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RESUMO: O presente estudo visa enunciar e ABSTRACT: This essay aims at showing and
caracterizar as modalidades e os instrumentos characterizing modes and legal instruments
jurídicos fundamentais da transmissão
of enterprise transferring highlighting that
empresarial nos nossos dias, aproveitando o
which, according to me, is the future crucial
ensejo para colocar em destaque aquela que
pensamos dever ser a futura distinção crucial distinction in its legal dogmatic construction
na construção dogmática e até legislativa da as well as in its legislative treatment, that is,
matéria: a distinção entre transmissão directa the distinction between “asset deals” and
(“asset deals”) e transmissão indirecta
“share deals”.
(“share deals”) da empresa.
KEYWORDS: enterprise transferring; asset
PALAVRAS-CHAVE: transmissão empresarial;
transmissão direta; transmissão indireta. deals; share deals.
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Sobre a evolução das estruturas jurídicas da
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empresa (empresa individual, unissocietária, N a s p a l a v r a s d e To m H A D D E N , “ t h e
plurissocietária), vide ANTUNES, J. Engrácia, Estrutura entrepreneur or businessman was still the key figure:
e Responsabilidade da Empresa – O Moderno Paradoxo it was he who adventure or undertook the risks of
Regulatório, 29 e segs., in: I “Revista da Escola de directing production, brought together the capital and
Direito de São Paulo” (2005), nº 2, 29-67. labour required for the work, arranged or engineered
3
its general plans and superintended its minor details.
Sobre a temática da transmissão da empresa, bem
(...) The corporate form of organization was thus not
como as suas modalidades directa e indirecta, vide, em
subjected to serious analysis by the founding fathers
diferentes latitudes jurídicas estrangeiras, CEBRIÁ, L.
of economics” (Company Law and Capitalism, 19,
Hernando, La Empresa Como Objecto de Negocios
Weidenfeld & Nicolson, London, 1972).
Jurídicos, Tirant lo Blanch, Valencia, 2002; GUERRERA,
5
Fabrizio (coord.), Il Trasferimenti d’Azienda, Giuffrè, The Theory of Enterprise Law, 2, Working Paper
Milano, 2000; HÖLTERS, Wolfgang (Hrsg.), Handbuch 85/197, European University Institute, Florence, 1985.
des Unternehmens- und Beteiligungskauf, 6. Aufl., Otto Para mais detalhes sobre a evolução histórica e o
Schmidt, Köln, 2005; PAILLUSSEAU, Jean/ significado da empresa individual, vide CHABOT,
CAUSSAIN, Jean-Jacques/ LAZARSKY, Henry/ Gérard, De l’Évolution diu Droit de l’Enterprise
PEYRAMAURE, Phillipe, La Cession d’Entreprise, Individuelle, in: 31/35 “Jurisclasseur Périodique – La
4ème édition, Dalloz, Paris, 1999; UBERTAZZI, T. Semaine Juridique (Édition Entreprise)” (2002), 1329-
Maria, Il Procedimento d’Acquisizione di Imprese, 1325; GENOVESE, Anteo, La Nozioni Giuridica
Cedam, Padova, 2007; WHALLEY, Michael/ SEMLER, dell’Imprenditore, Cedam, Padova, 1990; WEHRENS,
Franz-Jorg, International Business Acquisitions, Kluwer, Hans-George/ HOFFMANN, Wolfgang, Das
London, 2000. Einzelunternehmen, Kiehl, Ludwigshafen, 1981.
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acordado (art. 1038.º, i) do Código Civil).
Para maiores desenvolvimentos sobre a noção,
as características e o regime da locação de empresa, vide
ANTUNES, J. Engrácia, Direito Comercial, em em curso 2. Formas Híbridas e Alternativas
de publicação. Figuras equipolentes podem de novo ser
encontradas noutros países, tais como o “arrendamento
Para além dos tradicionais negócios da
de estabelecimento comercial” no Brasil ((REQUIÃO,
Rubens, Curso de Direito Comercial, vol. 1º, 280, 25. transmissão directa da empresa, a título
ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2003), a “location-gérance definitivo (trespasse) e temporário (locação),
du fonds de commerce” em França (GUYON, Yves,
Droit des Affaires, tome I, 765 e segs., 12ème édition,
Económica, Paris, 2003), o “arrendamiento del negocio”
9
em Espanha (CALERO, F. Sánchez/ GUILARTE, J. Por outras palavras: ao locatário é reconhecido o
Sánchez-Calero, Instituciones de Derecho Mercantil, direito de usar (“ius utendi”) e fruir (“ius fruendi”)
vol. I, 258 e segs., 28ª edición, Thomson/ Aranzadi, plenamente a empresa locada – explorando esta e
Navarra, 2005), o “affito d’azienda” em Itália encaixando os eventuais lucros resultantes dessa
(GALGANO, Francesco, Diritto Commerciale – exploração –, permanecendo o locador, todavia, investido
L’Imprenditore, 42 e segs., Zanichelli, Bologna, 2003), no poder de disposição (“ius abutendi”) sobre a mesma
ou o “Unternehmenspacht” na Alemanha (SCHMIDT, durante a vigência do contrato, por acto “inter vivos”
Karsten, Handelsrecht, 158 e segs., 5. Aufl., C. (v.g., vendendo-a, doando-a, permutando-a) ou “mortis
Heymanns, Köln, 1999). causa” (v.g., legando-a).
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Sem dúvida que a transmissão negocial ainda, é mister recordar que os negócios
de acções ou quotas de uma sociedade aquisitivos de acções ou quotas nem sempre
comercial não pode ser equiparada em atribuem ao adquirente o controlo da
absoluto à transmissão directa da empresa sociedade comercial: assim, por exemplo, a
por aquela detida – e isto por várias razões. aquisição de acções ou quotas representativas
Assim, desde logo, os negócios de de uma percentagem minoritária do capital
“transmissão de quotas” ou de “transmissão é, em regra, insusceptível de permitir ao
de acções” (arts. 228.º e 328.º do Código das adquirente impor sozinho o cunho da sua
Sociedades Comerciais) têm por objecto a vontade no seio dos órgãos sociais e, assim,
transmissão de fracções do capital social, e na gestão da empresa societária21. Finalmente,
não do património da sociedade: quer isto e mais importante, mesmo quando o negócio
dizer que, caso uma sociedade comercial seja aquisitivo haja sido de molde a investir o
titular de uma empresa, ela permanece dona adquirente num poder de domínio absoluto
e senhora exclusiva desta após a celebração no seio da sociedade comercial (“maxime”,
daqueles negócios, os quais não afectam aquisição da totalidade do capital social), a
20
semelhante titularidade jurídica . Depois verdade é que a interposição da personalidade
jurídica societária impede que o sócio
AAVV, “Nos 20 Anos do Código das Sociedades controlador, ainda que único, possa ser
Comerciais”, vol. I, 415-438, Coimbra Editora, 2007; havido como proprietário da empresa social.
