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ESPECIAL

Metodologias
Ativas
Confira as respostas para as principais
dúvidas sobre essas estratégias e
conheça exemplos práticos de como
incorporá-las no planejamento
Índice
1. O que são
metodologias ativas? .......................... 4
2. Conheça dois
dos modelos mais adotados ........... 28
3. Laboratório rotacional
e modelo virtual aprimorado ........... 58
4. Como ir além
do ensino híbrido .............................. 85
1. O que são
metodologias ativas?
Professores e especialistas
apontam caminhos para explorar
essas estratégias que colocam o
estudante no centro do processo de
Imagem: André Asahida

aprendizagem
Victor Santos | 08 de Setembro de 2021

4
Como podemos repensar o
papel do aluno e do professor
no processo de ensino e
aprendizagem? Essa pergunta
pode parecer extremamente atual
se considerarmos o turbilhão
de transformações pelo qual a
Educação passou desde 2020,
quando foi estabelecido o ensino
remoto emergencial. Muitos
elementos desse modelo, inclusive,
ainda perduram em 2021, momento
em que se consolida um gradual
retorno presencial.

No entanto, já faz muito tempo que


educadores do Brasil e do mundo
fazem esse tipo de questionamento.
“O próprio Paulo Freire já discutia
essa questão, por exemplo, quando
colocou o paradigma da educação
bancária, fazendo a reflexão de 5
que, na sala de aula com carteiras
enfileiradas, os alunos ficavam ali,
sentados, recebendo passivamente a
Educação”, aponta Adolfo Tanzi Neto,
doutor em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem, e especialista
em metodologias ativas para o
contexto escolar.

A partir de reflexões críticas como


essa, estudiosos e professores
passaram a desenvolver pesquisas e
a buscar práticas que permitissem
trazer inovação para a sala de aula
e, principalmente, colocar o aluno
como protagonista do processo de
construção do conhecimento. Como
explica Débora Garofalo, professora
e coordenadora de tecnologia e
inovação da Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo (Seduc-SP),
“a pandemia apenas tornou mais 6
latente a necessidade do estudante
ser visto em sua individualidade,
numa busca por um ensino cada vez
mais personalizado e ativo”.

É por isso que, ao longo do mês de


setembro, NOVA ESCOLA publica
uma série de reportagens sobre
o tema metodologias ativas. Mais
do que apenas compreender no
que consistem, a ideia é ouvir de
especialistas e professores de
escolas públicas exemplos concretos
de como colocar esses métodos
em prática, em busca de uma
Educação cada vez mais alinhada às
demandas e necessidades reais de
alunos e docentes.

7
1.1. Protagonismo
e diferentes abordagens

“Pensar em metodologias ativas


é pensar em qualquer método de
trabalho em que o aluno tenha um
papel mais ativo no contexto de
ensino e aprendizagem. Por isso
denominamos de metodologias
ativas”, explica Adolfo Tanzi Neto. “E,
nessa linha, é preciso que o professor
crie espaços que proporcionem o
desenvolvimento do aluno por meio
de diferentes formas de se relacionar
com os conteúdos”.

Na mesma concepção, conforme


indica Débora, “trata-se de
abordagens que visam tirar o
estudante da passividade e trazê-
lo para o centro do processo de
8
aprendizagem. Para consolidar
essa dinâmica, existem diversas
possibilidades”. Com isso, e a partir
das explicações de Adolfo
e Débora, listamos a seguir algumas
dessas modalidades.

9
1.2. 5 formas de usar
metodologias ativas

1. Sala de aula invertida


Nessa prática, o professor
inicialmente propõe aos alunos
realizar uma tarefa específica
ou pesquisar sobre determinado
conteúdo antes de uma aula. Assim,
durante a aula, o docente utiliza
o que foi feito pelos alunos e, se
necessário, complementa com mais
explicações, momentos tira-dúvidas
e com atividades e debates sobre
o tema. Essa estratégia é um dos
modelos de ensino híbrido.

2. Rotação por estações


Consiste em organizar a sala de aula
em pequenos grupos, nas chamadas
estações, e, em cada uma delas,
10
realiza-se uma tarefa diferente,
embora todas estejam conectadas
a um mesmo tema. A ideia é que
os alunos façam um circuito por
essas estações, passando por todas
as atividades. O uso de um recurso
digital em uma das estações pode
ser útil para coletar dados sobre
a aprendizagem dos alunos. Essa
estratégia é outro modelo
de ensino híbrido.

3. Laboratório rotacional
Segue dinâmica semelhante à da
rotação, mas envolve outros espaços
da escola. Aqui são formados dois
grupos, sendo que um ficará no
espaço com o professor (que não
precisa ser a sala de aula) e o outro
irá utilizar um recurso digital em
outro local, como o laboratório de
informática, a biblioteca ou outro 11
espaço que cumpra a função.
Novamente, as ferramentas digitais
podem auxiliar a coleta de dados
sobre a aprendizagem, possibilitando
a personalização do ensino. Assim
como as anteriores, trata-se de um
modelo de ensino híbrido.

4. Aprendizagem baseada em projetos


Possui várias definições, sendo um
conceito bem amplo que busca
ensinar os conceitos curriculares aos
alunos integrando várias disciplinas. É
ideal que os projetos se baseiem em
situações-problema reais do contexto
escolar e dos alunos, buscando uma
solução em forma de produto, o que
vai envolver hipóteses, investigação,
construção de um plano para a
solução, e muito trabalho coletivo e
colaborativo. Ao final, os estudantes
podem compartilhar as soluções 12
construídas com a turma toda,
sendo mediados pelo professor.

5. Aprendizagem baseada
em problemas
Como o nome indica, utiliza
problemas para a construção dos
conceitos desejados pelo professor. É
interessante que os problemas sejam
baseados na realidade dos alunos,
que podem resolvê-los de diversas
formas – ou seja, são abertos e as
respostas não podem ser obtidas
por resoluções simples como a mera
aplicação de uma fórmula. O processo
de resolução dos problemas, inclusive,
pode ser mais importante do que
a própria solução, já que o docente
pode analisar a compreensão dos
alunos pelo modo como o resolveram.
O trabalho em grupo ganha força com
essa abordagem. 13
Como indicado, três desses modelos
são estratégias de ensino híbrido,
que é uma das metodologias ativas
a ganhar destaque nos últimos anos
[leia mais sobre ensino híbrido aqui].
No entanto, mais do que conhecer
essas definições, é preciso ter em
mente alguns pontos comuns que
unem essas e outras possibilidades.
“O mais importante é destacar as
ações que compõem o trabalho com
metodologias ativas”, aponta Adolfo.
Assim, práticas como as citadas
acima sempre buscarão desenvolver
a autonomia dos alunos, a promoção
de diferentes formas de interação
(como em pares ou grupos), trabalhos
em grupo e produções criadas
de maneira individual ou coletiva
pelos próprios alunos, além de
descentralizar o papel do professor.
14
Essas características estão presentes
em praticamente todos os modelos
de aula que chamamos de ativos.

Repensar o papel do professor é


uma das questões centrais quando
se fala dessas metodologias, como
afirma Flavia Moura, educadora da
rede municipal do Rio de Janeiro (RJ)
que, desde o final de 2020, atua na
formação de professores. “Começar
um trabalho como esse exige, em
primeiro lugar, uma mudança interna
do próprio professor”, reforça. “Tudo
porque ele precisa planejar sua aula
de modo diferente do expositivo, indo
além do que o livro didático pode
oferecer. Ele assume agora uma
postura mais flexível e o papel de
mediador, daquele que vai intervir
para criar diferentes situações de
ensino e aprendizagem”. 15
A professora Débora Garofalo também
ressalta essa mudança na função do
docente. “Ao atuar como mediador
desse conhecimento, o professor
passa a desafiar seus estudantes,
potencializando ações e sendo um
verdadeiro parceiro para que esse
aluno seja protagonista da sua
própria história”. Flavia complementa:
“Quando o professor repensa o seu
papel, automaticamente o aluno
repensa o dele”.

16
1.3. Experiências práticas
nas escolas públicas
Repensar suas práticas docentes é
algo que a professora polivalente
Kalina Elis, que dá aulas para o 5º
ano do Ensino Fundamental na Escola
Estadual Brasílio Machado, em São
Paulo (SP), já incorporou na sua
rotina.

