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A CÚPULA DE SANTA MARIA DEL FIORE

A obra que deu origem à engenharia científica1 durante o Renascimento não


pertence, a rigor, a esse período, uma vez que em 1453, a maior parte de sua estrutura já
havia sido completada e seu construtor morrido. Está, no entanto, tão intimamente ligada
com o Renascimento, tendo sido protótipo de muitas outras construídas durante aquela
época e proporcionado um exemplo tão notável de renovação da aplicação da ciência a arte
da construção que é perfeitamente correto considerá-la como parte das realizações daquele
período.
Esse edifício, de concepção ousada, teoricamente perfeito e demonstrando muita
engenhosidade na execução, é a cúpula de Santa Maria del Fiore, a Catedral de Florença.
Filippo Brunelleschi projetou-a e construiu-a2 .
Filippo, filho de Brunelleschi di Lippo Lapi, nasceu em Florença, em 1379. O pai
planejava para o filho seguir sua profissão, a de notário, ou caso o trato com as leis não
fosse de seu agrado, a de seu bisavô, um renomado médico. Mas Filippo tinha outros planos
e, ainda jovem, demonstrou que a independência seria a característica predominante de sua
carreira. Rejeitou as leis e a medicina em favor da arte. Seu pai, desejando encorajar sua
inclinação colocou-o na corporação dos ourives, onde estudou o mecanismo dos relógios,
um aprendizado que lhe seria posteriormente de grande valia para a construção de grandes
máquinas. Posteriormente, Filippo interessou-se pela escultura e competiu com donatello,
Ghiberti e outros no concurso para a escolha do projeto das portas do Batistério de San
Giovanni, em Florença. A encomenda foi dada a Ghiberti, Brunelleschi e Donatello,
ressentidos com o resultado, mudaram-se para Roma. Lá, a cúpula do Panteão marcou
profundamente a criativa imaginação de Brunelleschi, despertando-lhe a ambição de cobrir
com uma estrutura semelhante a parte central, inacabada, da Catedral de Florença.
A construção da Catedral de Santa Maria del Fiore foi iniciada em 1326, mas,
aparentemente, não havia um plano para a cobertura do cruzamento da nave e dos
transeptos3 . Este cruzamento tinha planta octogonal, podendo o octógono ser circunscrito
em uma circunferência com raio igual a 41, 99m 4.
Em 1407, Brunelleschi retornou a Florença. Neste ano, os mais importantes
arquitetos e engenheiros foram consultados pêlos superintendentes das obras da catedral. E
de grande interesse o que narra Vasari em sua Vida de Brunelleschi: ¨No mesmo ano foi
realizada um conferência dos arquitetos e engenheiros ( ingegneri 5 ) da região sobre o
método de construção da cúpula¨. Esta é uma das poucas referência da época a engenheiros
sendo consultado sobre construções de caráter civil. O retorno de Brunelleschi exatamente
quando esta conferência estava prestes a se realizar não lhe foi favorável.
Talvez seja importante recordar, brevemente, os princípios relacionados com a
construção e a estabilidade das cúpulas para que se avalie os problemas enfrentados pôr
Brunelleschi. Até então, não havia nenhuma interpretação da teoria das cúpulas e eram
conhecidos somente dois precedentes: a cúpula do Panteão, em Roma e a de Santa Sofia
em Constantinopla. Do mesmo modo como ocorria naquela época, continuamos a saber
muito pouco sobre sua composição interna ou como foram construídas.
O corte transversal de uma cúpula é um arco e a forma deste arco pode ter qualquer
configuração: semicircular, segmentado, elíptico, parabólico ou ogival. Num arco, o peso
das partes que o compõe e da sobrecarga, agindo verticalmente, produz um esforço
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horizontal no vértice que, combinado com as sucessivas ações das cargas verticais ao longo
de seu dorso, produz uma resultante com intensidade crescente, na direção da diagonal,
passando através das aduelas, e que é resistida pelas impostas.
Uma cúpula é construída com uma série de anéis horizontais, em várias posições em
altura, mas com raio cada vez menor. Estes anéis, que podemos chamar de coroas, são
colocados em camadas sucessivas. A tendência de cada anel é, evidentemente, cair para
dentro da cúpula, mas esta tendência é contraditada pelo fechamento do próprio anel,
tornando, desta forma cada um deles um conjunto estável e autoportante, tão logo seja
completado. Enquanto em um arco cada aduela suporta somente um esforço em uma
direção, numa cúpula cada aduela suporta dois esforços: um resultado do efeito de arco,
agindo em diagonal, em direção à base e outro resultado da pressão interna de cada anel
agindo tangencialmente e horizontalmente. As componentes horizontais destes dois
esforços combinam-se, por sua vez, em esforços agindo em direção ao exterior.
Os empuxos horizontais atingem uma intensidade máxima numa aduela cuja altura
depende da forma da cúpula e onde ela tende a romper, Se a tensão é maior do que pode
resistir a alvenaria, está deverá ser reforçada por dispositivo construtivo especial,
usualmente sob a forma de cintas circulares de metal que agem como os anéis de um barril.
Durante a construção, cada anel pode ser colocado e fechado sem dificuldade, até
que, com o aumento da altura da cúpula, os ângulos dos planos de apoio destes arcos
tornam-se tão acentuados que as aduelas escorregariam antes de poder fecha-los, caindo se
não forem escorados. O ângulo máximo de estabilidade para alvenaria, com o atrito
compensado a tendência ao escorregamento é de aproximadamente 30º 6. Como cada anel é
fechado e suportado pôr si próprio, a construção da cúpula pode ser interrompida em
qualquer altura, deixando um furo central ou óculo. Este óculo pode ser tratado como se
desejar – coberto com uma clarabóia ou deixado aberto como a cúpula do Panteão.
A cúpula, aliás, difere do arco pôr não ser este autoportante, antes de ser a última
pedra colocada, enquanto que aquela é autoportante passo a passo, isto é, cada vez que um
anel é fechado. Enquanto o arco necessita de um cimbramento até ser fechado, a cúpula não
o requer.
Sob a luz da moderna análise matemática, tudo isso parece muito simples. Mas até
Brunelleschi não havia nenhuma interpretação teórica sobre o tema e havia somente dois
precedentes, nenhum dos quais convenientemente entendido. E compreensível que os
responsáveis pela construção tenha passado da hesitação ao temor e que as autoridades
tenham recuado em contratar uma empreita na qual o custo do cimbramento seria
proibitivo, enquanto a proposta de construir sem nenhum cimbramento parecia ser
realmente uma loucura.
A conferência de 1407 não trouxe frutos e Brunelleschi retornou a Roma. Onze anos
depois, e não em 1420 como menciona Vasari, a questão foi reaberta e Brunelleschi volta
novamente a Florença. Outra conferência de mestres foi convocada, aparentemente a seu
pedido, tendo sido enviados convites para os maiores engenheiros-arquitetos da França,
Alemanha, Espanha, Inglaterra e Itália. Aqueles que compareceram realçaram toda sorte de
dispositivos para a construção da cobertura, apoiados em andaimes construídos a partir do
solo ou colocados sobre enormes vigas transversais. Um deles, vendo as dificuldades
inerentes a qualquer forma de andaime para um vão e uma altura tão grandes, sugeriu que
todo vazio fosse preenchido com terra, na qual houvessem sido misturadas moedas. Então,
após a cúpula ter sido construída sobre a terra que desempenhara o papel de forma, o povo
removeria a terra em busca das moedas enterradas, sem outra despesa para as autoridades.
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Brunelleschi era o único que tinha a verdadeira concepção do problema ou que


