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Coordenadores

Eduardo Fontes
Henrique Hoffmann

Organizadores Eduardo Fontes | Henrique Hoffmann

REVISÃO DE VÉSPERA
DELEGADO FEDERAL
Autores
Bernardo Santos Cunha Barbosa
Carlos Eduardo Pellegrini
Eduardo Fontes
Isabelle Vasconcellos Kishida
Marcelo Borsio
Márcio Alberto Gomes Da Silva
Maurício Coelho Rocha
Rafael Fernandes Souza Dantas
Rodrigo Perin Nardi
Ulisses Prates Junior

2018
Capítulo 1

DO DIREITO CONSTITUCIONAL

1. NATUREZA, CONCEITO E OBJETO


Balizando-se com o edital do concurso de ingresso para o cargo de Delegado de
Polícia Federal, inicialmente, merecem destaque três pontos, a saber: natureza jurídica,
conceito e objeto.
Segundo a doutrina clássica o direito é dividido em dois grandes ramos, quais sejam:
direito público e direito privado. Destaque-se que, não obstante a doutrina mais moderna
já tenha superado essa classificação dicotômica entre direito público e privado (vez que o
direito é uno e indivisível, devendo ser entendido como um conjunto harmônico), para
fins didáticos e de provas de concursos públicos continuaremos a adotá-la. Destaque-se
que essa classificação, segundo a doutrina, é atribuída a Jean Domat.
Modernamente, ante o reconhecimento de novos direitos e das transformações do
Estado, a doutrina percebeu uma forte influência do direito constitucional sobre o direito
privado, reconhecendo, em diversas situações, a aplicação direta dos direitos fundamentais nas
relações privadas, surgindo a denominada “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”.
Com isso, o Direito Constitucional deixa de ser reconhecido apenas e tão somente em
uma relação vertical (Estado X Cidadão), passando a ser reconhecido também nas relações
horizontais (cidadão X cidadão). O princípio matriz desse novo panorama é o princípio
da dignidade da pessoa humana, fundamento (viga mestra) da República Federativa do
Brasil (cf. art. 1.º, III, CF).
Tema de grande controvérsia diz respeito ao conceito de Constituição, haja vista que
ela envolve a perspectiva histórico-universal dos intitulados ciclos constitucionais. Faz-se
importante perceber que a ideia de Constituição deve ser compreendida mesmo antes do
surgimento do constitucionalismo em sentido estrito. Isso porque, toda e qualquer socie-
dade, independentemente da época e do lugar, sempre possuiu um conjunto de regras de
organização do Estado, semelhantes ao que intitulamos de Constituição.
Conquanto exista diversos parâmetros para se conceituar o Direito Constitucional e,
por consequência, a própria Constituição, partiremos do conceito cunhado pelo brilhante
professor José Afonso da Silva que afirma que o direito constitucional é “Direito Público
26 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

fundamental por referir-se diretamente à organização e fundamento do Estado, à articulação


dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política”.1
A partir dessa lição do professor José Afonso, podemos conceituar a Constituição
Federal como sendo a norma máxima de um Estado que estabelece sua organização e
fundamentos, trazendo as regras mínimas essenciais para sua subsistência e formação.
Com isso, a Constituição Federal passa a ser a norma de validade de todo o ordenamento
jurídico pátrio, sendo ela o parâmetro de validade dos demais atos normativos, haja vista
o princípio da supremacia das normas constitucionais.
Em virtude do conceito transcrito acima podemos afirmar que a natureza jurídica
do Direito Constitucional é de direito público fundamental.
Ainda com base em referido conceito trazido à baila podemos estabelecer seu objeto
como sendo aquele que se refere à organização e fundamento do Estado, à articulação de
seus elementos primários, bem como ao estabelecimento das bases da estrutura política.
Não obstante a definição ora fornecida, conforme já dito, existem vários sentidos
(perspectivas ou critérios) adotados pela doutrina para definir o termo “Constituição”. Ante
o editado do concurso e tendo em vista os objetivos propostos em nossa obra, passaremos
a analisar, de forma sucinta, as seguintes perspectivas: sociológica, política e jurídica.

2. PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA
Preceitua essa perspectiva que uma Constituição só seria legítima se representasse o
efetivo poder estatal, refletindo as forças sociais que constituem o poder. Nesse sentido,
Ferdinand Lassale afirma que a Constituição seria a somatória dos fatores reais do poder
dentro de uma sociedade.

3. PERSPECTIVA POLÍTICA
Partindo-se do pensamento de Carl Schmitt, o professor José Afonso da Silva afirma
que a Constituição só se refere à decisão política fundamental, ao passo que as leis cons-
titucionais seriam os demais dispositivos inseridos no texto do documento constitucional,
não contendo matéria de decisão política fundamental. Nesse diapasão, há uma distinção
entre a Constituição e a Lei Constitucional.
Dentre da classificação moderna, e com base nos pensamentos de Schmitt, podemos
afirmar que a Constituição se enquadra no conceito de normas materialmente constitucio-
nais, ao passo que a Lei Constitucional está inserida no conceito de normas formalmente
constitucionais.

4. PERSPECTIVA JURÍDICA
Segundo a perspectiva jurídica, que possui como seu representante Hans Kelsen, a
Constituição foi alocada no mundo do dever ser e não no mundo do ser, caracterizando-se
como fruto da vontade racional do homem e não das leis naturais.

1. Da Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 36.


Cap. 1 • DO DIREITO CONSTITUCIONAL 27

O professor José Afonso da Silva preceitua que a Constituição significa norma funda-
mental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da
Constituição jurídico-positiva, o que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas
que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau.2

5. FONTES FORMAIS
Conforme preceitua balizada doutrina a expressão “fontes do direito” é utilizada no
meio jurídico para se referir aos componentes utilizados no processo de composição do
direito, enquanto conjunto sistematizado de normas. Em uma definição mais singela e de
fácil memorização, as fontes do direito são as origens do direito, ou seja, a matéria prima
da qual ele nasce.
As fontes formais são aquelas pelas quais o direito se manifesta. Como fontes formais
temos os costumes, os princípios gerais do direito, a jurisprudência e a doutrina.

