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Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3

Cadernos PDE

I
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A CULTURA AFRICANA NAS MANIFESTAÇÕES BRASILEIRAS: MÚSICA E
DANÇA (SAMBA)

Aparecida Paschoalotto Alves1


Cleusa Erilene dos Santos Cacione 2

RESUMO: O presente artigo é resultado das atividades desenvolvidas durante o


Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) 2014-2015, por meio de uma
intervenção pedagógica com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental no Colégio
Estadual “Durval Ramos Filho”, em Andirá - Pr. A pesquisa justificou-se e pautou-se
na influência africana inserida no processo de formação cultural do Brasil,
contemplando a Lei 10.639/03 que prevê a obrigatoriedade do ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira na educação básica. Assim foi dada a oportunidade aos
alunos de apreciarem, vivenciarem e conhecer, músicas e danças brasileiras que
tiveram influência da cultura africana, em especial o samba. Para a concretização
dos objetivos foi utilizado o quadro “Samba” do artista Heitor dos Prazeres, além da
exploração de outras composições do gênero samba. O samba foi escolhido por
representar a miscigenação de um povo, pois começou nos morros e favelas,
mencionando o cotidiano das pessoas. Os resultados empreendidos foram com as
atividades desenvolvidas pautaram-se no conhecimento dos alunos sobre a
miscigenação e formação de nossa cultura popular.

Palavras-chave: Música; dança; cultura africana; cultura brasileira

INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de uma pesquisa-ação realizada por meio do


Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), ocorrida entre os anos de 2014 e
2015, na disciplina de Arte, pela Universidade Estadual de Londrina.
Desta forma o objetivo central do artigo foi de relatar as experiências
adquiridas durante o período de estudo e de implementação da Unidade
Pedagógica, que ocorreu no Colégio Estadual Durval Filho no período de 26/08/2015
a 10/11/2015, com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental, matutino.
Buscou-se na disciplina de Arte elaborar atividades que dialoguem sobre a
influência africana no processo de formação cultural do Brasil e a Lei 10.639/03, que

1
Graduada em Educação Artística – UNIOESTE (1983), Especialização em Administração,
Orientação e Supervisão Escolar pela UNOPAR (2001)
2
Docente do Departamento de Música e Teatro da Universidade Estadual de Londrina. Atual Diretora
da Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina.
dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na
educação básica.
As atividades foram direcionadas no sentido de fazer com que os alunos
conhecessem e analisassem o samba, a dança, os instrumentos, as músicas, como
elementos da cultura brasileira que detém a presença e elementos da cultura.
Como ponto de partida para o desenvolvimento da atividade pedagógica foi
escolhido o quadro “Samba” do artista Heitor dos Prazeres, onde é retratado a
dança, o negro, os instrumentos musicais. Utilizou-se também outras composições
musicais desse gênero que destacassem a presença do negro, do povo e de sua
contribuição cultural e social para o país.
As ações apresentadas aos alunos destacaram que viver democraticamente,
implica em saber respeitar a diversidade cultural presente nos diferentes grupos que
a constituem e também na importância de se conhecer a diversidade etnocultural
que compreende o patrimônio sociocultural brasileiro.
Para obter-se os resultados pretendidos foram utilizados como recursos
didáticos nas aulas da disciplina de arte, músicas do gênero samba, leitura de obras,
instrumentos de percussão e danças, visando, um entendimento da presença das
raízes culturais africanas em nossa formação.

