Você está na página 1de 91

PBH do Rio Sado

Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

1 / 99
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Anexo 9: Conservação da Natureza

Parte 2: Caudais Ecológicos

ÍNDICE DE TEXTO
Pág.

RESUMO ....................................................................................................................... 3
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 4
1.1 Conteúdo e objectivos .......................................................................................... 4
1.2 Conceito de Caudal Ecológico ............................................................................. 4
1.3. Legislação sobre o Caudal Ecológico.................................................................. 6
1.3.1. Legislação em Portugal................................................................................ 6
1.3.2. Legislação na Europa e América do Norte .................................................. 7
2. REVISÃO DE MÉTODOS ........................................................................................ 12
2.1. Introdução............................................................................................................ 12
2.2. Métodos baseados em registos de caudais........................................................... 12
2.2.1. Características gerais .................................................................................. 12
2.2.2. Método de Tennant ou de Montana.............................................................. 13
2.2.3. Método do Caudal Básico ou da Nova Inglaterra ....................................... 18
2.2.4. Método do Northern Great Plains Resource Program (NGPRP)................ 20
2.2.5. Método de Hope ........................................................................................... 21
2. 2.6. Método 7Q10 ................................................................................................ 21
2.2.7. Método de Arkansas ..................................................................................... 22
2.2.8. Método de Texas........................................................................................... 22
2.2.9. Método do Caudal Base ............................................................................... 26

1
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Pág.

2.3. Métodos baseados na determinação da relação entre as características hidráulic as


e o caudal............................................................................................................. 29
2.3.1. Características gerais analisadas................................................................ 29
2.3.2. Método do Colorado ou da Região 2 do U.S.F.W.S .................................... 31
2.3.3. Método de Idaho........................................................................................... 32
2.3.4. Método da Região 4 do U.S.F.W.S............................................................... 33
2.3.5. Método do Perímetro Molhado .................................................................... 34
2.4. Métodos baseados na relação entre o habitat e o caudal..................................... 35
2.4.1. Características gerais .................................................................................. 35
2.4.2. Método do "WRRI Cover" ............................................................................ 36
2.4.3. Método de Washington................................................................................. 37
2.4.4. Método da Califórnia ou Método de Waters................................................ 38
2.4.5. Método de Oregon........................................................................................ 39
2.4.6. Metodologia Incremental (Instream Flow Incremental Methodology, IFIM) 41
2.5. Outros Métodos ................................................................................................... 67
2.5.1. Método Basco ou da biodiversidade e sistema R.E.C.E. ............................. 67
2.5.2 Método Holístico ........................................................................................... 73
2.5.3. Metodologia dos Blocos (Building Block Methodology) ............................ 76
2.6. Métodos de determinação do caudal de limpeza e do caudal de manutenção
das características do leito.................................................................................... 81
3. METODOLOGIAS PROPOSTAS............................................................................. 83
3.1. Considerações sobre os ecossistemas lóticos mediterrânicos ............................. 83
3.2. Considerações sobre a aplicabilidade dos métodos à Bacia do Guadiana .......... 84
3.3. Proposta............................................................................................................... 85
3.4. Outras metodologias aplicáveis........................................................................... 88
4. REFERÊNCIAS .........................................................................................................
.............................................................................................................................................

2
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Erro! Marcador não definido.

Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais


Ecológicos

Resumo
O caudal ecológico pode ser definido como o caudal que permite assegurar múltiplos
aspectos: conservação e manutenção dos ecossistemas aquáticos naturais, produção de espécies
com interesse desportivo ou comercial, conservação e manutenção dos agrupamentos ripícolas,
valores estéticos associados à paisagem ou a determinados componentes do sistema ou outros
aspectos de interesse científico ou cultural.
Neste relatório procede-se à revisão das metodologias existentes para determinação do caudal
ecológico, sumariamente discutidas, e da legislação adoptada em diversos países da Europa e
América do Norte.
Procede-se a uma sucinta reflexão sobre a especificidade ecológica dos ecossistemas lóticos
do Sul de Portugal e salienta-se a necessidade de, devido a esse carácter próprio, abordar a
problemática dos caudais ecológicos numa outra perspectiva, que não a de simplisticamente
adoptar metodologias desenvolvidas para regiões de características climáticas muito distintas,
com cursos ecologicamente também distintos e centradas numa única espécie.
Nesse sentido, formula-se uma proposta de metodologia considerada adequada ao caso da
bacia do Guadiana e exequível no estado actual dos conhecimentos. Salienta-se o carácter
“aberto” da metodologia proposta cujos pressupostos decorrem da análise dos constrangimentos
do ecossistema e, em particular, dos que se exercem sobre a ictiofauna, considerada uma
componente simultaneamente frágil e de alto valor ecológico. Dentro do quadro conceptual
definido podem ser aplicados diversos metodos existentes.
São, ainda, referidas outras metodologias (holística e de Building Blocks), desenvolvidas para

3
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

cursos ecologicamente semelhantes e que, exactamente por isso, constituem alternativas


possíveis.

4
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais


Ecológicos

1. INTRODUÇÃO

1.1 Conteúdo e objectivos

Neste relatório apresenta-se uma revisão das metodologias existentes para determinação do
caudal ecológico e da legslação pertiente adoptada em países da Europa e América do Norte. A
revisão dos métodos apoia-se fortemente em revisões anteriormente elaboradas (Alves, 1993;
Alves et al., in prep.). São ainda apresentados os estudos relativos ao caudal ecológico até à data
elaborados na bacia do Guadiana e, considerando a especificidade dos cursos do Sul de Portugal,
muitos de carácter temporário, e o estado actual do respectivo conhecimento, propõem-se as
metodologias consideradas como as mais adequadas.
Procura-se deste modo fornecer um quadro crítico sobre esta matéria na perspectiva de futuras
definições de caudal ecológico para aproveitamentos hidráulicos nesta bacia hidrográfica.

1.2 Conceito de Caudal Ecológico

Em sentido lato, o caudal ecológico pode ser definido como o caudal que permite assegurar a
conservação e manutenção dos ecossistemas aquáticos naturais, a produção das espécies com
interesse desportivo ou comercial, assim como, a conservação e manutenção dos ecossistemas
ripícolas e os aspectos estéticos da paisagem ou outros de interesse científico ou cultural
(Wesche & Rechard, 1980; Gordon et al., 1992).
Alguns autores referem-se ao caudal ecológico num sentido mais restrito, considerando
unicamente o meio aquático ou os recursos piscícolas (Annear & Conder, 1984). Belaud et al.

5
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

(1989) definem caudal ecológico como o caudal que é necessário manter num curso de água, de
modo a permitir o crescimento e reprodução das espécies piscícolas. Tunbridge & Glenane (1988
in Gordon et al., 1982) referem três níveis para o caudal ecológico:
i) caudal ecológico óptimo, que permite a produção das espécies piscícolas, em particular
para recuperação, após um período de stress (determinado, por exemplo, pela seca e por
excesso de pesca);
ii) caudal ecológico mínimo, que resultará numa redução pouco significativa ou nula no
número de indivíduos, em anos de pluviosidade média;
iii) caudal ecológico de sobrevivência, o qual pode causar uma redução no número de
peixes, mas sem diminuição da diversidade específica em anos de seca.
O caudal ecológico é, de um modo geral, definido como um caudal instantâneo e não como
um caudal médio, ou seja, o caudal do curso de água não deverá descer abaixo de um
determinado valor em qualquer instante (Gordon et al., 1992). O seu valor deve variar ao longo
do ano, tendo em consideração as necessidades das espécies ao longo do ciclo de vida
(Stalnaker, 1990).
Assim, o caudal ecológico para um curso de água é definido por uma combinação de valores
de caudal ao longo do ano (Gore, 1989a; Gordon et al., 1992), flexível em função das condições
hidrológicas naturais que se verificam em cada ano, em particular para anos secos (Stalnaker,
1981 in Cavendish & Duncan, 1986).
O estabelecimento de um caudal ecológico apenas com base nas necessidade das espécie
piscícolas ou outras, pode resultar na degradação do leito, alteração dos processos
geomorfológicos, redução ou alteração da vegetação rípicola e alteração das funções da planície
aluvial (Hill et al., 1991). Assim, a recomendação de valores para o caudal ecológico é
acompanhada pela definição de caudais de limpeza (flushing flows, na terminologia anglo-
saxónica), para a remoção de materiais finos depositados e prevenção do crescimento da
vegetação, e de caudais para a manutenção da estrutura do leito e da capacidade de transporte
(Leathe & Nelson, 1986; Milhous, 1990a; Gordon et al., 1992; Reiser et al., 1989a).
Define-se, assim, o caudal ambiental de um curso de água como uma combinação de valores
de caudal que, além do caudal ecológico, inclui ainda caudais de limpeza para a remoção de
materiais finos depositados e de caudais para a manutenção da estrutura do leito (Alves, 1998).
6
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

A principal dificuldade na definição de valores para o caudal ecológico consiste na decisão


dos níveis de alteração do regime hidrológico natural que se consideram aceitáveis, face aos
impactes nos ecossistemas aquáticos e ribeirinhos que essa alteração induzirá, particularmente se
se atender ao nível de incerteza que ainda existe neste domínio, em especial nos aspectos
quantitativos. Esta limitação torna-se particularmente crítica quando estão em jogo outros
interesses de uso da água, em que o valor económico, a curto e médio prazo, é facilmente
quantificável, e em que, de um modo geral, a tomada de decisões não se compadece com a
morosidade dos estudos ecológicos que são necessários realizar para uma correcta avaliação dos
impactes e para a definição dos caudais mínimos a manter no curso de água. O processo de
definição do caudal ecológico envolve assim, de um modo geral, uma forte componente
negocial, entre os vários utilizadores da água (Stalnaker, 1990; Gordon et al., 1992).

1.3. Legislação sobre o Caudal Ecológico

1.3.1. Legislação em Portugal

A obrigatoriedade de manter um caudal que permita a conservação e manutenção dos


ecossistemas aquáticos está incluída no articulado da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de
7 de Abril) e no Decreto Lei Nº 70/92 de 2 de Março, ao ser referida a necessidade de tomar em
consideração a protecção e conservação do ambiente no processo de planeamento, administração
e utilização do domínio hídrico.
Esta legislação constitui a base legal que tem permitido desde 1989 incluir no licenciamento
de novos aproveitamentos hidráulicos, a obrigação de manter um caudal mínimo no curso de
água a jusante da barragem para a minimização dos impactes negativos nos ecossistemas
aquáticos. O valor deste caudal é independente do caudal reservado, que tem de ser sempre
garantido a jusante dos aproveitamentos hidráulicos, para a manutenção de usos já existentes
como sejam a rega e o abastecimento público e outros usos. Para a generalidade dos

7
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

aproveitamentos licenciados antes desta data, 91 à data do Decreto Regulamentar n.º 2/88 de 20
de Janeiro, não existe a obrigação de manter o caudal ecológico, apenas se verificando para
alguns aproveitamentos a obrigação de manter o caudal reservado.
Mais recentemente o Decreto-Lei n.º46/94 de 22 de Fevereiro, que estabelece o regime de
licenciamento da utilização do domínio público, refere no “Conteúdo dos títulos de captação da
água para produção de energia hidroeléctrica”, a necessidade de estabelecer os caudais
ecológicos e reservado, e no “Conteúdo da licença para a construção de obras hidráulicas” a
obrigatoriedade de instalação dos dispositivos necessários para deixar passar os caudais
ecológico e reservado, no sentido de salvaguardar o interesse público e legítimos interesses de
terceiros.
A actual legislação não define valores de caudal ecológico ou métodos para a sua
determinação, ao contrário do que se verifica em outros países.

1.3.2. Legislação na Europa e América do Norte

Alguns países ou regiões administrativas desenvolveram legislação específica, que estabelece


o valor do caudal ecológico a manter nos cursos de água em função das suas características, ou
que estabelece os métodos a utilizar para a sua determinação, como é o caso da França, Suíça,
Principado das Astúrias em Espanha e Estados Unidos da América. Outros países, à semelhança
do que acontece em Portugal, apenas referem na legislação relativa aos recursos hídricos e à
conservação e protecção do ambiente, a necessidade de manter caudais ecológicos nos cursos de
água, nomeadamente o Reino Unido, a Espanha e o Canadá.

Espanha
Em Espanha, a Lei das Águas (29/1985) estabelece no Art. 40º a necessidade de manter um
caudal mínimo que garanta a preservação do meio natural, definido com base nos Planos
Hidrológicos, carecendo de definições precisas, quer qualitativas quer quantitativas.
A Dirección General de Obras Públicas (1980 in Bikuña & Docampo, 95) define o caudal

8
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

ecológico como 10% do caudal médio anual.


Alguns organismos ou regiões administrativas tem critérios próprios, como sejam a
Confederacão Hidrográfica do Ebro que considera como caudal ecológico um caudal igual a 10
% do caudal médio anual (Palau, 1997), a Comunidade Autónoma de Navarra que define um
caudal minímo igual ao Q330 para cursos de água salmonícolas ou 10% do caudal médio anual
para cursos de água ciprinícolas, a região de Castilha e Leão onde está definido que o caudal
minimo deve ser igual ou superior a 20 % do caudal médio anual (Anbiotek, 1996), ou ainda a
Catalunha. Nesta região admnistrativa existem pelo contrário critérios diferentes consoante a
entidade do governo envolvida, assim a Junta d’Aigues de la Generalitat de Catalunya considera
o maior de de dois valores, 5 % do caudal médio anual ou 50 l/s, mas o Departament dí
Agricultura, Ramaderíai Pesca de la Generalitat de Catalunya já considera 10-25 % do caudal
médio anual ou a aplicação do Método do Caudal Básico (vide Capítulo 2.2.3) (Palau, 1997)
No Principado das Astúrias existe legislação que define o modo de cálculo do caudal
ecológico (Tabela A9.P1-01.01) (Telhado, n. publ.; Manteiga & Olmeda, 1992).

Nível de Protecção Caudal ecológico


I O maior dos valores determinados segundo as seguintes expressões
(ms3/s):
Qec = 0,35 Q347 (a)

15 Q347
Qec =
(ln Q347 ) 2

Qec =0,25 Q347 + 75


II Soma do maior valor determinado segundo as expressões 1), 2) e 3)
com 2 l/s/km2 da bacia hidrográfica
III Soma do maior valor determinado segundo as expressões 1), 2) e 3)
com 4 l/s/km2 da bacia hidrográfica
(a) Q347, caudal que é igualado ou excedido 347 dias no ano

Tabela A9.P1-01.01 - Métodos a utilizar para a definição do caudal ecológico, segundo a legislação vigente no
Principado das Astúrias, com base em Telhado (não publ.) e Manteiga & Olmeda (1992).
Actualmente, estão a ser desenvolvidos estudos para a definição de critérios e de

9
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

metodologias a aplicar aos cursos de água espanhóis (Manteiga & Olmeda, 1992).

França
Em França, a Lei da Pesca e Gestão dos Recursos Piscícolas de 1984 estabelece no Art. 140º
que o caudal mínimo a manter não deverá ser inferior a 10% do caudal modular do curso de
água, calculado a partir de um registo de caudais com tamanho mínimo de cinco anos. Em cursos
de água em que o caudal modular é superior a 80 m3s-1, o Conselho de Estado pode, por decreto,
definir um limite inferior para o caudal ecológico, que não poderá ser inferior a 20% do caudal
modular. Para os aproveitamentos hidráulicos existentes antes de 1984, o caudal ecológico a
manter corresponderá a 2,5% do caudal modular.

Reino Unido
No Reino Unido a definição dos caudais ecológicos é feita caso a caso, tendo em
consideração as necessidades das populações piscícolas e a conservação dos ecossistemas
considerados de interesse. De um modo geral o caudal mínimo é recomendado com base em dois
valores: o caudal que é igualado ou excedido 95% do tempo ou o caudal 7Q10 (Petts & Maddock,
1994)
Existem três padrões tipo de manutenção do caudal ecológico (Gustard, 1989; Manteiga &
Olmeda, 1992):
i) descarga de um caudal constante ao longo do ano, com realização de descargas
excepcionais para limpeza do curso de água e para favorecer as migrações de salmonídeos;
ii) descarga de um caudal que varia sazonalmente, com um valor máximo no Verão;
iii) manutenção de um caudal mínimo a uma distância definida a partir do local do
aproveitamento hidráulico.

Suíça
A Lei de Protecção das Águas Suíça, de Maio de 1992, define no Art. 31º e no Art. 32º o
caudal ecológico a manter em cursos de água de regime permanente. O valor do caudal
ecológico é calculado segundo a fórmula de Matthey, que se baseia no caudal do curso de água
10
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

que, em média, é atingido ou excedido durante 347 dias por ano (Q347), sendo este o caudal
considerado determinante para a biologia do curso de água (Tabela A9.P1-01.02). O Q347 é
calculado a partir de um registo de caudais com tamanho mínimo de dez anos, podendo-se na
ausência deste registo, recorrer a outros métodos, como seja a simulação.

Caudal que em média é atingido ou Caudal ecológico


ultrapassado durante 347 dias/ano, Q347

Q347 ≤ 60 l/s 50 l/s (8 l/s)

(e por cada mais 10 l/s)


Q347 = 160 l/s 130 l/s (4,4 l/s)
(e por cada mais 10 l/s)
Q347 = 500 l/s 280 l/s (31 l/s)
(e por cada mais 10 l/s)
Q347 = 2 500 l/s 900 l/s (21,3 l/s)
(e por cada mais 10 l/s )
Q347 = 10 000 l/s 2 500 l/s (150 l/s)
(e por cada mais 10 l/s)

Q347 ≥ 60 000 l/s 10 000 l/s

Tabela A9.P1-01.02 - Caudal ecológico a manter nos cursos de água de regime permanente, segundo a Lei de
Protecção das Águas Suíça de 1992.

O caudal definido para um curso de água pode ser superior ao apresentado na Tabela A9.P1-
01.02 se nele ocorrerem biótopos ou biocenoses raras, cuja existência está directamente ou
indirectamente ligada à natureza e à dimensão do curso de água e que devem ser protegidas; se
houver a necessidade de manter um caudal que permita a livre migração dos peixes; ou se o
curso de água se encontrar a uma altitude inferior a 800 m e apresentar um valor de Q347 inferior
ou igual a 40 l/s; ou se for utilizado como zona de desova para as espécies piscícolas ou de
habitat para os progenitores.
A Lei de Protecção das Águas admite a manutenção de caudais ecológicos inferiores aos

11
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

apresentados no Tabela A9.P1-01.02 para os trechos do curso de água com um comprimento


máximo de 1000 m a jusante de aproveitamentos hidráulicos, para cursos de água com Q347
inferior a 50 l/s e a uma altitude superior a 1700 m ou para os aproveitamentos hidráulicos que
são construídos em águas não piscícolas e em que o caudal residual seja, no mínimo, 35% do
Q347.

Canadá
O Canadá não possui legislação específica sobre o caudal ecológico. No entanto, a legislação
existente, nomeadamente a Canada Fisheries Act, estabelece que o Ministério das Pescas e
Oceanos pode definir caudais mínimos para a protecção dos recursos piscícolas (Reiser et al.,
1989b).

Estados Unidos da América


Nos E.U.A., em 1986, 33% dos Estados possuíam legislação relativa à manutenção de caudais
mínimos nos cursos de água: Arkansas, Washington, Oregão, Idaho, Montana, Utah, Wyoming,
Colorado, Nebraska, Kansas, Minesota, Texas, Arizona, Indiana, Pensilvânia e Hawai. As
entidades federais e estatais definem, de um modo geral, os métodos a utilizar, verificando-se
que o método mais utilizado é a Metodologia Incremental (Reiser et al., 1989b), o Método do
Perímetro Molhado (Stalnaker et al., 1995) e o Método de Tennant (Cassie & El-Jabi, 1995).

Outros países
A Itália define um caudal mínimo entre 2 e 4 ls-1 km-2 e a Alemanha e a Irlanda definem
percentagens do caudal médio anual em função da região, época do ano e tipo do rio, que variam
entre 30-50% para a Alemanha e 1-10% no caso da Itália. A Grécia e a Dinamarca não tem
norma afixa (Palau, 1997).

12
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2. REVISÃO DE MÉTODOS

2.1. Introdução

Seguindo a revisão de Alves (1993) apresentam-se os métodos desenvolvidos para a definição


do caudal ecológico, na sua maioria desenvolvidos nos E.UA., referindo-se as alterações que
tenham sido posteriormente sugeridas e, se caso disso, as novas designações destes métodos.
Os métodos para a determinação dos caudais ecológicos podem classificar-se em três grandes
grupos (Jowett, 1997):
i) métodos baseados em registos históricos de caudais;
ii) métodos baseados na relação entre os parâmetros hidráulicos e o caudal e;
iii) métodos baseados nas relações entre o habitat e o caudal.
Alguns métodos recentemente desenvolvidos não se integram de forma precisa em nenhum
destes grupos, tendo um carácter mais abrangente. Por esse motivo se considera um 4º grupo de
métodos.
São ainda apresentados os principais métodos para a definição dos caudais de limpeza e dos
caudais para manutenção das características do leito e da capacidade de transporte sólido do
curso de água.

