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STEPHEN ULLMANN SEMANTICA UMA INTRODUCAO A CIENCIA DO SIGNIFICADO Tradugéo de J. A. OSORIO MATEUS 5.2 Edicéo FUNDAGAO CALOUSTE GULBENKIAN | LISBOA PREFACIO Durante a Ultima década verificou-se um conside- ravel aumento de interesse pela semantica. Alguns investigadores dedicaram-se a reviséo dos principios em que se baseia este ramo da linguistica; outros ex- ploraram aspectos especificos do significado; outros ainda dirigiram a sua atengao para a semantica de linguas particulares. A investigagdo neste campo ga- nhou nova forca gracas 4 profunda revolugao sur- gida na linguistica moderna: a nova visdo da lingua como uma estrutura altamente organizada, consti- tuida por elementos interdependentes, € a ideia de que as palavras desempenham um papel crucial no acto de modelar os nossos pensamentos € de os con- duzir por determinados camais. Os avangos recentes da filosofia, da psicologia, da antropologia, da enge- nharia de comunicagées, & de outros campos, tve- des no estudo do ram também importantes repercusso : significado. O intuito principal deste livro é fornecer uma informagao proviséria acerca do Prot jas semantica: um balango das realizagoes cont he no passado, da investigagao actual e das tare turas, 8.—2 Em varios aspectos difere ere yolume dos meus anciples of Semantics», pub aoe Os pela primeira «Princip 951 (2.8 edicao, 1957; reimpressos, com ma- a cea em 1959). & mais empirico no seu odo i abordar os assuntos € trata de questoes de teoria apenas na medida em que isso possa ajudar a compreender 0 processo de construgao da lingua, o seu modo de funcionar e de evoluir. O livro ante- rior destinava-se principalmente aos fildlogos; este ndo esqueceu as necessidades dos especialistas, mas dirige-se também a outros leitores interessados na questo do significado, como sao, por exemplo, os estudantes universitarios e os licenciados que se sen- tem cada vez mais atraidos por estes problemas. Durante os dez anos decorridos sobre a publica- ¢4o dos «Principles», houve muitos avangos impor- tantes na semantica e na linguistica geral, e os meus proprios pontos de vista mudaram em alguns aspec- tos fundamentais. Estas mudangas, que muito pouco puderam ser tomadas em linha de conta na nova edicao do livro anterior, foram em grande parte in- tegradas na estrutura do presente. Introduzi tam- bém muitos exemplos novos da literatura e, de um modo geral, prestei maior atencdo ao aspecto esti- listico de fenémenos semanticos tais como a sinoni- on cage ae ea metafora. A semantica é teira entre a — mas modernas situadas na fron- guistica e os estudos literdrios e que orta: i 6 : a nto contribuem para pér em relevo a unidade sencial das humanidades. Fico grato amu ‘ itos colegas u- tras informagoes, as por separatas e O' Devo um agradecimento especial Leeds, 1961 STEPHEN ULLMANN — \ INTRODUCAO Dois dos ramos mais importantes da linguistica tratam directamente das palavras: a etimologia, estudo da origem das palavras, e a semantica, estudo do significado das palavras. Das duas, a etimologia é uma disciplina de ha muito enraizada, enquanto que a semantica é relativamente recente. A especulagdo acerca da origem das palavras teve especial importancia na antiga filosofia grega, como deve recordar todo o leitor do Crdtilo de Pla- tao (!). Havia duas escolas de pensamento_rivais: os naturalistas, que acreditavam existir uma relagao intrinseca entre 0 som e o sentido, e os convencio- nalistas.que sustentavam ser a relagao puramente arbitraria. Quando, no século I antes de Cristo, Varrdo codificou a gramatica latina, considerou a etimologia como uma das trés principais divisdes dos estudos lingufsticos, ao lado da morfologia e da sintaxe. Até ao século XIX os métodos etimo- () Sobre a historia da etimologia, ver P. Zumthor, «Fr, Etymologie. Essai d'histoire sémantique», Etymologica, W. V. Wartburg zum 70. Geburtstag, Tiibingen, 1958, pp. 873-93. 