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COORDENAÇÃO DE PESQUISA E MONITORAMENTO AMBIENTAL - CPMA

CENTRO ESTADUAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - CEUC


SECRETARIA EXECUTIVA-ADJUNTA DE GESTÃO AMBIENTAL - SEAGA/SDS

DIAGNÓSTICO BIOLÓGICO DO MOSAICO DE UNIDADES


DE CONSERVAÇÃO DO MUNICÍPIO DE APUÍ, AM
19 de junho a 7 de julho de 2006

RELATÓRIO TÉCNICO

Apoio:

1
APRESENTAÇÃO

Criadas por uma série de nove Decretos Estaduais entre os meses de janeiro e junho de
2005, o Mosaico de Unidades de Conservação do município de Apuí está inserido no
interflúvio dos rios Madeira e Tapajós, região sul do estado do Amazonas. Ocupando uma
área de aproximadamente 2.600.000 ha, o Mosaico do Apuí - como é conhecido - é
constituído por nove Unidades de Conservação, sendo: dois parques (PAREST do Guariba e
do Sucunduri) de proteção integral e, quatro florestas (FLOREST Manicoré, do Aripuanã, do
Sucunduri e de Apuí) duas reservas de desenvolvimento sustentável (RDS Aripuanã e
Bararati) e uma reserva extrativista (RESEX do Guariba) de uso direto.

A área do Mosaico de Apuí faz limite direto com outras três Unidades de Conservação
no próprio Estado do Amazonas (FLONA Jatuarana e os PARNA Campos Amazônicos e
Juruena) e com a Terra Indígena Rio Pardo e outras quatro Unidades de Conservação (EE Rio
Madeirinha e Rio Roosevelt e os Parques Tucumã e Igarapés do Juruena) já no estado do
Mato Grosso, junto à divisa com o Amazonas. Sob uma visão macro, este grande mosaico de
áreas protegidas é agora conhecido como Corredor de Conservação Apuí - Teles Pires –
Tapajós, cobrindo atualmente cerca de 9 milhões de hectares e assim, potencializando os
esforços para conservação da biodiversidade no que constitui o maior mosaico de florestas
tropicais legalmente protegidas do mundo.

Obviamente, tal configuração não se trata de mera obra do acaso, mas sim do interesse
em estabelecer um bloco de conservação em uma região de elevado valor intrínseco, na
transição entre a Floresta Amazônica e o Cerrado, mas também por estar sob pressão do
famoso arco do desmatamento, numa zona reconhecida pela grilagem de terras, exploração
ilegal de madeira e expansão da monocultura da soja.

Para o Mosaico de Apuí, em específico, essas características são reforçadas pelo fato
desta ser uma das áreas mais preservadas da Amazônia Legal, reservando assim, uma
biodiversidade elevada, com alto grau de endemismo e conspicuidade de espécies. Entretanto,
o mesmo grau de isolamento que até hoje freou o avanço do desmatamento e preservou a
natureza, também faz desta região uma das menos cientificamente conhecidas do Brasil, com
lacunas sobre informações extremamente básicas, como a composição de todos os seus grupos
biológicos, incluindo aves e mamíferos, ambos relativamente bem conhecidos para a
Amazônia.
2
Esse conjunto de características ressalta a necessidade de enquadrar o Mosaico do
Apuí como um importante “hot spot” amazônico, numa área com elevado potencial de
registro de novas espécies, e assim, vir a incentivar estudos futuros que venham a contribuir
para avaliação do “status” de conservação de espécies e grupos biológicos.

Com objetivo realizar um diagnóstico biológico rápido, visando à geração de subsídios


que fomentem a discussão de propostas iniciais para o zoneamento e elaboração de seu futuro
Plano de Gestão, no período de 19 de junho a 7 de julho de 2006, a SDS realizou uma
expedição ao Mosaico do Apuí. Tendo como parceiros o WWF-Brasil, INPA, IBAMA e
IPAAM, mediante o curto período para realização das atividades de campo a estratégia
adotada para esta expedição foi a seguinte:
1 - Aproveitar o apoio de helicóptero para visitar o maior numero possível de pontos
em paisagens relevantes e inacessíveis por outros tipos de transporte;
2 - Adotar uma abordagem multidisciplinar para o levantamento intensivo de
informações biológicas em todas as áreas visitadas e;
3 - Colaborar no conhecimento sobre a composição biológica de uma área com
reconhecida escassez de informações científicas, porém, de grande relevância para
conservação.

Os preparativos para a expedição iniciaram-se cerca de 50 dias antes da saída da


equipe de Manaus para Apuí. Participou da expedição um total de 17 técnicos e 10 pessoas na
equipe de apoio. Foram percorridos cerca de 12.000 km entre os deslocamentos aéreo, fluvial
e rodoviário e foram utilizados como meio de transporte: um helicóptero, um avião, um
caminhão, um micro-ônibus, uma moto, um barco e seis voadeiras. Os custos para a
operacionalização desta expedição ficaram em torno de R$ 68.000,00 com questões de
logística, R$ 33.000,00 com recursos humanos e R$ 26.000,00 com equipamentos e materiais
de consumo. Se contados os custos (não arcados) com aluguel do helicóptero, os totais gerais
estariam em torno de R$ 453.000,00.

Em campo, cinco equipes multitemáticas, variando de um a três técnicos cada


(paisagem, botânica, peixes, herpetofauna, aves e mamíferos) atuaram simultaneamente em
cada uma das áreas de estudo: Serra do Biquíni (FLOREST do Sucunduri), Terra Preta
(FLOREST de Apuí) e Vale do Bararati (PAREST do Sucunduri).

3
Foram registradas sete formações paisagísticas distintas (cf. SIVAM), cerca de 850
espécies de plantas superiores (com dap > 10 cm), cerca de 100 espécies de peixes, sendo três
delas desconhecidas pela ciência e uma outra que conta com apenas seis exemplares do
mesmo gênero, porém, de espécies diferentes com holótipos distribuídos em museus, todos
fora do Brasil. Para herpetofauna, foram registradas cerca de 90 espécies de anfíbios e 20 de
répteis, sendo cinco deles constantes em listas de espécies ameaçadas (cf. CITES e/ ou
IUCN). Para as aves foram registradas 335 espécies, tendo sido coletadas 34 delas e com duas
sendo pertencentes a novos táxons. Onze espécies de aves tiveram sua distribuição ajustada
após os resultados desta expedição. Para os mamíferos, foram registradas 46 espécies. Entre
os primatas, foi registrada uma nova espécie na região, uma nova espécie até então de
ocorrência desconhecida para o estado do Amazonas e expandida a área de ocorrência de uma
terceira. Das nove espécies de primatas registradas, sete se encontram nas listas de animais
ameaçados (cf. IUCN e/ ou CITES).

Os resultados desta expedição foram divulgados na rádio local de Apuí, na televisão e


em uma revista, ambos em nível nacional e resultou na produção de dois vídeos-
documentários: um do WWF-Brasil e um da rede VOX de televisão alemã, este último
divulgado junto a Comunidade Européia. Conforme os resultados eram gerados em campo,
praticamente ao mesmo tempo, também eram disponibilizados no site do WWF (U.E.), que
durante a expedição bateu todos seus recordes de acesso. Um CD-ROM com os principais
resultados e em linguagem adaptada para fins didáticos também foi produzido pela SDS para
utilização numa atividade de sensibilização junto aos professores da rede pública de Apuí, que
depois receberam cópias do material. Os próximos produtos de divulgação dos resultados
dessa expedição serão a produção de um livro dentro da serie técnica de expedições para
criação e implementação de Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas, uma iniciativa
da SDS e a apresentação de uma proposta a revista Acta Amazonica para publicação de um
número especial sobre esta expedição (em fase de planejamento).

