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MarTHa C. NussBaum FRONTEIRAS DA JUSTIGA DEFICIENCIA, NACIONALIDADE, PERTENCIMENTO A ESPECIE martinsfontes SUMARIO ru Agradecimentos, x1 AbreviagBes, xv “Apresentagao a ediao brasileira, XV CAPITULO 1, 0S CONTRATOS SOCIAIS E TRES PROBLEMAS NAO SOLUCIONADOS DE JUSTIGA, 11 problemas nao sol 05 problemas nao solu iv, Livres, iguais e independentes, 31 “ionados, 18, nados, v, Grotius, Hobbes, Locke, Hume e Kant, 4. ‘Trés formas contemporaneas de contratualismo, 66 Oenfog idades, 83, As capacidades e 0 contratualismo, 98 A procura da justica global, 11 das caps ULO 2. AS DEFICIENCIAS E 0 CONTRATO SOCIAL, 117 Assisténcia como necessidade e problema de justiga, 117 Versées pr privado, 127 © contratualismo k: jano de Rawls: bens primétios, ada e vantagem Adiando a questio da deficiéncia, 134 ¥. Pessoalidade kantiana e impedimento men CO cuidado e a deficiéncia: Kittay e Sen, 174 Reconstruindo o contratualismo?, 181 0 5. AS CAPACIDADES ALEM DAS FRONTEIRAS NACIONAIS, 337 i. Cooperagio social: a prioridade dos direitos, 337 Por que capacidades?, 347 As capacidades e 0s direitos, 350 iy, Igualdade e adequagio, 359 ¥, Pluralismo e tolerancia, 364 racidades; Um sto” internacional?, 367, peragio soc A globalizagao do enfoque das capacidades: 0 papel das Dignidade: aristotélica, nfo kantiana, 196 instituig lv. A prioridade do bem eo papel do acordo, 198 Vili, A globalizacéo do enfoque das capacidades: quais Por que capacidades?, 201 Insttuicdes?, 82 ix, Dez principios para a estrutura global, 388 CAP{TULO 6. ALEM DA “COMPAIXAO E HUMANIDAD! JUSTIGA PARA OS ANIMAIS NAO Hi eres que t2 nidade: a norma da espécie, 220 Perspectivas a ticas publicas: a questao da tutela [guardianship], 239 O llberalismo e as capacidades humanas, 266 CAPITULO 4. VANTAGEM MUTUA § DESIGUALDADE GLOBAL! 0 CONTRATO SOCIAL TRANSNACIONAL, 277 i. Um mundo de desigualdades, 277 a teoria da justica: apresentagao do contrato em dois, vill, Pos ix, Igualdade e adequacio, 466 x. Mot Um consenso sobreposto?, 475 ios politicos basic oves: 0 contrato em dois ee dano, 470 a das idade do conilito, 492 xiv. Em direcdo a uma verdadeira justiga gl CAPITULO 7. 0S SENTIMENTOS MORAIS E 0 ENFOQUE DAS CAPACIDADES, 499 Referencias bibliogndficas, 509 A memsria de John Rawls AGRADECIMENTOS Este livro comecou a partir das Conferéncias Tanner sobre valo- res humanos na Australian National University, em Can em novembro de 2002. Essas conferéncias foram apresentadas em seguida como “As Conferéncias Tanner sobre valores huma- nos” no Clare Hall, na Cambridge University, em margo de 2003. sidade ao me pe eréncias e, assim, receber uma quantidade incomum de va- josos comentarios e recomendacbes ext lie Francis e Eva Kittay sobre questdes de deficiéncia, Zoya Hasan ¢ Amartya Sen sobre questées de justiga transnacional, ¢ Peter Singer e David DeGrazia sobre os direitos de animais ndo huma- nos, Também agradeco aos outros presentes nos seminérios edis- Ges por suas contribuigBes valiosas, especialmente a Robert © material sobre deficigncia também fot tema de um simpé no encontro da Divisio do Pacifico da Associagao Filosofica Ame- ricana; sou profundamente grata a Lawrence Becker, Eva Kittay, Andrews Reath e Anita Silvers por suas contribuicées extrema- XIT- FRONTEIRAS DA JUSTIGA ‘mente titeis, Essa mesma conferéncia também foi apresentada na Escola de Critica e Teoria da Corns University, ocasidio em que recebi comentirios valiosos de muitos particip ick La Capr es, espec ary Jacobus, Magda Romanska ¢ Michael Steinberg. (© material sobre justiga transnacional foi apresentad como me, patrocinada pela Queen Elizabeth House, em Oxford. Agradego a Frances Stewart por seu convite maravi- 80, a Frances Stewart, Sudhir Anand, Barbara Harriss e outros, por seus \tarios enco simpésio em honra ao nonagési Gewirth; ipSsio ocorre menos de um ano antes de sua morte, na primavera de 2004. Agradeco a Gewirth, a Michael Kremer € a Michael Green pelos tarios desa ocasido. Sou extremamente grata a John Deigh, Craig Duncan, Eliza- Cass Sunstein ¢ lo 08 rascunhos, ¢ também por seus ha Minow, Henry Richards: Vogler por terem liosos. Sei que nao respondi a todos os seus ques- ¢¢los também sou grata @ Ann Hawtho: a Jennifer Jol 1 pela meticulosa edito- © a Rachel Goodman pela revisio e Verses anteriores deste material apareceran npressas da forma: 1odas as trés segbes do mento: s, volume 24 (Salt Lake City h Press, 2004), pp. 413-508. les 32 (2004), pp. 328. I do capitulo 6 “Bey versity Press, 2004), pp. 299-320. Todo 0 material é impresso aqui por cortesia da Tanner Foun- dation, Nenhuma das versées anteriores é, em algum sen nal;na verdade, minhas formulagdes neste volume so em muitos para um exan ico porque é a teoria politica mais forte que a tradigéo do.contrato sociale, sem diivida, uma das, sofia pd possuimos, reas que o proprio Rawls considerou problemas nao soluciona. dos, problemas que desafiam sua teoria de tal maneira que dle trais de sua teoria para lidar com essas novas questdes. Apesar de 10 pode ser feta sem introduc sé teoria que derivam da tradicéo do , seus principios ¢ seus m guia excelente na medida em s questoes. Com grande res: acreditar que essa ampliagio partes de s cxeio qui fndamentos intuitivos fornecem, rias alteragies et que perseguimos essas novas e dif peito, amizade e tristeza, dedico ese livro a sua memséria. NTEIRAS DA JUSTICA “The Law of Peoples,” in On Human Rights: The Oxford Ammesty Lectures, 1993, org, Stephen Shute e Susan Hurley (Nova York: Basic Books, 1993). iada. (Nova York: Colum bia Univers ty Pes 1996.) (Irad. bras.: 0 liberalismo po- o: WMF Martins Fontes, 2011.) A Theory of (C: gy). (ad bras: Una toi da justiga. S40 Paulo: Mar- tins Editora, 1997.) ge: Harvard University Press, APRESENTAGAO A EDIGAO BRASILEIRA” Para o leitor que apenas conhece a obra recém-traduzida para o portugués The Fragility of Goodness. Luck and Ethics in Gr ‘Tragedy and Philosophy (A fragilidade da bondade: fortuna e ética na tragédia e na filosofia grega|’, pode parecer que a autora mu. dou completamente o rumo da sua investigagao filoséfica com a presente obra, Nela, Martha Nussbaum nao aborda temas ¢ autores da filosofia antiga, mas questées da filosofia politica e da justica social contemporaneas. Trata-se de uma obra na qual pretende seguir algumas intuigdes de Rawls acerca do problema da justiga mo tempo corrigir a sua teoria e amp! que possa dar conta dos problemas de justica aos quais sua teoria da justica nao consegue apresentar solugées. Entre a publicagao do A fragilidade em 1986 e a publicago do Fronteiras, em 2006, muita coisa se passou. Nesse meio-tempo, a obra de Martha Nussbaum deixou de ser uma referéncia importante exclusivamente para os estudiosos da filosofia antiga e passou a ser também uma referén- para os interessados em filosofia do direito e moral idge: Harvard XVIII. FRONTEIRAS DA JusTIGA Hoje, ela é inclusive professora de filosofia de direito da Univer sidade de Chicago. Ao longo das duas décadas que separam uma da outra, seu pensamento foi convergindo cada ver mais ara tematicas sociais contemporiineas, com que publicou nesse perio. atestam os livros 1. A trajet6ria intelectual de Martha Nussbaum do A Sragilidade da bondade (1986) até Women and Human Development: the Capabilities Approach (2000) Em 1986, Mai da em todo 0 mundo, A fra ética na tragédia e ‘uma nova fronteira para os estudos da ética aristotélica a0 pen jento 0 aristot 0 as tragédias e 20s aspectos trigicos a vida humana ~ como afirma no preficio a edigdo revisada de 2001: “A fragilidade é acima de modos mediantes 0s 4 0 sobre desastre, eos pensamento ético lida com o desas- tre” (p. xxvii), No mesmo ano da publicagao do A fra balhar com o economista (World Ins c for Developme ide das Nagdes Unidas em Helsingue. Aristételesfalava sobre um au cionamento humano assemelhava-se com a teoria de Sen acerca das “capacidades h -12). Sen desenvolveu sua lise da qualidade de vida dos habitantes de determinados paises a partir da renda per Gragas ao seu trabalho, organismos is como a Unesco hoje adotam o Indice de Desen- volvimento Humano (IDH), no qual fatores jidade, escolaridade, taxa de dos para aferir a ca de morta. 