8 légicos continuaram a nao ser cientificos, may © proprio contributo etimolégico manteve sempre uma posicao chave no estudo da linguagem. Até muito mais tarde, nao se sentiu_a_necessidade de | | uma ciéncia auténoma do significado: foi apenas \- no século XIX que a semantica surgiu como uma _ divisao importante da linguistica e recebeu o seu “nome _moderno. ~~ Nao significa isto, no entanto, que os Antigos fossem indiferentes aos problemas do significado, Fizeram muitas observagdes penetrantes acerca do emprego e do sentido das palavras e mencionaram diversos aspectos fundamentais da mudanga seman- tica. Na verdade, nao sera talvez exagero afirmar que muitos dos assuntos fundamentais da seman- tica moderna se anunciam ja em observagées espo- radicas de escritores latinos e gregos ('). Um dos problemas que os interessaram foi o das mudangas de significado como reflexo de mudangas na men- talidade publica. Num passo_ célebre acerca da decadéncia dos padrées éticos durante a Guerra do Peloponeso, Tucidides notou um sintoma desta tendéncia geral na depreciacdo de certas palavras referentes a valores morais: A acepcao vulgar das palavras, na sua rela- g40 com as coisas, mudou como os homens () Sobre estas e outras observagdes de interesse semantico nos autores gregos e latinos, ver R. H. Robins, Ancient and Mediaeval Grammatical Theory in Europe, on dres, 1951, e H. Kronasser, Handbuch der Semasiologie, Heidelberg, 1952, pp. 25 e segs. e 70 © seg. 9 i julgaram conveniente. A audacia temeraria veio a ser considcrada como corajosa lealdade a um partido, a hesitacgdo prudente como uma re- | finada covardia, a moderacio como um dis- \farce para a fraqueza feminil, e ser sdbio em todas as coisas como nado fazer nada em coisa jalguma. (Livro III, LXXXII). Ha um eco deste passo na Conjuragdo de Catilina de Salustio, em que ele diz pela boca de Marcus Porcius Cato: Mas, na verdade, desde ha muito que perde- mos os nomes verdadeiros para as coisas. E precisamente porque A dissipacdo dos bens dos outros se chama generosidade, e 4 temeri- dade no erro, coragem, que a reptiblica esta reduzida a esta situacao aflitiva (cap. LII). Ao leitor moderno sera impossivel ndo pensar em casos semelhantes de depreciagdéo nos nossos dias: as vicissitudes de palavras como democracia, e 0 pesadelo semantico do idioma duplo de Orwell em que paz significa guerra e amor significa ddio. Num tom menos sinistro, Cicero tragou, no De Officiis, Livro I, XII, a historia de um interessante cufemismo e mostrou também como, no decurso do tempo, cle perdeu o seu valor eufemistico e velo 2 ser directamente aplicado a ideia desagradavel que Ihe competia dissimular: . a “le que com Observo também isto — que aquele aes propriedade devia ter sido chamado que luta” (perduellis) era designado como “um hospede” (hostis), encobrindo assim a fealdade do acto por uma expressao suavizada; porque hostis significava para os nossos antepassados aquilo a que agora chamamos “estrangeiro” (peregrinus)... O que podera exceder benevo- léncia tamanha, quando aquele com quem se est4 em guerra é designado por nome tao grato? E, no entanto, um longo Japso de tempo deu a esta palavra um sentido mais duro; perdeu de facto o seu significado de “estrangeiro” e foi usado na conotagdo técnica de “um inimigo sob as armas”. De um modo mais geral, Horacio resumiu a as- censéo e a queda das palavras numa férmula con- cisa que reflecte uma atitude surpreendentemente tolerante para com a debatida quest&o da correc¢4o de linguagem: “Multa renascentur quae iam cecidere, cadentque Quae nunc sunt in honore vocabula, si volet usus, Quem penes arbitrium est et ius et norma lo [quendi”. Ars Poetica, vv. 70 e segs (*) (‘) «Muitos vocdébulos que morreram ja, terdo um s& gundo nascimento, e cairio muitos daqueles que gozam agora das honras, se assim 0 quiser o Uso, em cujas maos esta 0 arbitrio, o direito e a lei da fala» (The Oxford Dictio- nary of Quotations, p. 541.) 