“A escola em que eu trabalho oferece


formação contínua e, desde que eu
tive a minha primeira formação em
metodologias ativas, não consigo
mais trabalhar de outro jeito”,
comenta a educadora.
Ela lembra como foi o começo da
sua atuação com essas abordagens.
“Eu realmente fui experimentando.
Algumas coisas deram certo,
17
e outras fui corrigindo ao longo
do percurso”.

Kalina conta que utilizava a rotação


por estações, no período anterior
à pandemia, com as aulas 100%
presenciais. “Tínhamos primeiro
uma pré-aula, e eu indicava o
conceito a ser trabalhado, por
exemplo, grandezas e medidas”,
descreve. “Depois, eu dividia a turma
em pequenos grupos e indicava
o que cada um ia estudar, como
capacidade, temperatura e assim por
diante. Nesse momento inicial, eu já
fazia várias intervenções, orientando
os grupos”.

Depois de uma semana, os alunos


retornavam com o material
pesquisado, e Kalina dava início
à ação. “Os grupos organizavam 18
materiais consolidando as
pesquisas e, em seguida, os alunos
começavam a rodar pelas diferentes
estações, mas um dos integrantes
do grupo, o anfitrião, permanecia
fixo em sua estação. Então, eu era
a mediadora e, juntos, eles iam
discutindo, conversando e produzindo
conhecimento em cada espaço.
Encerrado o rodízio, tínhamos
o momento final, com todos os
alunos que rodaram expondo de
forma coletiva para os anfitriões
o que aprenderam em cada uma
das paradas, e também usávamos
essa etapa para sistematizar as
descobertas”.

Hoje atuando como formadora, a


professora Flavia Moura lembra que
ainda em 2014, quando participou de
uma primeira formação em ensino 19
híbrido, também teve a oportunidade
de desenvolver um trabalho com
metodologias ativas com uma turma
de 7º ano do Ensino Fundamental,
na Escola Municipal Rio de Janeiro,
onde lecionava à época. Ela relembra
o quanto a prática deu autonomia e
protagonismo aos seus estudantes.

“A sala era separada em cinco


estações, e os alunos iam trocando
de atividade. Mas alguns deles
terminavam rápido. Então, já que era
um trabalho com estações, criamos
uma estação extra, com revistinhas”,
recorda Flavia. Ela diz que, além
das revistas, esse aluno ganhava
um crachá de monitor. Então, quem
chegava a essa sexta estação tinha a
opção de pegar o crachá e ir ajudar
os colegas. “99% deles faziam isso, o
que, além de trabalhar a autoestima 20
e reforçar a aprendizagem, também
contagiava: todo mundo queria
finalizar a atividade a tempo para
auxiliar os demais”.

21
1.4. Tecnologia
e engajamento
Metodologias ativas costumam
ser associadas à tecnologia, um
dos principais fatores para fazer
com que os alunos assumam um
papel mais central no processo de
aprendizagem. A importância das
ferramentas tecnológicas nessas
propostas é grande, dependendo de
qual metodologia ativa está sendo
considerada, mas como enfatiza
a professora e coordenadora de
tecnologia e inovação da rede paulista,
Débora Garofalo, “a tecnologia, por
si só, não tem poder de transformar
a realidade dos estudantes. O que
vai fazer essa diferença é realizar
ações nas quais os alunos possam se
envolver e se engajar”.
22
Assim, ainda no exemplo da rotação
por estações, de fato é interessante
que uma das estações inclua
tecnologia digital, mas não se trata
de algo mandatório. “Hoje, na minha
escola, eu tenho essa oportunidade
de ter acesso à tecnologia em sala
de aula. Mas quando eu comecei a
trabalhar com metodologias ativas,
eu fazia a rotação com cartolina e
livro didático mesmo. Aos poucos, fui
incorporando os elementos digitais”,
comenta a professora Kalina.

O especialista Adolfo Tanzi Neto


também sublinha que o ideal é
que ferramentas digitais sejam
incorporadas a essas práticas,
mas elas precisam ir em busca
de um estudante mais autônomo
e ativo. “A mera transposição da
sala de aula tradicional para a 23
digital não funciona. Muito se
ouviu de professores que ‘câmeras
e microfones estavam fechados’
nas aulas síncronas. Mas será que
as ‘câmeras e microfones’ já não
estavam fechados no presencial?”,
questiona. “Essa discussão está um
passo antes de se pensar em recursos
tecnológicos. Temos que pensar
em sair do expositivo, promover
interações e hibridizar métodos
de trabalho”.

A professora Kalina conta que em


2020, no período 100% remoto,
precisou de fato aliar metodologias
ativas às tecnologias, para que as
atividades continuassem de modo
efetivo. Naquele momento, optou
por buscar inspirações na sala de
aula invertida como uma de
suas estratégias. 24
“Remotamente, eu fazia uma
proposta de tema para pesquisa
e dividia a turma em duplas ou
grupos. Eles se encontravam pelo
WhatsApp ou pelo Google Meet e,
depois, no nosso encontro síncrono
pelo Meet na semana seguinte, eles
me apresentavam as descobertas que
tinham feito”, diz. Atualmente, com a
escola desde julho atuando de forma
presencial, com rodízio de alunos em
dia sim e dia não, ela opta por propor
pesquisas no dia que estão em casa
e consolidar a aprendizagem no dia
seguinte, por meio de estratégias
como jogos presenciais. Essa
forma de ensinar traz elementos e
inspirações da sala de aula invertida,
pois oferece algo para os alunos se
prepararem antes da aula e trabalha
o que foi estudado em sala de aula, e
do laboratório rotacional, pois divide 25
a turma em dois grupos, estando um
por vez em sala de aula com ela.

Dessa forma, segundo os educadores


entrevistados, o ponto essencial é
consolidar um trajeto personalizado
de aprendizagem que pode, sim,
contar com o apoio das tecnologias,
mas não como uma obrigatoriedade,
até porque, em se tratando das
escolas públicas do país, sabemos
que estamos diante de realidades
bastante díspares. “É importante que
o professor tenha em mente que a
regra das metodologias ativas está
posta, mas cabe a ele adaptar a
regra conforme a sua necessidade e
as especificidades do seu território
educativo”, sintetiza Débora Garofalo.
Essa mesma perspectiva é destacada
pela formadora e professora Flavia
Moura. “Discutir metodologias ativas 26
e ensino híbrido é falar sobre dar
protagonismo aos estudantes, antes
de falar de tecnologia”, diz. “Desde
que tive a minha primeira formação
nesses temas, percebi que eu não
precisava de uma escola mega
equipada. O que eu precisava era
planejar a aula de modo diferente.
Planejar é a palavra-chave para o
trabalho com metodologias ativas”.

27
2. Conheça dois
dos modelos mais
adotados
A sala de aula invertida e a rotação
por estações podem contribuir com
práticas em diversos contextos –
Imagem:André Asahida

remoto, presencial e semipresencial


–, em realidades com muita ou pouca
tecnologia digital
Ingrid Yurie | 15 de Setembro de 2021 28
Na busca por meios para manter as
crianças e os adolescentes engajados
e favorecer a aprendizagem no
ensino remoto e semipresencial,
as estratégias de aulas ativas
ganharam destaque. Elas dizem
respeito a propostas pedagógicas
em que o aluno tem um papel mais
ativo na sua aprendizagem, sendo
protagonista da construção do
seu conhecimento. Permitem que
estudantes aprendam de diferentes
formas, maior independência do
professor para realizar atividades e a
personalização do ensino, o que pode
ser especialmente útil para turmas
com estudantes em diferentes níveis
de aprendizagem e currículos que
precisaram ser adaptados. Além
disso, nesse momento delicado de
retomada das atividades presenciais,
são um recurso para aprender e 29
ensinar de forma mais prazerosa e
motivadora. “Também otimizam o
tempo e a interação com o professor
e o conteúdo, e possibilitam a
avaliação ao longo do processo”,
explica Ailton Camargo, professor na
Escola Municipal Zilma Thibes Mello,
em Iperó (SP).

Para além do contexto da pandemia,


essas estratégias têm um papel
fundamental na formação dos
estudantes para os desafios
presentes e futuros de um mundo
em constante transformação que
exige, mais do que dominar uma
informação ou técnica, a capacidade
de pensamento crítico e criativo,
dentre outras competências.

