Você está na página 1de 40

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.

258-13
Oração inicial

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


… saiu da Europa Ocidental aquele poderoso movimento [reformado] que promoveu o
renascimento da ciência e da arte, abriu novos caminhos para o comércio e negócios,
embelezou a vida doméstica e social, exaltou as classes médias a posições de honra,
fez com que a filantropia abundasse…

Havia um florescimento de vida em todas as direções, e uma energia indomável estava


fermentando em cada departamento da atividade humana, e seu comércio e negócios,
seu artesanato e indústria, sua agricultura e horticultura, sua arte e ciência, floresciam
com um brilho até então desconhecido, e transmitiu um novo impulso para um
desenvolvimento inteiramente novo da vida a toda a Europa Ocidental.

— Kuyper, Stone Lectures, p. 39, 73.

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


“... se a igreja não tivesse se desviado de sua simplicidade e seu ideal celestial,
a influência da religião cristã na vida política e nas relações sociais teria se
tornado dominante…

O sal perdeu o sabor e a corrupção social recuperou sua força antiga — uma
corrupção controlada, mas não controlada nas terras da Reforma. E nas partes
da Europa que permaneceram católicas, o absolutismo real e o orgulho
aristocrático criaram condições para o amadurecimento de uma tensão social
insuportável que acabou gerando a Revolução Francesa.”

— Kuyper, The Problem of Poverty, p. 35-36.

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Introdução
Nesta aula nós exploramos a visão de Abraham Kuyper sobre economia,
particularmente suas contribuições para o dilema da pobreza, a questão do
empreendedorismo e o livre mercado. Embora Kuyper não fosse um “homem de
negócios” diretamente, ele era um mobilizador social, ou para usar um título recente, um
“empreendedor social”, dadas as várias instituições que ele fundou e atuou como
principal articulador.

Nosso foco aqui será oferecer uma visão geral sobre temas econômicos na perspectiva
de Kuyper. Dentre suas principais contribuições, seu diagnóstico e propostas para
erradicação da pobreza, o apreço pelo empreendedorismo como mecanismo de
florescimento social e sua teoria da vocação para os negócios enraizados em seu
conceito de graça comum, parecem ser suas ideias mais relevantes sobre o tema.

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Problema da pobreza

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Pobreza: causas
Em 1891, Kuyper fez um discurso intitulado “A Questão Social e a Religião
Cristã” no primeiro Congresso Social Cristão na Holanda, que foi convocado
para discutir a pobreza na sociedade europeia. Para ele, a raiz da pobreza
moderna, a despeito de outros fatores, era primordialmente relativa à
pecaminosidade humana.

De forma geral, a pobreza está associada à maneira como a humanidade se


desliga de Deus e, por conseguinte, de seu destino eterno. A partir daí, os
seres humanos tendem a desobedecer as leis que regem as relações humanas,
perder a visão da dignidade humana e afrouxar as regras que limitam a
produção, distribuição e uso de bens materiais (The Problem of Poverty, p. 24).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Pobreza: causas
Kuyper acreditava que a revolução francesa irrompeu historicamente como uma
nova visão de mundo e um novo sistema de valores que piorou os problemas sociais
já existentes. Ele foi crítico, por exemplo, do pressuposto revolucionário de que
todos os direitos teriam se originado no indivíduo sem a necessidade de explicações
religiosas.

Com isso, a autoridade e os direitos de comunidades como escolas, igrejas e outras


instituições foram enfraquecidos simultaneamente. Para piorar, pelo fato da natureza
da revolução ser anti-religiosa, Kuyper adiciona sua influência na separação ainda
mais dramática dos seres humanos de sua existência e propósitos espirituais.
Assim, Kuyper entendeu que os valores da revolução francesa precisavam ser
resistidos pela sociedade, especialmente pelo cristianismo.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Pobreza: causas
Segundo Kuyper, o cristianismo busca a dignidade humana nas relações sociais de uma
sociedade organicamente integrada. Já a revolução francesa perturbou aquele tecido orgânico,
quebrou os laços sociais e não deixou nada nele além do indivíduo monótono e egoísta
afirmando sua própria autossuficiência. Diferentemente da atomização social promovida pelo
individualismo revolucionário, Kuyper enxergava os papéis das organizações intermediárias e do
Estado como importantes na manutenção da ordem e da moralidade.

