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Unidade III
Vamos agora apresentar alguns aspectos dos processos de consolidação de Estados nacionais
americanos buscando entender de que maneira o processo ocorreu. Assim, nosso olhar privilegiará
alguns casos significativos do processo geral em que disputas geraram guerras – civis ou entre Estados.
Além disso, as mais diversas regiões passaram por rearranjos territoriais ao longo do século XIX. A
expansão do capital – com o avanço da industrialização e desse desdobramento imperialista – também
ganhou força na segunda metade do século XIX, bem como as discussões sobre a manutenção da mão
de obra servil. A emergência dos Estados Unidos como nação hegemônica continental e suas influências,
mesmo mais regionais, deve ser pensada em termos de interferências sobre a realidade dos mais diversos
países americanos. Em particular, a independência cubana está diretamente ligada a esse processo.
Os Estados Unidos da América foram, sem dúvida alguma, uma referência fundamental para os demais
países americanos, quer seja como um exemplo republicano a ser seguido desde sua independência,
quer como potência continental que pouco a pouco se firmou, assumindo a liderança que antes cabia
aos europeus, principalmente, aos ingleses.
Nos anos iniciais do século XIX, com a Doutrina Monroe (1823), ficou clara a preocupação com sua
influência continental. Entretanto, podemos indicar que isso não foi gratuito – os ingleses tentaram
reconquistar os Estados Unidos em 1812, naquilo que seria uma segunda guerra da independência – e
isso exigia um posicionamento continental quanto às chances europeias de recolonização.
Quando pensamos nos Estados Unidos do século XIX, é fundamental ter clareza de que a imagem
de nação progressista e pacificada internamente foi construída no decorrer do século XIX, pois – assim
como nos demais países americanos – a política era repleta de reviravoltas e grupos majoritários
atacando minoritários. Nos Estados Unidos, isso deu origem ao spoil system, que funcionava afastando
dos cargos administrativos os membros derrotados. O partido que começou essa prática de construção
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de hegemonia foi o Partido Democrata, que tinha disputas de interesses com os republicanos.
“A população que, em 1790 era de 3.900.000 habitantes, passou para 7.200.000 em 1810. No ano de
1870, alcançava 40 milhões” (ARRUDA, 2004, p. 248).
A expansão territorial também era muito significativa, uma vez que, originalmente, habitantes da
faixa leste ou atlântica empreenderam a conquista do oeste selvagem ou foram comprando áreas que
faziam a conformação territorial do país.
Ao que tudo indica, o processo foi acelerado, e a sociedade, mesmo gozando dessa expansão, tinha
seus impactos. Terras do vizinho México foram conquistadas e incorporadas, mas mais agressivas eram
as relações com os povos nativos. À medida que o país crescia, a economia e a industrialização mais
especificamente sofriam um grande impacto.
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O país, que crescia aceleradamente, firme em sua crença de que isso fosse o seu Destino Manifesto
(produto da vontade providencial), passava a enfrentar discussões internas de grande relevância como
uma maior ou menor participação da União no dia a dia dos Estados. Evidentemente, tratava‑se de uma
discussão entre centralização e descentralização. Contudo, a questão que mais dividia a jovem e pujante
nação era o problema da manutenção ou abolição da escravidão. Na década de 1850, o quadro geral era
complexo – o que nos faz recordar o Brasil, que nesse momento precisou fazer a proibição do tráfico
atlântico de escravos com a Lei Eusébio de Queirós, de 1850.
Mas voltemos aos Estados Unidos. Em 1850, havia um debate sobre a União dever ou não fazer a abolição.
Henry Clay conseguiu firmar entre os Estados um documento conhecido como Compromisso Clay.
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Era a segunda tentativa de resolver o problema, já que, em 1820, um acordo chamado Acordo do
Mississipi permitiu a escravidão abaixo do paralelo 36º40’, mas, com a entrada da Califórnia não escravista
na União, as discussões ganharam força novamente, sendo, portanto, preciso o Compromisso Clay.
A divisão mais evidente estava em torno de abolicionistas e escravocratas, que cresciam rapidamente
– sendo mais de 2 mil associações favoráveis à causa. Politicamente, os abolicionistas estavam
representados em um forte partido que foi fundado em 1854, o Partido Republicano.
Saiba mais
A situação política e social dos Estados Unidos era extremamente tensa, principalmente a
partir da segunda metade do século XIX. Ao lado do problema da escravidão, havia também a
discrepância em termos de desenvolvimento econômico entre as diversas regiões do país, sendo
mais acentuadas as diferenças entre o norte e o sul. O norte acelerava sua industrialização, mas
o sul era evidentemente agrário e escravista, com uma forte economia algodoeira que, em 1860,
significava algo como 57% das exportações do país. Necessitando manter suas exportações,
esses estados agrários queriam tarifas alfandegárias reduzidas facilitando os fluxos comerciais,
e o norte, para conseguir se industrializar sem sofrer em demasia com a concorrência, era
abertamente protecionista.
Como se vê, um mesmo país dividido em termos de economia, questões de tarifas aduaneiras e sobre
a própria natureza do regime interno de trabalho – ou seja – a continuidade ou não do escravismo –
teria dificuldades enormes em evitar uma ruptura radical. O temor da separação rondava todos: ora a
situação ficava mais tensa, ora as crises se amenizavam; de qualquer modo, os dois lados percebiam as
dificuldades e a gravidade da situação.
Conflitos individuais eram noticiados com certa frequência na grande imprensa, que ganhava forças
das cidades que cresciam em ritmo acelerado. A tensão era grande, e os democratas conseguiram eleger
James Buchanan presidente entre 1856 e 1860, mas a campanha dos republicanos favoráveis à abolição
havia sido bastante importante.
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Um aspecto pontual pode ser usado para medir a situação: o caso, na época famoso, chamado de
“Caso Dred Scott”:
Os abolicionistas foram profundamente frustrados no caso Dred Scott, mas a discussão pelo país
só aumentava. Por ocasião da sucessão presidencial, as disputas voltaram a ganhar força. O partido
mais poderoso na União era o democrata, representante dos sulistas escravocratas, mas, em razão de
dissensões internas, não conseguira a coesão necessária para a eleição do presidente da república, o que
resultou na vitória de Abraham Lincoln, republicano, em novembro de 1860.
Figura 34 – A questão do escravismo foi responsável pelo aumento da tensão entre o norte e o sul
Lincoln, para muitos, encarnava um ideal de americano, uma vez que nascera num estado sulista
e escravista – o Kentucky –; filho de um carpinteiro, estudara em escola pública, era religioso,
trabalhara em diversas atividades sempre vivendo em condições muito rigorosas e estudara direito
por correspondência (já existia o ensino a distância nos séculos XIX e XX, mas claro que de maneira
epistolar, por cartas). Além disso, advogou e foi eleito representante de Illinois, ocasião em que
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pôde publicamente debater com Stephen Douglas sobre o caso Dred Scott e como nos conta
Tapajós (1974):
Uma casa dividida contra si mesma não pode subsistir. Acredito que este
governo não pode suportar para sempre ser meio escravo e meio livre. Não
espero que a União seja dissolvida — não espero que a casa caia — mas
realmente espero que não haja mais divisão. Ela se tornará totalmente uma
coisa ou totalmente a outra. Ou os adversários da escravidão vão […] colocá‑la
onde a opinião pública enferrujará na crença de que ela está a caminho da
extinção; ou seus defensores a impulsionarão até que ela se torne legal em
todos os estados, antigos e novos — do norte e do sul (DEPARTAMENTO DE
ESTADO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2008, p . 24).
Eleito o presidente, antes mesmo de sua posse marcada para março de 1861, eclodiu a Guerra
Civil Norte‑americana, aqui no Brasil frequentemente denominada Guerra de Secessão. Em 20 de
dezembro de 1860, a Carolina do Sul se declarou separada da União, sendo seguida por Geórgia,
Alabama, Flórida, Mississipi, Louisiana e Texas. Era a Secessão! E a União não poderia, de maneira
alguma, contemporizar. Aos separatistas ainda se somaram Virgínia, Arkansas e Carolina do Norte, o
que agravava ainda mais a situação.