SILVA, J. Calvão, Compra e Venda de Empresas, in:
“Estudos de Direito Comercial (Pareceres)”, 137-167, Na realidade, a propriedade “corporativa” ou
Almedina, Coimbra, 1996. No estrangeiro, a literatura é indirecta dos sócios, no caso das empresas
simplesmente inabarcável: “ex multi”, para diferentes
ordenamentos jurídicos, AAVV, Acquisizioni di Società e
societárias, não se confunde com a propriedade
di Pacchetti Azionari di Riferimento, Giuffrè, Milano, “real” ou directa dos titulares de empresas
1990; AAVV, Acquisition of Shares in a Foreign Country
– Substantive Law and Legal Opinion, Graham &
Trotman, London, 1993; CEBRIÁ, L. Hernando, El
Contrato de Compraventa de Empresa – Extensión de su outros tipos de relações jurídicas, activas e passivas (cf.
Régimen Jurídico a las Cesiones de Control y CASSOTTANA, Marco, Rappresentazioni e Garanzie
Modificaciones Estructurales de Sociedades, Tirant lo nei Conferimento d’Azienda in Società per Azioni, 72,
Blanch, Valencia, 2005; KÄSTLE, Florian/ Giuffrè, Milano, 2006). Por outro lado, é também certo
OBERBRACHT, Dirk, Unternehmenskauf – Share que o património de uma sociedade comercial pode
Purchase Agreement, Beck, München, 2005; PEREIRA, abranger simultaneamente diversas empresas (“maxime”,
G. Cunha, Alienação do Poder de Controle Acionário, correspondentes a diferentes unidades de negócio) ou,
Saraiva, São Paulo, 1995; PICONE, Luca, I Contratti di inversamente, não abranger nenhuma (v.g., no caso de
Acquisito di Partecipazione Azionarie, Milano, 1995; sociedades recém constituídas com o capital mínimo
SAUVAIN, A. Petit-Pierre, La Cession de Contrôle, Mode obrigatório ou de sociedades dissolvidas cujo acervo
de Cession de l’Entreprise, George, Genève, 1977. empresarial haja já sido liquidado). Sobre a relação
20
sociedade-empresa, vide ANTUNES, J. Engrácia,
De resto, a relação sociedade-empresa nem
Direito Comercial, em curso de publicação.
sempre reveste um carácter unívoco. Por um lado, o
21
património de uma sociedade comercial não se esgota Sobre o conceito de controlo ou domínio
por vezes na empresa por ela detida: muito embora a societário, vide desenvolvidamente ANTUNES, J.
empresa, enquanto organização de meios produtivos, Engrácia, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e
constitua indubitavelmente o mais importante elemento Organização da Empresa Plurissocietária, 451 e segs.,
do património social, será possível que este abranja ainda 2.ed., Almedina, Coimbra, 2002.
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remeta a solução da questão para os casos de uma minoria de capital não poderá ser em
concretos, a obter na base da ponderação de regra equiparada à transmissão da empresa,
três factores essenciais: a morfologia do por ser geralmente inidónea por si só para
poder de controlo societário, a vontade das atribuir ao adquirente semelhantes poderes
partes contratantes, e o fundamento das no seio da estrutura organizativa social.28-29
normas legais aplicandas. Doutra banda, necessário se torna ainda
Duma banda, para que se possa falar de que, à luz das regras gerais de interpretação
transmissão indirecta da empresa social,
necessário se torna, desde logo, que a
nº 6, b) e 28.º) e da actualização automática das rendas
transmissão das acções ou quotas haja (art. 56.º, c)).
efectivamente investido o adquirente na 28
Trata-se – é importante advertir – de asserções
titularidade do controlo da sociedade: assim de princípio que devem ser compaginadas com as
circunstâncias do caso concreto. Conquanto decerto
sucederá quase inevitavelmente nos casos de
raros, são concebíveis casos em que a aquisição de uma
aquisição da totalidade do capital social, em participação totalitária não origine qualquer transmissão
que o adquirente passa, na qualidade de sócio de empresa juridicamente relevante (v.g., na aquisição
em bolsa, na chamada “compra de capa”). Além disso,
único, a controlar solitariamente o exercício
é bem sabido que uma participação maioritária pode por
da totalidade das competências orgânicas da vezes não atribuir ao seu titular o controlo societário e,
sociedade; assim sucederá também, em inversamente, uma participação minoritária poderá em
certas circunstâncias já ser suficiente para tal, mercê de
princípio, nos casos de aquisição da maioria
um conjunto muito variado de vicissitudes, sejam estas
absoluta do capital, em que o adquirente, na de natureza legal – v.g., suspensão ou inibição de voto
qualidade de sócio maioritário, passar a (cf. art. 485.º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais,
art. 192.º do Código dos Valores Mobiliários, art. 105.º
dispor da possibilidade de impor o cunho da
do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
sua vontade no seio dos órgãos deliberativos Financeiras) –, de natureza estatutária – v.g., alteração
e mediatamente dos órgãos administrativos, da proporcionalidade capital-voto (cf. arts. 250.º, nº 2,
341.º, 384.º do Código das Sociedades Comerciais),
responsáveis pelo governo e gestão da
blindagens de voto (art. 384.º, nº 2, b) do Código das
empresa social27; já inversamente a aquisição Sociedades Comerciais), etc. –, de natureza contratual
– v.g., acordos parassociais de voto (art. 17.º do Código
das Sociedades Comerciais) –, ou até de natureza
in: 202 “Archiv für die civilistische Praxis” (2002), 179- puramente fáctica – v.g., elevado “free float” do capital
242; PAILLUSSEAU, Jean, La Cession de Contrôle: social. Sobre o ponto, vide ANTUNES, J. Engrácia, Os
Une Unification de la Jurisprudence Est-Il Possible?, in: Grupos de Sociedades – Estrutura e Organização da
“Mélanges en l’Honneur de Henri Blaise”, 363-386, Empresa Plurissocietária, 487 e segs., 2.ed., Almedina,
Economica, Paris, 1995. Coimbra, 2002.
27 29
Uma confirmação adicional disto mesmo pode Num sentido semelhante, embora porventura não
ser encontrada na equiparação da transmissão da totalmente preciso, se orientou o Acórdão da Relação
titularidade de mais de 50% do capital social ao trespasse, do Porto de 17-II-2000 (PINTO DE ALMEIDA),
por força das normas transitórias aplicáveis aos segundo o qual “existe venda de uma empresa quando
arrendamentos comerciais celebrados antes da entrada são alienadas todas as participações sociais ou quando
em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano, o comprador apenas não adquire uma parte não
aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, significativa” (in: XXV “Colectânea de Jurisprudência”
“maxime”, em matéria do direito de denúncia (arts. 26.º, (2000), I, 220-221).
