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Oração inicial
O sal perdeu o sabor e a corrupção social recuperou sua força antiga — uma
corrupção controlada, mas não controlada nas terras da Reforma. E nas partes
da Europa que permaneceram católicas, o absolutismo real e o orgulho
aristocrático criaram condições para o amadurecimento de uma tensão social
insuportável que acabou gerando a Revolução Francesa.”
Nosso foco aqui será oferecer uma visão geral sobre temas econômicos na perspectiva
de Kuyper. Dentre suas principais contribuições, seu diagnóstico e propostas para
erradicação da pobreza, o apreço pelo empreendedorismo como mecanismo de
florescimento social e sua teoria da vocação para os negócios enraizados em seu
conceito de graça comum, parecem ser suas ideias mais relevantes sobre o tema.
A igreja cristã, por exemplo, tem o papel de moldar a moral social e as instituições de uma dada
civilização. A sobrevivência e o florescimento da sociedade dependem diretamente da
performance da igreja cumprir ou não seu chamado e missão divinos. Kuyper vê o progresso da
civilização europeia como uma espécie de cristianização do continente. No entanto, à medida
que o cristianismo se desviou de sua identidade e missão originais, a Europa caiu numa
desintegração social caótica, que então levou ao seu desfecho mais severo na revolução
francesa.
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Pobreza: causas
Como fruto da revolução, Kuyper destaca que o dinheiro se tornou o bem mais elevado
e procurado dos homens. E na medida em que os homens se opõe severamente em
busca de seus interesses pessoais, todo o sistema econômico eventualmente estaria
como que “ajoelhado diante de Mammon”, enquanto o horizonte de uma vida eterna ia
desfalecendo.
Os seres humanos foram sendo forçados a buscar valor exclusivamente nesta vida
terrena enquanto as relações sociais se degeneravam num estado de sociedade animal.
Nessa conjuntura, a riqueza e o capital passaram a determinar o status e as relações dos
seres humanos com a sociedade. Para Kuyper, assim, a revolução criou novas formas
estruturais de desigualdade, apesar de alardear liberdade e igualdade no discurso. Ele se
referia a problemas sociais modernos caracterizados por estruturas sociais instáveis que
produziram desigualdade e pobreza pior do que antes.
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Pobreza: soluções
Kuyper observa o fracasso das iniciativas socialistas de lidar com o dilema da
pobreza apenas pela via da caridade pública — que denunciava o reducionismo da
abordagem quando da sua pobreza enquanto teoria social de não perceber a
complexidade do tecido social.
OBS: John Bolt argumenta que Kuyper era um forte defensor de um estado estritamente
limitado. Outros, como James W. Skillen, argumentam que a abordagem de Kuyper
permite uma latitude mais ampla para a ação do Estado. Cf. John Bolt, A Free Church, A
Holy Nation; e J. Skillen, In Pursuit of Justice: Christian-Democratic Explorations.
Em comparação, Kuyper pensa que os valores espirituais conferem aos pobres mais
dignidade e alegria na vida. Ele também discute as necessidades espirituais dos ricos.
Somente quando os seres humanos perceberem a realidade da vida eterna, eles
poderão apreciar o valor da vida terrena. Portanto, Kuyper postula que um importante
chamado da igreja é fazer ricos e pobres perceberem que existe algo de valor
transcendental e que o benefício espiritual vale mais do que o bem-estar terreno.
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Família, igreja e estado
Kuyper propõe ainda medidas dentro da igreja para preencher a lacuna entre ricos e pobres. Primeiro, o
amor deve levar à ação e, ao fornecer ajuda aos pobres, os cristãos estão praticando o amor cristão. Em
segundo lugar, o sacramento da comunhão pode servir como uma forma de conceder aos pobres igual
dignidade com os ricos. Como Kuyper explica: “Assim como ricos e pobres se sentam à mesa da
comunhão, você também sente pelo homem pobre como por um membro do corpo, que é tudo o que
você também é.” (The Problem of Poverty, p. 69). Kuyper vê a Ceia do Senhor de uma forma
tangivelmente unificadora. Como diz James Bratt, “por mais consciente que [Kuyper] fosse, ele tinha uma
visão integral da sociedade humana como um só corpo” (James Bratt, Passionate about the Poor, p. 41).