1. INFLUÊNCIA DA CULTURA AFRICANA NA FORMAÇÃO CULTURAL


BRASILEIRA

Durante muito tempo a África foi representada no imaginário das pessoas


como um continente onde se encontrava somente guerras, miséria, uma população
pobre em condições subumanas de existência e desenvolvimento.
A influência da cultura africana no processo de formação cultural brasileira
começou a ser delineada com a chegada dos africanos no continente brasileiro, por
intermédio do tráfico de escravos, com uma grande diversidade cultural vindos de
várias regiões da África.
Conforme afirmam Pan e Teles, “Uma das várias influências da cultura
africana para a identidade do povo brasileiro, foi na música com a percussão,
constituindo hoje um leque bastante significativo para a formação da cultura
brasileira” (PAN; TELES 2006, p.85).
Observa-se que a cultura africana, não se limita à religião, dança, música,
culinária e idioma encontrando-se no Brasil até os dias atuais. Pode-se identificar
essa influência nos rituais de Candomblés, Umbanda, nos jogos atléticos como
capoeira, bate-coxa e nas danças como, Frevo, Samba, Batuque, Axé, Lambada,
entre outros.
A contribuição do negro em todos os segmentos da cultura brasileira é
incontestável, seja na música, na dança, na culinária, na religiosidade, enfim toda
nossa cultura tem um pedaço da África.
A vinda dos africanos, trazidos de vários pontos da África, para viverem como
escravos trouxe também sua cultura, religião, comidas típicas, músicas, vestimentas,
etc e contribuiu para que esse elementos fossem inseridos em nosso país.
Esses ancestrais chegaram trazendo uma contribuição na formação do povo
brasileiro e na Música Popular Brasileira que surgiu por volta de 1730, século XVIII,
no período do Brasil Colonial,época em que as cidades de Salvador e Rio de Janeiro
se tornaram as cidades de maior progresso da Colônia.
A partir do século XIX surgiu, a expressão musical urbana, através da mistura
de negros, portugueses e indígenas. Os ritmos de maior significação na formação
cultural da música popular brasileira são: o Cateretê, o lundu e a habanera. Para
Waldenyr Caldas:

O Cateretê, de origem tupi, e logo depois influenciada pela coreografia dos


negros sudaneses e pelos processos de dança africana, é o som mais
primitivo de nossa cultura. Mas infelizmente muito pouco foi registrado pela
historiografia musical brasileira, pois como diz Mário de Andrade: logo
chegam os jesuítas e, com eles, o catochão gregoriano. (CALDAS, 2000,
p.6).

O Cateretê era uma melodia sem acompanhamento de instrumentos


musicais, em que eram cantados os textos da liturgia católica, cujo objetivo era
catequizar o índio brasileiro.
A consequência disto foi um verdadeiro assassinato cultural, pois, a partir
desse momento a música tornou-se um instrumento eficaz a serviço da política
colonialista portuguesa. Este tipo de música serviu como um instrumento de
manipulação política da igreja a serviço do expansionismo português.
O Cateretê (ou Catira) tem sua origem muito discutida. Alguns dizem que ela
veio da África junto com os negros, outros acham que é de origem espanhola,
enquanto estudiosos afirmam que ela é uma mistura com origens africana,
espanhola e também portuguesa – já que a viola se originou em Portugal, de onde
nos foi trazida pelos jesuítas. Diversos autores, entre eles Rossini Tavares de Lima
(1980) nos contam que o cateretê (ou catira)no Brasil, é conhecida desde os tempos
coloniais e que o Padre José de Anchieta, entre os anos de 1563 e 1597, o incluiu
nas festas de São Gonçalo, de São João ede Nossa Senhora da Conceição, da qual
era devoto. Teria Anchieta composto versos em seu ritmo e foi considerada própria
para tais festejos, já que era dançadosomente por homens, fato que se observa,
ainda hoje, em grande parte do país. Atualmente, ela é dançada também por
homens e mulheres ou só por mulheres. Catira ou Cateretê é uma dança
genuinamente brasileira.
O Lundu, ainda no século XVI, em 1549, também chegou junto ao Brasil com
os negros, vindos da África, contudo sofreu alterações através da mistura com ritmos
indígenas, como o cururu, tornando-se um ritmo afro-brasileiro.
O autor Gregório de Matos Guerra (1623-1696), apelidado Homero de Lundu,
faria em 1648 os primeiros registros:

Simples batuque negro, com uma coreografia extremamente sensual e


insinuante, o lundu sai das senzalas e das ruas e entra nos palácios para
tornar-se o lundu de salão, a dança preferida dos segmentos burgueses e
aristocratizada da sociedade. (CALDAS, 2000, p.8).