A igreja cristã, por exemplo, tem o papel de moldar a moral social e as instituições de uma dada
civilização. A sobrevivência e o florescimento da sociedade dependem diretamente da
performance da igreja cumprir ou não seu chamado e missão divinos. Kuyper vê o progresso da
civilização europeia como uma espécie de cristianização do continente. No entanto, à medida
que o cristianismo se desviou de sua identidade e missão originais, a Europa caiu numa
desintegração social caótica, que então levou ao seu desfecho mais severo na revolução
francesa.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Pobreza: causas
Como fruto da revolução, Kuyper destaca que o dinheiro se tornou o bem mais elevado
e procurado dos homens. E na medida em que os homens se opõe severamente em
busca de seus interesses pessoais, todo o sistema econômico eventualmente estaria
como que “ajoelhado diante de Mammon”, enquanto o horizonte de uma vida eterna ia
desfalecendo.

Os seres humanos foram sendo forçados a buscar valor exclusivamente nesta vida
terrena enquanto as relações sociais se degeneravam num estado de sociedade animal.
Nessa conjuntura, a riqueza e o capital passaram a determinar o status e as relações dos
seres humanos com a sociedade. Para Kuyper, assim, a revolução criou novas formas
estruturais de desigualdade, apesar de alardear liberdade e igualdade no discurso. Ele se
referia a problemas sociais modernos caracterizados por estruturas sociais instáveis que
produziram desigualdade e pobreza pior do que antes.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Pobreza: soluções
Kuyper observa o fracasso das iniciativas socialistas de lidar com o dilema da
pobreza apenas pela via da caridade pública — que denunciava o reducionismo da
abordagem quando da sua pobreza enquanto teoria social de não perceber a
complexidade do tecido social.

Para resolver esses problemas, Kuyper propôs seu conhecido princípio de


“soberania das esferas”. As leis criacionais deveriam orientar o funcionamento das
relações sociais em diferentes esferas — diferente das disposições anti-religiosas
do socialismo vigente. Kuyper sugere que os cristãos que vivem entre as esferas
do estado e da sociedade não deveriam fazer de qualquer uma delas uma
entidade soberana absoluta. Pelo contrário, ambos os domínios permaneceriam
sob a soberania de Deus (The Problem of Poverty, p. 54).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Pobreza: soluções
Como Kuyper enfatiza em Ons Program, “a soberania em sentido absoluto ocorre
apenas quando existe uma autoridade que não tem outra autoridade sobre ela,
que sempre comanda e nunca obedece, que não admite restrições ou permite a
concorrência, e que é única e indivisível (Our Program, p. 16).

Com base nesse entendimento, Kuyper afirma que os movimentos socialistas e


outras ideologias nunca poderiam resolver os problemas sociais, pois “a questão
social não pode ser resolvida corretamente a menos que respeitemos essa
dualidade e, assim, honremos a autoridade do estado preparando o caminho para
uma sociedade livre.” (The Problem of Poverty, p. 58). A sociedade humana não é
uma união mecanicista de seres humanos nem fragmentos atomizados. Em vez
disso, é um organismo com liberdade individual e laços interpessoais.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Pobreza: soluções
Kuyper acreditava que a propriedade absoluta pertence apenas a Deus, e os seres
humanos são responsáveis por administrar tais propriedades como mordomos
fiéis. Desde a revolução francesa, as pessoas estabeleciam os direitos de
propriedade como liberdade econômica privada ou como pertencendo ao estado
no socialismo. Ambos cometem o erro de fazer dos direitos de propriedade um
direito absoluto em si mesmo.

Somente quando as pessoas reconhecem a propriedade absoluta de Deus, elas


podem chegar à conclusão de que a riqueza é necessária não apenas para a
autorrealização, mas também para o bem comum por meio do serviço aos outros.
Este princípio fundamental também impede o estado de abusar ilegalmente de
propriedades individuais.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Família, igreja e estado
Ainda como remédio para a pobreza, Kuyper menciona os papeis da família, igreja
e estado. Na sua visão tais comunidades devem cumprir papéis diferentes em
suas diferentes esferas.