2.2. Métodos baseados em registos de caudais

2.2.1. Características gerais

Os métodos baseados em registos de caudais baseiam-se, de um modo geral, unicamente em


registos de caudais para a definição dos caudais ecológicos a manter nos cursos de água, não
sendo necessário recorrer a trabalho de campo específico. Este aspecto constitui a principal
vantagem, já que é possível obter rapidamente valores para o caudal ecológico, desde que

13
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

estejam disponíveis registos de caudais para um período significativo em que não tenham
ocorrido alterações importantes nas características do escoamento (Gordon et al., 1992). Estes
métodos assumem que os caudais medidos permitem sustentar as comunidades aquáticas a níveis
aceitáveis (Weshe & Rechard, 1980) o que só é aplicável a curso de água em regime natural, ou
onde as alterações já se tenham verificado há muito tempo. Embora o regime natural possa ser
reconstruído é, contudo, difícil predizer os impactes nos ecossistemas após a implementação de
um novo regime hidrológico com base nas condições naturais, já que o biota e as próprias
características físicas do ecossistema, como por exemplo a estrutura do leito, podem estar
adaptadas ao novo regime. Assim, a definição do caudal ecológico apenas com base em registos
históricos constitui nestas situações, uma técnica particularmente limitada (Stalnaker et al.,
1995)
Estes métodos apresentam grande especificidade relativamente ao local e às espécies para os
quais foram desenvolvidos, pelo que a sua aplicação está, de certo modo, restrita a situações em
que a relação entre o caudal e o habitat aquático é semelhante. São métodos bastante limitados,
com um nível de precisão baixo, dado que não exigem o conhecimento do ecossistema para o
qual o caudal mínimo é recomendado, não permitindo uma análise específica das alterações no
habitat ou da resposta biológica a alterações no regime hidrológico (Shirvell, 1986; Gordon et
al., 1992).
A aplicação destes métodos deve restringir-se à gestão dos recursos hídricos ao nível da bacia
hidrográfica (Orth & Leonard, 1990), ou à fase inicial dos projectos (Sale & Loar, 1981).
Nesta classe de métodos refere-se o Método de Tennant ou de Montana, o Método da Nova
Inglaterra ou do Caudal Básico (“Aquatic Base Flow”, ABF, na terminologia anglosaxónica), o
Método do Northen Great Plains Resource Program (NGPRP), o Método de Hope, o Método
7Q10, o Método do Arkansas, o Método do Texas e o Método do Caudal Base.

2.2.2. Método de Tennant ou de Montana

O Método de Montana foi desenvolvido nos E.U.A por Tennant no início da década de 70

14
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

(Elser, 1972). A recomendação de um caudal mínimo baseia-se num conjunto de percentagens


do caudal médio anual, calculado para o local do aproveitamento hidráulico, recorrendo a
diferentes percentagens para o período Outubro-Março e para o período Abril-Setembro (Tabela
A9.P1-02.01) (Tennant, 1976; Gordon et al., 1992). Este método é particularmente adequado
para estudos ao nível do planeamento regional (Wesche & Rechard, 1980) constituindo o
segundo método mais utilizado nos Estados Unidos da América (Caissie & El-Jabi, 1995).
Segundo Tennant (1976), a aplicação deste método envolve as seguintes etapas:
i) determinação do caudal médio anual no local do aproveitamento hidráulico;
ii) observação do curso de água durante os períodos em que o caudal no curso de água é
aproximadamente 10%, 30% e 60% do caudal médio anual, documentado-o com recurso a
fotografias dos vários tipos de habitat característicos e a medições em secções transversais
características da largura do leito e da profundidade e velocidade do escoamento. Outros
caudais poderão ser igualmente analisados, mas estes três permitem abranger a gama de
caudais que, de um modo geral, será recomendado para a protecção dos ecossistemas
aquáticos e rípicolas da maioria dos cursos de água;
iii) utilização da informação obtida para elaborar recomendações de caudais a manter no
curso de água, com base na Tabela A9.P1-02.01.

Regime de caudais recomendado (a)

Caudal Outubro-Março Abril-Setembro


(Semestre seco) (Semestre húmido)

De descarga ou máximo 200%

Gama de variação óptima 60 - 100%

Excelente 40% 60%

Muito bom 30% 50%

Bom 20% 40%

Fraco ou degradante 10% 30%

Pobre ou mínimo 10% 10%

Degradação elevada 0 - 10% do caudal médio


(a) percentagem do caudal médio anual

15
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Tabela A9.P1-02.01 - Regimes de caudais recomendados, segundo o Método de Tennant (Tennant, 1976).
No entanto, na prática, a aplicação do Método de Tennant raramente envolve o
reconhecimento de campo, sendo a recomendação de caudais baseada unicamente na tabela
desenvolvida por Tennant (Loar & Sale, 1981).
O caudal correspondente a 10% do caudal médio anual constitui o caudal instantâneo mínimo,
que permite manter, por um curto período de tempo, as condições de habitat necessárias à
sobrevivência da maior parte das espécies aquáticas. Para este caudal, a largura do leito, a
profundidade e a velocidade do escoamento são significativamente reduzidas, conduzindo à
degradação do habitat para a maior parte das espécies. A temperatura da água pode subir,
podendo tornar-se um factor limitante para algumas espécies, particularmente durante os meses
de Verão. As populações de macroinvertebrados são bastante afectadas, podendo pôr em risco a
produção piscícola do curso de água. Os peixes concentram-se nas zonas mais profundas,
atingindo densidades elevadas e nos locais onde a profundidade é baixa a circulação de
indivíduos de maiores dimensões fica limitada. A vegetação ripícola poderá ficar sujeita a stress
hídrico.
O caudal correspondente a 30% do caudal médio anual é o caudal recomendado para manter
condições adequadas de habitat para a maior parte das espécies aquáticas. A largura do leito, a
profundidade e a velocidade do escoamento, assim como a temperatura, são mantidas a níveis
considerados satisfatórios para a maior parte das espécies. As populações de macroinvertebrados
são afectadas, mas a níveis que não porão em risco a produtividade piscícola. A vegetação
ripícola não é afectada.
O caudal correspondente a 60% do caudal médio anual permite a manutenção de condições
óptimas de habitat para a maior parte das espécies aquáticas durante as primeiras fases do ciclo
de vida (Tennant, 1976).
O caudal máximo a recomendar não deverá exceder duas vezes o caudal médio anual, dado
que a manutenção de caudais elevados durante períodos longos provoca a erosão das margens e a
degradação do ambiente aquático a jusante (Gordon et al., 1992).
Weshe e Recherd (1980) sugerem que os caudais recomendados sejam comparados com o
caudal médio de 10 e 30 dias no período de caudais mínimos, a fim se verificar se os caudais

16
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

calculados estão naturalmente disponíveis durante os períodos de caudais mínimos.


Uma das principais limitações da aplicação deste método é que ele só deverá ser aplicado a
cursos de água morfologicamente semelhantes àqueles a partir dos quais esta técnica foi
desenvolvida (rios dos Estados de Montana, Wyoming e Nebraska dos E.U.A), sendo mais
adequado a rios de grandes dimensões, que exibem uma pequena variação do caudal ao longo do
ano (Wesche & Rechard, 1980). Como salientam Gordon et al. (1992), os critérios da
aplicabilidade deste método para outros cursos de água não são especificados pelo autor. Outras
limitações estão relacionadas com o facto de se basear no caudal médio anual, não tomando em
consideração as variações sazonais ou diárias do caudal, e não ter em consideração a morfologia
do leito, sendo aconselhável a comparação dos caudais recomendados com o Q355 e o Q335 para
verificar se estes caudais ocorrem naturalmente durante os períodos de baixo caudal (Wesche &
Rechard, 1980).
A utilização de uma curva de duração de caudais constitui o método mais adequado, dado que
permite incorporar a variação natural do regime hidrológico no local do projecto (Sale & Loar,
1981).
Embora se tenha mantido praticamente inalterado, desde o seu desenvolvimento, algumas
modificações foram entretanto impostas no sentido de o adaptar a regiões de caracterísicas
diferentes daquelas para as quais foi desenvolvido.
Assim, por exemplo, Baya (1978) recomenda a manutenção de caudais de descarga
correspondentes a 100% do caudal médio anual durante os meses da Primavera, em vez do
caudal correspondente a 40-60% do caudal médio anual, dado ter-se verificado que a existência
de caudais elevados durante esta época do ano era importante para a lavagem de materiais finos,
recarga das zonas húmidas e migração das espécies piscícolas migradoras.
No Canadá, na zona Atlântica, tem sido adoptado 25% do caudal médio anual (Caissie & El-
Jabi, 1995).
Orth e Maughan (1981) sugeriram que a estação de caudais mínimos fosse entre Julho e
Dezembro para o Oklahoma, Sul dos Estados Unidos.
Tessmann (1980 in Wesche & Rechard, 1980) sugere o Método de Tennant modificado:

17
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

quando o caudal médio mensal é inferior a 40% do caudal médio anual, este deve ser
considerado o caudal mínimo a manter durante esse mês, o que permite manter os períodos de
baixo caudal indispensáveis para algumas espécies completarem o ciclo de vida e quando 40%
do caudal médio mensal é superior a 40% do caudal médio anual, então o caudal mínimo a
manter durante esse mês é 40% do caudal médio mensal.
Fraser (1978, in Jowett, 1997) sugere a incorporação da variação sazonal, através da definição
de caudais minímos mensais como percentagens dos caudais médios mensais.
A aplicação deste método a cursos de águas temperadas quentes (warmwater streams),
segundo alguns autores, é pouco adequado devido às diferenças que existem ao nível do regime
hidrológico e da constituição das comunidades piscícolas, na generalidade adaptadas à
variabilidade do caudal. A variabilidade do caudal é maior nestes cursos de água pelo que as
recomendações de caudal que envolvam percentagens do caudal médio anual resultam,
frequentemente, em caudais sobrestimados no período de caudais mínimos. Por outro lado o
caudal médio é superior à mediana, não sendo representativo da tendência central dos caudais. O
uso da média anual (original) ou mensal (no caso do Método de Tennant modificado) pode,
assim levar à definição de caudais ecológicos muito superiores à mediana (Mathews, Jr. & Bao,
1991). Richardson (1986, in Arthington & Pusey, 1993) considerou a aplicação do Método de
Tennant à Austrália bastante limitada dada a grande variabilidade intra e interanual do regime
hidrológico e pelo facto de ter sido desenvolvido para cursos de água com características
específicas ao nível do regime hidrológico e das características do leito. Contudo, segundo
Arthington & Pusey (1993), a sua aplicação aos cursos de água australianos é possível se forem
realizadas as necessárias alterações tendo em conta a relação entre caudal e a quantidade e
qualidade do habitat aquático e as necessidades de habitat das espécies aquáticas.
O Método de Tennant está na origem da definição dos valores de caudal ecológico em vários
países europeus, tais como a França, a Irlanda e a Espanha, em que de acordo com a legislação
em vigor o caudal ecológico corresponde a 10 % do caudal médio anual (Palau, 1996).
Em Portugal a aplicação do método de Tennant foi sugerida com algumas alterações por
Alves (1993) e Henriques (1996) no sentido de que os caudais ecológicos recomendados não
fossem superiores aos valores do caudal médio mensal.
18
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Alves (1993) sugere, para aproveitamentos mini-hídricos, que para os meses em que o caudal
médio mensal é inferior ao caudal recomendado, o caudal médio mensal fosse então considerado
o valor do caudal ecológico para esse mês.
Henriques (1996) sugere, para as bacias hidrográficas internacionais, uma redistribuição das
percentagens inicialmente definidas por Tennant, no sentido de reflectir as condições
hidrológicas nacionais (Tabela A9.P1-02.02). O período de caudais ecológicos elevados foi
definido como sendo de Dezembro a Março e o período de caudais ecológicos mínimos de Junho
a Setembro, sendo Abril, Maio, Outubro e Novembro, meses de transição, para os quais são
definidos valores de caudal intermédios, considerando que o valor recomendado em cada mês
não deve ser superior ao caudal médio mensal (Henriques, 1996).

Regime de caudais recomendado (a)

Caudal Junho-Setembro Abril, Maio, Abril- Março


(Semestre seco) Outubro e Novembro (Semestre húmido)

Excelente 40% 50% 60%

Muito bom 30% 40% 50%

Bom 20% 30% 40%

Fraco ou degradante 10% 20% 30%

Pobre ou mínimo 10% 10% 10%

Degradação elevada 0 - 10%


(a) percentagem do caudal médio anual

Tabela A9.P1-02.02 - Regimes de caudais recomendados para as bacias hidrográficas dos rios internacionais
portugueses Douro, Tejo e Guadiana, com base no Método de Tennant modificado (European Commission,
1996).

2.2.3. Método do Caudal Básico ou da Nova Inglaterra

O Método do Caudal Básico (ABF) ou da Nova Inglaterra foi desenvolvido por United States

19
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Fish and Wildlife Service (U.S.F.W.S) em 1981, para a região da Nova Inglaterra nos E.U.A. As
recomendações de um caudal mínimo são feitas com base num registo histórico de caudais, a
partir do qual é calculada a mediana do caudal no mês de Agosto, mês a que corresponde a
mediana mais baixa. Este constitui o caudal mínimo, caudal básico, a manter durante o ano com
excepção para os períodos de reprodução e incubação das espécies piscícolas. Neste período a
mediana mensal é mais baixa, pelo que o caudal mínimo corresponderá à mediana do caudal
durante esse período, se for superior ao caudal base. No entanto, o cálculo da mediana só é
válido para cursos de água naturais, para locais onde exista um registo de caudais com um
tamanho mínimo de 25 anos. Em outras situações (em cursos de água naturais ou em que se
verificam derivações importantes e em que o tamanho do registo de caudais é inferior a 25 anos),
o caudal mínimo é uma percentagem de um caudal definido em função da área da bacia
hidrográfica (Tabela A9.P1-02.03). Quando o caudal do curso de água é menor do que o definido
por este critério, então o caudal mínimo é o caudal instantâneo que ocorre nesse período (Loar &
Sale, 1981; Russel, 1988, 1990).

Período de registos históricos

Estação do ano Inferiores a 25 anos Superior ou igual a


(m3s-1/km2) 25 anos (a)

Abril - 1ª quinzena de Junho (b) 0,29 100% mediana de Agosto (c)

2ª quinzena de Junho - Setembro 0,04 100% mediana de Agosto (c)

Outubro - Março (b) 0,07 100% mediana de Agosto (c)


2
(a) rio natural, bacia hidrográfica superior a 130 km , precisão superior ou igual a 10%;
(b) períodos de postura e incubação;
(c) se o caudal no curso de água a montante da albufeira for inferior à mediana do mês de Agosto,
então o caudal a manter é o caudal que se verifica nesse local do curso de água.
Tabela A9.P1-02.03 - Caudais mínimos recomendados, segundo o Método do Caudal Básico, para os cursos
de água da Nova Inglaterra (E.U.A) (Loar & Sale, 1981; Russel, 1988).
Estudos comparativos com outros métodos sugerem que, de um modo geral, os resultados
obtidos com este método são mais conservativos, ou seja, os caudais recomendados são
superiores aos obtidos com os outros métodos (Russel, 1990).
A aplicação deste método a a cursos de águas temperadas quentes levanta alguns problemas,

20
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

nomeadamente pelo facto de o caudal mais baixo não ocorrer sempre em Agosto e atingir
frequentemente valores próximos ou iguais a zero, não sendo pois possível a aplicação deste
método (Mathews Jr. & Bao, 1991).
Este método tem sido adaptado a outras regiões dos E.U.A., como por exemplo aos Estados
de Virgínia (Orth & Leonard, 1990) e Carolina do Norte (Reed & Mead, 1990), em que vez do
mês de Agosto, é considerado o mês de Setembro.

2.2.4. Método do Northern Great Plains Resource Program (NGPRP)

O Método do Northern Great Plains Resource Program (NGPRP) foi desenvolvido em 1974,
para os rios salmonícolas das montanhas rochosas do Oeste dos E.U.A, para a recomendação de
caudais mínimos para a postura e crescimento dos indivíduos e de caudais de descarga para a
lavagem de finos. São recomendados caudais mínimos para cada mês do ano, com base na curva
de duração de caudais para esse mês, sem recurso a trabalho de campo. As curvas de duração de
caudais são obtidas a partir de um registo de caudais médios diários de tamanho superior ou
igual a 20 anos, em que são eliminados os caudais de seca e de cheia dado que este método
assume como pressuposto que as componentes biológicas mais representativas de um sistema
aquático são essencialmente mantidas pelas condições hidrológicas que se verificam em anos
normais ou médios e não por acontecimentos extremos, que ocorrem durante períodos de curta
duração (Wesche & Rechard, 1980). O caudal mínimo recomendado para cada mês corresponde
ao caudal que é igualado ou excedido em 90% do tempo (ou em 84% do tempo segundo Dougal,
1979 in Loar & Sale, 1981), com excepção para os meses de caudais mais elevados, em que o
caudal mínimo recomendado corresponde ao caudal que é igualado ou excedido em 50% do
tempo (Loar & Sale, 1981).
Este método é aplicável a qualquer curso de água; no entanto, a aplicação deve ser
monitorizada, particularmente no que se refere à temperatura e ao oxigénio dissolvido (Wesche
& Rechard, 1980).

21
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Caissie & El-Jabi (1995) não recomendam a sua aplicação dado que consideram que os
caudais estimados são muito baixos.
A aplicação deste método a cursos temperados quentes levanta alguns problemas,
nomeadamente a definição de caudais muitos baixos no período seco e muito elevados no
período húmido dado que é sempre utilizado o caudal que é maior ou igual a 90 % do tempo para
qualquer mês. Por outro lado, são utilizadas curvas de duração de caudais calculadas com base
num registo de caudais ao qual foram retirados os caudais extremos, nomeadamente os caudais
mínimos; ora, atendendo que a definição do caudal ecológico se baseia nos caudais baixos, estes
não deverão ser desprezados (Mathews Jr. & Bao, 1991).

2.2.5. Método de Hope

Hope, em 1975, modificou o método do Northern Great Plains Resource Program utilizando
equações baseadas na área da bacia hidrográfica para os locais onde não existiam registos de
caudais.
O método baseia-se em percentagens da curva de duração de caudais médios diários e nas
fases do ciclo de vida das espécies, tendo sido inicialmente desenvolvido para salmonídeos. O
caudal que é igualado ou excedido 40% do tempo é o caudal recomendado para a postura,
enquanto que o caudal que é igualado ou excedido 80% do tempo é o caudal recomendado para o
crescimento. O caudal que é igualado ou excedido 17% do tempo é considerado o caudal de
descarga para um período de 48 horas (Wesche & Rechard, 1980; Loar & Sale, 1981).

2. 2.6. Método 7Q10

Chiang & Jonhson (1976 in Loar & Sale, 1981) recomendam caudais ecológicos baseados no
caudal médio mínimo observado durante um intervalo de tempo de 7 dias, com um período de
retorno de 10 anos.

22
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Este método havia sido anteriormente utilizado para a construção de estações de tratamento
de efluentes, sendo determinado o caudal que permite manter condições adequadas de qualidade
de água (Loar & Sale, 1981). Tem sido principalmente utilizado no Este e Sudeste dos E.U.A.,
em cursos de água em que existem problemas de qualidade da água (Reiser et al., 1989b).
A utilização deste método para a recomendação de caudais mínimos não tem base ecológica
(Loar & Sale, 1981) e ignora a dinâmica natural das populações piscícolas e o tempo necessário
para a sua recuperação quando sujeitas a um longo período de caudal reduzido (Stalnaker, 1981
in Loar & Sale, 1981), não sendo adequado para a definição de caudais mínimos para as espécies
piscícols (Stanaker et al., 1995).

2.2.7. Método de Arkansas

Foi desenvolvido a partir do Método de Tennant, considerando as várias espécies piscícolas e


a divisão do ano hidrológico em três períodos, em função das características físicas e biológicas
do curso de água. O caudal ecológico é definido numa base mensal, correspondendo a uma
percentagem do caudal médio mensal em cada período do ano. Assim, para o período de caudais
elevados (Novembro a Março) é recomendado 60 % do caudal médio mensal, para a época de
desova (Abril a Junho) 70% do caudal médio mensal e para o período de caudais baixos (Junho a
Outubro) 50% do caudal médio mensal (Filipeck et al., 1987 in Mathews Jr. & Bao, 1991).
Segundo Mathews Jr. & Bao (1991) a aplicação deste método produz estimativas muitas altas do
caudal ecológico para cursos de água não salmonícolas.

2.2.8. Método de Texas

Este método foi desenvolvido para a região do Texas, estado semi-árido dos Estados Unidos
da América (Mathews Jr. & Bao, 1991).