temerariamente pregava a construção da cúpula sem nenhum apoio interno ou
cimbramento, proclamado ser capaz de erigi-la de forma autoportante durante a construção.
Os responsáveis pela obra zombaram daquilo que primeiramente temerário, depois
tacharam de loucura e finalmente o expulsaram, energicamente, do recinto da conferência.
Mas Brunelleschi não desanimou. Havia há muito resolvido construir a cúpula e se achava
superior aquele rude e indevido tratamento. Percebeu estar tão adiantado em relação aos
outros que deveria fazê-los entender, pelo menos parcialmente, o seu ponto de vista antes
de poder esperar pode ganhar a confiança daqueles que, oficialmente, estavam
encarregados de dirigir a construção da cúpula e escolher o engenheiro.
Para chegar a este intento, construiu um modelo e o submeteu ao júri,
acompanhado de uma memória cuidadosamente escrita sobre o que se propunha a realizar.
Recomendava para a seção vertical a forma de uma arco ogival, em vez de um arco pleno.
Esta forma, argumentava, é melhor adaptada para persistir à carga concentrada do
lanternim, ou, como descrevia, o arco ogival ¨tem uma tendência para alcear-se mais
rapidamente¨. Isto é, ganha altura antes que a inclinação das juntas horizontais anéis atinja
o ponto em que as aduelas de um anel, ainda não fechado, escorregam.
Brunelleschi, em seu memorial, recomendava que a construção da cúpula fosse
realizada de acordo com seu método até a altura de 30 braccia7 ou 17,52m, um pouco mais
que a metade da altura total. Quando fosse atingida essa altura, a experiência adquirida com
a construção até então seria o melhor guia para a construção do balanço. Não há clareza se
adotou esta precaução por excesso de cautela, por não estar completamente seguro de seu
raciocínio ou por pensar que superaria a oposição dividindo o trabalho em duas etapas. No
entanto, deve ser registrado, a seu favor, que a cúpula, ao atingir a altura de 30 braccia,
teria suas juntas horizontais com uma inclinação muito próxima ao ângulo crítico de
escorregamento e que, portanto, até essa altura, nenhuma precaução especial precisaria ser
tomada para colocação das aduelas , estando mesmo o anel mais alto estável, ainda que não
fechado. Este fato, relacionado com o memorial que colocava o arco ogival como ¨tendo
uma tendência para alcear-se mais rapidamente¨ pode justificar a conclusão que
Brunelleschi estava absolutamente cônscio sobre o ponto em que a construção tornar-se-ia
perigosa. Até o limite de 30 braccia ele poderia levar a obra com segurança e, até
alcançado, teria, talvez, superado as dúvidas das autoridades sobre sua habilidade para
completar a cúpula. Se esta interpretação é correta, e parece que é, então Brunelleschio não
era somente um hábil engenheiro, mas também um hábil tático.
Uma vez que ninguém mais propôs um plano realizável, os encarregados decidiram
confiar o trabalho a Brunelleschi. Após tê-lo considerado anteriormente louco e ordenado
sua saída, chegaram a esta decisão simplesmente porque concluíram não ter outra
alternativa. A designação não foi magnânima, uma vez que nomearam, como seu associado.
Lorenzo Ghiberti, o vitorioso do concurso para o projeto das famosas portas do batistério.
Foi uma escolha infeliz, por mais eminente escultor e artista tenha sido Ghiberti, pois não
era engenheiro e não tinha clara concepção dos princípios científicos relacionados com a
construção de grandes estruturas. Entre estes dois homens, tão diferentes em caráter e
mentalidade e que competiram em busca do mesmo prêmio, os atritos seriam inevitáveis.
Isto causou atrasos consideráveis na condução dos trabalhos.
Além de ter dado a Brunelleschi um sócio ciumento e não que conhecia nada de
engenharia, os superintendentes limitaram sua atuação à metade da altura da primeira etapa
que havia sido sugerida.
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O trabalho começou no dia 7 de agosto de 1420 e a partir desta data, Brunelleschi