Este relatório foi organizado em capítulos e descreve em detalhes os resultados


obtidos por cada componente temático pesquisado. Com vistas à geração de subsídios que
realmente dessem uma contribuição diferenciada ao zoneamento do Mosaico do Apuí, cada
capítulo segue estruturado em: objetivos, materiais e métodos, resultados, discussão,
conclusões e recomendações.

4
___________________________________________________________________________
Os capítulos deste relatório devem ser citados da seguinte forma: p.e. capítulo “Peixes”
Py, L.R & Marinelli, C.E (2007). Peixes. In: Marinelli, C.E. & T.P. Kasecker (Orgs.).
Diagnóstico biológico do mosaico de unidades de conservação do município de
Apuí, AM. Secretaria de Projetos Especiais/SDS-AM. Relatório Técnico.

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EQUIPE TÉCNICA

ALEXANDRE MENDES FERNANDES: Biólogo/ Instituto Nacional de Pesquisas da


Amazônia/ Coleções: Aves/ Levantamento da avifauna/ Parecer técnico.

ANTÔNIA M. FERREIRA: Consultora particular/ Parataxonomista.

CARLOS EDUARDO MARINELLI: Biólogo/ Projeto Criação e Implementação de


Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas/ Rede de Conservação do Amazonas/
Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/ Fundação Moore/
Coordenação da Expedição e Sistematização do Relatório Técnico Geral.

CARLOS SOTERO DA SILVA: Técnico Temporariamente Contratado/ Instituto Nacional


de Pesquisas na Amazônia/ Levantamento da ictiofauna

CHARLES E. ZARTMAN: Biólogo/ Pesquisador Visitante/ Coordenação de Pesquisas em


Botânica/ Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia/ Levantamento Botânico.

DONIZETE DA SILVA: Técnico Temporariamente Contratado/ Levantamento dos primatas

EVERALDO DA C. PEREIRA: Técnico de campo/ PPBIO-INPA-MCT/ Instituto Nacional


de Pesquisas na Amazônia/ Levantamento Botânica.

FABIANO WALDEZ: Biólogo/ Projeto Criação e Implementação de Unidades de


Conservação Estaduais do Amazonas/ Rede de Conservação do Amazonas/ Secretaria de
Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/ Fundação Moore/ Levantamento
da herpetofauna/ Parecer técnico.

FÁBIO ROHE: Biólogo/ Projeto Criação e Implementação de Unidades de Conservação


Estaduais do Amazonas/ Rede de Conservação do Amazonas/ Secretaria de Estado do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/ Fundação Moore/ Levantamento da mastofauna/
Parecer técnico.

6
LÚCIA RAPP PY-DANIEL: Bióloga/ Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/
Curadora da coleção de peixes/ Levantamento da ictiofauna/ Parecer técnico.

MÁRIO COHN-HAFT: Biólogo/ Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/ Curador da


coleção de aves/ Levantamento da avifauna/ Parecer técnico.

MAURÍCIO NORONHA: Biólogo/ Pesquisador temporariamente contratado/ Instituto


Nacional de Pesquisas na Amazônia/ Levantamento dos primatas/ Parecer técnico.

OCÍRIO P. SOUZA: Técnico PPBIO-INPA-MCT/ Instituto Nacional de Pesquisas na


Amazônia/ Levantamento da herpetofauna.

PAULO APÓSTOLO C. L. ASSUNÇÃO: Técnico de campo/ Coordenação de Pesquisas


em Botânica/ Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia/ Levantamento Botânico.

RÔMULO FERNANDES BATISTA: Biólogo/ Projeto Criação e Implementação de


Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas/ Rede de Conservação do Amazonas/
Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/ Fundação Moore/
Levantamento paisagístico e identificação de fitofissionomias

SEBASTIÃO DE SOUZA: Técnico de campo/ Coordenação de Pesquisas em Botânica/


Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia/ Levantamento Botânico.

THAÍS PACHECO KASECKER: Bióloga/ Projeto Criação e Implementação de Unidades


de Conservação Estaduais do Amazonas/ Secretaria de Estado do Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável/ Fundação Moore/ Organização do Relatório Técnico Geral.

7
A EXPEDIÇÃO

8
´

9
10
CRÉDITO DAS FOTOS

CAPA:
- fotos da anta e do gavião real: Zig Koch
- fotos da paisagem e peixe: Carlos Eduardo Marinelli
- foto da serpente: Fabiano Waldez
- foto da flor: Charles Zartman

A EXPEDIÇÃO:
- fotos da página 8, com exceção de arranhado de onça: Zig Koch
- foto de arranhado de onça (página 8): Carlos Eduardo Marinelli
- fotos da página 9, com exceção da equipe de peixes trabalhando: Zig Koch
- foto da equipe de peixes trabalhando (pág 9, última à esquerda): Carlos Eduardo Marinelli
- foto da página 10, com exceção do tucano: Zig Koch
- foto do tucano (página 10): Mário Cohn-Haft

11
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA ÁREA DE ESTUDO

Figura 1: Região do sudeste do Amazonas onde foram realizados estudos com diversidade
biológica e paisagística em localidades próximas dos rios Sucundurí e Bararatí, com destaque
para os principais interflúvios da região e as UCs estaduais e federais.

12
-72 -70 -68 -66 -64 -62 -60 -58

2 2

0 0

-2 -2

-4 -4

-6 -6

-8 -8

-10 -10
100 0 100 200 300 400 500 Kilometers

-72 -70 -68 -66 -64 -62 -60 -58

Figura 2: Mosaico de Unidades de Conservação de Apuí, a sudoeste do Estado do Amazonas,


com destaque para as três Unidades de Conservação visitadas nessa excursão, suas localidades
de amostragem: FLOREST do Sucunduri (Serra do Biquíni), FLOREST de Apuí (Terra Preta)
e PAREST do Sucunduri (Vale do Bararati).

13
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................................2
EQUIPE TÉCNICA........................................................................................................................6
A EXPEDIÇÃO.............................................................................................................................8
CRÉDITO DAS FOTOS.................................................................................................................11
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA ÁREA DE ESTUDO................................................................12
ÍNDICE.......................................................................................................................................14
1- PAISAGENS....................................................................................................................15
2- BOTÁNICA.....................................................................................................................25
3- MASTOFAUNA...............................................................................................................37
4- PRIMATAS.....................................................................................................................46
5- AVIFAUNA.....................................................................................................................54
6- HERPETOFAUNA...........................................................................................................62
7- ICTIOFAUNA..................................................................................................................77

14
1. PAISAGENS
RÔMULO FERNANDES BATISTA

15
1. Objetivo
1.1. Objetivo Geral
Caracterizar a paisagem onde estão inseridas as Unidades de Conservação visitadas
durante a expedição.

1.2. Objetivos específicos


- Maximizar o número de diferentes formações vegetacionais visitadas durante a
expedição;
- Obter pontos de controles para classificação da imagem de satélite;
- Caracterizar os diferentes tipos de fitofissionomias e formações vegetacionais visitadas
quanto a altura de dossel, estrutura de estratos e características da serrapilheira e solo;
- Identificar através do tratamento das imagens de satélite possíveis ameaças existentes à
integridades das UCs.