23
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Este método define uma percentagem variável da mediana mensal de forma a considerar as
características hidrológicas e biológicas dos cursos de água não salmonícolas, considerando as
espécies lóticas obrigatórias como espécies indicadoras e um índice hidrológico que reflecte o
regime de caudais do curso de água. Outros factores também tidos em conta são as diferenças
regionais ao nível da diversidade específica, as estatísticas mais apropriadas para medir a
tendência central dos registos históricos de caudais, neste caso aa mediana cujos valores são
mais baixos que as médias aritméticas e a mimetização do padrão sazonal de distribuição caudal
(Mathews Jr. & Bao, 1991).
Estes autores, com base numa caracterização geográfica ecológica e climatológica do Texas,
selecionaram locais representativos de cada região. Para esses locais foi feita um compilação de
todos os trabalhos e estudos realizados, nomedamente estudos hidrológicos, inventários
piscícolas, dados relativos aos períodos críticos das espécies piscícolas e estudos anteriores para
a determinação do caudal ecológico. Com base nesta informação foram definidas percentagens,
Pi, da mediana mensal, tais que Pi é igual à razão entre o caudal recomendado e a mediana
mensal MMi. Pi é a componente do caudal necessária para a sobrevivência e manutenção das
comunidades piscícolas. Este valor Pi foi determinado para cada local representativo. Para cada
local foi também desenvolvido um índice hidrológico, Ri, calculado a partir dos registos de
caudais que reflecte a variabilidade do caudal e as características dos caudais mínimos (Mathews
Jr. & Bao, 1991):

24
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

MMi
Ri =
Min MMi
Ri - Indice hidrológico para o mês i, dado pela razão entre a mediana mensal e a mediana
mensal mínima,
MMi - Mediana do mês i
Min MMi - Mínimo da mediana mensal
Este índice reflecte a relação natural entre as condições hidrológica e as necessidade
biológicas dos peixes e indica o mês de caudais mais baixos. A mediana mensal mais baixa
corresponde ao mês em que o “stress” metabólico é o mais elevado, devido às temperaturas
elevadas, à redução do espaço disponível, oxigénio e alimento (Mathews Jr. & Bao, 1991).
Com base nos resultados dos estudos ecológicos e de caudal ecológico nos vários sítios
representativos foram obtidas por regressão equações do género Pi = ƒ (Ri) para cada mês e para
todos os meses (Mathews Jr. & Bao, 1991):
ln (Pi) = a0i + a1i ln (Ri) + a2i [ ln (Ri)]2
a0i, a1i, a2i - coeficientes de regressão
Ri - razão entre a mediana mensal e a mediana mensal mínima para o mês i
Pi - percentagem da mediana mensal do mês i
Na Tabela A9.P1-02.04 encontram-se as equações desenvolvidas. A relação entre Pi e Ri
reflecte o efeito composto da variação mensal do caudal e as necessidades de caudal das espécies
piscícolas durante asdiferentes fases do seu ciclo de vida.
A aplicação do Método de Texas envolve assim três etapas: (1) com base nos registos de
caudais diários são calculadas as medianas para cada mês ( MM i ) e o seu valor mínimo
( Min MM ), procedendo-se ao cálculo da respectivas razões de caudal mensal ( Ri ); (2) a
percentagem da mediana mensal é calculada recorrendo às equações da Tabela A9.P1-02.04; (3)
o caudal recomendado para cada mês (CRi ) é dado pelo produto de Pi pela mediana mensal
( MM i ) (Mathews Jr. & Bao, 1991):

25
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

CRi = Pi × MM i
CRi - caudal recomedado para cada mês
Pi - percentagem da mediana mensal do mês i
MM i - Mediana do mês i
Quando o valor de Pi é elevado, a percentagem recomendada da mediana mensal é
normalmente baixa, o que se prende com o facto da resposta da população piscícola à alteração
do caudal não ser tão rápida nem da mesma magitude que a alteração de caudal de mês para mês.

Mês Equação de regressão Variação de R Coeficiente de


Correlação

2,357 ≤ R ≤ 216,162
2
Jan ln( P ) = −1. 4360 − 0. 42806 ln ( R ) + 0. 05050 ln( R ) 0,748

4,133 ≤ R ≤ 605,014
2
Fev ln( P ) = −1. 6363 − 0. 38702 ln( R ) + 0. 24140 ln( R ) 0,756

2,525 ≤ R ≤ 691,919
2
Mar ln( P ) = −1. 5507 − 0. 39760 ln( R ) + 0. 01188 ln( R ) 0,910

2,725 ≤ R ≤ 256,559
2
Abr ln( P ) = −1. 4354 − 0. 052753 ln( R ) + 0. 047708 ln( R ) 0,927

6,904 ≤ R ≤ 137,879
2
Mai ln( P ) = −0, 5637 − 1, 09750 ln( R ) + 0, 119667 ln( R ) 0,758

3,406 ≤ R ≤ 115, 545


2
Jun ln( P ) = −1, 8114 − 0, 35525 ln( R ) + 0, 041373 ln( R ) 0,638

1,0 ≤ R ≤ 6,667
2
Jul ln( P ) = −2. 2113 − 2. 37833 ln( R ) + 1. 49936 ln( R ) 0,766

1,0 ≤ R ≤1,812
2
Ago ln( P ) = −0. 65509 − 3. 33963 ln( R ) + 3.18706 ln( R ) 0,828

1,07 ≤ R ≤6,263
2
Set ln( P ) = −0. 66468 − 1. 91114 ln( R ) + 0. 8295 ln( R ) 0,819

1,0 ≤ R ≤ 107,172
2
Out ln( P ) = −0. 87566 − 0. 22236 ln( R ) + 0. 045455 ln( R ) 0,742

1,179 ≤ R ≤ 125,983
2
Nov ln( P ) = −1, 11326 − 0. 51778 ln( R ) + 0. 045455 ln( R ) 0,771

2,002 ≤ R ≤ 690,909
2
Dez ln( P ) = −1, 5416 − 0. 37674 ln( R ) + 0. 040795 ln( R ) 0,672

1,0 ≤ R ≤ 691, 919


2
Todos os ln( P ) = −1. 0045 − 0. 68642 ln( R ) + 0. 069307 ln( R ) 0,750
meses

Tabela A9.P1-02.04 - Relação entre a percentagem da mediana mensal ( P ) e o índice hidrológico ( R )


(Mathews Jr. & Bao, 1991).
Os caudais recomendados são caudais mínimos cuja distribuição ao longo do ano mimetiza a
26
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

distribuição natural dos caudais ao longo do ano hidrológico. Os autores assumem que essa
mimetização assegura a manutenção dos habitats críticos associados à morfologia do leito
(pegos, rápidos, etc), as necessidade em termos de habitat das espécies lóticas obrigatórias,
nomeadamente para a reprodução, a migração dos peixes para águas mais profundas durante a
estação seca, a disponibilidade de alimento e de espaço que permite bons factores de condição
garantindo a sobrevivência dos peixes durante o Inverno.
Este método apresenta, comparativamente aos outros métodos baseados em registos históricos
de caudais, a vantagem de recomendar caudais variáveis que incorporam a variabilidade natural
do regime hidrológico e alguns aspectos biológicos. Este método pode ser aplicado a quaisquer
outras regiões para as quais exista um conhecimento razoável sobre as necessidades em termos
de caudal que permita o desenvolvimento das equações de regressão para locais representativos.
Este método foi directamente aplicado em Portugal, tendo sido utilizadas as equações
desenvolvidas para o Texas, dado que se considerou que as características do Texas eram em
termos climáticos e hidrológicos semelhantes às de Portugal (European Commission, 1996).

2.2.9. Método do Caudal Base

O Método do Caudal Base foi desenvolvido para os cursos de água da Catalunha (Norte de
Espanha), com base num conjunto de cursos de água representativos dos vários tipos de regime
hidrológico que caracterizam a região, nomeadamente regime permanente ou temporário, com
características mediterrâneas ou não (Palau et al.,1995; Palau & Alcazar, 1996).
Este método considera que caudal é a única variável independente do ecossistema e que a
informação contida nas séries hidrológicas permitirá manter as relações de funcionalidade entre
as outras variáveis. Por outro lado, a comunidade piscícola e os macroinvertebrados constituem
as variáveis com maior grau de dependência, pelo que são consideradas as mais sensíveis e com
maior valor indicador para avaliar as alterações do ecossistema (Palau et al., 1995).
Segundo este método, a proposta do caudal ecológico inclui o caudal base, o caudal de

27
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

acondicionamento, o caudal gerador e o caudal máximo (Palau et al., 1995).


O caudal base constitui o caudal mínimo a manter no leito do curso de água. Este caudal
mínimo é obtido através do cálculo de médias móveis sobre intervalos crescentes de dados de
caudal médios diários, até um máximo de 100 valores, considerando uma série com 10 anos de
registos. O tamanho da série foi definido com base num compromisso entre o que se considera
ser informação suficiente e a que pode ser facilmente trabalhada. Por outro lado, os cursos de
água mediterrâneos apresentam um regime hidrológico extremamente variável pelo que o
presente e futuro do ecossistema fluvial é determinado pelo seu passado mais recente e não por
acontecimentos antigos. Ou seja, embora as séries hidrológicas mais longas sejam
representativas do ponto de vista hidrológico não o são do ponto de vista biológico, dado que
entre 3 a 10 anos é um longo período quando o comparamos com o período de vida das espécies
aquáticas num curso de água mediterrâneo. Além disso, a variabilidade do caudal calculada com
base em séries com número crescente de anos estabilizou com amostras de 6 a 8 anos. O cálculo
das médias móveis considera um máximo de 100 valores no sentido de evitar matrizes muito
grandes e porque uma série de 100 valores de caudais médios diários incluía o período de
caudais mínimos para qualquer local estudado. Os valores calculados tendem para o valor do
caudal médio anual (Palau & Alcazar, 1996). Considerando uma matriz inicial Q (365 x 10) de
caudais médios diários qij, em que i = dia e j = anos e, sendo a média móvel dada pela seguinte
expressão (Palau & Alcazar, 1996):
 1  k= j
∑ q
j
a i
=
 j + 1 k = 0 i + j

aij - média móvel para 1 ≤ i ≤ 365 -j e 0 ≤ j ≤ 99


i - dia
j - anos
obtém-se a matriz A (365 x 99).

28
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

É calculado o valor mínimo para cada coluna j da matriz A, resultando num vector V,
composto por valores vj tais que:
j
vj = min ( ai )

para 1≤ i ≤ 365 - j, 0 ≤ j ≤ 99
O processo é repetido para cada ano (considerando uma série de 10 anos) resultando numa
matriz F (10 x 100), a partir da qual se obtém um novo vector M através do cálculo da média
aritmética de cada coluna. O cálculo do incremento entre cada par de valores consecutivos é
dado por:
( m k − m k -1 )
b k
=
mk

O caudal base é dado pelo caudal mk , valor mínimo da série seleccionada, que apresenta o
maior incremento hmáx tal que:

hmax = max ( bk )

h - incremento
para 1 ≤ k ≤ 99
O caudal base obtido apresenta um elevado grau de sensibilidade ao tipo de rio, em particular
às suas características hidrológicas, aumentando com a média anual e com a área da bacia, e o
seu valor fica geralmente entre o Q217 e o Q361. O valor do caudal base depende do número de
dias com caudais mínimos (geralmente o Verão em cursos de água mediterrâneos) e da
magnitude das variações do caudal.
O caudal de acondicionamento é definido nos casos em que se tenha verificado que o caudal
base não é suficiente, por exemplo em situações em que ocorram alterações da morfologia do
leito do curso de água, ou em situações em que há valores paisagísticos, ou outros, a conservar,
ou mesmo em situações em que o caudal base não permite manter condições de habitat
adequadas para as espécies piscícolas. Este caudal é calculado a partir da simulação de secções
representativas do troço do curso de água em questão, verificando-se se são cumpridas, ou não,
as condições de conservação do valor a proteger. Estas simulações são feitas de início com o

29
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

caudal base (Palau et al., 1995).


O caudal gerador é o caudal encarregado de manter a variabilidade hidráulica do rio, limpar o
leito e controlar o crescimento da vegetação ribeirinha no leito do curso de água, e o seu valor
corresponde à cheia anual mais provável (Palau et al., 1995).
O caudal máximo é o caudal máximo admissível numa determinada secção do curso de água e
é definido em situações específicas de transvase ou descargas periódicas de baixo período de
retorno, para aproveitamentos com grande capacidade de regularização (Palau et al., 1995).
Na definição do regime hidrológico é, ainda, considerado o factor de variabilidade temporal e
a taxa de alteração do caudal por unidade de tempo, assim como a qualidade mínima da água
para a sobrevivências das espécies aquáticas. O factor de variabilidade temporal é dado pela
relação entre o caudal médio de cada mês e o caudal médio mensal mais baixo e permite adaptar
o regime de caudais mínimos às tendências de variação do hidrograma natural. A taxa de
alteração do caudal por unidade de tempo deve ser compatível com a capacidade de
amortecimento do caudal e com a capacidade de resposta das comunidades naturais, calculada a
partir de uma função exponencial aplicada às diferenças máximas de caudal entre dois valores
sucessivos de caudais médios diários (Palau et al., 1995).
O caudal base e o caudal de acondicionamento definem o caudal standard sobre o qual se
aplica o factor de variabilidade temporal, obtendo-se o caudal de manutenção que varia,
geralmente, entre 10 a 35% do caudal médio. A este valor de caudal há que juntar o caudal
gerador e o caudal máximo, considerando-se igualmente a taxa de câmbio por unidade de tempo
e a qualidade da água, obtendo-se o regime de manutenção (Palau et al., 1995).
Segundo Palau e Alcazar (1996) estão em curso estudos no sentido de uma maior definição do
significado biológico do caudal base.

2.3. Métodos baseados na determinação da relação entre as características


hidráulicas e o caudal

2.3.1. Características gerais analisadas

30
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Os métodos baseados na determinação da relação entre as características hidráulicas do curso


de água e o caudal, também designados por métodos baseados em secções transversais, baseiam-
se no desenvolvimento de uma relação entre o caudal e as características físicas do curso de
água, nomeadamente o perímetro molhado, a velocidade e a profundidade do escoamento, com
base em uma ou mais secções transversais do curso de água. Incluem-se neste grupo todos os
métodos que tomam em consideração as características hidráulicas do meio para o
estabelecimento de relações gerais entre o habitat e o caudal, sem considerarem as preferências
específicas de habitat das espécies ao longo do ciclo de vida.
Um dos aspectos mais importantes deste tipo de métodos é a selecção de uma ou mais
variáveis físicas, que sejam directamente afectadas pela variação do caudal e que constituam um
factor limitante para as espécies piscícolas ou outras espécies aquáticas. Admite-se que a
garantia de um valor mínimo para estas variáveis permitirá a manutenção da integridade do
ecossistema (Sale & Loar, 1981; Gordon et al., 1992).
A aplicação destes métodos envolve a definição de secções transversais em zonas em que as
variáveis seleccionadas são particularmente sensíveis a variações do caudal, sendo de um modo
geral definidas em locais representativos dos vários tipos de habitat existentes ou locais
considerados críticos para uma determinada espécie (Sale & Loar, 1981; Gordon et al., 1992).
Estes métodos caracterizam-se pela introdução de técnicas simples de simulação em que são
utilizados modelos hidráulicos, que permitem diminuir o trabalho de campo necessário, e pela
possibilidade de tomar em consideração as características específicas de cada local,
nomeadamente a morfologia do curso de água (Loar & Sale, 1981).
Os vários métodos desenvolvidos diferem no modo como são obtidos os dados de campo e no
modo como a informação obtida é tratada e utilizada (Sale & Loar, 1981).
A recomendação de caudais mínimos é feita a partir das curvas de variação da variável ou
variáveis hidráulicas em função do caudal segundo dois critérios (Sale & Loar, 1981):
i) critérios de manutenção das características físicas do habitat, tendo em consideração as
diferenças existentes entre as características do habitat para o caudal em análise e para o
caudal de referência, para o qual se considera existirem condições favoráveis para as

31
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

espécies aquáticas. Um exemplo deste critério é que o perímetro molhado correspondente


ao caudal máximo não deve sofrer uma redução superior a 25% (Bartschi, 1976 in Loar &
Sale, 1981);
ii) critério do ponto de inflexão, que consiste em encontrar o ponto na curva de resposta da
variável hidráulica em função do caudal (por exemplo, o perímetro molhado em função do
caudal) onde se verifica uma variação acentuada do declive. O caudal correspondente a
este ponto é considerado como o caudal acima ou abaixo do qual a qualidade do habitat é
significativamente degradada.
A principal desvantagem do critério do ponto de inflexão é o carácter subjectivo que está
associado à selecção do ponto de inflexão da curva, devido ao seu traçado ou devido à existência
de vários pontos de inflexão (Annear & Conder, 1984). No entanto, apresentam a vantagem
relativamente aos critérios baseados em estatísticas de caudal, o facto de considerarem as
características específicas do leito e, consequentemente, do habitat do trecho em análise (Loar &
Sale, 1981; Jowett, 1997).
Estes métodos não permitem a definição de caudais sazonais e, por outro lado, os valores
calculados nunca são iguais a zero (Jowet, 1997) o que levanta problemas de aplicação a cursos
de água com regime hidrológico muito variável, com caudais muito baixos ou nulos durante o
período seco, em que a garantia de valores de caudal com esta ordem de grandeza é importante
(Arthington et al., 1992).
Nesta classe de métodos salientam-se os seguintes: Método do Colorado ou da Região 2 do
U.S.F.W.S., Método de Idaho, Método da Região 4 do U.S.F.W.S. e Método do Perímetro
Molhado.

2.3.2. Método do Colorado ou da Região 2 do U.S.F.W.S

O Método da Região 2 do U.S.F.W.S. foi desenvolvido em 1973 para os rios salmonícolas das
Montanhas Rochosas do Estado do Colorado, Sudeste dos E.U.A, por Russel e Mulvaney
(Wesche & Rechard, 1980).
Este método baseia-se na selecção de áreas críticas que correspondem, de um modo geral, à

32
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

zona menos profunda do rápido menos profundo do trecho em análise. Recorre-se à simulação
hidráulica, para o que são definidas secções transversais na área crítica. Obtêm-se valores para o
perímetro molhado, para a área da secção transversal, para a velocidade média e para a
profundidade máxima ou raio hidráulico, a partir dos quais são definidas curvas de variação
destes parâmetros hidráulicos em função do caudal (Wesche & Rechard, 1980).
A recomendação de um caudal ecológico é feita recorrendo ao critério de manutenção das
características físicas do habitat, sendo considerado o caudal que é necessário para manter 75%
da área seleccionada como área crítica, ou ao critério do ponto de inflexão (Loar & Sale, 1981).
Algumas alterações têm sido introduzidas, nomeadamente quanto ao número de área críticas
que são seleccionadas em função da respectiva importância para as espécies piscícolas
consideradas (Boaze & Fifer, 1977 in Wesche & Rechard, 1980).

2.3.3. Método de Idaho

O Método de Idaho foi desenvolvido por Cochnauer e White em 1975, para os grandes rios do
Estado de Idaho, nos E.U.A (Gordon et al., 1992). Este método baseia-se na previsão da perda de
habitat devido à diminuição do caudal, tendo em consideração as características de habitat
requeridas pelas espécies seleccionadas.
São definidas as áreas críticas para a livre circulação, reprodução e crescimento das espécies
piscícolas. Em cada área crítica são definidas secções transversais para as quais é realizado o
levantamento topográfico e ao longo das quais são efectuadas medições de velocidade,
profundidade e tipo de substrato. A caracterização física de cada secção transversal é realizada
uma única vez, para o caudal mais baixo. É utilizado um modelo de simulação hidráulica, para
gerar as características hidráulicas (profundidade, velocidade e perímetro molhado) para uma
vasta gama de caudais.
A comparação das condições de habitat simuladas com as necessidades de habitat das
diferentes espécies permite desenvolver recomendações de caudais mínimos para a circulação,

33
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

reprodução e crescimento. Os caudais para a circulação sem restrições dos indivíduos baseiam-se
na profundidade mínima necessária. Para a postura, o caudal que permite a largura máxima
disponível (que é o valor médio obtido considerando todas as secções transversais) é utilizado
como orientação para determinar o caudal mínimo. O caudal mínimo para o crescimento dos
peixes é determinado com base no Método do Perímetro Molhado (cf. 2.3.5).
Os caudais são recomendados para períodos de um mês ou quinze dias, em que são
seleccionados os valores mais elevados de caudal entre os caudais mínimos recomendados para a
livre circulação, a postura e o crescimento dos indivíduos, para o período considerado. Este
método, ao contrário dos restantes, não define um valor fixo de caudal ecológico, mas sim um
valor base que permitirá recomendar um ou mais caudais ecológicos (Wesche & Rechard, 1981;
Gordon et al., 1992; Maidment, 1993).

2.3.4. Método da Região 4 do U.S.F.W.S.

O método da Região 4 do U.S.F.W.S. foi desenvolvido por Herrington e Dunham em 1967,


para a recomendação de caudais mínimos que permitam a manutenção das características gerais
do habitat para as populações residentes de salmonídeos em pequenos cursos de água de
montanha dos Estados de Utah, Idaho e Wyoming, do Sudoeste dos E.U.A. Este método foi
posteriormente modificado por Dunham e Collotzi em 1975 (Wesche & Rechard, 1980).
A selecção dos locais de amostragem é realizada a partir de fotografia aérea e de mapas
topográficos, sendo definidas, no mínimo, cinco secções transversais em cada um dos locais
seleccionados. A caracterização de cada um dos locais de amostragem é feita para um caudal
baixo de estiagem, sendo considerados os seguintes parâmetros: dimensão e estrutura dos
fundões, substrato e características das margens. Recorrendo a um modelo de simulação
hidráulica, são definidas curvas de habitat em função do caudal, em que é considerada a
percentagem de habitat relativamente ao óptimo, correspondendo 100% ao valor obtido para o
caudal de estiagem.