dedicou-lhe todo o seu tempo e energia. Quando a cúpula atingiu o limite determinado os
superintendentes da obra adquiriram confiança e permitiram que o engenheiro prosseguisse
sem embaraços, exceto pelo comportamento vexatório de seu sócio, Ghiberti, que
persistiria, ainda, por algum tempo.
As paredes de planta octogonal já estavam construídas até a altura onde deveria
começar a cobertura, qualquer que fosse o seu desenho. O diâmetro do círculo inscrito no
octágono formado pelas faces destas paredes é 41,99m; o diâmetro do círculo que
circunscreve o octágono é 45,49m, ou seja, um diâmetro médio de 43,74m. Estas
dimensões são comparáveis ao diâmetro da cúpula do Panteão (42,98m) que lhe serviu de
inspiração e com a de São Pedro (40,80m), a qual, por sua vez, foi inspirada na de Santa
Maria del Fiore. Outras comparações seriam: o diâmetro da cúpula de Santa Sofia de
Constantinopla é de 32,61 m; o de São Paulo de Londres, 34,13m e o do Capitólio de
Washington, 98,96m. Todas estas cúpulas são muito menores que a de Santa Maria e todas
tem planta circular, um tipo muito mais fácil de ser construído que o de planta octogonal. A
altura da cúpula de Santa Maria, do seu apoio à base do lanternim, em razão dos raios
adotados por Brunelleschi é de 32,08m, enquanto a altura da cúpula do Panteão é 21,59m e
a de São Pedro, 27,99m.
Percebe-se, imediatamente, que a cúpula de Santa Maria tem vão e altura maiores
que as outras duas. Para ultrapassar certa confusão existente num problema que é de difícil
compreensão, mesmo em seus aspectos mais simples, as dimensões foram convertidas dos
antigos sistemas florentino e romano para o sistema métrico decimal8.
A catedral de Santa Maria del Fiori, surgindo acima das construções vizinhas com
sua cúpula canelada de um lado e o campanário de outro, é mostrada na fig. 1 e um corte
transversal da cúpula incluindo o tambor vazado com grandes óculos redondos, na fig. 2
(Sgrilli).
Brunelleschi corajosamente aceitou a planta octogonal das paredes de base como
geradora da forma da cúpula, ainda que soubesse que isto aumentaria, em muito, suas
dificuldades e projetou-a com oito faces, de maneira que, em qualquer nível, a planta
apresentasse lados retos. Verticalmente, cada face seria um arco de circunferência, traçado
com o centro localizado no plano de base da cúpula e com raio igual a seis-sétimos do
diâmetro do círculo inscrito. Como exemplo do seu gosto pelo uso de relações geométricas,
mesmo quando não fundamentais para o projeto ou sua solução podemos citar que o raio
da curva é igual a distância de um vértice da base octogonal ao centro do segundo lado
adjacente.
Todas as cúpulas até então eram construídas com uma única casca. Brunelleschi
desafiou os precedentes e adotou a inovação radical das duas cascas da cúpula de Santa
Maria. Sua intenção declarada era Ter uma cobertura exterior protegendo a cúpula
principal, de maneira que a umidade exterior não pudesse atingir as decorações da face
interna – visível – da casca interior. Como pode ser visto nas ilustrações, as suas cascas são
intertravadas, de maneira que, estruturalmente, formam um só corpo. Isto confere uma
vantagem, do ponto de vista construtivo, por proporcionar uma estrutura mais rígida,
embora mais espessa, com as duas cascas mais os espaço interno, do que a construída
utilizando a mesma quantidade de material em uma única casca. Apesar de Ter justificado a
segunda casca como sendo uma espécie de guarda-chuva para a casca principal,
Brunelleschi nem sempre explicou suas razões para cada etapa. Tendo em vista que o
desempenho estrutural era fundamental para o sucesso de seu projeto e que nada deixou ao
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acaso, é fácil perceber que este propósito estava presente em sua mente. O princípio de
cascas múltiplas foi posteriormente utilizado em todas as grandes cúpulas, tendo Sir
Christopher Wren dado um passo a mais em seu projeto para a cúpula de São Paulo em
Londres, a qual tem três cascas.
Na base, a cúpula de Santa Maria é maciça, com espessura de cerca de 4,30m, até
uma altura de cerca de 3m, quando se inicia a divisão da cúpula em duas cascas. Esta base é
construída com alvenaria de pedra, com a fiada superior composta por grandes blocos de
pedra calcária colocadas com o lodo maior transversalmente a espessura da cúpula e
interligadas com grampos de ferro. Ambas as cascas são construídas com blocos de arenito
até uma altura de 3,66 acima da base e a partir daí, até o lanternim, com tijolos, com
exceção das últimas cinco fiadas de pedras calcárias que serão posteriormente descritas. Na
base, a casca interna tem uma espessura de 2,20m e a externa, 0,91m, com uma distância
entre elas de 1,17m. As cascas afinam-se ao ganhar alturas: a interna termina com 1,90m e
a externa com 0,68m. A separação aumenta para 1,52, enquanto as superfícies da face
interior da casca interna e a face exterior da casca mantém, praticamente, a mesma
distância entre si.
Nas especificações originais de Brunelleschi, as cascas eram descritas como tendo a
espessura diminuindo da base até o alto, passando a casca interna de 2,08m para 1,39m,
enquanto a externa passava de 0,70m para 0,35m. Na obra construída, executou as duas
cascas com uma espessura maior e diminui o afunilamento.
Em cada ângulo do octógono há uma nervura principal e em cada face, a intervalos
iguais, há duas nervuras secundárias, configurando oito nervuras principais e dezessete
nervuras secundárias ou vinte e quatro no total. Estas nervuras, construídas com tijolos, vão
da face interna à externa e formam parte integrante das duas cascas, ligando-as. Da mesma
forma como ocorre nas cascas, a espessura das nervuras diminui com a altura e a distância
em planta, entre elas, também diminui, acompanhando a convergência. As nervuras
principais tem cerca de 3,35m de espessura na base da cúpula e 2,13m no topo. As
dimensões das nervuras intermediárias são 1,67m e 1,06m, respectivamente. Durante a
execução, Brunelleschi diminuiu a largura das suas nervuras, enquanto aumentava a
espessura das cascas. Todas estas medidas são aproximadas, uma vez que as cascas estão
cobertas com camadas de argamassa ou estuque, impossibilitando medições exatas. As
nervuras principais e secundárias são mostradas em planta na figura 3 (Sgrilli). Uma outra
vista da cúpula, mostrando a relação entre os vários elementos (J. Durm, segundo Sgrilli)
(figura 204), é uma vista isométrica do interior com partes da casca interna removidas,
permitindo a visão das nervuras , arcos horizontais, casca externa e a corrente. As partes
construídas com pedra e tijolo são assinaladas. Estas ilustrações deixam claro como eram
necessariamente complicados os detalhes do projeto de Brunelleschi.
As duas cascas e as 24 nervuras são ainda conectadas a séries de arcos
perpendicularmente a estas, configurando desta forma uma única estrutura. Cada arco
apoia-se em duas nervuras principais adjacentes, passam através delas formando parte das
nervuras intermediárias secundárias e tem como fecho parte da casca exterior. Se nos
postarmos entre duas cascas vemos que as impostas dos arcos são as nervuras principais.
Atingindo as nervuras intermediárias, o arco quase desaparece, uma vez que ao ganhar
altura chega perto da casca exterior. No intervalo entre as nervuras secundárias, o arco
desaparece completamente por que seu fecho está inteiramente contido na casca externa.
Estes arcos, construídos com tijolos, tem 0,63 m de largura, distam um do outro
1,90m e formam nove anéis. Estão ilustrados no corte transversal (fig. 2) e na planta
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(fig.3). O comprimento dos arcos decresce, evidentemente, quanto mais perto estiverem do