10 analisa- nego, entre outros, lade de vida de determinada popula¢ao. ‘Nussbaum passou, desde entao, a visita regularmente nao s6 a Finlandia, mas também a India, pais em que eram desenvolvidos 0s projetos do Wider. Essa experiéncia vai marcar profundamente 0 seu pensamento filoséfico. Ocorre entio, uma guinada na sua trajetdria intelectual, Passa a escrever sobre temiticas relaciona- dasa iga social e poriineas, Entre as questdes da justia social contempordnea, es tava a da situagio das mt experiéncia junto ao Wider, di académicos norte-americanos (2008, p. xv). Passow a interessar- heres em nagdes pobres. Gragas a sua -se por outras culturas, principalmente as asiaticas, mas, em par- ticular, a indiana, A despeito da enorme admiracéo que passa a sua riqueza literdria e religiosa, re nente que a democracia constitucional indiana Human Development: Capabi- heres e desenvolvimento humano: 0 enfoque relatos s. Como relata nas pai experincia com pesquisadores sociais do Wider Ihe mostrou josofia o estudo de casos e os rel como é importante para a individuais, sea porque servem de mecanismos de “prov uma segunda verso de sua lista transcultur cidades” humanas essenciais para u humana (a primeira versao apareceu [Sexo & justiga soci |, 1999). A lista tem o propésito de nortear XX. FRONTEIRAS DA JUSTIGA politicas piblicas e de fornecer uma base para os principios cons- tucionais que os cidadios podem exigir de seus governantes (2008, p. 12) Nussbaum ¢ 0 economista indiano Amartya Sen sio, hoje, os is principais representantes da teoria social do enfoque das ca pacidades (capabilities approach). Partindo da perspectiva atisto- depende de uma per- cepsio vivida das circunstancias concretas, e de acordo com a lade de agao e ive acapacidade basica de Nussbaum chega & lista de dez capacidades cen- funcionamento das capacidades” trais (2008, pp. 78-80) - que, como ela mesma diz, corresponde de forma a lista dos direitos humanos, porém mais detalhada: direito vida: nao morrer prematuramente por falta de assis téncia ou cuidado; 2. satide fisica: ser capaz de ter uma boa satide, sive saiide repr se adequadamente; ter protecio adequada; . integridade fisica: nao ser vitima de viol cia, poder circular livremente pelos lugares, ter opo erdade de escolha em assuntos reproduti vos; 4. sentidos, imaginagao e pensamento: ser capaz de usar os ido nar e de fazer essas co ‘uma maneira “ve humana da e cultivada por uma educacéo adequada; ser ¢ propria mente de modo protegido pelas g expresso com relagdo tanto a discurso artistico quanto politico, eliberdade de exercicio religioso; 5. emogGes: ser capaz de amar se preocupa conosco; nao ter © proprio desen- prejudicado por sentimentos de medo ¢ angiistia; 6 razio prética: ser capaz de formar uma concepgao de bem para si mesmo e de refleti cr te sobre o planejame propria vida; 7 afiliagao: a ser capaz de viver com outros ¢ por outros; b. ter a base social para o autorrespeito ¢ néo humi- Ihagao; 8. outras espécies: ser capaz de viver com pre por e em relacio a plantas, animais e 0 mundo da natureza; 9 zer: ser capaz de rir, brincar e participar de atividades de recrea le sobre o proprio ambiente: a. po de participar de escolhas politicas. b. material: ser capaz de ter propriedade mento de um eixo de preocupacao exclusivamen- nado a filosofia antiga e sua aproximagao maior de te. na redagio do prefé redimensionar sua posigao com relacao a ética aristotélica e 20 papel das emosies para a ética. Aristételes acreditava que @ poli do com uma concepeao abrangente do que seria uma vida huma- na boa. Nussbaum, entretanto, defende que a politica deve se restringir a promover as capacida pois cabe a cada qual optar pelo emprego ou nao de suas capaci dades. Além disso, a politica nao deveria abrangente de boa vida, pois a diversidade e plur dade de concepgdes religiosas e afins. Como afirma, o seu aristo mo seria uma forma de “liberalismo politico”. Confessa que 0 seu aristotelismo foi sendo influenciado cada ver mais pelas ideias de John Rawls e de Immanuel Kant. Um dos pontos princi as emogées possuem em nos informar sobre a relevancia ética de \gbes. Seguindo Aristételes, Nussbaum mostra nesse ivo das as diz pouco sobre 0 que sao as emogGes. Em suas pesquisas subsequentes, como relata no prefécio, a investigagao das emocdes ocupou um papel central. O es as helenistas e do estoicismo an- XXII FRONTEIRAS DA JUSTIGA 1, € sua pesquisa sobre a qualidade de vida das mulheres, fez que avaliasse de maneira mais critica a relagio entre crenga e emosio. A despeito de continuar a investigar de perto 0 papel Gtico das emogdes, diz que gostaria de ver sua obra “associada a0 a de uma vida social fundada na razio” Para os de julgamento avaliativo que nos levam a atribuir a coisas que extrapolam o controle do agente, tais como riqueza, honra, mento. Para os estoicos iro, importéncia para nosso floresci- as formas de falsas, Nussbaum rejita a forma prescrtiva, normativa das ex smento avaliativo sio namentos estoicos, mas considera vilida sua critica ao apego aos como sua concepeéo da dignidade humana. Nio ha em Arist6teles uma concepcéo universal da dignidade hu: ‘mana, como hi entre 0s estoicos. Na obra The Therapy of Desire [A terapia do desejo] (1994), na personagem ficticia, a alu- les, nas escolas he- imentos do estoico romano, Séneca. Sua intencio & a de mostrar 0s pontos fortes e fracos da educagio fi loséfica aristotélica, principalmente no que diz respeito aos seus aspectos politicos. O ponto nevrilgico de a era de esperar, a critica § avaliagéo aristotélica dos que ps educados a legislar sobre 0 bem comum. Além disso, 0 filésofo nao deveria restringir seu piblico-alvo aqueles que almejam uma educagao fi- loséfica, os estudantes de filosofia; a0 co pessoa, A finalidade de sua atividade é, portanto, em pritica, visa a agao curativa sobre individuos. Cai por terra aqui APRESENTACAO A FDIGAO BRAS! Xxu nio s6 a justificagao aristotélica para a divisio desigual de poder, ‘mas também sua paideia moral. Nao apenas os que tiverem tido uma educagao das emogoes através da admoestagio da autorida. de paterna ou do preceptor estardo aptos a aprender as técnicas terapéuticas de extirpacdo das «e qualquer ser humano nasce com razao, portanto, com ¢ de raciocinio er Ao entre as duas filosofias é a import ma € 0 as crengas socialmente adquiridas que servem de base as emo bes. Para Séneca, todas as crencas socialmente adquiridas que servem de {es so falsas. O principal argu ‘mento com que justifica suas posigdes é 0 de que tals crengas le ‘yam de maneira geral Jicidade esta fora de si, Seneca retoma o prin comoa ‘enquanto acharmos que nossa felicidade depende da aquisigao de bens que