2. Métodos
Para maximizar o número de fitofissionomias visitadas durante a expedição e atender as
demandas de mapas de todos os pesquisadores foi feita uma análise visual das imagens de
satélite LANDSAT disponíveis para região, e utilizando o conhecimento prévio do sobrevôo
realizado, foram escolhidos os locais para pouso e instalação das trilhas. Essas áreas de coleta
foram calculadas através do mínimo polígono convexo dos pontos extremos das trilhas.
Para obtenção dos pontos e controle para classificação da imagem de satélite foi
utilizado um GPS (Sistema de Posicionamento Global) Garmim® map 76S, que também
conta com um barômetro, que permite uma leitura precisa da altitude (erro estimado: 3m).
Para classificação da imagem foi utilizado o programa ENVI 4 ®, com o classificador o
de máxima verossimilhança (MAXVER), que considera a ponderação das distâncias entre
médias dos níveis digitais das classes, utilizando parâmetros estatísticos.
Os conjuntos de treinamento (pontos coletados durante a expedição) definem o
diagrama de dispersão das classes e suas distribuições de probabilidade, considerando a
distribuição de probabilidade normal para cada classe do treinamento. Exemplo: Para duas
classes (1 e 2) com distribuição de probabilidade distintas, as distribuições representam a
probabilidade de um "pixel" pertencer a uma ou outra classe, dependendo da posição do
"pixel" em relação a essa distribuição.
Para diminuir a confusão entre as classes, ou seja, para reduzir a sobreposição entre as
distribuições de probabilidades das classes, foi realizada a aquisição de amostras

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significativas das diferentes fitofissionomias, onde o ponto do GPS foi transformado em um
polígono englobando vários pixels com características espectrais semelhantes nas diferentes
bandas da imagem e a avaliação da matriz de classificação das amostras que apresenta a
distribuição de porcentagem de "pixels" classificados correta e erroneamente.
Para caracterização das diferentes fitofisionomias visitadas durante a expedição foram
coletados pontos de GPS e sobre tipificação da fitofisionomia (mata terra firme, campo e
campina...), altura, densidade e dominância dos estratos vegetais (emergentes, arbóreo,
arbustivo e gramíneo), serrapilheira (espessura e composição) e uma classificação visual do
solo (cor, existência de materia orgânica, areia e argila).

4. Resultados
Durante as reuniões prévias da expedição foram definidos os critérios para escolha de
local de amostragem. Baseado nesses critérios foram escolhidos através de análise visual da
imagem de satelite, os locais de amostragem. (Figura 1)
Foram percorridos 13,3 quilômetros por trilhas, e coletados 40 pontos de controles com
dados sobre tipificação da fitofisionomia (mata terra firme, campo e campina...), altura,
densidade e dominância dos estratos vegetais (emergentes, arbóreo, arbustivo e gramíneo),
serrapilheira (espessura e composição) e uma classificação visual do solo (cor, existência de
matéria orgânica, areia e argila).

Figura 1: Unidades de Conservação visitadas durante a expedição com suas respectivas fitofisionomias. Em
destaque: A)Parque estadual do Bararati, destaque para a área de campina por onde passam as trilhas e a floresta
de várzea. B) Floresta Estadual do Sucunduri, destaque para a área de campo que a trilha ao norte corta,

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terminando em uma área de mata de terra firme com cipó. C) Floresta Estadual de Apuí, acampamento terra
preta.
Segundo os dados de vegetação do SIVAM, seriam encontrados oito tipos de
fitofisionomias na área das três Unidades de Conservação, (Tabela 1 e Figura 1) sendo que as
trilhas projetadas estariam inseridas em apenas duas. Entretanto, devido a escala em que esses
dados foram gerados, as áreas de campo, campina e os diferentes tipos de mata (com cipó, o
campina) não foram classificadas.

Tabela 1: Diferentes fitofisionomias (segundo SIVAM) encontradas nas Unidades de Conservação visitadas
durante a expedição, com suas respectivas áreas ocupadas.

Fitofissionomia Unidade de Área


Conservação Ocupada
(ha)
FLOREST de Apuí 52.301,814
FLOREST do
Floresta Ombrófila Aberta Submontana com cipós Sucunduri 16.860,954
PAREST do Sucunduri 20.026,410
Àrea total 89.189,178
FLOREST de Apuí 39.142,013
FLOREST do
Floresta Ombrófila Aberta Submontana com palmeiras Sucunduri 240.716,011
PAREST do Sucunduri 387.016,349
Àrea total 666.874,373
Floresta Ombrófila Densa Aluvial Dossel emergente PAREST do Sucunduri 4.808,904
FLOREST de Apuí 8.894,628
FLOREST do
Floresta Ombrófila Densa Aluvial Dossel uniforme Sucunduri 747,396
PAREST do Sucunduri 7.324,382
Àrea total 21.775,310
FLOREST de Apuí 49.747,502
FLOREST do
Floresta Ombrófila Densa Submontana Dossel
Sucunduri 232.450,209
emergente
PAREST do Sucunduri 303.432,124
Àrea total 585.629,835
FLOREST de Apuí 4.148,836
Savana Arborizada sem floresta-de-galeria PAREST do Sucunduri 51.436,254
Àrea total 55.585,090
FLOREST de Apuí 26.802,663
Savana Florestada PAREST do Sucunduri 29.629,645
Àrea total 56432,308
FLOREST de Apuí 4.093,595
Savana Parque sem floresta-de-galeria PAREST do Sucunduri 473,138
Àrea total 4.566,733
FLOREST de Apuí 7,548
Sem informação PAREST do Sucunduri 484,076
Àrea total 491,624

Durante os deslocamentos entre a sede do município e os pontos de coleta foram


percorridos 453 quilômetros, sendo que destes, 250 quilômetros se encontram dentro da área

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do mosaico. Foram coletados 93 pontos de controle com classificação visual da
fitofisionomias e fotos para comparação entre elas.
4.1 - Parque Estadual do Bararati
Na área amostral do Parque Estadual do Bararati as trilhas perfizeram um total
aproximado de 6,5 quilômetros, abrangendo uma área de 170 hectares, na fitofissionomia
Floresta Ombrófila Aberta Submontana com Palmeiras, segundo SIVAM. (Figura 1).
Apesar da classificação do SIVAM apresentar somente um tipo de fitofissionomia para
essa área amostral, foi possível reconhecer cinco diferentes formações vegetacionais
formando um verdadeiro mosaico, caracterizando uma paisagem muito diferente da esperada.
(Tabela 2)

Tabela 2: Formações vegetacionais encontradas na área amostrada do Parque Estadual do Bararati e suas
principais características.
Espécies
Denominação Descrição Extratos Solo
Indicadoras
Encontradas nas áreas com
Campo canela de Apenas um, baixo com
maior altitude amostradas, Fina camada de
arbustivo ema , rabo os arbustos nao
sendo bem abertas, areia sobre estrato
gramíneo de gato e ultrapassando 2 metros
permitindo a livre circulaçõ rochoso
aberto gramíneas de altura
por entre a vegetação
canela de Substrato rochoso
Área similar a acima, porém
ema , rabo Apenas um, baixo com com uma camada
sem gramíneas e com
Campo de gato e os arbustos nao maior de areia e
arbustos mais adensados
arbustivo denso outras ultrapassando 2,5 metros uma pequena
sendo necesário o corte para
espécies de altura porção de matéria
a transposição
arbustivas orgânica sobre ela.
Encontradas em áreas mais Apresenta dois estratos
baixas que as anteriores, bem divididos oprimeiro
apresentam uma maior formado pela especies
diversidade de spp vegetais, lenhosas baixas, não
solo arenosos com
sendo aberta e nesse ponto de ultrapassando 8 metros
Campina - presença de
coleta as campinas visitadas sem emergentes e devido
serrapilheira
encontram-se principalmente ao sombreamento um
nas áreas de transição dos subbosque com
campos para as matas de arbustivo/herbáceo não
terra firme. ultrapasando 2 metros
Apresenta estratos bem
Ocorrem nas partes
definidos e o dossel não
intermediárias do relevo, encontra-se
raramente apresenta-se
em áreas não sujeitas às amplamente
Mata de terra emergente,os estratos
inundações sazonais dos rios sombreado a sera-
firme inferiores (arbustivos e o
e igarapés. Apresenta uma pileira é bastante
sub-bosque) com uma
heterogeneidade maior que farta.
- estrutura vegetacional
as classes acima citadas
mais densa
Além das características
acima citadas o sub-
Mata de terra Características
Características acima citadas bosque encontra-se
firme com cipó acima citadas
dominado por cipos e
lianas

4.2 Floresta Estadual do Sucunduri

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Na área amostral da Floresta Estadual do Sucunduri, foi fesita amostragem na localidade
Serra do Biquini. Suas trilhas totalizaram aproximadamente 6,8 quilômetros, abrangendo uma
área de 275 hectares, nas duas fitofisionomias presentes (de acordo com SIVAM): Floresta
Ombrófila Aberta Submontana com Palmeiras e Floresta Ombrófila Densa Submontana com
Dossel Emergente (Figura 1).
Apesar do da classificação do SIVAM apresentar somente dois tipos de fitofisionomia
para essa área amostral, foi possível reconhecer cinco diferentes formações vegetacionais
formando um verdadeiro mosaico, caracterizando uma paisagem muito diferente da esperada.
(Tabela 3).