Mas o Lundu não agradava a todos: a igreja e um número reduzido de


intelectuais consideravam-no escandaloso, sendo um verdadeiro atentado ao pudor
e aos bons costumes da família. O alemão Robert AveLallemant (1802-1865),
viajando pelo Norte e Nordeste do Brasil em 1859, registrou um fato importante da
função econômica da música negra e as contradições da igreja para defender seus
interesses. Ele diz que:

Em benefício da igreja, como acontece sempre no Brasil, nas noites dessas


festas e depois delas, realizou-se um leilão, em que o leiloeiro, para atrair e
depenar muita gente fazia-se de engraçado. Entre cada pregão, uma
música estridente tocava alguns trechos de fados e lundus, essa
desordenada tarantela de negros, na qual cada um faz todos os trejeitos e
movimentos possíveis para celebrar a festa da igreja Católica. (CALDAS,
2000, p.9).

O lundu satisfazia a quase todos os segmentos da sociedade com


sapateados, batuques, remelexos dos quadris e sensual umbigada. Até mesmo os
mais radicais como a igreja que o tachavam de imoral, indecente e escandaloso,
tiveram alguns momentos de condescendência para com a dança. Essa
condescendência segundo Mario Andrade, mascarava, sem dúvida, um desejo
implícito de desfrutar a sensualidade dos movimentos harmônicos e insinuantes das
cabrochas quase negras, que dançavam o lundu ao som da citara, da viola e do
violão. (CALDAS, 2000).
Com a apropriação pelas classes superiores, o lundu entrou em processo de
deformação ou transformação estética. Ele perdeu o elemento de natureza
resistente e rude, principal característica da cultura popular. No entender do
pensador e musicólogo alemão Theodor W. Adorno (1999), isto ocorre todas as
vezes em que há o choque entre duas ou mais culturas, fenômeno definido pelos
antropólogos como fricção cultural.3
O lundu perdeu seus traços vitais cujos traços encantaram e levou o
antropólogo Curt Sanchs, em 1886 a classificá-lo no grupo coreografo das danças
convulsivas praticadas em todo o mundo pelos povos primitivos.
Quando saiu das ruas e entrou nos palácios, sua sobrevivência já estava
comprometida. A citara, a viola e o violão, tocados nas ruas para os lunduzeiros
dançarem, cederam lugar ao piano nos salões imperiais. O lundu-dança de rua
praticado pelos negros, mulatos, latinos, boçais e criolos, estava proibido, pois era
considerado pela sociedade da época libidinoso, indecente e escandaloso.
O MAXIXE outro gênero popular surgiu no Rio de Janeiro mais ou menos por
volta de 1875. Ele tem o andamento musical e a estrutura melódica baseados na
sincopa4 africana do lundu, e além da dança também nos lembra em muito a
coreografia do mesmo. Considerada a primeira dança genuinamente brasileira, ele é
visto como o principal antecessor do samba.
O maxixe foi de extrema importância para a sobrevivência do lundu, não só
por manter a sua estrutura melódica, mas também por resgatar a sua coreografia
proibida.
Alguns compositores como Ernesto Nazareth (1863-1934) preferiam chamar o
Maxixe de tango brasileiro, pois este último possuía status de música quase erudita

3
O termo „FRICÇÃO CULTURAL‟ proposta por Shenkar, Luo e Yeheskel (2008) é representado pelo
"ponto de contato", onde as entidades se cruzam para produzir atrito cultural, e pela "troca cultural",
por meio da qual os bens culturais são negociados e trocados (CELANO e GUEDES, 2013).
4
A síncopa é um som que se inicia em tempo fraco ou parte fraca do tempo e se prolonga até o
tempo forte ou parte forte do tempo seguinte. (MED, 1996)
e ele sempre desejou ser identificado como compositor erudito. O maxixe era visto
como o ritmo preferido dos mais pobres da população brasileira.
Pelas descrições acima, podemos constatar quea cultura africana influenciou
muitos aspectos da sociedade, entre eles, com a música, a dança, a comida, as
crenças, entre outras contribuições.