fogem ao nos- so controle, serena. Valores como riqueza, honra, poder, amor, conduziriam a alma aemogbes ‘conseguiremos ter uma v doentias. Visto sivel nos apoderarmos completa: mente de nenhum desses bens externos, somos presas ficeis de emogdes ruins como a raiva, a célera, a inveja etc. Os bens e as virtudes s ro da alma atra ha do pessi conhece, com Ari < mas acredita que a énfase de Séneca ao aspecto racional terapéu- tico das emogies e crengas deve ser levada em conta por toda fi- losofia que tenha um objetivo eral XXIV . FRONTEIRAS DA TUSTIGA a kantiano fica evidenciada Justice, Resultado da reuniio de ensaios escritos entre 1990 e 1997, 0 ivro aborda principalmente questées de género € sexo, como a prostituigo e a pornografia. Encontramos nele a primeira formulagao da lista das capacidades humanas centrais. Segundo Nussbai idade (personhood), direitos, dignidade e autorrespeito sio os termos principais do iberalismo iluminista, Na sua percepcio, nos diversos paises do mundo, as mulheres estariam usando esses termos como os me thores termos com os quais conduzir uma critica radical da socie- dade. Para Nussbaum, esses termos refletem critérios cruciais para aferir a qualidade de vida das mulheres. Nesse livro, ela con tra-ataca trés criticas centrais do feminismo ao liberalismo: (i) 0 liberalismo & muito individualista; (i) 0 igualdade é s decisoes, deixando de lado o papel das emogoes. A primeira critica dirigida ao liberalismo almeja mostrar que © individuo nao é um corpo isolado, mas sim relacionado a col ivos afetivos, como a familia ea comunidade, Nussbaum contra- ataca afirmando que tanto o liberalismo iluminista quanto o atual levam em consideragao a centralidade das relagées humanas ¢ da comunidade, Na medida em que o principio basico da ética kan- tiana ¢ o respeito & autonomia do outro, ele nao esta isolando 0 10 do convivio social, mas sim o contrério, mostrando a interdependéncia entre as pessoas. Rawls, por outro lad 1a posicio original. Além disso, ha situagdes em que & importante, sim, colocar a precedéncia do indi ia a saber, q APRESENTAGKO A EDIGAO BRASILEIRA . XV com muitas mer 5, que recebern uma poreao diaria de alimento inferior aos meninos. Nesses casos combate-se melhor a injustiga de género apelando para a separatividade (separateness) do corpo humano, ou seja, cada pessoa ¢ uma unidade fechada, representada pelo seu percurso tinico do nascimento morte, lével a qualquer outro curso de vide. inda critica pode ser dirigida a uma fase do liberalismo, mas nao anistoricamente ao liberalismo de maneira geral. De na sta primeira fase histérica o liberalismo propugnava um ideal abstrato de igualdade que, na verdade, deixava tria geral de poder, seja entre as classes sociais, seja entre homens e mulheres. Ao menos desde U do meramente formal de igualdade foi rejeitada, E necessétrio que o Fstado garanta a igualdade de acesso a alguns pré-requisitos ma- para que de fato ‘em igualdade, Por iltimo, a critica femi x 0 do » parece ignorar que as emogdes nio sio naturais, mas mente construidas. Assim, em situagdes de opressio, nas quais, a mulher vive sob o medo de ser agredida, a forma de combater leixando-se ficar presa & emogao paral sim procurando refletir e sol formas de escapar dela. O uso da capacidade reflexiva uma arma central no combate a violéncia e opressio. mo, a centralidade da autonomia e capacidade de escolha indivi dual. Essa capacidade, porém, nao é, como em Rawls, condic: para todas as outras; ela esté atrelada as outras nove: fisica, afiliagdo, said fisica, imaginacio, emocbes, lazer, controle sobre o proprio ambiente. Diferente dos animais, 0 ser humano nao esta totalmente sujeito as forcas da natureza € XXVI- PRONTEIRAS DA JuSTIGA dos instintos, el le ter controle sobre sua propria vida, Mas ‘um ser humano faminto, por exemplo, nao pode usulruir do pra- er daa at um ser humano doente tem afe- tado o seu bem-estar, ¢ um ser humano agredido constantemente perde o senso de autorrespeito. De maneira geral, cada capacid: geral, cada uma das cas, Ter uma dessas capacidades e nao querer usi-la édiferente de ‘do té-las simplesmente porque alguém nao vé vocé como um in. auténon meio para a Outra caract india, e seu estudo in loco da fes nesse pais, Nussbaum convoca as feminis- rem de seu universo excl luirem vamente lemas de is mulheres na India q nto infantil, dote, proibigdo de trabal mente 08. No bojo dessa posigao defensor da eres de paises no n afirma que as socie. wnos para todos os seres hui Nussbaum smo historicamente cor APRESENTAGAO A EDIGAO BRASILEIRA » XXWHT 2. Fronteiras da justica As primeiras teorias acidentais sobre a justica politica e social ado em um Estado de Direito fizeram uso da metafora de um e iberdade natu- s. Essa foi a es- de natureza ficticio para ilustrar uma igualdade ral pré-p\ tratégia e para refutar as bases desigu itica, nao convencional, entre os rada entre os teéricos modernos do século XVII da justica entre os homens das mo- narquias absolutistas europeias. O individuo aceitaria ab de sua liberdade total no estado de natureza, apenas na medida cm que lhe parecesse que a vida em uma comunidade eivil, de di- reito, the fosse mais vantajosa. Assim, alegitimidade da autoridade politica do governante supremo emanaria diretamente do povo Este outorgaria ao governante a autoridade para legislar em prol do bem piblico. A agio de outorgar autoridade ao governante € consentir em participar de uma comunidade civil € descrita como um pacto ou contrato social. Ao optar por participar da comun: dade, oindiv de um Estado passa a usufruir tanto dos seus beneficios, ia vida, quanto do seu 6nus, como nal e {uo livre torna-se cidad mo protec e segu- uapropriedadee de ranca a submissio is regras comuns. No computo geral, seria mais van tajoso para o individuo participar da comunidade do que ficar fora dela, jd que a submisséo a uma autoridade geral garanti idade entre os homens. Por io do respeito e recip Jado, 0 poder do governante nao seria irrevogavel. Caso descui pre averia uma cliusula no contrato que autoriza- dasse do bem comum ou ameagasse o direito fundament servagio da vide, nidade da justica pol ria sua destituigao do poder. A do poder do governante dependeria sempre do cumpriment obrigacio geral de servagao da vida e protegio dos interesses ccomuns. XXVIIE. FRONTEIRAS DA TUSTIGA Como mostra Nussbaum, hé diferencas importantes entre os dois principais tedricos do contrato, Hobbes e Locke. Por um lado, ambos entendem que o cilculo prudencial serve de base para o Consentimento, ou seja, & mais vantajosa para 0 individuo a v em comunidade do que a vida em separado. Nesse sentido, no parece haver uma base moral para a origem da justica politica Em Hobbes, de fato, a moral s6 su catrelada nteresses indi- iduaiss porque almejo a seguranga, aceito o principio da recipro- dee do respeito ~ ainda que estes nao sejam nunca meramen- truistas-, e ndo o inverso. Em Locke, a relacao entre justia e moral é ambigua, visto que tanto id: a justica servagao. ifica uma base moral para ca, a benevoléncie, ou seja, a preocupacio pela pre- 1086 da prépria vida, mas de toda a humanidade, quan- to entende que 0 social esta teresse do indivi 10 em patticipar do pacto na busca de beneficio pessoal, como a protegio da sua propriedade e preservagao da pripria vida. Mas é dele a formula. @o que determina que os participantes do pacto sejam iguais e independentes’ Na época da sua formula 0 nio se imaginava