6. CONCEPÇÃO POSITIVA
Por fim, podemos destacar a concepção positivista, segundo a qual apresenta a ideia
de Constituição exclusivamente como norma jurídica. Destaque-se que a principal ruptura
com as demais concepções ocorre na teoria da validade da norma, a qual divide o ser do
dever ser.
De acordo com essa concepção a norma jurídica existe de forma válida quando decorrer
de outra norma jurídica válida superior, até o ponto de se gerar uma premissa de validade
em todo o sistema jurídico, o qual nas lições de Kelsen configuram a norma fundamental.

2. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 41.


Capítulo 2

CONSTITUIÇÃO

1. SENTIDOS SOCIOLÓGICO, POLÍTICO E JURÍDICO. CONCEITO, OBJETOS


E ELEMENTOS
No tocante aos sentidos sociológico, político e jurídico, não faremos novas considera-
ções nesse ponto, haja vista já terem sido analisados no tópico anterior, quando da análise
das denominadas “perspectivas”. Mesma observação com relação ao denominado objeto.
Dando-se prosseguimento aos nossos estudos, passaremos a analisar os denomina-
dos elementos da Constituição. Tal denominação surgiu em virtude de o fato das normas
constitucionais serem divididas e agrupadas em pontos específicos, com conteúdo, origem
e finalidade diversos.
Conquanto haja essa divisão e o agrupamento em questão, é de se registrar que nossa
doutrina é divergente com relação aos elementos da Constituição, não se podendo afirmar
que uma classificação está correta e a outra errada.
Em que pese essa divergência, perfilho-me à clássica divisão dada pelo Ilustre Prof.
José Afonso da Silva. Senão, vejamos.
a) Elementos orgânicos – estabelecem as normas que regulam a estrutura do Estado
e do Poder (v.g., Títulos III e IV);
b) Elementos limitativos – dizem respeito às normas que compõem os direitos e
garantias fundamentais, limitando a atuação estatal;
c) Elementos sócio ideológicos – estabelecem o compromisso da Constituição entre
o Estado Individualista e o Estado intervencionista (v.g., Título VII);
d) Elementos de estabilização constitucional – são as normas constitucionais destina-
das a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da CF, do Estado
e das instituições democráticas. Eles constituem os instrumentos de defesa do
Estado e buscam garantir a paz social (v.g., arts. 34 a 36 da CF);
e) Elementos formais de aplicabilidade – encontram-se nas normas que estabelecem
regras de aplicação das Constituições (v.g., ADCT – Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias).
30 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

2. CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES


Registre-se que a doutrina brasileira costuma utilizar-se de variados critérios de clas-
sificação das constituições, existindo variação entre eles.
Conquanto o edital do nosso concurso seja restritivo na análise dos critérios, impor-
tante que tenhamos uma visão panorâmica de alguns dos critérios que comumente são
cobrados nos diversos concursos públicos.
a) Quanto à origem – as Constituições poderão ser outorgadas (aquelas impostas
pelo agente revolucionário que não recebeu do povo a legitimidade para, em nome
dele, atuar), promulgadas (fruto do trabalho de uma Assembleia Nacional Cons-
tituinte, eleita diretamente pelo povo. Ela é também denominada de democrática,
votada ou popular), cesaristas (não é propriamente outorgada, nem democrática,
ainda que criada com a participação popular, vez que essa visa apenas ratificar
a vontade do detentor do poder. Conhecidas também como bonapartistas) e,
pactuadas ou dualistas (são aquelas que surgem através de um pacto entre as
classes dominante e oposição).
b) Quanto à forma – as Constituições podem ser escritas (instrumentais) ou cos-
tumeiras (não escritas).
c) Quanto à extensão – elas podem ser sintéticas (aquelas que apenas vinculam os
princípios fundamentais e estruturais do Estado. São também denominadas de
concisas, breves, sumárias, sucintas ou básicas) ou analíticas (são as Constituições
que abordam todos os assuntos que os representantes do povo entenderem por
fundamentais. São também conhecidas como amplas, extensas, largas, prolixas,
longas, desenvolvidas, volumosas ou inchadas).
d) Quanto ao conteúdo – material ou formal.
e) Quanto ao modo de elaboração – as Constituições podem ser dogmáticas (são
aquelas que consubstanciam os dogmas estruturais e fundamentais do Estado) ou
históricas (constituem-se através de um lento e contínuo processo de formação,
ao longo do tempo).
f) Quanto à alterabilidade (estabilidade) – as Constituições podem ser rígidas (são
aquelas que exigem um processo legislativo mais dificultoso para sua alteração),
flexíveis (o processo legislativo de sua alteração é o mesmo das normas infracons-
titucionais), semirrígidas (são as Constituições que possuem matérias que exigem
um processo de alteração mais dificultoso, enquanto outras normas não o exigem),
fixas ou silenciosas (são as Constituições que somente podem ser alteradas por
um poder de competência igual àquele que as criou), transitoriamente flexíveis
(são as suscetíveis de reforma, com base no mesmo rito das leis comuns, mas
por apenas determinado período preestabelecido), imutáveis (são as Constituições
inalteráveis) ou super-rígidas (são aquelas que possuem um processo legislativo
diferenciado para a alteração de suas normas e, de forma excepcional, algumas
matérias são imutáveis).
g) Quanto à sistemática – as Constituições podem ser divididas em reduzidas
(aquelas que se materializam em um só instrumento legal) ou variadas (aquelas
que se distribuem em vários textos esparsos).
Cap. 2 • CONSTITUIÇÃO 31

h) Quanto à dogmática – ortodoxa (Constituição formada por uma só ideologia)


ou eclética (formada por ideologias conciliatórias diversas).