Contra as perspectivas do coletivismo socialista, a busca crua do interesse próprio e efusões piedosas
sobre a Mão Invisível, Kuyper clamou pelo cultivo consciente da fraternidade cristã. Ele escreve: “A
questão na qual todo o problema social realmente gira é se você reconhece nos menos afortunados,
mesmo nos mais pobres, não apenas uma criatura, uma pessoa em circunstâncias miseráveis, mas uma
de sua própria carne e sangue: por amor de Cristo, seu irmão.” (Kuyper, Social Question, p. 75)
Nesta segunda parte da aula, vamos apresentar brevemente sua visão do potencial
positivo do empreendedorismo, como a graça divina se relaciona com os
negócios, a função social do dinheiro, o chamado ou vocação para os negócios e
como a união das duas graças, comum e particular, nos ajudam a entender sua
perspectiva sobre o tema.
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Deus e negócios
Kuyper obviamente via com restrições a atividade especulativa, o consumismo
burguês, as injustiças socioeconômicas produzidas pela revolução industrial e a
priorização do acúmulo de riqueza acima das demais preocupações da vida.
Kuyper também enxergava a globalização econômica e a busca ostensiva pelo
dinheiro como idolatria.
Ele diz: “O poder do dinheiro tornou-se assim uma potência mundial que ignora as
fronteiras da terra e da nação, espalha as suas asas por toda a vida humana,
reivindica tudo, ... penetra cada vez mais nos cantos mais desconhecidos do
mundo, faz tudo dependente dela, impõe sua lei a todas as vidas, e se une nas
grandes cidades do mundo para dar à vida um brilho encantador, para construir
um templo em sua homenagem. (Pro Rege, vol. 1, p. 100).
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Deus e negócios
Qual seria então a contribuição positiva dos negócios para a vida
humana? De acordo com Peter Heslam, a visão positiva de
Kuyper dos negócios inclui suas idéias sobre (1) a liberdade
econômica e o papel da regulamentação, (2) trabalho organizado
e o papel das guildas, (3) o valor eterno do trabalho terreno, (4)
administração e filantropia, (5) globalização econômica, (6)
negócios como uma “instituição mediadora” entre o indivíduo e
o estado, (7) o funcionamento da graça de Deus nos negócios,
(8) a função social do dinheiro e (9) a vocação dos negócios.
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Deus e negócios
Vamos falar especificamente sobre os três últimos elementos.
Kuyper recorreu aos relatos dos artesãos Bezalel e Aoliabe em Êxodo 31: 1-6 e 35:
30-35 e da produção arável em Isaías 28: 23-29 para substanciar sua tese de que
Deus é a fonte de todo o trabalho artístico e habilidade e de todo conhecimento e
inspiração na agricultura.
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Deus e negócios
Tudo isso, insistia Kuyper, é fruto da graça comum, que atua de
maneira específica na esfera do comércio, assim como funciona de
maneira específica em outras esferas:
“A graça comum se estende por toda a nossa vida humana, em
todas as suas manifestações ... Há uma graça comum que brilha no
desenvolvimento da ciência e da arte; há uma graça comum que
enriquece uma nação por meio da inventividade nas empresas e no
comércio” (Kuyper, Common Grace, vol. 1.2, p. 514)
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Deus e negócios
À medida que essas formas de graça comum entram em vigor, elas elevam o
padrão de vida social; enriquecem o conhecimento e a habilidade humana; e
tornam a vida “mais fácil, mais agradável, mais livre e, por meio de tudo isso,
nosso poder e domínio sobre a natureza continua aumentando” (Common
Grace, vol.1.2, p. 548)
Essa imago Dei atua como uma “semente” dentro de diversos seres humanos e só
germina por meio de suas relações sociais. Essa semente permeia todas as
culturas. Claramente, para Kuyper, os negócios reúnem todos os outros aspectos
da cultura ao refletir a criação humana feita à semelhança divina, um ato que enche
esses seres de um potencial incrível.