Tabela 3: Formações vegetacionais encontradas na área amostrada da Floresta Estadual do Sucunduri e suas
principais características.
Denominaç Descrição Espécies Estratos Solo
ão Indicadoras
Áreas muito planas,
extremanente aberta, Uma
parte da área visitada fica
alagada durante a estação de Apenas um, baixo
solo arenoso, sem
Campina chuvas havendo pequenas Gramineas e com os arbustos nao
serapilheira com
Aberta “ilhas” de arbustos e pequenas arbustos ultrapassando 2
excessão das "ilhas"
espécies arbóreas formados metros de altura
em áreas um pouco mais alta
onde se acumulam matéria
orgânica
solo arenoso, com
São áreas mais densas
Três bem serrapileira e
Campina dominadas por arvores de
Plmeiras de caracterizados: primeiro horizonte
densa com pequeno porte, finas e com
bosque bosque, sub-bosque e com pequena
palmeira dossel aberto e presença de
arbustivo quantidade de
palmeiras.
matéria organica
As matas de várzea se
Apresenta quatro
caracterizam por ocupar os
estratos bem
terraços fluviais, que são as
definidos sem dossel Os solos encontrados
áreas mais baixas do relevo no
emergente,os estratos nas matas de várzeas
entorno dos rios e igarapés
inferiores (arbustivos são mais
Mata de principais, sendo
- e o sub-bosque) com metamorfizados em
várzea periodicamente inundadas,
uma estrutura geral, com uma
estratos inferiores (arbustivos
vegetacional aberta grande porcentagem
e o sub-bosque) com uma
provavelmente de materia orgânica
estrutura vegetacional mais
devido às cheias
densa com a presença de
corriqueiras
bambus e muitas palmeiras
Apresenta quatro
estratos bem
Ocorrem nas partes definidos e o dossel
intermediárias do relevo, em não raramente Encontra-se
áreas não sujeitas às apresenta-se amplamente
Mata de
inundações sazonais dos rios e - emergente,os estratos sombreado; a
terra firme
igarapés. Apresenta uma inferiores (arbustivos serrapilheira é
heterogeneidade maior que as e o sub-bosque) com bastante farta.
classes acima citadas uma estrutura
vegetacional mais
densa

20
Além das
características acima
Mata de
citadas o sub-bosque
terra firme Idem acima citado Idem acima citado
encontra-se
com cipó
dominado por cipós e
lianas

4.3 Classificação das imagens de satélite


As áreas das Unidades de Conservação visitadas durante a expedição encontram-se em
quatro imagens do satélite Landsat®, sendo a órbita ponto 229-66, 230-65 e 230-66.
Apesar da grande quantidade de pontos recolhidos durante a expedição, a classificação
da imagem de satélite não apresentou uma qualidade satisfatória. Com excessão das áreas de
campos que foram muito bem caracterizadas (Figura 2 e Tabela 4), a matriz de classificação
das amostras aponta um erro muito grande, indicando que a classificação não pode ser usada
como um descritor da paisagem (Tabela 5).

Tabela 4: Área de campo e percentual ocupado em cada Unidade de Conservação visitada durante a expedição.

Unidade de Conservação Área UC Área de Campos Porcentagem da UC (%)


FLOREST de Apuí 185.946,17 14.836,85 7,98
FLOREST do Sucunduri 492.905,28 14.250,39 2,89
PAREST do Sucunduri 808.312,18 28.689,87 3,55

Figura 2: Áreas de campo identificadas nas três Unidades de Conservação visitadas durante a expedição.

21
Pontos
Pontos de % de acerto da
Fitofisionomia de
conferência classificação
controle
Floresta Ombrófila Aberta Submontana com cipós 14 8 57
Floresta Ombrófila Aberta Submontana com palmeiras 15 9 35
Tab
Floresta Ombrófila Densa Aluvial Dossel emergente 12 8 63
ela
Floresta Ombrófila Densa Aluvial Dossel uniforme 11 6 21
5:
Floresta Ombrófila Densa Submontana Dossel
Dad
emergente 5 5 80
os
Savana Arborizada sem floresta-de-galeria 0 0 -
da
Savana Florestada 0 0 -
matr
Savana Parque sem floresta-de-galeria 0 0 -
iz
sem informação 0 0 -
de
confusão da classificação da imagem de satélite.

Nenhuma ameaça externa foi encontrada através do tratamento da imagem de satélite e


não existem estradas endógenas na região, o que confere com os dados divulgados pelo
IMAZON. A área desmatada nas áreas das Unidades de Conservação visitada é inferior a 0,1
em todos os casos, apontando que a área encontra-se em baixíssima pressão de desmatamento
(Tabela 6 e Figura 3)

Tabela 6: Desmatamento segundo o PRODES-INPE 2005


Unidade de Conservação Área da UC Desmatamento Prodes Porcentagem da UC %
FLOREST de Apuí 185.946,17 150,9600 0,081184788
FLOREST do Sucunduri 492.905,28 27,6450 0,005608583

22
PAREST do Sucunduri 808.312,18 398,0850 0,049248918

Figura 3: Estradas endógenas e desmatamento nas áreas das três Unidades de Conservação visitadas durante a
Expedição (Fonte: IMAZON E PRODES-INPE)

5. Conclusões
Apesar de terem sido amostrados apenas duas, das oito fitofisionomias descritas pelo
SIVAM, a escolha dos lugares de amostragem se mostrou muito boa, uma vez que
dependíamos de logística áerea e consequentemente de lugares passíveis de pouso, aliados à
proximidade de um corpo d’água.
As trilhas foram instaladas com a finalidade de maximizar o número formações
vegetacionais sendo possível acessar sete diferentes tipos, desde formações de campos abertos
a matas densas e sujeitas a inundação.
Os pontos de controle recolhidos durante a expedição se mostraram insuficientes para
uma classificação aceitável da imagem de satélite, devido à grande extensão das Unidades de
Conservação, diferenças altitudinais e várias formações, constituindo mosaicos e também ao
número de imagens necessárias para cobrir toda essa extensão.
Cabe ressaltar que os campos foram muito bem classificados, sendo estes uma formação
vegetacional rara no Estado e com poucas pesquisas a respeito de sua fauna e flora. Além
disso, os campos se mostraram muito variados em suas características, como ressaltado pelo

23
Dr. Mário Cohn Haft, que teve a oportunidade de visitar uma outra área de campo, apenas
alguns quilômetros do acampamento na Serra do Biquini.
As características descritas nesse relatório se prendem às distintas formações
vegetacionais analisadas nas áreas de amostragem. Já para as fitofissionomias, não coube uma
descrição detalhada, uma vez que abrangiam diferentes formações vegetacionais. Não foi
identificada nenhuma ameaça externa às Unidades de Conservação visitadas através do
tratamento de imagem de satélite e de dados disponíveis.

6. Recomendações
Ao se realizar uma nova expedição a essa região do Mosaico, convém ressaltar a
necessidade de maior atenção para as áreas de terra firme, florestas de várzeas uma vez que
foram muito pouco amostradas.
Os campos e campinas analisados durante a expedição se mostraram muito
diversificadas, sugerindo que nas próximas expedições se faça uma análise de um número
maior dessas áreas.
Cabe ressaltar a proximidade dessas Unidades de Conservação ao arco do desmatamento
e ao munícipio de Apuí que tem uma vocação muito grande às atividades agropecuárias,
cabendo uma vigilância especial e sempre que possível aquisição de imagens de satélite
atualizadas para identificar possíveis pontos de desmatamentos, bem como uma análise dos
dados do DETER-INPE, sobre os pontos de queimadas na região.