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Estados da União
Estados Confederados
O norte, percebendo as enormes dificuldades em travar uma guerra territorial contra os bem-preparados
sulistas, decidiu bloquear os portos sulistas, o que contribuiu fundamentalmente para a inversão da guerra
e para algumas das vitórias do norte. Lincoln trocou o comando de seus exércitos, substituindo o general
George B. McClellan – que seria seu oponente na disputa presidencial em 1864, vencida novamente por
Lincoln. O novo comandante do Exército da União era o general de combate Ulysses S. Grant, auxiliado por
William Sherman (que posteriormente emprestaria seu nome a uma classe de tanques de guerra).
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O esforço naval do norte começou a dar resultados e, em busca de maior apoio, num gesto
abolicionista, fez uma Proclamação de Emancipação em janeiro de 1863. Entretanto, apesar dos sucessos
do norte, o poder sulista ainda não havia sido realmente abalado. O ponto mais alto de toda a guerra foi
a Batalha de Gettysburg, iniciada em 1º de julho de 1863. Ela durou três dias e marcou a virada decisiva
na Guerra Civil pois, uma vez derrotado, o general Lee rumou para o sul para proteger a capital, e os
nortistas empreenderam uma campanha agressiva, na qual Sherman e Lee obtiveram diversas vitórias.
Figura 36 – Guerra Civil dos EUA: destaque para as tropas confederadas e sua bandeira característica
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Apesar de um pouco extensa e dramática, optamos por trazer a narrativa do assassinato de Lincoln
com a intenção de recolocar a discussão a respeito do personagem histórico, assim como fizemos
anteriormente com Simón Bolívar, San Martín e outros. Existe, em torno de Lincoln, uma aura, e a
mitificação distancia, como nos outros casos, a figura histórica do homem.
Saiba mais
Enfatizamos que a produção gráfica do livro é extremamente benfeita, preocupada com imagens de
época e valorizando o lado humano de Lincoln.
• “Lincoln, o diplomata”;
• “Lincoln, o emancipador”;
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Dessa maneira, fica exposta a importância do líder nacional como a figura que consagraria os valores
que são os mais importantes ao país, a essência da própria nação. Uma vez consolidada como conjunto,
teria, no século XIX, a força necessária para avançar e cumprir seus desígnios como nação e também
como portadora de valores que são ao mesmo tempo norte‑americanos e universais. Esse é o discurso
que permite situar a figura de Lincoln, tragicamente assassinado em abril de 1865, mas responsável, a
partir de então, pelo avanço, numa era de progresso e esplendor, do país que em parte é obra sua.
Saiba mais
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
AMISTAD. Dir. Steven Spielberg. EUA: DreamWorks SKG, 1998. 155 minutos.
TEMPO de glória. Dir. Edward Zwick. EUA: Tristar Pictures, 1989. 122 minutos.
Na história da América Latina, o caso mexicano pode nos fornecer aspectos importantes para entender
a política, a sociedade, os conflitos e os Estados se estruturando no século XIX. Espaço de conflitos
étnicos absolutamente fundamentais – o que desembocou em disputas pelas terras de agricultura – o
México até os dias atuais apresenta a questão de como uma imensa população indígena é marginalizada
em sua sociedade, e no século XIX esse processo foi extremamente conflituoso.
O México, mesmo pertencendo à porção norte do continente, é um país latino e indígena, além
de ter sua história em diversos momentos relacionada diretamente aos acontecimentos ao norte, dos
Estados Unidos.
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Realizada a independência mexicana, não foi possível obter paz interna, pois os apoiadores do
governo, de forma geral, eram o clero e o Exército. Agustín de Iturbide foi Coroado imperador como
Agustín I. Diante da enorme crise econômica que o recém‑emancipado país enfrentava, alguns setores
começaram a enxergar no imperador a responsabilidade pela situação. O descontentamento chegou a
tal ponto que antigos aliados o abandonaram e parte do Exército se transformou em oposição armada,
com um levante liderado pelo general Antonio López de Santa Anna, um antigo apoiador seu.
O povo encontrava‑se numa condição de piora significativa do seu modo de vida, pois, com as
recorrentes emissões de papel-moeda, perdia poder de compra. A revolta recebeu, assim, apoio popular
e em dezembro de 1822 começou uma revolta contra o governo do imperador Iturbide. Em 1823,
pouco tempo depois, suas forças foram derrotadas e, mesmo tendo convocado novamente o Congresso
Nacional, já não era possível manter‑se no poder. Assim, foi necessário abdicar, o que ocorreu em março
de 1823. Logo depois, em maio do mesmo ano, o imperador partiu para o exílio na Itália.
O governo mexicano passou por diversos momentos no século XIX. A independência, consubstanciada
no Plano de Iguala, de 1821, estabelecia o rompimento com a antiga metrópole e a criação de um país que
atualmente se estenderia sobre territórios norte‑americanos como a Califórnia e o Texas, por exemplo,
e em direção à América Central. Devemos ressaltar que o processo que resultou na independência não
foi conduzido o tempo todo pelas elites criollas do antigo Vice‑Reino de Nova Espanha, ao contrário, os
primeiros movimentos tiveram origem popular sob a condução de Hidalgo e Morellos e envolveram as
massas subalternas de indígenas explorados pelo latifundiários e pelos donos de minas.
a América dos perigos aos quais estava exposta pela união com a Europa
(PAMPLONA, 2008, p. 151).
No México, era muito presente no momento da independência a questão de entregar a região para
quem não fosse o francês opressor da Europa e, como filho da Revolução, inimigo da religião católica.
Esse fervor religioso foi um elemento muito importante para acelerar as lutas por emancipação, mas
a população mais pobre reunida passaria a fazer reivindicações sociais, e o centro das discussões era a
questão da terra.
Essa proclamação, o já referido Plano de Iguala, possibilitou a Iturbide assegurar garantias às elites
proprietárias, aos religiosos e aos militares – haja vista sua inequívoca condição de militar. Desse
modo, esses setores se alinharam na busca de assegurar o poder político de um novo país, mas sem a
possibilidade de subversão da ordem social e das relações que envolviam a propriedade e o acesso à
terra. Dessa maneira, podemos considerar que os criollos, com enorme receio das possibilidades que a
independência abria, procuraram assumir o controle do processo de ruptura e emancipação:
O fim de Iturbide, no entanto, foi marcado por aspectos dramáticos, pois o Congresso Nacional não
aceitou sua abdicação: por isso, caso retornasse ao país, seria executado.
O evento, cujo desfecho foi um pouco diferente da abdicação do imperador do Brasil, Pedro I, em
1831, acabou levando à transformação do México em uma república, e, para tal, o Congresso Nacional
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deveria convocar uma Assembleia Constituinte, como de fato ocorreu. As disputas políticas entre
centralização e descentralização, entre unitários e federalistas, também estavam presentes, assim como
na Argentina, na Venezuela, no Chile e mesmo no Brasil. A questão envolvia maior grau de centralização,
como era desejo dos unitários, ou maior autonomia local, como defendiam os liberais – que sofriam
influência direta dos Estados Unidos. Ainda segundo Tapajós (1974, p. 270), venceram os liberais, e a
Constituição definia 19 estados e 5 territórios com os clássicos três poderes republicanos – Executivo,
Legislativo e Judiciário; o catolicismo foi escolhido como religião oficial. Das disputas políticas entre
liberais e conservadores, nasciam alguns dos atritos que arrastariam o México para uma guerra civil de
grandes proporções: a Guerra da Reforma.
Santa Anna, acreditando que o governo de Gómez Farias era muito reformista, em 1834 rebelou‑se
contra o poder central com uma proclamação em Cuernavaca defendendo o fortalecimento da União e
sendo, portanto, ferrenho defensor de um Estado centralizado. Com a Constituição de 1836, os Estados
foram abolidos, e o governo definia os governadores dos departamentos.
