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ESTRATÉGIAS UTILIZADAS POR SUJEITOS QUE GAGUEJAM PARA

CONTER A MANIFESTAÇÃO DO DISTÚRBIO

Yasmin Santos Andrade


(Universidade Católica de Pernambuco)

RESUMO: A gagueira é um dos distúrbios da linguagem mais estudados pelos pesquisadores da


fonoaudiologia, das ciências da linguagem, da neurologia e da psicologia. Um dos aspectos mais
analisados acerca do distúrbio é a utilização de estratégias para atenuação da manifestação dele. Nesse
sentido, esse artigo tem como objetivo avaliar a validade das estratégias utilizadas por sujeitos com
gagueira de dois vídeos do Youtube, a fim de, a partir da análise desses dois casos, apontar até que
ponto a utilização dessas técnicas é proveitosa para o sujeito com gagueira ou são apenas o reflexo de
traumas infantis, adquiridos durante a aquisição da linguagem oral. Como objetivos específicos, foram
apresentadas duas questões: a influência que figuras parentais têm sobre a criança durante seu período
de aquisição da linguagem e a incoerente classificação da gagueira como uma disfluência. A pesquisa
é qualitativa e de cunho transversal. As transcrições foram feitas a partir de um sistema desenvolvido
especificamente para esse estudo. Os resultados permitiram que se chegasse à conclusão de que as
estratégias, em si, não são prejudiciais para os sujeitos que gaguejam, mas que o processo que os leva
a desenvolverem elas indicam o caráter proveitoso ou problemático da utilização dessas técnicas.

Palavras-Chave: gagueira; estratégias; disfluência; fluência; aquisição de linguagem.

INTRODUÇÃO

A gagueira é um distúrbio de linguagem que pode se manifestar na fala por meio de


bloqueios, prolongamentos, repetições de sílabas ou de palavras. Muitos pesquisadores se
dispuseram a buscar qual seria a causa desse distúrbio e segundo Friedman (2004), suas
construções teóricas podem ser divididas em três grupos: orgânicas, psicológicas e sociais.
Apesar das contribuições desses estudiosos para as áreas da neurociência, da psicoterapia e da
biologia, julgo reducionista adotar uma destas vertentes isoladamente, pois elas analisam a
gagueira e suas possíveis causas de forma linear, desconsiderando a historicidade do
indivíduo com gagueira.
Além disso, esses pontos de vista não consideram a linguagem e, consequentemente,
desconsideram o sujeito, tendo em vista que eles se constituem mutuamente (AZEVEDO,
2000). Por isso, para a construção deste artigo foram utilizados o modelo dialético-histórico e
a Análise do Discurso. Essa decisão foi tomada devido à crença de que “é na história do
desenvolvimento da linguagem que é possível encontrar a compreensão da constituição da
gagueira” (FRIEDMAN, 2004, p. 27) e que a gagueira se encontra no espaço discursivo
(CAVALCANTI e AZEVEDO, 2007).
Almejando superar a necessidade de identificar a causa da gagueira - um distúrbio
multicausal - este artigo visa analisar como algumas das estratégias utilizadas pelos sujeitos
com gagueira para evitar a manifestação dela podem desencadear na intensificação do
distúrbio. O objetivo específico é a demonstração da influência que a figura parental e outras
figuras de autoridade têm sobre a criança em seu processo de aquisição da linguagem e como
ao classificar, erroneamente, as disfluências da criança como gagueira - alienados pela
ideologia do “bom falante” (FRIEDMAN, 2004) - eles interferem no desenvolvimento
normal da criança e fazem com que o distúrbio se manifeste. Para isso, serão utilizadas
transcrições de vídeos de dois casos no Youtube, a fim de analisar quais os recursos utilizados
por eles para não gaguejar e tentar classificá-los como proveitosos ou nocivos para o falante.
Além disso, serão abordados os conceitos de fluência e disfluência, com uma atenção
especial para este último e sua diferença em relação à gagueira.
A linha da pesquisa foi traçada à luz dos trabalhos de Azevedo (2000, 2007, 2014) e
suas contribuições para a análise discursiva da gagueira; do modelo dialético histórico, sendo
aqui representado pela pesquisa de Silvia Friedman (1986, 2004, 2015) e do estudo
transversal realizado por Ali Dehqan, Mehdi Bakhtiar, Sadeghi Seif Panahi e Hassan
Ashayeri (2008), acerca da relação entre o ritmo de fala da mãe e a gravidade da gagueira da
criança. A pesquisa é de caráter qualitativo e o estudo, transversal. A seguir serão abordadas a
fundamentação teórica deste trabalho, a metodologia, a análise dos dados e as considerações
finais.