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contratual, se possa concluir ter sido vontade OPA, não deverá ser tratada como transmissão
das partes transferir a empresa, que assim (indirecta) de empresa para efeitos das
constituiu a verdadeira causa negocial do garantias legais em matéria da venda de bens
contrato de compra e venda de acções ou onerados e defeituosos (arts. 905.º e segs. do
quotas: assim sucederá quando se hajam Código Civil), embora já possa ser relevante
para outros efeitos legais, v.g., em matéria
previsto cláusulas que tomem expressamente
das leis de notificação e controlo prévio das
a empresa como ponto de referência da
concentrações de empresas (art. 8.º, nº 1, b)
regulação contratual (v.g., cláusulas de
da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho).31
garantias sobre a consistência patrimonial da
empresa societária, sobre a actividade e
§2 Modalidades Especiais
gestão empresarial, sobre a conformidade
substancial do balanço e demais demonstrações Esta nova dimensão da empresa como
contabilísticas, etc.) ou, simplesmente, objecto de negócio e transmissão, longe de
quando tal se possa deduzir de forma se esgotar numa ou duas formas típicas
concludente do clausulado negocial; (como sucede com a transmissão directa),
inversamente, já não haverá que falar em é extremamente rica em modalidades
transmissão da empresa quando dos termos especiais e variantes operacionais. Atenta a
do negócio aquisitivo das participações heterogeneidade reinante neste domínio,
sociais resulte terem as partes querido propomos ordenar esse conjunto de
negociar exclusivamente o veículo jurídico- modalidades especiais de acordo com as
societário (v.g., no caso da chamada “compra particularidades exibidas pelos sujeitos da
de capa”, em que a sociedade não é titular de
qualquer empresa ou esta é insolvente, no 31
À “compra em bolsa” (“Kauf an der Börse”,
caso de alteração radical do objecto da “negoziazione in borsa”) é recusado pacificamente na
empresa social, etc.).30 doutrina e jurisprudência estrangeiras o significado de
Finalmente, há ainda que levar na devida uma transmissão indirecta da empresa para efeitos da
venda de bens (empresas) onerados ou defeituosos, já
conta as finalidades regulatórias próprias dos porque o negócio transmissivo se processa no contexto
diferentes grupos de normas legais que são de um mercado de negociação próprio (regido por
pertinentes à disciplina da transmissão da normas especiais de publicidade e informação destinadas
à protecção dos investidores, cujo incumprimento pode
empresa: assim, por exemplo, a aquisição em
ser fonte de responsabilidade civil para a sociedade
bolsa de um lote de controlo de acções de cotada e outros agentes: cf. arts. 7.º, 134.º e segs., 198.º
uma sociedade cotada, mormente através de e segs. do Código dos Valores Mobiliários), já porque o
encontro de vontades, mormente em sede de determinação
do preço das acções (enquanto “bens de segundo grau”),
30
A “compra de capa” (“Mantelkauf”) designa se faz com base na respectiva cotação bolsista. Neste
genericamente a aquisição do capital de uma sociedade sentido, vide ANGELICI, Carlo, La Circolazione della
anónima ou por quotas com o único propósito de Partecipazione Azionaria, 113, in: Colombo, G./ Portale,
adquirir a estrutura ou veículo jurídico-societário, G., “Trattato delle Società per Azioni”, vol. 2, 101-297,
destinado a ser afecto posteriormente à exploração de Utet, Torino, 1991; HUBER, Ulrich, Mängelhaftung
uma nova empresa (KOBER, Bernd, Sonderformen des beim Kauf von Gesellschaftsanteilen, 408, in: I
Beteilungskaufes: Der Mantelkauf, Peter Lang, “Zeitschrift für das Unternehmens- und Gesellschaftsrecht”
Frankfurt am Main, 1995). (1972), 395-420.
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constituir uma modalidade alternativa ou um etc.); depois ainda, no que concerne ao seu
equivalente funcional da transmissão conteúdo, destaque-se que os negócios em
empresarial: na fusão, porque, paralelamente apreço são fonte de obrigações específicas
à dissolução e extinção das sociedades cuja razão de ser radica essencialmente na
absorvidas ou fundidas, o património matriz societária das empresas envolvidas
respectivo, aí incluído a empresa, se transmite (v.g., oposição judicial de credores, direito
universalmente para a titularidade das dos sócios à manutenção do “status socii” e
sociedades incorporantes ou novas sociedades à exoneração, responsabilidades especiais dos
(art. 112.º, a) do Código das Sociedades administradores, etc.)37; finalmente, mais
Comerciais); na cisão, porque, para além importante, no que concerne aos seus efeitos,
desse efeito de sucessão universal (“ex vi” a fusão e cisão são caracterizadas por um
do art. 120.º do Código das Sociedades regime legal unitário de transmissão
Comerciais), é a própria lei a exigir ademais patrimonial a título universal (que inexiste
que a parcela patrimonial destacada para a enquanto tal nos negócios de trespasse), o
sociedade beneficiária constitua uma “unidade que significa dizer, no que à transmissão da
económica”, o que, ao menos numa boa parte empresa tange, e em síntese, que a empresa
dos casos, equivalerá a uma ou mais empresas das sociedades absorvidas, fundidas, ou
da sociedade cindida (art. 124.º do Código cindidas se transmite “in toto” sem necessidade
das Sociedades Comerciais)36. Tal modalidade de observância das leis de circulação
especial, todavia, contradistingue-se específicas relativas aos diferentes elementos
claramente das demais formas de transmissão empresariais componentes (“maxime”, bens
directa e indirecta de empresa. imóveis, contratos, créditos, débitos, direitos
Por um lado, ao contrário dos negócios de propriedade industrial).38
clássicos da transmissão empresarial directa
(“maxime”, o trespasse), a fusão e a cisão são
37
dotadas de um regime jurídico próprio: Tal não invalida, contudo, que a esta modalidade
especial de transmissão empresarial se não possam ou
assim, no que concerne à sua formação, os
mesmo devam aplicar analogicamente alguns aspectos
negócios de fusão e cisão são negócios do regime comum do negócio de trespasse: pense-se
jurídicos complexos, cuja validade e eficácia assim, por exemplo, na obrigação de não-concorrência
(CEBRIÁ, L. Hernando, El Contrato de Compraventa
estão sujeitas a um conjunto vasto de de Empresa, 524 e segs., Tirant lo Blanch, Valencia,
pressupostos de natureza heterogénea (v.g., 2005; PICCIAU, Alberto, Scissione di Società e
projecto de fusão, fiscalização interna e Trasferimento d’Azienda, 1234 e seg., in: 40 “Rivista
delle Società” (1995), 1189-1257).
externa, aprovação pelos órgãos sociais,
38
Sobre a natureza jurídica desta sucessão universal
registo comercial e publicação obrigatórios,
“societária”, vide ANTUNES, J. Engrácia, Direito
Comercial, em curso de publicação. Este efeito
translativo vale naturalmente também para os eventuais
36
Sobre a cisão como forma de transmissão contratos de arrendamento comercial no caso de as
empresarial, vide PALMIERI, Gianmaria, Scissione di sociedades fundidas ou cindidas serem titulares de
Società e Circolazione dell’Azienda, Giappichelli, empresa explorada em imóvel arrendado, tornando assim
Torino, 1999; PICCIAU, Alberto, Scissione di Società desnecessária a autorização ou mesmo a comunicação
e Trasferimento d’Azienda, in: 40 “Rivista delle Società” ao senhorio, imposta genericamente pelo art. 1112.º, nº
(1995), 1189-1257 3 do Código Civil: neste sentido, vide, na doutrina,
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direito à subscrição de acções (ou obrigações Alguns dos mecanismos de suporte deste
com “warrant”) – que funcionam mercado são de cariz societário. Tal é o caso
frequentemente como verdadeiros negócios da chamada liquidação por transmissão
aquisitivos da empresa a prazo, ao permitir global, consagrada no art. 148.º do Código
investir virtualmente o obrigacionista na das Sociedades Comerciais: de acordo com
titularidade de um capital de controlo no este preceito, uma sociedade comercial
termo do empréstimo42 –, ou até mesmo, dissolvida pode transmitir a totalidade do seu
reunidos certos pressupostos, da própria activo e passivo para um dos seus sócios,
operação de entrada social realizada sendo os demais inteirados em dinheiro,
através de transferência de empresa (arts. 9.º, desde que tal operação seja autorizada por
nº 1, h), e 20.º, a) do Código das Sociedades estes (mediante previsão estatutária ou
Comerciais).43 deliberação social) e pelos credores sociais45.