Primeiro, a família desempenha um papel importante na resolução da pobreza.


Kuyper enfatiza que “a família é retratada como a criação maravilhosa por meio da
qual o rico tecido de nossa vida humana orgânica deve se desenvolver… Não
precisamos organizar a sociedade; temos apenas que desenvolver o germe da
organização que o próprio Deus criou em nossa natureza humana.” (The Problem
of Poverty, p. 62). Kuyper se opôs à revolução e aos movimentos socialistas por
sua ênfase errada no individualismo e sua influência destrutiva na solidariedade
dentro da família.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Família, igreja e estado
A família também é importante porque é um lugar de descanso. Como um
trabalhador individual é o portador da imagem de Deus, “ele deve ser capaz de
cumprir seu chamado como homem e pai” (The Problem of Poverty, p. 63). Logo,
ele deve ter o direito de trabalhar e de descansar.

Kuyper vê o direito ao descanso como importante porque é um direito


especialmente importante para aquele cujo trabalho tende a rebaixá-lo a um nível
material. A vida familiar ajuda a salvar os trabalhadores da alienação. Kuyper
enfatiza ainda que a sociedade também deve perceber que os seres humanos não
são máquinas. As pessoas enfrentarão dias de doença e envelhecimento em que
não poderão trabalhar. As famílias e a sociedade devem prover para essas
necessidades diárias, algo que não pode ser oferecido pelo humanismo extremo.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Família, igreja e estado
Com relação ao papel do estado, Kuyper discordou de muitos anarquistas ao afirmar
que o estado existe fora da família e da sociedade como uma estrutura divinamente
ordenada para preservar a justiça. Kuyper não se opôs completamente à prática de
redistribuição feita pelo Estado como Tocqueville se opôes. No entanto, Kuyper
enfatizou que a assistência material “deveria ser limitada ao mínimo absoluto”, ou então
prejudicaria a dignidade e a resiliência natural dos trabalhadores (The Problem of
Poverty, p. 64-65).

OBS: John Bolt argumenta que Kuyper era um forte defensor de um estado estritamente
limitado. Outros, como James W. Skillen, argumentam que a abordagem de Kuyper
permite uma latitude mais ampla para a ação do Estado. Cf. John Bolt, A Free Church, A
Holy Nation; e J. Skillen, In Pursuit of Justice: Christian-Democratic Explorations.

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Família, igreja e estado
Finalmente, Kuyper destaca o papel da igreja no engajamento dos problemas sociais.
Embora Tocqueville e Kuyper considerem a religião importante para a sociedade,
Tocqueville não se detém ao papel da igreja em seus escritos sobre a pobreza. É
apenas em seu livro Democracia na América que Tocqueville menciona como a Igreja
poderia fornecer assistência como uma organização não governamental.

Em comparação, Kuyper pensa que os valores espirituais conferem aos pobres mais
dignidade e alegria na vida. Ele também discute as necessidades espirituais dos ricos.
Somente quando os seres humanos perceberem a realidade da vida eterna, eles
poderão apreciar o valor da vida terrena. Portanto, Kuyper postula que um importante
chamado da igreja é fazer ricos e pobres perceberem que existe algo de valor
transcendental e que o benefício espiritual vale mais do que o bem-estar terreno.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Família, igreja e estado
Kuyper propõe ainda medidas dentro da igreja para preencher a lacuna entre ricos e pobres. Primeiro, o
amor deve levar à ação e, ao fornecer ajuda aos pobres, os cristãos estão praticando o amor cristão. Em
segundo lugar, o sacramento da comunhão pode servir como uma forma de conceder aos pobres igual
dignidade com os ricos. Como Kuyper explica: “Assim como ricos e pobres se sentam à mesa da
comunhão, você também sente pelo homem pobre como por um membro do corpo, que é tudo o que
você também é.” (The Problem of Poverty, p. 69). Kuyper vê a Ceia do Senhor de uma forma
tangivelmente unificadora. Como diz James Bratt, “por mais consciente que [Kuyper] fosse, ele tinha uma
visão integral da sociedade humana como um só corpo” (James Bratt, Passionate about the Poor, p. 41).

