de se destacar, neste cenário, a preponderância da cultura do bacharel em nossa
sociedade. O universo do bacharel é aquele que pertence às classes mais abastardas, no
âmbito das políticas educacionais, na primeira metade do século XX, cabe às classes menos
favorecidas caminharem para os cursos técnicos, e àquelas positivamente privilegiadas (para
usar um termo weberiano) cabia-lhes o mundo do bacharelado, que também implicava em
situar o seu lugar no mundo, o seu lugar no comando desta realidade social (Freitag, 1985).
Holanda (1995) nos oferece uma interpretação acerca da relevância que a cultura
bacharelesca toma no Brasil, apontando para o percurso histórico e o significado que o
diploma de bacharel vai representar na sociedade brasileira. Para o autor:
“Apenas, no Brasil, se fatores de ordem econômica e social – comum a todos os
países americanos – devem ter contribuído largamente para o prestígio das
profissões liberais, convém não esquecer que o mesmo prestígio já as cercava
tradicionalmente na mãe pátria. Em quase todas as épocas da história portuguesa
uma carta de bacharel valeu quase tanto como uma carta de recomendação nas
pretensões a altos cargos públicos. (...) De qualquer modo, ainda no vício do
bacharelismo ostenta-se também nossa tendência para exaltar acima de tudo a
personalidade individual como valor próprio, superior às contingências. A dignidade
e importância que confere o título de doutor permitem ao individuo atravessar a
existência com discreta compostura e, em alguns casos, podem libertá-lo da
necessidade de uma caça incessante aos bens materiais, que subjuga e humilha a
personalidade.” (Holanda, 1995, p. 157)
por outro, o caráter elitista e bacharelesco que o prestígio da disciplina trazia em seu âmago.
Nos anos que se seguiram, no que tange ao ensino de sociologia, houve um afastamento ainda
mais gradual entre a acadêmica (bacharelesca) e a esfera da formação de professores, na área
das ciências sociais (Moraes, 2008).
Ou seja, a sociologia ocupa um lugar singular enquanto conhecimento escolar, claro que
o seu papel perpassa também seu locus no âmbito científico, porém, interessa-nos aqui
destacar a sua relação com a realidade educacional.
Sua presença no currículo mostra-se imprescindível, considerando-se a singularidade de
sua epistême, que se volta especificamente para a reflexão em torno das sociedades modernas.
Tal característica, segundo Giddens (2003) demarca a própria diferenciação da sociologia
com relação às demais teorias sociais.
“[...] emprego a expressão ‘teoria social’ para abranger questões que sustento serem
do interesse de todas as ciências sociais. Essas questões relacionam-se com a
natureza da ação humana e do self atuante; com o modo como a interação deve ser
conceituada e sua relação com as instituições; e com a apreensão das conotações
práticas da análise social. Em contrapartida, entendo que a ‘sociologia’ não é uma
disciplina genérica que se ocupa do estudo das sociedades humanas como um todo,
mas aquele ramo da ciência social que concentra seu foco particularmente sobre as
sociedades modernas ou ‘avançadas’ “(Giddens, 2003, p. XVII-XVIII)
O currículo escolar, enquanto instancia da realidade educacional que reflete seu tempo,
traz em sua gênese a necessidade de se posicionar ante a um mundo em transformações. O
lugar do conhecimento escolar, para além das reproduções das condições sociais de uma dada
sociedade, situa-se também na apreensão e na reflexão em torno da transformação social, de
modo que possamos pensar também uma educação para a mudança.
51
Não implica em dizer que a sociologia seja sempre uma sociologia da mudança social, a
proposta teórica de Parsons (1974), por exemplo, situa-se numa posição diametralmente
oposta de tal assertiva, no entanto, toda teoria sociológica ao buscar a desnaturalização da
realidade social, questiona sua permanência, pois a situa no âmbito da construção humana, e,
enquanto tal, efêmera.
O lugar da sociologia, neste currículo, reflete uma necessidade histórica. Não
afirmamos aqui que sua introdução, nos idos dos anos 20, situou-se enquanto preocupação no
alargamento a visão de mundo, e na busca pelo autoconhecimento, dos alunos da educação
básica, no entanto, as ações históricas possuem efeitos não intencionais.
Se a sua introdução perfaz um percurso atrelado à legitimação institucional do Estado,
em que a modernidade se apresenta como um imperativo, que deve ser incorporado, sua
dinâmica reflete um campo de disputas, em que, o momento histórico viabiliza mais ou menos
a sua estadia.
Interessa-nos destacar que no decorrer do século XX, a sociologia, enquanto disciplina
escolar, apresentou um percurso caudaloso, marcados por idas e vindas. Não defendemos aqui
que sua presença esteve sempre atrelada a contextos democráticos, e suas ausências, a
contextos ditatoriais, claro que os humores políticos e sociais sempre pesaram sobre sua
figuração na educação básica, no entanto, tal simplificação constitui uma falácia. Houve
momentos democráticos em que ela esteve ausente, e momentos de ditadura em que ela esteve
ausente (Silva, 2008), como na Era Vargas, em que mesmo no Estado Novo ela esteve
presente nos cursos de formação de professores (Santos, 2002), ou no processo de
redemocratização em que seu retorno chegou a ser vetado em 2001, pelo então presidente da
república, ironicamente sociólogo.
É inegável, contudo, a sua ausência durante o período ditatorial, em que com o processo
mais amplo de tecnificação do currículo escolar, a sociologia, juntamente com a filosofia,
foram relegadas enquanto disciplinas que na prática não aconteciam, sendo substituídas pelas
disciplinas Educação Moral e Cívica, e Organização Social e Política do Brasil.
Com o final da ditadura houve uma volta tímida, marcada por um retorno pontual em
alguns estados, e com uma presença tímida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
de 1996, através da qual os conhecimentos de sociologia e de filosofia foram apontados como
imprescindíveis para os egressos do ensino médio, para o exercício da cidadania. A tentativa
de retorno no ano de 2001, como já apontado, foi vetada pelo então presidente da república.
Em 2006, através do parecer CNE nº 38/06, e posteriormente com a lei nº 11648, a sociologia
(juntamente com a filosofia), tornou-se obrigatória em todas as séries do ensino médio.
52
Sua introdução, neste momento histórico, também aponta interesses singulares, que
orbitam em torno de um discurso democrático, que se atrela a questão da cidadania. O
argumento da lei 11.648 se dá neste sentido, utilizando-se como referência a LDB, ela faz
menção a possibilidade da sociologia “preparar o aluno para a cidadania”, ainda que tal
discursos, por vezes, mostre-se vago e reducionista (Mota, 2003, 2005). A ideia de “preparar”
alguém para cidadania mostra-se infrutífera, na medida em que denota uma negação de sua
cidadania no presente, alçando o outro a um lugar de dependência.
Não negamos, com isso, que a sociologia auxilie neste processo, na vivência cidadão,
no entanto, consideramos que seu caráter reflexivo muito mais esclarecedor com relação a sua
razão de ser no currículo da educação básica. No contexto contemporâneo a sociologia mais
nos permitir saltar de uma cidadania apenas participativa, ou mesmo meramente crítica, para
uma cidadania reflexiva, que considere o escopo das mudanças em curso.
Considerações Finais
Sendo a sociologia uma ciência da modernidade, ela também é uma disciplina escolar
da modernidade, ainda que não haja uma relação mecânica, entre estas duas esferas, há uma
interligação considerável entre as mesmas. Suas intermitências refletem humores políticos,
mas também interpretações em torno da concepção de currículo e de educação, bem como a
própria interpretação da modernidade.
Suas possibilidades, na educação básica, devem ser confrontadas também com os seus
limites, ou ao menos com os seus desafios, que vão desde o nível epistemológico (Oliveira,
2011a), passando pela própria identidade dos cursos de ciências sociais, no país, que
historicamente não se pensam como cursos de formação de professores (Oliveira, 2011b).
Sua reflexividade epistemológica remete a sua própria ontologia, enquanto
conhecimento científico, que nasce no bojo das transformações das sociedades industriais,
todavia, seu fazer reflexivo remete a uma práxis educacional, que ocorrer de forma
contextual. Queremos afirmar, com isso, que por mais que a sociologia seja uma ciência
reflexiva, isso não implica dizer que ela seja, automaticamente, uma disciplina escolar
reflexiva, pois isto remete a um esforço maior, que não é dado como um a priori.
A práxis educacional é sempre contingencial, de modo que remete a uma possibilidade
de articulação entre os conceitos sociológicos, as teorias, e os temas, estes, apresentam-se
enquanto aporte imprescindível para se tocar a realidade do aluno. Tal dinâmica remete ao
53
próprio reconhecimento das limitações das categorias sociológicas, como nos aponta
Wallerstein (2006). Sua capacidade de gerar polêmicas, que outras disciplinas acadêmicas
jamais geraram (Giddens, 2001) deve ser utilizada a seu favor, enquanto fomentador reflexivo
de uma prática pedagógica emancipadora.
Seu percurso histórico transparece as tramas sociais e políticas de seu tempo, bem como
as tramas intelectuais, e como todas estas se entremeiam e se reverberam no currículo escolar,
e, em última instancia, nas práticas educativas. Ainda há muito que se avançar no debate, até
mesmo porque houve após os anos 60 um afastamento considerável, em termos de produção
acadêmica, por parte das ciências sociais com relação à educação (Silva, Branco, Pera, 2010),
de modo que apenas na primeira década deste século é que vem ganhando mais fôlego a
produção em torno do ensino de sociologia (Handfas, 2011). A pesquisa em torno do ensino
de sociologia no Brasil apresenta-se, assim, como uma necessidade acadêmica, representando,
também, um esforço aproximativo entre as ciências sociais e o campo da formação de
professores, o que, por si mesmo, também transparece uma mudança nas relações de poder
estabelecidas no campo acadêmico.
54
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Política: anos de formação 1933-1953: depoimentos. São Paulo: Escuta, 2009, p. 13-18.
WALLERSTEIN, Immanuel. Impensar as Ciências Sociais: Os Limites dos Paradigmas do
Século XIX. Aparecida: Ideias & Letras, 2006.
WEBER, Max. Economia e Sociedade Vol. 1. São Paulo/Brasília: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo/Editora da Unb, 1999.
ZWEIG, Stefan. Brasil, Um País do Futuro. São Paulo: L&PM Pocket, 2006.
57
16
Doutora em Sociologia, Professora no Departamento Ciencias Sociais da UEL e Coordenadora do PIBID de
Ciencias Sociais da UEL.
58
dessa atividade desenvolvida desde a década de 1990, como bem cultural e expressão de
épocas sócio históricas da sociedade brasileira. As frases: “A Sociologia deve desenvolver um
olhar sensível", “O Ensino da Sociologia pode e deve ser meio para conquista de cidadania
plena” e “Educação Transformadora“ constituem as máximas atuais no comportamento de
nossos alunos bolsistas, professores colaboradores e professora supervisora e aplicadas em
suas práticas no colégio. As impressões registradas pelos alunos do nosso blog revelam como
desenvolveram percepção sensível a respeito de seu papel como educadores.
3. Formação Inicial Três Seminários sobre Patrimônio Formação inicial dos bolsistas nas
dos bolsistas nas Cultural/Memória temáticas do projeto, preparação para
temáticas Coletiva/Identidades/Culturas Dois oficinas e atividades didático
propostas pelo Seminários sobre Relações Étnico-Raciais e pedagógicas, subsídios para organização
PIBID/C.Sociais Religiões e Religiosidades de Matriz Afro; e participação nos eventos dos colégios:
a serem Dois Seminários sobre Meio Ambiente e Festa Junina, Semanas Culturais do
trabalhadas nas Educação Ambiental. Colégio de Aplicação e do Colégio
escolas. (03/08/2011 até 10/12/2011). Castaldi.
4. Metodologias e Registro e Filmagens da Festa Junina do 3 oficinas de 100 minutos cada uma nos
práticas de ensino Colégio de Aplicação da UEL (06/07/2011), terceiros anos do Ensino Médio (A,B,C),
nas entrevistas com funcionários e comunidade utilizando conceitos como Cultura,
temáticas escolar para subsidiar as oficinas nos Memória, Patrimônio, Identidades e
propostas pelo terceiros anos do ensino médio sobre Festa Indústria Cultural. Material didático:
PIBID/C.Sociais Junina em sua Dinâmica Cultural. slides com fotos da Festa e filmagens
desenvolvidas Entrevistas e coleta de material iconográfico das “quadrilhas” da escola. Composisão
pelos bolsistas entre alunos e professores do Colégio de acervo de fotos e entrevistas para a
nos Colégios. Castaldi para subsidiar futura atividade de memória do Colégio Castaldi.
construção da memória do Colégio, já que o
mesmo se origina do PREMEN. 08/2011/até
12/2011
5. Disseminações e Participação da Professora Coordenadora, Inserção no debate acerca da
63
Coordenador Institucional
Profº Dr. Sergio de Mello Arruda
Professores Supervisores
Profª Edna de Gaspari Guinzelini - Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão [Colégio
de Aplicação UEL].
Profª Vani do Espírito Santo - Centro Estadual Educacional e Profissional Profª. Maria Do
Rosário Castaldi.
Alunos Bolsistas
Ana Claudia R. de Oliveira
Bruno Ueno Bertao
Denise Akemi Nishi
Douglas Alves Graciano
Franciele Rodrigues
Loren Marie Vituri Berbert
Luana Rodrigues de Carvalho
Maria Leticia Grecchi Pizzi
Poliana dos Santos Fortunato
Samuel de Oliveira Rodrigues
Simone Maria Boeira
Professores Colaboradores
Profª Ms. Adriana Ferreira Cernev
Profª Dra. Ana Cleide Chiarotti Cesário
Profª Dra. Ângela Maria de Sousa Lima
Profª Dra. Elena Maria Andrei
Profº Dr. Paulo Bassani
Profª Dra. Silvana Aparecida Mariano
Simone Meucci18
Este breve texto pretende realizar um balanço crítico da produção atual em livro
didático de sociologia no Brasil a partir da análise geral dos livros inscritos no Plano Nacional
do Livro Didático (PNLD) - Ensino Médio - 2012.19 Desejo compreender o que esta produção
revela sobre as condições gerais para a rotinização do conhecimento sociológico no sistema
escolar e sobre os sentidos atribuídos à sociologia escolar.
Antes de fazer o balanço proposto desejo, porém, fazer duas ressalvas: uma diz
respeito à natureza do livro didático e das funções que ele cumpre independentemente da área
de conhecimento. A outra diz respeito à noção de livro didático que está presente no PNLD.
17
Versões deste texto foram apresentadas no II ENESEB (Curitiba, julho de 2011) e no IV ENCISO (Fortaleza,
novembro de 2011).
18
Professora de Sociologia da UFPR.
19
Fui membro representante da área de sociologia da Comissão Técnica do PNLD – Ensino Médio 2012 do
Ministério da Educação. Este texto é resultado das discussões realizadas durante o período de avaliação das
coleções didáticas inscritas no Programa. Não obstante, as impressões impressas aqui são de minha inteira
responsabilidade. Agradeço a todos da equipe de coordenação e avaliação por sua dedicação, especialmente à
professora Dra. Anita Handfas.
67
professores utilizam a sequência de conteúdos do livro como uma espécie de plano de aula,
quando não o utilizam como obra de referência em sua formação. Nesse sentido, os livros não
se constituem apenas como ferramenta de ensino e aprendizado, mas também como bem
cultural, matriz curricular e instrumento de formação docente.
2ª ressalva: Acho importante pelo menos lembrar que o PNLD enquanto política pública
prescreve para editores, autores, professores e alunos certo modelo de coleção didática
composto pelos volumes do professor e do aluno e que compreende capítulos independentes,
cheios de imagens, boxes com questões acessórias e sugestões, excertos de textos e
atividades. É um modelo de livro didático surgido por volta da década de 1960 que se
caracteriza por distinguir-se dos demais livros no tamanho, na diagramação, na quantidade de
imagens e nas dicas que arremessam o aluno para outros recursos considerados auxiliares no
aprendizado. Este modelo contém um ponto de vista sobre o que é ‘didático’ e creio ser
fecundo pensar sobre isso. Não podemos nos furtar da responsabilidade de discutir os
pressupostos que estão contidos nesta idéia de livro didático e de suas conseqüências sobre a
visão do trabalho do professor e até de suas conseqüências culturais mais amplas.