34
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2.3.5. Método do Perímetro Molhado

No Método do Perímetro Molhado admite-se que existe uma relação directa entre o perímetro
molhado e a disponibilidade de habitat para as espécies piscícolas (Annear & Conder, 1984;
Gordon et al., 1992).
São definidas secções transversais em uma ou mais zonas de rápidos e realizadas medições de
velocidade e profundidade do escoamento, no mínimo para cinco caudais, podendo igualmente
recorrer-se à modelação hidráulica. É definido um gráfico do perímetro molhado em função do
caudal e identificado o principal ponto de inflexão da curva, a partir do qual o aumento de caudal
traduz-se num aumento pouco significativo do perímetro molhado e numa rápida deterioração
das condições do habitat (Spear & Currier, 1983; Gordon et al., 1992). O caudal correspondente
ao ponto de inflexão é o caudal recomendado, considerando-se como pressuposto que o caudal
óptimo num rápido (ou considerando um valor médio, se são considerados várias zonas de
rápidos) é igualmente adequado para outros tipos de habitat (Annear & Conder, 1984). Contudo,
sem o conhecimento das velocidades e profundidades associadas ao caudal definido por este
método corre-se o risco que estas não sejam adequadas para as espécies em questão (Orth &
Maughan, 1982; Jowett, 1997).
A escolha dos rápidos, principal habitat dos invertebrados bentónicos (Hynes, 1970), que
constituem a fonte de alimento de diversas espécies piscícolas, nomeadamente de salmonídeos,
prende-se com o princípio de que a produtividade bentónica está directamente relacionada com a
superfície molhada do leito do curso de água, representada pelo perímetro molhado, pelo que
qualquer alteração nas populações bentónicas afectará directamente as populações piscícolas.
Por outro lado, as zonas de rápidos, que constituem locais de passagem e, para algumas espécies,
zonas de postura e crescimento dos alevins, são as zonas do curso de água mais afectadas pela
diminuição do caudal, pelo que, ao definir um caudal que permita a manutenção destas zonas,
este permitirá manter igualmente as zonas mais profundas, como por exemplo os fundões
normalmente preferidos pelos indivíduos adultos. O caudal recomendado por este método é, em
geral, excedido pelo caudal médio diário em 60 a 90% do tempo (Leathe & Nelson, 1986).

35
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Outros autores, como Nelson (1980 in Annear & Conder, 1984) e Reed & Mead (1990),
consideram secções transversais representativas dos vários tipos de habitat presentes no curso de
água e não apenas as zonas de rápidos.
Segundo Leathe e Nelson (1986), este método é o mais eficaz dos métodos baseados na
determinação da relação entre as características hidráulicas do curso de água e o caudal, sendo
aplicável a cursos de água salmonícolas e não salmonícolas, embora a experiência relativamente
a estes últimos seja menor. Este método não é aplicável a cursos de montanha, em que
predominam as cascatas, ou a cursos de pequeno declive, em que as zonas de rápidos são pouco
significativas (Leathe & Nelson, 1986). A sua aplicação deve privilegiar cursos de água com
secções largas e pouco profundas, relativamente rectangulares, dado que a forma da secção do
leito que é seleccionada pode influenciar os resultados (Stalnaker et al. , 1995).
Constitui o terceiro método mais utilizado nos Estados Unidos da América (Reiser et al.,
1989).

2.4. Métodos baseados na relação entre o habitat e o caudal

2.4.1. Características gerais

Os métodos baseados na relação entre o habitat e o caudal são os métodos mais avançados
para a determinação do caudal ecológico. Estes métodos recorrem a critérios de aptidão de
habitat para uma espécie, numa determinada fase do seu ciclo de vida, para estimar a variação do
habitat disponível em função do caudal. Entre os métodos incluídos nesta classe referem-se os
seguintes: Método do "WRRI Cover"; Método de Washington e o Método da Califórnia (ambos
usualmente designados por Método da Área Preferida); Método de Oregon (também denominado
de Método da Largura Utilizável); Metodologia Incremental ("Instream Flow Incremental
Methodology", na terminologia anglo-saxónica) (IFIM). A IFIM constitui uma síntese dos vários
métodos desenvolvidos anteriormente, nomeadamente do Método de Washington e do Método
da Califórnia (Reiser et al., 1989b).

36
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2.4.2. Método do "WRRI Cover"

O método do "WRRI Cover" foi desenvolvido por Wesche em 1973, para truta, Salmo trutta,

em pequenos rios de montanha, com caudais médios iguais ou inferiores a 30 m3s-1, baseando-
se, fundamentalmente na cobertura (Wesche & Rechard, 1980).
São definidas secções transversais no trecho do curso de água em estudo, sempre que ocorrem
alterações significativas das suas características. Em cada secção transversal é caracterizado o
substrato e realizadas medições de profundidade do escoamento e largura do curso de água,
assim como medições do comprimento e largura da cobertura das margens e da profundidade da
água a ela associada. A gama de caudais seleccionada varia entre 10 a 100% do caudal médio (se
não existir registos de caudais, selecciona-se o caudal do meio e do fim do Verão), sendo
considerado um número mínimo de quatro caudais. É ainda determinado o perímetro molhado
(Wesche & Rechard, 1980). Com base na informação de campo recolhida, a cobertura disponível
para cada caudal medido é calculada pela seguinte expressão (Wesche & Rechard, 1980):

37
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

L ( A
c=
T
m
FP ) +, m (
A FP
c ,b
c ,b )
Lm (m) - extensão da cobertura das margens, na secção que apresenta uma profundidade no
mínimo igual a 0,12 m e uma largura superior ou igual a 0,09 m
T (m) - comprimento da secção ao longo da linha de talvegue
FPm (m) - factor de preferência para a cobertura das margens, específico para cada fase do
ciclo de vida de Salmo trutta
Ac,b (m2) - área da secção em que a profundidade do escoamento é superior a 0,12 m e a
dimensão do substrato é superior ou igual a 75 mm (i.e cascalho e blocos) (m2)
A (m2) - área total da secção em estudo considerando o caudal médio anual (ou o caudal do
meio e do final do Verão)
FPc,b - factor de preferência para zonas de cascalho e blocos, específico para cada fase do
ciclo de vida de Salmo trutta
c - valor da cobertura para a secção em estudo e para o caudal em questão

A utilização de simulação hidráulica permite diminuir o trabalho de campo. É definida uma


curva de variação da cobertura em função do caudal, sendo recomendado o caudal mais baixo
que permita a menor perda de cobertura.
Este método tem uma sensibilidade ecológica elevada, tendo-se verificado uma boa
correlação entre a cobertura e a biomassa piscícola (Wesche & Rechard, 1980).

2.4.3. Método de Washington

O Método de Washington foi desenvolvido para o "Washington Department of Fisheries"


(E.U.A.) por Collings, em 1974, para salmonídeos.
Este método envolve a cartografia de troços do curso de água para determinar as áreas de
postura e crescimento, da espécie considerada, para a gama de caudais de interesse,
considerando critérios biológicos de preferência para a velocidade e profundidade do
escoamento. Estes critérios consistem na definição dos limites superiores e inferiores do
intervalo de valores seleccionado pela espécie. São considerados, no mínimo, três locais de
amostragem representativos de postura ou de crescimento, sendo definidas quatro secções

38
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

transversais em cada local. Ao longo de cada secção transversal e, de preferência, também entre
secções, são realizadas medições de velocidade e de profundidade para, no mínimo, cinco
valores de caudal. Os valores obtidos permitem definir isolinhas de igual valor para a
profundidade e velocidade.
Para cada valor de caudal são definidos mapas planimétricos para a postura e crescimento,
que mostram as diferentes combinações de velocidade e profundidade. São medidas as áreas com
adequadas combinações de velocidade e profundidade, a partir das quais são elaboradas curvas
da área de postura e da área de crescimento em função do caudal. O caudal óptimo para a postura
ou o caudal óptimo para o crescimento correspondem aos picos das respectivas curvas, sendo o
caudal ecológico definido como o caudal que permite manter 75% da área máxima de postura ou
de crescimento, consoante os casos (Wesche & Rechard, 1980; Loar & Sale, 1981; Gordon et al.,
1992).
Este método constitui, igualmente, um exemplo do caudal recomendado com base em
critérios de manutenção de habitat (Loar & Sale, 1981). Uma vantagem deste método é a sua
forma gráfica (Gordon et al., 1992), não sendo necessário recorrer à simulação hidráulica (Loar
& Sale, 1981).

2.4.4. Método da Califórnia ou Método de Waters

O Método da Califórnia foi desenvolvido por Waters, em 1976, para a determinação de


caudais mínimos para a postura e crescimento das populações de salmonídeos existentes nos
cursos de água da Califórnia (Wesche & Rechard, 1980). Este método envolve, à semelhança do
Método de Washington, a elaboração de dois mapas planimétricos, um para a velocidade e outro
para a profundidade do escoamento, a partir da informação obtida em secções transversais
seleccionadas em cada local de amostragem (num número mínimo de 600 medições), para os
caudais de interesse, em número não inferior a três, sem recorrer à simulação hidráulica. São
considerados factores de ponderação, entre 0 e 1, para cada um dos parâmetros, para o cálculo do

39
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

valor de habitat. O índice de qualidade de habitat é denominado preferência líquida de habitat


(PLH) e é calculado pela seguinte expressão (Loar & Sale, 1981):

n
PLH = ∑ F (vi ) F ( pi ) ∆ai
i=1

PLH - preferência líquida de habitat


F(vi) - factor de ponderação para a velocidade, entre 0 e 1
F(pi) - factor de ponderação para a profundidade, entre 0 e 1
∆ai (m2) - área da superfície do fundo do elemento i do troço do curso de água
n - número de elementos no troço do curso de água

Adicionalmente, pode ser fincluída a caracterização do substrato em cada local de


amostragem (Wesche & Rechard, 1980).
Wesche e Rechard (1980) consideram que uma das principais limitações deste método resulta
do facto de não incluir nenhuma orientação sobre os critérios a seguir para a determinação dos
caudais mínimos.

2.4.5. Método de Oregon

O Método de Oregon considera os conceitos de largura utilizável (LU) (Thompson, 1972 in


Loar & Sale, 1981) e de largura ponderada utilizável (LPU) (Sams & Pearson, 1963 in Wesche
& Rechard, 1980), para determinar os caudais mínimos e os caudais óptimos para a passagem,
postura, incubação e crescimento das espécies seleccionadas, tendo sido desenvolvido para
cursos de água salmonícolas do Estado de Oregon (Noroeste dos E.U.A).
O habitat disponível é quantificado como a fracção da largura do trecho do curso de água que
é utilizável pelas espécies seleccionadas, tendo em consideração critérios de habitat para a fase
do ciclo de vida considerada e as características físicas do trecho do curso de água (Loar & Sale,
1981). A relação entre o habitat e o caudal é obtida através de medições realizadas em secções
transversais, definidas nas zonas de habitat críticas, para um número mínimo de três caudais, não
40
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

incluindo originalmente este método modelos de simulação hidráulica (Wesche & Rechard,
1980).
Os critérios de habitat baseiam-se em valores de velocidade e profundidade do escoamento,
para os quais se verifica a presença de peixe. A largura utilizável (LU) é definida segundo um
critério binário: utilizável, não utilizável, considerando a gama de valores de velocidade e
profundidade utilizados pela espécie, para cada uma das fases do ciclo de vida (Thompson, 1972
in Loar & Sale, 1981). Quanto à largura ponderada utilizável (LPU), a diferença prende-se com o
critério utilizado para definir a aptidão do habitat, sendo considerado um factor de ponderação,
variável entre 0 e 1, para cada variável. Para calcular a LPU, cada secção transversal é
uniformemente dividida em subsecções, cada uma caracterizada por uma largura, uma
profundidade e uma velocidade média. A largura de cada subsecção é multiplicada pelo factor de
ponderação para a velocidade e para a profundidade, o que permite quantificar em termos
relativos o valor do habitat em cada subsecção. Para cada secção transversal o valor de LPU é
dado pela seguinte expressão (Loar & Sale, 1981):

n
LPU = ∑ F (vi ) F ( pi )li
i =1

LPU (m) - largura ponderada utilizável


n - número de subsecções na secção transversal
li (m) - largura da subsecção i
F(vi ) - factor de ponderação para a velocidade média na subsecção i
F(pi ) - factor de ponderação para a profundidade média na subsecção i

A curva dos factores de ponderação pode ser obtida através de opinião pericial ou observação
experimental, tendo em consideração as preferências das populações das espécies
potencialmente existentes no curso de água em análise (Loar & Sale, 1981).
Pruitt e Nadeau (1978 in Wesche & Rechard, 1980) propuseram a utilização das curvas
desenvolvidas pelo Cooperative Instream Flow Service Group para o IFIM (cf. 2.4.6).
A recomendação de valores para o caudal ecológico é realizada com base nas curvas de LU

41
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

ou LPU em função do caudal, em cada secção transversal. O caudal mínimo considerado


aceitável para a migração de salmonídeos é o caudal que combina os critérios de profundidade
mínima e velocidade máxima, em pelo menos 25% da largura total da secção transversal e numa
extensão contínua equivalente a 10% da largura total (Thompson, 1972 in Loar & Sale, 1981). O
caudal óptimo para a postura é aquele que permite condições adequadas no que respeita à
velocidade e profundidade do escoamento, para a maior extensão do leito em que o substrato tem
a granulometria adequada. O caudal que permite condições adequadas de velocidade e
profundidade para cerca de 80% da extensão anteriormente definida é considerado o caudal
mínimo para a postura (Loar & Sale, 1981).
Uma das principais vantagens deste método resulta do facto de as recomendações poderem
ser feitas sazonalmente, variando o caudal ecológico recomendado com as necessidades ao longo
do ciclo de vida das espécies seleccionadas (Loar & Sale, 1981).

2.4.6. Metodologia Incremental (Instream Flow Incremental Methodology,


IFIM)

2.4.6.1. Princípios gerais

A Metodologia Incremental (IFIM) foi desenvolvida por Cooperative Instream Flow Service
Group, actualmente Aquatic Systems Branch of the National Ecology Research Center,
U.S.F.W.S., em Fort Collins (Bovee & Cochnauer, 1977 in Bovee 1978), para a resolução de
problemas de gestão dos recursos hídricos que envolvam a definição e implementação de um
regime hidrológico, para diminuir ou limitar o “stress “nos ecossistemas (Bovee, 1982; Herricks
& Braga, 1987; Gan & McMahon, 1990; Gore et al., 1992). Esta metodologia é original no
modo como relaciona dois domínios tradicionalmente considerados distintos, a hidráulica e a
biologia das espécies dulciaquícolas, em particular das espécies piscícolas (Fragnoud, 1987).
A IFIM pode ser definida como um conjunto de processos analíticos e de modelos de
computador elaborados para prever mudanças nos habitats dulciaquícolas devido a alterações do
caudal do curso de água. O carácter incremental desta metodologia prende-se com o modo como
42
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

cada problema é encarado, permitindo que a solução seja encontrada a partir de variações
incrementais do caudal, a partir de uma solução inicial, considerando várias alternativas. A
aplicação da IFIM envolve o desenvolvimento de um procedimento específico de cada problema
em análise.
A variável de decisão gerada pela IFIM é a área de habitat total disponível para as espécies
piscícolas, considerando o macro e o microhabitat, sendo estimadas as alterações na área de
habitat disponível para cada fase do ciclo de vida (alevim, juvenil, adulto), ou para uma
actividade particular (reprodução, alimentação, repouso), devido a mudanças no regime
hidrológico do curso de água (Bovee, 1982; Gan & McMahon, 1990).
O caudal ecológico, em geral recomendado, corresponde ao valor mais alto de um conjunto de
caudais mínimos calculados para várias espécies piscícolas e que, por isso, será suficiente para a
manutenção das populações piscícolas existentes (Bovee et al., 1978 in Gore et al., 1991; Bovee,
1982).
A IFIM permite considerar o caudal necessário para a manutenção dos ecossistemas como um
uso da água, ao mesmo nível que os outros usos, nomeadamente o abastecimento doméstico e
industrial, a rega e a produção de energia (Bovee, 1982). A IFIM é adequada para a resolução de
conflitos de uso da água, permitindo incluir no processo de decisão uma estimativa do ganho ou
da perda de habitats Tal é adequado à resolução de problemas que envolvam utilizações
conflituais, com múltiplas soluções (Bovee, 1982; Gore e Nestler, 1988, Gore et al., 1992). Esta
metodologia pode igualmente ser aplicada à determinação do caudal mínimo necessário para a
manutenção de outros usos da água como sejam as actividades de recreio e a navegação, para
estudos de paisagem (Garn, 1986; Gore, 1989a) e para a conservação do património natural,
como foi o caso do "Dinosaur National Monument" (Bassim, 1985).
Inicialmente aplicado a espécies piscícolas, a IFIM é, actualmente, também aplicado a outros
grupos, nomeadamente macroinvertebrados bentónicos (Gore & Judy, 1981; Bovee, 1986; Orth,
1987; Jowett & Richardson, 1990; Jowett et al., 1991).
A IFIM foi originalmente desenvolvida para pequenos cursos de água de montanha (Mathur
et al., 1985), sendo mais tarde aplicada a rios de temperaturas mais elevadas e com maior

43
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

diversidade de espécies (Orth, 1980 in Bain & Boltz, 1989; Orth & Maughan, 1981, 1982,
Osborne et al., 1988).

2.4.6.2. Estratégia analítica

A estratégia analítica global da IFIM consiste em oito etapas (Bovee, 1982):


1ª: Determinação da influência das características da bacia hidrográfica no macrohabitat, na
situação com e sem projecto.
2ª: Caracterização do regime hidrológico do curso de água, na situação com e sem projecto.
3ª: Caracterização geomorfológica do leito do curso de água, na situação com e sem projecto.
4ª: Determinação dos troços do curso de água com condições adequadas de qualidade de água
e temperatura para as espécies seleccionadas, tendo em consideração a situação com e sem
projecto.
5ª: Determinação das disponibilidades de microhabitat físico, na situação com e sem projecto,
recorrendo ao Sistema de Simulação do Habitat Físico ("Physical HABitat SIMulation
System", PHABSIM).
6ª: Determinação da área total de habitat disponível em função do caudal, na situação com e
sem projecto.
7ª: Determinação da área de habitat disponível ao longo do tempo, na situação com e sem
projecto.
8ª: Descrição do impacte como uma alteração na área de habitat utilizado ou disponível.

44
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2.4.6.3. Acções que precedem a aplicação da metodologia

2.4.6.3.1. Definição da área de estudo

A área de estudo é definida em função do nível de análise, podendo ser considerados três
níveis (Bovee, 1982):
i) planeamento e gestão dos recursos hídricos, em que é considerada a bacia hidrográfica;
ii) estudos de âmbito local, em que se pretende definir um regime de caudais como medida de
minimização da alteração do regime hidrológico, podendo abranger parte ou a globalidade
do curso de água e afluentes;
iii) estudos de avaliação de impacte de projectos, que são de um modo geral confinados ao
trecho do curso de água e afluentes que, de uma forma directa ou indirecta, serão
afectados, dependendo a área estudada da extensão geográfica das perturbações.
A definição da área de estudo deverá ter em conta a distribuição longitudinal das espécies
piscícolas ao longo do ano no curso de água e as características do microhabitat utilizadas pelas
espécies durante cada fase do ciclo de vida.

2.4.6.3.2. Selecção das variáveis ambientais

São seleccionadas as variáveis que poderão ser afectados pela alteração do regime hidrológico
e que determinam a área de habitat disponível para as espécies seleccionadas. Atendendo a que
em qualquer aplicação da IFIM as alterações das componentes do microhabitat, velocidade e
profundidade do escoamento, coberto e substrato, são sempre avaliadas, esta etapa refere-se em
especial às componentes do macrohabitat, em particular às condições de equilíbrio e
características geomorfológicas do leito, qualidade da água e temperatura.
Relativamente a cada componente deverão ser abordados dois aspectos: i) a existência de uma
situação de desequilíbrio que poderá ser agravada pela alteração do regime hidrológico e ii) se o
estado actual do sistema corresponde ao estado natural ou a um estado satisfatório do ponto de

45
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

vista de gestão, e se esta situação é alterada pela acção proposta. A selecção das variáveis
ambientais a incluir na aplicação da IFIM é um passo delicado, dado que a exclusão incorrecta
de uma variável poderá conduzir à invalidade dos estudos (Bovee, 1982).

2.4.6.3.3. Selecção das espécies

A selecção das espécies e estádios de vida a utilizar na IFIM é um passo crítico (Orth, 1987).
Em geral, são seleccionadas espécies com interesse para a pesca desportiva ou profissional,
espécies com interesse conservacionista (espécies endémicas, raras ou em perigo) (Bovee, 1982)
ou simplesmente espécies para as quais existe informação acerca das necessidades em termos de
habitat, o que não constitui necessariamente a melhor estratégia (Leonard & Orth, 1988).
O U.S.F.W.S (1980 in Bovee, 1982) propõe uma metodologia baseada num sistema de
classificação de 1 a 5 de três descritores: i) importância das espécies do ponto de vista do
planeamento e gestão dos recursos naturais, ii) vulnerabilidade das espécies e iii) disponibilidade
de informação sobre as espécies. São seleccionadas as espécies cujo total dos três descritores
seja o mais elevado.
A selecção dos organismos poderá incidir, complementarmente, sobre as espécies de que os
peixes se alimentam, nomeadamente macroinvertebrados, dado que a sua distribuição e
abundância condicionará a distribuição e abundância das espécies piscícolas. Este critério obriga
à caracterização do regime alimentar e à caracterização dos factores ambientais de que depende a
disponibilidade de alimento (Bovee, 1982; Orth, 1987). Por outro lado, os níveis tróficos mais
baixos são geralmente menos móveis, apresentando-se mais sensíveis a variações do caudal, pelo
que a utilização de macroinvertebrados conjuntamente com os peixes permitirá aumentar o rigor
na determinação do caudal ecológico (Gore & Judy, 1981; Herricks & Braga, 1987; Orth, 1987;
Gore, 1989c; Gore et al., 1992).
Uma outra abordagem será a utilização de espécies indicadoras, espécies cuja distribuição e
abundância são determinadas por estreitos limites de tolerância relativamente ao caudal e,
consequentemente, à velocidade e profundidade do escoamento, qualidade da água e

46
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

temperatura, considerando-se que enquanto as condições do meio se mantiverem a níveis


satisfatórios para estas espécies, também se manterão para o resto da comunidade (Bovee, 1974
in Bovee 1982; Orth, 1987). A utilização de espécies indicadoras tem como desvantagens o facto
de estas serem muito especializadas e com distribuição limitada (Orth, 1987).
Em cursos de água que apresentem uma grande diversidade específica (cursos de água não
salmonícolas), não é frequentemente viável a análise de habitat para todas as espécies. Nestes
casos, a selecção das espécies pode ser simplificada agrupando as espécies em "guilds" de
habitat (Landres, 1983; Verner, 1984; Szaro, 1986; Leonard & Orth, 1988;Bain & Boltz, 1989),
entendendo-se por "guild" um grupo de espécies que explorem a mesma classe de recursos, de
uma forma semelhante (Root, 1967 in Leonard & Orth, 1988). Espécies que explorem os
mesmos recursos deverão ser afectadas de forma similar pela alteração daqueles recursos: uma
vez avaliado o impacte sobre uma espécie da "guild", é possível estimar o impacte sobre as
restantes espécies da mesma "guild" (Severinghaus, 1981 in Szaro, 1986; Roberts & O´Neil,
1985 in Leonard & Orth, 1988). Como salientam Bain e Boltz (1989), a utilização do habitat
varia consideravelmente ao longo do ciclo de vida dos organismos; consequentemente, muitos
investigadores dividem as espécies em grupos, de acordo com o tamanho ou fase do ciclo de
vida, organizando então estas novas entidades em "guild" (Bain et al., 1988).