Lembrete
O país que começa a ser construído com a emancipação tem suas peculiaridades, pois, em
alguns pontos, territórios são muito pouco povoados, de densidade muito pequena. Dessa forma,
o próprio governo foi franqueando a possibilidade de colonos estrangeiros – notadamente do
país vizinho – se instalarem no país. Esse foi o caso do então mexicano Texas. Essa região ganhou
importância econômica principalmente a partir da década de 1830, com a criação de gado bovino
e o desenvolvimento de um tipo social importantíssimo no imaginário norte‑americano, o cowboy.
Quando se imagina a figura dos cowboys, junto vem a forte presença indígena e do Exército
norte‑americano (principalmente após a Guerra Civil).
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Desde a chegada dos primeiros colonizadores espanhóis, as regiões do Texas e da Califórnia foram
alvo de missões franciscanas e jesuíticas para a catequese dos nativos, mas no século XVIII já haviam
perdido sua força junto aos índios.
bem‑estar e felicidade. [...] Porém, é um inevitável passo que ora damos para
cortar nossa ligação política com o povo mexicano e assumir uma atitude
independente entre as nações da Terra (ARMITAGE, 2011, p. 173).
Até esse momento, a apresentação tem um sentido moral, uma justificativa de que o rompimento
anunciado pode ser visto como justo e, mais do que isso, necessário. Continuemos:
Na sequência, foi construída e reforçada a ideia de que o governo mexicano é injusto e mentiroso,
faltando com o que havia sido acordado, o que liberaria a população do Texas de seus vínculos federais
e justificaria ainda mais seus atos. Concluindo o texto:
[...] Nós, por conseguinte, os delegados do povo do Texas, com plenos poderes
e em solene assembleia reunidos, apelando a um mundo cândido a favor das
necessidades de nossa condição, por meio desta, decidimos e declaramos que
nosso vínculo político com a nação mexicana terminou para sempre, e que o
povo do Texas agora constitui uma república livre, soberana e independente,
e acha‑se inteiramente investido de todos os direitos e atributos que
verdadeiramente pertencem às nações independentes; e, conscientes da
retidão de nossas intenções, intrépida e seguramente submetemos a questão
à decisão do Supremo Árbitro do destino das nações. Declaração Unânime de
Independência elaborada pelos Delegados do Povo do Texas. 2 de março de
1836 (ARMITAGE, 2011, p. 173).
No final, o resgate da legitimidade está na menção de serem os delegados do povo e de que, nessa
condição, constituem uma república livre, soberana e independente.
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O governo estabelecia‑se, pela declaração, em uma república – a estrela solitária em sua bandeira – mas o
governo de López de Santa Anna não aceitou a ruptura e despachou para a região uma grande força militar,
que acabou derrotada pelos texanos. A relativa paz ocorreu por nove anos, sem que novas expedições fossem
enviadas para tentar a reconquista; contudo, em 1845, o Texas decidiu pedir sua entrada na União, ou seja,
participar dos Estados Unidos da América, o que culminou num novo ataque do México à região.
No entanto, desta feita não se tratava mais de um conflito interno dos mexicanos com uma região
rebelde: o governo norte‑americano despachou seus soldados para o combate, e a intensidade dos
conflitos foi tamanha que as tropas norte‑americanas chegaram a entrar na capital mexicana, uma parte
significativa do norte do país foi ocupada pelos invasores e o México perdeu o Novo México, parte da
Califórnia, de Sonora, de Couahuila (com isso o Texas) e Tamaulipas. A paz com indenização aos colonos
norte‑americanos foi firmada pelo Tratado de Guadalupe‑Hidalgo, e assim parece que se justifica, ao
menos em parte, a dramática frase: “Pobre México, tão longe de Deus e tão próximo dos Estados Unidos”.
Observação
Saiba mais
DANÇA com lobos. Dir. Kevin Costner. EUA; Reino Unido: Tig Productions,
1990. 181 minutos.
O ÁLAMO. Dir. John Lee Hancock. EUA: Touchstone Pictures, 2004. 137
minutos.
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O processo de crescimento territorial dos Estados Unidos foi tão traumático para o México em razão
dessas perdas territoriais que um presidente da república, Porfirio Díaz, teria afirmado: “Pobre México,
tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Deixando um pouco de lado o apelo dramático da
referência aos enfrentamentos entre México e Estados Unidos, pode‑se perceber o quanto durou na
sociedade mexicana o impacto das perdas territoriais.
Observação
Exemplo de aplicação
Recentemente, muitas histórias clássicas da literatura tanto brasileira quando universal vêm sendo
transformadas em HQs, com grande sucesso de público e excelente qualidade gráfica.
Faça a leitura de Zorro buscando observar de que maneira os mexicanos são retratados sob uma
ótica produzida pelos Estados Unidos. Para isso, você pode consultar as fontes que indicamos a seguir:
A Corrida do Ouro rumo à Califórnia também foi um processo gerador de perdas territoriais enormes
para o México. A partir da descoberta de ouro na região de Coloma, na Califórnia, por John Marshall,
em 1848, teve início uma primeira corrida do ouro, entre 1848 e 1849, que provocaria um intenso
povoamento da costa do Pacífico.
Data de 1836 a derrota do Exército mexicano sob o comando do presidente López de Santa Anna
e a proclamação de independência do Texas, formando a República Independente do Texas que seria,
posteriormente agregada aos Estados Unidos em 1845. O não reconhecimento inicial, pelo governo
mexicano, da independência e a entrada do Texas para a nação norte‑americana provocaram uma
guerra entre Estados Unidos e México entre 1846 e 1848, encerrada com a derrota mexicana e o
reconhecimento da perda do Texas. Além de ser obrigado a ceder Novo México, Califórnia, Colorado,
Nevada, Utah e Arizona, o país ainda teve de pagar 15 milhões de dólares em indenizações.
Os Estados Unidos, dessa maneira, construíam uma continuidade territorial desde o Atlântico até o
Pacífico, e isso seria de importância fundamental na consolidação de seu modelo capitalista.
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Mesmo derrotado em sua volta à presidência da república, no esforço de conter o separatismo texano,
o presidente López de Santa Anna voltou ao poder em 1853. O exemplo dele para a história mexicana
pode ser interpretado como a atuação daqueles grandes caudilhos de origem espanhola que existiam na
América do Sul. A república sofria com o separatismo e com revoltas de populações excluídas de origem
indígena que eram duramente reprimidas pelo governo central. Diante do movimento de centralização
cada vez maior, outra rebelião liberal irrompeu, e Santa Anna deixou o poder em 1853.
Essa constante oscilação dos poderes políticos fazem‑nos lembrar um pêndulo que num momento vai
num sentido mas, instantes depois, chega a seu limite e se volta para o sentido contrário. O país foi levado
para o conservadorismo centralista, porém isso não facilitou a situação interna e, ao contrário, além de
revoltas entre populações miseráveis, provocou o aumento do descontentamento de setores progressistas
mais identificados com o liberalismo. Assim, é possível perceber que energias eram dissipadas nesses
esforços e que em muitos momentos as alternativas desembocavam em conflitos armados, o que parecia
ser, no século XIX, sempre uma alternativa muito plausível na política de diversos países americanos.
Com a queda dos conservadores, os liberais retornaram agressivos e querendo mudanças substanciais
– que seriam formuladas em uma nova Constituição Federal. Nos manuais didáticos e livros de História,
é mais comum a referência ao conjunto de mudanças como Leis da Reforma. Elas foram formuladas
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Unidade III
pelos liberais em seu Plano de Ayutla que desejavam abertamente combater aquilo que percebiam como
privilégios eclesiásticos e militares absurdos e infundados para serem mantidos em uma república que
se queria moderna e liberal. No entanto, vale lembrar que qualquer ataque aos privilégios estabelecidos,
quer fossem recentes ou de longa data, provocava reações que iam desde o descontentamento com o
governo até conflitos abertos e irrupções de guerras civis. O governo central, sob controle dos liberais,
afiançava as mudanças e defendia essa posição. O próprio presidente da república, o general Juan
Álvarez, permitia que seus ministros buscassem mudanças.