No entanto, ainda que seja imperativa uma discussão sobre os usos do livro didático e
sobre o que qualificamos de ‘didático’, neste texto me limitarei a demonstrar algumas
impressões sobre o que sugere o conteúdo dos livros didáticos que se orientam por esta
perspectiva. Vou me limitar a discutir os sentidos dos conteúdos evocados, embora não ignore
a importância de seus usos previstos e imprevistos e o arbítrio deste formato didático.
Parto de duas indagações fundamentais – invitáveis - aos conteúdos destes livros: quais
os sentidos que atribuem à sociologia na escola e de que modo traduzem o conhecimento
sociológico para o ambiente escolar. São indagações que, no limite, dizem respeito às
condições de democratização do conhecimento científico. No caso particular da sociologia,
dizem também respeito às condições de racionalização da vida social e, logo, de qualificação
do debate social que se apresenta nas polêmicas que nos ocupam no dia-a-dia. Queremos dizer
que as possibilidades ou dificuldades para o ensino da sociologia na escola estão relacionadas
à natureza da circulação das ideias científicas e às possibilidades e limitações para a
sofisticação do debate público.
Com efeito, identifico nas páginas dos livros didáticos recentemente publicados dois
tipos de sentidos atribuídos à sociologia escolar.
1) prescrição de conduta politicamente correta,
68
sociologia no sistema escolar, seus usos escolares permanecem inalterados. É uma disciplina
que assume funções normativas no sistema escolar.
Uma evidência do caráter normativo que substrai a indagação sociológica é a quase
completa ausência, nos livros didáticos, de sugestões e orientações para a pesquisa num e
outro período: nos anos de 1930 e na década de 10 do século XXI. Muito comum, entretanto,
é pedir que os alunos emitam opiniões acerca do conteúdo de textos ou dados demonstrados.
Quero com isso dizer que nem ontem e nem hoje a sociologia escolar conquistou o
estatuto de ciência. Ainda que os autores dos livros didáticos reivindiquem formalmente este
estatuto ao caracterizar o pensamento científico e diferenciá-lo do senso comum e do
pensamento religioso (síntese em geral apresentada nos primeiros capítulos do livro) e ao
demonstrar alguns dos dilemas teóricos e metodológicos de seus autores clássicos, a atitude
científica de dúvida radical seguida da racionalização, o esforço de perscrutar um mesmo
objeto sob diferentes olhares, não é propriamente levado a efeito.
Nesse sentido, a mediação didática fica comprometida de modo decisivo. Metáforas
simplórias, quase infantis não se originam apenas da dificuldade de calibrar a linguagem, mas
de um ponto de partida original que não favorece nem está efetivamente disposto a favorecer
a reflexão. O efeito mais notável disso é que mundo do aluno é artificialmente aproximado da
teoria sociológica para, tão simplesmente, ilustrar os conceitos. É assim, por exemplo, que o
bullyng é nomeado de violência simbólica, o casamento inter-racial é chamado de exogamia e
as modalidades de expressão artística juvenil são chamadas de subcultura. Para além de
alguns equívocos conceituais contidos nestas aproximações, devemos indagar em que medida
este esforço de aproximação conceitual contribui para a compreensão dos fenômenos em
questão. Creio que chamar o bullyng de violência simbólica não permite compreender
sociologicamente o que é bullyng, identificar em que condições este tipo de ‘assédio’ foi
assim nomeado e tornado alvo de vigilância e prevenção sistemáticas nos ambientes escolares
e, sobretudo, como a ‘nomeação e prevenção’ do bullyng se relaciona a um tipo específico de
sociabilidade contemporânea.
O resultado destas aproximações infecundas e, não raro, incorretas entre fenômenos e
conceitos são livros assépticos que não mobilizam os recursos da teoria como ferramentas
heurísticas.
Também devemos lembrar que, de modo geral, não há, nos livros didáticos, uma
aproximação com as pesquisas sociológicas recentes desenvolvidas no Brasil ou no mundo.
Isso se torna surpreendente se pensarmos que o reaparecimento da sociologia no sistema de
71
disciplina de história e, por vezes, apresenta uma visão da história que possivelmente é um
desserviço ao esforço que a história escolar tem realizado para evitar anacronismos e refletir
de modo mais sofisticado sobre a noção de tempo.
Outra evidência das mais notáveis desta cisão entre a produção de conhecimento
científico e os usos escolares da sociologia é que parte significativa de livros didáticos de
sociologia cita outros livros didáticos como obras de referência (tanto para alunos quanto para
professores). As obras didáticas passam a constituir um campo auto-referenciado e autônomo,
no qual autores deixam de fazer sínteses em primeira mão de livros clássicos, bem como
pesquisam pouco sobre a produção sociológica recente.
Não devemos, entretanto, acreditar que a sociologia escolar deva simplesmente replicar
o debate acadêmico. Isso seria ignorar irresponsavelmente as especificidades de um e outro
ambiente. No entanto, não é possível que a iniciação às indagações científicas acerca do
mundo social não possam ter lugar na escola e que não haja esforços de mediação entre o
mundo acadêmico e o mundo escolar.
Nesse sentido, o que se conclui desta reflexão é que a sociologia escolar pretende
formar consciências críticas sem, entretanto, levar ao limite o pensamento reflexivo. Pretende
formar cidadãos sem ao menos mostrar os meandros dos mecanismos decisórios. Pretende
prescrever o respeito à diversidade sem favorecer o ‘estranhamento’ e a ‘desnaturalização’,
nem apresentar uma discussão conseqüente sobre a alteridade. Os termos crítica e cidadania
estão esvaziados de sentido, de substância sociológica. Trata-se ironicamente de uma crítica
que nega a reflexão e de uma noção de cidadania que pressupõe o aluno como um repositório
de conselhos ou denúncias.
Mas qual o sentido para a sociologia escolar que pode possibilitar um diálogo mais
exitoso entre universidade e escola e uma mediação didática fecunda?
Creio que a sociologia é disciplina essencial na escola porque nunca a vida social foi tão
complexa, nunca tantos caminhos e opiniões contraditórias se apresentaram de modo tão
dramático para o jovem em formação. As condições de socialização da sociedade atual
exigem, pois, uma consciência científica da vida que eu creio que a sociologia oferece. De
que modo se produz a individualização dos indivíduos, quais são os fundamentos da fluidez
das relações atuais (desde as familiares, amorosas até as relações de trabalho), quais são os
traços fundamentais da complexa trama institucional que nos envolve, de que maneira se
articulam aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais: estas são apenas algumas das
questões inquietantes, sobretudo para o jovem adolescente, que o conhecimento sociológico
permite perscrutar. Em resumo, acredito que o conhecimento sociológico, didaticamente
73
mediado e levado em sua densidade e radicalidade para a escola, permite tornar legível o
mundo ao jovem e com isso, possibilita que ele decifre de um modo novo, o significado
último, de sua conduta.
74
Em meio ao debate sobre a pertinência de um programa único (e sobre qual deveria ser
este programa, mas quase sempre olvidando a questão sobre quem deveria defini-lo),
curiosamente a mesma crítica feita anteriormente aos PCN foi reproduzida quanto às OCN, de
que tais documentos teriam se orientado por uma perspectiva “neoliberal”, porque
“flexibilizante”. Curiosamente porque tais críticas foram dirigidas a objetos tão distintos
quanto os dois documentos. Ao primeiro se criticou – corretamente, a meu ver – sua
fundamentação na “pedagogia das competências”, sua adequação acrítica à visão de educação
orientada à qualificação profissional e à preparação para o ingresso no mercado de trabalho.
20
Doutorando na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP. Professor de Sociologia da
Educação e Metodologia de Ensino da UFF, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.
75
21
Sobre este ponto e para uma visão panorâmica ver Anderson (1995), Rodrigues (1997).
22
A preparação básica para o trabalho e para a cidadania são dois dos objetivos declarados pela LDB para o
ensino médio. Além deles, a Lei 9394/96, em seu artigo 35º, define ainda como finalidade dessa etapa da
Educação Básica: a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental; o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo aí sua formação ética; desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico; e a compreensão dos processos e princípios científicos-
tecnológicos de nossa sociedade.
76
até que ponto é possível falar-se numa educação promotora da cidadania em que ao mesmo
tempo se pretende ajustar o cidadão ao mundo do trabalho, por uma orientação que acima de
todo o legitima.
Em documento preparatório da elaboração das OCN, em que se fez uma análise crítica
das Diretrizes Curriculares Nacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e de outros
documentos e legislação da Reforma do Ensino Médio, podemos ler que
enquanto a Constituição determina o caráter pluralista das orientações pedagógicas a
que deve atender a educação nacional (Art. 206, III), as DCN definem-se
explicitamente por uma orientação pedagógica – o construtivismo: Piaget, Vigotsky
e a “Escola de Genebra”-, o que pode impedir que outras visões sobre o processo
educativo sejam legitimadas desde o poder constituído. Isso, em termos práticos,
pode resultar em insegurança, confusão e desinformação dos principais agentes da
educação – quais sejam, os professores. Ao optar pelo construtivismo – não só em
um sentido metafórico amplo de “construção do conhecimento”, algo que sempre foi
dito sem maiores conseqüências nem pretensões cientificistas –, as DCN definem o
fenômeno educacional como predominantemente psicológico, cognitivista-
comportamental, uma vez que identifica a manifestação da aprendizagem com
“competências e habilidades” (Moraes et al, 2004, p. 346)
educação tecnológica por parte do mercado. Isso afeta o desenho curricular e precisa ser
considerado por nossos programas de ensino. No entanto, é importante que essa dinâmica seja
respondida não pela pura e simples adequação. Os PCN respondem, ao menos em parte, à
expectativa de uma educação que considera o papel das tecnologias na organização social da
vida moderna, para o qual seria preciso socializar as competências e habilidades necessárias à
vida moderna; ainda que o moderno, no caso, bem como seus reflexos e desdobramentos no
cotidiano, na condição individual, para a cidadania e para os trabalhadores em momento
algum seja objeto de análise crítica. Mas a educação não se restringe a prover domínio de
tecnologias. No documento de análise das DCN e dos PCN, já citado, lemos que
a excessiva instrumentalização do currículo que uma proposta como essa pode
produzir, desvia e deforma os objetivos da educação básica, descaracterizando os
conhecimentos e as potencialidades mais profundas que é a formação do cidadão e o
desenvolvimento do ser humano8. Apesar de citar a orientação dada pela União
Européia à sua educação básica, as Diretrizes acabam por propor exatamente o
contrário, senão vejamos: “a missão fundamental da educação consiste em ajudar
cada indivíduo a desenvolver todo o seu potencial e a tornar-se um ser humano
completo, e não um mero instrumento da economia” (Moraes et al, 2004, p. 351; a
citação é referente a nota 9 do mesmo documento, apud Comision de las
comunidades europeas, Enseñar y aprender. Hacia la sociedad cognitiva: Libro
Blanco sobre la educación y la formación, Bruxelas, 1995. Texto citado pelas DCN)
Já as OCN receberam crítica similar, pelo vocabulário utilizado, mas com conteúdo
distinto. A crítica da “flexibilização”, neste caso, foi sobre a ausência de um programa
disciplinar. Sobre isso, um dos autores do documento (Moraes et al, 2004, p. 22) esclarece
que a proposta das OCN “não era flexibilizante, porque nunca jamais houve uma proposta de
ensino de Sociologia consagrada nacionalmente”, o que é verdade, ainda que as propostas se
aproximem mais do que possa parecer à primeira vista. Disso decorre que não temos uma
sugestão de currículo presente nas OCN, mas uma rica discussão metodológica para possíveis
recortes de conteúdos. E neste sentido é preciso reconhecer que as Orientações constituiram
um avanço ao documento anterior, dado que provoca um debate que temos relegado a um
segundo plano: a pesquisa e a produção no âmbito da metodologia e dos recursos didáticos
para o ensino de nossa disciplina na escolarização média.
Ao lado de algumas propostas de programa unificado para a disciplina, – unificado
nacionalmente, vale ressaltar –, alguns (incluído o autor deste texto) defendem a necessidade
de um tempo maior de maturação do debate para que se possa falar propriamente num
programa unificado ou mesmo num parâmetro curricular válido para todo o território
nacional. Sem recusar qualquer debate – mesmo para uma base nacional comum – sugiro que
a comunidade de cientistas sociais concentre-se em ampliar as pesquisas sobre o currículo real
que tem sido desempenhado por professores do ensino médio.
Ao que parece, não se pode afirmar uma diversidade significativa de concepções sobre
o currículo desejável para a Sociologia como disciplina da escola média – que se expressa em
documentos resultantes de fóruns e eventos sobre o tema, tanto como nos programas
apresentados em livros didáticos ou assumidos pelos professores do ensino médio. Ao
contrário, há uma relativa convergência entre as propostas de currículos e programas de
cursos que mais que expressar o resultado de uma discussão rigorosa sobre, expressa a
ausência dessa discussão e a tendência à reprodução dos modelos dos cursos de bacharelado.
Vamos nos deter um pouco mais sobre este ponto. Não estamos afirmando que os livros
didáticos sejam iguais e tampouco os planos de ensino de professores; o que estamos
sugerindo é que num olhar de conjunto os programas sugeridos apontam tendencialmente para
os mesmos conteúdos.
Apesar de diferenças e similaridades quanto à estrutura formal dos programas para a
disciplina, ainda sabemos pouco sobre os sentidos articulados aos conceitos e temas
79
apresentados como objetos de ensino nesses programas; isto é, entre o currículo oficial e o
currículo real, ensinado cotidianamente em salas de aula do ensino médio, a divergência de
concepções pode ser significativa.
Quando analisei alguns livros utilizados por professores do ensino médio há alguns anos
(Sarandy, 2004, cap. III), observei que os manuais didáticos não diferiam muito quanto a um
programa para a disciplina no ensino médio, assim como organizavam suas propostas de
curso de forma muito próxima à organização do ensino das ciências sociais na graduação.
Hoje, livros como Iniciação à Sociologia, organizado por Nelson Dacio Tomazi (São Paulo:
Atual Editora, 1999), Sociologia, de Paulo Meksenas (São Paulo: Editora Cortez, 1999, 2ª
edição) e Introdução à Sociologia, de Pérsio Santos de Oliveira (São Paulo: Editora Ática,
2000, 20ª edição) não mais correspondem à maioria dos manuais didáticos disponíveis mas
ainda é grande sua utilização por parte dos professores do ensino médio, ao menos a
considerar o levantamento realizado no Grupo de Discussão “Livros e materiais didáticos”, do
I Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica, realizado no
IFCS/UFRJ, entre os dias 26 e 27 de julho de 2009, sob os auspícios da SBS. Ainda assim, o
livro de Paulo Maksenas não foi publicado propriamente como um manual didático, ou não
pretendeu ser exclusivamente um manual didático (ainda que assim tenha sido utilizado pelos
docentes), dado que dirigido a refletir a construção de um programa disciplinar, mas hoje
quase não tem sido mais utilizado. O livro de Pérsio S. de Oliveira passou por revisão e
atualização ela editora Ática e tem sido utilizado por muitos docentes da educação básica.