2. SURGIMENTO DO SAMBA

Como já escrevemos anteriormente, no século XIX surgiu a expressão


musical urbana, através da mistura da música de negros, portugueses e indígenas.
Entre os gêneros de musicas urbanas reconhecidos como cariocas o samba e a
marcha surgiram entre o período que vai de 1870 até 1930.
O samba que se originou da mistura musical de origem africana e brasileira, é
tocado com instrumentos de percussão, acompanhado de cavaquinho e violão. As
letras de sambas retratavam a vida e o cotidiano das pessoas que moram nas
cidades, principalmente das camadas mais pobres. A estrutura melódica e rítmica do
samba, tem seu significado relacionado às danças típicas tribais do continente.
Assim sendo, o samba tem suas raízes fincadas na terra brasileira, no período do
Brasil Colonial, com a vinda da mão de obra escrava. O primeiro samba gravado no
Brasil foi Pelo Telefone, em 1917, sendo a letra escrita por Mauro de Almeida e
Donga, cantado por Bahiano. Alguns anos depois o samba espalha-se nas ruas dos
carnavais do Brasil, com seus principais sambistas: Heitor dos Prazeres e Sinhô
Ismael Silva.
Esse gênero de música demonstra a contribuição cultural das primeiras
manifestações de caráter urbano do Rio de Janeiro, pois o que havia até então, era
a música da elite, como por exemplo: valsa e a modinha, gêneros estrangeiros das
polcas e quadrilhas, importados para uso das camadas médias e populares, e por
fim, o batuque africano único dos negros formavam as camadas mais baixas os
quais não se poderiam chamar de povo.
Na época de 1930, o samba é difundido no Brasil e as estações de rádio,
começam a tocar os sambas para os lares. Os grandes expoentes e compositores
sambistas desta década: Noel Rosa (autor de Conversa de Botequim); Carlota
(autora de As rosas não falam); Dorival Caymmi (O Que a Baiana Tem); Ary Barroso
(Aquarela do Brasil) e Adoniran Barbosa (Trem das Onze).
Os sambas mais conhecidos e de sucesso são os da Bahia, do Rio de Janeiro
e de São Paulo. O samba baiano teve como influência o lundu e maxixe, suas letras
são simples, seu ritmo é repetitivo e balanço rápido. O samba de roda surgiu na
Bahia, século XIX, e possui elementos da cultura afro-brasileiros. Os dançarinos
dançam dentro de uma roda, com cantos e palmas, através de conjunto musical,
utilizando o atabaque, a viola, o berimbau, pandeiro e chocalho.
No meio dos paulistas o samba tem conotação de misturas de raças. Teve
influência italiana, e as letras das músicas são bem elaboradas. Os principais tipos
de samba, Samba-enredo, Samba de partido alto, Pagode, Samba-canção, Samba
carnavalesco, Samba-exaltação, Samba de breque, Samba de gafieira e
Sambalanço.
Na cidade do Rio de Janeiro, o samba está relacionado com a vida nos
morros, as letras retratam a vida urbana dos trabalhadores e as dificuldades da vida,
porém sem perder o humor.
O samba de morro possui algumas características estéticas que o identificam
de imediato. “Sua forma musical, segundo Renato Almeida, é composta de uma
única estrofe criada pelo mestre de harmonia e constantemente retomada em forma
de estribilho poético pelos participantes”. (CALDAS, 2000, p.30).
O Samba Exaltação teve sua difusão através do rádio, pois foi a partir de
1930 que o rádio alcançou maior abrangência, em grande parte em função do
interesse político do Estado, que percebe sua utilização como veículo capaz de
divulgar, em todo território, o sentimento de nacionalismo predominante no governo
de Getulio Vargas (1930-1945). A partir daquele instante, o disco foi à principal
matéria prima das emissoras. Naquele momento, já estávamos vivendo os primeiros
anos de euforia do rádio, começavam a surgir os grandes astros e estrelas da nossa
música popular.
O Samba Canção marcou a década de 50. Embora tenha surgido
efetivamente na década de 40 com Ave Maria no morro de Herivaldo Martins,
gravado pelo Trio de Ouro, em 1942, marca o início deste gênero musical, mas foi só
em 1950 que ele ressurgiu com toda força. E, Vingança, de Lupicinio Rodrigues, em
1951, interpretada por Linda Batista, foi uma das músicas expressivas do estilo da
época.
O Samba canção possuía um discurso mais ou menos padronizado. Em sua
grande maioria abordava as desventuras do amor, culminando com a autopunição e
o desejo de morte. Nada era mais importante que a presença da mulher amada. O
poeta, embora sofrendo, quase morrendo de amor, prefere entender tudo, atribuir
seu infortúnio ao destino e resignar-se diante da situação. É o que acontece em
Deusa do asfalto, interpretada por Nelson Gonçalves.
Todo o histórico do samba retrata que apesar da origem descrente no morro e
favelas, as músicas sempre representavam um cotidiano alegre ou em busca de
algo, que foi se aprimorando ao longo dos anos (VIANA, 2004).