O nome mais famoso desse processo de tentativa de mudanças no México foi um bacharel de direito
que mais tarde seria Ministro da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos. De origem humilde e indígena,
ele se chamava Benito Juárez, e sobre ele seriam contadas diversas lendas no México para explicar
seu anticlericalismo. O Congresso mexicano aprovou a secularização dos bens da Igreja Católica e o
confisco e a venda de suas terras – que eram, segundo apresentado por Tapajós (1974), quase metade
das terras do país. Naturalmente, diversos e conflitantes interesses estavam em jogo, e um movimento
tão agressivo para promover mudanças não aconteceria sem causar reações.
Saiba mais
JUÁREZ. Dir. William Dieterle. EUA: Warner Bros., 1939. 125 minutos.
Sobre as mudanças apresentadas com a Constituição de 1857 no México, Tapajós (1974, p. 276)
indica a leitura de Victor Tapié, com o livro Histoire de l’Amérique Latine au XIXe. Siécle:
Desde o momento das independências na América Latina estamos enfatizando mais especificamente
a questão das conexões que existiam no mundo ocidental atlântico, pois o que ocorria na Europa
tinha reflexos ou mesmo profundas consequências em solo americano. Foi assim quando falamos
do desenvolvimento do iluminismo e dos ideais burgueses e das invasões europeias promovidas por
Napoleão, que, no caso da Península Ibérica, agiu como catalisador dos movimentos de emancipação.
Podemos considerar que a Doutrina Monroe dos Estados Unidos (1823) foi um ponto muito
importante nas relações exteriores da América Independente, mas à medida que esse mesmo país se
expandia territorialmente e, após a Guerra Civil, buscava se consolidar internamente, sua política em
relação aos vizinhos americanos começava a se transformar.
Já no final do século XIX, a maior parte das regiões americanas já era independente politicamente de
suas antigas metrópoles, no entanto no Caribe ainda existiam territórios controlados pela Espanha, como
Cuba e Porto Rico. Os Estados Unidos, visando proteger seus interesses econômicos na região caribenha,
tornou‑se intervencionista. Um dos grandes exemplos desse processo foi a imposição de um conjunto
de medidas que permitiam aos Estados Unidos intervir na ilha de Cuba, mesmo após sua independência
da Espanha em 1898, caso seus interesses econômicos fossem afetados. Essa medida, conhecida e
anotada nos manuais de História como Emenda Platt, vigorou até 1934, sendo um importante fator de
instabilidade e demonstração dos interesses norte‑americanos colocados acima da soberania dos países
que se tornavam independentes, e esse processo não parou por aí.
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Zona do Canal
Rodovia
Ferrovia
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Unidade III
Observação
O último quartel do século XIX, que coincidiu com o início do porfiriato, conforme, indicamos, foi
um momento de grande modernização econômica com substanciais transformações no capitalismo,
que entrava em sua segunda fase industrial. O México também passou por mudanças. Vale lembrar
que a presença dos Estados Unidos era um fator que deixava bastante presente o fantasma de novas
invasões e perda de terras. Assim, o governo de Díaz passou a empreender um programa que, ao menos
economicamente, seria modernizador do país.
Figura 44 – Porfirio Díaz, durante o seu longo governo, foi o grande responsável pela modernização do México.
Sob a prosperidade, contudo, escondiam‑se a miséria e a opressão que vitimavam o campesinato
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
As exportações para os Estados Unidos eram crescentes, e o governo alterou as leis de exploração
do subsolo nacional para franquear aos Estados Unidos a possibilidade de exploração mineral. De
acordo com as observações de Prado e Pellegrino (2014, p. 102), os transportes passaram por uma
intensa modernização, pois de 640 km de ferrovias em 1876, passou‑se para 19.280 km em 1910.
Nesse momento, o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos o levava a ser protecionista em
alguns casos, e, por consequência, ficava muito cara a entrada de certos produtos mexicanos no país,
incentivando, assim, a produção interna.
Esse quadro geral complicado foi agravado pelo porfiriato com sua Lei dos Baldios – lei de colonização
de terras consideradas devolutas do Estado e que na prática facilitou a concentração ainda maior
de terras nas mãos de poucos proprietários. De que maneira isso acontecia? Empresas agrimensoras
demarcavam extensas áreas e podiam se apropriar de terras consideradas baldias ou devolutas.
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Unidade III
Para enfatizar o progresso material do período, alguns autores destacam que a economia cresceu
cerca 8% ao ano, taxa média, e que foi permitida a entrada de investimentos e empresas dos Estados
Unidos, Grã‑Bretanha, França e Alemanha. Williamson (2009, p. 279) chega mesmo a afirmar que foi
estabelecida uma pax porfiriana, agradando sobremaneira empresas estrangeiras que passaram a se
instalar no país. Contudo, apesar desse crescimento econômico e material muito significativo, a política
não se modernizava tanto assim, pois:
Dessa maneira, a modernização econômica e a exclusão crescentes eram muito presentes na ditadura
de Porfirio Díaz. O porfiriato foi marcado pelo exercício da autoridade pessoal de um único homem
que, apesar de promover um determinado modelo de crescimento econômico, não deixava de ser uma
ditadura. O legado desse período histórico foi tão penoso para a sociedade mexicana em geral que, no
início do século XX, eclodiu ali uma de suas mais significativas revoluções: a Revolução Mexicana, que
era, justamente, contrária ao mundo estabelecido pelo porfiriato.
poderosas forças armadas camponesas, também é verdade que não dispunham de uma
proposta política para oferecer à nação, à sociedade nacional, às diversas classes e correntes
da revolução. Retiraram‑se. Pouco a pouco, foram sendo batidos. Em 1919, Zapata foi
assassinado, depois de ter sido traído em uma emboscada preparada a mando do governo
de Venustiano Carranza (1914-1920).
Exemplo de aplicação
Sugerimos uma pesquisa para comparar a questão da terra no século XIX e no início do século XXI
e de que maneira a questão da exclusão popular do acesso à terra aparece na grande mídia. Além desse
aspecto, podem ser discutidos a globalização e seus efeitos por meio do estudo do movimento zapatista.
Você consegue encontrar notícias, histórias, manifestos e vídeos a respeito dos zapatistas?
Vale lembrar que, quando falamos de imperialismo na América Latina, o mais adequado seria falar
“imperialismos”, pois não foram apenas os Estados Unidos que procederam dessa maneira. Verdade seja
dita: eles promoveram diversas intervenções e golpes ao longo dos século XIX e XX, mas não foram
solitários nessas práticas.
Note‑se que na citação ocorre certa inversão lógica, posto que os ditos responsáveis pelas intervenções
são aqueles que as sofrem. A Argentina, em razão de seu ditador, no século XIX, não respeitava franceses
e ingleses, mas não podemos deixar de lembrar que os europeus – ao menos em termos econômicos, mas,
em certos casos, políticos e sociais também – agiam como se algumas áreas do globo lhes pertencessem
(e não estamos nos referindo às colônias), o que, necessariamente, provocava sérios atritos.
137
Unidade III
Para nos aproximarmos novamente da história do Brasil, uma vez que a citação toca no assunto
das relações internacionais do império, o Brasil considerava a região platina parte de sua esfera de
influências e por isso promovia intervenções tanto na Argentina quando no Uruguai. Os motivos
alegados quase sempre eram a defesa de interesses econômicos e a busca de pacificação da instável
região constantemente sacudida por lutas entre caudilhos que às vezes ultrapassavam a fronteira e
atingiam estâncias no atual Rio Grande do Sul. Sem falar, é claro, do maior conflito em que o Império
do Brasil se envolveu, que foi a Guerra do Paraguai.