24
. Botânica
CHARLES E. ZARTMAN, PH.D.
PAULO APÓSTOLO C.L. ASSUNÇÃO
EVERALDO DA C. PEREIRA
SEBASTIÃO DE SOUZA
ANTÔNIA M. FERREIRA

25
1. Objetivos
1) Caracterizar a vegetação através de identificação de árvores ocorrendo dentro dos
nove transectos de 20m x 300m (0,6 hectares);
2) Registrar a ocorrência de espécies de plantas férteis através de coletas para serem
depositadas no acervo do INPA.

3. Métodos
Os levantamentos foram realizados em duas localidades dentro do PES Sucunduri.
Acampamento I foi localizado num platô ao lado de uma campina tipo-rochosa do Rio
Sucunduri (Bacia do Rio Madeira), e o Acampamento II foi estabelecido numa floresta tipo-
ripária próxima à beira do Rio Bararati (Bacia do Rio Tapajós). No Rio Sucunduri, cinco
parcelas foram estabelecidas (1 em campina, 1 em campinarana, 2 em terra-firme e 1 em
ripária). No Rio Bararati quatro parcelas foram estabelecidas (1 em campina, 1 campinarana,
1 terra-firme e 1 ripária). No total, cinco hectares de floresta em quatro tipos de ambientes
diferentes foram amostrados durante o curso dessa excursão. Em cada parcela ou transecto,
uma trena foi estendida 300 m de comprimento e todas as árvores acima de 10 cm de DAP
por 10 m a cada lado da treina foram medidas (DAP e estimativa de altura) e identificadas até
espécie ou coletadas através o uso de peconhas e podões. Ao total, 372 coleções foram
levadas para o Herbário do INPA onde quatro pessoas (C. E. Zartman, A. F. Mesquita,
P.A.C.L. Assunção, e J. Ramos) identificaram o material usufruindo o acervo do INPA.
Material fértil está sendo depositado no Herbário do INPA, e as duplicatas serão enviadas
para as especialistas apropriadas. Devido ao fato que material estéril não pode ser incluído no
Herbário do INPA recomendamos que a SDS em parceria com INPA-CPBO mantenham as
coleções já identificadas na sede localizada no Apuí (veja considerações finais para mais
detalhes).

4. Resultados e Discussão
4.1. Riqueza de espécies, densidade e diversidade-alfa
Em nove parcelas de 0,6 hectares (~ 5 hectares, ao total), 2.840 indivíduos com DAP
acima de 10 cm foram avaliados resultando na identificação de 69 famílias, 218 gêneros e 365
espécies (além das 305 morfo-espécies). A média de riqueza das espécies amostradas é mais

26
alta nas florestas de terra-firme, e mais baixo nas campinas (Tabela 1, Figura 1). A floresta de
terra-firme alta na Bacia Sucunduri (região chamada informalmente de “Serra do Biquini”)
destacou-se pela maior diversidade, com quase 167 espécies (excluindo morfo-espécies)
presentes. A alta riqueza local de espécies de terra-firme não necessariamente resultou do
efeito de amostragem, visto que as florestas ripárias apresentaram uma diversidade menor que
as florestas de terra-firme ainda que tenham apresentado uma maior densidade de árvores que
os outros habitats (Tabela 1, Figura 1 e Figura 2).
Vegetação de campina destacou-se com a menor diversidade-alfa entre todos os
ambientes, mas esta pode ter resultado da baixa diversidade de plantas lenhosas neste
ambiente. Por outro lado, ervas nas campinas destacaram-se pelo grande número de espécies e
incluem algumas ampliações nas distribuições geográficas de algumas espécies na região
Amazônica (veja seção Caracterização e fitogeografia abaixo).
As florestas ripárias nas beiras dos Rios Sucunduri e Bararati apresentaram espécies de
árvores mais restritas geograficamente necessitando que quase 60% das espécies desse habitat
sejam coletadas para identificação em herbário. Também, os dois tipos de vegetação de
campina encontrados na excursão apresentaram-se com a maior taxa de plantas férteis
representadas por famílias como Velloziaceae, Eriocaulaceae e Lentibulariaceae, tipicamente
encontradas na Bacia Amazônia em áreas secas e rochosas.

4.2. Diversidade-beta
Diversidade-beta pode ser definida como a mudança, ou “turnover”, de espécies de uma
área para a outra, e tal mudança em composição, através de espaço físico, tem fortes
implicações para conservação (Condit et al. 2002). Por exemplo, se alguns tipos de ambiente
têm uma alta taxa de mudança entre regiões, seria melhor, em termos de conservação,
desenvolver um plano de manejo que proteja uma área suficientemente ampla para incluir a
maioria das variâncias possíveis na composição.
No PES Sucunduri, as vegetações de campina e ripária amostraram-se com a maior taxa
de “turnover”, ou seja, diversidade-beta, que todos os outros ambientes. Por exemplo, de 123
espécies amostradas nas parcelas em vegetação ripária, apenas duas espécies (Macrolobium
angustifolium-Fabaceae e Helicostylis scabra-Moraceae) foram encontradas tanto no
Sucunduri como no Bararati. Igualmente, do total de 43 espécies identificadas nas campinas
do PES Sucunduri, apenas três espécies foram encontradas nas duas hidrobacias (Sucunduri e
Bararati): Pagamea coriacea (Rubiaceae), Macairea thyrsifolia (Melastomataceae) e Humiria
balsamifera (Humiriaceae). A alta diversidade-beta em relação à vegetação de campina pode
resultar da forte isolação geográfica entre cada localidade que promove a mudança no

27
estabelecimento e a extinção local de espécies de plantas diferentes (MacArthur & Wilson
1967). Em contraste, as florestas de terra-firme apresentaram 21 espécies em comum (8% do
total), ou seja, que ocorrem nas duas Bacias amostradas, indicando que a vegetação de terra-
firme apresentou uma diversidade-beta bem menor que as outras vegetações (Tabela 2).
4.3. Caracterização e fitogeografia
Padrões gerais de espécies indicadoras
Aproximadamente 20% das árvores amostradas pertencem a uma das 11 espécies
listadas na Tabela 3, e todas essas espécies podem também ser encontradas na Amazônia
central e nas adjacências de Manaus (Ribeiro et al. 1999). De acordo com estas análises, uma
em cada cinco árvores no PES Sucunduri pertence a uma dessas 11 espécies (ver Figura 3)
que são amplamente distribuídas pelo Estado do Amazonas sugerindo que, floristicamente, o
PES Sucunduri apresenta muitas similaridades com as outras regiões na Amazônia. Tal
resultado corrobora as conclusões de outros estudos feitos na Amazônia Ocidental, onde
grandes áreas de floresta estão caracterizadas por um núcleo de espécies (n = 150) dominantes
(ver Pitman et al. 2002). Espécies comuns de árvores ocorrendo especificamente nas florestas
de terra-firme no PES Sucunduri também dominam nas parcelas amostradas e são
amplamente distribuídas pelo Estado do Amazonas. Por exemplo, aproximadamente 20% dos
indivíduos encontrados nas florestas de terra-firme, pertencem a uma das 19 espécies listadas
na Tabela 2, e todas também ocorrem na região de Manaus (Ribeiro et al. 1999).
A abundância de alguns grupos taxonômicos não pode ser considerada um padrão
aleatório no PES Sucunduri, pois algumas famílias de angiospermas nitidamente dominam na
região. Mais que 50% de todos os indivíduos encontrados nas parcelas pertencem a apenas 10
das 69 famílias encontradas (Tabela 4). As famílias Burseraceae, Fabaceae, Moraceae e
Sapotaceae representam 41% de todas as árvores do levantamento.
O fato das espécies comuns (Tabelas 2 e 3) no PES Sucunduri serem amplamente
distribuídas pela Amazônia central e ocidental não desvaloriza, necessariamente, a
importância biológica da região. De fato, um assunto fundamental que teria que ser abordado
com as futuras pesquisas botânicas no PES Sucunduri seria sobre a questão da fitogeografia
dos outros 80% das árvores menos comuns. Devido às limitações de tempo no campo,
aproximadamente 40% dessas espécies menos comuns foram identificadas apenas até morfo-
espécies, impossibilitando quaisquer análises fitogeográficas com este grupo. Futuras
pesquisas botânicas no PES Sucunduri devem focalizar a coleta e identificação de plantas
férteis para aumentar conhecimento sobre as espécies de árvores que ocorrem lá. Pórem
avaliamos alguns padrões nítidos que vêm aparecendo com tais espécies menos comuns (n =
~ 300) que conseguimos identificar através das coleções do Herbário INPA.