3. TRABALHO PEDAGÓGICO COM HEITOR DOS PRAZERES E A LEI 10.639/03

Para a implementação do projeto PDE, foi pesquisado sobre autores e obras


que resgatam a cultura africana, como também buscamos levar nossos alunos a
compreender e valorizar as manifestações culturais afro-brasileiras e sua grande
contribuição para formação da rica cultura brasileira.
A proposta de trabalho foi inspirada no quadro: “Samba” de Heitor dos
Prazeres, que manifesta sua arte pintando africanos com roupas coloridas,
dançando ao som de instrumentos de percussão.

PRAZERES. Heitor dos. Samba. In: Artes Plásticas. Disponível em:


http:<//www.heitordosprazeres.com.br/hp/pinturas/index.asp>. Acessado em 30 de out. de 2015.
De acordo com Alba Lírio, Heitor dos Prazeres se consagrou como um:

Expoente do cavaquinho que criou um método revolucionário para o


instrumento. Compositor, instrumentista e letrista, em parceria com Noel
Rosa compôs a música carnavalesca Pierrô Apaixonado. Notabilizou-se
como compositor de música popular. Em meados dos anos 30, época em
que começou a pintar mulatas, malandros, o samba e o mundo da favela.
Participou da Bienal de São Paulo em 1951. Fez diversas obras individuais
no Brasil, mostras nacionais e internacionais. Uns de seus quadros foram
adquiridos pela rainha da Inglaterra. (LÍRIO, 2003.p. 12)

Nas palavras de Heitor dos Prazeres, por Alba Lírio, “A pintura e a música
sempre fizeram parte de minha vida, o meu choro era acompanhado por cavaquinho
e violão, meu sorriso provocado pelas cócegas dos pincéis nas palmas de minhas
mãos e nas solas dos meus pés”. (LÍRIO, 2003.p. 34)
Destacou-se o artista Heitor dos Prazeres, artista afro-brasileiro, nascido em
1889, que na década de 1950, participou de duas Bienais, com sua Art Naf
(primitiva), uma arte simples, pura, autêntica, sem conhecimento acadêmico,
mostrando a belezas africanas sempre presente em suas obras.
Suas obras tocam a alma e Heitor dos Prazeres além de pintor foi compositor
e instrumentista (tocava cavaquinho). Ganhou muito destaque a partir de 1943,
como compositor, instrumentista e letrista de Musica Popular Brasileira, juntamente
com Cartola, Herivelto Martins, Sinhô, Nelson Gonçalves e Noel Rosa compondo a
Música, Noel Apaixonado.
E também para ratificar a escolha por esse artista e temática, salienta-se que
no ano de 2004, de acordo com o Parecer do Conselho Nacional de Educação a Lei
10.639/03 torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e
Africanas, em escolas públicas e particulares, com o objetivo de retomar uma
participação histórica que durante muito tempo foi deixada de lado, somente
valorizando a participação do europeu na formação do país. Essa participação diz
respeito a toda a cultura que foi transmitida ao povo brasileiro e miscigenada em sua
constituição.
Buscou-se reforçar a função lúdica da música e o que ela representa para o
povo brasileiro: diversão, lazer, marcando presença na sociedade brasileira com
seus ritmos e estilos permitindo assim o melhor conhecimento da sociedade.
Embora o foco deste trabalho não seja a abordagem sobre o uso e funções da
música, é importante registrar que a música tem outras funções alem de seu aspecto
lúdico:

