O Código Sardo de 1859, que foi um dos primeiros a configurar como infração
penal os maus-tratos, considerava tal ilícito como contravenção.
Veio o Código Penal de 1940 que disciplinou, no artigo 136, casos de excessos
nos meios de correção e disciplina, como também qualquer outra espécie de maus-tratos,
infligidos a pessoa que o agente tenha sob sua guarda, vigilância ou autoridade, para o fim de
educação, ensino, tratamento ou custódia, hipóteses essas que já estavam previstas no Código
de Menores(artigo 137 a 140) e introduzidas na Consolidação das Leis Penais de 1932(artigo
292, incisos VI a X), como crimes autônomos, envolvendo castigos imoderados, maus-tratos
habituais, privação de alimentos ou dos cuidados, excesso de trabalho.
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância,
para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou
cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer
abusando de meios de correção ou disciplina:
§ 2º - Se resulta a morte:
O sujeito ativo é quem tem a vítima sob sua guarda, vigilância ou autoridade,
para o fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Há a exigência de um vínculo
obrigacional entre o agente e a vítima, importando o crime em violação de um dever
preexistente. Do contrário, não havendo essa especial obrigação jurídica, o crime será o do
artigo 132 do CP. Sendo assim é crime de mão própria.
Como crime de perigo pode ser cometido através das seguintes modalidades:
Por sua vez, os maus-tratos à pessoa idosa, que venham a consistir na sua
submissão a condições desumanas ou degradantes ou a trabalho excessivo ou inadequado, ou,
ainda na privação de alimentos ou cuidados indispensáveis, a que estava o agente obrigado a
prestar, está tipificado no artigo 99 da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003(Estatuto do
Idoso),em que se cominam penas idênticas para as mesmas formas qualificadas previstas no
artigo 136, § § 1º e 2º. Tem-se desta forma crimes qualificados por resultado. Assim se
entendeu que “se o menor vítima estava sob os cuidados e guarda da acusada, que a ela
infligia constantes maus-tratos, provocando-lhe a morte, o delito a ser cogitado, na espécie é o
do artigo 136, § 2º, e não o do artigo 129, § 3º, ambas do CP”.
O crime de tortura se encontra balizado pela Lei 9.455/97, que teve como
ponto de partida os termos da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, ficando a
tortura no processo de progressiva incorporação no Ordenamento Jurídico Internacional. Isto
se vê no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1976, que foi ratificado pelo Brasil,
em 1992, onde se lê, no artigo 7º, que “ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou
tratamentos crueis, desumanos ou degradantes. Será proibido,sobretudo, submeter uma
pessoa sem seu livre consentimento , a experiências médicas e científicas”.
Art. 1º - O termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos
ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido: de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras
pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação ou como o seu consentimento ou aquiescência.
A Lei 9.455/97, primeira norma nacional que traz definição do que seja crime
de tortura, dita:
§ 2º. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou
apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
Por sua vez, o crime de tortura-castigo está elencado no artigo 1º, inciso II da
Lei 9.455/97, onde se diz: “Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com
emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Não são todas as pessoas que
podem praticar tortura, mas somente quem tem alguém, sob sua guarda, poder ou
autoridade, e emprega contra essa pessoa violência ou grave ameaça, causando intenso
sofrimento físico ou mental, com o objetivo de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter
preventivo. Assim a intensidade do sofrimento irá definir o crime de tortura.
Creio que a resposta deve ser afirmativa. Com Lisa Kois, também considero
possível afirmar que essas formas de violência contra a mulher resultam de um contexto de
construção patriarcal da sexualidade feminina, e "conquanto a violência perpetrada contra as
mulheres em casa não seja inteiramente análoga com a tortura oficial de mulheres, inobstante
isso ela existe em um mesmo continuum de violência contra a mulher como um instrumento
poderoso em sistemas que mantêm a mulher oprimida e lhes nega seus direito de plena
participação em suas sociedades. As técnicas empregadas na perpetração de tortura oficial e
de tortura doméstica são análogas, assim como o são os objetivos".
Com relação ao crime previsto no 1º, §1º, da Lei nº 9.455/97, que se trata de
forma de tortura, afigura-se o exemplo da aplicação de “corretivo”, ao detento. No caso, como
ensinam Sheila Bierrenbach e Marcellus Polatri Lima(Comentários à lei de tortura – Aspectos
penais e processuais penais – 2006, pág. 70), Guilherme de Souza Nucci(Leis penais e
processuais penais comentadas, 2008, pág. 1.093) e ainda Antônio Lopes Monteiro(Crimes
hediondos, 2008, pág. 98), basta, para a configuração do crime, o dolo de praticar a conduta
descrita no tipo objetivo. Neste aspecto a ausência do especial fim de agir nesta modalidade
de tortura diferencia-se das demais previstas no texto legal que, por outro lado, exigem sua
presença. Nas formas de tortura, descritas no artigo 1º, incisos I e II, somente se perfazem se
tiver agido o agente imbuído por uma finalidade específica. No caso do inciso I, para “obter
informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou
omissão de natureza criminosa e por motivo de descriminação racial ou religiosa”. Já no caso
do inciso II, no intuito de “aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”, se a
vítima se encontra presa não se exige o especial fim de agir na conduta do agente. A esse
respeito, é mister a leitura do voto-vista do Ministro Félix Fischer, no Recurso Especial 856.706
– AC.