Apesar de não possuir a flexibilidade
3. Liquidações Societárias, Judiciais e operacional de outros institutos congéneres
Insolvenciais conhecidos no direito comparado (como, por
exemplo, a “cesión global del activo y pasivo”
A terminar, uma derradeira referência à espanhola ou a “Vermögensübertragung”
transmissão das empresas no quadro dos alemã), é inegável que tal mecanismo,
processos de liquidação societária, judicial sobretudo quando o património social se
e insolvencial. Sobretudo em épocas de reconduza esgotantemente a uma empresa
recessão e mutação económica acentuadas, (cf. ainda o art. 152.º, nº 2, d) do Código das
as empresas em crise tornaram-se num Sociedades Comerciais), pode ser utilizado
importante e apetecível mercado de aquisição como um veículo expedito de transmissão
empresarial: muito embora frequentemente empresarial: desde que haja acordo de todos
censurados na atitude predatória, a verdade
é que muitos empresários, de ontem e de
hoje, se fizeram e expandiram graças ao banda, os mecanismos jurídicos referidos no texto, muito
embora surjam frequentemente associados a processos
negócio de compra e venda de empresas
de crise e até de liquidação empresarial, constituem
em dificuldades.44 justamente mecanismos alternativos a essa liquidação
empresarial. Doutra banda, nem todos eles constituirão
verdadeiramente instrumentos da transmissão empresarial
42
“indirecta”, explicando-se a presente exposição conjunta
Cf. ANTUNES, J. Engrácia, Wandel- und
fundamentalmente pela intenção de colocar em evidência
Optionsanleihen in Portugal, 54, in: Lutter, Marcus/
a respectiva unidade ou ligame funcional subjacente
Hirte, Heribert, “Wandel- und Optionsanleihen in
(transmissão de empresas ou de empresários em crise).
Deutschland und Europa”, 212-241, Walter de Gruyter,
New York/ Berlin, 2000. 45
Sobre a figura em geral, vide VENTURA, Raúl,
43
Dissolução e Liquidação de Sociedades, 273 e segs.,
Embora neste último caso, consabidamente, a
Almedina, Coimbra, 1987. Sobre a sua utilização
figura clássica do trespasse forneça o respectivo suporte
como mecanismo de transmissão empresarial, vide
operacional típico: cf. em geral PEROTTA, Riccardo, Il
FUENTES, J. Massaguer, La Cesión Global del Activo
Conferimento d’Azienda, Giuffrè, Milano, 2005;
y Pasivo, in: 228 “Revista de Derecho Mercantil”
VICENTE, P. Rubio, La Aportación de Empresa en la
(1998), 655-678; GÖTZENBERGER, Anton-Rudolf,
Sociedad Anónima, Lex Nova, Valladolid, 2001.
Optimale Vermögensübertragung, 2. Aufl., NWB,
44
Duas precisões complementam o exposto. Duma Herne/Berlin, 2005.
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direito fundamental a ser pago pelo produto Mas idêntica possibilidade subsiste no caso
da venda da empresa que integra o património de os credores insolvenciais haverem decidido
do último, venda essa que pode revestir trilhar um caminho alternativo à liquidação
diferentes modalidades (venda directa, leilão, universal dos bens do insolvente, optando por
ajuste particular, carta fechada) a determinar um plano de insolvência, mormente quando
pelo agente de execução (art. 886.º-A, nº 1) considerem a empresa economicamente
ou pelo próprio juiz (art. 901.º-A, nº 1, ambos recuperável: na verdade, nos termos do
do Código do Processo Civil).50 último dos preceitos referidos, a empresa ou
Por fim, e particularmente relevante, empresas do insolvente poderão ser alienadas
existem ainda mecanismos de natureza aos credores insolvenciais ou a terceiros,
insolvencial. Assim sucede com a alienação mediante o pagamento de um preço, a fim de
de empresa insolvente (art. 162.º) e o com aquelas constituir uma ou mais sociedades
saneamento por transmissão (art. 199.º, que as passarão a deter e a explorar.52
ambos do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas). Nos termos do III. REGIME JURÍDICO
primeiro daqueles preceitos, sempre que a
massa insolvente integrar uma empresa, o Acabamos de ver como a circulação e a
administrador da insolvência deverá negociação da empresa moderna gravita em
diligenciar no sentido de proceder à sua torno de uma distinção fundamental entre as
alienação global: não obstante as especiais duas modalidades: a transmissão directa
finalidades regulatórias permitam em (“asset deals”) e a transmissão indirecta
alternativa a liquidação ou o desmembramento (“share deals”) da empresa.
empresarial (“maxime”, em homenagem aos A primazia relativa e o relevo destas
interesses dos credores insolvenciais), a modalidades são questões que só em concreto
verdade é que o legislador contempla aqui podem ser cabalmente respondidas. Em
inequivocamente uma via de transmissão “in termos gerais e abstractos, será talvez
totum” de empresas de que sejam titulares possível afirmar que os negócios transmissivos
pessoas singulares ou colectivas insolventes51.
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sob a alçada das regras juscivilísticas gerais empresa, imperioso se torna que trespassante
na matéria (arts. 424.º e segs., 577.º e segs., e trespassário celebrem acordo expresso
595.º e seg. do Código Civil). No essencial, ratificado pelos respectivos credores (arts.
significa isto dizer que os direitos empresariais 595.º, nº 1, a) e 596.º do Código Civil) ou que
exploracionais – isto é, os créditos do titular haja acordo escrito expresso entre o
da empresa originados no âmbito do exercício trespassário da empresa e os credores
e exploração desta, derivados de negócios independentemente do consentimento do
bilaterais (v.g., créditos resultantes de vendas trespassante (art. 595.º, nº 1, b) do Código
a consumidores, de fornecimentos a clientes, Civil), sendo que, em qualquer dos casos, este
remunerações de acordos de distribuição último continuará a responder solidariamente
comercial, etc.), de negócios bilaterais (v.g., pelas dívidas transmitidas a não ser no caso
créditos titulados por letras, livranças, e de declaração expressa de exoneração
cheques), ou de responsabilidade civil (v.g., subscrita pelos credores (art. 596.º, nº 2 do
indemnização recebida no âmbito de seguro Código Civil).75-76
à exportação) – não se transmitem para o
adquirente da empresa com o trespasse desta:
75
para tal, necessário se torna a existência de Duas precisões complementares. Por um lado,
referimo-nos aqui à generalidade das obrigações, sem
acordo expresso ou tácito nesse sentido entre
prejuízo da existência excepcional de alguns tipos
o trespassante-credor e trespasssário (art. especiais de dívidas sujeitas a um regime de
557.º, nº 1 do Código Civil), que se torna transmissibilidade mais ou menos automática: assim
sucede, por exemplo, com as dívidas à segurança social
oponível aos respectivos devedores apenas
(art. 20.º, nº 2 do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de
mediante notificação ou aceitação destes (art. Outubro: para questão congénere, cf. SERRANO, C.