Do ponto de vista da estrutura e da lógica de organização dos índices destes livros e do
conteúdo de seus textos, podemos fazer os seguintes apontamentos breves: as análises
relativas à transição do feudalismo ao capitalismo, a predominância de uma perspectiva de
classe e as opções por determinadas categorias sociológicas, como o trabalho, caracterizam
quase todos os manuais, à exceção do livro de Pérsio Santos de Oliveira, considerado por
alguns professores do ensino médio como alinhado à Sociologia sistemática, porém imagem
que deve ser relativizada, pois se o livro se distingue bastante dos demais, por um lado, por
outro oferece basicamente os mesmos conceitos, a mesma perspectiva histórica da elaboração
das idéias sociológicas, além da predominância da discussão sobre o trabalho e a produção da
riqueza social com abordagens que não estão muito distantes dos outros dois. A diferença
entre eles não é substancial. No caso do manual de Pérsio pode-se perceber o uso menos
rigoroso do conceito de modo de produção que em outros manuais, que, por sua vez, também
procedem a uma leitura “weberiana” do conceito marxista. Porém, do ponto de vista
estrutural, quanto aos conceitos ensinados, às abordagens teóricas mobilizadas, à organização
80
O conteúdo proposto pelos PCN está presente nas palavras-chave (destaques em negrito
ou não e que constituem conceitos importantes das Ciências Sociais) que encontramos por
todo o texto. Estas palavras-chave são (PCN, 1999, p. 71-85): ciência da sociedade;
socialização total; rede de relações sociais; interação social; sistemas sociais; processo social;
ação social; estratificação social; castas; estamentos; classes sociais; exclusão social,
econômica e política; concentração de poder e de renda; estrutura social; normas e padrões;
processo de socialização; fatos sociais; cultura; observação participante; trabalho; semiótica
da cultura; áreas de significado; construções simbólicas; diversidade; relativismo cultural;
cidadania plena; sociedades complexas; experiências culturais; papéis sociais; identidades
sociais; ideologia; alienação; indústria cultural; comunicação de massa; sociedade de
consumo; vida social; linguagem; comunicação e interação; instituição social; ordem social;
conflito social; política; relações de poder; escola; família; igreja; fábrica; Estado; sistemas
econômicos; capitalismo; modo de produção; tipos de Estado (Absolutista, Liberal,
Democrático, Socialista, Welfare-State, Neoliberal); formas de governo; regimes políticos;
público e privado; centralização e descentralização; direitos e deveres; sociedade civil;
direitos dos cidadãos; democracia; formas de participação política; movimentos sociais; poder
público; cotidiano; objetivação e subjetivação.
Estes termos, por si mesmos, já definem um substancial programa de estudos. Muitos
programas de curso são organizados de modo a contemplá-los, ainda que a perspectiva
dominante seja diferente da que predomina nos PCN. Entretanto, sabemos que a realidade é
muito mais complexa do que as teorias estabelecidas conseguem explicar, de modo que os
conteúdos indicados num programa de curso ou matriz curricular não devem constituir um
programa fixo, rígido e obrigatório, o que tornaria os conteúdos o objeto do ensino em si, não
a compreensão da vida social que a disciplina Sociologia pode proporcionar. Sem dúvida são
conteúdos importantes; no entanto, não devem atender a pretensão de serem suficientes para
explicar a vida em sociedade mas partir do pressuposto que conceitos não são a realidade nem
estão dados “naturalmente” nos problemas estudados, ao contrário, são construções, ou
melhor, representações do real.
Os PCN orientam a adoção de categorias e conceitos de várias correntes das três
principais Ciências Sociais. Desse modo, o aluno pode ter contato com diferentes modos de
pensar a sociedade. Categorias funcionalistas, weberianas, marxistas, estruturalistas ou
interpretativistas, ao lado de perspectivas antropológicas, sociológicas ou políticas,
“costuram” o programa sugerido (mais ou menos ou explícito) e estão presentes em todas as
temáticas abordadas. Os PCN (1999, p. 72) sugerem que
83
Mais uma vez, o risco desta orientação é tornar a disciplina função do ensino de
conceitos e não do desenvolvimento de “modos de abordagem” do real. Não que os clássicos
não sejam importantes. Qualquer cientista social sabe o valor do conhecimento seguro desses
autores. Entretanto, acreditamos que o ensino médio não deve ser organizado em função de
um estudo teórico semelhante ao do ensino superior de Ciências Sociais. Ao contrário, as
idéias dos clássicos devem ser discutidas e avaliadas na medida em que forem importantes
para a compreensão de problemas concretos, numa perspectiva de educação científica e
crítica, mas não acadêmica (que não é o caso). Pior,
o texto, às vezes, complica-se na linguagem que se quer homogênea na Reforma, o
que prejudica a leitura, em especial do professor com formação precária. Atentando
que esse dado não é raro nas escolas, pois muitos professores de outras disciplinas
completam a sua carga didática com Sociologia nas escolas que mantém essa
disciplina no currículo. Para estes em especial, mas para todos os professores-alvo
dos PCN (de um modo geral também), pode-se aplicar o adágio atribuído a Santo
Agostinho sobre a fé em Deus: “Para quem acredita, nenhuma prova é necessária;
para quem não acredita, nenhuma prova é suficiente”. Noutras palavras: para o
professor bem formado, autônomo, reflexivo, responsável, ético, que se assume
como trabalhador intelectual, produtor de conhecimentos, os PCN são prescindíveis;
para o professor mal formado (para encurtar a história do fracasso), os PCN não
orientam nem ajudam, pois precisam ser decodificados, o que demanda um preparo
do leitor. É o caso do PCN- Sociologia: a partir das palavras – os possíveis conceitos
ou categorias -, ali onde o professor mal formado não vislumbra um curso, apenas
um vocabulário arbitrário; o professor bem formado, vislumbra muitos cursos,
dependendo da perspectiva que assuma e de como “arranja” essas palavras
conceitos; mas, mesmo na inexistência do PCN, esse professor sabe como elaborar
um curso de Sociologia (Moraes et al, 2004, p. 356-357)
As OCN abordam a questão dos conteúdos não pela construção de uma proposta de
programa, muito menos de uma matriz curricular, porém por uma análise das possibilidades
de recortes metodológicos de conteúdos disciplinares. Desse modo, afirma que
“diferentemente das outras disciplinas escolares, a Sociologia não chegou a um conjunto
mínimo de conteúdos sobre os quais haja unanimidade, pois sequer há consenso sobre alguns
tópicos ou perspectivas” (OCN, 2008, p. 115), a despeito de alguns conteúdos comuns ou
quase sempre presentes e de quase todos os programas contemplarem conteúdos próprios das
três áreas das Ciências Sociais.
84
Tabela 1
Tendência 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Temático 75% 76% 85% 44% 89% 95%
Clássico 21% 12% 15% 50% 7% 2%
Engajamento 3% 12% 0% 50% 7% 2%
Sem identificação 0% 0% 0% 0% 0% 2%
Fonte: Takagi, 2007, p. 212.
sorte que, dependendo do recorte que se faz, a disciplina abordará determinados conteúdos e
não outros.
Porém, entenda-se bem, a dispersão e a diferença dos conteúdos, percebidas e discutidas
no texto das OCN deve-se muito mais às perspectivas e sentidos atribuídos e articulados aos
conteúdos que aos próprios, ainda que os vocabulários ou termos utilizados se aproximem. E
como dito anteriormente, ainda que se perceba que os planos de ensino de professores,
tomados individualmente e em comparação a outros, se diferenciam entre si, considerados em
paralelo parecem apontar para um conjunto de conteúdos que não se distanciam do que os
livros didáticos e os programas oficiais sugerem. Ao que parece, há uma espécie de
transposição, nalgum grau, do currículo da graduação em Ciências Sociais ao ensino da
disciplina no ensino médio (Sarandy, 2004), o que não é motivo de espanto considerando-se
que o currículo da Sociologia, na Educação Básica, ainda se constitui campo aberto às
disputas políticas.
Em todo o caso, para os autores das OCN (2008, p. 116),
essa aparente desvantagem da Sociologia em relação a outras disciplinas escolares –
não ter um corpus consensualmente definido e consagrado – pode se revelar uma
vantagem, no entanto. É certo que pode trazer um questionamento da parte de outros
professores e mesmo alunos, ferindo sua legitimidade já tão precária diante do
currículo, mas também é certo que, pelas mãos das recentes e predominantes
concepções pedagógicas – os construtivismos, por exemplo –, há um
questionamento e uma revisão da organização curricular de todas as outras
disciplinas. Questiona-se, por exemplo, a idéia de pré-requisito, isto é, que um
tópico dependa de outros anteriores para ser desenvolvido, negando-se, portanto, a
idéia de seqüência estabelecida entre os tópicos. Nesse sentido, a Sociologia fica à
vontade. Por um lado, a não existência de conteúdos consagrados favoreceria uma
liberdade do professor que não é permitida em outras disciplinas, mas também
importa numa certa arbitrariedade ou angústia das escolhas... Bem se entende que
essa situação também é resultado tanto da intermitência da presença da Sociologia
no ensino médio quanto da não constituição ainda de uma comunidade de
professores da disciplina, comunidade que possa realizar encontros, debates e a
construção de, senão unanimidades – que também não seriam interessantes –, ao
menos consensos ou convergências a respeito de conteúdos e metodologias de
ensino.
23
Exemplos são as seguintes pesquisas: de SANTOS, Mário B. dos. A Sociologia no Ensino Médio: o que
pensam os professores da Rede Pública do Distrito Federal. Brasília, Instituto de Ciências Sociais, Depto. De
Sociologia, UNB, 2002. (Dissertação de mestrado), bem como as pesquisas desenvolvidas por MENDONÇA,
Cristina Maria Tháles de; OSÓRIO, Andréa Barbosa; SANT’ANNA, Sabrina Marques P; SILVA, Gabriela
86
Se as OCN não apresentam uma proposta curricular, sugerem uma abordagem que se dê
simultaneamente por conceitos, temas e teorias, pois que “mutuamente referentes”. Desse
modo,
ao se tomar um conceito – recorte conceitual –, este tanto faz parte da aplicação de
um tema quanto tem uma significação específica de acordo com uma teoria, do
contrário os conceitos sociológicos seriam apenas um glossário sem sentido, pelo
menos para alunos do ensino médio. Um tema não pode ser tratado sem o recurso a
conceitos e a teorias sociológicas senão se banaliza, vira senso comum, conversa de
botequim. Do mesmo modo, as teorias são compostas por conceitos e ganham
concretude quando aplicadas a um tema ou objeto da Sociologia, mas a teoria a seco
só produz, para esses alunos, desinteresse. Entende-se também que esses recortes se
referem às três dimensões necessárias a que deve atender o ensino de Sociologia:
uma explicativa ou compreensiva – teorias; uma lingüística ou discursiva –
conceitos; e uma empírica ou concreta – temas. (OCN, 2008, p. 117).
Em certo sentido, a abordagem por teorias, conceitos e temas, como observada nas
práticas docentes e discutida pelas OCN, atualiza um velho debate sobre se o ensino da
Sociologia deve ser estruturado em torno de “temas” ou “conceitos” – debate que percorreu os
anos 80 até início da década de 1990, conforme documentos resultantes de diferentes fóruns e
eventos promovidos por secretarias estaduais e universidades. O que sugerimos é que, em
concordância com as OCN, seja qual for a construção curricular para a disciplina, que os
professores articulem seus conteúdos em torno dos três recortes – teorias, conceitos, temas –,
de modo a evitar que o conhecimento disciplinar apareça como produto exclusivo da
investigação científica, tomada como prática não inserida socialmente e desinteressada. Como
sabemos, as idéias são, antes de tudo, idéias sociais; sua produção, reprodução e mudança,
Moraes da; VIEIRA, Flávia Braga, publicados em VILLAS BÔAS, Gláucia (org). A importância de dizer não e
outros ensaios sobre a recepção da Sociologia em escolas cariocas, Série Iniciação Científica, n. 8, 1998,
pesquisa desenvolvida como parte das atividades do Núcleo de Pesquisas de Sociologia da Cultura (Laboratório
de Pesquisa Social/ IFCS/ UFRJ).
87
Mas os recortes propostos não devem ser tomados em substituição ao fim de produzir
nos alunos do ensino médio a compreensão típica, o modo de raciocínio, a atitude cognitiva
própria às Ciências Sociais, sendo estes recortes fundamentais como meios e ferramentas, não
fins em si mesmos. Sem dúvida, os conteúdos são fundamentais num projeto de ensino. No
entanto, eles pouco significam se seus supostos conhecedores não forem capazes de mobilizá-
los mentalmente na articulação de sentidos que permitam a compreensão do mundo ao redor.
O que pretendemos com a disciplina no ensino médio não é apenas produzir em nossos alunos
a capacidade de falar utilizando as palavras típicas dos discursos sociológicos – numa espécie
de “senso comum erudito”, como bem relembraram Tomazi e Junior (2004, p. 68) a expressão
cunhada por Bourdieu –, a partir do que os alunos se tornariam falantes capengas de uma
“língua estrangeira”, cujos sentidos articulados em seus vocábulos teriam sido reelaborados a
partir de seu próprio universo, mas não em confronto e diálogo com este, portanto, com pouco
impacto sobre sua visão de mundo e seu modo de pensar. Ao contrário, pretendemos que
nossos alunos tornem-se falantes competentes de modos discursivos elaborados no âmbito das
Ciências Sociais, capazes de criar sentidos, de pensar criativamente com os novos
vocabulários aprendidos, de produzir e reelaborar esses vocabulários em diálogo com as
teorias e os conceitos oferecidos pelas Ciências Sociais; capazes, enfim, de imaginação
sociológica e impulso transformador – das representações, sentidos e instituições.
Um limite na produção de um programa de curso de Sociologia, de grande alcance,
quiçá nacional, diz respeito às condições reais em que a disciplina Sociologia é realizada. A
proposição de um currículo que não leve em conta as condições altamente diversificadas das
escolas brasileiras e as diferenças regionais de nossa sociedade corre o risco de permanecer
abstrato de modo a não possibilitar que seja adotado ou cumprido em sua totalidade. No
88
limite, qualquer currículo ou programa de curso enfrentará este obstáculo, dado ser impossível
prever e corresponder a qualquer condição ou contexto. Disso decorre que é altamente
desejável que os programas sejam resultantes de uma reflexão presente no interior das
escolas.
No que diz respeito à elaboração de um programa curricular para a disciplina
Sociologia, para o nível médio de ensino, sugerimos que o professor (ainda que não envolvido
diretamente na definição curricular) reflita e esteja atento à explicitação de seus objetivos
educacionais. E que não esqueça que pensar o sentido da disciplina é pensar a natureza de seu
conhecimento, suas especificidades, o que promove (ou deveria promover) em termos de
desenvolvimento dos indivíduos, suas relações com a posição política do professor etc. Outro
aspecto importante é a justificação de seus conteúdos, pois não basta arrolarmos, na
construção de um programa de curso ou currículo, uma série de temas ou conceitos típicos – o
que, em última análise, poderá somente nos fornecer uma lista de palavras a ensinar. Entre
inúmeros problemas relativos à justificação de conteúdos temos: a categoria dos denominados
“clássicos” da disciplina, a história do campo científico, a atual agenda política e científica
das Ciências Sociais, a “regionalização” dos conteúdos e a diversidade de paradigmas,
linhagens ou escolas teóricas. Portanto, este item também se relaciona a uma reflexão sobre a
natureza do conhecimento científico em Ciências Sociais. Além dos anteriormente descritos,
os professores ainda deveriam considerar as melhores opções metodológicas e de tratamento
didático – e aqui entrariam todas as questões referentes à organização disciplinar, à tradução e
à transposição dos “saberes científicos” em “saberes escolares”, a concepção que fazemos de
nossos alunos – dos jovens e adolescentes aos quais dirigimos nossa disciplina, as estratégias
de mediação do conhecimento. Por fim, são aspectos igualmente relevantes a função e a
posição da disciplina num quadro mais amplo de problemas, desde sua presença na formação
de professores ao seu lugar numa matriz curricular, sua presença – ou não – em vestibulares,
sua inserção – ou não – no ensino fundamental etc.
Aguardamos que, em diálogo com a comunidade acadêmica, a experiência e o saber
acumulados pelos docentes do ensino médio possam encontrar espaços de comunicação,
reflexão e análise para que se possa a partir de então construírem-se critérios mais
consistentes para nossas escolhas curriculares.
89
Conclusão
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Científica, n. 8, pesquisa desenvolvida como parte das atividades do Núcleo de Pesquisas de
Sociologia da Cultura (Laboratório de Pesquisa Social/ IFCS/ UFRJ), 1998.