Contra as perspectivas do coletivismo socialista, a busca crua do interesse próprio e efusões piedosas
sobre a Mão Invisível, Kuyper clamou pelo cultivo consciente da fraternidade cristã. Ele escreve: “A
questão na qual todo o problema social realmente gira é se você reconhece nos menos afortunados,
mesmo nos mais pobres, não apenas uma criatura, uma pessoa em circunstâncias miseráveis, mas uma
de sua própria carne e sangue: por amor de Cristo, seu irmão.” (Kuyper, Social Question, p. 75)

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Empreendedorismo

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Deus e negócios
Embora as ideias de Abraham Kuyper sobre questões sociais sejam bem
conhecidas, suas ideias sobre negócios não são muito lembradas pela maioria dos
estudiosos. Muita ênfase é dada a seu envolvimento com a pobreza, condições de
trabalho, e muito se fala sobre sua contribuição na chamada questão social. No
entanto, o legado de Kuyper no mundo dos negócios é maior do que muita gente
imagina.

Nesta segunda parte da aula, vamos apresentar brevemente sua visão do potencial
positivo do empreendedorismo, como a graça divina se relaciona com os
negócios, a função social do dinheiro, o chamado ou vocação para os negócios e
como a união das duas graças, comum e particular, nos ajudam a entender sua
perspectiva sobre o tema.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Deus e negócios
Kuyper obviamente via com restrições a atividade especulativa, o consumismo
burguês, as injustiças socioeconômicas produzidas pela revolução industrial e a
priorização do acúmulo de riqueza acima das demais preocupações da vida.
Kuyper também enxergava a globalização econômica e a busca ostensiva pelo
dinheiro como idolatria.

Ele diz: “O poder do dinheiro tornou-se assim uma potência mundial que ignora as
fronteiras da terra e da nação, espalha as suas asas por toda a vida humana,
reivindica tudo, ... penetra cada vez mais nos cantos mais desconhecidos do
mundo, faz tudo dependente dela, impõe sua lei a todas as vidas, e se une nas
grandes cidades do mundo para dar à vida um brilho encantador, para construir
um templo em sua homenagem. (Pro Rege, vol. 1, p. 100).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Deus e negócios
Qual seria então a contribuição positiva dos negócios para a vida
humana? De acordo com Peter Heslam, a visão positiva de
Kuyper dos negócios inclui suas idéias sobre (1) a liberdade
econômica e o papel da regulamentação, (2) trabalho organizado
e o papel das guildas, (3) o valor eterno do trabalho terreno, (4)
administração e filantropia, (5) globalização econômica, (6)
negócios como uma “instituição mediadora” entre o indivíduo e
o estado, (7) o funcionamento da graça de Deus nos negócios,
(8) a função social do dinheiro e (9) a vocação dos negócios.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Deus e negócios
Vamos falar especificamente sobre os três últimos elementos.

Primeiro, o artesanato e habilidades práticas dos povos egípcios, babilônicos e


persas, por exemplo, eram para Kuyper a prova de que o espírito de Deus dota os
seres humanos de talentos e habilidades sem consideração pelo mérito ou pela
piedade deles. Quer o destinatário reconheça ou não a origem de seus presentes,
eles têm o potencial de aperfeiçoar todas as pessoas e sociedades.

Kuyper recorreu aos relatos dos artesãos Bezalel e Aoliabe em Êxodo 31: 1-6 e 35:
30-35 e da produção arável em Isaías 28: 23-29 para substanciar sua tese de que
Deus é a fonte de todo o trabalho artístico e habilidade e de todo conhecimento e
inspiração na agricultura.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Deus e negócios
Tudo isso, insistia Kuyper, é fruto da graça comum, que atua de
maneira específica na esfera do comércio, assim como funciona de
maneira específica em outras esferas: 