28
Campina
A vegetação de campina destacou-se como o elemento fitogeográfico mais interessante
que todos os outros tipos de vegetação encontrados. A sua forte relação florística com o
cerrado das regiões central e nordeste do Brasil foi nítida em ambas as campinas visitadas
durante a excursão. Espécies de famílias pouco conhecidas na Amazônia incluindo
Xyridaceae, Eriocaulaceae e Velloziaceae ofereceram um forte indicador das afinidades
destas habitats rochosos, secos, e arenosos com outros ecossistemas extra-Amazônicos (ver
Tabela 5 para alguns exemplos de espécies em comuns da Amazônia com o cerrado do Brasil
central).
A campina do Sucunduri (Acampamento I), que representa uma área mais rochosa que
arenosa, apresentou uma diversidade muito maior que a campina do Bararati. Os arbustos
mais dominantes na campina rochosa do Sucunduri são Macrolobium campestre (Fabaceae),
Humiria balsamifera (Humiriaceae), Blepharandra cachimbensis (Malpighiaceae), Macairea
thyrsifolia (Melastomataceae) e Vellozia sp. (Velloziaceae). Devido à intensidade da estação
seca nessas áreas rochosas, incêndios naturais devem acontecer com freqüência durante os
meses de junho até novembro, pois algumas plantas dominantes (Vellozia sp.) apresentaram
indicações de queimadas nos ramos e caules. Vários tapetes de espécies de Xyridaceae (Xyris
savanensis e Abolboda grandis), Eriocaulaceae (Syngonanthus umbellatus e S. reflexus),
Rubiaceae (Diodia hyssopifolia) e Euphorbiaceae (Siphanthera subtilis) dominam nos poços
efêmeros que se estabelecem nas rachaduras de pedras durante a época chuvosa. Em
contraste, a campina arenosa do Bararati (Acampamento II) foi dominada por Bursera sp.
(Burseraceae), Pagamea coriacea (Rubiaceae), Mauritiella acutifolia (Arecaceae) e
Ritiniphyllum laxiflorum (Rubiaceae).
Devido ao fato que as campinas do sul do Estado do Amazonas são pouco amostradas e
estudadas botanicamente, as distribuições geográficas de várias espécies não podem ser
suficientemente compreendidas. Porém, informações recolhidas através do Herbário INPA
indicam que as campinas da região do PES Sucunduri incluiria várias espécies endêmicas. Por
exemplo, Parkia cachimboensis (Fabaceae) e Blepharandra cachimbensis (Malpighiaceae)
são dois exemplos de espécies recém-descritas que ocorrem numa faixa estreita entre o sul do
Amazonas e a norte do Mato Grosso. Ambas as espécies foram encontradas nas campinas
estudadas no PES Sucunduri.
De fato, várias outras espécies coletadas nas campinas do PES Sucunduri têm tão poucas
amostras no Herbário INPA que imposibilitam quaisquer análises fitogeográficas. Tais
espécies de interesse taxonômico e fitogeográfico incluem Cassia setosa (Fabaceae),

29
Siphanthera subtilis (Euphorbiaceae), Sphyrospermum sp. (Ericaceae) e Heteropterys
fruticosa (Malpighiaceae). Excursões futuras para o PES Sucunduri devem priorizar a coleta
de plantas férteis das campinas da região.

Ripária
A vegetação ripária ocorre ao longo dos cursos dos Rios Sucunduri e Bararati e
apresentam grande diferença na composição devido, principalmente, as diferenças geológicas
e topográficas entre as duas Bacias. A beira do alto rio Sucunduri é caracterizada pelas áreas
pedregosas com solo mais arenoso que argiloso com vertentes fortemente inclinadas criando
corredores estreitos onde a vegetação ripária ocorre. Em contraste, o Rio Bararati não é
caracterizado pelas áreas pedregosas com solos bem argilosos. As beiras do Bararati são
planas com depressões rasas que inunda temporariamente durante a época chuvosa.
A floresta ripária no Sucunduri está principalmente dominada por duas espécies de
Fabaceae (Macrolobium angustifolium, Dimorphandra pennigera) e uma espécie
indeterminada de Olacaceae. Outras espécies bem representativas nas beiras do Sucunduri
incluem Aspidosperma schultesii (Apocynaceae), Amanoa oblongifolia (Euphorbiaceae) e
Caraipa puctulata (Clusiaceae). Em contraste, a vegetação ripária do Bararati está dominada
pelas seguintes espécies: Euterpe precatoria (Arecaceae), Caraipa densifolia (Clusiaceae),
Sloanea grandifolia e S. guianensis (Elaeocarpaceae), Macrolobium angustifolium, Peltogyne
venosa (Fabaceae), Manilkara bidentata (Sapotaceae) e Qualea sp. (Vochysiaceae). Devido à
sua proximidade à beira dos rios, esses ambientes são caracterizados pela perturbação causada
pelas enchentes anuais que aumenta a taxa de mortalidade. As fortes diferenças na
composição das árvores entre localidades podem ser relacionadas, em parte, com a alta taxa
de extinção local e recolonização de áreas destruídas, aumentando a probabilidade de que
espécies diferentes tenham ocupado e dominado áreas mais distantes.

Campinarana
A vegetação de campinarana geralmente ocorre ao longo dos platôs e vertentes na área
do Sucunduri. Embora uma área de campinarana (sensu lato) no Bararati tenha sido
amostrada, ela pode ser considerada uma vegetação do tipo chavascal devido à presença de
água parada. Algumas espécies abundantes e amplamente distribuídas no PES Sucunduri,
como Chrysophyllum sanguinolentum (Sapotaceae) e Oenocarpus bataua (Arecaceae) foram
encontrados com alta freqüência nas florestas de campinarana tanto no Bararati como no
Sucunduri. Porém, as campinaranas das duas Bacias diferem-se devido a presença de várias
espécies. A flora do Sucunduri, por exemplo, foi caracterizada pelas famílias Burseraceae,

30
incluindo Protium hebetatum, P. crassipetulum e P. paniculatum, Sapotaceae (Pouteria
ambelaniifolia e Chrysophyllum sanguinolentum), Arecaceae (Oenocarpus bataua e Socratea
exhorriza), Sterculiaceae (Theobroma subincanum e T. sylvestre). Em constrate, as
campinaranas do Bararati foram caracterizadas por tais espécies: Hevea guianensis
(Euphorbiaceae), Virola pavonis (Myristicaceae), Eschweilera coriacea (Lecythidaceae) e
Iryanthera juruensis (Myristicaceae).