que as mulhe- res poderiam participar do pacto, pois nao eram membros “livres, iais e independentes’, dependiam economicamente de seus no participavam da gera Nesse sentido, a sua nao produti de ri 1e7a pelo trabalho. idade lhes impediria de partici par do pacto social que previa na sua base a possi gem miitua mediante as diversas contr pantes. salienta Nussbaurn, um dos grandes problemas da teo- ria contratualista sobre a origem da justica p na sua equipacio e ica e social esta acto e para quem o pacto . as regras de justiga surgem para ate esse piiblico especifico de homens livres e produ mos dizer que a desigu: é fei Dessa manei ide de género diminu visto que as EDIGAO BRASILEIRA » XXIX APRESENTAGA jor medida no mercado de mulheres entraram em maior ou mé trabalho, tornando-se membros produtivos da comunidade n cional. Mas, como salienta Nussbaum, ainda falta muito para que 6 Estado e suas instituig6es entendam que o privade também pertence a esfera politica, e nesse sentido reconhegam como tra- batho o servigo de assisténcia realizado dentro dos lares pelas gual reconhecimento er mulheres. Esse servigo requer net ¢40, como qualquer outro. A base produtivista dos pactos soci também inclui em maior medida as minorias, raciais, sexuais € éinicas. Na medida em que participam da produgio de riqueza, ‘0s membros desses grupos teriam seus direitos reconhecidos e respeitados. Nussbaum mostra, entretanto, que medir 0 indice de satisfagao e justiga pelo acesso a oportunidade de emprego e sald rio nao é suficiente para aferir o bem-estar social pleno, visto que pessoas q lam a esse critério podem muito bem necessitar mais do que a média de outros bens, mento co respeito piblicos; por exemplo, os homossexuais e as minorias ftnicase ra John Rawls revive a teoria do contrato social em Uma teoria dajustica ~langado nos Estados Unidos em 1971. Para Nussbaum, la por Rawls acunas e falhas ateoria da justiga como equidade formul ame- Ihor teoria de justica liberal existente, mas po {que precisam ser corrigidas a fim de incluir individuos que esto e mentais, os cidadios O contrato fora do pacto, como os defic de paises em desenvolvimento e também os a social tem por base a ideia de que os que r mitaco dos p mo contrato para as pes: soas para quem 0 pacto € feito, Por essa razio, imaginam que os cidadios a sua semelhanga so membros de um Estado Nacional jormais que Ihes per e possuer capacidades racio item ser “membros plenamente cooperantes de uma sociedade XXX. FRONTEIRAS DA JUSTIGA ‘a0 longo de uma vida inteira’, como afirma Rawls em O liberalis- 0. Eevidente q Sse cas0, 0 estrangeiro pobre, 0 ani- maleo de ico e mental esto excluidos do pacto. Ao nfo Participarem do pacto, ou melhor, nao terem representantes seus no momento do desenho dos principios da justiga, aqueles néo serdo contemplados posteriormente com medidas que atendam as suas necessidades especificas, visto que os que desenham o pac to o fazem para atender as suas necessidades medianas. A teoria da justiga de Rawls seria, segundo Nussbaum, uma ‘oria hibrida. Ou seja, ela possuiria tanto elementos do racioci nio prudencial egoista quanto elementos morais, Rawls nio usa a metifora do estado de natureza, e de seus direitos pré-politicos, para explicar a razio de os individuos realizarem o pacto social, ‘mas em compensacio adere as circunstancias humianas da justiga Para Rawls, seguindo Hume, a situagao de escassez moderada se- ria 0 que motivaria as pessoas a buscar principios que organizem 4 sua reunio umas com as outras, em comunidade, irmanadas ¢ Protegidas por principios de equidade ¢ justiga, Nesse sentido, a justica nao seria um sentimento moral que guiasse as relacdes ira geral, anterior a qualquer configuragio po- especifica. Assim, tanto para Hume quanto para Rawls ¢ 08 contratualistas modernos, 0 que motiva o ser humano a esta- belecer uma comunidade politica é apenas a busca da conserva- 20 da vida e da vantagem mtua. A teoria de Rawls, entretanto, também possuiria um elemento moral na medida em que adota a » kantiana de autonomia moral. Independente de qualquer acto, para Kant todo indiv do de capacidade racional é ‘um fim em si mesmo, Cada individuo t o de fazer exercicio de sua autonomia e nao servir de meio para que outros atinjam seus c APRESENTAGAO A EDIGAO BRASILEIRA « XXXT impedimento moral de instrumentalizar outros seres humanos, atilzs-los como ferramentas para atingir objetivos particuares, aparece na teoria de Rawls sob a imagem do “véu da ignoranci Dispsitivointroduido na posigdo original, ovéu daignorancia impede que as partes participantes do contrato saibam qual sera sua posigao social e seus talentos naturais na sociedade bem or- denada. Para Rawls, o fato de desconhecer essa bre si mesmo conduz automaticamente as partes a buscarem um arranjo social que as favoreceria independente da posicio social que venham a ocupar, Rails nio pretende que em sua sociedade democritica liberal bem ordenada ara basica seja or- ganizada segundo os dois principios da justiga escolhidos pelas pares, ndo haja desigualdades. Elas sempre existirdo tendo en vista as diferencas naturais e sociais existentes, mas compete as, {bes de uma sociedade bem ordenada diminuir essas desi- gualdades de modo a permitir que todos tenham oportunidades iguais a emprego e educagio e possam os mais pobtes ser favore- idos pelo enriquecimento dos ricos (principio da diferenga). Para atingir um consenso sobreposto acerca dos melores Prnipos de justica, Rawls acredita que as partes devam partir de uma con cepcfo minima do que seriam os bens primiiios que todos os indi- viduos almejariam lependente das concepgdes dive a ter, e que muito provavelmente tessobre o bem que possam vir a tere q terdo, dados, entre outros, o pluralismo religioso e a liberdade de expressio em vigor. Estes seriam, ento, liberdade, oportunidade, riqueza c renda. Para Rawls, bastariam esses quatro elem individuos tenham condigdes de pers estar di im, renda e riqueza nao garan: tem bem-estar fisico nem psicol6gico, tendo em vista tanto que as XXX. FRONTEIRAS DA JUSTIEA APRESENTACAO A EDIGAO BRASILEIRA - XXXIIT pessoas necessitam de quanti iadas desses bens pri odelo de normalidade ditado aqueles que no se encaixam n pela igualdade de capacidades. Certamente, como diz, Nussbaum, pessoas c os podem muito bem se tornar membros produtivos de uma sociedade marios; quanto que outros bens, nao materiais, como os presen tados na lista das capacidades, sio tdo 0 ais importantes do ida com dignidade hu- pedimentos fi s condigbes fisicas, entretanto, que a sociedade adapte os espagos de suas s. Os trés probl 1dos mostram isso claramente. mas nao solucio- eloc hos p especiais dessas pessoas. Suas fi afetadas, sendo assim nada, na verdade, as i ios de justica, desde que os es Um individuo com impedimentos mentas ou fsios perma- pedir de paticipar 4 ao longo de sua vida de mui mais assisténcia Ju seja ele necessitard de gasto para 0 seu bem-estar. Hoje en sdveis quase que ex familias sao respon. ivos pelos gastos rentes que esto nessa situ; jum descreve questio central de toda a sua argu ais graves que acarr de que as pessoas ditas normais também passa Wo adequa- ido les. Em uma sociedade verdadeiramente bem ordenada, essas pessoas nao se de sua vida em que necessit: incia ena velhice. Além da, mas também com relagio investimentos extras no deaprimo 1rna medida do possivel as su que por causa de um na crise de depressio estas idas dos arranjos