1 . \ J bo \p No século V da nossa era, 0 fildsofo neo-platé. ie s ate.) (/ © dominio das mudan- um certo ntimero de} ural, metafora, alarga- icado, etc. — que conti- nico Proclus observou todo cas semanticas e distinguiu tipos basicos — mudang¢a cult mento € restrigdo do signifi nuam a fazer parte dos nos Sos modernos recursos, O interesse dos Antigos pelas Ppalavras nao se confinou de modo algum as mudangas de signifi- cado; fizeram também muitas observacées pertinen- tes sobre o seu comportamento na fala efectiva. O caracter vago das palavras e a diversidade do seu emprego foram ja notadas na Iliada: “Voluvel é a lingua dos mortais; as palavras tém muitos e varia- 9 dos sentidos, e o Ambito da fala é extenso para um e outro lado” (XX, wv. 248-9). Demécrito viu com nitidez que ha duas espécies diferentes de signifi- | * cado multiplo: a mesma palavra pode ter mais do que um sentido e, inversamente, pode haver mais , que uma palavra para exprimir a mesma ideia. A um . \ nivel mais sistematico, Aristételes fez varias afir- ef, magées importantes sobre 0 significado da palavra. \ \ . Foi o primeiro a defini-la como a mais pequena uni- . dade significativa da fala — definicgéo que manteve , a sua importancia até tempos recentes e que ainda € valida numa forma Jevemente modificada. Aristo- teles, estabeleceu também uma fecunda distingao : entre duas espécies de palavras: as See an ee ts ' seu significado mesmo quando isoladas, € as gue Si e meros instrumentos gramaticais. Esta ae ainda largamente aceite pelos linguistas e tam \ | | | | Wks 12 pelos filésofos. Finalmente, devemos a Aristoteles uma classificagdo das metaforas, que, desenvolvida e aperfeigoada por escritores subscquentes, especial- mente por Quintiliano, desempenhou um papel pri- mordial na tradicdo retdrica e foi acolhida na seman- tica pelos pioneiros da nova ciéncia. As idéias greco-romanas acerca das palavras e do seu emprego exerceram assim uma influéncia, se , nem sempre benéfica, pelo menos vigorosa, sobre a . we semantica moderna, mas o impulso para a criagao e"de uma ciéncia do significado veio de outro lado. prea : ““" +. Foram sobretudo dois factores que desempenharam “ um papel decisivo no seu aparecimento na pr So ¢metade do século XIX. Um deles foi o nai >. jo--44da filologia comparada, e, de um modo mais geral, eas ood “da _linguistica—cientifica_no seu sentido moderno. | proprio termo linguistica foi criado nesta altura: Onin ‘Lowe’ apareceu em francés em 1826 (la linguistique) e em inglés onze anos mais tarde (primeiramente linguis- one tx- tic, sem s, depois linguistics) (!). Muito embora se aw 1£2/desse a maior atencgdo as transformagées fonéticas e gramaticais, cedo se tornou necessdrio explorar K também o aspecto semantico da linguagem. O outro **, \!i.. factor foi a influéncia do movimento romantico na & Jiteratura. Os romanticos consagraram as palavras| um interesse vivo e universal, que se estendia do; x arcaico ao ex6tico, incluindo os dialectos das zonas) de Keg, () Ver o NED e 0 dicionario etimoldgico francés ¢ Bloch-Wariburg (3.* ed., Paris, 1960). Cf, J. Perrot, La Lire guistique, Paris, 1957, p. 14, ne 1. Visionary power Attends the motio, n of the viewless winds, Embodied in the Mistery of words, * The Prelude, Livro V.(?) Para Shelley, “words are like a cloud of winged snakes” (* Prometheus Unbound, 1) (3), mas a lin- guagem é também uma perpetual Orphic song Which rules with Daedal harmony a throng Of thoughts and forms, which else senseless [and shapeless were, (* ibid., TV) (4) ——___ (‘) Sobre a atitude romantica em relacéo as palavras, ver Oo meu Style in the French Novel, Cambridge, 1957, cap. I: «Some Romantic Experiments in Local Colour», CE. também H. Temple Patterson, Poetic Genesis: Sébastien Mercier into Victor Hugo; Studies on Voltaire and the Eighteenth Century XI, Geneve, 1960. / () «O poder visionario esta atento a0s movimentos