Assim como os demais países americanos, o Brasil passou por momentos complicados na construção
de seu Estado Nacional, estando, por vezes, sob risco de fragmentação e destruição da unidade
arduamente conquistada. Enquanto os vizinhos se digladiavam internamente, o Brasil também passava
por uma série de revoltas de extrema gravidade. Vale lembrar que, no Primeiro Reinado, a Confederação
do Equador, em 1824, chegou a separar-se e a constituir‑se como uma república, representando ameaça
bem concreta à unidade do império.
Durante o Período Regencial, de 1831 até 1840, foram diversas as revoltas e ameaças. A Farroupilha,
por exemplo, chegou a formar uma república por dez anos. No Segundo Reinado, ao menos em seu início,
as revoltas ainda não haviam sido “pacificadas”. Portanto, atribuir a instabilidade às repúblicas platinas e a
estabilidade ao império brasileiro é um considerável equívoco, que suspeitamos não ser fruto de ingenuidade,
e sim parte da propaganda da monarquia sobre si mesma, para se colocar como mais segura, mais estável
e, portanto, como garantia contra as revoluções que se desenvolviam nos vizinhos republicanos.
Se na América Espanhola as disputas mais intensas se davam entre liberais e conservadores, entre
projetos de descentralização e de centralização política, no Brasil a realidade não estava tão distante
disso. Coroar o herdeiro do trono em 1840, antecipando sua maioridade – naquilo que foi chamado de
Golpe da Maioridade – dá a medida dos riscos que o império corria. Também no Brasil havia certa tensão
entre centralização e descentralização, ou seja, entre conservadores e liberais.
No Brasil, os anos de 1840 e 1850 são considerados como os da consolidação do Estado nacional, politicamente
falando. E por que isso? Porque em 1847 o sistema político foi organizado com o que se convencionou chamar
de Parlamentarismo às Avessas, no qual, ao contrário do modelo clássico inglês, quem determinava as escolhas
para comandar o gabinete ministerial era o próprio imperador, no uso do Poder Moderador.
A questão do Poder Moderador foi trabalhada na historiografia, que tem no trabalho de Ilmar Mattos
uma importante referência:
Explicando os termos, saquaremas são os conservadores políticos. O que na América espanhola seriam
os unitaristas e os luzias, no Brasil seriam os liberais, ou seja, os federalistas, o que esquematicamente
seria representado assim:
Progressistas Regressistas
Partido Partido
Liberal Conservador
O fundamental é perceber que no Brasil também foi complicada a fase de consolidação e que, ao
final do processo, a tendência centralista/conservadora, prevaleceu, sendo estruturada em um momento
chamado Era da Conciliação ou Gabinete da Conciliação, por ter representantes dos liberais e dos
conservadores. Nas palavras do próprio ministro Carneiro Leão, articulista dessa política:
139
Unidade III
[...] à conciliação. É verdade que esta palavra resumia toda a situação, e não
era senão o eco mais ou menos remoto do pensamento de todos os homens
da política; era o fato palpitante, a fase saliente da época (José de Alencar)
(FERRAZ, 2010).
No início da década de 1860, a situação platina se agravava. A década anterior já havia sido
extremamente tensa, com interferências do Brasil na região, inclusive para auxiliar caudilhos platinos
em suas guerras regionais, pois o governo do Rio de Janeiro tomava partido, no Uruguai, dos Colorados,
chefiados por Rivera, contra os Blancos (grupo dos grande pecuaristas) de Oribe.
Para marcar a violência que caracterizou esse governo, num evidente esforço de demonização dos
caudilhos e de federalismo:
As instabilidades platinas, como foi ressaltado, envolviam, muitas vezes, o Brasil. O império
frequentemente enviava tropas para fazer valer seus interesses na região.
Um olhar tão crítico e bem-estruturado como o de Barrio contribui para a compreensão dos interesses
em disputa na região platina, para além de ser um olhar apenas brasileiro da questão.
Em sua tese, defende esse autor que assim o império passa à intervenção e derrota a Confederação
Rosista. O Paraguai estava isolado, e o Uruguai era um quase protetorado do Brasil quando impôs
Venancio Flores, um colorado, na Presidência do Uruguai. A política “civilizatória” vai se transformando
em imposição mesmo para a defesa de interesses de cidadãos brasileiros no Uruguai – o que nos
faz lembrar todo discurso imperialista dos Estados Unidos ou da Europa no século XIX, justificando
intervenções e ataques a Estados soberanos no Caribe e na América Central.
141
Unidade III
Ainda na região platina, outros países tinham grande importância para o equilíbrio das relações.
O Paraguai, diferentemente dos vizinhos, procurou por muito tempo não participar das disputas mais
diretas, foi longamente controlado por uma ditadura perpétua dominada por Francia entre 1814 e 1840.
O governo dominava a política interna com grande força, e a economia da erva‑mate também. Com a
morte do ditador em 1840, o país enfrentou algumas instabilidades, mas Carlos López chegou ao poder
e, apesar de manter a forma de controle do Estado, buscou novas relações econômicas externas.
O rio da Prata, conforme apresentado, tinha importância vital para as quatro nações que
comercializavam e deslocavam suas populações por ele, por isso mesmo era foco de constantes tensões.
As disputas internas da Argentina e do Uruguai diversas vezes transbordavam, e o Brasil sempre
acompanhava muito de perto os acontecimentos nos países vizinhos. Na década de 1840, com receio
do domínio portenho sobre o Uruguai, o Brasil articulou a Guerra contra Rosas e Oribe, e, em 1851, uma
força brasileira composta por Caxias e Grenfell entrou no Uruguai para apoiar Urquiza contra Oribe.
Os conflitos eram de tal ordem que o governo paraguaio chegou a fazer acordos com a província
argentina de Corrientes no momento em que se rebelava contra o poder de Rosas.
142
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Entre 1864 e 1865, a crise aumentou, e as exigências do Brasil em relação ao Uruguai provocaram
o cerco de Montevidéu. Com a deposição do presidente Aguirre, o colorado Venâncio Flores, aliado do
Brasil, chegou ao poder.
Próximo dali o Paraguai buscava se modernizar importando técnicos estrangeiros e fortalecendo seu
poder da Marinha e do Exército e comprando material bélico da empresa inglesa Blyth & Co. Solano
López, quando mais jovem, havia ido para a Europa. Esse processo não tinha paralelo entre os vizinhos.
As culturas de tabaco e erva‑mate prosperavam, e ainda havia uma nascente indústria de tecidos,
papéis, pólvora, louças, materiais de construção, telégrafos, estradas de ferro. Além disso, os camponeses
recebiam terras para cultivar – o que se constituiu como uma notável exceção da América Latina, e o
país tinha superávit nas exportações de quase o dobro do que importava.
143
Unidade III
O Paraguai do ditador Solano López possuía uma armada forte, um exército moderno e bem-treinado
e quando se decidiu pelo apoio a Aguirre contra os interesses do Brasil, precisou ser agressivo. O ataque
ao Mato Grosso e às províncias argentinas de Entre‑Rios e Corrientes foi avassalador. De acordo com
Alencar (1996):
O ataque paraguaio em 1864 começou quando o Paraguai prendeu um navio brasileiro, o Marquês
de Olinda, em 10 de novembro, que navegava pelo rio Paraguai em direção ao Mato Grosso. Pouco
depois o Mato Grosso era invadido pelo Paraguai, e em seguida o foram Corrientes e Rio Grande do Sul.
144
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
A guerra começou com o envio paraguaio de 3.200 homens por via fluvial e 3.500 soldados. O
impacto desse ato foi enorme no Rio de Janeiro. O Mato Grosso contava com somente 875 soldados
para sua defesa, quatro embarcações – apenas uma armada com dois canhões – e o avanço paraguaio
não pôde ser detido, chegando a Corumbá. A ação contra a Argentina ocorreu principalmente em razão
de o presidente Mitre ter recusado a permissão de passagem das tropas paraguaias por seu território.