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Graça particular
Se a imagem de Deus nos seres humanos não se restringe apenas à cristãos, mas à todas as
pessoas, qual seria o papel da graça particular na esfera comercial? Em outras palavras, existe
algo novo acontecendo ou deveria acontecer algo sui generis na sociedade quando cristãos
regenerados se envolvem no comércio? A distinção que Kuyper fez entre a igreja como
instituição e organismo é de especial relevância para essa discussão.
De um lado, enquanto organização, a igreja tem seus estatutos, leis, ofícios e ministérios,
dentro os quais Kuyper destaca a proclamação da Palavra, ministração dos sacramentos, e as
ações de misericórdia. De outro lado, como organismo, cada cristão tem a tarefa de
transcender o título de “membro da igreja” e trazer o poder do reino de Deus para dentro de seu
lar, na esfera educacional, em seus negócios, e em todas as suas atividades como cidadão.
Como ele mesmo destaca, “A igreja como organismo influencia a vida do mundo, mudando-o,
dando-o uma nova forma, elevando-o, e santificando-o.” (Common Grace, vol.3, p. 421)
Para Kuyper, no final das contas, se o dinheiro funciona como uma bênção ou uma
maldição, é uma questão espiritual: “Pode ser convertido para o bem ou para o mal;
e a escolha entre os dois depende apenas da disposição do coração humano.
Aqueles que se curvam a Mammon usam-no para a corrupção; aqueles que se
ajoelham diante de Cristo como seu Rei podem usá-lo para aumentar o brilho da
realeza de Cristo.” (Pro Rege, vol. 3, p. 123).
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A benção do dinheiro
Kuyper tinha especial admiração pela obra de Alexis de Tocqueville e suas impressões positivas
sobre os Estados Unidos da América enquanto uma sociedade comercial. Para Kuyper, os EUA
eram um exemplo de terra dourada que ofereceu um modelo de liberdade para o mundo.
Outro fator para o florescimento dessa sociedade de mercado, segundo Kuyper, era devido à
divisão do trabalho. À medida que essa divisão aumentava, o escopo e a qualidade da produção
aumentavam, e capital suficiente poderia ser acumulado para desenvolver grandes empresas.
Consequentemente, isso estimulou todos os tipos de invenções e o aperfeiçoamento de nosso
poder sobre a natureza (Common Grace, vol. 3, p. 432).
Portanto, embora ele estava pronto a reconhecer os perigos envolvidos na relação dos seres
humanos com o dinheiro, ele deixou claro que o abuso financeiro não deveria ofuscar seu uso
legítimo. Para ele, a história estava repleta de exemplos de como o uso instrumental do dinheiro
facilitou o desenvolvimento econômico necessário para o florescimento da sociedade.
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A vocação para negócios
O potencial social positivo inerente à criação de riqueza material refletia, para Kuyper, o
fato de que os negócios são uma vocação honrosa para um indivíduo seguir e que os
negócios têm uma vocação honrosa a cumprir na sociedade. Portanto, cristãos devem
estar preparados para neutralizar os efeitos corruptores do pecado na vida dos negócios,
dando um bom exemplo na produção, processamento e distribuição de bens e serviços.
Kuyper escreve que os filhos de Deus devem “ter orgulho de não ficar para trás dos outros
neste reino [negócios], porque também nesta área da vida é Deus quem nos dá sabedoria,
Deus quem prepara os meios para nós e Deus quem guia o desenvolvimento da
sociedade vida através de sua graça comum.” Usando exemplos do comércio holandês,
Kuyper diz que trazer os melhores produtos para o mercado, fazer aquisições sábias e
conduzir um comércio sólido é o caminho para a prosperidade de que as sociedades
precisam, e os cristãos precisam estar na vanguarda (Common Grace, vol. 3, p. 433).
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A vocação para negócios
Kuyper continua, ele afirma que de Deus vem o “espírito empreendedor” e o desejo
e a inclinação que as pessoas têm de se ocupar com certo ofício em detrimento de
outro. O que as pessoas escolhem fazer com suas vidas, portanto, não é
coincidência, mas uma questão relacionada ao que Deus implanta dentro delas. É
com base nesse sentimento de vocação que os seres humanos devem perseguir
suas vocações e não a busca cega pelo dinheiro.