dos Ventos invisiveis, encarnados no mistério das palavras», (N..T.) an G) «As palavras sio como uma nuvem de serpentes aladas», (N. T, See () —— cangio érfica que rege com ees harmonia uma multidio de pensamentos e formas que, de ©utro modo, seriam desprovidos de sentido e de feigdo». (N. T.) Victor Hugo vai ainda mais longe; num poema famoso das Contemplations, uma scquéncia de ima- gens atcrradoras que descrevem a palavra e os scus efcitos conduz a um climax que evoca o versiculo inicial do Evangclho segundo S. Joao: Il est vie, esprit, germe, ouragan, vertu, feu; Car le mot, c’est le Verbe, et Ie Verbe, c’est (Dieu, (') Perplexos perante as estranhas propricdades das palavras que usavam, os escritores romAnticos pro- curaram as explicacdes dos fildlogos. Em Franga, Charles Nodier, mais investigador imaginativo da Ingua do que erudito, tornou-se autoridade suprema em assuntos linguisticos. Sentia-se, no entanto, ne- cessidade de uma ciéncia especial que tratasse do significado das palavras. Esta necessidade foi mani- festada de forma eloquente por Balzac nas paginas de abertura da sua novela filoséfica Louis Lambert. O passo merece bem uma citacdo por ser sintoma- tico do clima de opiniao no seio do qual tomou forma a semantica moderna: Quel beau livre ne composerait-on pas en racontant la vie et les aventures d’un mot? Sans doute il a regu diverses impressions des événements auxquels il a servi; selon les lieux, il a réveillé des idées différentes... Tous sont empreints d’un vivant pouvoir qu’ils tiennent () «f vida, espirito, germe, furacido, virtude, fogo; porque a palavra € o Verbo, e o Verbo é Deus». (Réponse a un acte d’accusation. Suite). 15 de l’ame, et qu’ils lui restituent par les mys- teres d’une action et d’une réaction merveil- leuse entre la parole et Ja pensée... Par leur seule physionomie, les mots raniment dans notre cerveau les créatures auxquelles ils ser- vent de vétement... Mais ce sujet comporte peut-étre une science tout entiére! (‘). Louis Lambert foi publicado em 1832, e é mais do que uma mera coincidéncia o facto de a nova ciéncia preconizada por Balzac ter sido fundada alguns anos antes, embora, certamente, ele nao ti- vesse conhecimento disso. Aproximadamente desde 1825, o classicista C. Chr. Reisig tinha comegado a criar uma nova concepgao de gramatica. Nos seus cursos universitdrios de filologia latina em Halle, instituiu a «semasiologia», o estudo do significado, fazendo dela uma das trés divisdes principais da gramatica, sendo as outras duas a etimologia e a sintaxe. Considerava a «semasiologia» como uma dis- ciplina de caracter histérico, que procuraria estabe- (') «Que belo livro nao se escreveria contando a vida e as aventuras de uma palavra? Ela recebeu sem dtivida as mais diversas impressdes dos acontecimentos para que foi usada; conforme os locais, evocou ideias diferentes... Todz €stio marcadas por um vivo poder que recebem da alma e gue Ihe restituem pelos mistérios de uma acgio e de uma Teaccio maravilhosas entre a palavra e 0 pensamento. Apenas pela sua fisionomia, as palavras conseguem reant As quais servem de rou- z uma ciéncia com- Mar no nosso cérebro as criaturas Pagem... Mas este assunto exige talve Pleta!» 16 lecer «os principios que governam o desenvolyj. mento do. significado». Tal como o mostra a sua ificagdo experimental das mudangas_ semanti- ao tinha ainda idéias muito claras acerca do objecto da «sem siologia»; enveredou, no entanto, pelo rumo decisivo ao atribuir-Ihe um lugar préprio entre os estudos linguisticos. A historia subsequente do assunto compartimen- tase em trés fases distintas.