MODELO DIALÉTICO-HISTÓRICO X ANÁLISE DO DISCURSO

A gagueira, por ser um distúrbio multidimensional com atuação de fatores


biopsicossociais (AZEVEDO et al, 2014), despertou o interesse de estudiosos de várias áreas
ao longo dos anos. Para este artigo, foram escolhidas duas vertentes, as quais em minha visão
são complementares: o modelo dialético-histórico e a Análise do Discurso. O modelo
dialético-histórico adotado pela fonoaudióloga Sílvia Friedman foi pioneiro na área, por
apresentar uma nova forma de se olhar para o distúrbio da gagueira e para o sujeito gago.
Segundo a autora, para compreender a gagueira, é preciso analisá-la para além de seu aspecto
fenomênico (Friedman, 2004), ou seja, não reduzi-la apenas à sua atividade; é preciso
entender quem é esse sujeito que gagueja e o porquê dele ter manifestado o distúrbio.
Nesse sentido, o campo da Análise do Discurso (AD) também corrobora para a
construção deste trabalho, pois tem como base o discurso como acontecimento, enquanto -
como disse Pêcheux (1990) - “efeito de sentidos entre locutores” (apud AZEVEDO, 2000). O
foco da AD está nas condições de produção do discurso, as quais são formações imaginárias,
onde se apresentam: a relação de forças, a relação de sentido e a antecipação (Orlandi, 1987).
Na etapa da análise de dados, será mencionado novamente o conceito de antecipação, pois é
um ponto de convergência entre o modelo dialético-histórico e a Análise do Discurso.
Aos três anos, a criança, a qual está em seu pico de complexidade da aquisição da
linguagem (Bohnen, 2009), passa a apresentar rupturas em sua linguagem, as quais são
erroneamente tomadas como manifestações de uma “gagueira fisiológica”. Ao tomar como
referência os trabalhos de Ester Scarpa (2014) e Cláudia de Lemos (1995, 1999), foi possível
inferir que as disfluências que ocorrem durante a aquisição da linguagem oral retratam muito
mais o caminho de aquisição das estruturas prosódicas da criança do que indicam uma futura
patologia (SCARPA, 2014). Caso busquemos respaldo por meio do interacionismo - apoiado
aqui pela abordagem de Cláudia de Lemos - é possível definir essas disfluências como
manifestações do processo de ressignificação (apud AZEVEDO, 2000) do discurso que a
criança está fazendo, se afastando do discurso da mãe e reorganizando a linguagem sobre a
linguagem, na medida em que está tomando o que foi dito pelo outro, se apropriando desse
discurso e se dessubjetivando do adulto, ao se constituir como autor de seu processo.
Tendo isso em mente, irei, a seguir, apresentar os conceitos de fluência e disfluência,
com o intuito de desmistificar alguns preconceitos em relação a esse tópico e também
explicar o porquê de não ser adequado caracterizar a gagueira como uma disfluência.