2.4.6.3.4. Escolha da época

A escolha da época para a realização dos estudos deverá ter em consideração a variação
temporal das condições de macro e de microhabitat. A variação das condições de macrohabitat
ao longo do ano, traduz-se pela variação da distribuição longitudinal das espécies no curso de
água durante o ano. Por outro lado, as espécies utilizam diferentes tipos de microhabitat durante
o ciclo de vida, pelo que é necessário saber quais os tipos de microhabitat que cada espécie
utiliza ao longo do ano. Nesse sentido, reveste-se de interesse prático a elaboração de uma
Tabela de Periodicidade, que descreve a distribuição natural da espécie pelos diferentes tipos de

47
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

microhabitat durante o ano.

2.4.6.4. Sistema de Simulação do Habitat Físico

2.4.6.4.1. Estrutura geral

O Sistema de Simulação do Habitat Físico (PHABSIM, Physical Habitat Simulation System,


na terminologia anglo-saxónica) é um conjunto de modelos de simulação hidráulica e de
simulação de habitat, constituindo uma das principais componentes da IFIM. O PHABSIM
permite relacionar as alterações de caudal e as alterações na geomorfologia do leito com a área
de microhabitat (definido pelos parâmetros profundidade e velocidade do escoamento, substrato
e coberto) disponível para uma determinada espécie piscícola (ou de macroinvertebrados),
considerando as várias fases do ciclo de vida (alevim, juvenil e adulto) ou actividades específicas
(reprodução, desova, alimentação e repouso) (Bovee, 1982, 1986).
O PHABSIM baseia-se nos seguintes princípios:
i) a distribuição longitudinal e lateral dos organismos lóticos é determinada, entre outros
factores, pelas características hidráulicas, estruturais e morfológicas do curso de água
(Scarnecchia, 1988; Gore et al., 1991), sendo para as espécies piscícolas, a profundidade, a
velocidade e o substrato do leito, os principais factores determinantes (Fragnoud, 1987);
ii) cada organismo tende a seleccionar no curso de água as condições morfodinâmicas que lhe
são mais adequadas, correspondendo a cada variável ambiental (velocidade e profundidade
do escoamento, substrato e coberto) um grau de preferência que é proporcional à aptidão
do valor da variável para a espécie (Bovee, 1982);
iii) a área do curso de água, que possui as condições ambientais para a manutenção de uma
população piscícola (ou outra), pode ser quantificada em função do caudal e da estrutura
do leito (Bovee, 1982; Gore et al., 1989).
A aplicação do PHABSIM compreende a realização das seguintes etapas (Bovee, 1982):
1ª: Determinação da distribuição longitudinal e lateral da velocidade e da profundidade do
escoamento, que são definidas como funções do caudal, recorrendo a modelos de
simulação hidráulica e caracterização do substrato e do coberto, que são considerados
constantes para cada caudal.
48
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

São definidas células rectangulares ou trapezoidais, caracterizadas por valores únicos das
variáveis velocidade e profundidade do escoamento, substrato e coberto (Bovee, 1978;
Loar & Sale, 1981).
2ª: A aptidão de cada célula para um dado estádio do ciclo de vida de uma espécie é calculada
através da aplicação de critérios de aptidão de habitat. Com base nestes critérios é
calculado o índice de aptidão, que reflecte a preferência relativa da espécie, numa fase do
ciclo de vida ou durante uma actividade, por uma determinada combinação de
características morfológicas e hidráulicas definidas na célula para um caudal (Bovee,
1982). Este índice, designado por autores mais recentes por factor de aptidão conjunta,
pode ser definido por uma das seguintes expressões (Milhous et al., 1989; Gan &
McMahon, 1990):
IAk = f 1 (v k ) × f 2 (p k ) × f 3 (il k )
1/3
IAk = f 1 (vk ) × f 2 (pk ) × f 3 (ilk )
IAk = min f 1 (v k ) ,f 2 (pk ) ,f 3 (ilk )
IAk - índice de aptidão da célula k
f1(vk), f2(pk), f3(ilk) - funções, respectivamente, da velocidade e da profundidade do
escoamento e do índice do leito na célula k (o índice do leito exprime uma combinação
das variáveis substrato e coberto, permitindo considerar uma única função)
A equação (4) corresponde ao cálculo do IAk através da multiplicação simples, em que
cada factor tem igual peso no valor final. Esta equação implica uma acção sinérgica, em
que o óptimo do habitat é atingido quando todas as variáveis consideradas tiverem atingido
igualmente o óptimo. É a mais frequentemente utilizada.
A equação (5) utiliza a média geométrica das funções. Implica efeitos de compensação,
i.e., se duas ou mais variáveis estiverem na gama do óptimo, o valor da terceira variável
tem pouca importância, a menos que seja igual a zero.
Na equação (6), a área da célula é multiplicada pelo valor mínimo das três funções, ou seja,
o habitat não é melhor que a pior componente.
3ª: A área de cada célula é ponderada pelo índice de aptidão, obtendo-se um índice de habitat
potencial, denominado superfície ponderada utilizável (SPU) ("surface pondérée utile", na
terminologia francesa e "weighted usable area" (WUA), na terminologia anglo-saxónica)
para cada célula (Bovee, 1982):

49
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

SPU k = IAk × ak

SPUk (m2/km) - superfície ponderada utilizável da célula k


IAk - índice de aptidão da célula k

ak (m2) - área da célula k

O valor do SPU para um trecho do curso de água, com n células, e para um caudal Q, será
então dado por (Bovee, 1982):
n
SPU Q = ∑ IAk × a k
k=1

ou por (Milhous et al., 1989; Gan & McMahon, 1990):


SPUQ = ∫A IA da

A EDF - Electricité de France (in Sabaton, 1991) sugere um índice, valor do habitat (VH),
dado pela seguinte expressão:
SPU
VH =
aT
VH - valor de habitat
SPU (m2/km) - superfície ponderada utilizável
aT (m2) - área total do trecho do curso de água

O valor de habitat é um índice de qualidade que permite quantificar a aptidão média do


meio para acolher uma espécie numa fase do ciclo de vida (Chaveroche, 1990; Parent;
1990; Sabaton, 1991).
A temperatura pode ser também considerada na simulação física do habitat, se houver
disponibilidade de informação para a espécie ou espécies em questão (Milhous et al.,
1989):
SPU Q′ = SPUQ × m ( T )

SPU Q′ (m2/km) - superfície ponderada utilizável considerando o efeito da temperatura


m(T) - função da temperatura

50
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2.4.6.4.2. Critérios de aptidão de habitat

Os critérios de aptidão de habitat podem ser de três categorias, dependendo da informação


utilizada e do modo como esta é obtida (Bovee, 1986).

A. Categoria I
Os critérios de categoria I são desenvolvidos a partir de informação bibliográfica disponível,
conhecimento pericial e experiência profissional sobre uma espécie, com recurso a pouca ou
nenhuma informação de campo. A falta de dados empíricos, na base do seu desenvolvimento,
constitui uma das principais críticas a esta categoria de critérios; no entanto, e de um modo geral,
estudos realizados a posteriori para o desenvolvimento de critérios da categoria II têm mostrado
concordância entre as duas categorias (Bovee, 1986).
O desenvolvimento de critérios com base em opinião pericial e experiência profissional pode
ser conseguido através de: i) discussões informais entre um grupo de participantes, orientadas
por um moderador (Bovee, 1986); ii) aplicação da técnica de Delphi (Bovee, 1986; Crance,
1987a,b) e iii) reconhecimento da distribuição dos microhabitats das espécies no curso de água,
através da observação in loco por peritos, e quantificação da área através do desenvolvimento de
curvas de frequência, em que a uma resposta positiva é atribuído o valor 1 e a uma resposta
negativa o valor 0. Esta técnica é expedita, particularmente para espécies dificilmente
observáveis no campo (como, por exemplo, espécies raras ou em perigo), e exige pouco
equipamento especializado (Bovee, 1986; Chaveroche et al., 1987; Chaveroche & Sabaton,
1989; Chaveroche, 1990).
Os critérios desta categoria estão limitados à informação e conhecimento disponíveis. A
aplicação de qualquer uma das técnicas anteriores permite detectar lacunas de informação,
contribuindo para identificar e definir áreas de investigação, no sentido de um melhor
conhecimento da espécie (Bovee, 1986).

51
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

B. Categoria II
Os critérios desta categoria baseiam-se na análise de frequência das características do
microhabitat ocupado pelos indíviduos, no momento em que estes são observados ou capturados,
sendo desenvolvidas funções de uso. A expressão que define estas funções é P C I , ou seja, a

probabilidade de ocorrência de um determinado conjunto de condições ambientais C dada a


presença de um indivíduo I.
As funções de uso representam as características de habitat preferidas e seleccionadas por
uma espécie (numa fase do ciclo de vida ou para uma actividade), sendo esta selecção limitada
pelas condições ambientais disponíveis no momento da amostragem. Assim, as funções de uso
podem não descrever de forma rigorosa as preferências da espécie porque, por exemplo, as
condições óptimas não estão presentes ou têm pequena representação no curso de água. Estas
funções têm, por isso, uma aplicação restrita ao curso de água para o qual foram desenvolvidas,
ou a cursos de água de características muito semelhantes.
A utilização desta categoria de critérios envolve a necessidade de desenvolver novas funções
de uso, sempre que se pretende proceder à aplicação da metodologia num novo curso de água, o
que não é muito eficaz atendendo aos recursos envolvidos e ao tempo dispendido (Bovee,1982;
1986).

C. Categoria III
As limitações que se colocam à aplicação das funções de uso conduziram ao desenvolvimento
das funções de preferência (Voos, 1981 in Bovee, 1982), cujo conceito base se prende com o
facto de que se um organismo se encontra em proporção elevada num dado microhabitat, face à
área disponível com essas características, é porque o organismo seleccionou de forma activa esse
microhabitat. Estas funções incluem a disponibilidade das condições ambientais, sendo a
preferência relativa de um organismo definida pela seguinte expressão (Bovee, 1986):

52
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

P C I
Pr =
P C

Pr - índice de preferência relativa para uma espécie, para uma fase do ciclo de vida ou
actividade, considerando um conjunto de condições ambientais
P C I - probabilidade de ocorrência de um conjunto de condições ambientais dada a
presença de um ou mais indivíduos
P C - probabilidade de ocorrência desse conjunto de condições ambientais no curso de água,
no momento em que o indivíduo é observado ou capturado
A combinação óptima de valores das várias condições ambientais é atingida quando Pr atinge
o valor máximo (Bovee, 1982).
Pode-se considerar que Pr é independente da biomassa, se o curso de água a partir do qual é
determinado se encontrar na capacidade de suporte. Numa população cujo número de indivíduos
está abaixo da capacidade de suporte do meio, só os locais mais favoráveis estão ocupados, o que
não indica a gama de condições que a espécie utilizaria se fosse atingida a capacidade de suporte
do meio. Esta função pode ser ainda dependente da biomassa na presença de outras espécies, se
estas competirem pelos mesmos locais. Este aspecto é comum às três categorias de critérios
referidas (Bovee, 1982).
A função de preferência é mais independente das condições do meio do que a função de uso,
o que aumenta a possibilidade de aplicação dos critérios de categoria III a outros cursos de água.
No entanto, estes critérios não têm carácter universal e dependem, em grau variável, das
características do curso de água para o qual foram desenvolvidos. A principal desvantagem dos
critérios deste tipo é o volume de informação necessária, que pode aumentar entre 20 a 100% o
trabalho de campo necessário em comparação com os critérios de categoria II (Bovee, 1986).
O principal problema do desenvolvimento dos critérios de categorias II e III prende-se com os
erros associados aos métodos de amostragem e observação, durante a realização do programa de
amostragem, para o conhecimento das preferências das espécies piscícolas (ou outras)
relativamente às características do microhabitat (Bovee, 1986).

53
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2.4.6.5. Cálculo do caudal ecológico

2.4.6.5.1 Determinação da área total de habitat disponível

A área total de habitat disponível para uma espécie, numa determinada fase do ciclo de vida e
para um caudal, é definida pelo produto da área de microhabitat por unidade de comprimento
(valor de SPU unitário) pelo comprimento do curso de água que, no segmento considerado, tem
condições adequadas de qualidade de água e temperatura para a espécie em questão.
A área total de habitat deve ser calculada para a totalidade da gama de caudais de interesse. O
resultado é uma função entre o caudal e a área de habitat total para cada estádio do ciclo de vida
da espécie (Bovee, 1982).
Existem vários modos de calcular a área total disponível, dependendo das características do
segmento, da aptidão ou não das condições de qualidade de água e temperatura para as espécies
em questão e do número de locais de amostragem. Considerando os quatro tipos principais de
situações, tem-se então (Bovee, 1982):
A. Segmentos representados por um local de amostragem, com condições adequadas de
qualidade de água e temperatura
Considerando um segmento caracterizado por local de amostragem, em que as condições de
qualidade de água e temperatura são satisfatórias para as espécies, a área total de habitat
disponível para um caudal é dada pela seguinte expressão:
AH = SPU × L

AH (m2) - área de habitat total do segmento


SPU (m2/km) - superfície ponderada utilizável por unidade de comprimento
L (km) - comprimento do trecho do curso de água com condições adequadas de qualidade de
água e temperatura

54
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

B. Segmentos representados por um local de amostragem, em que as condições de


qualidade de água e temperatura não são, por vezes, adequadas
Considerando um segmento representado por um local de amostragem, em que para alguns
caudais e em todo o comprimento, a qualidade de água e a temperatura não são adequadas, a área
total de habitat disponível para um dado caudal é dada por:
n
AH = ∑ SPU × L j × FPj
j =1

AH (m2) - área de habitat total do segmento


SPU (m2/km) - superfície ponderada utilizável por unidade de comprimento
Lj (m) - comprimento do troço j do segmento, caracterizado por um conjunto de valores dos
parâmetros de qualidade de água e temperatura, considerados satisfatórios
FPj - factor de preferência para a qualidade da água ou temperatura para o troço j

A determinação do valor de Lj para cada caudal requere o conhecimento da variação


longitudinal da qualidade de água (incluindo a temperatura), para os parâmetros considerados de
interesse e o conhecimento do grau de tolerância e das preferências das espécies durante o ciclo
de vida relativamente a estes parâmetros. A equação anterior considera critérios binários,
podendo também ser utilizada uma curva de preferências relativas.

C. Segmentos representados por vários locais de amostragem e com condições adequadas


de qualidade de água e temperatura.
Considerando um segmento caracterizado por vários locais de amostragem e com condições
adequadas de qualidade de água e temperatura, a área total de habitat disponível é dada pela
seguinte expressão:

55
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

n
AH = ∑ SPU j × L j
j =1

AH (m2) - área de habitat total do segmento


SPUj j (m2/km) - superfície ponderada utilizável por unidade de comprimento, caraterizada
pelo local de amostragem j
L j (m) - comprimento do troço j do segmento, representado pelo local de amostragem j

D. Segmentos representados por vários locais de amostragem, em que as condições de


qualidade de água e temperatura não são, por vezes, adequadas.
Para o cálculo da área total de habitat disponível de um segmento representado por vários
locais de amostragem e em que as condições de qualidade de água e temperatura não são, por
vezes, adequadas às espécies consideradas, recorre-se à equação anterior considerando que cada
fracção do segmento, Lj, pode ser tratado como um subsegmento, recorrendo-se ao uso das
equações apresentadas em A e B para o cálculo de valores de habitat parciais para cada troço Lj.

2.4.6.5.2. Técnicas de determinação do caudal ecológico

A. Técnicas essencialmente baseadas na curva da superfície ponderada utilizável em


função do caudal
Considerando-se a curva da superfície ponderada útil (SPU) em função do caudal para cada
fase do ciclo de vida das espécies seleccionadas, o ponto de inflexão desta curva (ou seja o ponto
onde a área disponível de habitat decresce rapidamente com o caudal ou a partir do qual
qualquer aumento do caudal tem pouca influência no aumento da área) corresponde ao valor do
caudal mínimo a manter, abaixo do qual ocorre uma alteração gravosa do habitat para a espécie.
O caudal ecológico recomendado corresponde ao valor mais alto do conjunto de caudais
mínimos calculados para cada fase do ciclo de vida das espécies seleccionadas, considerando-se
que este constitui o caudal que permite a manutenção das populações piscícolas aos níveis
considerados desejáveis (Orth & Maughan, 1981). Preferencialmente, o caudal ecológico deverá
56
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

ser definido para cada mês (Orth & Maughan, 1982; Gore, 1989a).
Stalnaker (1979) recomenda que o caudal mínimo para cada mês corresponda ao caudal mais
baixo que permita obter o mesmo valor de SPU que o caudal médio mensal, para a fase do ciclo
de vida das espécies seleccionadas a considerar naquele mês.
A Cooperative Instream Flow Service Group, U.S.F.W.S., (Sale et al., 1981) recomenda que
o caudal mínimo deverá corresponder a um caudal entre o caudal médio mensal e o caudal mais
baixo que ocorre, em média, uma vez em dez anos, que permita obter o maior valor de SPU.
Estes três modos de cálculo, particularmente o primeiro, incorporam pouca informação sobre
o regime hidrológico natural do curso de água (Orth & Maughan, 1982; Nestler et al., 1989;
Gore et al., 1992) ou sobre as necessidades de habitat das espécies ao longo do ano (Sale et al.,
1981; Nestler et al., 1989). Estas técnicas permitem obter bons resultados quando o objectivo é
aumentar o potencial piscícola de uma dada espécie. No entanto, quando os objectivos são a
conservação de habitats ou a minimização dos impactes da regularização de caudais, ou quando
são consideradas várias espécies com diferentes necessidades de habitat, a utilização torna-se
pouco apropriada, quer devido à complexidade, quer porque o caudal mínimo determinado
poderá corresponder a um valor superior ao caudal médio que ocorre durante a maior parte do
ano (Sale et al., 1981).
No sentido de obter resultados mais fiáveis foram desenvolvidas técnicas mais complexas de
apresentação e interpretação dos resultados, que incluem técnicas de optimização, séries
temporais de habitat e curvas de duração e séries temporais efectivas estocásticas ou
probabilísticas (Bovee, 1982).

B. Técnicas de optimização
As técnicas de optimização envolvem a definição de um caudal para cada mês do ano que
minimize a redução da área de habitat disponível para qualquer fase do ciclo de vida das
espécies que estão presentes no curso de água, durante esse mês. A aplicação desta técnica
consiste na construção de uma matriz de optimização para cada mês do ano, em que as colunas
se referem aos caudais e as linhas às fases do ciclo de vida das espécies presentes no curso de

57
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

água durante esse mês.


Os caudais são seleccionados tendo em consideração a curva de duração de caudais, sendo de
um modo geral escolhidos os caudais cuja probabilidade de serem excedidos é superior a 50% e
inferior a 90-95%. Considerando as curvas de habitat em função do caudal elaboradas para cada
fase do ciclo de vida das espécies consideradas, determina-se para os caudais seleccionados, a
área total de habitat disponível, cujos valores são colocados na matriz (Bovee, 1982). Analisando
cada coluna (a que corresponde um caudal) é seleccionado o valor mínimo da SPU (Bovee,
1982) ou calculado o valor médio (Sale et al., 1981), o qual é registado, na última linha da
matriz. O maior valor desta linha corresponde ao caudal que maximiza a área de habitat
disponível.
Considerando os doze meses do ano, é elaborado um hidrograma com os caudais
seleccionados, que corresponde ao cenário mais favorável, dado que os caudais seleccionados
são aqueles que permitem uma minimização da perda de habitat. Contudo, a análise global da
matriz é fundamental se houver alguma fase do ciclo de vida de uma espécie ou espécies
particularmente importantes.
A utilização desta técnica considera dois pressupostos: as necessidades de habitat em cada
mês são independentes dos outros meses e todos os estádios de desenvolvimento e espécies têm
as mesmas necessidades relativas de espaço. Os erros inerentes ao segundo pressuposto podem
ser evitados se se ponderar a área total de habitat disponível para cada fase do ciclo de vida de
acordo com as necessidades de área (recorrendo aos índices denominados razões de habitat), ou
para cada espécie, de acordo com a prioridade do ponto de vista de gestão dos recursos. Os erros
inerentes ao primeiro pressuposto podem ser evitados recorrendo às séries temporais (Bovee,
1982).