(') A primeira, que abrange aproximadamente meio século, foi muito justamente denominada o «periodo subterranco» da semantica (7). A iniciativa de Reisig foi bem aco Thida por alguns dos seus colegas alemaes, que viram nela uma saudavel reaccdo contra as excessi- vas preocupacgoes formalistas dos estudos filolégicos. Mas a difusdo das novas idéias foi a principio estri- tamente limitada: confinou-se, na sua maior parte, a uma minoria de formagao classica na Alemanha. As duas primeiras obras sobre o assunto, as do proprio Reisig e do seu discipulo F. Haase, foram ambas publicadas pdstumamente, o que mostra nao haver ainda na época um interesse generalizado acerca desses assuntos. Nao nos surpreendera, por tanto, que, quando algumas décadas mais tarde, Michel Bréal comecou a enveredar pelos mesmos rumos, julgasse iniciar uma ciéncia inteiramente nova, que ainda nem sequcr nome possuia. class e K. Bal- Berlim, () Ver esp. Kronasser, op. cit., pp. 29 € Sees» dinger, Die Semasiologie. Versuch eines Uberblicks, 1957, pp. 4e () Baldinger, op. cit. p. 5. 7 A_segunda-fase-comecou nos Pprimeiros anos da década de 1880 e durou também quase exactamente meio século. Foi iniciada por um artigo que Bréal publicou em 1883 numa revista de estudos classicos, no qual tragou o programa da «nova» ciéncia e lhe deu o nome que é hoje ainda o mais usado: L’étude ou nous invitons le lecteur A nous suivre est d’espéce si nouvelle qu’elle n’a méme pas encore recu de nom. En effet, c’est sur le corps et sur la forme des mots que la plupart “des Tinguistes ont exercé leur sagacité: les lois _ qui président a la transformation des sens, au choix d’expressions nouvelles, & la naissance et a la mort des locutions, ont été laissées dans Yombre ou n’ont été indiquées qu’en passant. Comme cette étude, aussi bien que la phonéti- que et la morphologie, mérite d’avoir son nom, nous l’appellerons la sémantique (du verbe onpaivev), c’est-a-dire la science des significa- tions. (') () «O estudo para o qual convidamos o leitor é de uma espécie tao nova que nem sequer recebeu ainda nome. Com efeito, tem sido sobre o corpo e a forma das palavras que a maior parte dos linguistas tém eXercit rito: as leis que presidem A ‘transformagao escolha de expressdes novas, ao nascimento locugées, foram deixadas na sombra ou fora: cadas acidentalmente. Como este estudo, tica € a morfologia, merece ter o seu nom «semantica» (do verbo onpaivew), significagdes» (de um artigo sobre 5.—3 ado o seu espi- dos sentidos, & e a morte das mM apenas indi- tal como a foné- ne, chama-lo-emos isto 6 a ciéncia das «Les Lois intellectuelles 18 Conclui-se claramente deste passo gue Bréal, tal como anteriormente Reisig, considerava a seman- tica como um estudo puramente historico. Esta foi a orientacdo caracteristica do tema ao longo da sua segunda fase: os estudiosos da semantica, na sua maioria, tiveram como principio orientador a idéia de que a sua tarefa primordial era estudar as mu. dancas de significado, explorar as suas causas, clas- sifica-las de acordo com critérios légicos, psicolé- gicos ou quaisquer outros e, se possivel, formular “leis” gerais e investigar as tendéncias subjacentes. As duas ultimas décadas do século XIX trouxe- ram um reavivar do interesse pelo assunto. Na Ale- manha comegaram a aparecer alguns estudos espe- cializados, e atribuiu-se uma certa importancia as questées semanticas no tratado de maior influéncia deste periodo, Prinzipien der Sprachgeschichte de Hermann Paul ('), que foi primeiro traduzido, e adaptado depois, para inglés (7). Em Franga, dois livros importantes e acessiveis familiarizaram o grande publico com os problemas semanticos: La du langage», publicado em L’Annuaire de l’Association pour encouragement des études grecques en France). Sobre a historia do termo semdntica, ver A. W. Read, «An Account of the Word Semantics», Word, IV (1948), pp. 78-97. () Traduzido para Portugués por Maria Luisa Sche- mann, sob © titulo Principios Fundamentais da Historia da Lingua. Edicio da Fundagdo Calouste Gulbenkian — série de Manuais Universitarios, (N, T.) re A ed edicdo, Halle, 1920. & especialmente a par- oto re a edicaio (1886) que a semantica comeca a Par no livro um lugar importante. A segunda edicdo foi 19 Vie des