583.º, nº 1 do Código Civil)74. Como significa Lozano, Responsabilidad del Adquirente de Empresa
dizer também que as obrigações empresariais por Deudas Tributarias Anteriores a la Transmisión,
Aranzadi, Pamplona, 1998). Por outro lado, reportamo-
exploracionais – isto é, as dívidas emergentes nos em primeira linha às obrigações exploracionais,
das relações jurídico-económicas da empresa embora nada obste que seja igualmente convencionada
directa ou indirectamente instrumentais da a transferência de dívidas não exploracionais nos termos
gerais (considerando suficiente para efeitos de
sua actividade (“intuitus instrumenti”: v.g., transmissão das dívidas exploracionais a menção global
dívidas a fornecedores, bancos, trabalhadores, à transferência do “activo e passivo”, vide o Acórdão do
fisco e segurança social, etc.) – permanecem Supremo Tribunal de Justiça de 28-III-2000
(FRANCISCO LOURENÇO), in: VIII “Colectânea de
igualmente com o trespassante da empresa Jurisprudência – Acórdãos do STJ” (2000), I, 148-152.
após a transmissão desta: para que elas se 76
As consequências indesejáveis da citada
transmitam ao trespassário e novo titular da inexistência de uma regra de transmissão universal das
posições jurídicas activas e passivas da empresa
trespassada é atenuada, em parte, no caso das posições
74
Idêntica solução haverá de valer para os títulos jurídicas complexas, ou seja, dos contratos. Com efeito,
de crédito, “maxime”, letras ou cheques, cuja transmissão o próprio legislador mercantil afastou expressamente o
em caso de negociação da empresa requererá, em regra, regime civilístico comum (art. 424.º do Código Civil)
o respectivo endosso (art. 11.º da Lei Uniforme das para um conjunto variado de contratos comerciais
Letras e Livranças, art. 14.º da Lei Uniforme do Cheque). individuais: assim, no evento de transmissão da empresa,
Cf. COELHO, J. Pinto, O Trespasse do Estabelecimento transmitem-se automaticamente para o transmissário ou
e a Transmissão das Letras, in: “Estudos em Homenagem adquirente da mesma, sem necessidade de consentimento
ao Doutor J. Alberto dos Reis”, vol. II, 1-26, BFDUC, dos contrantes cedidos, os contratos de arrendamento
Coimbra, 1961. comercial (art. 1112.º, nº 1, a) do Código Civil), os
65
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78
Como sublinham Florian KÄSTLE e Dirk
contratos de trabalho (art. 318.º, nos 1 e 3 do Código de
OBERBRACHT, “os bens patrimoniais, os contratos e
Trabalho), os contratos de locação financeira (art. 11.º
as dívidas da sociedade alvo («Zielgesellschaft») não
do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho), os contratos
são afectados pelo negócio de compra e venda de acções,
de seguro (art. 431.º do Código Comercial) e os contratos
os quais assim passam para a propriedade económica do
de edição (arts. 100.º, nº 1 e 145.º do Código do Direito
comprador” (Unternehmenskauf – Share Purchase
de Autor e Direitos Conexos). Além de que, atenta a
Agreement, 4, Beck, München, 2005). Trata-se,
primazia das normas juscomerciais em face das civis em
naturalmente, de uma regra que também pode conhecer
sede do preenchimento das lacunas de regulação da lei
excepções: pense-se, por exemplo, nas cláusulas “change
comercial (art. 3.º do Código Comercial), idêntica
of control”, por vezes insertas nos contratos mais
solução deverá ser aplicável analogicamente aos demais
importantes da sociedade (“maxime”, celebrados com
contratos exploracionais omissos (sobre o ponto,
bancos, com grandes fornecedores, etc.), em virtude das
desenvolvidamente, ANTUNES, J. Engrácia, Direito
quais à contraparte contratual é atribuído um direito de
Comercial, em curso de publicação).
resolução ou mesmo um direito de veto em caso de
77
Cf. supra II, 1. mudança do controlo da empresa societária.
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“Tertius”, não apenas o alienante tem um empresariais importantes)86. Uma vez mais,
dever de informar, mas também o adquirente encontramo-nos diante de uma obrigação
tem o dever de se informar relativamente aos que assume uma especial proeminência e
dados da empresa social que sejam objecto densidade no contexto dos “share deals”
de publicidade legal (mormente, os constantes executados segundo modelos analíticos de
do registo comercial), relativamente aos quais negociação, onde, por definição, é inevitável
não lhe será lícito, em princípio, alegar o decurso de um período de tempo mais ou
85
desconhecimento. menos longo entre a celebração dos acordos
Depois ainda, nos casos em que medeie preliminares (“memorandum of
um lapso de tempo entre o momento da understanding”) e os acordos de execução do
celebração do negócio e o da efectiva entrega negócio transmissivo (“closing”) 87: com
da empresa, o alienante está vinculado por efeito, trata-se de obrigação que é aqui
uma obrigação de custódia: esta consiste usualmente objecto de uma regulação
essencialmente no dever de aquele assegurar convencional bastante detalhada, com
a guarda e a conservação da empresa alienada particular destaque para as chamadas cláusulas
com a diligência própria de um empresário de gestão transitória (“preclosing business
criterioso e ordenado, consubstanciando-se management clauses”, “claosole de
em prestações de “facere” – “maxime”, amministrazione interinale”), as quais visam
prossecução da actividade económica normal disciplinar os termos da actuação “medio
da empresa (“ordinary course of business”) temporae” dos órgãos sociais deliberativos e
e prestação de contas – e de “non facere” – administrativos da empresa societária com a
“maxime”, proibição de prática de actos de
gestão extraordinária sem prévio
86
Sobre esta obrigação, vide JAEGER, P. Giusto,
consentimento do adquirente (v.g., alienação
Impegni Relativi all’Amministrazione Interinale della
ou oneração de activos ou elementos Società Fino al Closing, 126 e segs., in: AAVV,
“Acquisizioni di Società e di Pacchetti Azionari di
Riferimento”, 117-128, Giuffrè, Milano, 1990; PÉREZ,
A. Carretero, El Deber de Conservación de la Integridad
1041-1048; MOUSSERON, Pierre, L’Obligation de
Patrimonial de la Empresa como Deber Específico del
Renseignement dans les Cessions de Contrôle, in: 72
Empresário, in: 48 “Boletín de Información del
“Jurisclasseur Périodique – La Semaine Juridique
Ministerio de la Justicia” (1984), 3-22; ZAMBONELLI,
(Édition Entreprise)” (1994), I, 362-371.
Alessandra, La Consegna dell’Azienda Alienata, in: IX
85
Sobre as zonas cinzentas de fronteira entre dever “Contratto e Impresa” (1993), 50-61.
de informar e de se informar, vide CHARRO, R. Hallet, 87
Sobre estes conceitos, vide já supra III, §1, 2.