FLUÊNCIA/DISFLUÊNCIA E A GAGUEIRA

A fluência, a qual é - segundo Hedge - usualmente definida pela sua negativa (apud
SCARPA, 2014) e como o oposto da disfluência, é sempre exaltada pela sua fluidez e suposta
falta de marcas. A fluência é tida como o ideal, o objetivo a ser atingido por todos os falantes
da língua e, principalmente, por aqueles com distúrbios de linguagem. Essa ideia acerca do
que é a fluência é prejudicial não só para sujeitos com distúrbios específicos de linguagem,
mas também para aqueles ditos fluentes que tendem a se cobrar por uma execução “perfeita”
da fala, o que além de ser impraticável, exclui o caráter espontâneo e automático da fala
fluente. Uma fala verdadeiramente fluente é aquela marcada não por sua falta de disfluências,
mas sim a que é focada no sentido e não na forma das palavras (Friedman, 2004). As
disfluências permitem maior fluidez para um texto (SCARPA, 2014), as hesitações e as
auto-correções são necessárias para uma melhor compreensão do que está sendo dito. Nas
palavras de Friedman (2015), fluência é a habilidade para manter o fluxo contínuo da fala,
sendo que algumas quebras e interrupções do discurso também são constituintes da fluência.
Com isso, é possível inferir que a disfluência e a fluência são faces da mesma moeda
(SCARPA, 2014) e que a disfluência, independentemente de como se manifesta (hesitação,
revisão, interjeição, repetição de segmentos), ou de sua duração, é parte integrante da
fluência (FRIEDMAN, 2015). Nesse sentido, é errôneo afirmar que a gagueira é uma
condição semelhante à disfluência. Os momentos da fala, durante a aquisição da linguagem
oral, em que as crianças apresentam disfluências partem de um processo natural, no qual os
sujeitos estão se apropriando da linguagem. Em contrapartida, a gagueira pode se manifestar
justamente a partir da má interpretação dessas disfluências por parte das figuras parentais ou
de autoridade presentes na vida dessa criança. Ou seja, ao ser rotulada como “gaga” e ser
constantemente julgada devido à sua fala, a qual não se encontra de acordo com o que esses
adultos acreditam ser o correto, a criança internaliza que é uma má falante e pode manifestar
a gagueira.
Segundo Pereira (apud Góes, 2012), as crianças ajustam seus recursos interativos de
acordo com o interlocutor a quem estão se referindo. Dessa forma, pode-se afirmar que ao ser
julgada pela sua fala disfluente em seu processo de aquisição da linguagem e repreendida
pela sua “gagueira”, a criança pode desenvolver o distúrbio de fato e passar a criar estratégias
para combatê-lo e evitar possíveis comentários negativos acerca de sua fala gaguejante. Para
Van Riper,
as estratégias são fruto de experiências passadas, que embora sejam
dirigidas para evitar a gagueira, continuam a gerá-la, referindo que os
problemas emocionais existentes são decorrências bastante justificáveis
diante das circunstâncias que envolvem a manifestação.
(FRIEDMAN, 1986 apud VAN RIPER, 1973 p. 12)
Em outras palavras, a criança, a qual passa a focar na forma do que está sendo dito e não no
sentido de suas palavras, a fim de evitar a gagueira, acaba entrando num ciclo vicioso, no
qual em sua busca por estratégias que atenuem seu distúrbio de fala, acaba por manifestá-lo
com mais intensidade. Segundo Friedman (1986, p. 126), a base desta lógica de buscar
técnicas para regular a própria fala “é a união paradoxal das ideias “devo falar bem” - “sou
mau falante”; ou “não devo gaguejar” - “sou gago”.”. Isso pode ser exemplificado pelos
dados encontrados por Dehqan et al. (2008) em seu estudo sobre a relação entre a gravidade
da gagueira das crianças e a velocidade de fala das suas mães. Foi observado por eles que
quanto mais as crianças gaguejavam, mais aceleradas e nervosas suas mães ficavam, o que
fazia com que elas aumentassem a velocidade de suas falas, causando discursos ainda mais
gaguejantes e lentos por parte de seus filhos. Dessa forma, fica claro que a figura parental e
como ela reage, em um primeiro momento, às disfluências e, posteriormente, à gagueira,
influenciam a fala do sujeito que gagueja.