IMPORTANTE
Segundo a maioria da doutrina a Constituição Federal de 1988 possui a seguinte clas-
sificação: formal, rígida, escrita, dogmática, promulgada, analítica, dirigente, normativa
e eclética..

Após essa visão panorâmica dos critérios, passaremos à análise mais detalhada da-
queles que foram selecionados pela Comissão de Concursos no edital. Em virtude disso,
analisaremos apenas dois desses critérios. Senão, vejamos.

2.1. Constituição material e constituição formal


A divisão de constituição em material e formal é decorrente da adoção do critério
relacionado ao conteúdo da norma.
Segundo esse critério, considera-se constituição material o conjunto de normas es-
critas ou não, em um documento que colaciona normas relativas à estrutura do Estado,
organização do poder, bem como direitos e garantias fundamentais. Com base nesse cri-
tério, para que a norma seja considerada materialmente constitucional não é necessário
que ela esteja inserida no bojo da Constituição Federal, bastando versar sobre as matérias
anteriormente mencionadas.
Caso determinada norma verse sobre as matérias descritas no parágrafo anterior e esteja
inserida na Constituição Federal ela será considerada formal e materialmente constitucional.
Destaque-se que uma norma materialmente constitucional (p.ex., que verse sobre di-
reito eleitoral), que não esteja inserida no bojo da Constituição Federal, poderá ser alterada
por uma lei infraconstitucional, sem que haja necessidade de se observar os procedimentos
mais rígidos estabelecidos para se alterar a estrutura da Magna Carta. Entretanto, isso não
lhe retira o caráter de norma materialmente constitucional!
A segunda classificação quanto ao conteúdo diz respeito à constituição formal que é o
conjunto de normas escritas, sistematizadas e reunidas em um único documento normativo,
qual seja, na Constituição Federal. Com base nesse critério, independentemente do conteúdo
material da norma, pelo simples fato de ela estar inserida na Constituição Federal, já
será considerada formalmente constitucional (v.g., § 2.º do art. 242 da CF).
Ainda que essas normas não tenham conteúdo materialmente constitucional, apenas e
tão somente pelo fato de estarem inseridas no bojo da Constituição, somente poderão ser
alteradas observando-se o rígido sistema de alteração das normas constitucionais.

2.2. Constituição-garantia e constituição-dirigente


Quanto à finalidade a constituição, segundo a doutrina, poderá ser dividida em
constituição-garantia e constituição-dirigente.
A constituição-garantia (liberal, defensiva ou negativa) é um documento utilizado com
a finalidade de garantir liberdades individuais, limitando-se o poder e o arbítrio estatal.
32 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

De outro vértice, a constituição-dirigente tem por finalidade estabelecer um tipo de


Estado intervencionista, estabelecendo-se objetivos para o Estado e para a sociedade em
uma perspectiva de evolução de suas estruturas.
Registre-se, por oportuno, que parcela da doutrina traz uma terceira classificação,
que diz respeito à constituição-balanço, a qual se destina a registrar um dado período das
relações de poder no Estado.

3. NORMAS CONSTITUCIONAIS
Podemos dizer que as normas constitucionais são normas jurídicas qualificadas, haja
vista serem dotadas de atributos característicos próprios. Dentre esses atributos que qualifi-
cam as normas constitucionais destacam-se três: i) supremacia delas em relação às demais
normas infraconstitucionais; ii) elevado grau de abstração; e, iii) forte dimensão política.
Não obstante existirem diversas obras doutrinárias sobre as normas constitucionais,
em nosso estudo será adotada a clássica teoria do professor José Afonso da Silva, segundo
a qual as normas constitucionais, quanto à sua eficácia e aplicabilidade, dividem-se em:
a) De eficácia plena – é aquela apta a produzir todos os seus efeitos jurídicos direta
e imediatamente após a entrada em vigor do texto constitucional. Portanto, é uma
norma de aplicabilidade direta, imediata e integral (p.ex.: arts. 2.º; 21; 22, dentre
outros da CF).
b) De eficácia contida – conquanto possua também incidência imediata e direta,
a eficácia não é integral, haja vista que poderá sofrer restrições ou ampliações
posteriores por parte do Poder Público. Nesse caso, para que a norma sofra essas
restrições ou ampliações é imprescindível a atuação positiva do Poder Público, ao
qual incumbirá editar norma posterior (p.ex.: arts. 5.º, LVIII; 37, I, dentre outros
da CF);
c) De eficácia limitada – referida norma, desde a promulgação da CF, produz
efeitos jurídicos reduzidos, vez que depende e demanda de uma atuação positiva
e posterior do legislador infraconstitucional. Para que a norma produza todos
seus efeitos esperados é imprescindível que o legislador infraconstitucional edite
a denominada norma regulamentadora (p.ex.: art. 7.º, XX e XXVII, dentre outros
da CF). Ainda que haja inércia por parte do legislador, a norma constitucional
de eficácia limitada produzirá efeitos mínimos (p.ex.: impedirá que norma in-
fraconstitucional contrária a ela seja editada, sob pena de inconstitucionalidade).
Portanto, é norma constitucional de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Para o professor José Afonso da Silva as normas de eficácia limitada subdividem-se
em dois grupos:
c.1) Normas de princípio institutivo ou organizativo – destinadas à criação de
organismos ou entidades governamentais, apresentando esquemas gerais de estruturação
orgânica (p.ex.: arts. 113; 121; dentre outros da CF);
c.2) Normas de princípio programático – destinadas à previsão de princípios que
tem a finalidade de ulterior cumprimento pelos órgãos do Estado, apresentando programas
de atuação e com finalidade de efetivação de previsões sociais do Estado, sendo que para
sua concretização é imprescindível a atuação futura do Poder Público (p.ex.: arts.196; 205;
dentre outros da CF).
Capítulo 3

PODER CONSTITUINTE

Em apertada síntese podemos defini-lo como sendo aquele poder capaz de instituir
uma nova ordem jurídica (poder constituinte originário) ou de alterar a ordem jurídica vigente
(poder constituinte derivado).