Due Diligence, 157, in: AAVV, “Fusiones y Adquisiciones Uma ilustração sugestiva do relevo deste lapso temporal
de Empresas”, 145-202, Aranzadi, Pamplona, 2004. A é fornecida pelo processo de aquisição do capital da
transcendência de alguma desta informação pública (v.g., empresa “Compaq” pela empresa “Hewlett-Packard”,
contas sociais de exercício), todavia, tem levado alguns que se estima ter envolvido mais de mil trabalhadores
autores a erigir a adopção das “due diligence” em de ambas as empresas, num total absoluto de mais de
verdadeiros usos mercantis na compra e venda de um milhão de horas: cf. SCHWARTZ, Alan/ GILSON,
empresa societárias: assim MERKT, Hanno, Due Ronald, Understading MCAs: Moral Hazards in
Diligence und Gewärhrleistung beim Unternehmenskauf, Acquisitions, 334, in: XXI “Journal of Law, Economics
1047, in: 50 “Betriebs-Berater” (1995), 1041-1048. and Organization” (2005), 330-358.
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não vamos analisar92. Para efeitos da presente empresa, sem prejuízo da existência de
exposição, será suficiente assinalar que a algumas importantes especialidades que aqui
doutrina e a jurisprudência portuguesas têm não podem ser senão mencionadas: assim,
considerado tal obrigação como comum aos atentas as diferenças entre propriedade e
negócios transmissivos directos (“asset controlo empresarial, afigura-se que tal dever
93 94
deals”) e indirectos (“share deals”) da será apenas de afirmar no último tipo de
negócio aquisitivo empresarial quando o
92
Sobre estes aspectos, para maiores alienante exercesse efectivamente o seu poder
desenvolvimentos, vide ANTUNES, J. Engrácia, Direito de controlo societário sobre a empresa
Comercial, em curso de publicação. Assinale-se que, ao
contrário do direito português, tal obrigação encontra-se
alienada em termos de transformá-lo num
expressamente prevista e regulada no art. 1147.º do concorrente especialmente qualificado ou
Código Civil brasileiro no caso de transmissão
diferencial; além de que deverá ser tida em
empresarial directa, definitiva (alienação) ou temporária
(arrendamento ou usufruto): cf. NETO, A. Gonçalves, conta a necessidade de acomodar numerosas
Direito de Empresa – Comentários aos Artigos 966 a
situações especiais, como sucederá, por
1.195 do Código Civil, 580 e segs., Ed. Revista dos
Tribunais, São Paulo, 2007. exemplo, quando a empresa societária
93
Na doutrina, vide RAMOS, Elisabete, Trespasse alienada seja a sociedade-mãe ou cúpula de
de Estabelecimento – Obrigação de Não Concorrência, um grupo de sociedades – caso em que o
in: I “Revista Jurídica da Universidade Moderna” (1998),
331-359; SERENS, M. Nogueira, Trespasse de dever de não concorrência poderá estender-se
Estabelecimento Comercial – Dever de não Concorrência também, reunidas certas circunstâncias, às
pelo Trespassário, in: XXVI “Colectânea de
Jurisprudência” (2001), IV, 5-15; negando frontalmente próprias sociedades-filhas –95, quando o sócio
tal obrigação, todavia, AURELIANO, Nuno, A alienante mantenha funções de administração
Obrigação de Não Concorrência do Trespassante no
Direito Português, 763 e segs., in: “Estudos em
na sociedade – caso em que entram em jogo
Homenagem ao Prof. Doutor I. Galvão Telles”, vol. IV, as proibições jussocietárias e mobiliárias de
717-815, Almedina, Coimbra, 2003. Na jurisprudência,
concorrência (“competition with the
os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14-III-
1996 (CUSTÒDIO MENDES), in: XXI “Colectânea de corporation”, “Wettbewerbsverbot”: cf. arts.
Jurisprudência” (1996), II, 200-201; do Tribunal da
254.º, 398.º, nos 3 a 5, 428.º do Código das
Relação de Coimbra de 21-I-1997 (COELHO MATOS),
in: XXII “Colectânea de Jurisprudência” (1997), I, 25- Sociedades Comerciais, art. 1.º, nº 2, c) do
30; e do Supremo Tribunal de Justiça de 17-II-1998 Regulamento da CMVM nº 7/2001) –96, ou
(ARAGÃO SEIA), in: 474 “Boletim do Ministério da
Justiça” (1998), 502-505. quando as próprias partes hajam regulado
94
Na doutrina, vide ABREU, J. Coutinho, Curso convencionalmente o conteúdo e os efeitos
de Direito Comercial, vol. I, 300, 6ª edição, Almedina,
Coimbra, 2006; CARVALHO, Orlando, Critério e
Estrutura do Estabelecimento Comercial, 201, Coimbra, 95
Cf. KOMPARATO, F. Konder/ SALOMÃO,
1967; MORAIS, F. Gravato, Alienação e Oneração do
Calisto, O Poder de Controle na Sociedade Anónima,
Estabelecimento Comercial, 134, Almedina, Coimbra,
291 e segs., 4ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2005.
2005; SANTOS, F. Cassiano, Direito Comercial
96
Português, vol. I, 304 e seg., Coimbra Editora, 2007. Sobre a proibição de concorrência, em especial
Noutros países, a questão é discutida: vide nas suas relações com a proibição do aproveitamento
BRACCIODIETA, Angelo, Alienazione di Quota das oportunidades de negócio, vide POLLEY, Notker,
Sociale e Divieto di Concorrenza, in: 9 “Rivista delle Wettbewerbsverbot und Geschätschancenlehre, Nomos,
Società” (1964), 977-1003. Baden-Baden, 1993.
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directa e indirecta para efeitos da aplicação brasileira, espanhola, francesa, e suíça, entre
dos §§ 434 e segs. do “Bürgerliches outras117. Em nosso entender – e de acordo
Gesetzbuch”115; no extremo oposto, avultam com a directriz metodológica mais atrás
os autores e arrestos italianos, que sustentam referida –, julgamos ser defensável uma
tradicionalmente que a compra e venda de equiparação genérica da compra directa e
acções não equivale à compra de empresa, indirecta da empresa (“Gleichbehandlung von
sendo-lhe assim inaplicáveis os arts. 1489 e Unternehmenskauf und Beteiligungskauf”)
1497 do “Codice Civile”116; e algures de sempre que se encontrem preenchidos os
permeio, num sortido tão rico quanto díspar pressupostos fundamentais dessa equiparação
de entendimentos, encontramos as doutrinas (morfologia do poder de controlo societário,
vontade das partes contratantes, “ratio” das
normas legais aplicandas)118: assim, ilustrando
115
Vejam-se, entre muitos, GRÜNEWALD,
através de um exemplo, no caso de um
Barbara, Rechts und Sachmängelhaftung beim Kauf von
Unternehmensanteilen, in: 6 “Neue Zeitschrift für empresário turístico adquirir a totalidade do
Gesellschaftsrecht” (2003), 372-374; HUBER, Ulrich, capital de uma sociedade unipessoal por
Die Praxis des Unternehmenskaufs im System des
quotas que explora uma empresa de transportes
Kaufrechts, 224, in: 202 “Archiv für die civilistische
Praxis” (2002), 179-242; LARICH, Tobias, de passageiros supostamente saudável e
Gewährleistungshaftung beim Unternehmens- und lucrativa, com vista a integrar tal unidade no
Beteiligungskauf, Otto Schmdit, Köln, 2004;
NIEWIARRA, Manfred, Unternehmenskauf, 99, 3.