Merriam (1964) aponta uma diferença entre “usos” e “funções” da música. A


maneira como uma música é usada pode determinar sua função, o que não
significa que a música tenha sido elaborada para aquela função. Ele
comenta que O “uso”, então, se refere à situação na qual a música é
aplicada em ações humanas; a “função” diz respeito às razões para o seu
emprego e, particularmente, os propósitos maiores de sua utilização.
(Merriam, 1964, p. 209).

Tendo a Lei 10.639/03, a obra de Heitor dos Prazeres “Samba” e a


contribuição dos africanos para a composição do gosto cultural brasileiro é que o
trabalho e a implementação do projeto desenvolveram-se, unindo toda a
contribuição africana a elementos que os jovens consideram comuns, ou sem
ligação com a África.

4. IMPLEMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

A implementação do projeto teve início com a semana pedagógica na escola,


onde o projeto foi apresentado para a Equipe Pedagógica, Direção e professores,
tendo uma boa aceitação dos presentes.
Como o objetivo pedagógico era apresentar atividades que contribuíssem
para a construção do conhecimento sobre a cultura afro-brasileira, especificamente
sua influência nas danças e músicas, como o samba, que é tão representativo para
o Brasil hoje, através do Carnaval, com os alunos do 8º ano em sala de aula, foi
iniciado com uma explanação sofre a África em DVD, apresentando a localização do
Continente Africano e do Brasil.
Também se fez necessária uma complementação com mapas, à distância
pelo mar, discutindo com interação dos alunos como os escravos chegaram,
ressaltou-se que eles trouxeram seus costumes na bagagem e acabaram mesclando
e contribuindo para a construção da cultura brasileira.
Em síntese, alguns alunos fizeram comentários salientando como foi
desumano o tratamento dos escravos e esses mesmos desrespeitados foram os
formadores de nossa etnia brasileira.
Em outra aula realizou-se a apresentação do Filme “O Fio Da Memória ”de
Eduardo Coutinho, que apesar de ser um filme de audição ruim, despertou bastante
interesse nos alunos, pelas lembranças do Senhor Gabriel, que era filho de
escravos, comentando sobre muita dor e mágoa. O que mais chamou a atenção
dos alunos foi a casa que construiu, com cacos de materiais que guardava com suas
lembranças, cada um deles tinha uma história .
No momento de falar sobre o Samba, os alunos receberam o texto “História
do Samba” de Marco Antônio Perna de 2005, que relata o início do samba. Os
alunos do 8º ano matutinos são ao todo 35 e nessa atividade foram divididos em 7
grupos, para pesquisarem a origem, as vertentes, principais músicas e cantores de
samba e o resultado foi exposto nas aulas seguintes.

Figura 1. História do Samba e da África. (Autores aluno do 8º ano)