“A graça comum se estende por toda a nossa vida humana, em
todas as suas manifestações ... Há uma graça comum que brilha no
desenvolvimento da ciência e da arte; há uma graça comum que
enriquece uma nação por meio da inventividade nas empresas e no
comércio” (Kuyper, Common Grace, vol. 1.2, p. 514)
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Deus e negócios
À medida que essas formas de graça comum entram em vigor, elas elevam o
padrão de vida social; enriquecem o conhecimento e a habilidade humana; e
tornam a vida “mais fácil, mais agradável, mais livre e, por meio de tudo isso,
nosso poder e domínio sobre a natureza continua aumentando” (Common
Grace, vol.1.2, p. 548)

Kuyper argumenta que a graça comum elevou as realizações humanas a novos


patamares por meio da invenção de ferramentas e máquinas, a divisão do
trabalho e o aproveitamento da natureza para gerar energia a vapor e
eletricidade, ainda que ele não fosse ingênuo quanto aos desdobramentos que
inevitavelmente abririam caminho para oportunidades adicionais para o pecado.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Deus e negócios
Em linhas gerais, Kuyper viu positivamente o progresso milenar que os seres
humanos fizeram na aquisição de bens básicos como comida, abrigo, energia,
transporte e saúde. Ele também afirmou que a influência da graça comum para
promover tal progresso e o desenvolvimento cultural que ela facilita se baseia no
fato de que os seres humanos são feitos à imagem de um Deus cuja essência,
como Pai, Filho e Espírito Santo, é diverso e relacional.

Essa imago Dei atua como uma “semente” dentro de diversos seres humanos e só
germina por meio de suas relações sociais. Essa semente permeia todas as
culturas. Claramente, para Kuyper, os negócios reúnem todos os outros aspectos
da cultura ao refletir a criação humana feita à semelhança divina, um ato que enche
esses seres de um potencial incrível.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Graça particular
Se a imagem de Deus nos seres humanos não se restringe apenas à cristãos, mas à todas as
pessoas, qual seria o papel da graça particular na esfera comercial? Em outras palavras, existe
algo novo acontecendo ou deveria acontecer algo sui generis na sociedade quando cristãos
regenerados se envolvem no comércio? A distinção que Kuyper fez entre a igreja como
instituição e organismo é de especial relevância para essa discussão.

De um lado, enquanto organização, a igreja tem seus estatutos, leis, ofícios e ministérios,
dentro os quais Kuyper destaca a proclamação da Palavra, ministração dos sacramentos, e as
ações de misericórdia. De outro lado, como organismo, cada cristão tem a tarefa de
transcender o título de “membro da igreja” e trazer o poder do reino de Deus para dentro de seu
lar, na esfera educacional, em seus negócios, e em todas as suas atividades como cidadão.
Como ele mesmo destaca, “A igreja como organismo influencia a vida do mundo, mudando-o,
dando-o uma nova forma, elevando-o, e santificando-o.” (Common Grace, vol.3, p. 421)

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Graça particular
No entanto, as duas faces do cristão — institucional e orgânica — sempre
contribuem uma para a outra. Kuyper escreve:

“Embora a lâmpada da religião cristã acenda apenas dentro das paredes


daquela instituição [a igreja], sua luz brilha pelas janelas muito além dela e
brilha sobre todos aqueles aspectos e conexões de nossa vida humana ...
Jurisprudência, direito, família, negócios, profissões, opinião pública e
literatura, arte e ciência, e assim por diante — a luz brilha sobre tudo isso, e
essa iluminação será ainda mais poderosa, penetrante e radiante na medida
em que a lâmpada do evangelho for permitida queimar dentro da instituição
da igreja.” (Common Grace, vol. 2, p. 268).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Graça particular
Kuyper destaca como exemplo a República Holandesa (1581–1795),
um período na história da Holanda frequentemente associado ao
apogeu do calvinismo e do comércio. Não apenas os fazendeiros
holandeses naquela época eram os mais avançados da Europa, mas
os mercadores holandeses eram famosos por sua honestidade e
integridade.

Kuyper atribuiu essas novidades no cenário comercial ao poder


específico oriundo da Palavra de Deus e das ordenanças divinas que
eram amplamente pregadas e compartilhadas entre eles.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Graça particular
Portanto, a graça particular influencia a dimensão da graça comum na
medida em que essa “mistura de graças” resulta numa esfera empresarial
altamente desenvolvida e justa (Common Grace, vol. 2, p. 661-62).