“Elas promovem a aprendizagem


de conteúdos previstos no 30
currículo ao mesmo tempo em que
trabalham outras competências
socioemocionais e relacionais,
apoiando o estudante a transformar
informação em conhecimento, em
diálogo com seus pares e sob a
orientação do professor”,
elucida Marly Machado Campos,
educadora e consultora de um dos
cursos de Metodologias Ativas de
NOVA ESCOLA.

Dentre os vários modelos existentes,


a sala de aula invertida e a rotação
por estações estão entre as mais
adotadas hoje e podem contribuir
com práticas em diversos contextos:
remoto, presencial e semipresencial,
em realidades com muita ou pouca
tecnologia digital. “Por um lado, o
essencial é promover experiências
de aprendizagem significativas, 31
independentemente das condições.
Por outro, não podemos parar a luta
por mais estrutura na sala de aula”,
reforça Ailton.

2.1. Sala de aula invertida:


conhecimentos prévios
para avançar na
aprendizagem
O modelo de sala de aula invertida
existe há muito tempo, mas foi
retomado e ressignificado pelo ensino
híbrido. Se antes consistia quase
sempre em pedir para os estudantes
lerem algum conteúdo sobre o tema
antes da aula, agora as possibilidades
são mais amplas. É possível, por
exemplo, propor um jogo digital
ou analógico ou pedir que a turma
assista a um vídeo. Após o contato
32
inicial com a temática, os estudantes
também devem realizar alguma
pequena atividade, ainda sozinhos. A
ideia é que reflitam sobre o assunto
e possam aproveitar melhor o
momento seguinte, em conjunto com
o professor e os colegas, para fazer
perguntas e avançar na construção
do conhecimento.

“Ao realizar uma atividade


sozinho, o estudante mobiliza
conhecimentos prévios, os relaciona
com novas informações e levanta
questionamentos, que serão objeto de
discussão em grupo, argumentando e
compartilhando seus achados, ou em
outra atividade que o professor possa
estruturar para o momento seguinte.
É assim que a metodologia permite
ao aluno ter autonomia e um papel de
fato ativo”, explica Marly. 33
Essa etapa inicial também serve para
o professor planejar o próximo passo,
porque poderá observar os principais
pontos em que os estudantes tiveram
dúvidas e o que mais os engajou. Por
isso, é interessante que ao menos
uma das atividades seja realizada
por meio de uma plataforma digital,
para que o docente tenha acesso
mais rapidamente aos dados. Essas
produções também são importantes
para compor a avaliação dos
estudantes e a do próprio modelo,
bem como servir de fio condutor entre
o momento remoto e o presencial.

Foi pensando sobre a sua prática,


também respaldado por estudos
sobre o ensino híbrido, que o
professor Ailton, que leciona História,
percebeu que, para essa estratégia 34
de aula ativa funcionar melhor, é
necessário, antes de tudo, motivar
os estudantes a estudar em casa.
“Uma aula antes, promovo uma
atividade engajadora. Para trabalhar
a Guerra Fria, por exemplo, montei
um jogo em que eles tinham algumas
pistas para desvendar uma cena
relacionada ao tema. Isso gerou uma
série de curiosidades nos alunos.
Então, quando foram para casa,
pesquisaram com mais ânimo e
voltaram na outra aula já com mais
insumos para continuarmos o jogo”,
relata o docente.

35
2.2. Motivação e maior
capacidade argumentativa
A professora Aline Regina Melo,
que leciona Ciências para o Ensino
Fundamental 2 na rede particular de
Guarulhos (SP), também teve uma
experiência positiva com a sala de
aula invertida. Antes da pandemia, ela
usou a metodologia para trabalhar o
sistema nervoso com uma turma de
6º ano.

Primeiro, ela fez uma curadoria


dos conteúdos para a os alunos
acessarem em casa: selecionou
uma atividade para os estudantes
relembrarem o que é um sistema,
um vídeo curto sobre o que é o
sistema nervoso, outro sobre o
que é um neurônio e a imagem
36
dos componentes que o formam.
Também preparou um questionário
pelo Google Formulários sobre os
vídeos. Os estudantes que acertaram
poucas questões complementaram
os estudos com a leitura do livro
didático, em trechos recomendados
pela professora e que tinham relação
com o que foi estudado antes. Já
os que obtiveram melhor pontuação
criaram conteúdos sobre o assunto
para o mural coletivo virtual da
turma. Nesse processo, destaca-se
a análise dos dados do formulário
desenvolvido pela professora, pois
eles embasaram o modelo de
atividade posterior que os estudantes
tiveram que fazer. Já em aula,
discutiram o tema, as dúvidas que
surgiram e fizeram exercícios juntos.

37
“A aprendizagem se torna mais
significativa, e os alunos desenvolvem
a capacidade argumentativa, porque
eles têm mais propriedade para
discutir e fazer as próprias perguntas
quando chegam na aula. Também
percebo que ficam muito motivados
de não terem que ficar só parados,
ouvindo o professor”, conta Aline.

Durante a pandemia, Aline passou


a realizar o mesmo trabalho
virtualmente. Ela enviava os
conteúdos aos alunos por meio
do Google Sala de Aula, e depois
eles faziam um encontro por
videoconferência. “O momento de
discussão é um dos mais importantes,
porque eles aprendem uns com os
outros”, pontua.

38
2.3. Adaptação a contextos
com menos acesso a
tecnologias digitais
Em contato com uma rede de
educadores por meio da plataforma
Vivescer, uma iniciativa de formação
de professores do Instituto Península,
Marly Campos conta que vários
educadores de escolas públicas têm
conseguido adaptar a sala de aula
invertida para contextos de pouco
acesso a tecnologias digitais. “O
professor está buscando soluções.
O importante é que ele tenha um
material estruturado e planejado,
além de formação e condições para
poder realizar esse trabalho”.

Em geral, os professores enviam


textos impressos e uma série de
39
atividades para os estudantes
realizarem em casa, enquanto
coletam e analisam o que os alunos
produziram no período anterior,
para planejar os passos seguintes.
Depois, se o contexto da turma
permitir e com a frequência que
for possível, promovem encontros
online e síncronos por meio de uma
plataforma como o WhatsApp, apenas
trocando mensagens. O momento
serve para resolver dúvidas e
promover debates e trocas.

A professora Flavia Moura destaca


que já desenvolveu o ensino híbrido
com poucos recursos tecnológicos,
quando lecionava na Escola Municipal
Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro
(RJ). Para tanto, oferecia materiais
impressos, utilizava o próprio
material didático dos estudantes, 40
baixava vídeos e os transferia por
bluetooth, pendrive ou usando o wi-
fi da escola, e imprimia formulário
de perguntas para os alunos
responderem. “No encontro seguinte,
estimulava que eles fossem à frente
da sala falar um pouco sobre o
que entenderam do assunto, o que
motivava muito a turma”, lembra.

Atividades variadas que os alunos


possam fazer em casa é a sugestão
da professora Aline Melo. Ela
indica a observação de plantas
no quintal e na rua, e a partir de
registros fotográficos ou por meio de
desenhos, pode solicitar a realização
de experimentos, a leitura de um
texto ou a elaboração de perguntas
sobre o conteúdo que, inclusive,
depois poderão ser respondidas
por colegas. Dependendo da 41
infraestrutura da escola, também é
possível que os estudantes façam
os dois momentos presencialmente,
utilizando os computadores
disponíveis na unidade para pesquisa
e realização de atividades.

42
2.4. Rotação por
estações: diversidade de
experiências e colaboração

Inspirada na Educação Infantil, em


que as crianças têm seus cantinhos
de aprendizagem, o modelo de
rotação por estações envolve a
movimentação dos alunos pelos
espaços e trabalha o protagonismo
e a colaboração. Consiste em dividir
a turma em pequenos grupos e
oferecer a cada um deles uma
estação para realizar uma atividade
em determinado período de tempo,
sob orientação do educador. Podem
ser todas dentro de uma mesma
sala de aula ou espalhadas pela
escola, a depender do propósito e da
infraestrutura. Ao longo do período,
os grupos rotacionam pelas estações.
43
O ideal é que cada uma promova um
tipo diferente de experiência, que
não precisa seguir uma sequência
específica para fazer sentido, e
que em pelo menos uma delas seja
utilizado um recurso tecnológico.
Isso é importante não apenas para
o letramento digital dos estudantes,
mas também para que o professor
possa coletar dados de forma mais
ágil e personalizar as rotações
seguintes.