Assim, Corrientes foi invadida por uma força de 20 mil homens, o que, segundo Doratioto (1996, p. 20),
foi um gritante erro paraguaio, pois o levava a acumular inimigos.
Dessa maneira, os governos do Brasil, da Argentina e do Uruguai deixaram de lado suas diferenças e
discordâncias e passaram a se articular para combater o inimigo comum, assinando o Tratado da Tríplice
Aliança, firmado em 1º de maio de 1865, em Buenos Aires. Ficou estabelecido que seus membros deveriam:
Comparado o que seria mobilizado, a diferença não era irrelevante, uma vez que a Tríplice Aliança
tinha em torno de 11 milhões de habitantes, e o Paraguai, perto de 318 mil. No comércio exterior
os Aliados tinham 36 milhões de libras (sendo 23 milhões do Brasil), e o Paraguai, meio milhão
(DORATIOTO, 1996).
145
Unidade III
O comando geral das forças do Brasil, no decorrer dos combates, coube a Caxias, então marquês – que
em alguns momentos chegou a ser o comandante-geral das forças aliadas contra o Paraguai. Caxias, exausto
da intensa campanha desde 1867, tendo inclusive sido alvejado por balas dos inimigos, e seu cavalo, abatido
numa investida de grande risco, situações que Solano López evitava a todo custo, escreveu que
“[...] o que de coração desejo é ver concluída esta maldita guerra, que já tanto tem arruinado nosso
país” (CAXIAS apud DORATIOTO, 1996).
Em 1º de janeiro de 1869, Assunção, a capital, foi ocupada pelo coronel Hermes da Fonseca, com
1.700 homens. Foi então saqueada, apesar das ordens contrárias a essa prática determinadas por Caxias,
inclusive com ameaça de fuzilamento dos infratores.
Em 14 de janeiro, Caxias declarou encerrada a guerra e se retirou para o Rio de Janeiro. O ditador
paraguaio escapou de Assunção fugindo e foi caçado pelos Aliados. O comando brasileiro coube ao
genro de Pedro II, o Conde d’Eu, e o ditador paraguaio morreu após longa perseguição em 1º de março
em Cerro Corá. Solano López foi executado pelo cabo Chico Diabo (Francisco Lacerda), depois de proferir
uma sentença famosa: “Não lhe entrego a minha espada; morro com a minha espada e pela minha
pátria!” (DORATIOTO, 1996).
Saiba mais
A paz com o Paraguai foi assinada em 1872, e depois de tantos esforços de ambos os lados, a nação
paraguaia estava destruída.
Todos esses ataques, trocas de comandos e excessos cometidos revelam que muitas vezes pensamos
nas relações entre América e Europa como simples intervenções, mas é mais complexo do que isso, pois
o Brasil, para ter sua independência reconhecida pelos europeus, renovou tratados comerciais e outros
que regulavam o tratamento devido aos súditos da majestade britânica no Brasil: os Tratados de 1810,
que, renovados para o reconhecimento da independência, passariam a ser os Tratados de 1827.
Lembrete
146
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Apesar dessa tão significativa pressão britânica, no caso do Brasil, reações foram esboçadas nos
momentos em que o governo buscava se firmar no cenário internacional por meio da construção
de uma política na qual o império firmava seus interesses, em alguns casos, discordando dos
britânicos. Na década de 1860, pouco antes de a Guerra do Paraguai ser deflagrada, o Brasil
estava distanciado diplomaticamente da Inglaterra em razão dos atritos gerados pela atuação
do representante de sua majestade no Rio de Janeiro. O caso é que um navio de propriedade
britânica chamado Príncipe de Gales encalhou na costa do sul do Brasil e a carga foi levada
pela população. Mediante a situação, o representante inglês, William Christie, passou a exigir
indenização do governo brasileiro, que, ao menos inicialmente, recusou. Para agravar a crise,
ingleses foram detidos no Rio de Janeiro por promover arruaças à noite, e Christie exigiu sua
soltura e pedido de desculpas do governo brasileiro.
O governo de Dom Pedro II, que buscava mais respeito internacional, recusou-se, e isso provocou um
rompimento diplomático efêmero entre Brasil e Inglaterra. Para assegurar o pagamento da indenização,
os ingleses posicionaram uma esquadra no porto do Rio de Janeiro, conseguindo, assim, que o governo
brasileiro pagasse a indenização pelos prejuízos materiais.
Diversos outros atritos entre americanos e europeus se desenvolveram no século XIX, tendo como
deflagradores questões políticas e econômicas, invasões ou bloqueios no Prata, no Caribe, na América
Central e no México. As principais potências europeias e os Estados Unidos desenvolveram políticas
agressivas para fazer valer seus interesses políticos e econômicos. No caso dos Estados Unidos, sua
própria expansão territorial desenvolvida por meio de conquistas de territórios e guerras já revelava o
caráter fundamentalmente militar e econômico de suas relações internacionais, ao menos nos assuntos
de meados do século XIX. A ocupação do Atlântico ao Pacífico com a Doutrina do Destino Manifesto
ganharia, quase cinco décadas depois, contornos ainda mais claros no sentido de expansão de seu
poderio militar para fazer valer seus interesses no hemisfério ocidental.
No século XIX era perfeitamente razoável a defesa das intervenções que, no limite, desrespeitavam
sistematicamente as soberanias nacionais, pois se tratava de ataques a Estados independentes e, ao
menos em tese, soberanos. Isso ocorreu em muitas ocasiões.
Observação
Contudo, apensar do tom quase anedótico da Guerra de los Pasteles, o que estava por trás era a ação
de potências estrangeiras em países já independentes da América.
Assim, fica evidente a conexão entre movimentos europeus e americanos numa dinâmica de
expansão capitalista sem precedentes.
Tal mudança de atuação norte‑americana ficou conhecida no Brasil como a Big Stick Policy ou
Política do Grande Porrete – segundo a qual o presidente Roosevelt teria afirmado que nas relações
internacionais na região que estamos apresentando era preciso que o político “falasse macio, mas usasse
um porrete”. Nessa medida, aos poucos, foi ficando mais claro o posicionamento norte‑americano na
região do Caribe e da América Central. Por incrível que pareça, alguns governos chegaram mesmo a
solicitar proteção diretamente ao governo dos Estados Unidos como protetorados. Nicarágua, Santo
Domingo e Haiti chegaram a solicitar essa proteção em troca da cessão de territórios ou bases militares.
Um dos pontos altos da corrida pelo controle do Caribe e da América Central foi a questão da
construção do Canal do Panamá, iniciada por uma empresa francesa em 1878, chamada Companhia
Francesa do Canal do Panamá. Ele seria concluído pelos Estados Unidos, que auxiliaram na separação do
Panamá em relação à Colômbia, obtendo a cessão do uso do canal e vantagens na região.
Os Estados Unidos, no intuito de consolidar sua liderança continental, passaram a desenvolver um papel
muito importante na promoção de reuniões internacionais, e o governo norte‑americano, em 1881, fez um
convite aos países americanos para a Conferência Americana Internacional, que depois foi cancelada por
questões internas dos próprios Estados Unidos. Aos poucos, a nação começou também a contrabalançar
a influência europeia por meio de investimentos diretos de capital, mas os investimentos da Inglaterra, da
França e da Alemanha eram ainda muito significativos. Por isso, os norte‑americanos se concentraram mais
na região sul, com especial atenção para México e Cuba – que ainda era uma colônia da Espanha.
É fundamental ressaltar que o século XIX, principalmente nas décadas de 1880 e 1890, foi marcado
pelo desenvolvimento do capitalismo industrial, que caracterizou a chamada Segunda Revolução
Industrial, que, diferentemente da Primeira Revolução Industrial, não ficou restrita à Inglaterra. À medida
que a França, a Bélgica, a Itália, a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão se consolidavam internamente
como Estados nacionais orientados para os interesses de suas burguesias industriais, as disputas entre
eles por territórios coloniais, fontes de matérias‑primas para seus mercados consumidores, locais para o
investimento direto de seus excedentes de capitais – com significativos aportes em áreas como serviços,
bancos, seguros, transportes e mesmo empréstimos – e por novas regiões para onde os excedentes
populacionais pudessem migrar e encontrar meios de subsistência provocou uma onda de conquistas
na África e na Ásia chamada de neocolonialismo.