METODOLOGIA

A pesquisa é de caráter qualitativo, tendo em vista que o propósito dela é a análise das
estratégias utilizadas por sujeitos com gagueira; e o estudo, transversal, pois não foi feita uma
análise contínua do processo fonoaudiológico dos sujeitos dos vídeos utilizados. A seleção do
corpus documental foi feita através do Google Acadêmico, do Scielo e de sites que tratam
especificamente do tema, como o portal do Instituto Brasileiro da Fluência e o site “Gagueira
e Subjetividade”. A coleta dos dados foi realizada no Youtube e os critérios utilizados para a
seleção desse material foram os seguintes: vídeos curtos para que a análise não se tornasse
exaustiva; vídeos em que os sujeitos estivessem sendo entrevistados por algum profissional,
pois essas produções exigem que as pessoas ou seus responsáveis autorizem a gravação e
divulgação - essa foi a forma considerada mais ética para fazer essa coleta; vídeos em que os
sujeitos encontravam-se em situações comunicacionais diferentes, para que pudessem ser
apresentadas as divergências entre cada um dos discursos e, por último, a busca estava
centrada em vídeos em que as pessoas utilizavam estratégias para a atenuação da gagueira de
forma explícita para que ficasse mais claro para quem lesse as transcrições em que momentos
essas técnicas foram utilizadas. As transcrições dessas produções vocais e das reações e ações
produzidas por esses sujeitos foram feitas com a utilização de critérios estabelecidos por mim
a partir da utilização de ferramentas disponíveis no meio digital. Além disso, essas passagens
foram analisadas com o suporte das abordagens teóricas utilizadas neste trabalho: o modelo
dialético-histórico e a Análise do Discurso.

ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

Nesta seção do trabalho, analisarei as estratégias utilizadas por dois sujeitos com
gagueira para conter seu distúrbio. A seguir, estão dispostas as transcrições dos momentos
que utilizei de cada vídeo. Para melhor compreensão, foram utilizadas as ferramentas da
plataforma para sinalizar alguns pontos importantes: em itálico e entre “underlines” estão
descritas a ação que estava sendo realizada pelo sujeito e/ou seu estado no momento; em
negrito sua fala; as passagens sublinhadas são as disfluências; a gagueira foi sinalizada com a
utilização do “underline” entre as letras, para indicar que houve ali uma ruptura da fala.
No primeiro caso, uma criança de aproximadamente 7 anos está em uma consulta com
sua fonoaudióloga, discutindo a estratégia conhecida como “freeze and fix” ou, em tradução
literal, “congela e conserta”. “F” se refere à profissional e “C”, ao paciente.

F: Tell me what on Earth is a freeze and fix, again. Pretend I don’t know what it is.

C: _a criança abre sua boca e fica com os lábios separados enquanto tenta produzir o som; é
possível perceber a força que ela está fazendo para realizar a ação_ A freeze ahn a freeze
and fix eh, eh, hm _ pausa para respirar e reestruturar seu pensamento_ is what I just did!
_dá uma risada, demonstrando estar relaxado e feliz_ Freezing and fixing i_s when you
stutter, y_o _ nova pausa para respirar _ you stop and take a breath out then and then
you start off (t)_s (t)_s _nova pausa_ slowly.