sociais; a0 contréri institui- ‘ia ou permanentemente improdi yenham a ficar tempor necessitando de cui \imeros outros ar~ \dos especiais. Esses e JF que s dades esta muito mais apto a determinar qual gumentos fazem Nussbaum 2 realizar sa~ ios pessoais para c Iseconhece idade nao contempla no seu form va posterior. Para Nussbaum, a0 cont ideia do pacto social como um contrato entre partes iguais em gue devem guiar a escolha dos princi jo moralizada do que nos faz compar rporagdo das pessoas com necessidades especiais nos arranjos sociais, é neces leva, na verdade, a sit s de agravamento de injustigas contra que levem em consideracio aquilo que elas possuem em comum, SOCKIV - FRONTEIRAS DA TUSTIGA com todos os outros seres humanos, a saber, 0 desejo de florescer fazendo uso de suas capacidades humanas de modo adequado. Outro dos problemas de justiga nao solucionados mais pre mentes da atualidade é 0 da just a entre nagdes. As teorias do de quais 0s cr Estados nacior is. Nesse caso, é possivel afir- de justiga que valem para os cidadaos de deter: 4 P a entre nagdes. Ao contrério, curaram atacar esse problem: centre nagGes como etapa post trato social segund contrato, os Estados assumem o papel das par- tes eso igualmente considerados “livres, iguais e independentes” Virios problemas surgem dessa solucio em dois niveis, Por exem- ados nacionais p os ficariam dos do processo do cont m, as desigualda. entre nagdes sao acentuadas pelo controle da economia glo- ndo procurel provocados pelo ricas com os di idos da imento possuem direito a uma vida digna da ual possam fazer de suas capacidade: demodo ofe. ente apropriado. O modelo das capacidad rece os pardmetros a uma adequacio da relagdo entre ese ricas a niveis ju APRESENTAGAO A EDIGRO BRA O terceiro problema de justiga ainda nao s ais nao humanos, Rawls nao acre justica que devemos aos an ditava que esse fosse um problema para o qual a justica como equidade pudesse dar uma solucio, ne legislativo posterior. As partes contratantes do contrato de Rawls no em um estigi Kantianamente definidas no Liberalismo politico como neces: sariamente detentoras de duas faculdades morais: a capacidade deum senso de justiga e a capacidade de formular projetos pes soais. A teoria rawlsiana de justica implica que os contratantes iva e caleu possuam capacidade reflexiva, deliber: iva para que possam atingir um equilibrio reflexivo e um consenso sobreposto ‘com outros membros do pacto. Nenhum animal por mais inteli gente que possa ser jamais atingird essas caracteristicas. A obriga- ‘gio dos seres humanos para com os animais derivaria nesse caso do sentimento de compaixao e caridade, nao de uma obrigacéo moral ou politica. Com rela¢ao a esse problema especifico da jus- 10 humanos, utilitaristas como J. to mais para a discussio ta tiga que devemos a animeis Bentham e outros contribuiram acerca dos direitos dos animais nao humanos. O critério rista de prazer e satisfagdo como aferidor de bem-estar se adapta Nussbaum, o tratamento que devemos aos animais ¢ clara tuma questio de justica, uma vez que nossas escolhas afetam a manas todos os dias, causando: Vida de espécie mentos. Os animais nao humanos nao sio mol as sio seres ativos que buscam viver nossa disposicao pari suas vidas da mel capacidades oferece-nos novamente um rol de ca lades que, adaptadas as diversas espécies animais, server de guia para aferie em que medi ani XXXVI. FRONTEIRAS DA TUSTIGA Esses so os trés grandes focos do livro de Martha Nussbaum, Como reiteradas vezes di Imeja com seu enfoque das capacidades substituir o modelo do contrato. As versdes clissi cas do contrato e sua versio methorada e moderna de Rawls sio modelos validos para pensarmos certos aspectos da j ‘mas insuficientes como aferidores da bem ordenanga de uma so- ciedade, que demanda um projeto de inclusao social mais amplo. Susana de Castro Rio de Janeiro, outubro de 2012 REFERENCIAS: ©. The Fr odness: L ragedy and Philosophy. Ed. atualizada. Cambridge: ersity Press, 2001. Development: Cambridge: Cambridge University Press, [2000)), Sex & Social Justice. Nova York: Oxford University Press, 1999. The Therapy of Desire: Theory and Practice in Hell Ethics. Princeton: Princeton University Press, 1994. ‘Aqui, entio, uma pr da certa,a saber, que a justiga deriva a sua origem somente do egolsmo e da generosidade cescassez moderada dos recursos que a David Hume, Tratado da ra 1Na verdade, é bastante estranho pensar na pessoa feliz como mvrropugAo As teorias de justiga social devem ser abstratas. sto &, elas dever fer uma generalidade e um poder tebrico que lhes permitam um. aleance para além dos conflitos politicos de seu tempo, ainda que fenham neles suas origens. Até mesmo a justi do tempo, recebendo o apoio dos cidadaos por razées maiores d joprotecio ou instrumentais!. Além ostrar que cla pode ser estvel sem nos afas Por outro lado, as teo Sensiveis a0 mundo e aos s estar abertas a mudancas em suas fo suas estruturas, em resposta a um n = que estava sendo ignorado de propésito, tradigéo ocidental, por \das das mulheres por 8 DA TUSTIGA cam, no caminho da igualdade. Suas abstragdes, apesar de algu- imento de que a ca, nao parte de uma “esfera priva- a. O equivoco das teorias passada fentes parece p ‘da, hd ainda outros problemas semelhan- tes a esses, que até agora nao detectamos.) Pr ma da ju Essas pessoas so pessoas, mas nao foram até agora incluidas ‘como cidadas em uma base de igualdade com relacéo aos outros ios, nas sociedades existentes. O problema de estender edu- direitos ¢ liberdades p idadania equanime de maneira mais ampla a -0s bem como is pessoas parece um problema de just 1m problema urgente, Uma vez solugao desse problema requer um ni o modo de pensar a cida nova andlise do propésito da cooperagao social ( fo foque a vantagem mi inda, énfase na importincia do cuidado como um bem social primaéri parece provavel que lidar adequada vai -a¢ao das velhas teorias, mas uma reformulagao das estrutu- =p ras teéricas em si Em seg oprobl urgente de ampliarajustiga dos do mundo, mostrando teoricamente como podemos concretizar um mundo que seja justo por completo, no para todos os cid wTRoDUGAo - 3 {qual acasos de nascimento e de origem nacional nao deformem, profundamente, desde o inicio, as chances de vida Uma vez que todas as pr cial partem da nacio. que novas estruturas te6ricas também sejam requeridas para \s pessoas, orias ocidentais de justiga so- tado como sua unidade bisica, é provivel pensarmos adequadamente sobre esse pr Finalmente, temos de enfrentar as questoes de justica envol- vidas veres, as dores e 0s ultrajes sofridos pelos animais nas umanos foram reconhecidos como questio ética; mas poucas nosso tratamento de animais ndo humanos. Imimeras eres esse fato foi c a social. Se 0 re conhecemos dessa forma (e os leitores dest tivas sio boas), é evidente, gar is uma vez, que nga tedrica, Por exemplo, ima Jdade que requerem que gens de cooperacao social e de recipr todas as partes implicadas sejam racionais vao precisar ser reexa s de um minadas, imags io ser criadas. o diferente de cooperagao precisa HA muitas perspectivas de justica social na tradigao ocidental. Uma das mais fortes adouras tem sido a ideia do co tosocial, no qual as pessoas racionais se reiinem para a vantagem ‘ita, e decidem sair do estado de natureza e governar a si mes- joricamente uma influéncia mas pela lei. Tais teorias tém tido ‘enorme ¢, recentemente, tém sido desenvolvidas com grande