seu universo empresarial, vindo posteriormente
Aufl., BWV, Berlin, 2006; na jurisprudência, vide o a descobrir que o alienante e sócio único lhe
Acórdão do Tribunal Federal Alemão de 25-III-1998 (in:
138 “Entscheidungen des Bundesgerichtshofs in
117
Zivilsachen – Amtliche Sammlung”, 195-207). No Brasil, pronunciando-se a favor da extensão
116
da doutrina geral dos vícios redibitórios à alienação do
Vejam-se, entre muitos, BONELLI, Franco,
controlo accionista, vide PEREIRA, G. Cunha, Alienação
Giurisprudenza e Dottrina su Acquisizioni di Società e
do Poder de Controle Acionário, 96 e segs., Saraiva, São
di Pacchetti Azionari di Riferimento, 3 e segs., in: AAVV,
Paulo, 1995; em França, pronunciando-se favoravelmente
“Acquisizioni di Società e di Pacchetti Azionari di
à equiparação das duas modalidades de transmissão
Riferimento”, 3-48, Giuffrè, Milano, 1990; FEZZA,
empresarial, vide PAILLUSSEAU, Jean, La Cession de
Fabrizio, Spunti per un’Indagine sulla Vendita dei
Contrôle: Une Unification de la Jurisprudence Est-Il
Pacchetti Azionari, in: XXVII “Giurisprudenza
Possible?, in: “Mélanges en l’Honneur de Henri Blaise”,
Commerciale” (2000), 555-598; MONTALENTI, Paolo,
363-386, Economica, Paris, 1995; em sentido oposto,
La Compravendita di Partecipazioni Azionarie, 787 e
OPPETIT, Bruno, Les Cessions de Droits Sociaux
segs., in: “Studi in Onore di Rodolffo Sacco”, vol. II,
Emportant le Transfert du Contrôle d’une Société, in: 96
765-791, Giuffrè, Milano, 1994; PICONE, Luca, I
“Revue des Sociétés” (1978), 631-654. Em Espanha, a
Contratti di Acquisito di Partecipazione Azionarie, 88 e
favor daquela equiparação, ÁLVAREZ, M. Câmara, La
segs., Milano, 1995; na jurisprudência, vide os Acórdãos
Venta de la Empresa Mercantil: Principales Problemas
do Tribunal de Milão de 5-VI-1990 (in: “Le Società”
que Plantea, in: XXIV “Anales de la Academica
(1991), 483-487) e de 9-XI-1992 (in: “Giurisprudenza
Matritense del Notariado” (1982), 281-391; num sentido
Italiana (1993), I, 677-681). Sublinhe-se que, embora
aparentemente negativo, ROMERO, J. Gondra, La
dominante, esta posição não é unânime, sendo aqui de
Estructura Jurídica de la Empresa, 572, in: 228 “Revista
salientar os escritos de Lorenzo MOSSA nos anos 30
de Derecho Mercantil” (1998), 493-592. Para a Suíça,
(La Vendita dell’Impresa Sociale, in: VII “Annuario di
vide LUGINBÜHL, Jürg, Leistungsstörungen beim
Diritto Comparato e di Studi Legislativi” (1932), III,
Unternehmens- und Beteiligungskauf, Schulthess,
157-177): para uma posição minoritária destoante e
Zürich, 1993.
actual, vide CALVO, Roberto, Il Trasferimento della
118
“Proprietà” nella Compravendita di Titoli Azionari, Sobre esta directriz metodológica geral, vide
1110, in: IX “Contratto e Impresa” (1993), 1063-1123. supra II, §1.
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134
O mesmo se diga no caso de locação de empresa
sulla Vendita dei Pacchetti Azionari, 557, in: XXVII
(art. 1109.º do Código Civil) ou de outro negócio de
“Giurisprudenza Commerciale” (2000), 555-598;
transmissão directa e temporária da titularidade da
MERKT, Hanno, Internationaler Unternehmenskauf, 2
empresa (art. 3.º, nº 2, d) e e) do Código do IRS), cujas
e segs., RWS, Köln, 2003; OPPETIT, Bruno, Les
prestações pecuniárias eram anteriormente qualificadas
Cessions de Droits Sociaux Emportant le Transfert du
como “rendas” ao abrigo da categoria F. Sobre as mais-
Contrôle d’une Société, 633, in: 96 “Revue des Sociétés”
valias que constituem rendimentos empresariais, vide
(1978), 631-654. Distinguindo também entre interesses
MORAIS, R. Duarte, Sobre o IRS, 108, Almedina,
extermos e internos, embora num sentido diverso, vide
Coimbra, 2006.
KOMPARATO, F. Konder/ SALOMÃO, Calisto, O
Poder de Controle na Sociedade Anónima, 262 e segs., 135
A base do imposto do empresário individual é o
4.ed., Forense, Rio de Janeiro, 2005. seu rendimento global líquido, que resulta da soma dos
132
rendimentos das várias categorias parcelares de
Unternehmenskauf, 63, 3. Aufl., BWV, Berlin,
rendimentos. A determinação da matéria colectável
2006. Para maiores desenvolvimentos, vide ERSOY,
depende da concreta modalidade do regime a que está
Gürgan, Steuerliche Konsequenzen eines Asset- bzw.
sujeito o empresário – regime simplificado ou regime
Share-Deals, Diplomica, Hamburg, 2004; UCKMAR,
de contabilidade organizada (art. 28.º, nº 1) –, sendo
Victor, Cessione delle Azioni e dell’Azienda: Aspetti di
mister referir que, mesmo neste último, a lei considera
Fiscalità Italiana, in: AAVV, “Acquisizioni di Società e
como encargos não dedutíveis numerosos custos e perdas
di Pacchetti Azionari di Riferimento”, 291-299, Giuffrè,
de exercício das empresas (cf. art. 33.º, ambos do Código
Milano, 1990.
do IRS). Cf. NABAIS, J. Casalta, Alguns Aspectos da
133
PEROTTA, Riccardo, L’Affito d’Azienda – Tributação das Empresas, in: “Por um Estado Fiscal
La Disciplina Fiscale del Conferimento, Giuffrè, Suportável – Estudos de Direito Fiscal”, 357-406,
Milano, 2007. Almedina, Coimbra, 2005.
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aquele empresário colectivo (arts. 4.º e 20.º, Inversamente, ao menos em tese geral, os
nº 1, e) do Código do IRC): tal significa que negócios de transmissão indirecta (“share
tal rendimento irá incorporar o lucro tributável deals”) incorporam à partida um maior
da empresa no ano de exercício em que número de vantagens e flexibilidade fiscais,
ocorreu (art. 48.º), sendo ainda que o sendo aqui particularmente digna de nota a
legislador, comparativamente ao previsto em diversidade dos regimes tributários existentes.