“A rotação por estações é uma


oportunidade de apresentar um
mesmo tema de diferentes formas”,
resume Marly. Assim, uma estação
pode ter um recurso visual, outra
um texto ou um áudio. As propostas
podem incluir um debate, um
experimento, outros tipos de
produção ou um jogo. Elas podem 44
aprofundar um mesmo assunto ou
abordar diferentes temas que se
complementam e enriquecem o olhar
do aluno.

“Tudo isso permite ao estudante


ser ativo, mobilizar e aplicar
conhecimentos e identificar, de
acordo com o seu perfil, a melhor
forma de aprender, além de
desenvolver várias competências”,
complementa a especialista. Dentre
elas estão gerenciar o tempo,
porque as atividades precisam ser
cumpridas em determinado período,
e trabalhar em grupo de forma
colaborativa. Além disso, aprimoram
a capacidade de aprender e de
construir conhecimentos de forma
multimodal, além do incentivo ao
protagonismo e da postura ativa
diante do aprendizado. 45
2.5. Atividades práticas
e interações
Antes da pandemia, uma rotação
por estações que misturava Ciências
e Matemática foi a proposta da
professora Flavia Moura e de sua
colega Carla Fernanda Ferreira Pires
para o 7º ano da Escola Municipal Rio
de Janeiro, no Rio de Janeiro (RJ).

Para começar, a dupla realizou um


extenso planejamento, olhando para
os materiais necessários, o papel
de cada uma nas estações e o que
era esperado dos estudantes. Assim,
conceberam uma atividade que
envolvia construir representações
2D e 3D de bactérias com formas
geométricas, relacionando conceitos
das duas áreas de conhecimento
46
(Ciências e Matemática). Em uma
das estações, os estudantes leram
um texto sobre o Reino Monera,
discutiram, sortearam uma carta com
três perguntas e desafiaram o colega
a responder. Em outra, construíram
três formas diferentes de bactérias
em modelos 3D usando massinha.
Na última, elaboraram um modelo
de célula bacteriana com formas
geométricas 2D utilizando recortes de
papéis coloridos.

Ainda, os estudantes puderam


ajudar uns aos outros durante todos
momentos. Havia revistas e outros
materiais para leitura e um crachá de
monitor para quem quisesse voltar
às estações que já tinham passado e
ajudar os colegas que eventualmente
precisassem. “Ensinando o aluno
aprende muito mais e o colega, por 47
afinidade de linguagem e percepção,
também compreende com mais
facilidade”, diz Flavia.

Já no contexto pandêmico e remoto,


a professora Aline desenvolveu se
inspirou na rotação por estações
abordando o tema das vacinas. Em
uma sala de videoconferência, dividiu
o grande grupo em salas menores e
deu uma atividade para cada um, que
deveriam realizar em até 10 minutos.
A primeira consistia em assistir a
um vídeo sobre vacinas e fazer um
mapa mental do tema. Na sequência,
realizar alguns exercícios e, por fim,
resolver um jogo que a professora
criou por meio do Escape Factory.
“Para cada tarefa que cumpriam com
êxito, eles ganhavam pontos. No final,
revisamos tudo juntos, e os pontos
que os grupos ganharam em cada 48
atividade foram usados para trocar
lances em um jogo de batalha naval
com a turma toda”, conta Aline.

Para adaptar ao modelo


semipresencial no contexto da
pandemia, em que a rotação
pelas estações, agrupamentos e o
compartilhamento de objetos não é
possível, Aline recomenda criar as
atividades de cada estação e oferecer
uma de cada vez, cronometrando
o tempo de execução para a sala
inteira, mas a serem realizadas
individualmente. Se parte da turma
estiver em casa com acesso síncrono
à aula, também é possível participar.
Se não tiverem acesso às tecnologias
digitais, ainda podem realizar as
atividades das estações em casa,
cronometrando o tempo sozinhos.
49
2.6. Metodologias ativas,
presente e futuro
As estratégias de sala de aula
invertida e rotação por estações
ganharam mais destaque a partir
do retorno semipresencial das
escolas durante a pandemia, que
exige para a maior parte das turmas
uma alternância entre momentos
presenciais e remotos a fim de
reduzir a quantidade de pessoas
circulando pelos espaços. É a
partir desse empenho em planejar
como garantir as aprendizagens da
melhor forma nesse contexto que
muitas escolas têm promovido uma
transformação nas formas de ensinar
e aprender, e que tem tudo para ficar.

50
“Temos um bom conjunto de
professores dedicados, implicados
com o momento atual, e se a escola
pública promover valorização e
capacitação docente, vai dar um
passo muito grande, acelerando o
processo de inovação”, indica Marly.

O professor Ailton vai na mesma


linha, mas lembra que, além
dos esforços e criatividade dos
professores, é necessário garantir
acesso à internet e a equipamentos
tecnológicos de qualidade para todos,
educadores e estudantes.
“É preciso que o Estado invista para
que o professor consiga trabalhar
nesses modelos e os alunos tenham
acesso, principalmente porque a
internet é importante para agilizar
a coleta de dados e proporcionar
experiências engajadoras”. 51
Nesse processo de implementar
estratégias de metodologias ativas,
Marly convida gestores e educadores
a interpretarem os “erros” que vão
acontecer não como fracassos, mas
como indícios de que é preciso
mudar de rumo. E, para tanto, o
professor não está sozinho. “Os
alunos devem ser nossos parceiros
nessa construção. Então, precisamos
ouvi-los sobre como tem sido essas
aulas, o que também gera maior
vínculo com a aprendizagem, além
de mover o professor da posição
de quem sabe o que tem que ser
feito para a de quem pesquisa quais
podem ser os melhores caminhos”.

Para a professora Aline, esse


processo tem sido trabalhoso, mas
gratificante: “Vale a pena quando vejo
que os estudantes se interessaram 52
pelo assunto e de fato aprenderam.
E o mais importante é que venho
percebendo que isso cultiva neles o
prazer em aprender”.

53
2.7. Como começar a
usar estratégias ativas

Especialistas e professores
entrevistados apontam caminhos e
possibilidades para iniciar e aprimorar
essas práticas

Verifique as condições disponíveis


Para começar a experimentar as
estratégias de aulas ativas, e mesmo
para aprimorá-las, é necessário
considerar as condições que se tem
para realizar o trabalho. “Além da
infraestrutura física e o acesso à
internet e às tecnologias digitais,
é preciso uma gestão aberta que
apoie o processo, o professor e sua
formação”, destaca Marly.

54
Conheça o perfil da turma
O professor deve conversar com os
alunos para saber, por exemplo, quais
assuntos são mais interessantes
para eles, que tipo de atividades
gostam mais e quais agrupamentos
funcionam melhor.

Comece de maneira simples


Decidida a estratégia, Ailton
recomenda começar devagar. “Faça
apenas duas estações para rotação
e proponha um roteiro de estudos
simples em casa. Não precisa chegar
com muitas estratégias para fazer a
personalização aula a aula”.

Faça adequações
Ajustar as estratégias ativas a
diferentes etapas da Educação e
níveis de desenvolvimento de cada
turma também é possível. Basta 55
planejar as estratégias de acordo
com as competências e habilidades
a serem desenvolvidas. “Depois é
entender como eles respondem, o
que interessa e o que não engaja,
para redesenhar a estratégia e torná-
la cada vez mais personalizada”,
orienta a professora Aline.

Considere o nível de autonomia


dos alunos
Para os mais novos pode ser melhor
organizar atividades e roteiros de
estudo bem definidos e estruturados,
enquanto para as turmas de
Ensino Médio é possível deixar as
possibilidades mais abertas e com
espaços para intervenções dos
próprios estudantes.

Experimente novas possibilidades


Conforme as experiências avançam, 56
é possível testar outras opções,
ouvindo também as contribuições
dos estudantes, como mesclar a sala
de aula invertida com a rotação por
estações. Para tanto, os estudantes
fazem pesquisas e atividades
relacionadas ao tema em casa e,
no momento seguinte, participam
da rotação por estações, recebendo
mais informações e diferentes
possibilidades de experimentação.