topo, enquanto sua incinação em relação com o plano horizontal aumenta. A descrição das
cascas, nervuras e arcos de distribuição e travamento será melhor compreendida com o
exame das duas figuras.
As cascas são ainda conectadas por cinco círculos de alvenaria de pedra, variando
em espessura entre 0,60m para o mais alto e 1,20m para o mais baixo. As pedras desta
alvenaria, da mesma forma que as das molduras das passagens que dão acesso para as
aberturas existentes na casca interna são fixadas com grampos de ferro que tem cerca de
0,30 m de comprimento e 0,04 m de espessura.
Todas as partes da cúpula, nervuras e arcos de ligação situadas acima do ângulo
crítico de escorregamento são, consequentemente, construídas em alvenaria de pedra. Isto
permite que os fechos sejam levados para cima em pequenas peças, assentadas em fiadas
poucos espessas, um arranjo que facilitou em muito a construção.
Os tijolos são do tipo romano, medindo 30 x 15 cm, variando para maior, mas
sempre com espessura de 5 cm. Tem tonalidade vermelho escuro, são bem queimados, retos
e de boa qualidade e uniformidade. A argamassa é extremamente resistente e o aglomerante
utilizado foi provavelmente um cimento hidráulico9. Os tijolos foram cozidos sob a
supervisão pessoal de Brunelleschi.
Entre duas cascas há duas galerias horizontais circundando toda a estrutura e uma
escada interligando-as. Há, também, escadas helicoidais em uma das torres do canto para
atingir a galeria inferior. Há também uma escada helicoidal em uma das torres laterais
dando acesso à galeria inferior e uma estreita passagem ligando a galeria superior ao
lanternim. Estas galerias e escadarias são mostradas nas figuras 2 e 3 também mostra as
aberturas nas nervuras que permitem a passagem para as galerias. Estas aberturas são
revestidas com grandes pedras. Três carreiras de pequena aberturas vazam a casca externa e
duas carreiras, no nível das galerias, permitem ver através da casca interna, o interior da
catedral. No lado externo, as nervuras principais são indicadas por molduras de mármore
que cobrem as arestas, mas não há qualquer indicação da existência das nervuras
intermediárias. Tal procedimento é hoje reconhecido como estando de acordo com o
tratamento adequado dos elementos construtivos principais e secundários.
A partir das seções vertical e horizontal da cúpula e esta descrição pode-se
visualizar as principais características da concepção de Brunelleschi que consistem em uma
ossatura de 24 nervuras de alvenaria cuja base apoia-se nas linhas de um octógono e cuja
parte mais alta, curvada para dentro, está arrimada em um anel circular que é base do
lanternim. A estas nervuras estão presas duas cascas, uma formando a parte interna da
cúpula e outra a sua cobertura externa, ambas suportando parte de seu peso e transferindo a
outra parte pára as nervuras das arestas, fazendo com que, apesar de existirem duas cascas,
elas agem como se fossem uma só. Finalmente, há ainda os arcos inclinados em relação ao
plano horizontal que enrijecem o conjunto e ainda transfere carga e esforços para as
nervuras das arestas.
Há uma outra características sem precedentes acrescentadas por Brunelleschi à sua
cúpula, que mostrou um fantástico conhecimento das forças com as quais lidava não tendo
instrumental matemático para ajudá-lo a determinar sua intensidade ou ponto de aplicação.
Aparentemente, ele compreendeu, provavelmente em conseqüência do insucesso de outras
cúpulas, que nesta haveriam enormes esforços que não poderiam ser suportados pela
alvenaria. Enquanto em cúpulas modernas estes esforços são suportados por cintas ou aros
de ferro, Brunelleschi não tinha tais artifícios ao seu alcance. O aço era usado somente em
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ferramentas e mesmo peças de ferro forjado não eram obtidas com grandes dimensões. No
entanto, não se deteve pela falta de aço para a execução de anéis ou de instrumental
matemático para o computo dos esforços estruturais. Sabia que haveria esforços tendendo a
abrir a cúpula e mesmo não sabendo qual seria a sua grandeza, resolveu contrabalançá-los
da melhor maneira possível. Construiu, então, uma corrente, que é como chamou este
dispositivo, com vigas de castanheira, posicionada logo abaixo da primeira carreira de
aberturas, ou aproximadamente a um quarto da altura da casca interna, tomada da base da
cúpula até o plano da abertura lanternim. A corrente passa através de furos, com cada viga
indo de uma nervura a outra. Há assim, três peças em cada lado, ou vinte e quatro no total.
Cada peça tem cerca de 7m de comprimento, 33,5cm de altura e 30,5 cm de largura. São
cortadas no esquadro e unidas por duas peças de carvalho com10,5 cm de espessura presas
às vigas por meio de cavilhas de ferro, uma grande e duas pequenas. Além disto há uma
amarração com uma faixa de ferro pregada nas vigas e nas uniões em cada lado da junta.
A posição da corrente em planta, em relação às duas cascas e às nervuras, e também
um detalhe das uniões em planta e elevação constam da fig. 5 (Sgrilli).
Esta corrente foi utilizada por Brunelleschi para outra finalidade além de manter a
cúpula intacta: numa manobra inteligente para afastar Ghiberti que, desde o início causava
atritos. Em 1492, a construção havia atingido um ponto em que projetos para dois detalhes
diferentes deveriam ser preparados. Um era para o andaime que suportaria os operários com
seus materiais e ferramentas enquanto assentassem as últimas fiadas de tijolos e o outro era
o da corrente envoltória. Brunelleschi, fingindo-se doente, permnaneceu em casa. Os
reclamos dos operários, irritados com o atraso das obras devido à falta de instruções,
tornaram-se notórios. Finalmente, as autoridades procuraram Brunelleschi e o
repreenderam por ausentar-se da obra. Brunelleschi mostrou-se surpreso por ter causado
problemas, lembrando que seu associado sempre esteve acessível. Mas para apressar os
trabalhos, de modo a compensar o atraso, sugeriu que Ghiberti e ele dividissem as tarefas,
cada um encarregando-se de um dos projetos por fazer. Ghibert não podia recusar esta
proposta, aparentemente tão leal e escolheu a corrente. Brunelleschi iniciou imediatamente
o projeto do andaime, o qual, quando terminado, foi elogiado pela sua leveza, firmeza e
conveniência. Ghiberti, após Ter se debatido com o problema por algum tempo, apresentou,
finalmente, a solução. Brunelleschi, ao examiná-lo, não teve dificuldade em mostrar que era
bastante inadequado. Apresentou-se, então seu projeto, o qual foi, de imediato,
reconhecido como sendo tão superior que os adeptos de Ghibert não mais puderam
defende-lo e este foi forçado a renunciar a qualquer atividade relacionada com a obra. A
partir de então Brunelleschi ficou sozinho no comando. Conduziu a construção da cúpula,
concluindo-a, com sucesso, em 1436, se bem que os últimos retoques no lanternim só
foram dados após sua morte ocorrida em abril de 1446.
Uma cópia do projeto da parte mais alta do andaime foi preservada (Sgrilli) (fig. 6).
Como o trabalho desenvolvia-se em altura, achou-se que muito tempo e energia eram
dispendidos pelos operários, ao subir e descer para fazer suas refeições. Brunelleschi
solucionou este problema com seu habitual desembaraço: instalou uma cantina sobre a
estrutura, onde comida e bebida podiam ser obtidos, possibilitando, desta forma, aos
operários permanecer na cúpula, até que suas tarefas do dia estivessem terminadas.
A partir da última década do século dezessete e prosseguindo durante a primeira
metade do século dezoito, forma elaboradas muitas críticas sobre o trabalho de
Brunelleschi. Até mesmo a estabilidade da cúpula foi questionada. Era a época em que os
matemáticos estavam desenvolvendo a teoria do comportamento das cúpulas e nada mais