C. Séries temporais de habitat


A série temporal de habitat é construída através da combinação da área de habitat total em
função do caudal com uma série temporal de caudais, podendo ser considerada qualquer unidade
temporal, horas, meses ou anos. A variação temporal das séries de habitat é, de um modo geral,
inferior à variação das séries temporais de caudais a partir das quais foram obtidas. A utilização
58
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

de séries mensais é particularmente adequada para a análise de alternativas de gestão (Bovee,


1982; Milhous, 1986). Uma série temporal de habitat pode ser utilizada individualmente ou em
combinação com outras técnicas de análise e interpretação de resultados, de modo a aumentar a
precisão ou verificar os resultados obtidos (Bovee, 1982).
A quantificação dos impactes decorrentes da alteração do regime hidrológico consiste em
gerar duas séries temporais de habitat, na situação com e sem projecto e calcular a área entre as
duas curvas. O valor obtido pode subestimar os efeitos reais, dado que os impactes mais
significativos ocorrem quando a área de habitat mínimo é reduzida devido a uma diminuição do
caudal. Por outro lado, as reduções de habitat durante períodos de disponibilidade elevada de
habitat pode ser inconsequente se as populações píscicolas estão adaptadas a uma área de habitat
reduzida, por exemplo durante períodos de estiagem. As séries temporais permitem identificar
períodos críticos para uma fase do ciclo de vida, em que se verifica limitação da área de habitat
disponível, sendo ainda útil na avaliação de potenciais alterações nas comunidades piscícolas,
dado que diferentes espécies têm diferentes reacções a alterações de caudal (Bovee, 1982).

D. Curva de duração de habitat


Uma curva de duração de habitat é uma curva de frequências acumuladas que permite inferir
qual a probabilidade de uma determinada área de habitat ser igualada ou excedida durante um
intervalo de tempo na situação com e sem projecto, permitindo, igualmente, saber qual a
frequência natural do caudal ecológico definido anteriormente. É construída do mesmo modo
que uma curva de duração de caudais (Sale et al., 1981; Bovee, 1982).
Os impactes significativos são definidos pela área abaixo da curva de duração de habitat com
uma probabilidade de ser excedida entre 50 a 90%. O valor médio do habitat tem significado
biológico dado que representa uma medida da tendência central. Os valores de habitat com
probabilidade de 90% de serem excedidos (por vezes superior a 95%) representam condições
extremas de limitação de habitat. Esta técnica é mais precisa em termos de resultados obtidos e
permite exprimir um impacte em termos de frequência e não apenas em termos da área de
habitat. Saliente-se que uma curva de duração de caudais não deve ser considerada uma

59
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

representação histórica das condições de habitat, dado que as características da morfologia do


leito e do substrato não podem ser consideradas constantes para o período de tempo de registo de
caudais considerado (Bovee, 1982).
Capra et al. (1995) sugerem o desenvolvimento de curvas que integrem, além do tempo, a
duração e a magnitude de diferentes variações de habitat, ou seja que integrem o período durante
o qual a SPU é maior ou menor que um determinado valor de SPU. Desta maneira obtêm-se uma
curva de frequências acumuladas do período contínuo mais curto (do mais longo ao mais curto)
durante o qual as condições de disponibilidade de habitat no curso de água (SPU/100) estão
abaixo de um determinado valor de SPU. Diferentes valores de SPU podem ser definidos ao
mesmo tempo, de forma empírica ou relacionados com a curva de SPU em função do caudal. Por
exemplo para uma determinada série temporal de habitat, e para o período total do estudo foram
observados 5 períodos (di) durante os quais SPU ≥ SPUt1 (o primeiro valor definido), sendo d1
o maior e d5 o mais pequeno. Para cada período são feitas curvas em que as coordenadas
correspondem ao número de dias do período (di) e a percentagem acumulada (Cpi) deste número
de dias (di) sobre o número total de dias (D) do período total (Cpi = di/D + Cpi-1, em que d0=0).
Várias curvas correspondendo a diferentes valores de SPU podem ser incluídas no mesmo
gráfico. Estas curvas são designadas na terminologia anglosaxónica “under threshold habitat
duration curve (CUT curve)" e podem ser utilizadas na interpretação dos valores de SPU em
função do caudal, tendo em consideração o regime hidrológico, ajudando a determinar qual o
valor do caudal mínimo para cada período crítico, abaixo do qual a conservação da população
piscícola está em perigo. Estas curvas consideram como premissa que a capacidade de carga de
um local é, principalmente, uma função das caracteristicas do habitat físico desse local (Capra et
al., 1995).

60
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

E. Séries temporais efectivas de habitat


A utilização de séries temporais ou de curvas de duração de habitat envolve a análise de um
grande volume de informação, dado que têm que ser elaboradas para cada fase do ciclo de vida
de uma espécie. Um dos processos de simplificação possível é a identificação de uma fase do
ciclo de vida que é limitante, ou que se pode assumir como tal, para a população em questão.
Esta simplificação nem sempre é possível, tanto mais que o carácter limitante de uma fase do
ciclo de vida depende, frequentemente, do caudal do curso de água. Outro processo de
simplificação consiste em recorrer ao conceito de razões de habitat (habitat ratios), utilizados na
construção de séries temporais representativas do habitat efectivamente utilizado pela espécie.
As séries temporais efectivas de habitat utilizam estimativas das necessidades relativas de
espaço entre diferentes fases do ciclo de vida ou níveis tróficos, razões de habitat, para o cálculo
das necessidades de habitat para cada fase do ciclo de vida duma espécie, num determinado
momento (Bovee, 1982). De um modo geral, as razões de habitat relacionam a importância do
habitat para cada uma das fases do ciclo de vida de uma espécie com a fase adulta (Nestler et al.,
1989).
O processo de cálculo envolve a realização de uma tabela, em que são comparadas, para
qualquer intervalo de tempo definido na série temporal, as necessidades e as disponibilidades de
habitat, em termos de área. Se a área disponível excede a área necessária, então a área necessária
é transportada para o intervalo de tempo seguinte, para o cálculo da área necessária para a
próxima fase do ciclo de vida. Quando a área de habitat necessária é superior à área de habitat
disponível, é a área de habitat disponível que é transportada para o próximo intervalo de tempo.
A série temporal efectiva calcula a área de habitat que pode ser utilizada pelo adulto ao longo do
tempo e incorpora tempos de resposta na utilização de habitat resultantes de acontecimentos
extremos ou alterações no regime hidrológico que afectam várias fases do ciclo de vida.
A recomendação de caudais mínimos é feita com base numa série temporal efectiva de habitat
mensal, correspondendo a um ano hidrológico com uma determinada probabilidade de
ocorrência e com base na área de habitat mais pequena disponível para o adulto durante o ano.
Considerando as outras fases do ciclo de vida, são utilizadas as razões de habitat para calcular a

61
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

área de habitat necessária para cada fase do ciclo de vida, de modo a permitir manter a área de
habitat mínima disponível para o adulto. A comparação entre a área de habitat necessária e a área
de habitat disponível para cada fase do ciclo de vida permitirá inferir se o caudal disponível é
suficiente para manter a área de habitat mínima considerada para o adulto. Por outro lado, se
uma ou mais fases do ciclo de vida parecem ser limitantes, então a necessidade de habitat da fase
do ciclo de vida mais limitante é utilizada como ponto de partida e as necessidades de habitat
para as outras fases são calculadas com base neste limite (Bovee, 1982).

2.4.6.6. Críticas a IFIM

Embora a IFIM seja constituída por duas componentes, a hidráulica e a biológica, a maior
parte das críticas colocadas referem-se a esta última (Osborne et al., 1988). O PHABSIM tem
sido criticado pela falta de rigor biológico, nomeadamente, pela incapacidade de tomar em
consideração as relações intra e interespecíficas (em particular a predação e competição), as
variações nas taxas de produção, as variações sazonais e diárias na distribuição e abundância das
espécies ou as variações devido a factores que não são directamente influenciados pelo caudal,
como por exemplo a disponibilidade de alimento (Mathur et al., 1985; Granholm et al., 1985;
Shirvell, 1986; Irvine et al., 1987; Scott & Shirvell, 1987; Orth, 1987; Souchon et al., 1989).
O PHABSIM admite que existe uma relação linear positiva entre a superfície ponderada
utilizável (SPU) e a biomassa ou a densidade da espécie (Bovee, 1978; Stalnaker, 1979; Orth &
Maughan, 1986; Conder & Annear, 1987). Este pressuposto tem gerado alguma polémica, tendo
sido criticado e posto em causa por vários autores que consideram existir falta de evidência que
as populações piscícolas respondam de forma directa a alterações na SPU (Mathur et al., 1985,
1986; Shirvell, 1986, 1989; Irvine et al., 1987; Scott & Shirvell, 1987).
Contudo, como Orth (1987) salienta, a maior parte das aplicações da IFIM citadas por Scott e
Shirvell (1987), não consideram a temperatura e a qualidade da água e restringem-se à aplicação
do PHABSIM considerando unicamente a profundidade, a velocidade e o substrato e não
incluindo o coberto. Por outro lado, várias das aplicações referem-se a espécies com interesse

62
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

para a pesca, não entrando em consideração com a taxa de exploração da espécie, que poderá
constituir um factor mais limitante para a população do que a disponibilidade de microhabitat.
Orth (1987) considera ainda que a disponibilidade de microhabitat, de um modo geral, não
regula a dimensão da população, sendo unicamente um factor determinante da sua distribuição,
constituindo a disponibilidade de alimento e as relações intra e interespecíficas factores mais
importantes. Os resultados obtidos evidenciam a existência de uma relação linear positiva entre a
SPU e a biomassa ou a densidade da espécie, unicamente durante períodos em que a área de
habitat disponível é um factor limitante, devido a variações extremas de caudal (Orth &
Maughan, 1982, 1986), ou quando o curso de água atingiu a capacidade de suporte (Stalnaker,
1979; Scott & Shirvell, 1987), em situações em que a qualidade da água, temperatura e
disponibilidade de alimento não constituem factores limitantes (Loar & Sale, 1981).
A dimensão da população num dado momento é reflexo da dimensão da população e das
limitações existentes no passado, particularmente no que se refere às condições de habitat para as
primeiras fases do ciclo de vida. As variações temporais no caudal, num dado momento, ao
afectarem o crescimento, a sobrevivência, a migração e o recrutamento dos indivíduos, irão
traduzir-se, no futuro, na dimensão da população. Assim, a medição instantânea da SPU só
dificilmente estará relacionada de forma directa com a dimensão da população nesse momento
(Fragnoud, 1987; Orth, 1987; Stalnaker, et al., 1995). A existência de tempos de resposta entre a
limitação do habitat e a resposta da população dificulta a identificação da natureza desta relação
(Orth & Maughan, 1986; Orth 1987; Bovee, 1989). Milhous (1990, in Gordon et al., 1992)
considera que a utilização de séries temporais de habitat e de séries temporais efectivas de
habitat permite aumentar a fiabilidade da previsão da biomassa ou da dimensão da população.
A dificuldade em testar a relação da SPU com a biomassa depende, igualmente, da
complexidade do regime hidrológico do curso de água e da complexidade das comunidades
biológicas (Gore & Nestler, 1988). As melhores estimativas entre a área de habitat disponível e a
biomassa foram encontradas para sistemas simples, como por exemplo um curso de água da
montanha em que o caudal tem origem no degelo (Stalnaker, 1982 in Gore & Nestler, 1988).
A ausência de uma relação linear positiva entre a SPU e a biomassa ou a densidade da

63
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

espécie, pode estar ainda relacionada com o facto de se considerar que diferentes unidades de
microhabitat (células), com o mesmo valor de SPU, são unidades biológicas equivalentes, com
taxas de produção de biomassa semelhantes, enquanto que na realidade cada célula pode ter
áreas diferentes e diferentes combinações das variáveis que definem o microhabitat, conduzindo
a diferentes produtividades (Mathur et al., 1985; Shirvell, 1989). A área da célula tem influência
na selecção por parte do peixe, independentemente do facto de esta ter um índice de aptidão
elevado; com efeito, Baldes & Vincent (1969) verificaram, em meio experimental, que o adulto
de Salmo trutta fario não seleccionava células com área inferior a 0,14 m2, apesar das condições
de habitat nessa célula serem adequadas.
Orth & Maughan (1986) e Bovee (1989) referem a necessidade de implementar programas de
monitorização após a implementação de um regime hidrológico definido pela IFIM, em que
sejam realizadas, periodicamente, medições da biomassa, a fim de ser avaliada a resposta da ou
das populações piscícolas e consequentemente a validade da aplicação da IFIM.
Estudos de validação do PHABSIM realizados por Nehring & Anderson (1993) e Jowett
(1992 in Nehring & Anderson, 1993) constataram uma elevada correlação positiva entre a SPU e
a densidade da população de salmonídeos. Pelo contrário trabalhos desenvolvidos por Bourgeois
et al. (1996) apontam para uma falta de correlação entre a densidade de juvenis de Salmo salar e
a SPU.
Na elaboração das curvas de aptidão, assume-se que as interacções bióticas na comunidade
estão estado de equilíbrio ou próximo dele, pelo que as curvas de aptidão, baseadas na densidade
e localização das espécies seleccionadas, incluem as relações de predação e competição (Gore &
Nestler, 1988), as quais desempenham um importante papel na regulação das populações (Moyle
e Vondracek, 1985). A complexidade das comunidades biológicas limitam as possibilidades de
transferência das curvas de aptidão de um sistema lótico para outro, tornando preferível a
elaboração de curvas de aptidão específicas para o curso de água (Moyle & Baltz, 1985; Orth,
1987; Gore, 1989b). A transferência dos critérios de aptidão de habitat é mais delicada em cursos
de água não salmonícolas onde a maior diversidade específica é sinónimo de um conjunto mais
complexo de relações intra e interespecíficas (Nestler et al., 1989; Granholm et al., 1989).
Nestler et al. (1989) salientam que as alterações no regime hidrológico poderão favorecer
64
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

determinadas espécies, induzindo alterações nas relações interespecíficas, o que poderá conduzir
a novos critérios de preferência de habitat. Annear & Conder (1984) consideram possível a
transferência de critérios de habitat para a postura e incubação dos ovos, dado que correspondem
a fases imóveis, em que a recolha de dados de campo é mais fácil e eficiente, e as condições
hidráulicas do curso de água são de um modo eficaz simuladas em laboratório.
O problema da transferência dos critérios de aptidão de habitat coloca-se, ainda, relativamente
à dimensão do indivíduo, altura do ano ou do dia (Orth, 1987) e temperatura, factores que
influenciam a preferência pelos valores das variáveis físicas, profundidade, velocidade e
substrato (Baltz et al., 1987, 1991). A aplicação dos critérios de aptidão de habitat deverá, assim,
estar limitada aos cursos de água com regimes térmicos semelhantes (Moyle & Baltz, 1985;
Orth, 1987; Gore & Nestler, 1988).
Tendo sido originalmente desenvolvida para cursos de água salmonícolas e só posteriormente
aplicada a cursos de água não salmonícolas, a aplicação da IFIM a estes ecossistemas levanta
alguns problemas que se prendem com a complexidade das características hidrológicas, físicas e
biológicas, mostrando-se necessária investigação que permita uma melhor compreensão destes
sistemas (Bain & Boltz, 1989; Nestler, 1990).
Orth e Maughan (1986) consideram que a obtenção de maus resultados resulta
frequentemente de deficientes aplicações do PHABSIM e mais frequentemente de uma
interpretação irrealista dos resultados ou de expectativas infundadas sobre estes. Segundo
Morhardt (1986, in Osborne et al., 1988), a IFIM não é válida se a resposta biológica do meio,
por exemplo em termos de produtividade, for o único objectivo da aplicação da metodologia.
Gore e Nestler (1988) e Gore et al. (1992) consideram que o PHABSIM não é, na sua forma
actual, um modelo ecológico, nem os pretende substituir. Constitui um modelo genérico que
permite determinar o valor do habitat como um uso da água, no âmbito do planeamento dos
recursos hídricos, para o que tem, no entanto, de sacrificar alguns aspectos de carácter biológico.
A análise dos resultados da IFIM deve restringir-se à disponibilidade de habitat, não
relacionando a área de habitat disponível com o funcionamento ou produtividade do ecossistema
(Nestler et al., 1989; Gore et al., 1991). A resolução de conflitos de uso da água tem sido

65
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

conseguida com a estimação da variação da área de habitat potencial em função do caudal,


envolvendo raramente a necessidade de estimar a variação da produtividade piscícola (Gore &
Nestler, 1988). Shirvell (1986) considera que os resultados da IFIM deverão ser encarados com
bastante cuidado, em particular quando estão em risco grandes áreas ou importantes recursos
aquáticos.
Na maior parte das aplicações do PHABSIM está implícito que o substrato e o coberto são
independentes do caudal, o que se deve em parte às dificuldades de modelação. Embora face à
velocidade e à profundidade o substrato possa ser considerado uma variável constante, alterações
do caudal reflectir-se-ão, a longo prazo, numa alteração na sua composição (Kellerhals, 1982 in
Shirvell, 1986). Relativamente ao coberto, a sua própria definição traduz uma dependência do
caudal, dado que o abrigo ou protecção disponível para um indivíduo dependerá, entre outros
factores, da turbulência e da profundidade associadas a um determinado caudal, alterações
difíceis de modular (Shirvell, 1986; Scott & Shirvell, 1987). Uma reapreciação dos componentes
do coberto, que se impõe urgentemente, virá seguramente a dar ênfase a aspectos associados ao
caudal, particularmente a turbulência.
Os modelos de simulação hidráulica que constituem o PHABSIM assumem que o caudal é
regime "uniforme gradualmente variado" e subcrítico. Contudo, em algumas situações, como por
exemplo em cursos de água de forte declive ou em situações de caudais muito baixos em que
ocorre exposição do leito rochoso, estes pressupostos não são cumpridos (Maidment, 1993).
Estes modelos são unidimensionais e baseiam-se em transectos, pelo que não permitem
reconhecer aspectos que são importantes para a descrição do habitat como seja a distribuição em
mosaico dos vários tipos de habitat, a ligação entre refúgios, a alternância e a proporção de
pegos e rápidos, e que necessitam de uma abordagem bidimensional. Actualmente, existe uma
tendência de substituir ou ampliar os modelos unidimensionais pelos bidimensionais (Leclerc et
al., 1995 in Palau, 1997; Bovee, 1996). A localização dos transectos afecta os resultados finais
(Bourgedis et al., 1996).
Os resultados obtidos relativos à disponibilidade de habitat apresentam uma elevada
variabilidade em função dos modelos utilizados (Gan & McMahon, 1990).
O PHABSIM não incorpora nas bases conceptuais a variabilidade temporal do habitat
66
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

(Hardy,1996). Este aspecto é particularmente importante em cursos de água mediterrâneos onde,


além da heterogeneidade espacial se junta uma elevada irregularidade temporal, quer anual quer
interanual, de modo que um caudal inicialmente adequado para um troço do curso de água pode
deixar de ser válido após uma cheia, voltando a sê-lo depois de um certo tempo ou nunca voltar a
sê-lo (Palau, 1997).
Os valores recomendados com base na aplicação da IFIM podem, contrariamente aos outros
métodos, ser maiores que o caudal médio e inferiores aos caudais baixos, dado que a aplicação
deste método permite identificar caudais que optimizem as condições para as espécies
consideradas indicadoras (Jowett, 1997). Os caudais ecológicos definidos pela IFIM baseiam-se
em espécies indicadoras, o que alguns autores consideram insuficiente quando se pretende
conservar a globalidade do ecossistem aquático e ripícola (King & Tharme, 1994; King & Louw,
1998), considerando adequado para uma gestão do curso de água ao nível das espécies
piscícolas, e não ao nível dos ecossistemas. Consideram que o IFIM não considera devidamente
o regem hidrológico do curso de água, já que pode concluir por caudais que não ocorrem em
regime natural, mas que permitem maximixar a área de habitat disponível para as espécies
piscícolas indicadoras (King & Tharme, 1994).
As principais linhas de investigação sobre a IFIM são: (i) desenvolvimento e validação de um
modelo de dinâmica populacional para as espécies piscícolas (dynamic fishery population model)
que inclua a resposta a acontecimentos relacionados com o caudal, em particular temperatura e
habitat físico; (ii) a existência de constrangimentos relacionados com a disponibilidade de
habitat; o desenvolvimento de processos para avaliar estratégias de gestão da água para atingir
objectivos relativamente às populações piscícolas; (iii) teste de estratégias para suporte das
populações a longo prazo incluindo as interacções bióticas; (iv) melhoramento das técnicas
analíticas para análise das populações piscícolas (Stalnaker et al., 1995).