57
3. Laboratório
rotacional e modelo
virtual aprimorado
Professores e especialistas mostram
como aplicar essas metodologias em
sala e falam da importância delas neste
Imagem: André Asahida

momento repleto de mudanças e


desafios na Educação
Victor Santos | 22 de Setembro de 2021

58
“Eu trabalho com a Matemática,
componente curricular considerado
muito difícil por alguns estudantes.
Por isso, sempre tive uma inquietação:
como mostrar para eles que essa é
uma ciência viva, que faz parte da
nossa vida e do nosso dia a dia?”,
questiona a professora Gislaine
Duarte Fagundes, que atua nos Anos
Finais do Ensino Fundamental na
rede municipal de Canguçu (RS) e de
Pelotas (RS).

Esse relato ilustra como, muitas


vezes, é a própria vivência dos
educadores e os desafios diários
enfrentados que os levam a adotar
algumas das metodologias ativas,
que buscam dar um protagonismo
cada vez maior aos alunos.

59
No caso de Gislaine, as estratégias
que usou para suprir essa inquietação
estavam no ensino híbrido, que
diz respeito a integrar atividades
presenciais e on-line, no qual os
recursos digitais são utilizados para
coletar dados e informações que
serão analisadas pelo professor com
o objetivo de planejar atividades mais
condizentes com as necessidades
dos estudantes e, assim, personalizar
o ensino.

Ela conta que estudou o tema em


formações nas redes em que trabalha
e em especializações desde 2017 –
atualmente, segue com esses estudos
no seu mestrado. Essa temática
também ganha destaque nesta terceira
reportagem que compõe o especial
sobre metodologias ativas produzido
por NOVA ESCOLA ao longo deste mês. 60
“Quando a gente olha para a
definição de ensino híbrido, estamos
falando de colocar o estudante no
centro do processo, desenhando
experiências e o próprio percurso
metodológico de forma que o aluno
possa se desenvolver em relação
a habilidades e competências”,
explica Lilian Bacich, pesquisadora e
diretora da Tríade Educacional. “Isso
significa que o estudante não vai
ficar ali sentado, apenas escutando
uma aula expositiva, ou assistindo
a um vídeo em silêncio, mas sim,
interagir com tudo isso de uma forma
ativa”, completa a especialista, que
também é uma das organizadoras do
livro Ensino Híbrido: personalização
e tecnologia na educação (Penso
Editora, 2015), ao lado de Adolfo Tanzi
Neto e Fernando de Mello Trevisani.
61
Depois de trazermos na reportagem
anterior deste especial duas
possibilidades de ensino híbrido,
que são a sala de aula invertida
e a rotação por estações, vamos
conhecer agora, com a ajuda de
educadores de escolas públicas de
diferentes estados do país, outros
dois modelos relacionados com esse
formato de ensino: o laboratório
rotacional e o modelo virtual
aprimorado.

62
3.1. Laboratório rotacional:
conceito e prática nas
escolas públicas
Andréa Barreto, professora de
Ciências e membro da equipe da
Subsecretaria de Ensino na Secretaria
Municipal de Educação do Rio de
Janeiro (RJ), trabalha com formação
de professores em metodologias
ativas e tecnologias educacionais
desde 2012. Ela destaca por que é
tão importante que os professores
incluam essas possibilidades em seu
dia a dia.

“Cada aluno vai aprender de uma


maneira – e isso é a neurociência
que fala, e não eu. Então, é muito
interessante que você tenha
abordagens diferentes para atender
63
todos os perfis, e uma das maneiras
de fazer isso é pelo ensino híbrido,
que sempre vai contar com uma parte
on-line e uma parte off-line”, diz.
“Elas devem ser planejadas juntas, de
forma contínua, não separadamente”.

Entre as possibilidades oferecidas


pelo ensino híbrido encontra-se o
laboratório rotacional. Nele, parte da
turma realiza alguma atividade guiada
e mediada pelo professor na própria
sala de aula, na biblioteca, ou em
locais abertos da escola, enquanto
o outro grupo desenvolve práticas
mais autônomas usando os recursos
digitais disponíveis na instituição.
Posteriormente, invertem-se os
grupos.

É importante salientar que esses


recursos digitais da parte on-line 64
podem ser tanto o computador em
laboratórios de informática – onde
existe a presença de um adulto que
supervisiona as crianças, e caso
esse profissional seja também um
professor, ele pode auxiliar nesse
momento de aprendizagem – quanto
notebooks e celulares. Nesse
último caso, por serem tecnologias
móveis, torna-se possível realizar o
laboratório rotacional dentro de uma
mesma sala, dividindo os dois grupos
ali mesmo e minimizando, assim, a
necessidade de um segundo docente.
Todas essas questões vão depender
da infraestrutura do local, e podem
ser adaptadas a cada realidade.

É justamente esse modelo de ensino


híbrido que a professora Gislaine
trouxe para as turmas da Escola
Municipal de Ensino Fundamental 65
Ministro Arthur de Souza Costa, em
Pelotas (RS), em busca de aproximar
os estudantes da Matemática e
envolvê-los como protagonistas
de sua aprendizagem. “Foi muito
importante porque estudei autores
como Lilian Bacich e José Moran, tive
orientação acadêmica e, por estar
conciliando essas pesquisas com o
meu trabalho na escola, já pude fazer
a aplicação prática”.

Ela destaca os principais pontos que


colaboraram para que essa estratégia
fosse executada, ainda no período
anterior à pandemia. “A escola possui
um laboratório de informática com
acesso à internet, e o coordenador
do laboratório também é da área
de Matemática, o que consolidou
uma ótima parceria”, relata. “E
temos convênio com a plataforma 66
Khan Academy, que nos fornece um
ambiente virtual para o estudo”.

Nessas atividades aplicadas aos


alunos do 6º ao 9º ano, tudo se
iniciou com um bom planejamento,
integrando on-line e off-line. “Eu
começo pensando o que quero atingir,
de que forma vou propor esses
conteúdos e como vai ser a relação
entre o que eles vão trabalhar em
sala de aula e o que vão trabalhar
on-line?”, resume Gislaine. “E como
temos, pela rede, cinco períodos
semanais de Matemática, cada um
dos grupos trabalha em sala três
vezes na semana e outras duas no
laboratório”.

A partir de sua experiência com


esse modelo, a educadora enxerga
inúmeros benefícios. Um deles é a 67
possibilidade de personalizar mais o
ensino. “Em turmas acima de vinte
alunos, é humanamente impossível
atender individualmente cada um.
Então, a plataforma gamificada
permite, por exemplo, certa
autonomia, claro que com o professor
do laboratório supervisionando e
tirando eventuais dúvidas”, afirma. “O
aluno que for mais ágil pode explorar
outras possibilidades ali no ambiente
virtual. Já para o aluno que encontra
dificuldades, posso recomendar
atividades da plataforma para que
ele desenvolva essas habilidades que
ainda não estão consolidadas”.

Gislaine explica que tudo isso é


mensurado posteriormente: das três
avaliações trimestrais realizadas pela
rede, uma delas é feita com apoio
da plataforma. O professor parceiro 68
do laboratório compila informações,
como pontos conquistados e tempo
ativo na plataforma, criando uma
planilha que converte esses dados
em notas. A plataforma possibilita,
ainda, o acompanhamento das
aprendizagens e o diagnóstico do
desempenho dos alunos em tempo
real, permitindo a intervenção docente
a favor da aprendizagem.

Durante a pandemia e com o ensino


remoto emergencial, a prática do
laboratório rotacional ficou inviável.
Porém, o gradual retorno presencial
já abriu caminho para que essa ação
também recomece e que práticas
sejam inspiradas nesse modelo.
“Logo que eu voltei, os alunos já me
perguntaram ‘professora, quando
vamos usar o laboratório?’”, conta
Gislaine com satisfação. 69
3.2. Apoio à aprendizagem
com o laboratório
rotacional
O professor Carlos Eduardo Pereira
Aguiar atua na docência desde 1986
e sempre procurou ensinar de forma
a não restringir a aprendizagem à
mera memorização de conteúdos,
visando a uma construção mais
significativa e contextualizada do
conhecimento. “Mas foi só quando
recebi as primeiras formações em
uso de tecnologia e ensino híbrido
é que entendi a estratégia por trás
do que eu já fazia – e também pude
aprender práticas mais específicas e
especializadas”.