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natural que aplicassem seus recém descobertos métodos de análise ao mais proeminente
exemplo. Algumas fissuras nas cascas foram tomadas como sinais de debilidade da
estrutura e a corrente foi atacada por ser totalmente inadequada para resistir a quaisquer
tensões. Uma pequena descoberta foi denunciada como algo perigoso, mas isto é frequente
e especialmente perigoso em razão da facilidade com que aquele que a fez é levado pela
própria auto-satisfação a menosprezar o trabalho de seus predecessores, sem creditar
reconhecimento às suas realizações importantes. Uma cúpula que resistiu por cinco séculos
às agressões inevitáveis do tempo e do clima e mesmo a terremotos, não necessita de
defensores. Mas é do máximo interesse avaliar, à luz da ciência moderna, o feito de
Brunelleschi e observar em que medida aproximava a prática real aos ditâmes de uma teoria
que não havia sido formulada ou compreendida em seu tempo. As rachaduras podem ser
desconsideradas por não serem nada mais que o razoável de se esperar: à vista do grande
peso da cúpula e os apoios maciços suportados por fundações não muitos sólidas, é uma
maravilha que não estejam mais em evidência do que estão de fato.
Antes de iniciarmos uma análise matemática da cúpula de Santa Maria del Fiore,
para apurarmos quão perto o trabalho de Brunelleschi está da teoria e da prática atual, é
importante expormos alguns dados sobre as bases científicas da mecânica das cúpulas, além
das que já foram colocadas.
Uma cúpula de revolução é um sólido de revolução com eixo vertical. E uma
estrutura consideravelmente estável, como já foi exposto, mesmo com seu ápice aberto.
Podemos demonstrar analiticamente que uma cúpula semi-esférica é estável com uma
espessura uniforme de somente 2,3% de seu diâmetro, ou menos que um terço do
necessário para a estabilidade de um arco pleno autoportante e, ainda, que se a espessura
da casca começa a diminuir desde junto ao apoio, de maneira a torná-la mais leve, o volume
do material necessário à sua construção pode ser diminuído em 45%. Uma cúpula gerada
pela revolução de um arco de dois centros no qual a flecha é igual ao vão, para ser
autoportante, requer uma espessura de somente cinco-oitavos do que seria necessário para
uma cúpula semi-esférica, para o mesmo vão. Pode ser também demonstrado que a
capacidade de uma cúpula para suportar um lanternim aumenta na razão do cubo da
espessura da casca. Desta forma uma cúpula semi-esférica suportando um lanternim cujo
peso é igual a 27% do peso da casca, necessita ser somente 1,6 vezes mais espessa que
outra suportando um lanternim pesando o correspondente a 10% do peso desta cúpula.
Quanto maior é a inclinação da cúpula, mais apta para suportar um lanternim ela é, sendo a
forma ideal para este propósito, o cone.
Na prática moderna da engenharia, as cúpulas estão divididas em duas classes: a
primeira engloba as construídas com materiais tais como a pedra, o tijolo e a argamassa,
que são tidos como materiais que não podem transmitir esforços de tração e uma Segunda
que engloba as construídas com materiais tais como o aço e o concreto armado que são
capazes de transmitir a tração entre aduelas de um mesmo plano meridiano. A cúpula de
Florença é do primeiro tipo e, deste modo, funciona como um arco abaixo da assim
chamada linha de ruptura, onde os esforços de compressão entre aduelas de um mesmo anel
deixa de existir.
Uma cúpula pode também ser considerada como um caso limite de abóbada de
aresta. Esta estrutura é formada pela interseção de duas abóbadas de berço cujo eixo
horizontal é paralelo aos lados do polígono sobre o qual está apoiada. Se o número de lados
do polígono cresce infinitamente teremos como resultado uma cúpula. A diferença
essencial entre uma cúpula e uma abóbada de aresta é que, enquanto para a primeira os
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esforços no meridiano e nos anéis são constantes para elementos de um mesmo anel, para a
Segunda os esforços nos anéis são constantes para uma mesma altura, mas os esforços
meridianos variam de um mínimo junto à aresta a um máximo no meio do lado do
polígono. As interseções das abóbadas – as arestas – são partes essenciais da estrutura da
cúpula (abóbada de aresta). Teoricamente, uma abóbada de aresta construída com alvenaria
é instável se aberta no topo, a menos que suporte um peso suficiente para proporcionar as
reações necessárias à estabilidade dos arcos elementares e das nervuras.
Teoricamente, uma cúpula poligonal com uma forma semelhante à de uma abóbada
de aresta deve ser construída com aço ou concreto armado, uma vez que os esforços dos
anéis devem ser transferidos às nervuras das arestas flexionando-as que é um esforço não
admitido para ser resistido por alvenaria. Se o espaçamento entre as nervuras é pequeno, ou
a casca é pouco espessa, ou se ambas estas condições prevalecem, a alvenaria pode ter
forma de arco sobre o vão entre as nervuras e o efeito de cúpula pode ter lugar sem que
sobrevenham esforços de flexão.
Para computar os esforços na cúpula de Santa Maria, as dimensões das cascas e das
nervuras relacionadas nos parágrafos em que descrevemos a obra foram as aqui utilizadas.
O raio da curva da superfície interna da casca interior, sendo 1,6 vezes maior que o do
círculo circunscrito, é 72,79m, resultando em 62º de arco o ponto de início da abertura do
lanternim, a qual tem 3,73m de diâmetro. O peso do lanternim é estimado em 550.000 kg10.
A análise dos esforços pode ser feita pelo método gráfico, por dois processos. O
primeiro, considera a estrutura como uma cúpula poligonal e o segundo como uma abóbada
de aresta. Além disto, um estudo foi feito para determinar as dimensões que uma cúpula
verdadeira teria se fosse projetada por métodos modernos.
Uma das mais importantes características da cúpula de Santa Maria é a possibilidade
de se desenhar um círculo com centro no seu eixo, círculo este que tocará nos arcos
circundantes existentes entre as nervuras principais. São, por esta razão capazes de
desenvolver os esforços anelares essenciais para o funcionamento da cúpula.
Não há dúvida, no entanto, que ao se aprofundar a interpretação do seu
funcionamento como cúpula, as nervuras intermediárias que vão do lanternim ao apoio,
duas delas de cada lado do polígono, deixam de Ter qualquer valor. De fato, elas destroem
a capacidade dos arcos circundantes menores de agirem conforme desejado. Assim, nesta
análise, as nervuras podem ser desconsideradas e tomadas somente como ligação entre as
duas cascas. A análise, nestas bases, indica que a cúpula de Santa Maria é estável e que a
intensidade dos esforços ao longo das nervuras principais, nos nós dos apoios, é pequena e
que o esforço máximo é encontrado no nó do apoio inferior da aresta onde é igual a 25,1
kg/cm2, o que por si só não é excessivo e na realidade tem valor muito menor devido à sua
distribuição em uma área muito maior que a área da seção da nervura.
O esforço máximo dos anéis é de compressão e eqüivale a 108,5 kg/cm2, agindo no
apoio do lanternim e diminuindo até igualar a zero na linha de ruptura, a 15,46m acima do
apoio. A flexão máxima na casca, se desprezado o papel dos arcos, é de 0,7 kg/cm2, a qual
pode ser absorvida, provavelmente, pela argamassa. A espessura da casca interior é
suficiente para transmitir o seu peso próprio para as nervuras das arestas, funcionando
como arco. Se presumimos que os arcos transmitem todos os esforços dos anéis para as
nervuras principais, estas seriam comprimidas em no máximo 6,7 kg/cm 2, o que, de modo
nenhum e excessivo, mesmo para alvenaria de tijolos de qualidade média e encontra-se
também dentro dos limites permitidos pela boa qualidade da alvenaria construída sob a
direção de Brunelleschi.
10