mots étudiée (1887), de Arséne Darmesteter e, dez anos depois o Essai de sémantique de Bréal. Foram estas duas obras os primciros classicos da nova ciéncia: cir- cularam em largo nimero de edigdes e cedo foram traduzidas para inglés (*). B interessante notar que um dos poetas do nosso tempo mais conscientes da linguagem, e linguisticamente mais refinado, Paul Valéry, leu o livro de Bréal por volta dos dezassete anos e publicou uma entusidstica recensdo no Mer- cure de France (1898) (2). Nas trés primeiras décadas do século XX, fize- ram-se consideraveis progressos no estudo das mu- dangas de significado. Os semanticos emanciparam- -se_gradualmente das antiquadas categorias hercla- das da retérica, voltando-se antes para disciplinas vizinhas — filosofia, psicologia, sociologia, histéria i: -—=.com vista a uma compreens4o mais ‘dos processos semAnticos. Uma experiéncia interessante foi feita pelo linguista dinamarqués K. Nyrop quando, em 1913, incluiu um volume de se- mAantica na sua obra largamente consultada, Gram- traduzida para inglés por H. A. Strong em 1889, e em 1891 foi publicada uma adaptagao inglesa de H. A. Strong, W. S. Logeman e B. I. Wheeler sob o titulo Introduction to the Study of the History of Language. , (‘) Uma versio inglesa da obra de Darmesteter foi pu- blicada logo em 1886. Uma tradugado inglesa do livro de Bréal, feita por Mrs. H. Cust, apareceu em 1900 com o titulo de Semantics. ; (?) Ver F. Scarfe, The Art of Paul Valéry, Londres, 1954, pp. 56 e seg. dans leurs significations * ae ; canner) 20 aa maire historique de la langue frangaise. A experién. cia, no entanto, cra prematura; a semantica ainda nao possuia as técnicas necessdrias para identificar as tendéncias distintivas de uma lingua particular, A chave de ouro deste periodo foi uma sintese mo. numental publicada em 1931 pelo filédlogo sueco Gustaf Stern sob o titulo: Meaning and Change of Meaning, with Special Reference to the English Lan- guage, onde era posta em relevo uma classificacao nova, puramente empirica, das mudancgas seméan- ticas, baseada nas vastas pesquisas do proprio au- tor, e se fazia uma tentativa para colocar a seman- tica a par dos recentes avan¢gos noutros campos, incluindo assim o estudo da afasia e de outras per- turbagées da fala. No mesmo ano em que apareceu o tratado de Stern, publicou-se outra obra que inaugurou uma fene % Fase nova na historia da semantica: a monografia i 1 ficam “conhe- ids },Cimento” e “inteligéncia” em alemao (‘). Para com- ua preender a natureza desta nova fase sera necessario mencionar sucintamente algumas mudancas funda- mentais que se operaram na lin: iguistica geral a par- tir do volver do século. Estas mudangas, que mere- Sricows: ceram o nome de «revolucio copérnica» das nossas 4 Sau: ideias acerca da linguagem, tiveram origem no ma- Luw, Bistério do professor suico Ferdinand de Saussure, ~~ cujas ligdes de linguistica na Universidade de Ge- 2, de Jost Trier sobre os termos que signi () Der deutsche Wortschatz im Sinnbezirk des Vers- tandes. Die Geschichte eines Sprachlichen Feldes I, Heidel- berg, 1931. 21 nebra foram publicadas postumamente em 1916 com o titulo de Cours de linguistique générale ('). Neste livro, extraordinariamente rico em concepgées arrojadas e originais, havia dois pontos em parti cular_que revolucionaram a teoria € a pratica dos estudos linguisticos. Em primeiro lugar, Saussure ) rompeu com a orientagao histérica da linguistica do século XIX e mostrou de modo convincente que ha “no estudo da linguagem’duas orientacdes basica- mente diferentes e_ igualmente justificaveis:Sjima descritiva ou “sincrénica” (?), que a regista tal como ela existe num, dado momento e ignorando os seus antecedentes!