1. FUNDAMENTOS DO PODER CONSTITUINTE


O conceito de Poder Constituinte surgiu com as revoluções burguesas.
Segundo a brilhante lição dos professores Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo
Gonet Branco3 a autoridade máxima da Constituição vem de uma força política capaz de
estabelecer e manter o vigor normativo do texto. Essa magnitude que fundamenta a validez
da Constituição, desde a Revolução Francesa, é conhecida como poder constituinte originário.

2. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO


Ainda segundo os professores Gilmar Mendes Ferreira e Paulo Gustavo Gonet Branco, o
Poder Constituinte Originário pode ser conceituado como sendo a força política consciente
de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência na comunidade política.
Em havendo manifestação do poder constituinte originário o Estado e a ordem jurídica
são inaugurados (no caso de ser a primeira manifestação do poder constituinte originá-
rio) ou reinaugurados. Ressalte-se, contudo, que a reinauguração do Estado não significa
dizer que ele, necessariamente, teve seus limites territoriais alterados. Ainda que os limites
territoriais permaneçam íntegros, com a manifestação do poder constituinte originário
juridicamente o Estado é outro!
Comumente a doutrina costuma afirmar que o poder constituinte originário pode ser
subdividido em histórico (esse sim, considerado o verdadeiro poder constituinte originário,
vez que inaugura e estrutura, pela primeira vez, o Estado) e revolucionário (são todos os
posteriores ao histórico, rompendo por completo com a ordem jurídica anterior e criando
um novo Estado).

3. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 103 Ed.
IDP.
34 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

Ainda com relação ao poder constituinte originário, é de suma importância discor-


rermos, forma sucinta, sobre suas características. Vejamos.
a) Inicial: significa dizer que ele é o marco zero do novo Estado e da nova ordem
jurídica. É de se destacar, entretanto, que isso não significa dizer que o ordena-
mento jurídico anterior será totalmente desconsiderado, haja vista o princípio da
segurança jurídica.
As normas anteriores que estavam sob a égide da Constituição Federal revogada conti-
nuarão vigorando, desde que estejam em consonância com o novo ordenamento constitucional
oriundo do poder constituinte originário. Caso isso ocorra, estaremos diante do fenômeno
conhecido como recepção. De outro vértice, as normas anteriores que estiverem em des-
compasso com a nova ordem jurídica serão consideradas não-recepcionadas (tecnicamente é
incorreto falar que essas normas incompatíveis são inconstitucionais frente à nova Constituição,
haja vista que a inconstitucionalidade é congênita, situação que estudaremos mais a frente).
É possível que ocorra o fenômeno da desconstitucionalização no Brasil? Antes de se
responder à essa indagação, importante saber em que consiste tal fenômeno. A desconstitu-
cionalização é o fenômeno pelo qual as normas da Constituição anterior, que forem compatíveis
com a nova ordem constitucional, permanecem em vigor, mas com status de lei infraconstitucional
(há uma queda de hierarquia da norma). Passemos, agora, à resposta da indagação feita: no
Brasil somente será possível a ocorrência desse fenômeno se a nova ordem constitucional fizer
previsão expressa nesse sentido. Caso contrário, como tem ocorrido até o presente momento,
a constituição anterior será integralmente revogada pela nova ordem jurídica.
Frise-se, ainda, que parte da doutrina faz a seguinte diferenciação: poder constituinte
originário fundacional (é o responsável pela elaboração da primeira constituição de um
Estado) e poder constituinte originário pós-fundacional (responsável pela elaboração das
demais constituições do Estado).
b) Ilimitado: por essa segunda característica entende-se que a nova Constituição
Federal não encontra limites anteriores, podendo revogar qualquer norma do
ordenamento jurídico anterior.
No tocante a essa característica importante frisar o posicionamento firmado entre os
positivistas e os jusnaturalistas. Para os primeiros (posição, inclusive, do próprio Supremo
Tribunal Federal) não há qualquer limite que assuma o caráter jurídico, ou seja, que se
não observado pelo poder constituinte originário gerará nulidade à nova norma. Segundo
a jurisprudência do STF o poder constituinte não se encontra sujeito a qualquer limite
imposto pela ordem jurídica interna, tampouco a limitações de ordem suprapositiva.
Por sua vez, para os jusnaturalistas, a condição de validade do poder constituinte originário
é o direito natural, o qual se sobrepõe ao direito material.
Destaque-se, outrossim, que parcela da doutrina afirma que o poder constituinte ori-
ginário somente deve possuir essa característica de ilimitado no plano interno, sendo que
no plano internacional ele não poderia violar regras mínimas de convivência com outros
países soberanos, conforme regras do Direito Internacional.
c) Incondicionado: significa que o poder constituinte originário não depende de um
procedimento preestabelecido para ser exercido, sendo que a forma mais democrática
para seu exercício é através da instituição de uma Assembleia Constituinte.
d) Poder político: quer dizer que a ordem jurídica começa com referido poder e
não antes dele.
Cap. 3 • PODER CONSTITUINTE 35