67
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

2.5. Outros Métodos

2.5.1. Método Basco ou da biodiversidade e sistema R.E.C.E.

O Método Basco foi desenvolvido pelo Departamento de Ambiente do País Basco, Norte de
Espanha, para os cursos de água desta região, com base em dados obtidos em 240 locais de
amostragem distribuídos por 30 bacias hidrográficas (Docampo e Bikuña, 1995).
Este método define caudal ecológico como o caudal que deve ser mantido em cada secção do
curso de água, de modo a que a alteração dos factores abióticos (diminuição do perímetro
molhado, redução da profundidade e velocidade, alteração da concentração em nutrientes, etc.)
provocada pela diminuição do caudal não conduza à redução da biodiversidade, medida através
da riqueza específica (i.e. número de espécies de peixes e de macroinvertebrados bentónicos)
(Docampo & Bikuña, 1995; Bikuña, 1997).
O caudal ecológico num dado troço do curso de água é calculado com base em duas equações:
a equação hidráulica e a equação biótica, cuja utilização depende do grau de poluição do curso
de água. A equação hidráulica, aplicável a cursos de água poluídos, permite calcular o caudal
hidráulico e considera as características geométricas e hidráulicas do leito, e o regime
hidrológico. A equação biótica, aplicável a cursos de água não poluídos, tem em conta a
biodiversidade e permite calcular dois caudais, com diferentes níveis de exigência, o caudal
óptimo, ou aconselhável, e o caudal mínimo (Docampo & Bikuña, 1995; Anbiotek, 1997).
O caudal hidráulico é o caudal que garante 60 % do valor médio do perímetro molhado
durante o período Verão-Outono, permitindo a manutenção de uma comunidade de
macroinvertebrados bentónicos constituída no mínimo por 15 espécies. Este valor, valor mínimo
potencial da riqueza específica, corresponde ao número mínimo de espécies encontrado nos
locais de amostragem em cursos de água não perturbados, durante o período Verão-Outono de
1988, que correspondeu a ano hidrológico muito seco. O caudal hidráulico é calculado através da
equação de Manning (Docampo & Bikuña, 1995).
Como norma geral, estabeleceu-se que o caudal hidráulico corresponde a 20% do caudal
médio anual (Anbiotek, 1997). O caudal médio é dado pela média geométrica calculada a partir
68
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

de uma série hidrológica. A média geométrica apresenta menor variabilidade temporal que a
média aritmética, pelo que é possível utilizar uma série mais curta (Docampo & Bikuña, 1995;
Anbiotek, 1997).
A equação biótica foi estabelecida com base na teoria biogeográfica das ilhas desenvolvida
por MacArthur e Wilson (1967) e a teoria do contínuo lótico (River Continuum Concept)
desenvolvida por Minshall et al. (1985). Segundo a teoria biogeográfica das ilhas existe uma
relação entre o número total de espécies de uma comunidade e a dimensão da área ocupada por
essa mesma comunidade. Por outro lado, existe uma relação entre o número acumulado de
espécies e a área da bacia de drenagem, denominada por espectro de diversidade, segundo
Margalef (1989 in Docampo & Bikuña, 1995). O espectro de diversidade pode ser de dois tipos:
(i) diagonal, em que a diversidade aumenta constantemente em função do tamanho da amostra,
correspondendo a um ecossistema altamente hierarquizado e organizado; (ii) rectangular, em que
um máximo de diversidade é rapidamente obtido, permanecendo depois constante ou crescendo
lentamente, correspondendo a ecossistemas estruturados de forma homogénea. O espectro de
diversidade é diagonal em cursos de água naturais, enquanto que em cursos de água perturbados
é rectangular (Docampo & Bikuña, 1995).
A equação biótica considera dois critérios (Docampo & Bikuña, 1995):
1. A conservação da fauna aquática numa determinada bacia ou sub-bacia hidrográfica de um
curso de água é possível se a riqueza específica (S) for mantida, o que é conseguido através
da garantia do caudal óptimo.
2. A conservação da fauna aquática num dado troço de um curso de água (e.g. 100 m) é
possível se a riqueza específica local (Si) for mantida, através da manutenção de um caudal
mínimo (Docampo e Bikuña, 1995).
O caudal óptimo ou aconselhável permite conservar a riqueza específica acumulada de
espécies de macroinvertebrados bentónicos e peixes (diversidade beta) em cada área de parcial
de drenagem e durante o Verão (Bikuña, 1997; Anbiotek, 1997), sendo dado pela seguinte
equação (Docampo & Bikuña, 1995):
Qs = {1 – (N/S)}1/z (Qv/Qu)

69
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Qs - caudal óptimo definido como uma percentagem do caudal médio anual


Qv - média geométrica do caudal no período de caudais baixos (Verão-Outono)
Qu - caudal médio anual, dado pela média geométrica, considerando que a média aritmética
apresenta valores elevados de simetria
N - riqueza específica que deve ser mantida na área (N = S - 1)
S - riqueza específica medida pelo número acumulado de espécies, para uma determinada
bacia de drenagem e caudal, dada pela seguinte expressão:

S = k Quz
k, z - Constantes derivadas do ajustamento estatístico, sendo z um coeficiente que
depende da diversidade do habitat
Por outro lado, a redução da riqueza específica numa determinada área (p), em percentagem, é
expressa como uma função da redução da área de drenagem ou do caudal atendendo à relação
entre o caudal e a área da bacia de drenagem (Docampo & Bikuña, 1995).
O caudal óptimo deve ser mantido constante durante todo o ano, só podendo ser diminuído
em troços muito contaminados ou em períodos de seca prolongada. A sua manutenção é
particularmente importante nas seguintes situações: zonas de aquíferos em exploração, a jusante
de grandes barragens, troços que secam no Verão, troços em planícies aluviais e com meandros,
zonas em que a galeria ripícola esteja degradada e durante os períodos de reprodução (Docampo
& Bikuña, 1995).
O caudal mínimo permite manter a riqueza específica pontual da comunidade de
macroinvertebrados bentónicos e peixes (diversidade alfa), em cada estação de amostragem e no
período de Verão, sendo dada pela seguinte expressão (Docampo e Bikuña, 1995):

70
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Qsi= e {h±(lnM-lnN)/w)
0,5
}

Qsi (l/s) - caudal mínimo o qual é divido por Qu para se obter em termos de percentagem do
caudal médio anual, considerando a média geométrica
N - riqueza específica que deve ser mantida na área (N = Si - 1)
M, h, w - parâmetros resultantes do ajustamento da equação:
2
Si = M e -w(ln Qu - h)
Si - número de espécies encontrado no local ou troço amostrado
A proposta de normativa do Governo Basco sugere, no entanto, com base no trabalho
desenvolvido e nos resultados obtidos, um conjunto de valores de caudal ecológico definidos
como uma percentagem do caudal médio anual, Qu, calculado pela média geométrica com base
num registo hidrológico mínimo de 3 anos (Docampo e Bikuña, 1995; Bikuña, 1997):
1. O caudal ecológico óptimo ou aconselhável, Qs, é 46% de Qu, nos cursos de água de 1ª
ordem, 38% nos cursos de água de 2ª e 3ª ordem e 33 % nos cursos de ordem superior;
2. O caudal ecológico mínimo, Qsi, é 46% de Qu nos cursos de água de 1ª ordem, 35% nos
cursos de água de 2ª e 3ª ordem e 30% nos cursos de água de ordem superior.
3. O caudal hidráulico, Q60%, corresponde a 20% de Qu.
O sistema R.E.C.E. (Régimen Estacional de Caudales Ecológicos) foi desenvolvido no
sentido de dar resposta à necessidade de ajustar a determinação dos caudais ecológicos ao
hidrograma natural dos cursos de água, dado que além da necessidade de garantir a conservação
da diversidade ecológica ao nível da comunidade, se verificou ser também necessário estabelecer
um regime de caudal ecológico relacionado com o regime natural do curso de água, já que a
manutenção de um caudal constante ao longo do ano implicaria, também, alterações da
composição específica, não só ao nível da comunidade aquática, mas também ao nível da
vegetação ripícola. Com o modelo R.E.C.E. pretendeu-se também definir caudais de perturbação,
quer caudais de cheia, quer condições de marcada estiagem.
O sistema R.E.C.E. tem três componentes: hidrológica, hidráulica e limnológica,
considerando os seguintes caudais: caudal de mudança (caudal de cambio), caudal ecológico
sazonal, caudal ecológico mínimo, caudal mínimo de manutenção e caudal hidráulico, definidos

71
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

para diferentes períodos (semanas, meses, estações do ano, etc.).


O período mínimo para o qual é definido os caudal ecológico é calculado com base na análise
de uma série de anos hidrológicos, registados ou simulados, de pelo menos 10 anos (embora os
autores considerem que com 5 anos se obtenham resultados aceitáveis). Procede-se a uma análise
da série hidrológica recorrendo à análise autoregressiva integrada da média móvel são
identificados ciclos e outras regularidades da série cronológica de caudais (Anbiotek, 1996).
O caudal de mudança é calculado para cada período considerado (mês, estação do ano, etc.) e
corresponde à abcissa do primeiro ponto de inflexão da curva da função densidade de
probabilidade da série de caudal registado ou simulado para o período considerado. O ponto de
inflexão marca uma descontinuidade entre os valores baixos e os valores altos da série e é
calculado igualando a zero a 2ª derivada da equação da curva. O caudal de mudança é o caudal
ecológico a considerar nesse período, e é igual ao caudal ecológico sazonal, se forem cumpridos
critérios bióticos e abióticos definidos em função da qualidade ambiental dos troços do curso de
água (Anbiotek, 1996; Bikuña, 1997):
A) Troços contaminados
i) O caudal de mudança deve gerar um perímetro molhado que permita garantir
condições de habitat adequadas para um número mínimo de 15 a 18 espécies de
macroinvertebrados bentónicos, aplicando a equação:
S = 15,13 x 1,189 ln(nxP)
S – Riqueza taxonómica
n – grau do polinómio que relaciona a largura molhada com a profundidade
P – perímetro molhado
ii) O caudal de mudança deve gerar uma velocidade de corrente inferior a 60 m3/s
B) Troços em condições naturais, não contaminados
B.1 – Em troços em que ocorrem macroinvertebrados bentónicos e peixes e em que os
batráquios estão limitados a Rana perezi e a Alytes obstetricans, o caudal de
mudança deve cumprir os seguintes critérios:
i) perímetro molhado deve permitir manter a riqueza taxonómica mínima de 23
espécies de macroinvertebrados bentónicos, aplicando-se a equação. Se o

72
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

número de espécies for superior a 27, então o caudal de mudança é considerado


óptimo;
ii) a velocidade deve ser inferior a 60 m3/s;
iii) tendo como base o índice de sensibilidade hidráulica, o caudal de mudança deve
gerar uma profundidade mínima de 25 cm, se houver tendência para a formação
de zonas de águas paradas, ou de 20 cm, caso contrário. Se o caudal de mudança
gerar profundidades iguais ou superiores a 35 cm, ou 30 cm no segundo caso,
então são considerados muito adequados para a conservação da ictiofauna, em
particular das espécies de maior dimensão, como truta, barbo, etc. Em troços
regularizados a profundidade mínima é 15 cm.
B.2. – Em troços do curso de água em que habitam espécies de batráquios com
estatuto de conservação elevado ou que possuem um grau de sensibilidade elevado
a parâmetros tais como a temperatura e velocidade, o caudal de mudança deve
cumprir ainda os seguintes critérios:
B.2.1. Troços do curso de água em que habitam espécies tais como Rana
temporaria, Rana dalmantina, Rana iberica, Bufo bufo, Salamandra fastuosa e
Natrix maura):
i) a temperatura não deve ultrapassar os 20 ºC;
ii) durante os meses de Abril e Maio a velocidade deve ser inferior a 40
cm/s, mantendo-se nos restantes meses, a velocidade de 60 cm/s;
B.2.2. Troços do curso de água em que habitam espécies tais como Triturus
helveticus, Triturus alpestris cyreni, Triturus marmoratus, e Euproctus asper):
i) a temperatura não deve ultrapassar os 20 ºC;
ii) durante os meses de Fevereiro, Março e Abril a velocidade deve ser
inferior a 30 cm/s, mantendo-se nos restantes meses, a velocidade de 60
cm/s.
Nas situações em que o caudal de mudança, inicialmente calculado, não cumpre estes
critérios, deve proceder-se, recorrendo a um modelo hidráulico, ao reajuste do seu valor, de
modo cumprir as condições acima referidas. Esse valor é adoptado como valor do caudal
ecológico durante esse período.
O caudal ecológico sazonal é o módulo do período hidrológico seleccionado (mês, estação do

73
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

ano, etc.), constitui o caudal mais exigente dos cinco tipos de caudal determinados pelo sistema
RECE e deve ser mantido nas seguinte situações:
- troços de cursos de água, rios ou bacias hidrográficas não regularizados ou contaminados;
- troços de cursos de água não contaminados, mas onde tenham sido, ou venham a ser,
instalados aproveitamentos hidroeléctricos;
- troços de cursos de água não contaminados onde esteja prevista a instalação de barragens
com altura superior a 10 m;
- troços de cursos de água, rios ou bacias hidrográficas, com ou sem aproveitamentos
hidráulicos, incluídos em áreas protegidas ou em áreas que constam do Anexo 1 da
Directiva Habitats da Comunidade Europeia.

2.5.2 Método Holístico

Este método assume que a integridade ecológica do ecossistema fluvial é determinada, entre
outros factores, pelo regime hidrológico natural, devendo a funcionalidade original do
ecossistema ser mantida tanto quanto possível (Arthington et al., 1992). A integridade do
ecossistema integra conceitos tais como diversidade genética e biológica, processos ecológicos
como reprodução, recrutamento e dispersão do biota, dinâmica de nutrientes, capacidade de
respostas adaptativas a alterações, entre outros (Arthington et al., 1994 in Pusey & Arthington,
1996; Arthington, 1994). Todas as necessidades do ecossistema devem ser consideradas,
incluindo a manutenção do leito, zona ripária, leito de cheia, águas subterrâneas, zonas húmidas
e estuário (Arthington et al., 1992; Arthington & Pusey, 1994), e espécies com estatuto de
conservação elevado (Arthington, 1994).
Este método considera os seguintes pressupostos (Arthington et al., 1992; Arthington, 1994):
i. A água pertence ao ambiente e os utilizadores devem acomodar-se, sempre que possível,
ao excesso de produção deste recurso.
ii. Existe mais água no sistema do que aquela que é estritamente necessária para a
manutenção do ecossistema fluvial.

74
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

iii. Se as principais características do regime hidrológico forem identificadas e incluídas no


regime hidrológico modificado, mantendo-se iguais os outros factores, então o biota e a
integridade funcional do ecossistema serão mantidas.
O objectivo deste método é a definição de um regime hidrológico modificado que considere
as principais características do regime hidrológico natural, nomeadamente os padrões sazonais
de caudal, a variabilidade e a predictabilidade diária, sazonal e interanual do caudal, os caudais
baixos, os caudais de cheia de diferente magnitude, duração e período de recorrência, os caudais
de limpeza, a permanência ou não do caudal e os períodos de caudais nulos (Arthington et al.,
1992).
A identificação das principais características do regime hidrológico natural, tem como base a
análise de uma série de registos históricos de valores de caudal diários, em regime natural, o
mais longa possível. Se esta informação não estiver disponível será necessário recorrer à
simulação de caudais diários ou a aproximações com base no conhecimento dos padrões
regionais de distribuição dos caudais e da precipitação.
As características do regime hidrológico natural utilizadas na definição do regime hidrológico
modificado são os caudais baixos e os caudais de cheia: a primeira grande cheia, as cheias de
magnitude média e as grandes cheias. A cada uma destas características corresponde a
recomendação de um caudal. Estas são feitas numa base mensal, ou no mínimo sazonal, e
deverão incorporar critérios para a definição das características dos caudais diários, tais como a
sua variabilidade mensal e anual. O conjunto de todas as recomendações constituirá o regime
hidrológico modificado (Arthington et al., 1992, Arthington & Pusey, 1993).
Determinam-se, assim, os seguintes caudais (Arthington et al., 1992):
Caudais baixos – No sentido de manter as características fundamentais do ecossistema lótico
e a sazonalidade do ecossistema, é definido um caudal base identificado numa base
mensal. Este caudal constitui o caudal mais baixo que ocorre mais frequentemente, sendo o
significado estatístico de frequente definido para cada curso de água. Este caudal pode
também ser definido como o caudal a que corresponde uma determinada probabilidade de
excedência. A sazonalidade e a variabilidade inter-anual dos caudais baixos poderá ser
mantida assegurando no rio um caudal inferior ou igual ao valor definido para o caudal
baixo, i.e. durante a estação seca o caudal que entra na albufeira deverá ser o caudal que é

75
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

descarregado, quando o caudal em regime natural é inferior ao caudal especificado. Para


cursos de água que secam naturalmente durante um certo período do ano, não deverá ser
mantido nenhum caudal durante esse período, considerando que não deve ser fornecido ao
ecossistema mais do que aquela que ele receberia estando o rio em regime natural. A
importância da variabilidade sazonal dos caudais baixos faz-se sentir na manutenção dos
processos sazonais de circulação de nutrientes, dinâmica das comunidades, deslocação dos
animais e reprodução, sobrevivência da vegetação rípicola, controlo de pragas.
Caudais de cheia – O regime de caudais modificado deverá manter os padrões naturais de
sazonalidade, no sentido de proteger a integridade do ecossistema ribeirinho. Nesse sentido
são identificados três conjuntos de caudais:
Primeira grande cheia da estação húmida: constitui uma cheia ecologicamente muito
importante, dado que fornece matéria orgânica dissolvida e particulada, assim como
nutrientes ao curso de água, remove resíduos vegetais acumulados, algas,
sedimentos finos e macrófitos, permite a recirculação da água dos pegos, promove
os movimentos migratórios ou determinadas fases do ciclo de vida das espécies
reófilas, podendo também desempenhar um papel fundamental na manutenção da
estrutura do leito, inundação das planícies aluviais e constituir um importante
caudal de água doce para o estuário. Arthington et al. (1992) colocam algumas
questões, nomeadamente se o efeito da 1ª cheia é igual ao da segunda ou da terceira,
se as necessidades do ecossistema poderão ser satisfeitas apenas com metade do
volume da 1ª cheia e se é importante manter esta cheia todos os anos.
Cheias médias: a frequência, magnitude, tempo e duração das cheias de média
dimensão dependerá da hidrologia e das características hidráulicas do sistema e
deverão ser determinadas para cada curso de água. Estas cheias desempenham um
papel adicional relativamente à primeira grande cheia da estação húmida, ao nível
da manutenção da diversidade de habitats, melhoramento da qualidade da água,
manutenção da zona ripária, controle de vegetação exótica, inundação das margens,
planícies aluviais e zonas húmidas. As primeiras estimativas podem ser feitas
através da análise dos registos hidrológicos e da opinião pericial, mas é essencial
saber a reacção do biota a alterações do caudal, nomeadamente a identificação de
pontos críticos. Estes caudais podem incluir aqueles que são capazes de mobilizar o
substrato, ou criar habitats específicos de peixes e macroinvertebrados, zonas de
desova, estimular a recolonização por macroinvertebrados.
Cheias muito grandes: correspondem às cheias muito grandes que excedem a
capacidade de regularização das barragens. Estas cheias permitem manter os limites
e a forma do canal. Contudo, poderão provocar danos estruturais no leito, na
76
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

vegetação ripária e na planície aluvial, se as cheias de média dimensão tiverem sido


eliminadas.
O regime hidrológico proposto é definido pelo conjunto dos vários caudais baixos definidos
ao longo do ano, pelo menos numa base mensal ou sazonal, e pelos caudais de cheia, a que se
podem juntar outros caudais para cumprimento de outros objectivos ecológicos adicionais. São
também definidos os valores máximos e mínimos dos caudais mensais e o respectivo grau de
variabilidade, o período de ocorrência e a duração das cheias e dos caudais de limpeza e de
manutenção do leito (Arthington et al., 1992; Arthington, 1994).
Este método, face às lacunas de conhecimento sobre os ecossistemas australianos, considera
que após uma primeira definição do regime de caudal ecológico modificado há que proceder à
aferição destes valores através da implementação de programas de monitorização e da realização
de estudos específicos para colmatar as lacunas mais importantes (Arthington et al., 1992;
Arthington, 1994).