93
uma contradição, pois se gera riquezas e promete conforto a uma parte da população da Terra,
também está associado à pobreza, fome, doenças, mortes prematuras, guerras e dependência
econômica.
O progresso, portanto, pode conduzir ao desequilíbrio e a desordem global da biosfera,
pois no sentido da corrida do capital “é medido pela velocidade com que se produz; chega-se
mesmo a imaginar que quanto mais rapidamente nos servimos dos recursos da natureza, tanto
mais avança o progresso”. (Tiezzi, 1988)
Para entendermos melhor esta questão é necessário uma reflexão sobre os paradigmas
que nortearam o pensamento ocidental e a lógica do capital em sua expansão pelo mundo e
que nos conduziram ao que muitos chamam de uma forma metafórica de “a fuga para
Samarra”. 25
João de Jesus Paes Loureiro, em sua obra Cultura amazônica. Uma poética do
imaginário (2001) aborda a relação histórica conflitiva entre o homem e a natureza. Ou, entre
a cultura humana e o mundo natural. Lembra-nos o autor que:
A natureza havia no princípio. O homem veio depois. Confrontaram-se,
enfrentaram-se, alternaram-se, modificaram-se, transfiguraram-se. Uma lenta perda
da inocência e ingresso na história.
Ao longo do tempo, as tensões entre os homens e com a natureza foram crescendo e
se renovando, na dinâmica de um dilema fundador: domínio ou submissão
dominante. Uma tensão agônica e desmedida de mitos e exorcismos. Ora a natureza
impondo-se ao homem. Ora o homem que a ela se impõe (Op. Cit., p. 15).
25
Ver a respeito Tiezzi (1988).
95
Não faltam exemplos desta visão antagônica entre o mundo natural e o social em nossa
literatura, especialmente a que foi produzida nos séculos XVIII e XIX, quando a retórica do
progresso e a palavra “moderno” se tornou uma panacéia. São inúmeros os romances e até
relatos de viajantes que reforçam a idéia dos “perigos” que existem na natureza e a
importância dos homens “intervirem” para modificá-la, humanizando-a. Transformando-a em
produto da cultura humana.
Herdeiros que somos do pensamento iluminista que impregnou a filosofia ocidental de
base judaico-cristã, tudo que estiver ligado ao mundo natural, é visto de acordo com esta
lógica de dominação/destruição/subjugação. Por isso os animais, as espécies vegetais e os
minerais devem servir aos interesses humanos e quando se colocam como empecilhos ao
avanço da civilização, devem e podem ser eliminados. Nestes casos, até mesmo as sociedades
humanas que não comungam desses princípios são vistas como parte desse mundo natural e
ao resistirem às transformações impostas pelo avanço do progresso e da modernização,
também são colocadas na lista do que deve ser eliminado. Neste rol estão incluídas as
sociedades indígenas, coletoras, caçadoras, extrativistas.
Keith Thomas em O Homem e o Mundo Natural (1988), ao analisar a relação do
homem com o mundo natural na Inglaterra no período de 1500 a 1800, chama a atenção para
o predomínio do homem sobre o mundo animal e vegetal, que foi “afinal de contas, uma pré-
condição básica da história humana”.
Segundo Thomas a passagem da Inglaterra da vida rural, da natureza selvagem, para o
domínio da agricultura e a domesticação do mundo natural foi resultado da limpeza das
florestas, do cultivo do solo e da conversão da paisagem agreste em terra colonizada pelo
homem. Esta era uma premissa básica da Inglaterra da época Tudor.
Para os ingleses de então, a preservação artificial dos cumes incultos teria parecido tão
absurda como a criação de santuários para pássaros e animais selvagens que não podiam ser
comidos ou caçados (Op. Cit., p. 17).
Warren Dean, em A ferro e Fogo. A História e Destruição da Mata Atlântica Brasileira
(1996) chama a nossa atenção para essa questão ao questionar-se sobre a pertinência de sua
obra: A história e destruição da Mata Atlântica brasileira.
Por que não tentar escrever a história de uma floresta, de um domínio ameaçado da
natureza, cujo desaparecimento, em sua maior parte, ocorreu numa época histórica?
Será possível uma história da floresta? Talvez não. A história tradicionalmente trata
de ambições, satisfações e frustrações humanas. Como pode haver um relato da
“história” de outras espécies quando, devemos supor, suas ações careciam de
qualquer outra intenção além de procriar e sobreviver? Seria mais cômodo afirmar
que outras espécies nessa planície sombria não podem desempenhar qualquer papel
no teatro da história humana salvo o de cenário, mesmo quando a peça é sobre a
96
Como esclarece Thomas (1988), desde os tempos dos anglos saxões, a Igreja cristã na
Inglaterra colocou-se contra o culto das nascentes e dos rios. As divindades pagãs do bosque,
da corrente e da montanha foram expulsas, deixando assim desencantado o mundo, e pronto
para ser formado, moldado e dominado.
Para Marx (1979), não foi a sua religião, mas o surgimento da propriedade privada e da
economia monetária, o que conduziu os cristãos a explorar o mundo natural de uma forma que
os judeus nunca fizeram. A esse processo ele denominou de “a grande influência civilizadora
do capital”, que finalmente desencantou o mundo.
A exploração do meio natural é muito antiga. Os antigos romanos a praticavam de modo
mais eficaz que os seus sucessores medievais cristãos. Muitos países cuja religião prega o
culto à natureza e o respeito a todos os seres vivos, como é caso do Japão e da Índia não
ficaram imunes à poluição industrial e a destruição ambiental. Neste sentido, parece que a
assertiva de Marx sobre o conflito de interesses entre a expansão do capital e a preservação
ambiental é mais consistente que apenas o mito judaico-cristão, embora não se possa negar o
peso que este teve e ainda tem na formação das mentalidades.
O utilitarismo econômico conduziu-nos e continua nos conduzindo ao caos, acelerando
a entropia, é preciso frear esse movimento e ter em conta que o viver não pode ser reduzido à
utilidade, à economia, a homeostasia, à adaptação, embora comporte todas estas dimensões. O
viver faz eclodir não a racionalidade, mas toda a concepção fechada da racionalidade. Ou seja,
o viver nos leva a uma idéia de totalidade que comporta o não-dito, o não-visto, o não-aceito,
a não-verdade, o não-real, porque a Verdade como é entendida pelos cânones tradicionais do
pensamento científico e que em maior ou menor grau fomos conduzidos a crer, não existe,
embora haja sempre uma verdade que aceitamos e acatamos, porém ela é e será sempre
provisória.
A ligação entre os homens e os deuses, entre o sagrado e o profano, sempre marcou
todas as culturas humanas, regulou a vida social, deu sentido a vida e a morte, e às diferenças.
Os cultos dos povos antigos que habitavam a Europa continuaram alimentando o imaginário
das populações e a dominar corações e mentes na esfera do encantado, do mágico, das lendas
do misterioso, mesmo após o cristianismo se tornar hegemônico e Roma impor sua férrea lei.
Essas crenças sobreviveram como algo proibido, coisas demoníacas, sempre praticadas em
segredo, mas foram cruciais para que a natureza se mantivesse presente no imaginário social
97
como fonte primordial da vida. É ela a Grande Deusa, que mesmo perseguida continuou
presente alimentando o universo simbólico de várias culturas e, neste sentido, sendo
defendida.
O culto moderno do progresso – a dominação do masculino sobre o feminino, a razão
contra a emoção, a força contra a sensibilidade, reinterpretou conforme seus interesses
práticas ancestrais de dar e receber.
Ao re-visitar as obras de Marcel Mauss, (Mauss, 1974), sobre prestação, dádiva e
potlach, e entendidos os seus significados simbólicos numa visão não reducionista e
etnocêntrica, encontramos algumas pistas explicativas para as formas de dádiva e potlach
típicas de nossa moderna sociedade ocidental, cujo entendimento foge geralmente das
chamadas evidências analíticas. Bem como podemos apreender a complexidade contida nestas
instituições sociais mediadas pela magia. Ao analisar a obrigação de dar e a obrigação de
receber Mauss esclarece:
A obrigação de dar não é menos importante; seu estudo poderia fazer compreender
como os homens se tornaram permutadores. (...) Recusar-se a dar, deixar de
convidar ou recusar-se a receber equivale a declarar guerra; é recusar a aliança e a
comunhão. (...) o donatário tem uma espécie de direito de propriedade sobre tudo
aquilo que pertence ao doador. Esta propriedade exprime-se e é concebida como um
vinculo espiritual.
(...) E todas essas instituições exprimem unicamente um fato, um regime social, uma
mentalidade definida: é que tudo, alimento, mulheres, crianças, bens, talismãs, terra,
trabalho, serviços, ofícios sacerdotais e postos é matéria de transmissão e
retribuição. Tudo vai-e-vem como se houvesse uma troca constante de uma matéria
espiritual compreendendo coisas e homens, entre os clãs e os indivíduos, repartidos
entre as categorias, sexos e gerações (op.cit., p.57-59).
de Morin “espantoso”. Vemos o que não vemos e não vemos o que pensamos que vemos, eis
o que é realmente espantoso! Somos fruto de nossa imaginação, de nossos devaneios, de
nossa capacidade de abstração, mas como alerta Morin (1989), a comunidade da ciência
continua a alimentar e a alimentar-se de um mito comum sobre o papel e a fecundidade da
ciência na sociedade humana e este mito hoje está extremamente doente.
mitos, quer seja criando outros explicativos do caos por ela gerado, das desordens de toda a
espécie, dos conflitos generalizados, da violência instituída, das crises cada vez mais agudas e
presentes na nova ordem social. Estes registros re e retro-alimentam os espíritos e a própria
sociedade de suas carências vitais: sua idealização, sua aura imaginaria, sua subjetividade.
Uma vez registradas na memória do grande computador social e individual, as marcas
culturais não se apagam, pois o imprinting nos torna incapazes de vermos uma coisa diferente
do que ele nos mostrou. É exatamente a partir desses imprintings emanados dos padrões
culturais básicos das sociedades ocidentais, embasados na racionalidade científica, que os
mitos por ela engendrados são fixados na memória coletiva e individual como não míticos,
como decorrentes do processo de desenvolvimento racional desta, recebem o corolário da
Razão.
O progresso, entendido como o elemento basilar das sociedades ocidentais modernas, é
assimilado como condição sine qua non do desenvolvimento das mesmas, os resultados das
ações feitas em nome do progresso, mesmo que seus efeitos sejam nocivos, ou que não se
tenha garantias das conseqüências para a vida humana e equilíbrio do planeta, acabam sendo
codificados como necessários, como o preço a pagar.
O progresso, materializado nos avanços tecnológicos e o desenvolvimento são
apresentados como comprovações do êxito da racionalidade científica, do avanço do
capitalismo e da técnica, na verdade são os mitos da modernidade, pois camuflam nesse
ideário de progresso e de um modelo de desenvolvimento que beneficia algumas sociedades
em detrimento da destruição, desagregação e miséria de outras, a desordem planetária, o
desequilíbrio ambiental, a destruição de ecossistemas inteiros, além de nos aproximar da
chamada ameaça “damoclênica” (Morin, 1993) que paira sobre o nosso planeta. Isto sem
mencionar os perversos contrastes entre as regiões desenvolvidas e ricas e as partes pobres e
espoliadas da Terra, com seu cortejo de miseráveis e famintos.
O avanço da ciência e da tecnologia nestes dois últimos séculos levou ao abandono e
rejeição de velhos dogmas e de antigas verdades. O avanço tecno-científico conseguiu proezas
incríveis, muitas consideradas ficção científica até pouco tempo, como prolongar a vida, criar
vida artificialmente, desvendar aos poucos os mistérios da herança genética através da leitura
de nosso DNA, a clonagem de seres, o avanço dos estudos, pesquisas e produtos na área da
nanociência e da nanotecnologia entre outras conquistas. O conhecimento e a ciência não
param.
O homem semideus projeta-se no cosmos em busca de novos conhecimentos, de outras
formas de vida e de outros mundos, aguçando dessa forma o imaginário humano para além do
102
arco-íris. Se este processo destronou velhos deuses e mitos, desencantou o mundo, como
afirmou Max Weber (1970), a respeito da modernidade, por certo criou outros em seu nome e
está sendo vencido por estes novos seres míticos que povoam a idéia de modernidade formada
na tríade desenvolvimento/técnica/indústria.
O imaginário e o mito estão presentes em todos os âmbitos da vida social, são os cernes
da produção cultural, tanto nas chamadas sociedades modernas como nas tradicionais, não
importa como tentemos travesti-los, por isso Morin afirma que “tão importantes quanto à
técnica para a humanidade são a criação de um universo imaginário e a multiplicação fabulosa
dos mitos, crenças, religiões; o desenvolvimento técnico e racional, de resto, mostrou-se, até
hoje, muito pouco apto a eliminá-los” (2002, p.41-42).
Homo sapiens, faber, demens, ludens e mythologicus esta é a nossa realidade, não
podemos negar todas essas dimensões que dão sentido a nossa existência e produzem
conhecimento, cultura. Somos produto e produtores de idéias e de coisas, a distinção decorre
apenas do tipo de matéria de que são constituídas, mas tudo ao nosso redor é explicado
através de signos e retido e retransmitido neste âmbito.
Creio que estas reflexões nos auxiliarão a discutir e compreender o papel e os desafios
que o professor de Sociologia terá que enfrentar na formação da consciência critica de seus
educandos, se quisermos inverter essa lógica ilógica que justifica os desastres ambientais, a
miséria, a pobreza, as guerras, a intolerância para com o outro em nome do progresso, do
desenvolvimento, da modernização. É de sua responsabilidade questionar o paradigma
reducionista que nos vê como máquinas pensantes, mesmo que complexas, a partir da
premissa de que não somos similares a uma máquina – novamente a metáfora do relógio
newtoniano -, somos humanidade.
A educação, qualquer que seja o conceito que empreguemos para definir o que seja
educação26, ocorre numa sociedade concreta, num processo de interação e relação social e de
certo será o reflexo dos valores desta sociedade, ou seja, educar é, em última instância,
preparar o indivíduo para a vida grupal, para viver em sociedade. É socializá-lo, inculcar os
valores sociais básicos para que haja continuidade do grupo. Neste sentido, é um poderoso
veículo de manutenção do “status quo”, mas também pode ser um veiculo de transformação
26
Existem inúmeros conceitos de educação, que variam conforme a perspectiva teórica de quem o formula, bem
como do contexto social a que se refere.
103
social, de mudança, pois através do processo educativo podemos questionar ou não o modelo
de sociedade vigente e inculcar novos valores nos educandos visando à construção de outra
sociedade, ou de outro modo de vida, no caso aqui em discussão, um modo de vida embasado
em um paradigma que não dissocie cultura e natureza e busque o reequilíbrio ambiental do
planeta, que fortaleça o nosso compromisso para com os outros e não se baseie na
intolerância, no individualismo, no consumismo e no desperdício.
Podemos a partir da educação questionar o modelo vigente e inculcar novos valores nos
educandos visando à construção de outra sociedade, ou de outro modo de vida, mas que em
última instância ainda é a mesma, embora “reformada”, “transformada”. Podemos denominar
este processo de educação de “inovadora” e até mesmo, em alguns casos, de “revolucionária”,
pois visa formar um novo homem, seja lá o que isso quer dizer.
Mas se a educação é um processo social, dependerá de uma série de outros processos
sociais para que possa se realizar plenamente para que atinja seus objetivos e com isso
acabamos dando uma volta sobre nós mesmos e voltamos a refletir sob a inspiração de E.
Durkheim:
Quando se estuda històricamente a maneira pela qual se formaram e se
desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião,
da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das
indústrias, etc. Separados de todas essas causas históricas, tornam-se
incompreensíveis. (1973, p. 38)
Paulo Freire, a partir de sua experiência como educador e diante de uma sociedade
ameaçada pelos interesses do capital internacional, elabora uma proposta revolucionária para
a educação, um novo projeto de educação com base em uma pedagogia do oprimido. Uma
proposta interdisciplinar, democrática, construtora de um cidadão participante, consciente.