“a outra his d "C), tragando a evolucio dos seus varios elementos. As duas orientagdes sdo complementares, mas néo de- vem de modo algum ser confundidas; adoptar as duas simultaneamente, na humoristica definicaio de um discipulo de Saussure, equivaleria a pintar um retrato a partir de fotografias tiradas em épocas di- ferentes, misturando a boca de uma crianga com a barba de um adulto e as rugas de um velho. Em se- gundo lugar, Saussure encarou a lingua como um todo organizado ou Gestalt, no qual os diversos ele- sua sionj- mentos sao interdependentes e recebem a sua signi- ficagdo do sistema no seu conjunto, Comparava a lingua a um jogo de xadrez onde nenhuma unidade pode ser acrescentada, retirada ou deslocada, sem (‘) 5. ed., Paris, 1955. (Trad. inglesa por Wade Baskin, Londres, 1960). (?) Do grego syn «juntam : () Do grego dia «através de» + chronos. ente» + chronos «tempo». — 22 alterar o sistema completo de relagdes no tabuleiro, Esta visio da linguagem como um sistema de ele, mentos interdependentes esta na base daquilo que veio a chamar-se “Linguistica estrutural”, Sob a in. fluéncia de Saussure, comecaram a aparecer algu- mas escolas estruturalistas —em Genebra, Praga, Copenhaga, Londres e outras — e, embora haja vas- tas diferencas entre elas, todas estdo de acordo nesse principio fundamental. /A corrente estrutura- lista da Europa foi poderosamente reforcada pela escola americana de linguistica fundada por Leonard Bloomfield, que, partindo de premissas diferentes, chegou a resultados muito semelhantes. O trabalho do professor Trier sobre termos de “conhecimento” em alemdo foi a primeira tentativa séria para introduzir na semantica os principios de Saussure. A sua doutrina, a chamada «teoria_dos camp teve algumas repercussées imediatas e foi seguida por alguns discipulos e por outros linguistas de propensées idénticas. A difusao das suas idéias foi, contudo, retardada pela guerra, e so por volta de 1950 équea nova semantica tomou impulso definitivo, Fiel no fundo a sua base saus- suriana, a tendéncia principal da sen ont tica contem- Poranea difere da escola anterior em dois aspectos scritivas Em » fizeram-se nos Ultimos anos diversas 23 bulario. Podemos avaliar a importancia atribuida a estes problemas a partir do facto de a «semantica estrutural» figurar no programa do Oitavo Con- gresso Internacional de Linguistica, realizado em Oslo em Agosto de 1957, e aparecer de novo no do Nono Congresso, 0 de Cambridge, Mass., em 1962. Também em diversos outros aspectos a nova se- mantica se afasta marcadamente da corrente tradi- cional. A aparigdo, desde os primeiros anos deste século, de uma nova ciéncia da estilistica, teve uma influéncia profunda nos estudos semAnticos. Fa- lando em termos gerais, a estilistica diz respeito aos valores expressivos e evocativos da linguagem. A nova disciplina sofreu um grande avango nos Ul- timos anos ('), relacionando-se especialmente com a semantica. Demonstrou-se que todos os grandes pro- blemas da sem@ntica tém implicacées estilisticas, e em alguns casos, como por exemplo no estudo das tonalidades emotivas, as duas orientagdes estado inextricavelmente entrelagadas. ( Outro traco distintivo da nova semantica é 0 facto de o centro de interesse ter passado dos prin- cipios gerais para o estudo de linguas particulares. Durante os ultimos anos, fizeram-se tentativas para explorar as tendéncias semAnticas caracteristicas de ———__ (‘) Uma perspectiva dos desenvolvimentos recentes da estilistica poderd encontrar-se no capitulo introdutorio do mcu livro Style in the French Novel. Ver também mais re- centemente R. F, Retamar, Idea de 1a Estilistica, Havana, 1958, e M. Riffaterre, «Criteria for Style Analysis», Word, XV (1959), pp, 154-74, 24 um determinado idioma ('), e comecaram a tomar forma as linhas mestras de uma nova classificacéo das linguas com bases puramente semanticas. A semantica contempordnea caracteriza-se tam- bém por um interesse marcado pelas relagdes ertre |a linguagem e o pensamento. Ja se nado considera "a linguagem como um mero instrumento de expres- séo dos nossos pensamentos, mas sim como uma influéncia especial, que os molda