e) Poder permanente: significa dizer que o poder constituinte originário poderá


ser exercido a qualquer tempo, não se esgotando no momento de seu exercício.
Destaque-se que a atuação da Assembleia Constituinte é temporal, findando-se
após sua atuação.
Superada a análise do conceito e das características do poder constituinte originário,
passaremos a discorrer sobre o poder constituinte derivado.
O Poder Constituinte Derivado é o poder de se alterar a Constituição Federal em
vigor, tendo duas finalidades: i) adaptação da CF à realidade; e, ii) correção de erros de
previsão feita pelo constituinte.
A adaptação da Constituição Federal em vigor à realidade é feita através das deno-
minadas Emendas Constitucionais.
Ressalte-se que as formas de correção de previsão são: i) Mutação Constitucional (que
é a mudança de interpretação da CF, sem que tenha havido alteração formal); ii) art. 2.º do
ADCT (foi o plebiscito ocorrido em 1993); e, iii) art. 3.º do ADCT (revisão constitucional).
Diversamente do Poder Constituinte Originário o Poder Constituinte Derivado possui
as seguintes características:
a) Derivado: vez que ele foi criado e decorre do Poder Constituinte Originário,
previsto na CF;
b) Limitado: encontra limites previamente estabelecidos na própria Constituição
Federal, limitações estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário.
c) Condicionado: para ser exercido ele depende de procedimento preestabelecido
pelo próprio Poder Constituinte Originário.
d) Poder jurídico: diversamente do originário, o poder constituinte derivado está
presente e regulado no texto da própria Constituição Federal.

IMPORTANTE
O poder constituinte derivado se subdivide em:
1. Poder Constituinte Derivado Reformador – que é o poder de modificar a CF;
2. Poder Constituinte Derivado Decorrente – que é o poder atribuído pelo poder
constituinte originário aos Estados-Membros e ao Distrito Federal para se auto organi-
zarem por meio das respectivas Constituições Estaduais e Lei Orgânica (no caso do DF).
Destaque-se que o DF possui esse poder em virtude do fato de sua competência para
elaborar a Lei Orgânica derivar diretamente da CF (cf. art. 32). Situação diversa ocorre
com os Municípios, pois a competência outorgada a eles para elaboração das respectivas
Leis Orgânicas não decorre exclusivamente da CF.

3. REFORMA E REVISÃO CONSTITUCIONAIS


Conquanto a constituição seja concebida para perdurar no tempo, é inquestionável a
evolução dos fatos sociais, o que reclama ajustes nas normas inseridas pelo poder consti-
tuinte. Em virtude disso, a própria Constituição prevê a possibilidade de ser alterada, por
um poder previamente estabelecido, para se adequar à realidade social.
36 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

Não devemos nos olvidar que a sociedade é dinâmica, sendo imprescindível que as
normas também evoluam paralelamente, vez que se não houvesse essa possibilidade have-
riam inevitáveis prejuízos à evolução da sociedade.
Em virtude disso, é que se admite que a Constituição seja alterada a fim de se regenerar,
de preservar sua essência, fazendo-se com que as normas obsoletas sejam extirpadas do orde-
namento jurídico, sendo substituídas por outras mais adequadas à conformação da sociedade.
Esse poder de reforma, conforme já dito anteriormente, é criado pelo Poder Cons-
tituinte Originário, o qual estabelece o tipo de procedimento, bem como as limitações a
serem observadas.
É de se destacar que todas as vezes que houver necessidade em se alterar, adicionar
ou suprimir dispositivos na Constituição Federal, será possível exercer o poder de reforma,
observando-se os procedimentos constitucionais preestabelecidos.
Frise-se que esse poder de reforma abrange tanto o poder de emenda (Emendas à
Constituição – art. 60 da CF), quanto a revisão do texto (Revisão Constitucional – art. 3.º
do ADCT).
Conquanto as Emendas à Constituição e a Revisão Constitucional sejam espécies do
gênero poder de reforma, é importante não confundirmos ambos os institutos.
Isso porque, segundo o próprio art. 3.º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias previu que a Revisão Constitucional seria “realizada após cinco anos, contados
da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, em sessão unicameral”. Da análise desse dispositivo denota-se que a maneira de
alteração constitucional, naquele momento, foi feita de uma forma mais simples e célere
em relação à tramitação de uma Emenda Constitucional. Em que pese o texto não tenha
sido claro se essa revisão constitucional seria realizada uma única vez ou não, doutrina e
jurisprudência majoritárias afirmam categoricamente que ela somente poderia ser exercida
em uma única oportunidade, como de fato se deu.
De outro vértice, as Emendas à Constituição poderão ser utilizadas a qualquer mo-
mento, sempre que houver necessidade em se modificar o texto constitucional e adequá-lo
à realidade social.
Outra forma de se alterar a Constituição Federal é através da denominada mutação
constitucional, que consiste em um processo informal de alteração constitucional, resultante
de uma evolução dos costumes, dos valores da sociedade, das pressões exercidas pelas novas
exigências econômico-sociais, dentre outros fatos. Mais à frente daremos alguns exemplos
de mutações constitucionais recentes.
A título de conhecimento, até o fechamento da edição deste livro foram editadas 99
(noventa e nove) Emendas Constitucionais. Ademais, como decorrência do disposto no art.
3.º do ADCT, temos outras 06 (seis) Emendas de Revisão (ou Emendas Constitucionais
de Revisão).

EM SÍNTESE
Tanto as Emendas à Constituição quanto a Revisão Constitucional são processos formais
de alteração das normas constitucionais, sendo que as primeiras poderão ser exercidas
a qualquer tempo, ao passo que a revisão constitucional em um momento específico
(cf. art. 3.º do ADCT). A mutação constitucional, por sua vez, é um processo informal
de alteração das normas constitucionais.
Cap. 3 • PODER CONSTITUINTE 37