Terra-firme
As florestas de terra-firme cobrem maior área de superficie que qualquer outro tipo de
vegetação. No PES Sucunduri, elas são caracterizadas pela alta diversidade local com muitas
espécies comuns que são amplamente distribuídas na Amazônia. Nas três parcelas (~1,8 ha ao
total) amostradas de floresta de terra-firme, 254 espécies foram identificadas sendo que 21
ocorrem em todas as áreas (Tabela 2). Espécies comuns que distinguem as florestas de terra-
firme do Sucunduri incluem membros das famílias Fabaceae (Copaifera multijuga, Dialium
guianensis, Peltogyne excelsa e Zygia racemosa), Moraceae (Helicostylis tomentosa e
Naucleopsis caloneura), Sapotaceae (Pouteria durlandii, P. campanulata, P. guianensis,
Micropholis guianensi, M. acutangula) e Olacaceae (Minquartia guianensis). Também foi
encontrada uma espécie de Fabaceae, Copaifera glycicarpa, que é considerada endêmica da
região de Humaitá, no sudoeste do Estado do Amazonas. As áreas de terra-firme no
Sucunduri apresentaram uma alta riqueza nos gêneros Pouteria (16 espécies identificadas) e
Protium (nove espécies identificadas).
Em contraste, a Bacia do Bararati caracterizou-se pela presença de outras espécies
comuns em terra-firme incluindo Protium amazonicum (Burseraceae), Micrandra spruceana
(Euphorbiaceae), Macrolobium multifoliolatum (Fabaceae), Maquira guianensis (Moraceae) e
Iryanthera juruensis (Myristicaceae). A riqueza de espécies em Pouteria e Protium verificada
nessa Bacia foi muito menor do que aquela encontrada na Bacia do Sucunduri.

5. Considerações Finais
Priorizando objetos de conservação na parte botânica é difícil até o nível de espécies
devido à quantidade de espécies encontradas em combinação com a lacuna que aínda existe
sobre informações básicas de tais espécies no PES Sucunduri. Neste sentido, objetos de
conservação devem focar em comunidades inteiras. A vegetação riparia, devido ao seu acesso
relativamente fácil e sua concentração de plantas aparentemente distintas para a Região, deve
receber proteção especial. Mesmo no alto Sucunduri, longe de comunidades, vilas e cidades,
encontramos trilhas que foi nitidamente feito pelo ser humano indicando que os corredores na

31
beiras do rio serão os primeiros áreas explorados. Emfim, prioridades para a vegetação nos
planos de gestão devem focar nos ambientes riparias e campinas devido à sua alta
variabilidade regional na composição de árvores e sua alta porcentagem de espécies não
frequentemente encontradas em outras regiões da Amazônia. Em particular, as próximas
excursões de botânica no PES Sucunduri devem priorizar pesquisas nos ambientes ripárias,
particularmente nas áreas adjacentes à Terra Preta.
Embora o uso de helicóptero para deslocar as equipes tenha possibilitado o acesso às
áreas bastante isoladas, acreditamos que o deslocamento de voadeira no Bararati oferecerá
uma oportunidade de investigar como a composição das florestas riparia muda ao longo do
curso do rio. Tais informações podem ser usufruídas para gerar prioridades de ação mais
detalhados sobre o valor biológico do imediato corredor de vegetação na beira do rio.
Também, para promover as interações construtivas entre os moradores, por exemplo, da
Vila do Sucunduri com essas unidades de conservação recém-decretadas, recomendamos que
mais excursões sejam feitas no baixo Sucunduri. Vários temas de botânica, incluindo estudos
em longo prazo na fenología reprodutiva de comunidades de árvores podem integrar a
botânica com o povo regional para desenvolver pesquisas que gerarão oportunidades de
emprego tanto treinamento quanto capacitação básica. Tais experiências podem oferecer
alguns moradores uma nova perspectiva no valor da terra que está sendo protegido e pode
estimular mais movimento de trabalho auto-sustentável na periferia do mosaico de Apuí.
Recomendamos também que a SDS, em parceria com a Prefeitura do Apuí crie um
pequeno herbário, ou seja, uma coleção de referência, em Apuíì para estimular interesse e
conhecimento em botânica na cidade. Podemos doar as duplicatas da excursão de plantas
férteis e estéreis para iniciar o acervo. Tais ações, em combinação com treinamento básico em
identificação e morfología, ajudarão a ligar o povo do Apuí com a complexidade e a
importância biológica do PES Sucunduri, e podem capacitar esses que sejam interessadas em
contribuir com o futuro monitoramento de biodiversidade dentro do PES Sucunduri.

6. Referências Bibliográficas
Condit et. al. 2002. Beta-diversity in tropical forest trees. Science 295: 666-669.
MacArthur R.H., and E.O. Wilson. 1967. The Theory of Island Biogeography. Princeton
University Press, Princeton, N.J., USA.
Pitman, N. C. G. A. 2002. A comparison of tree species diversity in two upper Amazonian
forests. Ecology 83: 3210-3224.

32
TABELAS

Tabela 1. Número de espécies lenhosas (excluindo lianas) que ocorrem dentro de parcelas de 20m x 300m (0,6
Ha) na PES Sucunduri. N = 9 parcelas.

Campina Campinarana Riparia Terra-Firme


Sucunduri 28 47 46 98, 98
Bararati 15 87 77 92
Média 21.5 67 61.5 96

Tabela 2. Espécies de ampla distribuição que occorrem em florestas de terra-firme na Bacia do Bararati (Rio
Tapajós) tanto como no Sucunduri (Rio Madeira). A lista foi compilada baseado em dados coletados de 856
indivíduas ocorrendo em 3 parcelas de 0,6 ha nas duas Bacias.

Família Gênero Espécie


Annonaceae Unonopsis duckei
Burseraceae Protium altisonii
Burseraceae Protium paniculatum
Chrysobalanaceae Licania micrantha
Dichapetalaceae Tapura amazonica
Fabaceae Dialium guianensis
Humiriaceae Endopleura uchi
Malvaceae Luehopsis rosea
Malvaceae Quararibea ochrocalyx
Moracea Helicostylis tomentosa
Moraceae Naucleopsis caloneura
Moraceae Naucleopsis ulei
Myristicaceae Iryanthera ulei
Myristicaceae Virola calophylla
Olacaceae Heisteria laxiflora
Olacaeae Minquartia guianensis
Sapotaceae Chrysophyllum pomiferum
Sapotaceae Pouteria guianensis
Simarubaceae Simaba polyphylla

33
Tabela 3. Espécies mais comuns independente de habitat (Refere-se às espécies que ocorre no lado esquerda da
linha vertical em Figura 1). Essas 11 espécies constam aproximadamente 17% de todas das individuos
amostradas (n = 2.367) durante a excursão.

Família Gênero Espécie


Arecaceae Oenocarpus bataua
Euphorbiaceae Micrandra spruceana
Clusiaceae Caraipa densifolia
Burseraceae Protium crassipetalum
Burseraceae Protium hebetatum
Euphorbiaceae Hevea guianensis
Fabaceae Macrolobium angustifolium
Fabaceae Dimorphandra pennigera
Myristicaceae Virola pavonis
Sapotaceae Pouteria ambelaniifolia
Sapotaceae Chrysophyllum sanguinolentum

Tabela 4. As famílias mais comuns no PES Sucunduri. De ~2,800 árvores amostradas, 52% pertence, a uma
dessas famílias indicadas abaixo.
Família
Annonaceae
Burseraceae
Chrysobalanaceae
Euphorbiaceae
Fabaceae
Lauraceae
Moraceae
Myristicaceae
Rubiaceae
Sapotaceae

Tabela 5. Espécies de vegetação campina com afinidades fitogeográficas com o cerrado do Brasil central.