pro- fandidade filoséfica na importante obra de John Rawls. Sio prova- vyelmente as teorias fortes de justica que quer mancira, Rawls argumentou de maneira vigorosa que elas conseguem, melhor do que as varias formas de utilitarismo, a calar, testar e organizar nossos juizos refletidos Uma teoria pode, no entanto, ser boa de fato, e nitagdes em alguma drea, ou areas. As teorias classicas brea fer sérias 4: FRONTEIRAS DA JUSTIGA que se baseiam na distingdo entre o piiblico e o privado possuem problemas graves quando sio levadas a confrontar a igualdade da mulher, e, até mesmo a abordagem b: de Rawls para esse problema, possui falhas*. O proprio Rawls reconheceu que 0s trés problemas que acabei de descrevi problemas espe- cis de serem solucionados por sua teoria contratua- ue segundo poder eno final da vida dedicou muito de seu trabalho para soluc -lo, Chamou o pi no entanto, ser solucionado, questdes necessitavam de mais exame de modo que pudéssemos ver quio sérios esses problemas eram, e 0 que seria necessirio 3 (LP, p. 21). Apesar de meu projeto neste livro . tal afirmagio const fato sérios problemas de justica néo teoria clissica do problemas, mesmo quando apresentada em stia melhor forma, E pot essa razdio que ao longo do livro foco em Ra para mim, expres ais veemente, e quem faz.a defesa mais forte de ridade diante de outras teorias, Se a importante teoria de Rawls possui deficiéncias graves nessas trés dreas, como espero mostrar outras, menos desenvolvidas ou yntrato, terdo provavelm: nos atraentes, da is problemas’. Espe- jostrar que 0 tipo de dificuldade que iremos encontrar nao mernopugio 5 pode ser enfrentado simplesmente aplicando a velha estrutura {e6rica 20 novo caso; ele esta encravado nesta prépria estrutura de tal maneira que nos leva a procurar por um tipo diferente de estrutura teérica, ainda que seja uma na qual a maioria dos ele mentos da teoria de Ralws sobreviverd e Ihe propiciara tao valiosa. Esses problemas nao sio simplesmente problemas de filoso. fiaacadémica. As do profunda e ampla em nossa vida po mos ¢ dos motivos pelos quais vivemos juntos moldam nosso pensamento sobre quais princi nos favorecer € sobre quem deve participar de sua escolha. A ideia comum de que aga sio parasitas e outros “normalmente produtivos politicos d alguns cidadao: a sua parte” e outros ndo, de que alguns os desd bramentos, na imaginacao popular, da ideia de uma sociedade ‘em que funciona um esquema de cooperagao para vantagem mii tua, Poderiamos contestar essas imagens no terreno da politica pritica sem identificar suas fontes. Mas, na verdade, é bastante dil it, por assim dizer, 4 raiz do ais claramente por que chegamos a uma dificuldade desse tipo € por que devemos mudar se de este livro ocupar-se detalhadamente com isermos avangar. Assim, apesar atentar para as complexidades e n angas das teorias em questo, também se pretende que seja um ensaio de filosofia pratica, que ppossa nos guiar de ta a algumas ricas ideias de cooperago so- Gal (tanto velhas como novas) que nao envolvam tais dific ‘Ainda que as pessoas possam certa ar-se em pritica com todas essas questdes sem uma investigagio filoséfica detalhada, acredito que uma investigacao detalhada seja tt to porque mostra respeito pelas pessoas que esto seni ddas quanto porque 6 sempre itil ver exatamente onde o problema 6. #RoNt entra em ago, de modo que se possa mudar a coisa certa ao invés de a errada, De fato, sou cética a que uma investigacao filoséfica menos detalhada po a ter relevncia prética, quando as questées rruturas tedricas, elaboradas. Se formos sio complexas, ¢ as muito répido ao “ponto cipal’, perdemos o tipo caracteristico rdade e direitos. Os dois gran- des livros de Rawls fornecem um guia pritico especi lioso porque tentam resp imente va- \der dificeis quest6es fundamentais rigor ¢ agradavel detalhamento. ‘Meu projeto aqui é tanto critico quanto construtivo, Pois vou argumentar que, com respeito a todos os trés problemas em con- sideracdo, a versio do “enfoque das capacidades™ que venho de- senvolvendo por um longo tempo propée insights promissores, superiores aqueles propostos para esses problemas parti pela tradigao do contrato social. (Cor tento que meu enfoque converge em larga med rente de contratualismo, baseado puramente em ideias éticas kan- tianas sm a questo da vantagem miitua.) A minha explicagéo enfoque das capacidades, no Wo esbocou a perspectiva e discutiu em deta- n and 1 capacidades est eacionado sentido, “capacitaco” taver oss © 1 irRoDugao - 7 Ihe o tratamento de dois problemas particularmente dificeis: 0 da 10 €0da familia. Também considerou o enfoque superior 20 utilitarismo “baseado na preferéncia”, em um confronto d do com essa teria. © préximo passo logico, em um processo que pode a ngo do tempo levar a um “equilibrio reflexivo™, é comparar o enfoque idamente tebrico, ar- das capacidades com outro foque prof gumentando que também Ihe ¢ superior, pelo menos em algumas, areas. Este livro fornece uma parte do prdximo passo a0 mostrar ue o enfoque das capacidades se sai melhor com respeito aos trés problemas nao solucionados. Nao pretendo mostrar que ele é melhor de uma maneira geral, uma vez que ha muitas outras ques- tes nas quais se sai pior do que a teoria contratualista. Meu foco nia teoria de John Rawls se deve em grande parte porque actedito io basicami que ela forneca respostas que questies de que trata (apesar de eu divergir em alguns detalhes, ie corretas para as demonstrar por que, em fungio da propria explicacio de Rawls, ela tem dificuldade com os trés problemas nao solucionados. Mostrar, porém, que o enfoque das capacidades se sai melhor do que a teoria de Raw! aneira sgeral,ndo é uma que s- to deve aguardar um exame adicional ¢ mais longo; por agora, a no, de fato, sempre ocorre jo de que vou yr enquanto, es Adecisio fica a cargo de cada leitor (c no final), Os leitores notardo que, ao exprimir meu enfoque das capaci- dades, aqui como no Women and Human Development, algumas ideias centrais de Rawls: a ideia do lib “Sobre essoal dessa nosio ra 0048), 8. PRONTEIRAS DA yusTIGA (uma forma de liberalismo que nao ¢ fundada em pr sgiosos ou metafisicos capazes de criar discordancias) ea ideia de consenso sobreposto (a ideia de que pessoas com concepgdes me- igiosas discordantes possam aceitar 0 al da vida, qu ndo apenas a sua propria concepgao de j familia de concepgdes liberais entre as quais a sua era apenas mais uma. Espero que se perceba que o meu enfoque das capaci- dades ¢ outro membro de tal fami im, que a minha pro- 0 trés problemas especificos de ju amplio e modifico 0 enfoque ~ mais claram os quais o amy 1 e questbes de justica envolvendo animais nao humanos. Ao longo do livro, entretanto, ocorrem outras modificagdes ¢ elabo- ragies mais sutis do enfoque, em relacio as qu ressados no seu desenvolvimento podem querer estar precavidos: 1. O pont de partida intuitive do enfoque, ¢ 0 das pessoas, tais como a posse de razio ou plicagio rep INTRODUGAO - 9 “consenso sobreposto” relac ides é discutida no 3.v, consenso sobreposto tradiges, essa maneira, o livro nao apenas recapitula a explicagio cons- trutiva de Women and Human Development, mas a estende a no- 10. FRONTEIRAS DA JUSTIGA vvas éreas, Abre novos horizontes em varias éreas, enquadra mais adequadamente velhas distingdes e tenta responder a uma série de problemas que leitores ¢ criticos levantaram. O que nao é uma surpresa, tanto por conta da imperfeic riores do enfoque