Freire estava mudando radicalmente os métodos e a visão do ensino enclausurado em
disciplinas estanques, estava propondo um novo sentido para o conceito de educar.
A proposta de Paulo Freire era a de um projeto de educação democrática que buscava
pensar o projeto escolar além das tradicionais práticas e normas pedagógicas. Baseado em
experiências concretas de sua práxis, Freire em Pedagogia do Oprimido (1975), traz o relato
de sua experiência como educador, de um projeto de desenvolvimento tendo a educação como
alavanca, mas voltado para os excluídos do sistema, pois não haverá desenvolvimento sem a
participação de todos, ou seja, sem democracia.
Democracia implica em soberania, mas como construir a nossa soberania quando nossas
riquezas são solapadas para satisfazer a ganância de um modelo econômico perverso e
destruidor, que paradoxalmente prega o regime democrático? Como ser soberano quando
104
banqueiros internacionais ditam a regra do jogo? E o que dizer dos interesses de Washington
e seus aliados que criam, conforme necessitam, inimigos do dia para noite e solapam culturas
e povos em guerras artificiais, apenas por interesses de grupos econômicos e estratégias
políticas?
Essas questões envolvem também o projeto escolar, desafiam os que fazem à educação
no país. É preciso construir a soberania dos pobres para que possamos nos fortalecer enquanto
grupo social, enquanto nação, enquanto pessoas, enquanto seres humanos. É preciso construir
a sociedade que queremos, e não copiar modelos falidos que nos são apresentados como
soluções.
Na verdade o desafio é de início para o próprio professor, pois este também é produto
da sociedade onde vive e da qual se nutriu de valores similares aos de seus educandos.
Também ele é fruto de uma sociedade utilitarista, imediatista e individualista e não raro
carrega uma visão dicotômica da relação sociedade/natureza.
Pensar nos desafios que o professor de Sociologia terá de enfrentar para que sua
disciplina possa levar estes questionamentos para a sala de aula, envolve o problema dos
conteúdos, as estratégias de transmissão do conhecimento, os recursos de aula, o diálogo com
outras áreas de conhecimento e mesmo o estranhamento e a desnaturalização que devem
decorrer do ensino da Sociologia e isto nos leva a pensar na formação profissional. Estas
questões tem sido objeto de discussão e aprendizado? Como os cursos de licenciatura em
Ciências Sociais e/ou Sociologia têm se envolvido e contribuído com a questão? A formação
para o magistério tem sido uma preocupação?
Marcos Reigota (1999) em A Floresta e a Escola por uma educação ambiental pós-
moderna, levanta uma série de questionamentos sobre os desafios à educação que me parecem
bem pertinentes ao tema deste artigo e que dizem respeito a discussão acerca da relação
sociedade e ambiente. No fundo a questão se resume em como o professor de Sociologia pode
e deve incluir a temática em suas discussões na sala de aula, sem que esta fique artificial e
pontual. Para que se transmita um pensamento critico é preciso que o professor esteja apto e
isto requer uma re-educação do docente. Requer sem dúvida uma quebra de paradigmas.
É papel do professor difundir o princípio de que somos, como afirma Morin (1989),
vivos humanos. Vivemos a vida vivendo a nossa vida. Trazemos em nossa corda hereditária a
história da humanidade e da própria Terra. Pulsa em nós os ventos que sopraram durante
bilhões de anos a poeira cósmica que deu origem à vida. Somos, portanto, seres cósmicos. Há
uma poética que nos envolve desde a origem, que nos explica e que nos define, que traduz o
sentido de humanidade, de vida. Não podemos negá-la, nem fugir dela.
105
Referências
DEAN, W. A ferro e Fogo. A História e Destruição da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo:
Cia. das Letras, 1996.
DURKHEIM, Émile. A Educação como processo socializador: Função homogeneizadora e
Função diferenciadora. In: PEREIRA, Luiz e FORACCHI, Maria Alice (Orgs.). Educação e
Sociedade. 6ª. Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
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LEVI-STRAUSS, Claude. História de Lince. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
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nova ecologia. São Paulo: Nobel, 1988.
THOMAS, K. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970.
106
27
Doutor em Educação Brasileira pela PUC – Rio, professor de Ensino de Ciências Sociais do Instituto de
Educação da UFRRJ e Professor do PPGEDUC – Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares da UFRRJ.
28
Doutorando em Serviço Social pela UERJ e professor de Sociologia do IFRJ - Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - Campus São Gonçalo.
107
dos alunos. Nessas pesquisas sobre a formação de professores, busca-se compreender como se
dá a aquisição dos saberes que os profissionais carregam e constroem. Vejamos as
formulações de dois autores.
O primeiro é Maurice Tardif (2000 e 2004) que, partindo da perspectiva de que a
subjetividade do professor é essencial na condução do processo educativo, afirma que o
professor possui saberes que são plurais e oriundos da prática e da formação científica e
profissional. Segundo o autor, essa perspectiva, se negligenciada, nos faz míope diante do
entendimento de que o professor é um agente estratégico na grande missão educativa da
escola.
O professor não é um agente passivo que aplica teorias e conhecimentos feitos por
outros especialistas. Pelo contrário, ele é um sujeito ativo que produz saberes, que assume na
prática uma ação significativa construída por ele. Produzindo seu saber, a partir de
experiência pessoal e da prática de ensino, ele constrói competências e desenvolve novas
práticas e estratégias de ação. Consequência dessa perspectiva é o repensar as relações entre
teoria e a prática e o modelo da racionalidade técnica. Esta racionalidade, quando concebe que
os saberes são produzidos somente na teoria e que cabe à prática somente aplicá-la, indica a
não compreensão das lacunas e das dificuldades encontradas nas experiências de sala de aula
e que provavelmente entrará no rol das explicações de que o professor é o responsável pelo
baixo aprendizado de seus alunos.
O professor António Nóvoa (1995 e 1999) elabora uma perspectiva semelhante,
afirmando que as situações que os professores enfrentam e resolvem apresentam
características singulares, exigindo, portanto, respostas únicas. Ele também demarca que o ato
de educar sempre se revestiu pela complexidade e de margens significativas de
imprevisibilidade e que essas características são ainda mais marcantes nos dias de hoje,
devido à presença na escola de crianças e adolescentes de todas as origens sociais e culturais.
Conclui-se, portanto, que um elemento essencial dos debates contemporâneos sobre a
identidade docente é a afirmação de que as zonas indeterminadas da prática se encontram no
cerne do exercício profissional docente.
A segunda linha de pesquisa vai focar a questão do currículo. Herdeiros das elaborações
das teorias críticas, alguns autores concebem as categorias conhecimento escolar e cultura
escolar, como um conhecimento com conformação própria, recontextualizado a partir de
necessidades da ação educativa. Neste sentido, as categorias cultura escolar e conhecimento
escolar são operadas para estabelecer a possibilidade de se considerar a didática em suas
articulações com o contexto sociocultural e com os saberes científicos. Isto implica considerar
113
esta mesma realidade, compreendendo-a como relações sociais e não como práticas
individuais.
Assim, não podemos cometer equívocos no sentido de que a seleção de conteúdos seja
descolada do contexto social em que os estudantes estão inseridos, já que um aspecto
importante para o início de um Letramento sociológico é ter a compreensão de que é
necessário aprender uma perspectiva específica deste campo de conhecimento, mas que ele
faça sentido na realidade social dos estudantes. Ou seja, ou os conteúdos sociológicos
selecionados dão sentido ao mundo, ou eles não têm sentido nenhum. É o que denominamos
em didática de aprendizagem significativa.29
Assim, os conteúdos de Sociologia precisam ser articulados entre a identificação da
linguagem sociológica e a forma de ver a realidade por parte dos estudantes que, tanto numa
quanto noutra, podem ser comparados como a manhã, que, como no poema de João Cabral de
Melo Neto, se perfazia pelo “entrelaçamento de muitos galos”, ou seja, a leitura sociológica
do mundo parece se constituir ao mesmo tempo como um ato individual e coletivo.
A avaliação da aprendizagem tem se constituído no campo da educação numa das
grandes polêmicas atualmente, e tem passado por grandes transformações, muito mais no
aspecto das reflexões teóricas do que no aspecto real da prática de ensino.
A partir da reflexão anteriormente descrita sobre uma concepção de ensino, onde a
avaliação é percebida como puro resultado da técnica pedagógica, se constata ainda as
grandes dificuldades desta tarefa docente no campo do ensino de Sociologia, pois tendo como
referências uma cultura de avaliação escolar pautada por uma concepção de controle e
classificatória, as possibilidades de uma concepção de avaliação mais formativa e diagnóstica
requerem algumas considerações práticas e teóricas.
Quando um professor de Sociologia entra para o magistério, encontra muitas vezes uma
cultura de avaliação estabelecida na perspectiva de criação de hierarquias de excelência. A
avaliação faz com que os alunos sejam comparados e classificados em virtude de uma norma
de excelência, definida no absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos.
Neste caso ela é um fator a serviço da seletividade.
Esta cultura de avaliação, de certa forma, se reflete em depoimentos e experiências de
professores de Sociologia em diversos cantos do país. São os casos, por exemplo, em que se
observa muita competitividade entre estudantes, alimentando, por sua vez, a concepção entre
29
Segundo Kleiman (1995), “Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam
a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos
específicos”. Nessa concepção, letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas
práticas são postas em ação, bem como as conseqüências delas sobre a sociedade.
117
eles de que aprender é passar de ano com uma nota boa ou suficiente. Junta-se a esse cenário a
pressão da própria escola em adotar provas e testes como parâmetro único de avaliação,
práticas sistemáticas sempre cobradas depois em conselhos de classe. Entretanto, o maior
desafio é quando os próprios estudantes não compreendem – e às vezes não aceitam –, uma
avaliação processual e diagnóstica, pois estão habituados a um esquema hierárquico de
avaliação desde os anos iniciais de escolaridade. Há também aquelas situações em que o
professor encontra estudantes com sérias defasagens de leitura, escrita e procedimentos de
estudos limitados à repetição do que está escrito em um texto, ou escrito no quadro de giz
pelo professor.
A Sociologia no Ensino Médio exige certo grau de abstração, pois envolve a
compreensão de uma forma de pensar e explicar o mundo. Neste sentido, o processo de
avaliação deve levar em conta que a compreensão de um modo de pensar em Sociologia não
pode se basear na repetição de algumas definições. O enunciado de uma prova nos diz
unicamente que o estudante que a faz é capaz de lembrar com precisão a definição, mas não
permite averiguar se foi capaz de integrar este conhecimento em suas estruturas
interpretativas. E mais, a pura definição conceitual – importante no ensino de Sociologia – é o
resultado de uma compreensão muito simplista de aprendizagem que, de certo modo, assume
que não existe nenhuma diferença entre expressão verbal e compreensão. Portanto, as
atividades de avaliação mais adequadas para conhecer o grau de compreensão dos conteúdos
conceituais não podem ser simples.
Uma das formas para a perspectiva formativa e diagnóstica de avaliação em Sociologia
é a observação do uso de cada conceito, noções ou princípios em diversas situações e nos
casos em que os jovens utilizam em suas explicações espontâneas. Neste sentido, a
observação dos conceitos em trabalhos de equipe, debates, exposições e, sobretudo, diálogos,
seriam as melhores fontes de informação para a avaliação da aprendizagem. Em outros
termos, se o que queremos da aprendizagem de conceitos é que os jovens estudantes sejam
capazes de utilizá-los em qualquer momento ou situação que os mobilize para tal, teremos que
propor atividades que não consistam numa explicação do que entendemos sobre os conceitos,
mas na resolução de conflitos ou problemas a partir do uso dos mesmos.
Entretanto, como afirmamos na proposição sobre a seleção de conteúdos, essa
perspectiva não pode ser pensada como um momento isolado. A avaliação representa uma
dimensão técnica e política. Mas, enquanto ato político, a avaliação deve levar em
consideração a realidade social, econômica e cultural da escola e dos alunos. É preciso levar
em consideração o cotidiano escolar e a sala de aula, que são constituídos pela
118
30
No mês de maio de 2012 foi fundada no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais
– ABECS. Esta associação tem como um de seus principais objetivos agregar profissionais das universidades e
professores da Educação Básica para promover discussões políticas, acadêmicas e pedagógicas acerca dos
desafios do ensino de Sociologia no Ensino Médio, constituindo-se de fato enquanto coletivo nacionalmente
estruturado e capaz de ampliar a legitimidade da Sociologia nesse nível de ensino.
120
Referências
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nº 5 e 6, mai/dez 1997, p. 222-231.
FORQUIN, Jean C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. In: Teoria &
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SILVA, Ileizi Fiorelli. A Imaginação Sociológica: desenvolvendo o raciocínio sociológico nas
aulas com jovens e adolescentes. (Experiências e Práticas de Ensino). Roteiro apresentado no
minicurso do Simpósio Estadual de Sociologia, promovido pela Secretaria de Estado de
Educação do Paraná, nos dias 20 a 22 de Junho de 2005, em Curitiba-PR.
TARDIF, M. e RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério.
Educação e Sociedade. Campinas: Vol. 21. Nº73, dez. 2000, p. 209-244.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2004.
TOMAZI, Nelson Dacio. Entrevista. Revista eletrônica Inter-legere. Nº 03, jul/dez, 2008.
Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/revista/pdf/3/db02.pdf.
121
Apresentação
31
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista CAPES. Membro do Grupo
de Pesquisa Educação, Cultura e Cidadania (Unioeste). E-mail: ligiaweras@hotmail.com
32
Doutora em Sociologia PPGSA/IFCS/UFRJ. Professora do DCSO e dos Programas de Pós-Graduação em
Ciências Sociais (PGCS) e em Letras (PPGL) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista
Sênior Cátedra IPEA/CAPES. E-mail: miglievich@gmail.com.br
33
Relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Edição 2000, 2003, 2006 e 2009.
Disponível em <www.inep.gov.br/internacional/pisa> Acesso em fevereiro de 2012.
34
Países participantes da avaliação: Argentina, Alemanha, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Brasil,
Bulgária, Canadá, Chile, Colômbia, Coréia, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Eslováquia, Espanha, Estados
Unidos da América, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hong Kong - China, Hungria,
Indonésia, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Jordânia, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macau
- China, México, Montenegro, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Catar, Quirguistão,
Reino Unido, República Tcheca, Romênia, Sérvia, Suécia, Suíça, Tailândia, Taipei - China, Tunísia, Turquia,
Uruguai, Albânia, Cazaquistão, Cingapura, Dubai (Emirados Árabes Unidos), Panamá, Peru, Trinidad e Tobago,
Xangai, China.
35
No Brasil há dois sistemas complementares de avaliação da Educação Básica (SAEB) e um específico para a
avaliação do Ensino Médio (ENEM), todos coordenados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
Educacional Anísio Teixeira (INEP) e o Ministério da Educação (MEC). Os dados coletados geram índices sobre
o desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no Brasil: a) Avaliação Nacional da Educação Básica (ANAEB)
aplicada a uma amostra de alunos da educação pública e privada que estão cursando o 5º e o 9º ano do Ensino
Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio; b) Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANAESC)
censitariamente aplicadas aos alunos da rede pública e privada de ensino que estão no 5º e o 9º ano da Educação
Básica. As provas são aplicadas a cada dois anos e avaliam as habilidades interpretativas dos alunos ligadas às
áreas de Língua Portuguesa, Matemática e questões socioeconômicas; c) ENEM – Exame Nacional do Ensino
Médio, realizado anualmente, que além de avaliar o sistema e a qualidade do Ensino Médio é contemplado por
algumas Instituições de Ensino Superior Públicas (IES) do Brasil como sistema de ingresso de estudantes para o
ensino superior. Disponível em: < www.inep.gov.br>. Acesso em maio de 2012. Para objeto restrito desse estudo
elegemos o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) para análise dos limites e da formação
do letramento científico e as possibilidades de se pensar o aprendizado científico no Ensino de Sociologia no
âmbito escolar.