Apesar da criança ter pausado sua fala em 3 momentos num período de 1 minuto, sua
fala apresenta poucas disfluências e todas elas serviram para que ela ganhasse um pouco de
tempo para manter a fluidez do texto e ela gaguejou poucas vezes e, quando isso acontecia,
recorria à técnica do “congela e conserta”. Entretanto, o mais interessante nesse trecho não é
o que está aparente e sim o que não é perceptível em uma primeira análise; essa criança não
permitiu que sua gagueira a impedisse de responder à sua fonoaudióloga. Com os recursos
que ela tinha ao seu dispor, ela conseguiu concluir seu pensamento e não se mostrou
desestimulada a conversar com a profissional.
Ainda que a estratégia utilizada pela criança seja conhecida até por pessoas que não tem
conhecimentos fonoaudiológicos expressivos - um bom exemplo disso são os pais que desde
a infância da criança com gagueira repetem para ela “respire antes de falar” - ela se mostrou
efetiva para essa criança, pois ela a desenvolveu de um jeito não-coercitivo. Isso comprova
como cada sujeito com gagueira é único e que não é possível desenvolver métodos definitivos
e imutáveis para transformar todas as pessoas com gagueira em “gagos-fluentes”, como foi
sugerido por Van Riper e outros pesquisadores de base comportamentalista. Isso se deve ao
fato de que cada sujeito com gagueira carrega sua própria história com o distúrbio e para
ajudá-lo a se comunicar de forma mais fluida, o dever dos profissionais é compreender o
processo que levou essa pessoa a desenvolver a gagueira e entender que, para além de um
distúrbio físico, a gagueira faz com que as pessoas formem uma imagem mental de si mesmas
de “mau-falantes”, ou seja, para auxiliar esses sujeitos, deve-se trabalhar o aspecto
psicológico e identitário deles, não só replicar estratégias cristalizadas, pois sozinhas elas não
auxiliam verdadeiramente as pessoas com gagueira.
Para além disso, a forma como as estratégias são apresentadas ou desenvolvidas pela
pessoa que gagueja é um ponto-chave para compreender se ela é nociva ou auxiliadora no
processo desse sujeito. Nesse caso, a criança, a qual estava em um ambiente em que se sentia
segura para falar e não era repreendida pela sua forma de fazê-lo, desenvolveu junto com a
sua terapeuta uma estratégia que auxilia a fluidez de sua fala e permite que ela gagueje
menos. Ou seja, nesse espaço discursivo, a criança não se sentia intimidada pelo interlocutor
e não atribuía a essa pessoa a condição de julgadora de sua fala. Em outras palavras, não
antecipou a reação negativa do receptor de sua fala. Em decorrência disso, ela conseguiu
concluir seu pensamento de forma satisfatória e com o auxílio de uma estratégia que se
mostrou, sim, proveitosa.
Em um segundo caso, analisei a fala de um adolescente por volta de seus 16 anos, o
qual também se consulta com a fonoaudióloga do caso citado anteriormente, Chamonix
Sikora. Serão utilizados dois trechos da conversa entre eles, o primeiro encontra-se entre o
período de 0:33 - 0:43; o segundo, entre 2:52 e 3:06. Nesse caso, não foram transcritas as
perguntas da fonoaudióloga, apenas partes das respostas do adolescente, o qual será
identificado como A1, no caso da primeira fala, e como A2 em um segundo momento.

A1: Well, for me, I actually dah find it th_the hardest to/to do it when I’m talking to
someone I’d say d_d_d_directly.

A2: _o sujeito encontra-se um pouco agitado, é possível perceber que ele está ansioso_
Hmmm, for me, I would say it’s most be-ne-ficial when like I would say because aah
when I’m talking to my _pausa_ friends aah they have a lot more _pausa_ patience for
me because they/they know that I_I stutter so they/so they say to me “oh it’s fine”...