4. LIMITAÇÃO DO PODER DE REVISÃO


Conforme já dito em momento anterior, o Poder de Revisão, por ser derivado, é um
poder que encontra limitações na própria Constituição Federal, estando sujeito a limites
de ordem formal (ou procedimental), material e circunstancial.
O primeiro deles diz respeito aos limites formais, que são divididos em subjetivos
e objetivos.
Os limites formais subjetivos estão previstos nos incisos I, II e III do art. 60 da C.F.,
e dizem respeito aos legitimados para a propositura das Propostas de Emenda à Constitui-
ção (PEC). A própria Constituição delineia quem tem a competência para apresentar uma
proposta de alteração de seu texto.
Os incisos ora em comentam disciplinam que a Constituição poderá ser emendada
mediante proposta:
a) De um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal;
b) Do Presidente da República;
c) De mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
Ressalte-se que a limitação formal está relacionada à fase iniciadora do processo de
elaboração dos atos normativos, sendo que nesse caso somente os legitimados supra pode-
rão propor uma PEC, sob pena de ser reconhecida a inconstitucionalidade da nova norma
constitucional, por vício de iniciativa.
Destaque-se que o texto constitucional não prevê a iniciativa popular de proposta de
Emenda Constitucional. Não obstante isso, há quem defensa a sua possibilidade.
Ao lado dos limites formais subjetivos encontram-se os limites formais objetivos, os
quais estão previstos nos parágrafos 2.º, 3.º e 5.º do art. 60 da Constituição Federal. Esses
limites dizem respeito às demais fases do processo legislativo.
A proposta de Emenda à Constituição será discutida e votada em cada casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos três
quintos dos votos dos respectivos membros. Portanto, para a aprovação de uma PEC exige-
-se um quórum qualificado de votação, bem como duplo turno de votação, diversamente
do que ocorre com a votação dos demais atos normativos, em que o quórum é simples,
assim como ocorre com o turno de votação (necessidade de se passar apenas uma vez em
cada uma das casas).
Uma vez aprovada a Emenda Constitucional será promulgada pelas Mesas dos De-
putados e do Senado, com o respectivo número de ordem. Trata-se de uma regra diversa
para promulgação dos demais atos normativos, haja vista que nesses casos compete ao
Presidente da República, com exceção do caso previsto no art. 66, § 5º, da CF. Assim sendo,
o Chefe do Poder Executivo Federal não participa da votação, nem da promulgação das
Emendas Constitucionais.
Ainda no presente ponto, cumpre mencionar a limitação prevista no § 5.º do art. 60
que diz que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada
não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (período anual em que
o Congresso Nacional se reúne, com início em 02/2 e recesso a partir de 17/7, retornando
em 01/8 e encerramento em 22/12).
38 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

É de se destacar que a regra de repropositura de PEC prejudicada é diferente das


demais espécies normativas, vez que nessas a matéria constante de projeto de lei rejeitado
somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante
proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacio-
nal, ex vi do art. 67 da CF. Portanto, pelo texto constitucional, é inadmissível que haja a
repropositura de PEC na mesma sessão legislativa, ainda que a maioria qualificada dos
parlamentares votem nesse sentido.
Superada a questão das limitações formais, passaremos agora a analisar os denomina-
dos limites materiais. O Poder Constituinte Originário estabeleceu que algumas matérias
são intangíveis, sendo essas denominadas de cláusulas pétreas (cerne duro ou cerne fixo
da Constituição).
Conquanto haja diferenças doutrinárias a respeito da real finalidade das cláusulas
pétreas, entendo que assiste razão aos professores Gilmar F. Mendes e Paulo Gustavo Gonet
Branco quando afirmam que o significado último delas está em prevenir um processo de
erosão da Constituição.4
Pela regra da Constituição Federal “Não será objeto de deliberação a proposta de emen-
da tendente a abolir: I – a forma federativa do Estado; II – o voto direto, secreto, universal
e periódico; III – a separação dos Poderes; e, IV – os direitos e garantias individuais”. Essas
são as denominadas cláusulas pétreas.
Uma vez iniciado qualquer Projeto de Emenda Constitucional que tenda a violar
quaisquer dos princípios descritos nos incisos em questão, é possível que sejam manuseadas
ações para que seja feito controle jurisdicional da observância dessas restrições.
Não obstante o fato do constituinte ter estabelecido expressamente as cláusulas pé-
treas, admite-se que as limitações materiais não estão exaustivamente enumeradas nesse
dispositivo em comento, sendo possível falar em cláusulas pétreas implícitas.
Além dessas limitações vistas até agora, temos ainda as denominadas limitações cir-
cunstanciais, que são aquelas situações em que, uma vez presentes, proíbem a modificação
da Constituição.
Não é possível que se emende a Constituição Federal em três circunstâncias: i) na
vigência de intervenção federal; ii) na vigência de estado de defesa; ou, iii) na vigência de
estado de sítio (cf. art.60, § 1.º, da CF). A razão dessa proibição é que nas três circunstân-
cias o país está passando por momentos de instabilidade e quaisquer alterações poderiam
abalar os princípios de nossa ordem constitucional, em virtude especialmente da falta de
livre deliberação dos órgãos constituintes.
Por fim, é de se deixar consignado que, embora não haja previsão constitucional nesse
sentido, já houve em nossa história (mais especificadamente na Constituição de 1824) a
denominada restrição temporal (limitação temporal), que vedava emendas durante certos
períodos (no caso, antes de quatro anos da outorga do texto constitucional).