Kuyper reconhecia que os avanços econômicos e sociais de povos não


cristãos eram reais e advindos da graça comum, mas continuou crendo
que a esfera dos negócios prosperava de forma mais vibrante enquanto as
operações da graça particular e comum convergiam, isto é, em nações
altamente influenciadas por cristãos regenerados que, por sua vez,
elevaria a consciência da graça comum entre os incrédulos.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A benção do dinheiro
Apesar dos muitos alertas de Kuyper contra os perigos e abusos da riqueza, ele
insistiu que o dinheiro era uma benção divina. Por exemplo, o aparecimento e o
desenvolvimento do dinheiro na história mundial “não vieram do Maligno, mas
estavam totalmente de acordo com o desígnio de Deus; não pretendia ser uma
maldição, mas uma bênção” (Pro Rege, vol. 3, p. 120).

Somente quando o pecado atacou o coração humano é que o dinheiro adquiriu


uma onipotência sinistra: é no coração humano e não no próprio dinheiro que está
a origem de Mamom — a idolatria do dinheiro. Embora Mammon seja aliado à
ganância e à desonestidade, o próprio dinheiro é “um dos presentes de Deus para
a sociedade, para que ela se desenvolva de forma mais elevada e rica” (Pro Rege,
vol. 3, p. 122).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A benção do dinheiro
O impacto edificante do dinheiro na sociedade deriva principalmente da capacidade
que ele dá aos prósperos de economizar e do estímulo que isso fomenta ao
empreendimento comercial. Essa bênção, sustentou Kuyper, “é evidente na vida
tranquila e normal dos cidadãos cuja atividade de negociação e comércio foi
incrivelmente enriquecida e simplificada pelo dinheiro.” (Pro Rege, vol. 3, p. 122).

Para Kuyper, no final das contas, se o dinheiro funciona como uma bênção ou uma
maldição, é uma questão espiritual: “Pode ser convertido para o bem ou para o mal;
e a escolha entre os dois depende apenas da disposição do coração humano.
Aqueles que se curvam a Mammon usam-no para a corrupção; aqueles que se
ajoelham diante de Cristo como seu Rei podem usá-lo para aumentar o brilho da
realeza de Cristo.” (Pro Rege, vol. 3, p. 123).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A benção do dinheiro
Kuyper tinha especial admiração pela obra de Alexis de Tocqueville e suas impressões positivas
sobre os Estados Unidos da América enquanto uma sociedade comercial. Para Kuyper, os EUA
eram um exemplo de terra dourada que ofereceu um modelo de liberdade para o mundo.

Outro fator para o florescimento dessa sociedade de mercado, segundo Kuyper, era devido à
divisão do trabalho. À medida que essa divisão aumentava, o escopo e a qualidade da produção
aumentavam, e capital suficiente poderia ser acumulado para desenvolver grandes empresas.
Consequentemente, isso estimulou todos os tipos de invenções e o aperfeiçoamento de nosso
poder sobre a natureza (Common Grace, vol. 3, p. 432).

Portanto, embora ele estava pronto a reconhecer os perigos envolvidos na relação dos seres
humanos com o dinheiro, ele deixou claro que o abuso financeiro não deveria ofuscar seu uso
legítimo. Para ele, a história estava repleta de exemplos de como o uso instrumental do dinheiro
facilitou o desenvolvimento econômico necessário para o florescimento da sociedade.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A vocação para negócios
O potencial social positivo inerente à criação de riqueza material refletia, para Kuyper, o
fato de que os negócios são uma vocação honrosa para um indivíduo seguir e que os
negócios têm uma vocação honrosa a cumprir na sociedade. Portanto, cristãos devem
estar preparados para neutralizar os efeitos corruptores do pecado na vida dos negócios,
dando um bom exemplo na produção, processamento e distribuição de bens e serviços.