122
No extenso relatório que compõe os resultados de cada edição do PISA, pode-se coletar
indicadores sociais que relacionam a produção do conhecimento e dos saberes escolares aos
aspectos demográficos e socioeconômicos. Também sobre a motivação dos alunos em face do
aprendizado uma vez que se busca registrar a percepção do estudante acerca de si mesmo no
processo de aproximação das ciências. As competências avaliadas conjugam as áreas pessoal,
social e global e, por fim, científica. A cada triênio, a avaliação elege uma ênfase temática
dentre as três áreas avaliadas: leitura, matemática e ciência. Para a produção desse artigo,
detemo-nos nos dados gerais coletados das edições PISA realizadas de 2000 a 2009 e, mais
123
detidamente, examinamos a edição PISA 2006, que trata do aprendizado “sobre Ciência e
para a Ciência”, conforme se pode ver no quadro que segue:
EDIÇÕES PISA – ÊNFASE TEMÁTICA
Ano Área Temática – Ênfase Análise
2000 Leitura
2003 Matemática
2006 Ciência
2009 Leitura
Tabela 1 – Fonte: PISA em Foco. Inep (2012). In: www.inep.gov.br
resolver problemas escolares que trarão desdobramentos negativos nas dificuldades e histórias
de insucesso também na vida adulta. Por isso, aprender é mais do que o acesso a um conjunto
de conteúdos, requer envolvimento – dos sentidos e significações - com as matérias, os
colegas, o entorno social e consigo mesmo no processo de construção do conhecimento.
Requer motivação para a criatividade e para a ousadia.
No perfil dos estudantes que apresentavam “afinidade com relação ao ensino de
ciências”, pôde-se notar um elemento emocional na produção desse gosto pela ciência: a)
gostam de conhecer o novo e divertem-se com a aprendizagem; b) associam a aula ao
cotidiano, não a apartando da sua vida; c) há prazer na construção do conhecimento.
Os alunos que apresentam um perfil voltado à formação científica percebem que a
habilidade da leitura e da escrita são importantes para o desenvolvimento da aprendizagem.
Também não é gratuito, mas esperado, que aqueles cujos pais que estão na carreira científica
são mais facilmente instigados. Quanto às formas pelas quais os jovens utilizam seu tempo
livre para saber sobre ciência, a maioria aponta a TV, o jornal, as revistas, o rádio como
canais privilegiados de acesso ao mundo da ciência. Um total de 96% dos estudantes
avaliados não frequenta “clubes de ciência” com regularidade e o acesso à ciência se dá
normalmente, na sala de aula e/ou por meio de outras mídias.
Um perfil curiosamente identificado foi o caso de escolas de filhos de imigrantes. Neste
caso, pôde-se perceber um gosto pelo diferente, “um diferente de mim com quem posso
aprender e desenvolver a curiosidade pelo novo (costumes, práticas, conhecimentos)”, mas
também um medo, ”o estrangeiro tem o domínio de um conhecimento diferenciado, estranho
e distanciado, que me inibe e distancia nossos mundos” O desafio, portanto, está em se
despertar a primeira atitude ao invés da segunda.
Com relação aos dados contextuais aplicados às competências de aprendizado sobre as
ciências, podemos partilhar algumas problematizações:
a) Há o reconhecimento do interesse e da importância, que os alunos atribuem à
ciência, porém os efeitos com relação à formação das atitudes são muito frágeis que
inibe a construção de mudanças sociais e educacionais. Perguntamos: podemos
tornar o interesse pela ciência mais consequente na construção da
personalidade do educando?
b) A distância dos conteúdos científicos e a vida é algo preocupante. A experiência
escolar está dissociada da formação de um agente transformador em exponencial.
Perguntamos: Os alunos confiam mais nas tecnologias do que em sua própria
capacidade para a mudança?
c) Existe um gosto um tanto indefinido pela ciência, porém, nem todos parecem ter
a mesma a mesma percepção do que seja efetivamente a ciência, do lugar dela na
sociedade, das atitudes dos cientistas e de como são afetados por seus inventos em
sociedade. O letramento se depara com a necessidade do aluno dialogar criticamente
com essa ciência e os seus resultados em seu espaço social. Perguntamos: o gosto
pela ciência é cultivo apenas de uma minoria?
125
impeditivo para o desenvolvimento de um gosto nos alunos pela descoberta científica e pela
construção conhecimentos diante de desafios práticos.
A Sociologia como ciência que surge historicamente ligada a um contexto de
emergência do conhecimento científico, como herdeira do advento da modernidade e
convidada constantemente a explicar os efeitos da sociedade moderna, dentre eles a
racionalidade, a cientificização da vida, sobre o conjunto de experiências que interferem na
organização desta sociedade e na conformação dos comportamentos humanos, também
participa da constituição de um letramento científico. Até mesmo a crise da modernidade com
a percepção dos efeitos perversos da cientifização do mundo não é menos carente de
compreensão do que quando se tinha no progresso científico todas as apostas humanas.
A trajetória intermitente da sociologia nos currículos da Educação Básica (Moraes,
1989 e 2011), (Silva, 2007, 2008 e 2011), traz problemas graves para sua inserção na escola,
mas também possibilidades inéditas, tal como a que aqui postulamos acerca de sua
participação na construção do letramento científico almejado pelo PISA. A chance do aluno
pensar sua biografia e seu cotidiano relacionados a outras esferas a ele mais abstratas tais
como a sociedade, seu passado, presente e futuro, sobretudo, não tomando o conhecimento
como dado, mas como produzido e dotado de sentido, que as pessoas atribuem a este e supõe
o exercício da “imaginação sociológica” (Mills, 1975), numa percepção que o inspire à
desconstrução e ao estranhamento36 (Moraes, 2011) das visões mais fatalistas do senso
comum que vêem o mundo como imutável.
A perspectiva de um aprendizado científico a partir da Sociologia apresenta dois
desafios: a) apresentar ao aluno que é necessário compreender e problematizar a gênese dos
fenômenos sociais de modo que apreendam a dinâmica das estruturas, dos processos e de si
mesmos nas configurações societárias; b) expor ao aluno que este se torna sujeito do
conhecimento na medida de sua própria socialização na produção de conhecimentos e de
sentidos para os mesmos, sentidos estes em aberto, indefinidos, portanto, possibilidades e
oportunidades.
O momento da Sociologia nas escolas coaduna-se, pois, com a necessidade emergente
desta mesma escola exercitar a reflexividade, de modo a propor novos parâmetros para um
“novo letramento da vida escolar”, em que coexistam letramento científico e letramento social
(daí que o letramento científico em seu sentido pleno será também viável) mediante formas
36
Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio – OCNEM. Ciências Humanas e suas tecnologias.
Brasília: MEC, 2006. In: MORAES, Amaury César, GUIMARÃES, Elisabeth da Fonseca. Metodologia de
Ensino de Ciências Sociais: relendo as OCNEM – Sociologia. Coleção explorando o Ensino. Ministério da
Educação, 2011.
127
37
Vide discussões e experiências sobre temas e metodologias de Ensino de Sociologia voltadas à Educação
Básica em: XV Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Curitiba: UFPR, 2011. XIII
Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. XIV Congresso
Brasileiro de Sociologia. GT 09 – Ensino de Sociologia. Recife: UFPE, 2007. Disponíveis em:
www.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de 2012. I Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na
Educação Básica. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. 2º Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação
Básica. Curitiba: PUC, 2011. Disponíveis em: < www.educacaobasica.sbsociologia.com.br>. Acesso em maio de
2012.
128
Meio-Ambiente e Sociedade
Violência
Tabela 2 – Compilações produzidas a partir das discussões e experiências sobre o Ensino de Sociologia
(Congresso Brasileiro de Sociologia- 2007, 2009 e 2011 e Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia
na Educação Básica – 2009 e 2011).
Ainda observando o conjunto dos dados do relatório PISA 2009, notam-se desafios
inúmeros tendo em vista, um maior êxito em futuras avaliações. Não é mera coincidência que
tais desafios e seus temas relacionam-se francamente aos conteúdos da Sociologia que retorna
em necessário momento ao currículo escolar:
Disciplina escolar
Classes extra-escolares
O diálogo entre os níveis de ensino: educação infantil, básica, superior e de pós-graduação.
Tabela 6 – Fonte: PISA em Foco. Inep (2012). In: www.inep.gov.br
Considerações finais
problema não é apenas de recursos, mas da forma como os agentes sociais se apropriam ou
não destes. Problematizar a pobreza, o desemprego, o saneamento básico, a fome, a miséria,
as oportunidades sociais e culturais implica em também permitir que a população e os agentes
públicos conheçam e reconheçam esta realidade e negociem sua intervenção nesta.
O letramento, na leitura e/ou na escrita, por tudo que se disse, é mais do que uma
habilidade. É também uma ferramenta para qualificar o desempenho dos estudantes em suas
vivências e na construção de projetos a se perseguir – familiar, relacionamentos, perspectivas
de futuro, atuação mais engajada em causas sociais. Trata-se de criar e inovar situações em
seu cotidiano, ser capaz de resolver problemas, lidar com incertezas e inseguranças modernas,
entender a finalidade das tecnologias e manter-se motivado a uma maior participação na
sociedade. Se isto também o habilita a participar do desenvolvimento tecnológico, há de se
registrar que este não é uma categoria neutra. Necessita ser pensada também dentro de um
princípio ético de formação. Tecnologia para quê?
O relatório PISA é uma dentre as várias ações que expressam uma preocupação sobre a
educação, mas uma afirmação perturbadora no relatório é quando se lê que seus formuladores
admitem que a excelência em educação seja uma meta remota. Não que não estejam certos,
apenas que isto assinala para a gravidade do cenário com que nos defrontamos, não apenas na
realidade brasileira. Fala-se do desafio educacional em distintas partes do globo. Os males
ultrapassam as fronteiras nacionais: problemas ambientais, escassez de alimentos, crise
econômica, danos e lesões morais e psíquicas. A educação ainda é, contudo, um elemento
primordial de formação, de socialização, de preparo do ser humano para não poucos desafios.
A escola apartada do mundo real anula suas potencialidades de inovação e transformação.
Aos docentes-pesquisadores de Sociologia na escola, trazemos a possibilidade de
pensarem seriamente nas epistemologias presentes na escola e em sua sala de aula e como
estas provocam a produção de ideias, sentidos, perspectivas de afinidade com o artesanato
intelectual na interface com a vivência de seus alunos. Por fim, perguntamos se nossos
conteúdos e metodologias favorecem o gosto pela busca do conhecimento, pela pesquisa no
educando, também, se contribuem na sua percepção de sua relevância no mundo, um mundo
em constante tensão e dinamismo. A ciência, não-positivista, reserva a si o privilégio da
dúvida e da transformação. Não há, porém, ciência sem pessoas capazes de fazer uso dela:
sequer falamos dos “cientistas” por ofício, que se um aluno se tornar é, sem dúvida, salutar.
Falamos, porém, de pessoas que em sua vida – a despeito da profissão – são capazes de ler o
mundo e ressignificá-lo na prática.
134
Referências
A toda hora rola uma história, que é preciso estar atento (resistências): a sociologia
torna-se obrigatória no ensino médio no Brasil
38
Professora Doutora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
39
Em 1890, Benjamin Constant sugeriu, pela primeira vez, a introdução obrigatória da sociologia nos cursos
superiores e secundários. A partir deste fato, a disciplina entra e sai dos currículos, até 1996, com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
40
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
137
Cursos de Ciências Sociais, promovidos pelas entidades representativas dos sociólogos, acima
citadas, juntamente com as Universidades de todo País.
Paralelamente a todos esses eventos, os sociólogos se mobilizaram em âmbito nacional,
junto à Câmara dos Deputados e Senado Federal, realizando articulações no Ministério da
Educação-MEC e no Conselho Nacional de Educação-CNE. Houve uma serie de Encontros
Regionais, promovidos pelos Sindicatos Estaduais, nos quais foi discutido o tema da
sociologia no ensino médio e as estratégias de luta para implantação da mesma. Também
foram realizadas inúmeras reuniões junto às Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação.
Em vários estados e municípios brasileiros foram promovidos fóruns de discussão nas
Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, tendo como meta garantir espaços de
discussão sobre o tema.
Buscando não apenas a aprovação da obrigatoriedade da sociologia no ensino médio,
mas também a qualidade do ensino, tanto na graduação dos Cursos de Ciências Sociais como
no ensino médio, nos vários Encontros de Cursos foram discutidos os Cursos de Ciências
Sociais especialmente quanto à formação dos futuros professores de sociologia e nos
Congressos foram apresentadas pesquisas realizadas sobre o tema.
Finalmente a introdução obrigatória da sociologia no ensino médio recebeu parecer
favorável em 200641. Em 2008, a Lei42 foi sancionada pela Presidência da República (Brasil,
2008).
Atualmente várias Universidades realizam cursos de atualização de professores e
criaram laboratórios de ensino de sociologia, preparando, desta forma, professores que
ministram a disciplina no ensino médio, atualizando sua formação teórica e metodológica;
propiciando ao docente a reflexão sobre o estado atual e as perspectivas do ensino da
sociologia no ensino médio.
Quem sabe remar não estranha, vem chegando a luz de um novo dia: a construção do
conhecimento teórico da sociologia para o Ensino Médio
No Rio Grande do Sul, para fazer frente ao desafio que se anunciava com a LDB de
1996 o Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS
decidiu implantar, em 1997, uma disciplina que, junto com os alunos de Ciências Sociais,
41
Através do Parecer CNE/CEB Nº. 38/2006 e da Resolução CNE CEB nº 4, de 16 de agosto de 2006.
42
Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008, a qual determina que “serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como
disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”.
138
desenvolve, desde então, novas propostas de lecionar sociologia para o ensino médio,
refletindo a realidade social. Atualmente a disciplina denomina-se “Sociologia no Ensino
Médio: teoria e prática”.
Teoria no sentido de pensar como o conhecimento adquirido no Curso de Ciências
Sociais transforma-se em rica vertente, sobre a qual o aluno se debruçará para construir o ato
de ensinar sociologia para alunos de escola secundária. Teoria e prática no sentido de entender
como deve ser o ensino da sociologia para jovens que possivelmente não tenham presente a
importância da sociologia para suas vidas.
Na disciplina “Sociologia no Ensino Médio: teoria e prática” discutem-se diversas
questões, entre as quais: a importância da sociologia para o ensino médio, como selecionar
temas para serem trabalhados com os jovens estudantes e a metodologia de ensino. Os alunos
de Ciências Sociais estudam, na graduação, o pensamento dos autores clássicos e
contemporâneos da sociologia, os parâmetros teórico-metodológicos para a construção da
pesquisa social, e se deparam com um problema a resolver: como este cabedal de
conhecimento teórico vai lhes ajudar a ensinar sociologia para alunos do ensino médio? O que
fazer com o conhecimento que adquiriram na Universidade?
Em nossa visão acadêmica a importância da sociologia para o ensino médio é aguçar, no
aluno, o olhar sociológico sobre a realidade social, oportunizando ao aluno de ensino médio
um olhar diferenciado sobre os fenômenos que o cercam em sua vida cotidiana: outra forma
de entender o mundo. Os futuros professores de sociologia poderão oportunizar aos alunos a
construção de uma nova percepção da realidade, a partir da desnaturalização e do
estranhamento sobre esta realidade (OCNs, 2006). Enfim, é necessário realizar uma revisão e
um questionamento da sociologia e das Ciências Sociais em seus fundamentos de ensino-
aprendizagem e de propostas teórico-metodológicas para o ensino médio.
A tarefa que se apresenta como mais promissora, seria contribuir para que os jovens
estudantes do ensino médio venham a desenvolver “a imaginação sociológica”, ou seja,
relacionar história, biografia e as relações de ambas no interior da sociedade (Mills, 1969,
p.10), quer dizer, propiciar o entendimento da relação entre estruturas sociais e as ações dos
sujeitos. Qualquer tema sociológico abordado pode ser trabalhado neste sentido.
Observou-se através de pesquisa sobre a Sociologia no Ensino Médio43, que professores
de sociologia na escola secundária, muitos dos quais não são formados nas Ciências Sociais44,
43
Pesquisa “A Sociologia no Ensino Médio” do qual sou coordenadora.