Com duas pós-graduações,


mestrado e também um doutorado
70
em andamento, ele trabalha na
rede municipal de Manaus (AM) e
tem experiência como professor
de Ciências, além de trabalhos
com tecnologias educacionais.
Atualmente, está atuando com
formação continuada de professores
e retornou à sala de aula no ano
passado, como professor de
Química do Ensino Médio na rede
estadual do Amazonas. Em todas
essas atividades, o ensino híbrido
está presente. “As metodologias
ativas procuram dar protagonismo
ao estudante para que desenvolva
autonomia para esse aprendizado,
e nós, professores, fornecemos os
recursos e informações necessários
para construir o conhecimento”.
A possibilidade de colocar em prática
o laboratório rotacional surgiu
quando ele estava trabalhando 71
com tecnologias na rede municipal
em 2017. “A secretaria realiza três
avaliações de desempenho anuais,
e fui procurado pelo gestor de uma
escola em que uma das turmas do
3º ano do Ensino Fundamental não
apresentou resultados satisfatórios
em Língua Portuguesa e Matemática
no primeiro teste”, relembra.

A solução encontrada foi trabalhar


com o laboratório rotacional
utilizando o telecentro, espaço
público com computadores
conectados à internet, presente
nas escolas da rede municipal de
Manaus. “Desenvolvemos sequências
didáticas presenciais e on-line, inter-
relacionadas, e como o espaço do
telecentro naquela escola era amplo,
implantamos as duas propostas na
mesma sala: computadores dispostos 72
perifericamente, e estações de
trabalho ao centro”, relata o educador.

“Eram aulas de 40 minutos,


revezávamos 20 minutos de
atividades off-line e 20 minutos on-
line. Em ambas, a sequência didática
envolvia situações de aprendizagem
partindo da mais simples para a mais
complexa, e o professor-coordenador
do telecentro ficava ali, mediando em
tempo real, resolvendo as dúvidas
que eram suscitadas”.

Carlos conta que o resultado da


ação foi extremamente satisfatório
em relação ao objetivo proposto.
“O rendimento foi diferenciado
e potencializado nas avaliações
seguintes. De uma média de 20% a
33% de acertos em Língua Portuguesa
e Matemática anteriormente, 73
conseguimos passar dos 67%, em
alguns casos chegando em 88%”,
recorda o professor, que acrescenta
que, para além dos números, o que
fica é a aprendizagem significativa
que foi proporcionada.

Segundo ele, o uso de tecnologias


educacionais e a aplicação do
ensino híbrido é irreversível,
mas para isso são necessárias
formações. “Por exemplo, aqui
mesmo, onde já retornamos de
forma 100% presencial, acabo de
capacitar uma professora para um
trabalho com laboratório rotacional
no telecentro da sua escola,
envolvendo a temática frações”.

74
3.3. Modelo virtual
aprimorado: perspectivas
e possibilidades de
aplicação
Ainda que proponham ações
inovadoras visando a maior
protagonismo dos estudantes,
modalidades ativas como o laboratório
rotacional, a rotação por estações e
a sala de aula invertida são modelos
de ensino híbrido classificados como
‘sustentados’, por conservarem
algumas características tradicionais
da Educação brasileira, como a divisão
por séries e turmas, a organização
curricular e a própria divisão espacial
da escola para as aulas.

No entanto, os estudos relacionados


aos métodos híbridos de ensino
75
indicam que existem algumas
possibilidades que vão além dessa
estrutura regular, rompendo com
os elementos tradicionais que são
tomados como padrão nas escolas –
estamos, então, diante dos chamados
modelos ‘disruptivos’.

Um deles é o modelo virtual


aprimorado ou enriquecido que,
conforme explica a especialista Lilian
Bacich, é considerado disruptivo
porque foi concebido para que
os estudantes não precisassem
frequentar a escola diariamente
– principalmente em países em
que isso é possível. “Mas para que
o estudante não deixasse de se
relacionar com outras pessoas, como
colegas e educadores, foi sugerido
que estivessem semanalmente no
espaço físico da escola, momento 76
voltado para aplicar, debater e
aprofundar os conceitos que esses
alunos estavam estudando on-line”.

Toda essa concepção deu-se em um


contexto muito anterior à pandemia.
Porém, como indica Lilian, trata-
se de uma perspectiva interessante
para pensarmos no cenário de hoje
das escolas públicas brasileiras, em
que muitos locais estabeleceram,
temporariamente, o formato de
rodízio semipresencial.

“É um modelo que pode ser


implementado nesse período
transitório em que ainda não temos
os alunos 100% na escola. Então,
é preciso ter roteiros de trabalho,
com atividades que esse aluno pode
realizar na casa dele, em contato
com os familiares, e usando o que 77
ele tiver de vídeo, de áudio, tevê,
enfim, qualquer objeto de estudo
remoto, e o espaço da aula presencial
fica realmente voltado para debate,
discussão, argumentação, e para o
contato com o professor e com os
colegas”, afirma.

Além disso, a especialista faz


algumas ressalvas que considera
importantes quando o assunto é
ensino híbrido e possibilidades como
a do virtual aprimorado. “Nós não
estamos falando em uma economia,
em uma forma de colocar mais
alunos para cada professor, nem em
otimizar o espaço da escola com
menos alunos. Pelo contrário: tudo
o que nós estudamos sobre ensino
híbrido está relacionado à presença
desse aluno na instituição de ensino.
O foco é a importância de conectar 78
diferentes espaços de aprendizagem,
sendo o on-line um deles”.

Outro ponto crucial trazido por Lilian


é não se prender muito a conceitos
e definições. “A gente deve entender
que todos esses modelos de ensino
híbrido são inspirações e, a partir
deles, os educadores precisam
analisar o que faz sentido e o que
não faz, e construir as suas próprias
experiências, os seus próprios
modelos, para a sua rede, para a
sua escola e até para o seu grupo de
estudantes”, destaca.

A educadora Andréa Barreto também


acredita na importância desse
desprendimento. “Eu não gosto de
pensar em uma só maneira de fazer,
acredito que às vezes a melhor
estratégia pode estar na sala de aula 79
invertida, em outros momentos no
laboratório rotacional e, atualmente,
o esquema de rodízio possibilita
o virtual aprimorado”, aponta. “O
importante é garantir a parte digital
em algum momento, sempre lidando
com a mediação do professor. Aliás,
é importante enfatizar que o papel
do professor segue mais importante
do que nunca – ele apenas deixa
de ser ‘explicador’ para se tornar um
mediador do processo.”

Essa importância do professor,


inclusive, é algo que Andréa enfatiza
quando pensa em todas as ações
com foco na aprendizagem que
compõem as maiores frentes de
trabalho das equipes escolares
no atual cenário. “Neste período
de gradual retorno, há alunos que
tiveram mais acesso às tecnologias, 80
enquanto outros tiveram menos.
O desafio é equalizar, portanto,
acredito que as metodologias como
o laboratório rotacional e o virtual
aprimorado serão essenciais nesse
processo”, reflete a professora
e formadora. “O momento é
complicado, mas não concordo que
são anos perdidos, que eles não
aprenderam nada e que não vai
ter recuperação. Nós professores
sabemos que vamos conseguir e que
não existe caso perdido”.

81
3.4. Quando o acesso à
tecnologia é precário
Ante às desigualdades de condições
dos alunos, especialistas defendem
o uso de recursos tecnológicos,
preferivelmente, no espaço escolar

“Nós temos de usar o on-line


na escola”, crava a professora e
formadora Andréa Barreto. Segundo
ela, essa necessidade existe porque
diversos alunos não têm o acesso
em casa, ou muitas vezes apenas
por celulares compartilhados, e se a
escola não fornecer o digital, vamos
aumentar o abismo ainda mais.

Porém, a educadora sabe que


a realidade de algumas escolas
públicas apresenta desafios no que
82
diz respeito ao acesso às tecnologias,
e indica alguns caminhos possíveis.
“Eu me lembro de que já atuei em um
local com conexão precária. Então,
eu montava pendrives cheios de
conteúdos, colocava no computador
da escola e dizia para os alunos
‘naveguem e usem todos esses
materiais’. Claro que empobrece um
pouco e a internet faz falta, mas
isso possibilitou ao menos garantir o
digital em algum momento”.