A linha de ruptura, apesar do peso do lanternim, está situada em posição tão baixa,
na cúpula, que a verdadeira ação de arco inicia-se somente na sua metade inferior. Esta
característica está de acordo com o que é atualmente reconhecido como um processo
correto de projeto.
A componente horizontal do empuxo de expansão, na base de cada nervura
principal chega a 816 toneladas ou 6.528 toneladas para as oito nervuras. A tensão
resultante no anel, ou tendência à ruptura, é de 1.011 t, o que indicaria a necessidades de
cintas de aço com 987 cm2 de seção para absorver este empuxo e evitar sua transmissão
aos apoios. A corrente de madeira com aproximadamente a mesma seção é, evidentemente,
inteiramente ineficiente para este propósito e, consequentemente, praticamente todo o
empuxo deve ser absorvido pelas paredes de apoio e pelos contrafortes.
Caso a cúpula seja analisada como uma abóbada de aresta, também será considerada
estável. Neste caso, as nervuras meridianas intermediárias tem função específica. O projeto
preenche todos os requisitos de distribuição dos esforços de uma abóbada de aresta.
Como se viu, a componente em direção ao exterior da abóbada de aresta é
praticamente a mesma que a encontrada para a cúpula octogonal, mas as tensões no
meridiano são muito reduzidas, especialmente no trecho inferior da cúpula, onde toda a
linha de apoio inclusive nas nervuras e casca é atuante.
Uma cúpula de alvenaria com o mesmo vão e inclinação, com a casca interna tendo
1,07m de espessura e a externa 61m, seria estável se os primeiros 9m de cada uma das
cascas tivesse sua espessura aumentada gradualmente em direção à base, levando o
extradorso em linha reta, acompanhando as tangentes à curva do extradorso na altura de
9m. Esta diminuição da espessura mantém a linha da resultante dentro de limites razoáveis
de segurança através da cúpula. O peso total da cúpula, tal como foi construída, é de cerca
de 31.750 t, mas poderia ser, deste modo, reduzido para 3.600 t, o que aliviaria a estrutura
de suporte de forma significativa. Caso fosse construída com concreto armado, o peso ser
reduzido para até 11,300 t e a componente horizontal, inteiramente eliminada.
Parece provável que a cúpula de Santa Maria foi realmente concebida por
Brunelleschi como uma abóbada de aresta, seguindo os vários exemplos então existentes,
ainda que em menor dimensão. Se esta era a sua concepção, as dimensões das nervuras e
das cascas não são excessivas. A certeza de que tinha um completo conhecimento do
funcionamento de tais abóbadas é enfatizada pelo notável projeto das nervuras das arestas e
o sólido anel sob o lanternim.
A introdução dos nove arcos circundantes é intrigante, uma vez que parecem
indicar uma concepção qualitativa, se não quantitativa, do funcionamento dos esforços nas
cúpulas poligonais. É provável, no entanto, que estes arcos foram imaginados,
primordialmente, como suportes da casca externa no vão entre as nervuras.
Se Brunelleschi soubesse a real economia proporcionada pela cúpula verdadeira, em
contraposição à abóbada de aresta, provavelmente, teria feito o que Michelangelo fez
posteriormente em São Pedro em Roma – isto é, teria eliminado a forma octogonal com o
uso de pendentes e teria construído uma cúpula semi-esférica. Por outro lado, se por razões
arquitetônicas, a forma octogonal devesse ser mantida, a cúpula não poderia ter sido melhor
construída, com maior segurança ou com redução significativa da espessura se construída,
com maior segurança ou com redução significativa da espessura se construída com tijolos e
pedra, somente. Hoje, a estrutura seria construída como uma cúpula octogonal com
concreto armado, com grande economia de material e peso, utilizando nervuras horizontais,
em lugar das verticais.
11