quanto por sen carater de comprometimento com 0 mundo atual: novos problemas conduzem a alteracdes na a te ntos devem, portanto, ser de interesse para aquelas pessoas que nao esto particular- mente preocupadas com os trés problemas que constituem 0 foco prépria est do livro, ainda que me pareca estranho que uma pessoa preo- cupada com questdes de justiga nao esteja, de algum modo, inte- ressada neles. cariruLo 1 08 CONTRATOS SOCIAIS E TRES PROBLEMAS NAO SOLUCIONADOS DE JUSTICA 1. O estado de natureza Imagine um tempo sem governo politico, sem soberano, sem Ieis, sem tribunais, sem direitos a propriedade estabelecidos e sem contratos. Os seres humanos poderiam viver nessas condi- Ges, mas a vida nao seria boa. £ 0 que Thomas Hobbes, sabe-se, tradigao ‘esereve no texto que representa o comego da classi ‘ocidental do contrato social Martins Ea * Da rad. bras: SioP construgdes confortveis, mento Assim, as pessoas estabelecem con concordando em abrir mao do uso privado da forca e da hab ‘umas com as outras, dade de tirar a propriedade de outrem em troca de paz, seguranga, cena expectativa de obter vantagens miituas. Ao considerar 0 con- trato que seria feito na situagao or imaginadas “ al, na qual as pessoas sio ¢ independentes"®, como coloca John Locke, ganhamos um vislumbre da justificativa de principios po- liticos, Pensando na estrutura da sociedade politica como o resul Ins aspect cruciais, € ju tendimento profundo do que a justica requer’. Assim, por meio de um procedimento que nao assume vantagens antecedentes da Lack (1679-16802). Se fo 98. A partir de agora, a nto se todas as reeréncias a Locke si0 30 8 na versdo de Rawls da tradi espero que oletor perdoe o anacronismo. 08 CONTRATOS SOCIAIS E-TRES PROBLEMAS - 13, parte de nenhum individuo, extraimos um grupo de regras que adequadamente protege os interesses de todos. Na tradicéo ocidental politicos bisicos como resultado de um contrato social é uma das s6es da filosofia politica liberal. Nas suas varia- das formas, a tradigao traz duas co is. Primeiro, demonstra clara ¢ rigorosamente que os proprios interesses hu- manos ~ mesmo quando partimos de uma concepgao artificial e itos a suposicao da existé de principios maiores contri simplificada de tais interesses ~ so suficientemente sat em uma sociedade pi poder subordinado a lei e 4 autoridade legitimamente cons da, Segundo, ¢ ainda mais importante, demonstra que, se despir mos 0s seres hu iais que alguns deles possuem em todas as sociedades contemporaneas ~ riqueza, po: -# =, eles concordario com um 10s das vantagens art educacio e' sigdo, classe soci contrato de certa natureza especifica, qual as teo tratam de explicar. Uma vez que o ponto de partida é, nesse sen. tido, justo, os principios que re tradigio, portanto, transmite-nos um modo procedi segundo © qual o valor das pess procidade entre elas so caracteristi por sua vez, plicar a sociedade poli ‘como iguais e o valor de cas centrais. Esse entendimento da sociedade politica é uma parte proemi- nente do ataque clissico do liberalismo as tradi nirquicas‘. Do fato de sermos todos basicamente iguais no estado 14 FRONTEIRAS DA JUSTIGA de natureza 1asce uma profunda critica aos regimes que fazem da ric 1eza, posicio e status Fontes de poder sociale politico diferen do contrato feito no estado de natureza fornece, politicos, mas, também, um marco referencial de legitimidade po- ‘a. Qualquer sociedade cujos principios basicos estivessem Gistantes daquilo que seria escolhido por pessoas livres, iguais e za seria posta em questio. Pelo fato de fornecer um modo claro, rigoroso ¢ iluminador de pensar sobre a justica entre pessoas iguais, a tradigao se man- teve filosoficamente fertil. A teoria da justiga mais poderosa e in fluente do século XX, a de John Rawls, coloca-se diretamente independentes no estado de na dentro desta tradicao; Rawls perseguiu as implicacées da ideia do contrato de modo mais rigoroso e completo do que, talvez, qual: dor. ls enfatiza seu compromisso com a tradigao do contrato social desde 0 comeco de Uma teoria da justica, ao dizer “Meu \cepgao de de abstracio a conhecida teoria do con- conforme encontrada em, digamos, Locke, Rousseat .] a ideia norteadora é que os principios de j ica que generalize € os principios que pessoas livres ¢ racionais, interessadas iteresses, aceitariam em uma situa ” (TI. p. 11). Defendendo seu uso do Por a doutrina contratualista tem uma longa tradicéo. Expressar 0 vinculo com essa corrente de pensamento ajuda a definir ideias e as aque Raw ccessores, uma marca tanto de suas aulas quanto de seus escritos).. 's histéricas de Rawls so mais complexas do que is teve ao longo de sua vida pelas teorias de seus prede- As conexi sugerem essas observagbes, Ele recorre com veeméncia a visio de fim de esclare- David Hume sobre as “ci sunstncias da just sem pensadores contratua- cer elementos que sao menos exp! listascléssicos, apesar de Hume nao ser um pensador do contrato social. Essa fonte de complexidade nao constitui, entretanto, um problema para oleitor, uma vez que as ideias de Hume sobre essas {questoes harmonizam-se bem com as de Locke e Kant. Rawls ex- plica sua escolha por Hume dizendo que a explicagao desse autor para as circunstancias da justica é “especialmente perspicaz” (TJ, p.127), mais detalhada do que as de Locke e Kant. Com relacio a dois aspectos cruciais, entretanto, a teoria de Rawls € diferente de todas as visbes de contrato social preceden tes. Porque o objetivo de Rat 0s a partir de um niimero muito reduzido de pressuposicoes, e, do correto -, Rawls se distancia da tradicao hist6rica por nao as- sumir que os seres humanos possuem quaisquer direitos naturais portanto, diverge 1 ‘mente das visdes de lei natural de Grotius e Pufendorf do que das teorias de Locke e Kant, ‘Uma segunda diferenga envolve o papel dos elementos morais ne elaboracio do contrato. A situagao de escotha de Ravls inclui que Hobbes, Locke ¢ mesmo Kant (em seus pressuposigdes mor escritos politicos) evi . O “véu da ignorancia fornece u 16. FRONTEIRAS DA TUSTIGA repre io da ie moral que esté inti lacionada a ideia kantiana de que nenhuma pessoa deve ser usada como mero meio para os fins dos outros. despeito de seu comprometimento profundo com as ideias mo- rais de respeito igual e reciprocidade, Rawls jamais deixa de en- tender seu projeto como parte da tradigao do contrato social, tal q te, divergéncias Je a reconstréi e interpreta’. Mesmo onde hé, aparentemen- portantes, Rawls chama a atengio do leitor tes. Assim, apesar de parecer fato faz isso: “Em justiga como equidade, a situaco ori igualdade corresponde ao estado de natureza da teoria tradicio- (17, p. 12). B, em geral, con ha 10 que s6 pode ser bem compreendida por s. Através do trabalho de Rawls, a ico mais sofi ada para nosso mod de pensar sobre o que a justiga requer quando partimos da ideia de que ha pessoas iguais, com valores e capacidades préprias equals. dou ade Kohlberg ‘A parte critica do meu argumento focard em Rawls e, em me. nor medida, em outros modernos pensadores do contrato so (David G formas mais puramente kantianas de contratualismo, que se se- jer, por exemplo). Meu argumento nao abordaré m completamente da tradig4o do contrato social, com seu a ~ apesar de que no capitulo 2 eu possa discutir as possiveis convergéncias entre 0 meu enfogue das pacidades ¢ tais doutrinas contratualistas (por exemplo, aquelas Barry na politica). Na nossa época, a tradigao do contrato social