A pesquisadora e especialista
Lilian Bacich também acredita
que esse acesso nas escolas é
um ponto mandatório. “O espaço
on-line de aprendizagem precisa,
preferencialmente, ocorrer dentro
da escola, e por isso é necessário
analisar toda uma gama de políticas
públicas que possibilitem que as 83
escolas forneçam conexão para os
seus estudantes”, reforça.

84
4. Como ir além
do ensino híbrido
Gamificação e Aprendizagem Baseada
em Problemas colocam o aluno como
protagonista, aumentam o engajamento
e podem ser adaptadas para contextos
Imagem: André Asahida

com baixa (ou sem) conectividade


Paula Salas | 29 de Setembro de 2021

85
Valendo mil reais. Qual é o tipo
de oração subordinada que temos
em "como acordei tarde, cheguei
atrasada"? Letra a: Conformativa;
Letra b: Causal; Letra c: Comparativa.
Tempo na tela. Sente-se o clima
de tensão. Pode parecer o trecho
do Show do Milhão, mas foi uma
atividade de Língua Portuguesa criada
pela professora Giovana Picolo,
na Escola Estadual de Ensino Médio
São Paulo de Tarso, em Pinhal da
Serra (RS).

No lugar de uma aula tradicional


sobre tipos de orações em que os
alunos teriam uma postura passiva
e poderiam se desinteressar pelo
conteúdo, a educadora utilizou
gamificação para engajar os
estudantes e colocá-los no centro do
processo de aprendizagem. 86
No Especial sobre Metodologias Ativas
que NOVA ESCOLA publicou ao longo
de setembro, explicamos o que são
essas estratégias e como funcionam
na prática, e tivemos duas reportagens
que se aprofundaram em quatro
modelos de ensino híbrido — a sala de
aula invertida, a rotação por estações,
o laboratório rotacional e o modelo
virtual aprimorado. O ensino híbrido
caracteriza-se por aulas que integram
atividades presenciais e on-line, em
que os recursos digitais são usados
para coletar dados e informações que
serão analisados pelo professor com o
objetivo de personalizar o ensino.

Porém, existem outros tipos de


Metodologias Ativas para além do
ensino híbrido, que têm sido muito
discutidas recentemente e já foram
temas de reportagens de NOVA 87
ESCOLA, como o Design Thinking e a
Aprendizagem Baseada em Projetos.

Nesta matéria, falaremos sobre a


gamificação, estratégia utilizada
pela professora Giovana, no exemplo
acima, e a Aprendizagem Baseada
em Problemas (ABP). Ouvimos
especialistas e educadores para saber
mais sobre essas práticas, trazer
relatos de experiências e caminhos
para adaptá-las aos diversos
contextos da Educação.

88
4.1. Jogando para aprender
A gamificação é uma metodologia ativa
que utiliza a estética e elementos
dos jogos (analógicos e digitais)
com determinada intencionalidade
pedagógica. "É uma estratégia que
foca no engajamento e coloca o
aluno como protagonista", afirma
Tiago Eugênio, professor na pós-
graduação de Metodologias Ativas do
Instituto Singularidades, em São Paulo
(SP), e autor do livro Aula em Jogo:
Descomplicando a gamificação para
educadores.

Segundo o especialista, a
gamificação é diferente de um
ensino com jogos que utiliza games
prontos, pois nela o professor cria
o seu recurso. "Usamos no máximo
partes de um jogo, elementos dele, 89
para motivar o estudante a fazer
uma atividade fora do jogo [isto é,
uma proposta pedagógica que não
seria, normalmente, encontrada no
jogo]", explica.

Como exemplo, vamos pensar na


batalha naval, jogo no qual os times
têm como objetivo acertar e afundar
a embarcação do adversário.
O professor não vai propor um jogo
tradicional, mas ele pode utilizar
a dinâmica do jogo a favor da
aprendizagem que busca atingir.
Ele pode fazer isso colocando
uma regra que, para fazer um
disparo, o grupo precisa responder
corretamente uma pergunta sobre
um assunto determinado. Dessa
forma, utiliza-se os elementos do
jogo somados a atividades com um
objetivo pedagógico. 90
Tiago destaca outras características
da gamificação. Uma delas é a
necessidade de ter uma narrativa para
o jogador passar pelas fases. Também
é preciso que o aluno tenha visibilidade
do seu progresso, que saiba como
está evoluindo. Há ainda o feedback
imediato — por exemplo, saber se
acertou a resposta de um quizz — e
a recompensa — por exemplo, saber
a quantidade de pontos que ele fez
ao responder uma questão ou fazer
determinada jogada. Ele ressalta
ainda que a qualidade vem com o
tempo, com a prática, conforme o
docente permite testar aulas, recursos
e estratégias didáticas para ensinar
conteúdos de sua disciplina.

"É uma metodologia interessante


por envolver o aluno em algo que o
motiva. É uma forma lúdica de atingir 91
objetivos", completa Edson da Silva,
assessor pedagógico de Ensino Médio
e Tecnologias na Secretaria Estadual
de Educação do Rio Grande do Sul.

O educador, que tem experiência com


gamificação com turmas de Ensino
Médio, conta que, quando dava aula
de Física, teve uma vivência muito
positiva com uma classe de 2º ano.
“Era uma sala com muitos problemas
de abandono escolar e notas baixas.
A gamificação ajudou muito os alunos
porque eles faziam parte de um time,
e um motivava o outro a não faltar, a
chegar no horário. Eles se ajudavam,
faziam grupos de estudo",

92
4.2. Gamificação
e engajamento
A professora Giovana, que leciona
Língua Portuguesa, Inglês, Artes e
Espanhol para turmas de Anos Finais
do Ensino Fundamental e de Ensino
Médio, conta que se aproximou da
gamificação para tentar engajar os
alunos ao longo do ensino remoto.
"Trabalhei com vários tipos de jogos.
Usei o Google Forms, Apresentações
do Google, o Wordwall e fiz PDFs
clicáveis", explica a educadora. Ela
também costuma utilizar o Flippity,
Live Worksheets e o ClassTools.

Entre as atividades mais recorrentes


em que usa a gamificação estão as
relacionadas aos livros propostos na
sua disciplina. Ela sempre começa
93
com um jogo para despertar o
interesse dos alunos e, depois da
leitura, propõe outro jogo para
o fechamento. Uma experiência
recente foi com o livro A Fabulosa
Morte do Professor de Português
(Editora Yellowfante). A professora
construiu uma narrativa na qual
havia acontecido um assassinato
e os alunos tinham que identificar
o culpado, como em um Jogo de
Detetive. Depois de ler a obra,
eles descobriram a resposta. Ela
montou um PowerPoint e depois o
transformou em um PDF clicável —
um documento em que os alunos
podem avançar pelas atividades ao
clicar em determinados conteúdos.
Então, mesmo sem usar internet, os
estudantes podem navegar pelo jogo.

94
Outro formato que ela utiliza é o
escape room — jogo no qual os
participantes precisam encontrar
pistas para resolver um mistério
— que ela monta usando o Google
Forms. Ela criou uma história e uma
estrutura em que os alunos precisam
resolver charadas e exercícios sobre
o tema proposto para ir avançando
até chegar ao fim do jogo.

Para pensar nos games, a professora


conta que aproveita os momentos
de criatividade — sempre que uma
ideia nova surge, ela não deixa
escapar e a anota. Depois, planeja as
atividades e vai aprimorando o jogo
com a experiência. “Nos primeiros,
eu cometi erros. Depois, pesquisei
sobre como fazer e achei um caminho
melhor. Fui aprendendo com os
erros”, compartilha. “A gente vai se 95
aperfeiçoando. A minha dica é não se
acomodar, não parar de aprender.
É importante mudar nossas aulas
com o que temos, dar um jeito”,
reflete a professora.

Agora, com o retorno à escola,


Giovana continua utilizando a
gamificação. Quando está com os
alunos em sala, ela usa a televisão
ou o datashow. Quando estão no
laboratório de informática, os alunos
conseguem fazer as atividades de
forma autônoma, cada um no seu
computador. Além disso, ela conta
que os estudantes querem aprender
a fazer seus próprios jogos.