44
Na pesquisa foi constatado que apenas 15% de um universo constituído por 441 professores de sociologia das
escolas públicas do Rio Grande do Sul eram formados em Ciências Sociais.
139
muitas vezes tendem a trabalhar a sociologia a partir de um dos dois extremos: por um lado
fazem uma abordagem da realidade nacional estudando os “problemas brasileiros” como
temas em si mesmos, correspondendo a uma abordagem jornalística da conjuntura nacional,
por outro lado, realizam uma abordagem puramente conceitual e teórica, sem auxiliar o aluno
a entender a lógica de funcionamento da sociedade, em particular a brasileira.
No primeiro caso, geralmente são trabalhados temas selecionados pelos próprios alunos.
Costumamos dizer, sempre, que os temas, em sociologia não devem ser trabalhados como
temas de “problemas brasileiros45”. Em outras palavras o que se tem visto na prática46 de
muitos professores de sociologia das escolas públicas do Rio Grande do Sul, é que dia após
dia são trabalhados temas diversos, de forma desarticulada, sem relação com um todo
explicativo.
No caso da abordagem teórica e conceitual, os alunos do ensino médio não entendem o
significado da sociologia e para que serve seu estudo, o que foi também comprovado em
nossa pesquisa. Isso acontece, pois não conseguem fazer um link com a realidade em que
vivem. Nestes alunos podemos visualizar dois tipos de postura: eu adoro/odeio sociologia
(Silva Sobrinho, 2007).
Desta forma, os alunos da graduação, futuros professores de sociologia no ensino
médio, enfrentarão os dilemas da produção do conhecimento e do ensino para estudantes que,
por um lado, podem não perceber a importância da disciplina e, por outro lado, tomando
como exemplo a escola pública, vivenciam uma realidade de desigualdade social e, em muitos
casos de violência, de desemprego, de gravidez na adolescência, entre outros problemas
sociais. É importante que os alunos de Ciências Sociais desenvolvam suas aulas de sociologia
contemplando dois níveis: em primeiro lugar precisarão compreender, a partir das teorias
sociológicas clássicas e contemporâneas, a realidade em que os alunos do ensino médio
vivem, e, a seguir, precisarão trabalhar esta realidade, em sala de aula, como temas de estudo.
Então, como fazer para orientar os estudantes do ensino superior na compreensão deste
cenário e como devem interrogar sociologicamente esta realidade a fim de realizar a escolha
dos temas e das metodologias que constituirão seu material do ensino?
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio, de 2006, indicam que para lecionar
sociologia no ensino médio, existem três opções: pode-se começar pelos conceitos, pelos
45
No Brasil, na época da ditadura militar (1964-1980) foi implantada nas Universidades uma disciplina
denominada “Estudos de Problemas Brasileiros” na qual, por um lado, se fazia a apologia ao desenvolvimento
brasileiro e, por outro lado, os temas eram todos tratados de forma desarticulada de um todo explicativo.
46
Informação baseada na pesquisa “A Sociologia no Ensino Médio”.
140
temas ou pelas teorias. Porém, qualquer das opções contempladas, é necessário que os três
aspectos estejam articulados e presentes no ensino da disciplina (OCNs, 2006).
Defendemos que, para ensinar sociologia no ensino médio, os professores desta
disciplina partam, sim, dos temas de interesse dos alunos. Mas estes temas não podem ser
trabalhados de forma linear e fragmentados, sem relação com as teorias que possibilitam o
entendimento destas questões. Os conteúdos das disciplinas que foram ministradas aos alunos
da graduação em Ciências Sociais não podem ser considerados temas (conteúdos) a serem
trabalhados com os alunos da escola secundária. Mas este conhecimento (teorias) deverá se
constituir na base sobre a qual será construída a explicação das questões sociais, sugeridas
pelos alunos para discussão.
De que forma autores como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, e outros como
Wright Mills, Bourdieu, Giddens, Elias, Boaventura de Souza Santos e, no Brasil Octávio
Ianni, entre outros, irão auxiliar na elaboração das aulas a serem desenvolvidas com os alunos
de sociologia do ensino médio?
É importante definir com os futuros alunos do ensino médio, quais são as questões
públicas relevantes e as preocupações-chaves da sociedade da nossa época. Assim os
problemas sociais são construídos enquanto problemas sociológicos, isto é, passíveis de
análise (Mills, 1969, p. 14). A escolha do tema (para pesquisa ou para o ensino) tem um
sentido valorativo (Weber, 1967). Mas, para evitar cair na linearidade e fragmentação dos
temas, a sociologia remete, necessariamente, para a diferença entre questões individuais,
privadas, pessoais, que são perturbações originadas no meio mais próximo, e questões
públicas, sociais, que dizem respeito à estrutura social (Mills, 1969, p. 14). Esta última, por
excelência o objeto da explicação sociológica.
Tomemos, por exemplo, a questão do desemprego.
Num mundo em que o desemprego se torna crucial, realidade vivenciada por muitas
famílias dos jovens adolescentes, e pelos próprios estudantes das escolas secundárias,
perguntar se o desemprego é uma questão social ou individual é um primeiro passo para
estimular a reflexão sobre a diferença destas duas instâncias da vida social. Ensinar os alunos
do ensino médio como identificar a distinção entre os níveis – o individual e o social - e
perceber as características de cada nível, orienta a formulação exata do problema a ser
estudado em sala de aula e possibilita a visualização das possíveis alternativas para sua
solução. A diferença de abordagem se evidencia no fato de que, analisando o desemprego
como uma questão social, necessariamente está se considerando as instituições econômicas,
141
políticas da sociedade e não somente a situação pessoal de alguns indivíduos (Mills, 1969, p.
15).
Voltamos a insistir que, para realizar esta tarefa, é necessário que o aluno de Ciências
Sociais tenha intimidade com as teorias clássicas e contemporâneas e um conhecimento
aprofundado em pesquisa social para, desta forma, subsidiar a análise do cotidiano em que os
alunos da escola secundária estão inseridos e não simplesmente ensinar estas teorias, como
conteúdos em si mesmos. O que aprenderam nas aulas do Curso de Ciências Sociais quanto às
teorias, objeto e método da sociologia serão recursos importantíssimos para que eles mesmos,
os futuros professores de sociologia, possam analisar a realidade em que estão inseridos para,
então, oportunizar aos alunos de ensino médio o exercício da compreensão deste cenário mais
amplo que os cercam. Pois, não é possível orientar como analisar a realidade se nós mesmos
não a compreendemos.
O jeito é criar um outro samba, sem rasgar a velha fantasia (recriando a sociologia): a
construção de propostas teórico-metodológicas da sociologia para o ensino médio
Para qualificar o ensino da sociologia no ensino médio sugerimos seguir um método que
é dialético em sua essência; a metodologia da problematização (Pereira, 2007a, 2007b;
Berbel, 1999). Esta metodologia tem suas raízes em Marx e Gramsci, pois propõe, como
ponto de partida, a problematização da realidade que o aluno vivencia (concreto) busca a
teorização (abstração), momento em que se realiza o confronto entre saberes diferenciados
(senso comum x conhecimento científico), quando então propõe a explicação para os fatos da
realidade, para finalmente chegar ao bom senso (concreto) (Gramsci, 1978). Ou ainda, como
dizia Marx: o movimento de investigação parte do concreto real (caótico) busca as leis mais
gerais (conceitos, teorias, abstrato) e volta ao concreto, agora entendido como uma realidade
rica de múltiplas relações e determinações (Marx, 1971a e1971b).
Pensando o ensino da sociologia no ensino médio tendo como base os clássicos da
sociologia e a metodologia da problematização, vamos propor um exercício de imaginação
sociológica. Escolhemos como exemplo o tema da diferenciação, da desigualdade, da
dinâmica social e da violência. Tendo em vista que os professores de sociologia enfrentarão
os dilemas da produção do conhecimento e do ensino para estudantes, que em muitos casos
podem estar submetidos à exclusão social e que vivem uma realidade de diferenciação e
desigualdade social e em alguns casos com experiências muito próximas a situações de
142
violência, como explicar esta realidade a partir das teorias e dos conceitos clássicos e
contemporâneos?
Sugerimos aos futuros professores, como ponto de partida, trazer à tona as experiências
de seus próprios alunos, a partir da observação da realidade por eles vivenciada, se for o caso
de diferenciação, de desigualdade social e de violência. A seguir, instigar esses jovens alunos
na identificação daquilo que em sua realidade se mostra carente, inconsistente, preocupante,
necessário ser explicado. Assim trabalharão a curiosidade dos alunos no sentido de procurar
entender porque a realidade se apresenta como tal.
Como próximo passo, definir objetivamente o que vai ser estudado sobre o tema,
construir hipóteses, suposições, sobre as possíveis causas da diferenciação, da desigualdade
social e da violência, que estão presentes no cotidiano destes alunos. Para completar, definir a
metodologia de estudo e as etapas que serão percorridas buscando a compreensão da
diferenciação e da desigualdade social.
Na etapa da teorização os futuros professores conduzirão seus alunos a comparar
percepções iniciais, rever pontos de vista que antes estavam mais ao nível do senso comum,
ampliar a consciência sobre a diferenciação e desigualdade social e de sua influência sobre o
meio social, indicando alternativas de solução do problema. Teorizar, nos limites da abstração
sociológica é a capacidade de se libertar do quadro das próprias circunstâncias de vida pessoal
e pensar um contexto mais abrangente.
Os autores clássicos da sociologia entram como aportes teóricos para os futuros
professores de sociologia, auxiliando-os nas explicações sobre os temas. Importante
demonstrar aos alunos do ensino médio que há diversas explicações sobre o mesmo fato da
realidade social, pois a sociedade é complexa e os saberes são diferenciados. Assim sendo,
também na sociologia há diversidade teórica. Se perguntarmos, por exemplo, para a opinião
pública: “porque há diferenciação e desigualdade social na sociedade”? Teríamos respostas
diversas, mas não uma infinidade de respostas. Isto porque, estas respostas poderiam ser
agrupadas em matrizes teórico-metodológicas, cuja diversidade encontra-se elucidada pelos
clássicos e contemporâneos da sociologia, ou seja, para os temas diferenciação e desigualdade
social, há diferentes explicações nas teorias de Durkheim, de Marx, ou de Weber.
Assim, poderíamos como exemplo, afirmar que para Émile Durkheim a divisão social
do trabalho gera diferenciação, pela especialização que gera, por sua vez integração das
múltiplas funções no interior dos sistemas sociais - a Teoria da Integração (objeto) Funcional
(método). Os fatos sociais são objeto da sociologia e o método funcionalista propõe a análise
143
Referências
Considerações iniciais
O retorno da sociologia no ensino médio brasileiro data desde os fins dos anos oitenta
como resultado das pressões do movimento social organizado, sobretudo, dos sociólogos ou
cientistas sociais, fruto do intenso processo de mobilização e participação política da
sociedade civil em prol da instalação do regime democrático e do exercício da cidadania, após
um longo período da ditadura militar.
A inscrição da Sociologia como disciplina obrigatória em todas as escolas (publicas e
privadas) representa o reconhecimento legal do conhecimento das ciências sociais como
parâmetro fundamental na formação do jovem brasileiro enquanto ser humano, bem como a
valorização de uma educação humanística e cidadã, há muito menosprezada e negligenciada
na nossa sociedade.
O presente artigo tem como principal objetivo revelar, mesmo de forma breve, um
pouco da historia recente da luta pela implantação dessa disciplina, particularmente no Estado
do Rio de Janeiro, que teve como principal protagonista a Associação Profissional dos
Sociólogos do Rio de Janeiro – APSERJ. Trata-se de uma historia pautada pelos avanços e
retrocessos que caracterizaram uma trajetória de luta pela comissão de educação da APSERJ
que merece ser pautada num contexto sócio-político, ambíguo e contraditório, marcado pelo
47
Texto publicado na Revista Eletrônica Perspectiva Sociológica, do Departamento de Sociologia, do Colégio
Pedro II, Ano 1, nº2, nov. 2008, abr. 2009.
48
Antonio de Ponte Jardim, sociólogo, doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ, ex-
diretor da APSERJ.
49
Otair Fernandes de Oliveira, sociólogo, doutor em Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ, ex-militante da
APSERJ. Professor Adjunto do Departamento de Educação e Sociedade – DES, do Instituto Multidisciplinar –
IM (Campus Nova Iguaçu), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Membro do Laboratório
de Estudos Afro-Brasileiros e do Grupo de Pesquisa Educação Superior e Relações Étnico-Raciais –
GPESURER.
148
52
Neste momento, a educação brasileira se organizava nacionalmente mediante ação planejada do Estado. A
frente do Recém criado Ministério da Educação e Saúde estava o mineiro Francisco Campos que promoveu uma
reforma educacional que organizou o ensino em âmbito nacional e estruturou as universidades, a partir de 1931 e
1932. O ensino secundário passou a ter de dois ciclos: um fundamental, de cinco anos, e outro complementar, de
dois anos, este ultimo visando a preparação para o curso superior, exceto para os destinados a Faculdade de
Filosofia. A reforma também instituiu três institutos superiores, incluídos os de Direito, de Medicina e de
Engenharia ou, no lugar de um deles, a Faculdade de Educação, Ciência e Letras. Cabe lembrar que a Reforma
Francisco Campos foi inspirada no “escolanovismo” que no Brasil mobilizou um grupo de educadores que em
1932 lançou à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e
assinado por outros conceituados educadores da época. Em 1934, a nova Constituição (a segunda da República)
dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes
Públicos.
53
No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a historiadora Otaíza Romanelli, fez com
que as discussões sobre as questões da educação, profundamente ricas no período anterior, entrassem "numa
espécie de hibernação". As conquistas do movimento da escola nova, influenciando a Constituição de 1934,
foram enfraquecidas na Constituição de 1937. As mudaanças promovidas pela ditadura Vargas marcam uma
distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino
profissional para as classes mais desfavorecidas.
54
A gestão do Ministro Gustavo Capanema, o Ministério da Educação e da Saúde promoveu mudanças que
reestruturou o ensino secundário no pais, dentre outras. O ensino secundário passou a ter dois segmentos:
Ginasial (4 anos) e Colegial (3 anos), este último dividido em Clássico (predominava o ensino de humanidades)
e Cientifico. Com esta Reforma o ensino Colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o
ensino superior, passando a ser mais de formação geral. A Reforma criou o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial – SENAI e valorizou o ensino profissionalizante.
150
55
Destacam nesse período estudos e pesquisas no campo da Etnologia, Etnografia e Antropologia tanto de
brasileiros quanto de estrangeiros. Entre os primeiros destacam os estudos de Gilberto Freire, Roquete Pinto,
Heloisa Alberto Torres, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Edson Carneiro e Costa Pinto. Entre os acadêmicos
estrangeiros, são destaques as contribuições dos estudos de Radcliffe Brown, Lynn Smith, Kalervo Obeg,
Williard Quine, Wegley, Roger Bastide, Pierre Defontaines, dentre outros.
56
Destacam no conjunto de produção acadêmica nesse período, os estudos de Antonio Cândido, Florestan
Fernandes, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, dentre outros.
57
A Lei 5692/71 reestruturou completamente o ensino no país criando os Ensinos de 1º. e 2º. Graus. O primeiro
unificou o ensino primário com o primeiro ciclo do ensino secundário (ginasial), em oitos anos, e o segundo
unificou as escolas profissionalizantes com alguns ramos dos cursos colegiais, valorizando a habilitação
profissional. A profissionalização obrigatória do ensino de 2º. Grau foi efetivada mediante a implantação de
disciplinas profissionalizantes, porem com muitas críticas e dificuldades.