2.5.3. Metodologia dos Blocos (Building Block Methodology)

Esta metodologia foi desenvolvida para os cursos de água da África do Sul, pelo Department
of Water Affairs and Forestry, no sentido de identificar um conjunto de caudais que permitissem
a conservação dos ecossistemas fluviais na sua globalidade. De 1991 a 1998 foi aplicada em 14
projectos. O desenvolvimento inicial desta metodologia foi feito em paralelo com técnicos
australianos, pelo que tem semelhanças com a abordagem holística, desenvolvida para os cursos
de água da Austrália (King & Louw, 1998).
A Building Block Methodology baseia-se nos seguintes pressupostos (King & Tharme, 1996;
King & Louw, 1998):
i. O biota de um curso de água está adaptado às características do seu regime hidrológico. A
manutenção de caudais não característicos desse curso de água constituirá uma perturbação
do ecossistema que poderá alterar o seu carácter;

77
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

ii. A identificação das principais características do regime hidrológico natural e a sua


incorporação no regime hidrológico modificado contribuirá para a manutenção do
ecossistema;
iii. A identificação dos caudais que influenciam a geomorfologia do leito e a sua inclusão no
regime de caudais modificados contribuirá para a manutenção da estrutura do canal e da
diversidade dos biótopos físicos.
Entre os aspectos mais importantes do regime hidrológico a manter no novo regime
hidrológico, refira-se a mimetização do regime hidrológico natural, mantendo-se a ocorrência do
caudais mais elevados durante o período húmido e a ocorrência de caudais baixos ou nulos
durante o período seco, o carácter perene ou não do curso de água, a manutenção de uma das
primeiras cheias, embora de um modo geral o período de duração das cheias possa ser
diminuído, assim como a sua magnitude. O objectivo é determinar um regime de caudais
modificado, constituído por valores mínimos e específicos de cada curso de água, caracterização
em termos da sua época de ocorrência, frequência, duração e magnitude que permitirá a
conservação dos ecossistemas aquáticos e ripícolas a ele associados. Esta informação é desde
logo utilizada na fase de planeamento do projecto em análise, procedendo-se posteriormente à
elaboração de um programa de monitorização, a fim de aferir a proposta inicial (King & Louw,
1998).
A definição do regime hidrológico modificado tem lugar durante um workshop, envolvendo a
aplicação da Building Block Methodology três fases: a preparação do workshop, a sua realização
e inclusão das conclusões na fase de planeamento e construção do projecto (King & Tharme,
1996; King & Louw, 1998).
A fase de preparação do workshop, com uma duração média de 6 meses, consta de uma série
de actividades definidas para recolher e preparar toda a informação relevante relativa ao curso de
água e que será disponibilizada aos participantes no workshop. Nesta fase pretende-se também
planear e realizar a recolha de alguns dados de campo, caso se tenha concluído da sua
necessidade (King & Tharme, 1996; King & Louw, 1998). Os tópicos abordados nesta fase são
os seguintes (King & Louw, 1998):
• identificação da área de estudo;

78
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

• caracterização do estado actual do rio;


• determinação da importância económica, social e ecológica da área de estudo a nível local,
regional, nacional e internacional;
• relação das populações locais com o rio;
• caracterização geomorfológica do curso de água;
• caracterização da qualidade da água;
• caracterização da fauna (principalmente da ictiofauna, macroinvertebrados bentónicos) e
da vegetação rípicola no sentido de conhecer a distribuição das várias espécies e
determinar a zonação longitudinal do curso de água, e levantamento da informação
disponível relacionada com ciclos de vida, habitat das espécies, etc.;
• selecção dos troços do curso de água e dos locais para os quais se procederá à identificação
dos caudais a incorporar no regime hidrológico modificado e para os quais se poderá
proceder à recolha de informação adicional. Nestes locais serão definidas uma a cinco
secções transversais, abrangendo os principais biótopos físicos e sua caracterização em
termos de substrato, macrófitos e vegetação ripícola;
• caracterização do regime hidrológico natural;
• para cada local seleccionado e para cada secção transversal deve-se proceder à análise das
relações entre as características hidráulicas da secção, a morfologia do leito e as
características do biótopos;
• no caso de cursos de água efémeros ou de leito arenoso deve-se proceder à caracterização
das águas subterrâneas, incluindo a importância dos pegos residuais para a fauna e para a
vegetação ripícola;
• definição do estado do rio que se considera desejável no futuro.
Cada workshop, com uma duração de dois a quatro dias, envolve em média cerca de 20
pessoas e inclui especialistas de diversas áreas: gestão de recursos hídricos, hidrologia,
modelação, ecologia, etc.. O workshop é constituído por quatro sessões principais: visita a cada
local seleccionado, troca de informação, identificação e caracterização dos caudais para cada
local seleccionado e síntese final (King & Louw, 1998).
A identificação e descrição dos caudais é feita local a local. Após uma discussão geral sobre o
tipo de regime hidrológico que permitirá a manutenção do ecossistema no estado considerado

79
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

desejável, os caudais necessários são identificados mês a mês, começando pelos caudais mais
baixos – 1º bloco. Cada especialista propõe o caudal baixo que considera necessário para que
sejam mantidas determinadas condições de habitat e/ou outras condições, como sejam a
profundidade necessária para inundar um rápido, condições de velocidade e profundidade para as
espécies piscícolas. O especialista em hidráulica, que não participa no processo de identificação
dos caudais, o que também sucede com o hidrologista, avalia as implicações dos caudais
descritos em termos de profundidade, perímetro molhado, velocidade e área inundada, utilizando
as secções transversais inicialmente estabelecidas. Os caudais propostos são também analisados
tendo em conta o regime hidrológico natural do curso de água.
Em seguida procede-se à identificação e caracterização dos caudais mais elevados. Os caudais
para a manutenção das características do habitat e geomorfológicas do canal, assim como os
caudais de limpeza, constituem o 2º bloco, enquanto que os caudais associados à migração e
reprodução das espécies piscícolas constituem o 3º bloco (King & Tharme, 1996; King & Louw,
1998).
Num quadro são colocados os vários caudais (linhas) e meses (colunas), caracterizados em
termos de magnitude, período de ocorrência, frequência e duração, estabelecendo também
limites superiores para o caso dos caudais baixos (King & Tharme, 1996; King & Louw, 1998).
No caso dos caudais de cheia é também identificado o período de retorno e Arthington (1998)
sugere ainda a forma do hidrograma. Cada caudal é expresso em termos de volume e de
percentagem da curva de duração de caudais, do escoamento médio mensal e anual. São também
feitas recomendações para anos secos, dada a sua importância ecológica (King & Tharme, 1996;
King & Louw, 1998). Arthington (1998) considera importante incluir a variação interanual do
regime hidrológico no regime hidrológico modificado, sugerindo também recomendações para
anos húmidos e muito húmidos.
Na última etapa procede-se à comparação dos regimes hidrológicos propostos para cada local,
a fim de identificar possíveis erros, e à identificação de futuros trabalhos a serem realizados, no
sentido de colmatar as lacunas de informação detectadas durante o workshop.
A terceira fase tem lugar depois da realização do workshop e nela se procede à elaboração de
cenários, em que são considerados dois ou mais estados futuros desejáveis para o curso de água.
80
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

Com base nesses cenários, procede-se à avaliação de possíveis conflitos de usos e das
consequências sócio-económicas do regime modificado de caudais proposto, num processo que
conta com a participação do público. As conclusões relativas ao regime hidrológico são incluídas
na fase de estudo de viabilidade e concepção do projecto, procedendo-se paralelamente à
realização de um programa de monitorização, que permitir colmatar algumas das lacunas de
informação detectadas durante a aplicação do método e a aferição da proposta inicial.
Esta metodologia permite uma avaliação rápida do regime de caudal ecológico adequado para
um determinado curso de água, regularizado ou não, possível de incluir desde o início no
planeamento e concepção de um determinado projecto. A sua aplicação requer um período de
tempo de cerca de quatro a seis meses, constituindo um método transparente e de fácil
compreensão pelo público em geral.
Apresenta, contudo, alguns pontos fracos, nomeadamente a descrição do estado futuro
considerado desejável, é predominantemente qualitativa e não quantitativa, considerando que o
ecossistema fluvial manterá no horizonte do projecto as características que possui actualmente,
os resultados obtidos estão fortemente relacionados com a informação disponível, os aspectos de
qualidade da água não são devidamente considerados nesta metodologia e os locais
seleccionados devem estar em condições prístinas, o que por vezes é muito difícil (King &
Tharme, 1996; King & Louw, 1998).
Os resultados desta metodologia poderão ser melhorados mediante a modelação hidráulica
dos biótopos, a definição das relações entre o habitat e o caudal, o recurso a métodos
estruturados para avaliar os caudais de limpeza e manutenção do leito do curso e de manutenção
da vegetação ripícola (King & Louw, 1998).
King & Louw (1998) e Tharme (1998 in King & Louw, 1998) referem a IFIM como uma
sendo uma metodologia válida relativamente a alguns aspectos da Building Block, como sejam a
modelação hidráulica dos biótopos, a definição das relações entre o habitat e o caudal, os
requisitos em termos de habitat de espécies com elevado estatuto de protecção, ou ainda os
aspectos de temperatura e qualidade da água.
Futuramente, há que definir com clareza o estado futuro considerado desejável para o curso

81
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

de água, nomeadamente, através da definição de objectivos e critérios ou através do


desenvolvimento de um processo que leve à definição de objectivos hierarquizados por consenso
para servir de base à gestão do curso de água. Outros aspectos a desenvolver são a natureza e
função dos caudais para a manutenção da geomorfologia do leito em regiões semi-áridas, a
importância das águas subterrâneas em cursos de água temporários ou efémeros e em cursos de
água de leito aluvial (King & Tharme, 1996; King & Louw, 1998; Arthington, 1998).

2.6. Métodos de determinação do caudal de limpeza e do caudal de


manutenção das características do leito

Reiser et al. (1987, 1989a,c) referem três classes principais de métodos para a determinação
do caudal de limpeza e do caudal de manutenção das características do leito:
i) métodos hidrológicos, em que o valor do caudal é calculado com base em registos de
caudais, sendo definido como uma percentagem do caudal médio anual (de que constituem
exemplos o Método de Tennant, o Método de Hope e o Método do Northern Great Plains
Resource Program), como um caudal de cheia com um determinado intervalo de retorno
(por exemplo 2 anos) ou como um caudal que é excedido, por exemplo, 5% do tempo;
ii) métodos baseados na morfologia do leito, em que é identificado um parâmetro de forma,
como, por exemplo, a profundidade do leito;
iii) métodos baseados em equações de transporte sólido, correspondendo o caudal de limpeza
ou o caudal de manutenção das características do leito, ao caudal que é necessário para
remover os sedimentos de uma dada granulometria. A equação de Shields é a equação mais
utilizada para o cálculo deste caudal.
Reiser et al. (1987, 1989 a,c) consideram para a determinação do caudal de limpeza e do
caudal de manutenção das características do leito os seguintes factores: a topografia, a geologia,
a localização de fontes de sedimentos (a montante e a jusante do projecto), as características da
ocupação e o grau de erosão do solo na bacia hidrográfica correspondente ao trecho do curso de
água abrangido pelo aproveitamento, a sensibilidade do biota à deposição de material fino no
leito ou à alteração na configuração e largura do leito, as características do regime hidrológico
do curso de água, a magnitude dos caudais de cheia, e o modo de operação do aproveitamento

82
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

hidráulico.
É, igualmente, importante saber durante quanto tempo e em que época do ano se deverá
verificar a descarga, para o que se deverá tomar em consideração as espécies presentes e a sua
biologia, assim como as características do regime hidrológico do curso de água e as
características do projecto do aproveitamento hidráulico. Do ponto de vista biológico, os caudais
de limpeza e os caudais de manutenção das características do leito deverão ser descarregados
preferencialmente durante a época de ocorrência natural das cheias. Outro importante factor a
tomar em consideração é a qualidade da água do caudal descarregado, em particular o teor em
oxigénio (Reiser et al., 1987; Gordon et al., 1992),
Reiser et al. (1987b,c) consideram que não há métodos padrão para a determinação da
magnitude dos caudais de limpeza e manutenção das características do leito, recomendando que
os caudais obtidos sejam confirmados com observação de campo e, se possível, com programas
de monitorização, para a caracterização quer da composição do caudal sólido, quer da
composição do substrato do leito do curso de água.

83
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

3. METODOLOGIAS PROPOSTAS

3.1. Considerações sobre os ecossistemas lóticos mediterrânicos

No Sul de Portugal, de clima Mediterrânico seco, com verões quentes, insolação elevada e
uma alta evapotranspiração (na ordem dos 900 mm), 80% do caudal anual concentra-se entre
Novembro e Abril, verificando-se durante o período de estiagem um caudal muito baixo ou nulo.
Esta alternância de condições tem fortes implicações nos organismos.
A construção de barragens e a derivação de caudais afectam significativamente o regime
hidrológico natural dos cursos. O caudal médio anual diminui, assim como a amplitude da
variação sazonal do caudal. O período de ocorrência de caudais extremos e a grandeza das cheias
são alterados. O início do período de estiagem é antecipado para o início da primavera e a
duração prolonga-se, podendo atingir cerca de 8 meses.
Com a redução do meio hídrico durante o período seco, os peixes recuam para zonas mais
profundas com superior valor de abrigo e probabilidade de persistência. Muitos são predados
quando o confinamento extremo os coloca numa situação de enorme vulnerabilidade ou morrem
quando os pegos em que se encontravam acabam por secar.
Obviamente que só nos troços em que se mantem água até ao final da estiagem é possível a
sobrevivência do biota aquático. E mesmo assim mortalidades elevadas ocorrerão devido ao
abaixamento da qualidade da água e à elevação da vulnerabilidade à predação. Os organismos
que sobreviverem à estiagem irão constituir os pools biológicos a partir dos quais se realizará a
recolonização no Outono-Inverno quando o curso voltar a correr. Se em parte da rede hídrica, e
particularmente nos cursos de ordem 1, não subsistir qualquer pego, a recolonização processar-
se-á com base nos pools que se mantiveram nos cursos de ordem 2 ou 3. Quanto mais distantes
estiverem as fontes de dispersão, mais difícil e morosa será, teoricamente, a recolonização.
A recolonização da rede hídrica pode articular-se com os processos migratórios, associados à
reprodução, desenvolvidos por algumas espécies.
Temos, portanto, no período seco, uma fase de extinção devida, essencialmente, ao stress

84
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

ambiental e à predação a que ficam sujeitos os organismos, seguida de uma fase de


recolonização/imigração.
Nesta perspectiva, a ecologia destes sistemas temporários pode ser interpretada nos termos da
Teoria Biogeográfica das Ilhas (MacArthur & Wilson, 1967). Numa ilha (ecológica, i.e., num
isolado) a comunidade é o resultado de dois processos opostos: imigração, que eleva o número
de indivíduos/espécies, e extinção, que baixa esse número. A descontinuidade, sob o ponto de
vista hídrico, do curso em período seco confere-lhe o carácter de “ilha”, de isolado geográfico -
uma sucessão de pegos separados por uma maior ou menor distância de leito seco - e o
restabelecimento do contínuo lótico proporciona o meio que viabiliza o processo de dispersão.
A persistência dos agrupamentos faunísticos é função da dimensão dos corpos de água (e
necessariamente de características associadas - complexidade espacial, recursos tróficos). Por
outro lado, a eficácia da imigração/colonização post-estival é função da distância dos focos de
dispersão, não tanto numa perspectiva métrica linear mas mais numa funcional, em que se
caracterize a acessibilidade.
Enquanto que, na generalidade das situações, estes dois processos (extinção, imigração) se
dão de forma mais ou menos contínua, nestes sistemas hídricos desenvolvem-se, essencialmente,
em pulsos sazonais.
A riqueza/complexidade faunística e, designadamente, ictiofaunística depende, nesta
perspectiva, essencialmente de: (i) disponibilidade de água durante o período seco; (ii) distância
entre pegos; (iii) obstáculos a transpor; (iv) caudal no outono/inverno.
É, pois, de salientar a extrema importância de se manterem pegos viáveis e pools bióticos
associados e à importância das variações interanuais do regime hidrológico. A persistência de
pegos durante o período seco associa-se ao abaixamento da extinção e ao aumento da eficácia da
recolonização posterior.

3.2. Considerações sobre a aplicabilidade dos métodos à Bacia do Sado

85
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

A definição do caudal ecológico deve ser antecedida da definição de objectivos claros


relativos ao grau de protecção dos recursos e dos critérios que permitam a sua verificação
(Beecher, 1990 in Jowett, 1997).
Não se pode afirmar que uns métodos são mais correctos que outros. Contudo alguns podem
estar melhor adaptados a uma determinada situação do que outros. Quando se pretende
seleccionar um método é essencial compreender os pressupostos ecológicos e as implicações
morfológicas a eles associados (Jowett, 1997).
A generalidade dos métodos desenvolvidos para a determinação do caudal ecológico foram
estabelecidos para cursos salmonícolas, perenes, da América do Norte. A aplicabilidade destes
métodos aos cursos de água mediterrânicos é questionável devido às particularidades destes
ecossistemas e dos respectivos biota.
As metodologias para determinação dos caudais ecológicos nos cursos na Bacia do Sado
devem considerar os seguintes aspectos:
- elevada variabilidade do regime hidrológico e grande heterogeneidade geomorfológica que
não permitem uma caracterização expedita e eficaz do curso com base em alguns
transectos;
- imprevisibilidade de ocorrência de cheias e de períodos de seca;
- implicações das cheias na manutenção da morfologia do canal e no mosaico de habitats;
- inexistência de espécies economicamente/desportivamente importantes que possam
constituir espécies-alvo como critério para a determinação dos caudais ecológicos, mas
muitas são endemismos ibéricos com um elevado valor de conservação;
- vegetação ripária constitui, em muitos sectores, o principal valor em termos de
conservação e também paisagístico, podendo, por isso, ser considerada um grupo-alvo;
- conhecimento ainda deficiente do funcionamento destes sistemas, e da relação entre as
variáveis hidrológicas e a estrutura dos agrupamentos bióticos.

3.3. Proposta

A metodologia proposta, baseada em Alves et al, (in prep) e Bernardo et al. (in prep.), tem

86
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

um carácter misto, já que recorre a vários tipos de métodos de natureza distinta. O grupo alvo é a
ictiofauna e, designadamente, as espécies mais sensíveis e/ou as de reprodução associada à
corrente, por constituir uma variável do sistema com elevado grau de dependência do caudal.
Incluindo espécies com exigências diferenciadas ao longo do ciclo de vida e sujeitas a contextos
ambientais, potencialmente, limitantes ao longo do ano, a ictiofauna apresenta um elevado valor
indicador relativamente às alterações do ecossistema. A metodologia assenta em dois aspectos:
1. Mimetização do regime hidrológico natural, nomeadamente, da sua variabilidade.
2. Constrangimentos ambientais associados à disponibilidade hídrica a que está sujeita a
ictiofauna:
A) necessidade de condições de continuidade hídrica que possibilitem os aspectos de
recolonização/migração outono-invernal.
B) necessidade de condições de corrente e turbulência no Inverno para os processos de
maturação sexual e postura, designadamente das espécies piscícolas reófilas;
C) persistência e condições ambientais dos pegos estivais que determinam as taxas de
sobrevivência dos organismos aquáticos.

A) Período de recolonização/migração outono-invernal (Outubro-Março).


Pretende-se assegurar a continuidade lótica mantendo uma altura de água que viabilize a
deslocação dos peixes ao longo da rede hídrica. Sugere-se a utilização de um método baseado
nas características hidráulicas do curso de água, como seja o Método do Perímetro Molhado.

B) Necessidade de condições para os processos de maturação sexual e postura (Dezembro-


Abril).
São sugeridas duas abordagens, uma baseada em opinião pericial identificando as condições
favoráveis mínimas em troços representativos, medindo, ou calculando, o caudal associado, ou
definindo o caudal com base na disponibilidade de habitats reprodutivos com recurso à aplicação
do PHABSIM. Para esta última opção encontra-se em fase final a elaboração de critérios de
preferência de habitat reprodutivo, para algumas espécies autóctones (Bernardo et al., in prep.).

87
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

C) Persistência e manutenção das “condições favoráveis” dos pegos (Março-Setembro).


Para a análise destes factores considera-se que o período estival global se subdivide em dois
períodos distintos: o primeiro, de pré-estiagem, em Março-Abril, e um segundo, correspondendo
à estiagem, de Maio a Setembro. A persistência e manutenção das “condições favoráveis” dos
pegos depende do caudal nos meses que antecedem o Estio, mas também de factores não
controláveis (como a contribuição das águas subterrâneas para o rio). Durante a estiagem a
contribuição do caudal superficial para o volume de água dos pegos é pouco, ou mesmo nada,
representativa, dependendo da ordem do curso de água. A permanência dos corpos de água
depende fortemente das perdas por evaporação e infiltração, e da eventual contribuição das
águas subterrâneas (Alves et al., in prep.). Assim, importa descarregar caudais, em Março e
Abril, de modo a garantir as melhores condições possíveis no início da estiagem, sugerindo-se a
aplicação do Método de Tennant modificado, considerando o critério entre excelente e muito
bom (European Commission, 1996). Nos restantes meses, tendo em consideração o Método do
Caudal Básico, considera-se a mediana dos meses de menor caudal, de Julho a Setembro (Alves
& Bernardo, 1998).
O regime de caudais ecológicos é definido mensalmente tendo como base o ano médio. Em
ano secos, o volume reservado para o caudal ecológico é, em termos percentuais, equivalente ao
volume reservado para o mesmo fim em ano médio. A repartição deste volume ao longo do ano é
a mesma que se verifica em ano médio, sendo obtida calculando os coeficientes de repartição dos
caudais médios mensais, dados pela razão entre o caudal médio mensal e o escoamento médio
mensal.
O INAG deverá comunicar aos responsáveis pela gestão das barragens se se está em presença
de um ano hidrológico seco ou não.
Após a entrada em funcionamento do aproveitamento hidráulico considera-se fundamental
proceder à monitorização para aferição do regime de caudais proposto.

3.4. Outras metodologias aplicáveis

88
PBH do Rio Sado
Anexo 9: Conservação da Natureza - Parte 2: Caudais Ecológicos (Rev. [nº00] – data [26-02-99])

A proposta metodológica atrás exposta apresenta, no plano conceptual, semelhanças com as


metodologias holística e de Building Blocks, também elas desenvolvidas para cursos de zonas
temperadas quentes e semi-áridas. Estas duas metodologias são, igualmente, consideradas como
alternativas viáveis para aplicação na rede hidrográfica do rio Sado.
Na metodologia proposta procurou-se identificar claramente os principais condicionantes
ambientais a que está sujeito um agrupamento biótico ambientalmente exigente, a icitofauna, e
na medida do possível, conferir-lhe um carácter mais objectivo do que o das duas metodologias
atrás mencionadas.
Numa perspectiva de regionalização e afim de simplificar a determinação do caudal
ecológico, poder–se–á proceder, numa segunda fase, à aplicação do Método de Texas, com base
em determinações do caudal ecológico na bacia do Sado, com recurso às metodologias referidas
e procedendo-se ao desenvolvimento das equações de regressão de âmbito regional. A aplicação
destas equações permitiria calcular de forma expedita o caudal ecológico para a generalidade dos
aproveitamentos hidroagrícolas particulares, procedendo-se para os restantes aproveitamentos de
maiores dimensões às aplicações das metodologias agora propostas.

89

Você também pode gostar