4. Curso de Direito Constitucional. P. 123. 9ª Edição. Ed. Saraiva.


Cap. 3 • PODER CONSTITUINTE 39

5. EMENDAS À CONSTITUIÇÃO
A Emenda à Constituição, conforme já visto anteriormente, é uma das formas de
se exercer o Poder Constituinte de Reforma, sempre que houver necessidade em alterar a
Constituição Federal, seja incluindo, seja suprimindo dispositivos constitucionais. Através
da utilização das Emendas Constitucionais é possível adequar a CF à realidade social.
No tópico anterior, ao estudarmos as limitações ao Poder de Reforma, já esmiuçamos
as peculiaridades das Propostas de Emendas Constitucionais, desde os legitimados para sua
propositura, forma de tramitação e votação, bem como as circunstâncias que não poderão
tramitar e as matérias que não poderão ser objeto de deliberação.
A fim de evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o aluno ao tópico anterior,
bem como ao art. 60 e parágrafos da CF que tratam sobre as Emendas Constitucionais, dis-
positivos esses de leitura obrigatória àqueles que estão se preparando aos concursos públicos.
Capítulo 4

CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE

1. CONCEITO E SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


A Constituição Federal é o instrumento normativo através do qual se disciplina
a criação das denominadas regras essenciais do Estado, organiza os entes estatais, bem
como elenca o procedimento legislativo. Em virtude dessas características resta cristalina
a posição hierárquica preeminente das normas constitucionais (princípio da supremacia
da Constituição Federal).
Destaque-se, contudo, que somente será possível se falar em controle de constitu-
cionalidade naqueles países que adotem, quanto à estabilidade, uma constituição do tipo
rígida. Isso porque, se as normas constitucionais forem flexíveis, não existirá procedimento
diferenciado das demais espécies normativas, sendo que no caso seria realizado, apenas e
tão somente, um controle de legalidade das normas, levando-se em conta, especialmente,
o critério da temporalidade.
Segundo a clássica lição de Kelsen o ordenamento jurídico pode ser representado por
uma pirâmide, sendo que no topo dela estão as normas constitucionais (Constituição Federal e
demais normas materialmente constitucionais), as quais são consideradas normas de validade
dos demais atos normativos do sistema, que se encontram hierarquicamente abaixo daquelas.
Para uma compreensão mais simples devemos analisar o ordenamento jurídico bra-
sileiro de cima para baixo, sendo que no topo da pirâmide encontram-se as normas cons-
titucionais e todos os demais atos normativos hierarquicamente abaixo daquelas. Portanto,
somente podemos dizer que uma norma é constitucional se ela estiver em harmonia com
as normas constitucionais.
Atualmente há uma tendência de ampliar o conteúdo do parâmetro de constitucio-
nalidade, com aquilo que a doutrina vem chamando de bloco de constitucionalidade (ou
paradigma de controle). Através desse instituto a doutrina moderna afirma que o parâmetro
de constitucionalidade não se limita apenas pelas normas constantes da Constituição Fede-
ral e sim também pelas leis com valor constitucional formal, pelos tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos aprovados nos termos do § 3.º do art. 5.º da CF,
bem como pelo conjunto de preceitos e princípios, explícitos ou implícitos, decorrentes da
própria Carta Magna.
42 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

Em virtude da supremacia da Constituição é que surge o instituto do controle de


constitucionalidade o qual, de forma didática, pode ser conceituado como sendo a verifi-
cação de compatibilidade vertical entre as normas constitucionais e os demais atos normativos
que se encontram hierarquicamente abaixo delas.
O controle de constitucionalidade é um instrumento de tutela e proteção do princípio
da supremacia da Constituição, buscando manter a harmonia do ordenamento jurídico.
Destaque-se que somente é possível falar que uma norma é constitucional ou não se
ela foi editada e promulgada após a Constituição Federal em vigor à época. Se uma norma
tiver sido editada sob a égide de uma Constituição Federal já revogada e estiver em con-
sonância com o atual regramento constitucional, dizemos que ela foi recepcionada, sendo
que continuará a viger. De outro vértice, se aquela norma estiver em desacordo com a nova
Constituição Federal dizemos que ela não foi recepcionada pela nova ordem (sendo extirpada
tacitamente do ordenamento jurídico), sendo incorreto dizer que ela é inconstitucional.
Portanto, tecnicamente, o parâmetro para se afirmar se a norma infraconstitucional
é ou não constitucional é a Constituição Federal vigente ao tempo em que aquela entrou
em vigor. Ressalte-se, contudo, que não raras vezes doutrina e jurisprudência, afastando-se
do termo técnico, acabam por utilizar as expressões em questão de forma indiscriminada.
Importante consignar que em virtude da globalização e das regras de Direito Interna-
cional, surgiu o instituto denominado controle de convencionalidade, que é a verificação
de compatibilidade entre a legislação nacional e as normas de proteção internacional (tratados
e convenções internacionais) ratificadas pelo Governo brasileiro e em vigor no país.

IMPORTANTE
No final do ano de 2016 a 5.ª Turma do STJ decidiu pela não aplicabilidade do crime
de desacato (art. 331 do Código Penal), haja vista que, ao se valer do controle de con-
vencionalidade, decidiu que a figura típica desse tipo é incompatível com o art. 13 do
Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário (cf. Informativo n.º 596 –
Resp. 1.640.084-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 151216, DJe
01/2/17). Portanto, para referida turma teria ocorrido a descriminalização do desacato.
Entretanto, no mês de maio de 2017, a 3.ª Seção do STJ (reunião dos Ministros da 5.ª
e 6.ª Turmas) ao julgar o HC 379.269/MS decidiu que o desacato continua sendo crime
em nosso ordenamento jurídico brasileiro. Frise-se que até o fechamento desta obra
não houve posicionamento do STF a respeito do caso.

Continuando a análise do presente tópico, após o advento da EC n.º 45/04 e a


inserção do § 3.º ao art. 5.º de nossa Constituição Federal, a doutrina e jurisprudência
passaram a conceber status diferenciado para os tratados e convenções internacionais que
forem integrados ao nosso ordenamento, a depender da matéria e forma de votação. Em
se tratando de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e que foram
inseridos em nosso ordenamento observando-se as regras de votação atinentes às Emendas
Constitucionais (cf. § 3.º do art. 5.º, da CF), eles terão status de normas constitucionais.
De outro vértice, se os tratados e convenções internacionais forem inseridos em nosso
ordenamento pátrio segundo as regras de votação comum, eles ganharão status de norma
supralegal, encontrando-se acima das leis ordinárias e complementares, mas abaixo das
normas de natureza constitucional.
Cap. 4 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 43