Para uma análise precisa desses excertos é necessária a compreensão do espaço


discursivo em que essas falas aconteceram. A consulta do adolescente ocorreu virtualmente
por meio da ferramenta “Skype” e além dele, havia outro adolescente que gagueja na
chamada. Em um primeiro momento, a profissional perguntou aos pacientes quais as maiores
dificuldades que eles enfrentam por gaguejarem, ao que o outro jovem respondeu que era
falar ao telefone, enquanto o adolescente respondeu que era falar pessoalmente com as
pessoas. Depois, ela perguntou quais os maiores benefícios de ter a gagueira e o adolescente
respondeu, novamente, após a resposta do outro jovem.
Apesar de não poder afirmar isso com certeza, é possível supor que essas condições
intensificaram a gagueira do adolescente e, consequentemente, suas estratégias para conter o
distúrbio também aumentaram. Isso fez com que ele gaguejasse com mais frequência, além
das disfluências também aumentarem. Pela sua postura durante a consulta, pode-se presumir
que ele estava nervoso durante a sessão e que, enquanto o outro jovem estava respondendo,
ele, provavelmente, estava pensando em sua própria resposta. Isso pode ter feito com que seu
instrumento fonador e seu pensamento entrassem em dissonância. Devido a sua preocupação
com a forma que suas palavras sairiam, ele acabou deixando de lado o sentido delas. Em
decorrência disso, ele utilizou artifícios, como a repetição de segmentos ou palavras e outras
marcas disfluentes, como “hm”, "ah" para conseguir formular melhor suas frases, mas como
ele não estava focado no sentido do que estava sendo dito, gaguejou. Pode-se concluir isso, a
partir do trecho em “A2”, no qual ele fala “be-ne-ficial” separando as primeiras sílabas.
Inclusive, o caso desse adolescente é proveitoso para retomar um conceito apresentado
anteriormente: a diferença entre gagueira e disfluência. Enquanto a primeira advém do
excesso, a outra advém da falta (FRIEDMAN, c2021). Ao sujeito que gagueja não faltam
palavras, pelo contrário, por saber exatamente o que quer falar, ele acaba gaguejando, pois
foca apenas na forma das palavras para evitar uma possível reação ruim ao que está sendo
dito por ele. Enquanto as disfluências são provocadas por não saber o que falar, ou seja, pela
falta de palavras naquele momento.
A partir da análise desses dois casos, fica claro que a adoção de estratégias para reduzir
a gagueira não é problemática em si. O problema está no processo que leva os sujeitos a
desenvolverem essa estratégia. No caso da criança, a sua técnica de “congelar e consertar” foi
desenvolvida em conjunto com sua fonoaudióloga, em um ambiente que a acolhia e não a
julgava pela sua gagueira. Em contrapartida, as estratégias utilizadas pelo adolescente foram -
aparentemente - internalizadas por ele devido a situações traumáticas vividas em sua infância.
Suas tentativas de diminuir o ritmo da fala, separar as sílabas, fazer retomadas para
recomeçar o texto, entre outras técnicas, foram reproduzidas por ele na consulta porque,
provavelmente, essas eram as ferramentas utilizadas por ele antes de começar a sua terapia e
que, em momentos, nos quais ele se sente mais nervoso, acabam sendo utilizadas novamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na busca por uma melhor compreensão das estratégias utilizadas por pessoas com
gagueira e sua validade em relação à atenuação do distúrbio, foram discutidos outros aspectos
importantes e, comumente, ignorados que têm relação com a gagueira. A partir do que foi
analisado à luz do modelo dialético-histórico e da Análise do Discurso, pôde-se chegar à
conclusão de que essas estratégias só serão proveitosas para o sujeito que gagueja caso sejam
desenvolvidas em um ambiente saudável e se possível com o acompanhamento
fonoaudiológico. Caso contrário, essas técnicas funcionam apenas como um instrumento de
defesa da criança que foi exposta a situações comunicacionais paradoxais (FRIEDMAN,
1986, 2004), nas quais ela encontra-se perdida entre a vontade e o medo de falar.
Nesse sentido, pode-se retomar Orlandi (1987) e comentar como as relações de força
entre os sujeitos com gagueira - especialmente aqueles que são crianças - e os seus pais e as
figuras de autoridade em sua vida podem intensificar ou amenizar o distúrbio durante a
primeira infância. Ao confundir as disfluências das crianças com um distúrbio de linguagem e
atribuir a elas a identidade de uma pessoa “gaga”, estigmatizando essa pessoa que ainda não
está totalmente formada e, para a qual, a fala tem um “sentido prático e social” (FRIEDMAN,
1986), esses adultos estão rejeitando a forma de linguagem dessa criança e fazendo com que
ela não se desenvolva corretamente, tendo em vista que
A fala adequada se desenvolve em um contexto onde as relações de
comunicação preservam a espontaneidade e reforçam a capacidade; quando
estas impõem restrições à forma espontânea manifestada, reforçam a
incapacidade e acabarão prejudicando o seu desenvolvimento natural.
(FRIEDMAN, 1986, p. 17)
Ou seja, a manifestação da gagueira e sua intensificação em situações em que a pessoa
encontra-se mais ansiosa tem muito mais a ver com a forma como os pais lidaram com as
disfluências características do período da aquisição da linguagem oral e como eles lidam com
a gagueira propriamente dita após a infância. No artigo, isso pôde ser exemplificado a partir
do estudo de Dehqan et al. (2008), no qual os pesquisadores demonstraram como o ritmo de
fala das mães influencia na gravidade da gagueira de seus filhos.
Dessa forma, pode-se afirmar que, apesar da aparência da gagueira ser comum a todos
que a tem, a manifestação dela pode ocorrer por diversos fatores, sendo um deles a falta de
tato das figuras parentais ao lidarem com as disfluências das crianças. Além disso, ficou claro
que a utilização de estratégias - dependendo de como sejam desenvolvidas - podem, sim, ser
benéficas para os sujeitos que gaguejam.
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