Uma vez mais, a Europa lançava‑se com bastante ímpeto à conquista de áreas coloniais. Dessa vez,
parte da justificativa era aquilo que acreditavam ser a própria ideia de superioridade do homem branco,
ideal civilizatório esse que foi contemplado por um poema de Rudyard Kipling, intitulado O Fardo do
Homem Branco (KIPLING apud FACINA, [s.d.]) e que exprime essa noção de obrigação de conquista
para civilizar o outro. Na verdade, essa era uma justificativa ideológica, um moralismo europeu – que
disfarçava a constante expansão do capitalismo monopolista que se sofisticava cada vez mais por meio
da organização de trustes, cartéis e holdings.
149
Unidade III
Saiba mais
É verdade que oficialmente os Estados Unidos não tomaram nenhuma região fora de suas fronteiras
como sua colônia, apenas defenderam enfaticamente seus interesses em diversos países e compraram
um território na África para o retorno dos afrodescendentes à terra de seus ancestrais – a propósito, o
país de que estamos falando é a Libéria, que se tornou um Estado soberano em 1847.
Apesar dessa preocupação concreta com o destino dos afrodescendentes, o foco norte‑americano
era mesmo sua consolidação americana:
150
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Ao perceber a crescente influência dos Estados Unidos e em razão da necessidade de defender seus
interesses regionais e continentais, o próprio Congresso pediu ao presidente Cleveland que convidasse os
latino‑americanos para uma conferência em Washington em 1889. Os Estados Unidos tentaram aprovar
a criação de uma liga aduaneira, mas os futuros estados se recusaram, evidenciando que a construção
de sua hegemonia continental não seria tão simples assim. No entanto, em alguns momentos, a atuação
norte‑americana foi pautada por um pragmatismo que se revelou muito proveitoso, pois, diante das
ameaças de aumento do poderio europeu sobre as Américas, eles foram obrigados a agir. Os ingleses
atacaram e conquistaram parte da Nicarágua, e esse movimento era percebido pelo governo dos Estados
Unidos quase como uma intromissão em sua própria soberania.
Na década de 1890, a percepção de que o mundo estava sendo tomado pelo avanço de potências
capitalistas europeias deu margem à ideia de que os Estados Unidos corriam o sério risco de serem
isolados no continente.
O quadro interno era favorável ao aumento da influência dos Estados Unidos sobre as áreas próximas
quando, bem próximo ao Estado norte‑americano da Flórida, irrompeu aquilo que parecia ser mais
um dos muitos conflitos existentes na América Latina. No entanto, em 1895, o movimento que se
desenvolveu em Cuba tinha uma natureza bastante específica – era uma guerra de libertação em relação
à metrópole colonizadora. Cuba foi a última colônia hispano‑americana a conseguir sua independência,
e assim mesmo com forte presença dos Estados Unidos.
151
Unidade III
Figura 49 – América Central: divisão Política. Observe a posição estratégica central de Cuba
O conflito que permitiu a emancipação cubana ficou conhecido como Guerra Hispano‑americana, e
a vitória final dos Estados Unidos – em dezembro de 1898 – foi ratificada pelo Tratado de Paris, segundo
o qual a Espanha entregava Porto Rico para os Estados Unidos e Cuba se tornava independente. Por
meio desse mesmo tratado a Espanha cedeu as Filipinas e as ilhas Guam, no Pacífico.
Uma vez que a libertação foi realizada com forças norte‑americanas que lutaram e expulsaram os
espanhóis, a ilha ficou sob ocupação militar dos Estados Unidos, mesmo após sua independência.
Apesar de publicamente o presidente McKinley não ser favorável a uma guerra na região, admitia
que considerava ser o país o responsável pela ordem no Caribe. A alegação para a intervenção veio do
afundamento de um navio norte‑americano chamado Maine no porto de Havana. Assim, em meio à
grave crise, McKinley pediu autorização ao Congresso para agir, alegando ser dever internacional dos
Estados Unidos manter a paz de todos os países civilizados:
Assim, a ilha seria controlada pelo governador militar norte‑americano, o general Leonard Wood,
que convocou uma Assembleia Constituinte para elaborar a Constituição do país. Nesse momento, o
governador militar escreveu ao então presidente Theodore Roosevelt:
será amigável e uma fonte de poder para nós? Isso certamente é melhor
do que ter às nossas portas uma ilha desmoralizada, assolada pela pobreza,
como Santo Domingo ou o Haiti [sic] cujas condições de existência põem em
risco as vidas de milhões de nossos cidadãos (BETHELL, 2009, p. 624).
Leonard Wood defendeu investimentos na ilha como uma forma positiva de estabilização e controle
por parte dos Estados Unidos, e isso acabou se transformando num padrão norte‑americano apelidado
de diplomacia do dólar.
A Assembleia Constituinte convocada ainda sob ocupação dos Estados Unidos aprovou a Constituição
Cubana de 1901, a primeira do país independente. Ela recebeu, no entanto, uma emenda norte‑americana
conhecida como Emenda Platt – que ganhou esse nome devido ao senador Orville H. Platt – assegurando
o direito norte‑americano de intervir militarmente na ilha caso julgasse necessário. As implicações
disso para o governo cubano eram significativas, pois limitavam a dívida pública e a assinatura de
acordos militares com outras potências. Somou‑se a isso o arrendamento de uma área necessária para
o estabelecimento de base militar norte‑americana, que é a atual Base Naval de Guantánamo, por meio
da qual os Estados Unidos passaram a controlar na Ilha de Cuba uma área de 117 km².
Em 1902, tomou posse o primeiro presidente eleito de Cuba, Tomás Estrada Palma, um líder conservador
que seria reeleito em 1906. Mesmo com a independência de Cuba assegurada, no momento em que
estouravam revoltas e disputas entre os diferentes grupos políticos, os Estados Unidos despachavam para a
ilha suas forças militares com a alegação de que seriam forças de pacificação. Ainda no final do século XIX, as
palavras de Leonard Wood elucidavam quais os rumos da política dos Estados Unidos em relação ao Caribe:
[...] não há meio de fugir do fato de que, mesmo não sendo donos da ilha,
somos responsáveis por sua conduta, pela manutenção de um governo
estável e pelo tratamento justo e equitativo dos estrangeiros que ali residem
(BETHELL, 2009, p. 625).
Vale ressaltar que essa dinâmica de crises e intervenções acabou contribuindo para surgir em Cuba
certa ambiguidade, pois, de um lado, o povo se sentia atacado pelos Estados Unidos em sua soberania,
em razão de tantas intervenções seguidas; por outro, alguns grupos políticos buscavam justamente
apoio nos Estados Unidos para permanecer no poder. Foi assim com alguns presidentes cubanos no
século XX, até que a Revolução Cubana pôs fiz a esse processo.
Saiba mais
153
Unidade III
Cuba, assim como o Brasil no século XIX, era profundamente marcada pela presença da escravidão,
e isso vinha aparecendo para a sociedade como um problema a resolver, principalmente, a partir da
primeira tentativa de independência em 1868. O movimento que mencionamos e que provocou a
independência de fato foi uma Segunda Guerra de Independência. Como figura de projeção na defesa
da emancipação, aparece José Martí (1853-1895).
De uma maneira geral, Martí pode ser visto como um defensor e, ao mesmo tempo, um crítico do
imperialismo.
“Não é à forma das coisas que devemos nos ater, e sim ao seu espírito. O real é o que importa, não o
aparente. Na política, o real é o que não se vê” (RODRÍGUEZ, 2006, p. 7).