IMPORTANTE
Dada sua atualidade e importância do tema faz-se imperioso mencionar aqui o denominado
“Estado de Coisas Inconstitucional” (ECI). Ele ocorre quando se verifica a existência de
um quadro de violação generalizada e sistêmica dos direitos fundamentais, causado pela
inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a
conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais do Poder Público e a atuação
de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. Referido
instituto tem origem nas decisões da Corte Constitucional Colombiana (CCC) diante da
constatação de “violações generalizadas, contínuas e sistemáticas” de direitos funda-
mentais. Tem por finalidade a construção de “soluções estruturais” voltadas à superação
desse lamentável quadro de violação massiva de direitos das populações vulneráveis em
face das omissões do poder público. Na sessão plenária de 09/9/15, o STF, ao deferir
parcialmente o pedido de medidas cautelares formulado na ADPF n.º 347/DF, proposta
em face da crise do sistema carcerário brasileiro, reconheceu expressamente a existência
do ECI no sistema penitenciário brasileiro, ante as graves, generalizadas e sistemáticas
violações de direitos fundamentais da população carcerária. Ao deferir parcialmente a
liminar, o STF (a) proibiu o Poder Executivo de contingenciar os valores disponíveis no
Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN (a decisão determinou que a União libere o
saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para
a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos) e (b) determinou
aos Juízes e Tribunais que passem a realizar audiências de custódia para viabilizar o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária, num prazo de até 24 horas
do momento da prisão. Ressalte-se, contudo, que até o presente momento não houve
julgamento do mérito, sendo que em 14/12/17 os autos foram conclusos ao relator.

Superado o estudo do conceito e características gerais do tema, passaremos à análise


de algumas classificações:
Quanto aos sistemas de controle (aquele que leva em conta o órgão que detém a
competência para declarar a inconstitucionalidade) temos:
a) Controle político: é aquele realizado pelos entes políticos (Poder Legislativo e
Poder Executivo) e não pelo Poder Judiciário. O Poder Legislativo realiza esse
controle durante a elaboração de um ato normativo, ao passo que o Poder Exe-
cutivo o exerce no momento da sanção da lei, ou mesmo quando da elaboração
de um ato normativo;
b) Controle judicial ou jurisdicional: é aquele realizado por órgão do Poder Judi-
ciário, através do manuseio de alguma ação judicial para tanto;
c) Controle misto: realizado tanto pelo Poder Judiciário quanto pelos demais Po-
deres.
Quanto aos modelos de controle a doutrina traz a seguinte classificação:
a) Sistema difuso ou aberto: admite-se que qualquer magistrado possa exercer o
controle de constitucionalidade;
b) Sistema concentrado ou reservado: existe uma restrição para o exercício do
controle de constitucionalidade, sendo ele realizado por um único órgão com
competência precípua em tutelar pela Constituição (Federal ou Estadual).
No tocante às formas de impugnação temos a seguinte divisão:
44 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

a) Sistema pela via principal (abstrato ou pela via de ação): a análise de constitucio-
nalidade da norma será o objeto principal da causa, ou seja, a ação é manuseada
com o intuito precípuo de se questionar a constitucionalidade ou inconstituciona-
lidade da norma. No Brasil, no âmbito federal, essa ação deverá ser manuseada
diretamente junto ao Supremo Tribunal Federal.
b) Sistema pela via incidental (via de exceção ou de defesa): o controle é exercido
como questão prejudicial (incidenter tantum) da ação principal. Nesse caso, es-
taremos diante de um caso concreto, em que no bojo da ação principal a parte,
para fundamentar seu pedido principal, suscita a inconstitucionalidade da norma
que embasou o ponto central do questionamento.
Por fim, outra classificação que merece destaque diz respeito ao momento do exercício
do controle de constitucionalidade:
a) Controle preventivo ou prévio: o controle de constitucionalidade é feito durante
o processo legislativo de formação do ato normativo, podendo ser exercido pelos
Poderes Legislativo (p.ex.: pela Comissão de Constituição e Justiça), Executivo
(através do veto) e Judiciário (p.ex.: julgando mandado de segurança impetrado
por parlamentar). Esse controle é realizado antes da norma jurídica ser inserida
em nosso ordenamento jurídico;
b) Controle repressivo ou posterior: é aquele exercido após a norma ter sido in-
serida no ordenamento jurídico. Via de regra, referido controle é exercido pelo
Poder Judiciário. Entretanto, é possível que o controle em questão seja exercido
também pelo Poder Legislativo (cf. arts. 49, V; 62; 68 e 84, IV, todos da Consti-
tuição Federal).

IMPORTANTE
No tocante ao exercício do controle repressivo por parte do Poder Executivo há diver-
gências doutrinárias. No âmbito da jurisprudência, o STJ enfrentou a matéria no ano de
1993 (REsp 23121/GO) tendo consagrado a tese do controle em questão pelo Executivo.
No âmbito do STF, por seu turno, há um único precedente, também do ano de 1993
mencionando a questão de forma superficial, afirmando que os “Poderes Executivo e
Legislativo, por sua chefia, poderão tão só determinar aos seus órgãos subordinados que
deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem
inconstitucionais” (cf. ADI 221-MC/DF).

A partir de agora, estudaremos as ações diretas que poderão ser manuseadas pela via
abstrata, com o intuito de defender a supremacia da Constituição Federal. Destaque-se que
elas serão propostas exclusivamente junto ao Supremo Tribunal Federal.
• Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica (ADI ou ADIn Genérica).
• Fundamento: art. 102, I, “a”, CF/88 e Lei n.º 9.868/99.
• Finalidade: impedir que uma norma que viole a Constituição permaneça no or-
denamento jurídico. É uma ação que tem natureza de defesa de todas as normas
constitucionais visando à preservação da supremacia constitucional.
• Características: é ação do controle de constitucionalidade judicial, abstrato e
repressivo.

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