96
4.3. Criação de jogos
e contexto off-line
Assim como Giovana, a professora
Joyce Gasparino, que dá aulas de
experiência matemática para turmas
de 5º ano na Escola Estadual Profª
Minervina Sant'Anna Carneiro,
em Lins (SP), também faz uso da
gamificação. Ela utiliza tanto games
já prontos quanto desenvolve os seus
próprios jogos. “Em uma turma que
não dava devolutivas, ao utilizar a
gamificação, a participação passou
de 55% para 95% dos alunos. Eles
também adquiriram mais autonomia,
tornaram-se mais confiantes para
resolver problemas e são mais
protagonistas”, relata a educadora.

97
Joyce explica que não é “jogar por
jogar”, mas usar elementos [da
gamificação] para engajá-los. Um
recurso muito utilizado por ela e que
funciona bem é o formato “perguntas
e respostas” do Kahoot! “Depois de
toda sequência, eu faço um quiz do
que eles aprenderam. Eles adoram
porque tem pontuação e, para eles, a
competição é muito forte".

Apesar de ser muito relacionada ao


ambiente digital, é possível pensar
em gamificação em contextos com
recursos limitados. "As tecnologias
permitem reproduzir algumas
características do jogo, e o tornam
mais interativo e rápido. Porém, não
ter acesso [a recursos tecnológicos]
não inviabiliza a gamificação", aponta
Tiago. "É possível fazer com papel e
caneta. O RPG [Role-Playing Game] 98
é uma forte inspiração. Nele tem
um mestre contando a história, os
jogadores vão marcando seus pontos
e habilidades, e o resto é imaginação",
complementa. "Já fiz sem internet
ou computador, usando caderneta
de anotações. Também podem ser
utilizados cartazes [para montar um
tabuleiro, por exemplo]", complementa
Edson. Outra possibilidade é usar
recursos que podem ser baixados e
utilizados de forma offline.

99
4.4. Construindo
conhecimentos a partir
de problemas
A Aprendizagem Baseada em
Problemas (ABP) tem raízes
anteriores à tecnologia. Esta surgiu
na Medicina na década de 1960 e
está muito pautada na corrente do
construtivismo. Pode ser definida
como um "processo educativo que
parte de um problema que está
presente no cotidiano", explica
Ulisses Araújo, presidente da
Associação de Aprendizagem Baseada
em Problemas e Metodologias
Ativas de Aprendizagem (PAN-PBL).
Ulisses é um dos organizadores do 1º
Congresso Brasileiro de Metodologias
Ativas na Educação Básica, evento
gratuito para professores da rede
100
pública, que acontece entre 9 e 12 de
outubro de 2021.

Essa metodologia pressupõe que os


alunos sejam apresentados a uma
questão que devem responder. Em
grupo ou individualmente, eles criam
hipóteses e buscam informações
para construir uma resolução. A
estratégia também abre espaço
para que o estudante desenvolva
outras aprendizagens para além do
conteúdo que está sendo mobilizado
para a resolução do problema.
"Eles desenvolvem a cooperação, a
autonomia e a comunicação",
explica Luis Antonio do Pinho,
professor do Instituto Federal do
Acre e pesquisador na área de
Metodologias Ativas.

101
Para Ulisses, a ABP é uma
das metodologias ativas mais
conhecidas que coloca o aluno como
protagonista. "No lugar do aluno ter
algo dado, ele tem uma situação
que demanda que ele pense sobre o
assunto. O problema exige uma ação
desse sujeito", explica.

No entanto, não se trata de qualquer


tipo de questão. "É preciso pensar
em um problema aberto sobre algo
que ainda não estudaram, que possa
ser resolvido de diferentes formas",
ressalta Luis Antônio. "São problemas
que têm que fazer sentido, que não
surgem do nada. É problematizar
o que está no dia a dia, não é
apenas resolver, mas refletir sobre o
contexto e construir o conhecimento",
completa Luiz Felipe Lins, professor
de Matemática para Anos Finais na 102
Escola Municipal Francis Hime, no Rio
de Janeiro (RJ), e um dos vencedores
do Prêmio Educador Nota 10 em 2020.

Luis Antonio também aponta que,


além de ser um problema com o
qual o estudante se identifica, que
tenha relação com o contexto da
turma, também é possível haver uma
narrativa, uma história que envolva os
alunos. “É possível criar personagens
e diálogos, mas que não seja algo
muito longo para não perder o
interesse [mas que permita trazer o
contexto da situação]", comenta.

De acordo com Ulisses, é possível


ainda que o professor não entregue
o problema já formulado para os
alunos. Ele aponta que existem
perspectivas da ABP estimulam que
os próprios estudantes a fazerem 103
uma escuta e observação do seu
entorno para identificar os problemas
a serem discutidos. Dessa forma,
tanto o professor poderia pautar esse
exercício quanto ele poderia vir de
uma demanda percebida pelos alunos
que, coletivamente, vão pensar em
uma resposta.

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4.5. Aprendizagem
Baseada em Problemas
na prática
O professor Luiz Felipe diz que
enxerga sua prática pedagógica
muito pautada pela metodologia.
“Não vejo o ensino de Matemática
sem ela. É sempre meu disparador
[para trabalhar as aprendizagens]”,
afirma. "Eu a trago com a intenção
de construir um conceito que
é necessário para solucionar
determinada questão".

Luiz Felipe conta, por exemplo,


que no projeto que lhe rendeu
a premiação — que aproximou
a Matemática do universo da
construção civil — os alunos
precisavam descobrir quanto eles
105
gastariam para revestir determinado
espaço. Para isso, tiveram de realizar
diversas investigações e mobilizar
conceitos matemáticos de área e
proporcionalidade para chegar na
resolução.

Um assunto que ele tem trabalhado


recentemente é o tratamento de
informações e estatística envolvendo
dados da pandemia da covid-19.
Além de propor problematizações
desses dados, Luiz Felipe lembra
de uma atividade que fez utilizando
fake news. "Eles tinham de investigar
e discutir reportagens, pesquisar
as informações e buscar dados
que fundamentassem se eram
verdadeiras", explica. A partir desse
exercício, os alunos puderam
perceber que existem diversas
características e critérios para se ter 106
uma pesquisa de qualidade e poder
provar determinada hipótese.

É a partir da repetição desses


exercícios que o professor percebe
que é possível construir uma
base sólida de aprendizagens
significativas. “Os alunos começam
a ter independência, porque vão
encontrando estratégias de resolução
que eu nem imaginava. Eles
conseguem ter uma discussão rica.
Não é somente olhar a solução, mas
a forma que se pensa. Apesar de a
Matemática ser exata, ela pode ser
reflexiva”, afirma.

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4.6. ABP, relação com
outras disciplinas e uso
em diferentes situações
Para colocar a ABP em prática, o
especialista Luis Antônio, que tem
experiência com o Ensino Médio,
sugere a organização da turma em
pequenos grupos - de até cinco
alunos. Também recomenda que
seja uma metodologia utilizada
com frequência, para que os alunos
ganhem autonomia na busca das
soluções e desenvolvam habilidades
variadas. Outra indicação é envolver
professores de outros componentes
curriculares para enriquecer a
discussão, permitindo que os alunos
olhem para a mesma situação a
partir de diferentes perspectivas.

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Em relação a contextos com baixa
conectividade ou sem nenhum acesso
à internet, a ABP não pressupõe o
uso de tecnologias. No entanto, se
for possível incorporá-las, pode-se
potencializar a aprendizagem.
A ABP também pode ser facilmente
adaptada para o modelo remoto
em que os alunos podem trocar
informações por WhatsApp (ou
outra plataforma ou rede social que
permita interação) e construir um
documento colaborativo — para se
inspirar, baixe gratuitamente um
manual com mais de cem dicas para
preparar suas atividades remotas
ou híbridas.

A gamificação e a Aprendizagem
Baseada em Problemas são dois
entre diversos tipos de metodologias
ativas. Para escolher a melhor 109
para você, é preciso partir da
realidade e das necessidades da
sua turma. Independentemente de
quais sejam, as estratégias ativas
permitem avançar nas aprendizagens
curriculares e desenvolver
habilidades socioemocionais
importantes. Ao colocar o aluno
como protagonista do processo de
aprendizagem e sujeito ativo, as
aulas tornam-se mais significativas
e interessantes. Para saber mais,
confira outras reportagens do
Especial de Metodologias Ativas.

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Edição
Lisandra Matias

Texto
Paula Salas
e Victor Santos

Consultoria
Fernando Trevisani

Diagramação
Duda Oliva

Ilustrações
André Asahida

N OVA E S C O L A • 2 0 2 1 111

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