Após se engajar nas lutas pela independência de Cuba, em sua primeira fase, Martí passou por México,
Guatemala, Venezuela e Estados Unidos e, com isso, entrou em contato com as mais diversas realidades
americanas, afirmando, em Nova Iorque, em 1883, que “O nosso sonho é que os povos da América Latina
se entusiasmem e se unam” (RODRÍGUEZ, 2006, p. 25). Quando o movimento pela independência de
Cuba recobrou o fôlego, em 1895, Martí novamente foi um defensor da ruptura total com a metrópole e,
contrário às correntes majoritárias que se estabeleceram na política da ilha pós‑independência, era crítico
da atuação norte‑americana por perceber que esses investimentos poderiam levar a intervenções militares.
Em seu caminho de retorno a Cuba para lutar por sua libertação, passou pela República Dominicana
e lá publicou seu Manifesto de Montecristi em defesa da independência de Cuba. Além disso, foi criador
do Partido Revolucionário Cubano (PRC). Martí e o General‑em‑Chefe do Exército Libertador, Máximo
Gómez Báez, firmaram o documento pela independência de Cuba – adotando a ideia de que a guerra
pela libertação seria uma guerra necessária. Como morreu na batalha de Dos Ríos, ainda no início dos
confrontos contra os espanhóis, acabou recebendo certa aura de herói: “El Apostól”.
154
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Saiba mais
EL OJO del canário. Dir. Fernando Perez. Cuba: Televisión Española, 2010.
120 minutos.
José Enrique Rodó é um escritor que ganhou notoriedade devido à independência de Cuba. Ele
publicou o livro Ariel, no qual fez referências aos interesses dos Estados Unidos em Cuba, denunciando
o “perigo ianque”. De acordo com Prado e Pellegrino (2014):
Nesse livro, Rodó construiu uma oposição entre a América Latina e os Estados
Unidos, que marcava as diferenças entre os dois mundos, ganhando enorme
repercussão entre o público leitor da América espanhola. Rodó apropriou‑se das
personagens centrais da peça de Shakespeare, A tempestade, e a partir delas
criou metáforas culturais e políticas sobre as Américas. Na peça original, Próspero
é o senhor de uma ilha que possui um servo em forma de espírito alado, Ariel,
e um escravo disforme, Caliban. O autor fez de Ariel – representação da beleza,
da filosofia, das artes, do sentimento do belo, das coisas do espírito – o símbolo
da América Latina; e de Caliban – ligado à matéria, ao dinheiro, ao imediato e
ao efêmero – a marca dos Estados Unidos (PRADO; PELLEGRINO, 2014, p. 98).
Mesmo considerando o aspecto dicotômico da separação entre o bem e o mal, o certo e o errado,
o nós e o outro, é possível perceber como parte da América Latina olhava ora com receio, ora com
admiração para os Estados Unidos em suas tão variadas formas de atuação, que oscilavam entre de
dominador e líder, opressor e exemplo, mas isso já é assunto para outras disciplinas.
Saiba mais
155
Unidade III
Resumo
Exercícios
Questão 1. (Enade 2008) “[...] o fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única,
que atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada vez mais densa de
transações econômicas, comunicações e movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando os países
desenvolvidos entre si e ao mundo não desenvolvido.[...] Sem isso não haveria um motivo especial para
que os Estados europeus tivessem um interesse algo mais que fugaz nas questões, digamos, da bacia
do rio do Congo, ou tivessem se empenhado em disputas diplomáticas em torno de algum atol do
Pacífico. Essa globalização da economia não era nova, embora tivesse se acelerado consideravelmente
nas décadas centrais do século” (HOBSBAWM, 1988, p. 95).
D) O favorecimento social das regiões coloniais com a ampliação dos investimentos europeus.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: a economia global única no século XIX apontada por Hobsbawn se formou pelo avanço
do capitalismo industrial, e não por efeito de políticas estatais protecionistas.
B) Alternativa correta.
Justificativa: ao longo do século XIX, o capitalismo industrial se espalhou pelos países europeus, que
se lançaram numa disputa imperialista pelos outros continentes em busca de novos mercados.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: a expansão do capitalismo industrial exigia mercados abertos, o que se chocava com as
restrições econômicas do sistema colonial. As independências das colônias interessavam a essa expansão.
157
Unidade III
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: os investimentos europeus nos países de passado colonial foram feitos na área de
transportes e de infraestrutura, para garantir a circulação de matérias-primas e dos bens de consumo
que comercializavam, e não no setor social.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. (Enade 2008) “Essas ilhas são apêndices naturais do continente norte-americano, e uma
delas – quase visível a olho nu de nossas costas – tornou-se, por muitas considerações, um objeto de
importância transcendente para os interesses comerciais e políticos da nossa União. [...] Entre os interesses
daquela ilha e deste país, tais são, certamente, as relações geográficas, comerciais, morais e políticas
formadas pela natureza, a cristalizarem-se no processo do tempo, neste momento mesmo alcançando
a maturidade, [...] é difícil resistir à convicção de que a anexação de Cuba por nossa República Federal
será indispensável à continuidade e à integridade da nossa própria União [...] Há leis da política como
há leis da gravitação física. E se uma maçã, separada de uma árvore nativa pela tempestade, não pode
escolher, mas apenas cair no chão, Cuba, por força desligada do seu vínculo não natural com a Espanha,
e incapaz de se sustentar, só pode gravitar na direção da União Norte-Americana, a qual, pela mesma lei
da natureza, não pode segregá-la do seu seio.” (Carta de John Quincy Adams, secretário de Estado dos
Estados Unidos, a Hugh Nelson, representante norte-americano em Madri, 23 de abril de 1823.)
A) Os interesses dos Estados Unidos no Caribe datam da sua participação na Guerra Hispano-
Americana.
C) A essência da Doutrina Monroe, “América para os americanos”, definia o continente como zona
de influência dos EUA.
D) A criação de um império de portas abertas contribuiu para o declínio da ideia de expansão das
fronteiras.
158
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8
159
Figura 9
Figura 10
Figura 11
Figura 12
Figura 13
Figura 14
Figura 15
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REFERÊNCIAS
Audiovisuais
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A MÁSCARA do Zorro. Dir. Martin Campbell. EUA: Tristar Pictures, 1998. 136 minutos.
A REVOLUÇÃO não será televisionada. Dir. Kim Bartley; Donnacha O’Briain. Irlanda; Holanda; EUA;
Alemanha; Finlândia; Reino Unido: Power Picture/Agência de Cinema da Irlanda, 2003. 74 minutos.
AMISTAD. Dir. Steven Spielberg. EUA: DreamWorks SKG, 1998. 155 minutos.
ANJOS assassinos. Dir. Ronald F. Maxwell. EUA: Tristar Pictures, 1993. 254 minutos.
ARTIGAS, la Redota – uma historia de Artigas. Dir. César Charlone. Uruguai: Wanda Films, 2011. 115 minutos.
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DOZE anos de escravidão. Dir. Steve McQueen. EUA; Reino Unido: Regency Enterprises, 2013. 134 minutos.
HIDALGO. Dir. Antonio Serrano. México: Astillero Films, 2010. 115 minutos.
EL OJO del canário. Dir. Fernando Perez. Cuba: Televisión Española, 2010. 120 minutos.
JOHN Adams. Dir. Tom Hooper. EUA: HBO Filmes; Playtone, 2008. 7 cap. Série.
JUÁREZ. Dir. William Dieterle. EUA: Warner Bros., 1939. 125 minutos.
O ÁLAMO. Dir. John Lee Hancock. EUA: Touchstone Pictures, 2004. 137 minutos.
O LIBERTADOR. Dir. Alberto Arvelo. Espanha; Venezuela: Producciones Insurgentes, 2014. 119 minutos.
REVOLUCIÓN, el cruce de los Andes. Dir. Leandro Ipiña. Argentina: TV Pública, 2011. 90 minutos.
TEMPO de glória. Dir. Edward Zwick. EUA: Tristar Pictures, 1989. 122 minutos.
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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000