Os alunos demonstraram seus resultados através de seminários e debates


entre a turma. De modo geral a participação foi muito boa, as apresentações com
bom desempenho de todos.
Por meio de apresentação de DVDs e vídeos, os alunos acharam puderam
ver as primeiras manifestações do samba, nas danças que os africanos faziam já
escravizados no Brasil. Posteriormente foram trabalhadas as músicas “Pelo
Telefone” de Donga e “Linda Flor” (Tom).
Aos poucos, partindo das explicações dadas e repetições das músicas, os
alunos foram assimilando as mensagens das letras. Conseguimos até explorar a
estrutura rítmica das musicas apresentadas. Em especial, no samba enredo os
alunos ganharam animo pelo ritmo contagiante, ao assistirem um fragmento de um
desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopondinense de 1989, com o famoso
enredo “Liberdade! Liberdade! Abre as Asas sobre Nós”, para acompanhar e analisar
a letras foi disponibilizado uma cópia de todas as letras das músicas trabalhadas.
Com as letras em mãos, também foi pedido para eles marcarem as palavras
desconhecidas, cujo intuito era a formação e composição de um glossário. No início
os alunos não entenderam muito bem, mas aos poucos foram percebendo palavras
bem diferentes da nossa realidade, também reconheceram instrumentos musicais de
percussão na bateria da escola de samba, pesquisaram sobre temas mais antigos,
junto aos familiares, e as aulas foram muito proveitosas.
No entanto, também foram trabalhadas obras de arte de Debret e Heitor dos
Prazeres,onde os alunos pesquisaram e avaliaram as imagens dos quadros de
Debret retratando um Brasil Colonial, com o início da escravidão, as roupas, as
cores e movimentos, com temáticas dos heróis negros da história brasileira, suas
trajetórias nas artes.

Figura 2. Recriação as obra “Samba” de Heitor dos Prazeres. (Autores aluno do 8º ano)

E com a música “Aquarela do Brasil”, os alunos fizeram pesquisa sobre a


biografia e discografia de Ary Barroso e depois foi realizado também um trabalho de
apreciação musical, com foco na estrutura melódica e rítmica da música
apresentada, resultando na entoação da melodia e da reprodução das células
rítmicas do samba apresentado.
Música: Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939, compositor: Ary Barroso).
Disponível em: http://www.vagalume.com.br/ary-barroso/aquarela-do-brasil.html.
Acesso em 18/10/2014.
Brasil
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
Ô Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar
Ô Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim

Ah, abre a cortina do passado


Tira a Mãe Preta,do serrado
Bota o Rei Congo, no congado
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim
Deixa, cantar de novo o trovador
A merencória luz da lua
Toda canção do meu amor
Quero ver a Sa Dona, caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim
Brasil
Terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiscreto
Ô Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
Ô Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim
Oh, esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim
Ah, ouve essas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
Ah, este Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil, brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim.
Além de ouvir a música e acompanhar o ritmo, os alunos também tiveram a
letra disponibilizada, para depois realizarem a composição de um trecho ilustrado da
música.

Figura 3. Aquarela do Brasil Ilustrada. (Autores aluno do 8º ano)


Eles também ouviram e conheceram a letra da Música: Olhos coloridos
(Sandra de Sá, LP 1982, compositor: Macau). Disponível em:
http://www.vagalume.com.br/sandra-de-sa/olhos-coloridos.html. Acessado em
18/10/2014.
Os meus olhos coloridos
Me fazem refletir
Eu estou sempre na minha
E não posso mais fugir
Meu cabelo enrolado
Todos querem imitar
Eles estão baratinados
Também querem enrolar

Você ri da minha roupa


Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso

A verdade é que você,


Povo Brasileiro
Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará crioulo, sarará crioulo (2x)
Após a reprodução das músicas foram realizadas as seguintes atividades:
 Providenciar as letras das músicas para serem entregues aos alunos;
 Destacar os autores, o ano, época em que as músicas foram escritas;
 Pesquisar e montar um glossário das palavras diferentes;
 Ouvir novamente as músicas;
 Analisar e compreender a situação retratada pela música;
 Pedir para que os alunos construam uma melodia e ritmo para essas letras,
utilizando-se dos instrumentos de percussão já apresentados.
Num segundo momento os alunos tiveram acesso ao filme com danças afro e
terão que observá-las e destacar as similaridades encontradas com as danças
brasileiras.
Onde foram apresentados instrumentos musicais de percussão da capoeira e
também, uma oficina sobre instrumentos de percussão e como construí-los,
utilizando-se de materiais simples e recicláveis.