IRS, previu aqui taxas de incidência (em No caso de se tratar de uma compra e venda
regra, 25%: cf. art. 80.º, nº 1) e regimes de de participação social, o produto da venda
dedutibilidade de custos e prejuízos (art. 23.º, poderá constituir uma mais-valia ou uma
todos do Código do IRC) bastante mais menos-valia – consoante “grosso modo” seja
favoráveis 136. Em qualquer dos casos, o positivo ou negativo o diferencial entre o
trespasse e outros negócios transmissivos valor de aquisição e de realização das acções
directos estão ainda sujeitos a imposto de selo ou quotas (art. 10.º do Código do IRS e art.
(5% do valor do preço acordado: cf. ponto 43.º do Código do IRC) –, cujo tratamento
27.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo), fiscal variará consoante o alienante seja
bem assim como a diversos deveres tributários pessoa singular ou colectiva: no primeiro
especiais (v.g., a notificação prevista no art. caso, as mais-valias apuradas são tributáveis
82.º do Código do Procedimento e do em IRS, excepto se as acções ou quotas forem
Processo Tributário).137 detidas há mais de um ano (art. 10.º, nos 1, b)
e 2, a) do Código do IRS), sendo tributadas
à taxa autónoma de 10% sem prejuízo do seu
136
A base do imposto do empresário colectivo é
assim o lucro tributável, ou seja, o lucro contabilístico englobamento opcional (art. 72.º, nº 4 do
corrigido nos termos definidos pelo Código do IRC. Código do IRS); no último caso, as mais-
Sublinhe-se que, sempre que o trespasse efectuado por
valias obtidas representam um proveito ou
uma sociedade comercial diga respeito apenas a uma de
entre várias empresas de que aquela é titular e tenha por ganho (arts. 3.º e 20.º, nº 1, f) do Código do
contrapartida fracções do capital social da entidade IRC), integrante do lucro tributável em IRC
trespassária, estaremos já perante uma operação de
do alienante (art. 17.º), beneficiando ainda de
“entrada de activos”, sujeita ao regime tributário especial
previsto nos arts. 67.º, nº 3 e 68.º do Código do IRC. regras especiais de reinvestimento (art. 45.º
137
Em contrapartida, o trespasse já se encontra do Código do IRC) e de excepção no caso
isento de IVA: com efeito, o art. 3.º, nº 4 do Código do particular das sociedade gestoras de
IVA dispõe que “não são consideradas transmissões as
participações sociais (art. 31.º, nos 2 e 3 do
cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento
comercial (...)”. Neste sentido, vide VALENTE, J. Estatuto dos Benefícios Fiscais)138. Já no caso
Torrão, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado de se tratar de fusão ou cisão, a lei portuguesa
– Anotado e Comentado, 37, Almedina, Coimbra. 2005;
previu um regime tributário especial (arts.
em sentido inverso, todavia, o Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 20-X-1999 (ANTÓNIO 67.º a 72.º do Código do IRC), que visa
PIMPÃO) (in: XXXIX “Acórdãos Doutrinais do STA”
(2000), nº 462, 845-850). Mas o mesmo já não sucede
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com a locação e outros negócios transmissivos Sobre o ponto, vide FERREIRA, R. Fernandes,
temporários, que são tributáveis em IVA como prestações A Tributação das Mais-Valias, in: 13 “O Fisco” (2002),
de serviços: cf. PALMA, C. Celorico, Introdução ao 3-12; MELO, M. Pinto, Tributação das Mais-Valias
Imposto sobre o Valor Acrescentado, 56, Almedina, Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital
Coimbra, 2006. pelas SGPS, Almedina, Coimbra, 2007.
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Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.48, p.39-85, 2008.
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resolução do contrato, nos termos do art.
Para múltiplas espécies jurisprudenciais, vide o
Acórdão da Relação de Lisboa de 3-VI-1992 (trespasse) 441.º, todos do Código do Trabalho).
(DINIS ROLDÃO), in: XVII “Colectânea de
Jurisprudência” (1992), 274-275; o Acórdão do Supremo
3. Regime Concorrencial
Tribunal de Justiça de 9-XI-1994 (venda judicial) (F.
SIMÃO DIAS), in: II “Colectânea de Jurisprudência –
Finalmente, no que tange ao regime
Acórdãos do STJ” (1994), III, 287-290; o Acórdão do
Supremo Tribunal de Administrativo de 30-VI-1999 jusconcorrencial, a negociação da empresa
(cisão) (A. MANUEL PEREIRA) (in: XXXIX poderá ainda ficar sujeita a um sistema de
“Acórdãos Doutrinais do STA” (2000), nº 458, 297-312;
notificação e controlo administrativo prévio
e o Acórdão da Relação de Lisboa de 31-I-2002 (fusão)
(SERRA LEITÃO), in: XXVII “Colectânea de sempre que, sendo já o adquirente uma pessoa
Jurisprudência” (2002), I, 62-64. Por seu turno, no singular ou colectiva titular de outras
comum dos casos em que a transmissão empresarial
empresas, daquela resulte uma concentração
indirecta tenha ocorrido pela via da transmissão de
participações sociais, não haverá sequer que falar de interempresarial susceptível de produzir
uma alteração das relações juslaborais da empresa efeitos significativos sobre a estrutura
societária (num sentido semelhante, MARTINEZ, P.
Romano, Direito do Trabalho, 749, 4ª edição, Almedina,
Coimbra, 2006).
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Para uma ilustração jurisprudencial, vide o
Esta segmentação conceitual da realidade da
Acórdão da Relação de Coimbra de 31-I-2002 (SERRA
empresa, mais do que outra coisa, afigura-se
LEITÃO), in: XXVII “Colectânea de Jurisprudência”
essencialmente um expediente através das quais o
(2002), I, 62-64.
legislador visou combater as segmentações artificiais da
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empresa por parte do empregador com vista a tornear Sobre a questão, embora ainda no quadro do
fraudulentamente as regras de protecção dos direitos dos direito pretérito, vide ABRANTES, M. Costa, A
trabalhadores em caso de transferência da empresa. Sobre Transmissão do Estabelecimento Comercial e a
o ponto, vide GOMES, J. Vieira, Direito do Trabalho, Responsabilidade pelas Dívidas Laborais, in: V
vol. I, 814 e segs., Coimbra Editora, 2007. “Questões Laborais” (1998), 1-35.
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Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.48, p.39-85, 2008.
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Apesar de a “aquisição dos direitos de propriedade
(...) sobre a totalidade ou parte dos activos de uma
empresa” estar associada ao conceito de controlo, parece
evidente, ao menos para o comum dos casos, que o
trespasse, operando “ex definitione”, a aquisição de todo
o activo empresarial, constitui, para os efeitos legais em
presença, uma fonte jurídica relevante de controlo. Sobre
a questão, vide ANTUNES, J. Engrácia, Os Grupos de
Sociedades – Estrutura e Organização da Empresa
Plurissocietária, 187, 2ª edição, Almedina, Coimbra,
2002; noutras latitudes, KROITZISCH, Herman, Der
Erwerb eines wesentlichen Vermögensteils im Sinne des
§ 23, II, Abs. 1 GWB, in: 27 “Wirtschaft und Wettbewerb
– Zeitschrift für deutsches und europäisches
Wettbewerbsrecht” (1977), 235-256. Tenha-se ainda em
atenção a isenção, aplicável tanto a “share deals” como
“asset deals”, dos negócios aquisitivos em processo
insolvencial (art. 8.º, nº 4, a) da Lei nº 18/2003, de 11
de Junho).
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