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Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Atividade de Cinema Brasileiro

Atividade 2

Disciplina: Cinema Brasileiro


Professor: Cid Vasconcelos
Aluno: Hugo Barros Aquino

Novembro de 2021
III. Escolha qualquer produção brasileira dos anos 1950,
individualmente ou em comparação com outra(s) do mesmo período, e
apresente motivos que a fazem se aproximar mais de uma produção
“independente” ou “de estúdio”, levando em conta a diversidade de
possibilidades de leitura que essa definição comporta, inclusive podendo não
tornar antípodas necessariamente as duas definições.

Proponho a análise de “Rio, 40 graus” como um exemplo de filme do cinema


independente dos anos 50. Para isso, inicialmente, contextualizo o período me
baseando nas informações obtidas no artigo “O roteiro e suas relações com os
modos de produção no cinema brasileiro dos anos 1950: uma análise a partir de
quatro estudos de caso” de Natasha Romanzoti.
As discussões ao redor da classificação e posicionamento, em dois grupos
opostos do cinema brasileiro — O cinema industrial (ou de estúdio) contraposto ao
cinema independente — na metade do século XX não são tão precisas. Em termos
de produção, muitas vezes os interesses dos estúdios da época se encontravam
aos dos ditos produtores independentes. Havia preocupações, por exemplo, acerca
da hegemonia do cinema estadunidense em ambos os grupos, ainda que para os
estúdios esse temor estivesse muito mais relacionado à disparidade na
concorrência comercial, que a qualquer outro fator. O cinema Independente, por sua
vez, usava as locações dos estúdios quando julgava necessário (Na época,
considerando o contexto de produção e de aparatos tecnológicos, em muitos casos
era mais barato gravar em estúdio que em locação), o que, portanto, quebra a ideia
de que o cinema independente era necessariamente desprovido de recursos. Com
esse breve contexto, nota-se que a organização da produção dos filmes não era tão
distinta, e que os estúdios e os independentes chocam em muitos pontos que
permeiam essa área. No entanto, essa classificação faz sentido, quando
consideramos o controle autoral dos diretores sobre as obras. É nesse ponto que
“Rio, 40 graus” se torna um marco não só à produção independente da época, mas
à história do cinema nacional.
Segundo Glauber Rocha, o filme de 1955, estréia de Nelson Pereira dos
Santos, é o primeiro filme brasileiro verdadeiramente engajado. Ou seja, “Rio, 40
graus” é uma ruptura de temática e abordagem no universo dos filmes brasileiros,
pois se propõe a registrar de forma mais natural, por vezes até documental, o
cotidiano da cidade do Rio de Janeiro. Através da figura de cinco garotos
vendedores de amendoim, moradores de favelas, a história é conduzida em
subtramas que revelam, de forma dinâmica, as desigualdades sociais às quais o
cinema nacional até então negligenciava ou abordava de forma muito superficial. O
controle sobre a visão crítica no tema e a fuga (ou atenuação) dos arquétipos já
estabelecidos e, inclusive, repetidos como fórmulas de sucesso de público nas
chanchadas da Atlântida e da Vera Cruz, por exemplo, reforçam a tentativa estética
de se soar mais realista, bem como o controle frente aos rumos das reflexões
propostas pelos filmes — característica dos independentes. No filme, o
coloquialismo e o regionalismo presentes nos personagens não são usados de
maneira cômica, mas sim como um elemento essencial para a espontaneidade,
naturalidade e composição de suas personalidades. Por exemplo, em “Garotas e
Samba”, filme de 1957 produzido na Atlântida, a personagem Zizi, nordestina, tem o
uso de seu sotaque posto de maneira caricata e por muitas vezes jocosa. No filme
de Nelson Pereira dos Santos, o único personagem mais visivelmente caricato é o
coronel interpretado por Modesto de Sousa, e acredito que isso tenha sido
intencional com o intuito de ironizar.
Outro elemento importante no que se relaciona à independência temática de
“Rio, 40 graus” e sua adequação ao grupo dos independentes é o ritmo. Muito mais
acelerado que nas produções de estúdio convencionais, se organizam para nos
revelar as partes de um dia na cidade do Rio de Janeiro. Muitas vezes as subtramas
se sobrepõem e o foco da cena se altera, recurso que pode ter sido usado com a
intenção de reforçar o caráter eventual e cotidiano dos acontecimentos do filme. No
que diz respeito ao uso de atores não profissionais em locações reais, esse fator,
embora não obrigatório aos filmes independentes, situa o filme em um ponto mais
distante do cinema de indústria estabelecida. Assim como Natasha Romanzoti
ressaltou em seu artigo, “a falta de hierarquia e de um financiador privado
costumam levar a menos interferências.” . Essa certa liberdade é algo essencial a
“Rio, 40 graus”. Porém essa mesma liberdade temática, custou uma dificuldade na
divulgação do filme, que inclusive foi censurado, e uma dificuldade em projetos
seguintes de Pereira dos Santos, como descreve Glauber Rocha em artigo de 1963.
Esse fator, ainda que não esteja propriamente dentro do filme, reforça o caráter
independente de sua produção.
O desfecho do filme ainda que se dê em meio à euforia rítmica do samba,
não é propriamente feliz, ao contrário disso, relembra um dos eventos mais tristes
da trama: a mãe adoecida à espera do filho que não retorna, pois morrera
atropelado naquele dia em uma das subtramas do filme. Esse final triste e
digressivo não era adotado pelo cinema de estúdio, mas constitui fatores estilísticos
e, sobretudo ideológicos, importantes na representação mais profunda e menos
estereotipada do povo brasileiro, que caracterizam por fim “Rio, 40 graus” como um
filme do cinema independente”.

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