Figura 4. Instrumentos de percussão. (Autores aluno do 8º ano)

E, os alunos realizaram uma pesquisa sobre a origem e história dos


instrumentos utilizados nas músicas africanas.
Na aula seguinte eles assistiram o filme ”Zé Carioca”, ali já conseguiram
acompanhar o ritmo, com o corpo, foi muito divertido, gostaram muito, assistiram
duas vezes, para fazer ilustrações do tema. Assistiram também um trecho onde
aparece a grande personagem: Carmem Miranda, cantando, dançando e mostrando
as belezas do Brasil, utilizando da música popular o samba.
Figura 5. Representações do samba. (Autores aluno do 8º ano)

Figura 6. Movimentos do Samba. (Autores aluno do 8º ano)

Ao final, os alunos se apresentaram com instrumentos musicais existentes e


outros confeccionados com materiais alternativos. A interação entre professor e
alunos e entre eles foi boa.
Apesar das dificuldades no início da implementação da proposta pedagógica,
os alunos foram superando seus os receios no momento de usar as vozes e o corpo,
possibilitando a interação com os colegas e também que as atividades fossem
concluídas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo é a concretização dos estudos empreendidos no período de 2014 e


2015, no Programa de Desenvolvimento Educacional, na Universidade Estadual de
Londrina, no Departamento de Arte.
Dentre os objetivos do estudo e trabalho pedagógico estavam aliar a Lei
10.639/03, a importância da cultura afro na formação cultural brasileira. Para a
concretização foi exposto desde o gênero musical samba, tipo como tipicamente
brasileiro, até danças e obras como o quadro “Samba” de Heitor dos Prazeres.
A implementação com os alunos do 8º ano foi muito proveitosa e significativa,
pois notei que muitos ao mesmo tempo que tem orgulho do samba, do carnaval, da
capoeira, também conhecem muito pouco sobre a nossa cultura, especialmente a
reprodução de sambas antigos e o samba enredo da Imperatriz causou muita
animação entre os adolescentes, em um primeiro momento não valorizaram, mas
depois com as explicações puderam perceber a magnitude da contribuição dos
negros em nossa cultura.
De modo geral, todos participaram e compreenderam o intuito que era
demonstrar a ligação entre nossa formação e a imensa contribuição do negro nesse
processo de construção cultural brasileira.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação étnico-raciais e


para o ensino de arte e cultura Afro-Brasileira e Africana. DF, out, 2004.

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Ática, Série Princípios, 3ª Ed. 2000.

Documentário sobre a Vida e a Obra de Heitor dos Prazeres.


Disponível em:<http//portacurtas.org.br/Filme.asp? cod=5056&exib=2636> Acesso
em 20 de out. de 2015.

HUMMES. Julia Maria. Por que é importante o ensino de música?


Considerações sobre as funções da música na sociedade e na escola. Revista
da ABEM, n.º 11, 2004.

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LÍRIO, Alba. Heitor dos Prazeres: Sua Arte e seu Tempo. São Paulo: Ed. Belas
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LINS, Paulo. Desde que o Samba é Samba. São Paulo: Ed. Planeta. 2012.

PAN, Mário e TELES Sandro. A influência africana na percussão do Brasil.


Disponível em: http://tabuleirocultural.wordpress.com/2008/03/06 .Acesso 05 de jun.
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PARANÁ. Diretrizes Curriculares de Arte. Secretaria de Estado da Educação –


Departamento da Educação Básica, Curitiba: SEED, 2006.

PERNA, M. A. Samba de Gafieira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edição do autor, 2005.

PORTAL DA CULTURA AFRO. Capoeira. Disponível em:


<https://www.faecpr.edu.br/site/portal_afro_brasileira/2_I.php> Acesso em 02 de
Nov. de 2014.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São


Paulo, ed. 34, 1ª ed. 1998.

_____________________.Música Popular um Tema em Debate. São Paulo, ed.


34, 3ª ed. 1998.

VIANA, H. O mistério de samba. 5 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

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