Para os que desejam ver uma demonstração gráfica das linhas de forças, que
apresentamos dois diagramas, as figuras 8 e 9, sendo a primeira uma seção transversal
através de uma nervura da aresta e a segunda um corte através das duas cascas em uma
posição intermediária entre as nervuras.
Tendo à nossa disposição a configuração e as dimensões dos elementos da cúpula de
Santa Maria del Fiore, além de uma noção da teoria dos esforços nas estruturas das cúpulas,
temos instrumentos para avaliar a realização de Brunelleschi.
Quando projetou sua obra, não havia outra cúpula além da cúpula do Panteão que
pudesse justificar sua concepção da estrutura como um todo e sua proposta de método
construtivo. No entanto, a cúpula Romana, com seu perfil radicalmente diferente e
ausência de um lanternim pesado no seu topo, não proporciona um precedente que
justifique plenamente o plano proposto por Brunelleschi.
Mesmo já sendo, então, a geometria e a trigonometria estudas, a teoria dos esforços
em estruturas com vigas ou arcos não havia ainda sido desenvolvidas e assim não havia
como calculá-las. Ainda que pudessem ser calculadas, não havia conhecimento de
resistência dos materiais e consequentemente não havia meios de dimensionar as partes
proporcionalmente aos esforços a serem resistidos.
Ainda que Brunelleschi possa não ter sido uma concepção quantitativa dos
esforços com que se defrontaria, é evidente que tinha muita clareza quanto à sua natureza
qualitativa e a posição e direção dos resultados.
Cúpulas de diversos tipos eram conhecidas antes de Brunelleschi, mas eram
menores e construídas tão facilmente que as pressões e tensões existentes não se tornavam
evidentes para os arquitetos e construtores. Espessuras e dimensões das partes, tais como
paredes, coberturas ou efeitos arquitetônicos ditavam dimensões que proporcionavam a
rigidez desejada. Com seu projeto, Brunelleschi foi muito além de seus predecessores, num
campo em que os esforços e seu tratamento são os fatores predominantes. Embora o
Panteão tenha sido sua inspiração, não realizou uma simples cópia, mas propôs uma cúpula
com planta octogonal, suportando uma grande carga no centro. Além disto, esta cúpula tem
duas cascas, então uma novidade, mas desde então adotada como o método de projeto de
grandes cúpulas.
A combinação das extraordinárias dimensões e da verdadeiramente original
concepção da cúpula teria constituído uma marcante realização, mesmo se Brunelleschi
tivesse sido auxiliado por todos os recursos da análise matemática. Mas não dispunha ele de
nenhuma fórmula ou de qualquer dado de referência. Sua compreensão da teoria da
estabilidade numa cúpula como a que estava imaginando pode ser comprovada por
inúmeras evidências. A escolha do perfil não foi acidental: afirmou que a forma selecionada
era melhor adaptada para suportar o pesado lanternim. Quer a estrutura seja considerada
como cúpula, quer como abóbada de aresta, é igualmente estável e a linha da resultante das
forças passa inteiramente dentro das cascas e perto do centro.
Numa cúpula, conforme foi demonstrado, há dois pontos críticos, sendo o primeiro
onde a inclinação da junta do anel é suficiente para produzir o escorregamento e o segundo,
onde é atingida a tensão máxima de ruptura. Brunelleschi sabia onde se situariam estes dois
pontos em sua cúpula. Sugeria, originalmente, que deveriam permitir-lhe que prosseguisse
sem empecilhos até uma altura de 30 braccia (17,58m), isto é, pouco abaixo do anel cuja
junta se aproxima da inclinação do limite de estabilidade. Isto indicava que conhecia qual
era o ângulo em que o atrito equilibrava o escorregamento. Isto demonstra não só que
estava preocupado com as concentrações de tensões, como também o seu conhecimento
12