151
Nos anos oitenta a luta pelo retorno do ensino da sociologia na educação secundária
ganhou significado e importância tendo em vista a mobilização e organização dos cientistas
sociais em vários estados brasileiros, principalmente aqueles com uma postura mais crítica e
engajamento político cujo compromisso estava relacionado não somente com os problemas
específicos da área, mas também com a luta contra o regime autoritário e a instalação do
regime democrático no país. Tínhamos uma conjuntura política favorável marcada pelo
gradual avanço eleitoral da oposição ao regime militar, o que proporcionava intensos debates
sobre o processo de democratização. O aumento dos formados em ciências sociais ao longo
dos anos setenta e oitenta, principalmente oriundos dos cursos de licenciaturas existentes nas
faculdades privadas fez com que houvesse um contingente de profissionais que passaram a
ocupar mais espaços no mercado de trabalho. Para além, da ocupação no magistério superior e
de 1º. e 2º. Graus (público e privado)59 e nas administrações públicas, esses profissionais
ocuparam espaços num mercado de trabalho que se ampliava com a abertura de novas áreas
nas empresas privadas como nas áreas de propaganda e marketing, de treinamento de pessoal,
de recursos humanos, de pesquisas de mercado e de opinião, dentre outras.
58
O pensamento sociológico brasileiro e as Ciencias Sociais como um todo, ao lado de outros segmentos
academicos ou não, sofrem duramente o golpe militar quando da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI5), em
dezembro de 1968. Os principais nomes da sociologia no Brasil foram sumariamente aposentados e impedidos
de lecionar. Muitos foram exilados, outros se exilaram, passando a publicar seus trabalhos no exterior, lecionar
em universidades estrangeiras.
59
Naquela época o licenciado em ciências sociais era autorizado a lecionar as disciplinas de Historia e de
Geografia (desde que tivesse na sua formação geografia física) no 1º. Grau, as disciplinas de OSPB, Elementos
de Economia e Geografia Humana e Sociologia no 2º. Grau.
152
60
As entidades profissionais.
61
Cabe destacar nesse processo, o papel desenvolvido pelo Movimento Pró-Participação Popular na Constituinte
que era autônomo e pluripartidário congregando inúmeras entidades e grupos sociais, e participando ativamente
da elaboração do texto Constitucional, inclusive em alguns estados brasileiros. Os sociólogos através de suas
entidades contribuíram com esse movimento, inclusive com as discussões relacionadas à educação.
153
Cientistas Sociais do Rio de Janeiro, a ACISERJ, entidade civil fundada no ano de 197562. A
criação de Sindicato de Sociólogos nos estados era outra bandeira de luta da categoria em
nível nacional, o que remete a questões relacionadas a capacidade de organização e
mobilização da categoria, que segue caminhos diferentes em cada estado.63
A APSERJ através do seu Grupo de Educação promoveu uma campanha que
desenvolveu varias ações com o objetivo de introduzir a disciplina de Sociologia nas escolas
estaduais. A seguir, algumas ações da Campanha pela Volta da Sociologia no II Grau,
apresentadas sinteticamente.
Em abril de 1988, ocorreu o II Encontro Estadual dos Sociólogos do Rio de Janeiro64
como preparação para o VII CNS previsto para acontecer em maio, em Salvador/BA. Neste
encontro o Grupo de Trabalho de educação apresentou um conjunto de proposta com o
propósito de realizar mudanças significativas para os cientistas sociais no magistério de 1º.
2º. Graus no Estado do Rio de Janeiro, dentre as quais se destaca o encaminhamento da
proposta de inclusão da Sociologia, a preparação de um seminário interdisciplinar sobre
educação no Estado para levantar sugestões para a Constituinte Estadual, rediscutir a
permanência ou não da disciplina OSPB. 65
Em outubro do mesmo ano, foi realizado o I Encontro de Licenciados do Rio de Janeiro
no IFCS/UFRJ, e que reuniu professores e estudantes dos cursos de ciências sociais do Estado
para discutir os problemas relacionados as licenciaturas66. A questões em torno das
62
No período áureo da organização dos sociólogos no Estado do Rio de Janeiro (1986 a 1990), a diretoria eleita
da APSERJ era formada por Ozéas Gomes Larangeiras (Presidente), Antonio de Pontes Jardim (Vice-
presidente), Paula C. Martini T. dos Santos (Secretaria), Maria Helena de Magalhães Mendonça (Diretora
Cultural), Mauro Petersem Domingues (Tesoureiro). Na suplência, faziam parte Lindalva Guerra Baz, Gloria
Regina Manuel, Regina Cortez de Oliveira e Luiz Sergio da Mata Machado. O Conselho Fiscal era composto por
Isabel Picaluga e Luis Carlos Freire.
63
Ser pré-sindical era uma condição necessária na época para formar o sindicato. Em alguns estados as
associações civis se transformaram em pré-sindical e, depois, em sindicato. Em outros, o caminho foi o de fundar
o sindicato e manter a associação civil (caso de São Paulo). Em alguns casos, como o do Rio de Janeiro, não foi
possível criar as condições favoráveis para formar o sindicato. Sabe-se que recentemente foi criado um Sindicato
dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro, mas sob questionamentos diversos e acusações que comprometem a
legitimidade dessa forma de organização.
64
O I Encontro dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro promovido pela APSERJ foi em julho de 1986.
65
Naquela época havia uma discussão voltada para a transformação de OSPB numa disciplina de conteúdo
programático de ciências sociais. Outra discussão mais polêmica era suscitada pelo Parecer 233/87, do Conselho
federal de Educação (CFE), cujo relator Pe. Antonio Geral, apresentada como proposta a transformação das
licenciatura de Ciências Sociais em Licenciatura em Estudos Sociais. Esta questão mobilizou as entidades de
áreas de conhecimentos diversos como ANDES, SBPC, ANPUH, AGB e ASB que reagiram nacionalmente e
regionalmente criando grupos de trabalho para analisar essa proposta considerada num contexto mais amplo de
um projeto voltada para promover uma reforma no ensino superior, no âmbito das licenciaturas (GERES).
66
Na época existiam sete cursos de graduação em ciências sociais no Estado do Rio de Janeiro: três nas
universidades publicas (UERJ, UFRJ e UFF), um numa IES confessional (PUC) e três em Faculdades privadas
(Santa Doroteia, em Friburgo, Valença e FEUC), estas ultimas, formavam especificamente licenciados e as
informações disponíveis indicavam que apenas uma tinha o curso em pleno funcionamento que era a que se
154
integrante junto com outras entidades do Fórum de Educação das Entidades Representativas
do Movimento Social70, apresentando proposta no Capítulo da Educação.
Com a aprovação da emenda aditiva que consagrou no texto constitucional a inclusão
do ensino de sociologia na rede pública estadual de ensino no Estado do Rio de Janeiro, a
campanha promovida pelo GT de Educação da APSERJ ganhou nova dimensão
redirecionando-se para ações que visavam a implantação da disciplina de forma efetiva.
Nesse caminho, a APSERJ buscou junto aos diretores da rede pública estadual de ensino
garantir o pedido de vagas para professores de sociologia com o propósito de garantir vagas
no concurso público, fato que alcançou êxito no ano seguinte, quando 182 vagas foram
abertas no concurso para o magistério público estadual (1990).
A APSERJ participou ativamente dos dois Encontros promovido pelo Conselho
Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ) que tinham como principal finalidade a
elaboração de um documento para orientar o posicionamento dos conselheiros diante da
necessidade deste órgão normativo pronunciar-se sobre a inclusão do ensino da sociologia71.
Os debates nesses encontros ocorreram a partir das contribuições oferecidas por várias IES
que buscaram promover no âmbito de seus departamentos reuniões preparatórias de propostas
para esses encontros. Alem da APSERJ, apresentaram propostas os Cursos de Ciências
Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense e o Colégio de Aplicação da UFRJ (CAP).
Um grupo relator sistematizou as contribuições apresentadas nessas propostas.72
A conclusão desse trabalho apontou para a promoção de
(...) novos encontros, nos moldes dos já realizados, tratando de todo o ensino de 2º.
grau, uma vez que se considerou que a oportunidade de entrada da Sociologia não
70
Alem da APSERJ faziam parte deste Fórum o Sindicato Nacional de Docentes das IES Publicas e Privadas
(ANDES), o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE/RJ), o Sindicato dos Profissionais do
Município do Rio de Janeiro (SINPRO), a Associação dos Docentes da Universidade do Rio de Janeiro
(ASDUERJ), a Associação dos Servidores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ASUERJ), Diretório
Central dos Estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DCE/UERJ), a Associação dos Geógrafos
do Brasil (AGB), a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FNEIS), Triangulo Rosa, o
Movimento pela Emancipação dos Leigos.
71
O Conselho Estadual de Educação é o órgão normativo do sistema educacional do Estado e tem como uma de
suas incumbências em nível constitucional fornecer as diretrizes para questões de ensino (Artigo 316, da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, 1989). O I Encontro Sobre a Introdução da Sociologia como
Disciplina no Ensino Médio ocorreu nos dias 15 e 16 de maio e 1990, o II Encontro foi realizado nos dias 9 e 10
de outubro do mesmo ano.
72
O Grupo Relator era composto por João Trajano de Lima Sento-Se (CAp/UFRJ), Luitgard Oliveira Cavalcanti
Barros (UERJ), Maria Lucia Martins Pandolfo (PUC/RJ), Mauro Petersem Domingues (APSERJ), Santo
Conterato (UFF) e Vera Pereira (IFCS/UFRJ).
156
poderia ser pensada como mais uma disciplina, mas como oportunidade de se
rediscutir a própria forma como se encontra concebido esse nível de ensino.73
A riqueza desses encontros poderia ser vista nos pontos de vistas teóricos,
procedimentos metodológicos diversos através de conteúdos programáticos e indicação
bibliográficas variados, apresentados pelos representantes presentes, alem de oportunizar a
integração entre as universidades e a associação da categoria dos sociólogos no Estado. No
entanto, ao longo dos anos noventa, a luta pela sociologia arrefeceu-se tendo devido as
dificuldades de mobilizar a categoria o que derivou no esvaziamento da sua principal
entidade. Em geral, esse fenômeno atingiu a maior parte dos movimentos sociais em várias
partes do país e nacionalmente, o que caracterizava um refluxo das organizações oriundas
desses movimento.
No Estado do Rio de Janeiro depois dos encontros promovidos pelo CEE/RJ assistiu-se
uma implantação da sociologia de forma lenta e repleta de dificuldades, apesar da sua
consagração no texto constitucional. Em 1992, o Colégio Pedro II reestabeleceu a disciplina
na sua grade curricular e seguido por algumas poucas escolas privadas, por iniciativa própria.
Sabe-se de forma imprecisa que o ensino de sociologia foi declarado inconstitucional e
deixado de lado a partir do segundo governo Brizola.
A partir do final da década de 90 a luta ganha sua dimensão nacional, a partir da
promulgação da atual Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 9394/96, dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (DCNEM) e do Parecer 15/98 do Conselho Nacional de Educação. Em conjunto, essa
legislação reestruturou o Ensino Médio, particularmente na área das ciências humanas,
estabelecendo os conceitos, os procedimentos e as atitudes provenientes da Geografia,
História, Filosofia e da Sociologia que passaram constituir a área de Ciências Humanas e suas
Tecnologias. Com isso, algumas unidades da federação efetivaram reformas curriculares que
incluíram a Sociologia como disciplina obrigatória. Porém, faz-se necessário ressaltar a
lentidão e as incongruências desse processo em nível nacional que exigiu uma concentração
de esforços de profissionais e estudantes de todo país através de suas organizações nacionais
tendo a frente a Federação nacional dos Sociólogos (FNSB) numa batalha junto ao Ministério
da Educação, o Conselho Nacional de Educação e ao Congresso Nacional na busca da
concretização da bandeira da categoria. Com a junção da luta pela Filosofia em nível
73
Documento Final dos Encontros Sobre a Introdução da Sociologia como Disciplina no Ensino Médio. In
CONTERATO, Santo (Org.). A Profissão de Sociólogo e a Sociologia no Ensino Médio. Rio de Janeiro:
APSERJ, 2006.
157
Muitas foram as questões tanto teóricas quanto metodológicas suscitadas nos embates
sobre a inclusão da sociologia no ensino médio. Na impossibilidade de tratar tais questões
com a profundidade merecida, nos limitaremos aqui apresentá-las de forma pontual e sucinta.
Em primeiro lugar, era consenso de que a implantação da sociologia não era uma pura e
simples adição de uma disciplina ao sistema de ensino, mas de introdução de uma ciência
capaz de instrumentalizar a reflexão necessária sobre a adequação do modelo educacional
existente no ensino médio. Em segundo lugar, dentre os objetivos da disciplina, o principal
era contribuir para a formação do aluno a fim de que o mesmo pudesse construir e exercer a
cidadania em sua plenitude de direitos. Para tanto, a disciplina deveria contribuir para
recuperar a dimensão humanística no ensino médio e fornecer instrumental de reflexão e
análise crítica que visasse uma melhor compreensão da realidade social em que o aluno está
inserido. A consideração de uma relação interdisciplinar entre a sociologia e outras áreas de
conhecimento para a análise dos fatos e da sociedade era outro ponto ressaltado nos debates,
além da criatividade didático-pedagógica do professor de maneira que se evitasse trabalhar
com o público juvenil uma sociologia clássica aos moldes do ensino acadêmico nas
universidades.
Em geral, a posição se resume no fato de entender que o conhecimento sociológico
aplicado no ensino médio não deva ser meramente instrumental e mecânico. Daí, ser de
fundamental importância a indagação para que serve a sociologia? junto aos jovens. O ponto
de partida era o princípio de que a compreensão da aplicabilidade do conhecimento como um
processo de apropriação reflexiva nos coloca a viabilidade de uma Sociologia interessante
para os alunos, na medida em que permita a análise de seus projetos de construção do “eu”, da
sua identidade e ao mesmo tempo, fundamenta o exame e a mudança das práticas sociais nas
quais estão envolvidos.
158
Considerações finais
A luta recente pelo retorno do ensino da sociologia no ensino médio brasileiro seguiu
uma trajetória conturbada e com dificuldades, ao ponto de que somente vinte anos depois a
disciplina foi implementada de forma obrigatória no currículo das escolas públicas e privadas
no país. No Estado do Rio de Janeiro isso aconteceu em 1990 quando da promulgação da
Constituição Estadual, mas sua implantação seguiu caminhos tortuosos e acidentados. O fato
de ser uma luta associada a profissionalização da sociologia abriu feridas e criou cisão entre
os cientistas sociais. Tínhamos dois grupos: um considerado “sociólogos acadêmicos” e
defendiam a sociologia como área de conhecimento cientifico, em geral localizados nas
universidades públicas e nos principais centros de pesquisas; outro grupo era o dos formados
em ciências sociais e ocupavam espaços tradicionais na administração publica (assessores,
administradores, outros) e novos espaços no mercado de trabalho (empresas privadas, ongs,
partidos políticos, dentre outros)74, chamados de sociólogos “não acadêmicos” ou “técnicos” e
defendiam a profissionalização.
74
Como novos espaços de atuação dos sociólogos nos anos oitenta encontramos as áreas de propaganda e
marketing, de treinamento de pessoal, de recursos humanos, pesquisas de mercado e de opinião, dentre outras.
159
b) Investigação e compreensão
• Construir instrumentos para uma melhor compreensão da vida cotidiana,
ampliando a “visão de mundo” e o “horizonte de expectativas”, nas relações
interpessoais com os vários grupos sociais.
• Construir uma visão mais crítica da indústria cultural e dos meios de
comunicação de massa, avaliando o papel ideológico do “marketing” enquanto
estratégia de persuasão do consumidor e do próprio eleitor.
• Compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias e
segmentos sociais, agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto
princípio estético, político e ético que supera conflitos e tensões do mundo atual.
c) Contextualização sócio-cultural
• Compreender as transformações no mundo do trabalho e o novo perfil de
qualificação exigida, gerados por mudanças na ordem econômica.
• Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da
cidadania plena, no contexto do Estado de Direito, atuando para que haja,
efetivamente, uma reciprocidade de direitos e deveres entre o poder público e o
cidadão e também entre os diferentes grupos.
Com tudo isso, deixamos a pergunta: quais são as condições externas e internas de um
trabalho efetivo desse professor em sala de aula?
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Referências