e pré-determina, dirigindo-os para vias especificas. Estas ideias, que eram ja importantes na teoria dos «campos seman- ticos», ganharam um novo impulso com os escritos sobre o assunto do falecido Benjamin Lee Whorf, que despertaram na América um considerdvel in- teresse. Os estudos de Whorf preocupavam-se mais com a gramatica do que com o vocabulario, mas é na semAantica que se verifica mais claramente o im- pacto da linguagem sobre o pensamento, e, portanto, alguns resultados prometedores foram conseguidos neste campo. Pode também notar-se como um indice da evo- lucdo futura, a introdugdo na semantica de métodos matematicos e até electrénicos. O uso de tais mé todos ‘tende a ser bastante restrito, mas muitos pro- blemas importantes poderao ser abordados com maior precisao por este processo do que tinha sido (‘) Sobre o grego e o latim ver E. Struck, Bedeutungs- lehre. Grundziige einer lateinischen und griechischen Sema- siologie, 2." ed., Stuttgart, 1954; sobre o inglés, E. Leisi, Das heutige Englisch. Wesenziige und Probleme, 2.* ed., Heidel- berg, 1960; sobre o francés, E. Gamillscheg, Franzisische 25 possivel aie agora, ¢ mesmo que o linguista nao possa seguir minuciosamente todas as operagées ai implicadas, nao podera desinteressar-se dos resulta- dos obtidos. _ Finalmente, houve ha pouco tempo uma altera- ae consideravel nas relagées entre a linguistica e a filosofia. A ligagdo entre as duas disciplinas nao é nova; a significativo, contudo, que os fildsofos con- temporaneos estejam a tal ponto preocupados com os problemas do significado que tenham desenvol- vido a sua propria e particular concep¢io, ou con- cepgdes, de semantica. Para os mais esotéricos, a semantica filoséfica é um ramo da légica simbdlica ou, mais especificamente, da «teoria dos signos» ('). Para os mais praticos, é uma técnica de corrigir certos abusos da linguagem, tais como o uso indis- criminado de abstraccdes mal definidas (*). Tém sido, até agora, ténues as relacgdes entre a linguistica Tiibingen, 1951, e o meu Précis de séman- 2.2 ed., Berna, 1959; sobre 0 alemao, L. d der deutschen Sprache Il, ed, Bedeutungslehre, tique frangaise, Weisgerber, Vom Weltbil Dik: 1953-54. i . Hee especialmente R. Carnap, Introduction 10° mantics, Cambridge, Mass., 1942, € Ch. Morris, ee Hi guage, and Behavior, Nova Torque, 1946, CF | eterna Linsky (ed.), Semantics and the Philosophy of ail Urbana, 1952, e P. Ziff, Semantic Analys ne annd Suntil- () Ver especialmente A. Korzybski, ns and General An Introduction to Non-Aristotelian Sys' on ‘eamanties. Semanties, 32 od., Lakeville, 1948; H.R. WalPOY torque, The Nature of Words and (heir Meanings Noatros ert 1941, ¢ os escritos de S. Chase, S. Maya oe ditos relacionados com a revista . chen’ 26 e a semantica filoséfica, mas, de um modo Mais geral, nao pode haver dtivida de que os fildsofos ¢ os linguistas se podem ajudar mutuamente, e que tém muitos problemas em comum, embora tendam a aborda-los de pontos de vista diferentes. Nas paginas que se seguem, tentarei apresentar, num breve esbogo, um panorama do estado actual dos estudos semanticos. Naturalmente, os problemas tradicionais, tais como as mudangas de significado, nao serao desprezados, mas enquadrar-se-4o nas normas gerais da investigacéo contemporanea. Os trés primeiros capitulos discutirao os principios fun- damentais, comecando pela estrutura da linguagem como um todo, e estreitando depois o circulo as palavras e mais especificamente aos seus significa- dos. Seguir-se-4o quatro capitulos sobre a;semantica descritiva, um sobre a mudanca semantica, e um ultimo sobre a estrutura geral do vocabulario. Ten- tarei fornecer uma informagiio suficientemente re- Presentativa e actualizada de uma ciéncia que cami- nha a passos largos, sem por de lado os resultados validos da investigacio anterior, e também sem ten- tar por «vinho novo em odres velhos».

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