sobre o ponto em que atingiram o máximo em sua cúpula, o que é provado


inquestionavelmente pela sua corrente de madeira. Sua disputa com Ghiberti evidencio
sua compreensão sobre a necessidade de ser prevista à ruptura. A localização da corrente
prova que sabia onde a ruptura ocorreria. O fato de Ter a corrente resistência insuficiente
para absorver sozinha todas as tensões não tem maior importância, uma vez que não
dispunha de meios para calcular a intensidade das tensões efetivas ou para estimar a sua
resistência. Meros raciocínios não teriam serventia, neste caso. Devido à curva que projetou
para a cúpula e ao espaçamento entre as cascas, a força resultante passa tão perto do centro
da seção, em todos os pontos, que a tensão de ruptura foi reduzida para uma intensidade tal
que excelente alvenaria absorve-a facilmente, sem necessitar recorrer à corrente, Isto é, e
continua sendo, um refinamento teórico. Não obstante é um detalhe de grande interesse.
As nervuras e as cascas eram desnecessariamente espessas, mas não
demasiadamente . De fato, Brunelleschi desconhecia a intensidade das tensões e a
resistência da alvenaria, sendo a espessura em excesso nada mais que uma precaução
razoável, justificável para uma obra com esta.
É interessante especular onde e como Brunelleschi obteve o conhecimento que tão
habilmente demostrou em seu projeto. Sabemos que estudou cuidadosamente a cúpula do
Panteão, a qual estimulou sua ambição de realizar algo tão grande para sua cidade natal. O
estudo desta e de outras cúpulas e abóbadas tomou alguns anos e foi suficiente, tendo em
vista seu entusiasmo, para permitir-lhe absorver completamente tudo o que era conhecido a
respeito de tais estruturas. Mas somente isto não o colocaria a par da teoria matemática.
Ele deve Ter preparado modelos e deve te-los testado até o colapso, mas modelos tratados
desta forma não dão uma indicação confiável sobre o que poderia ocorrer na construção
real. E mais provável que tenha examinado abóbadas acidentadas, as quais deveriam existir
então em grande número, e a partir delas deduzido pelo menos os princípios das leis das
forças em jogo.
Um engenheiro do século XX, subindo entre as cascas, fica impressionado pela
leveza da concepção , a habilidade da execução e o cuidado mostrado na seleção dos
materiais. Quando sobe o lanternim e olha para baixo, para o interior da grande igreja ou,
extremamente para as ruas, a mais de noventa metros de altura, maravilha-se com a
coragem do homem que há quinhentos anos encarregou-se da construção de tal estrutura,
sem o auxílio dos dispositivos mecânicos hoje disponíveis. Ao construir esta cúpula,
Brunelleschi fez mais que reviver a arte do projeto das grandes estruturas, colocou a pedra
angular dos fundamentos da moderna engenharia.
Usar o superlativo é sempre perigoso, uma vez que deixa abertura para uma
contestação que poderá ser rejeitada, mas não desmentida. Mas é absolutamente seguro
dizer que a cúpula de Santa Maria del Fiore, levando em conta todas as circunstâncias, é
uma das maiores realizações no campo da construção, em todos os tempos, e um dos mais
notáveis produtos do intelecto humano. Entre as obras anteriores, somente o Panteão de
Roma pode desafiar a sua supremacia e somente se o engenheiro de Adriano o tiver
construído sem cimbramento.
O trabalho de engenharia de Brunelleschi não se limitou à cúpula de Santa Maria.
Projetou diversas máquinas para uso na construção de edifícios, em especial um barco
equipado com guindastes visando facilitar o transporte de cargas pesadas para Florença. A
Signoria concedeu-lhe um privilégio, ou seja um direito pessoal de uso que equivale, em
termos modernos, à patente de invenção, para esse dispositivo. Como outros construtores
de seu tempo, Brunelleschi ambicionava bilhar como engenheiro militar e, durante a guerra
13

entre Florença e Lucca, em 1430, foi enviado ao front, acompanhado por Michellozzo,
Donatello, Domenico de Matteo e Lorenzo Ghiberti, que atuaram como seus
assistentes,planejando operações contra Lucca. Sugeriu desviar o Rio Serchio para dentro
das trincheiras, por meio de um canal, acreditando que a cidade assim aniquilada acabaria
por capitular. Seu plano foi aceito e ao mesmo tempo em que tinha sucesso desviando o rio.
desafortunadamente convertia Lucca em uma inexpugnável e inatacável fortaleza no emio
de um grande lago. Em conseqüência, as tropas florentinas foram forçadas a recuar. É
interessante notar neste grupo de consultores militares, nome de homens hoje muito mais
famosos por suas obras de arte.

NOTAS DO TRADUTOR

1
O texto original diz, literalmente,: ¨A obra de engenharia da construção que deu origem à
engenharia científica...¨. De certo modo trata-se de redundância, na medida que engenharia
está intimamente ligada tanto ao conceito de construção quanto ao de ciência. Assim, para
Aurélio Buarque de Hollanda, Engenharia é ¨Arte de aplicar conhecimentos científicos e
empíricos e certas habilitações específicas à criação de estruturas, dispositivos e processos
que se utilizam para converter recursos naturais em formas adequadas ao atendimento das
necessidades humana¨. Para o dicionário Webster, Engenharia compreende ¨as atividades
ou a função do engenheiro¨ e também ¨a ciência¨.
2
A colaboração de Brunelleschi para a construção da cúpula com forma determinada pela
planta inicial da catedral de 1294, iniciou-se em 1404 quando foi indicado para formular
parecer sobre as obras dos contrafortes das tribunas da abside da Catedral. Como o
concurso de 1418 para a escolha do arquiteto para a cúpula da Catedral não tivesse chegado
a um resultado conclusivo, em 1420, Brunelleschi, Ghiberti e Battista d´Antonio foram
nomeados para supervisionar a sua construção. cf. FANELI, Giovanni - Brunelleschi,
Florença Becocci, 1977.
3
Um exame da planta de Santa Maria del Fiore indica que a menção a ¨cruzamento de nave
e transpetos¨ não é de todo apropriada, uma vez que o espaço da projeção do tambor da
cúpula tem tal dimensão em ralação aos demais elementos que parecem constituir espaços
independentes – nave central e naves laterais, e, ao invés de transeptos, absides de um
grande ambiente de planta octogonal.
4
Em pés e polegadas no original. Todas as medidas assim expressas no original foram
transformadas, na tradução, para o sistema métrico decimal com aproximação para
centímetros.
5
Em italiano no original.
6
O autor não leva em conta, neste trecho, as cúpulas ¨de encordoamento¨ que são
construídas com os planos de contato entre os anéis sempre planos, possibilitando a sua
construção sem qualquer escoramento provisório. Sua forma, no entanto é necessariamente
mais próxima a uma ogiva, não podendo ser semi-esférica, por exemplo. No parágrafo
14

seguinte, o autor descreverá uma cúpula em que os anéis tem juntas com superfícies
paralelas horizontais, aproximando-se deste modelo.
7
Em italiano no original.
Segundo a Enciclopédia Italiana:
BRACCIO. – Antiga medida de comprimento, que deve ter correspondido ao comprimento
médio do braço humano, mas que teve valores diferentes nas várias regiões italianas e
mesmo em uma mesma cidade tinha valores diferentes segundo a natureza do material que
se media. As principais braccia com curso legal, por ocasião da introdução do sistema
métrico decimal eram:

Bolonha............................. 0,640 m
Florença............................. 0,584 m
Gênova.............................. 0,578 m
Milão................................. 0,595 m
Modena............................. 0,648 m
Parma (p/ agrimensura).....0,542 m
(p/ tecidos).............0,644 m
Reggio...............................0,530 m
Veneza (para lã)................0, 639 m
(para seda)........... 0 ,639 m

Por outro lado, em Milão usava-se o braço quadrado, equivalia a 0,3539 m2 e o


braço cúbico, a 0,211 m3 ; em Florença, o braço quadrado valia 0,3406 m2 e o braço cúbico
0,033 m3 .
8
Pés e polegadas no original.
9
Cimento romano ou pozzolana.
10
1.200.000 libras no original

TEXTO TRADUZIDO PELO PROFESSOR DA FAUUSP DR. LUCIO GOMES MACHADO

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