assumitt uma forma distintiva, em parte por conta da predominancia na nossa cultura politica como um t micas de sempre obter yantagens nos negécios. Na filosofia, os contratualistas criticam ‘e880 ideias, mas séo, de alguma forma, influenciados por elas quando interpretam e remodelam a ideia clissica do contrato so- cial, Rawls critica o utilitarismo, tao dominante na economia e, através da econom na pol sica do contrato social para convencer seu leitor (inch a publica; mas ele usa a id proe ‘minentemente o leitor com interesse orientado para a economia) de que 0 modo correto de pensar sobre os principios politicos deve ser um modo mais rico e mais moralizado. Assim, as influéncias que modelam o contratualismo moder- plexas. Com excegio de Ran geve detalhada de nenhuma figura hist6rica parti fente mostrar as principais linhas di no sto 10 oferecerei uma exe~ i, embora ncia que conectam os maiores pensadores & estrutura rawlsiai Penso que é justo di- ze, entretanto, que quaisquer que s idades de cada pensador individu Jmagem da sociedade como um ci agens miituas (pess0as ganhando algo por viverem juntas, que nao ganhariam sevvivessem cada uma por si) entre pessoas que sio “livres, iguais, 18. PRONTEIRAS DA JUSTIGA c independentes’. Essa ideia, profundamente incrustada em nos sa cultura, € que sera 0 alvo d ii. Trés problemas nao solucionados 1. Deficiéncia e impedimento*. A despeito das grandes con tribuigées da tradicéo contratualista e de sua import rua, seus representantes modernos se mostram insuficientes quando 0s confrontamos com trés dos problemas mais premen- tes de justica no mundo atual. Todos os tedricos cissicos assumi ram que seus agentes contratantes eram homens aproximada~ mente iguais em capacidade, e capazes de atividade econdmica produtiva. Excluiram, portanto, da situacao de acordo, as mulhe- res (consideradas “niio produtivas”), as criangas ¢ as pessoas ido a5 ~ ainda que as partes pudessem representar seus interesses". Essas omiss6es, surpreendentes até para os séculos XVII e XVII, foram de alguma forma corrigidas nas doutrinas contemporéneas ILotermo os pela inlusio de peesoas portado dadeh incapacidade, mas, mortram que a det impedimento que rovoca 0 meu funcionament to, antes de impedimentos e defic a pessoa: es estrgbes de al n compo lesionado 8 pelo preconceito com esas pessoas o dec par ele apenas tem necessidades espeias pat (05 CONTRATOS SOCIAIS E TRES PROBLEBIAS 19 contratualistas, ainda que a ideia da familia como uma esfera pr yada imune a lei e a0 contrato nao tena recebidk enfatica que merece" ‘Nenhuma doutrina de contrato social, entretanto, inclui pes- s0as com impedimentos mentais e fisicos, sérios e incomuns, no grupo daqueles cm que os principios politicos basicos sio esco- Ihidos. £ claro que até bem pouco tempo, na maioria das socieda- des modernas, essas pessoas nao eram sequer incluidas na so dade, Fram excluidas ¢ estigmatizadas; ndo havia movimento as. Principalmente pessoas co tos mentais graves nao tinham nem mesmo acesso & edu Blas eram escondidas em instituicdes"* ou abandonadas & morte, jamais foram consideradas parte do universo . nao surpreende que os pensadores do contrato sico nao as imaginassem como participantes na escolha is politicos, ou, ainda, que desejassem aderir a pres- suposicbes cionistas (por ex nar de capacidade e de habilidades fisica e mental) que, na verda- de, assegu e jam incluidas no estgio inicial, fundacional Yer Nessbaum (20008), capitulo 20. FRONTEIRAS DA TUSTIGA Para muitas pessoas com deficigncias e impedimento: totalmente capazes de participar da escolha politica, sua exclusio da situagdo de escolha basica de imediato pareceria ser um defeito, do ponto de vista da justiga. E completamente iguais aos outros cidadaos; suas vozes nao estio sendo ouvidas quando os principios basicos sao escolhidos. Tais sio sociais muitos dos fatores que algumas vezes ex rem da par- ticipagao na escolha politica as pessoas com deficiéncia, e estio e de ser inevitaveis. Assim, nao h4, por principio, razao pela cessas pessoas ndo poderiam ser incl m uma situagio Ses sociais. Pessoas com deficiéncias mentais graves, en tretanto, no poderiam ser mente no grupo dos OS seus potencials para ti \clusio ent lesde queh \dos em considera¢io. siio de pessoas com \da mais prejudicial, entretanto, ndo levamos em consideragao uma surpreendente caracteris cial. A social associa duas questées a principio distintas: “Por quem sio determinados os prineipios basicos das socied ados os prineip partes contratantes sejam as mesm: “Para quem sao deter basicos?”". Supde-se 5, como os cida- que que cipios que esco da vero juntos e cujas vidas serdo reguladas pelos prin- central da tradigao éa da van- " Devo Barbara Herman esse mado de colocae 3 tivamente, por meio dos p tes, ou posteriormente, depois que os principios jé tenham sido escolhidos. Mas os sujeitos primarios da justiga sio os mesmos que escolhem os principios. Assim, quando a trad a certas hal deter idades (racionalidade, iguagem, iguais capacidades ica) como pré-requisitos para a participagio do pro- mental e cedimento que escolhe os principios, essas exigéncias geram gran- des consequéncias para o tratamento de pessoas com impedimen. tose com deficiéncias na qualidade de destinatér justiga na sociedade dai resul entre aqueles que tém poder de escolha significa que também no io incluidas (exceto derivativamente, ou em um estigio post zo grupo daqueles para os quais os escolhidos, ¥€ ponto, porque ele de fato itamente as partes, na posigdo original, dos cida- stancia, A teoria de Rawls 6 mais sutil n sdade que eles mesmos (Os cidadaos possuem as tages de informagao do véu no lugar que ocupam, moral abrangente, criada para engendrar sentimentos que tor rnem a sociedade estivel.) Mas como nossas questdes c possuem uma educacao \cernem as deficéncias e ao pertencimento tal diferene: significativa, As partes escolhem os principios como se eles fos- \esmas viverdo, ante- sem feitos para uma sociedade na qual ela cipando seus hipotéticos planos de vida. Os cidadios vi 0s principios que essas partes escolheram a partir de t mento imaginério. Assim, apesar de poder faz para as necessidades de seres hun 22. PRONTEIRAS DA JUSTIGA vam incluidos no grupo contratante original para redesignar os préprios principios da justiga & luz dos seus conhecimentos sobre essas questdes. Em seu Liberalismo politico, Rawls coloca os fatos de modo ligeiramente diferente, o que torna sua ligagao basica coma tradigao historica mais clara: as partes na posigdo original agora sao vistas como “representativas” ou fidu- co dos cidadaos para quem 0s mesmos elementos caracterizados das partes no TJ, 0s quais, a partir da perspectiva das questées das deficiéncias, tornam-se partes no TJ, sao consideradas dentro do limite do “normal no final, as partes estéo designando prinefpios para cidadaos que, como elas mesmas, sio seres humanos que nao possuem ne- nhum impedimento mental ou fisico séro. Mas as questdes do “por quem” e do “para quem” nao preci- sam estar relacionadas dessa maneira. Pode haver uma teoria que sustente que muitos seres vivos, humanos ¢ néo humanos, sio jam capazes n procedimento por meio do qual os principios politicos sio escolhidos. £ possivel que haja fortes razdes para procurar tal teoria ¢ separar as duas questées se partirmos do principio segundo o qual muitos tipos de vida sao dignos e mere-

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