Kuyper escreve que os filhos de Deus devem “ter orgulho de não ficar para trás dos outros
neste reino [negócios], porque também nesta área da vida é Deus quem nos dá sabedoria,
Deus quem prepara os meios para nós e Deus quem guia o desenvolvimento da
sociedade vida através de sua graça comum.” Usando exemplos do comércio holandês,
Kuyper diz que trazer os melhores produtos para o mercado, fazer aquisições sábias e
conduzir um comércio sólido é o caminho para a prosperidade de que as sociedades
precisam, e os cristãos precisam estar na vanguarda (Common Grace, vol. 3, p. 433).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A vocação para negócios
Kuyper continua, ele afirma que de Deus vem o “espírito empreendedor” e o desejo
e a inclinação que as pessoas têm de se ocupar com certo ofício em detrimento de
outro. O que as pessoas escolhem fazer com suas vidas, portanto, não é
coincidência, mas uma questão relacionada ao que Deus implanta dentro delas. É
com base nesse sentimento de vocação que os seres humanos devem perseguir
suas vocações e não a busca cega pelo dinheiro.

Os empreendedores recebem o talento, a persistência, os recursos e as qualidades


de liderança raros para fazer seus negócios crescerem, desde empregar apenas
sua família imediata até centenas de trabalhadores. Tudo isso envolve uma arte
que Deus dá a certos indivíduos que, eventualmente, a transferem para aqueles da
próxima geração que têm uma orientação semelhante (Pro Rege, vol. 3, p. 42).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A vocação para negócios
A defesa de Kuyper dos negócios como uma vocação válida para um indivíduo seguir
estava ligada à sua ideia de que os próprios negócios tinham uma natureza
vocacional. De acordo com o chamado de todas as outras esferas sociais, sua
vocação era glorificar a Deus por meio do cumprimento das ordenanças de Deus para
essa esfera. Essas ordenanças permeiam toda a criação e cultura humana e fornecem
as conexões orgânicas que mantêm as várias esferas sociais juntas. São conexões
que os seres humanos encontram e não criam. (Common Grace, vol. 3, p. 431-33).

Kuyper via muito positivamente essas descobertas da divisão do trabalho, a produção


em massa de tecidos, eletricidade, alimentos, e etc. Para ele, a esfera comercial tinha
a vocação posta pelo próprio Deus de fazer florescer e fortalecer a cultura humana por
meio da criação de empresas (Pro Rege, vol. 3, 54-56).
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
A vocação para negócios
Um dos grandes aliados de Kuyper por quase meio século foi o cervejeiro e empresário de
sucesso Willem Hovy (1840-1915), que foi o principal financiador da então incipiente Vrije
Universiteit. Quando Hovy morreu, Kuyper era seu amigo de longa data e a única pessoa
que a família convidou a dar uma palavra durante o ofício fúnebre. Kuyper elogiou a
inteligência prática de Hovy e seu compromisso em viver sua fé na vida cotidiana (Heslam,
p. 17).

Em suma, a visão de negócios desenvolvida por Kuyper continua sendo de suma


importância para alinharmos nossa espiritualidade com a nossa vida no mundo. É
justamente na união das duas graças que a fé cristã orienta os negócios para o seu próprio
fim. Para Kuyper, quando cristãos influenciam fielmente a esfera do comércio, os negócios
de uma nação como um todo tendem a desenvolver gradativamente a cultura da excelência,
restrição da corrupção e injustiças e a busca por uma vida menos penosa e mais livre.
Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13
Considerações finais
Espero ter demonstrado a relevância do pensamento de Kuyper para as
questões econômicas contemporâneas. Mencionei brevemente suas
principais ideias sobre o problema da pobreza, seu apreço pelo
empreendedorismo como mecanismo de florescimento social e sua teoria
da vocação para os negócios enraizados em seu conceito de graça comum.

Pensadores cristãos com a envergadura de Kuyper para discutir os diversos


temas da vida pública infelizmente são raros. É minha oração que o Senhor
nos desperte a consciência para servi-lo em todas as áreas da vida e assim
cumprirmos nossa vocação diante dele para o bem da sua criação.

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Oração final

Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13


Conteúdo licenciado para Thiago Vergilio Riberio dos Santos - 388.141.258-13

Você também pode gostar