Família Gênero Espécies


Eriocaulaceae Paepalanthus speciosus
Melastomataceae Macairea thyrsiflora
Eriocaulaceae Syngonanthus umbellatus
Xyridaceae Xyris savanensis
Xyridaceae Abolboda cf. grandis

34
Velloziaceae Vellozia sp.
Rubiaceae Ritiniphyllum laxiflorum

FIGURAS

120
Media de especies de

100
arvores por 0,6 ha

80

60

40

20

0
campina riparia campinarana terra-firme

Figura 1. Riqueza de espécies separada nos tipos de vegetação. Media (desvio padrão) de espécies de árvores
em parcelas de 0,6 ha. Vegetação de campina, riparia e campinarana foram amostradas em duas parcelas (uma
no Bararati e o outro no Sucunduri). Terra-firme vegetação foi amostrada em tres parcelas (duas no Sucunduri e
uma no Bararati.). Veja Tabela 3 para detalhes de riqueza de espécies dividido por região.
Riqueza de especies de arvores

120

100
Terra-firme
80 Campinarana
(0,6 ha)

Riparia
60

40
Campina
20

0
240 260 280 300 320
Densidade de arvores > 10 DAP (0,6 ha)

Figura 2. A relação entre densidade e riqueza das espécies de árvores no PES Sucunduri. Embora a vegetação
tipo-riparia apresenta-se com a maior densidade de árvores as florestas de terra-firme alcançam uma diversidade
maior que todos os outros ambientes amostrados.

35
Numero absoluto de individuas de
50
45
40

arvores/especie
35
30
25
20
15
10
5
0
1 50 99 148 197 246 295 344 393 442 491 540 589 638
Numero cumulativo de especies de arvores amostradas

Figura 3. Histograma da abundância absoluta de todas as espécies de árvores e arbustos (caso de vegetação de
campina) amostradas. Espécies que representa a parte da curva para esquerda da linha vertical são apresentadas
em Tabela 1. (N.B. O número de espécies é maior (n = 670) que a lista no apêndice (n = 365) devido ao fato que
morfo-espécies foram incluídas na figura abaixo).

350
300
DAP (cm) de arvores

250
200
< 15 cm DAP
150
100
50
0
1 200 399 598 797 996
Numero total de arvores amostradas em
terra-firme e floresta de riparia. (n = 1.138).

Figura 4. Histograma das distribuições dos diametros de árvores medidos nas cinco parcelas no PES Sucunduri
em vegetação de terra-firme e ripária. Mais que 60% das árvores amostradas foram < 15 cm de DAP, e menos
que 2% das árvores apresentam-se com DAP > 50 cm indicando que as florestas em gerais são relativamente
mais baixas em comparação as florestas na Amazônia Central.

36
3. Mastofauna
FÁBIO ROHE

37
1. Objetivo
A expedição realizada ao Mosaico de Apuí teve como objetivo caracterizar
preliminarmente a diversidade de mamíferos da região. Foram amostradas três das nove
Unidades de Conservação que compõem o complexo e apesar do esforço amostral insuficiente
são apresentados os dados obtidos para cada um dos pontos visitados, assim como resultados
acerca da diversidade de mamíferos observada para a região como um todo.

2. Materiais e Métodos
2.1. Área de estudo
Durante 14 dias destinados à amostragem da mastofauna, três localidades foram
visitadas, representantes de três Unidades de Conservação pertencentes ao Mosaico de Apuí:
1. Terra Preta (Floresta Estadual de Apuí - 1 dia de coleta de dados)
2. Vale do Bararati (Parque Estadual do Sucunduri - 6 dias de coleta de dados)
3. Serra do Biquíni (Floresta Estadual do Sucunduri - 7 dias de coleta de dados)

Na localidade Terra Preta foram amostrados ambientes de Floresta de Terra Firme,


capoeira (à margem direita do Rio Sucunduri) e floresta de Igapó (seca) à margem esquerda
deste mesmo rio. O sistema de trilhas implantado no ponto Vale do Bararati permitiu a
amostragem em ambientes de Floresta de Terra-firme, Floresta de Terra-firme com cipó,
Floresta de Igapó, Campina e Campinarana, enquanto na localidade “Serra do Biquíni” (à
margem direita do rio Sucunduri) foram amostrados: Floresta de Terra-firme, Floresta de
Terra-firme com cipó, Floresta de Igapó, Campina e Campo arbustivo denso.

2.2. Métodos
Cinco métodos foram aplicados para a amostragem de: 1) procura por vestígios como
rastros, fezes, ossos..., 2) coleta de animais, 3) a obtenção de material zoológico (crânios) e
entrevistas (somente na Terra-Preta), 4) registros visuais de espécies (quando de possível
diagnóstico) obtidos por pesquisadores de outros grupos taxonômicos e 5) Censos visuais
aplicando-se o método de transecto linear (diurno e noturno).
Sistemas de trilhas dispostos em cada ponto foram utilizados para a obtenção de dados
de mamíferos, assim como um ramal já existente no ponto de coleta Terra-Preta. Neste ponto
foi utilizado um antigo ramal utilizado para a extração de calcário, com aproximadamente 2,2
km de comprimento para a amostragem; nos pontos 2 e 3 foram utilizados os sistemas
implantados, que totalizavam aproximadamente 6 km para cada um deles.

38
Qualitativamente, os vestígios encontrados foram fotografados e georeferenciados.
Localidades onde animais foram avistados ou coletados foram georeferenciadas, além da
pesagem e obtenção de medidas padrão para estes últimos.

3. Resultados
Durante os 14 dias, os dados obtidos sobre a mastofauna totalizaram trinta e cinco (35)
espécies efetivamente registradas e outras onze mencionadas durante as entrevistas realizadas
(moradores da região da Terra Preta e Vila do Sucunduri) (tabela 1 e Anexo 1). É importante
ressaltar a menção voluntária da rara e endêmica pacarana (Dinomys branickii) por um
morador de Apuí, dado o escasso conhecimento acerca da espécie.
Em decorrência do reduzido esforço amostral, torna-se pouco prudente apresentar dados
de abundância das espécies, no entanto cabe colocar a elevada freqüência de registros de
espécies extensivamente caçadas em regiões habitadas como a anta (T. terrestris), queixada
(Tayassu pecari), caititu (P. tajacu), veado-mateiro (Mazama sp.), paca (Agouti paca) e cutia
(Dasyprocta sp.). De acordo com estudo realizado no alto Aripuanã (Ayres e Ayres, 1979),
todas as espécies acima citadas são utilizadas tanto na caça de subsistência como comercial,
sendo que as quatro primeiras representaram cerca de 90 % de toda a biomassa abatida e
tinham suas densidades populacionais negativamente relacionadas com a proximidade da
comunidade amostrada. As altas densidades relativas observadas para essas espécies na região
do Mosaico do Apuí, certamente refletem a ausência absoluta de pressão de caça nessas áreas,
dada à ausência de populações humanas nos pontos Serra do Biquíni e Vale do Bararati e
apenas um morador na Terra Preta.
Os diferentes e reduzidos esforços de amostragem aplicados por ponto de coleta (tabela
2), assim como diferenças visíveis nos tipos vegetacionais amostrados, impossibilitam
qualquer conclusão comparativa entre a riqueza e abundância das espécies de mamíferos nos
três pontos visitados, já que até espécies certamente comuns a todos eles não foram
registradas em todas as localidades (ex. parauacu (Pithecia irrorata), cuxiú (Chiropotes
albinasus), lontra (Lontra longicaudis), ariranha (Pteronura brasiliensis), onça-pintada
(Panthera onca), gatos-maracajá (Leopardus spp.)).
Este levantamento, que deve ser interpretado em caráter preliminar, revelou a ocorrência
de mais uma espécie de primata no estado do Amazonas (Mico melanurus), além de espécies
raras como a pacarana ou um dos canídeos (S. venaticus ou A. microtis). As espécies
consideradas de alguma forma ameaçadas de extinção (CITES e IUCN) totalizaram 28
incluindo as registradas por relatos (Tabela 3), com endemismos observados principalmente
para pequenos primatas e a pacarana.

39
Entre as espécies com ocorrência desconhecida para a área amostrada, a confirmação da
ocorrência de M. melanurus, Callicebus cinerascens e o relato evidenciando a presença da
pacarana (D. branickii) merecem atenção especial, sendo que para esta última uma
confirmação real ampliaria a distribuição esperada para a espécie. De modo geral, espécies
relativamente conspícuas e de ampla distribuição geográfica foram registradas em todos os
pontos (ex. anta, queixada caititu, paca, cutia). O espécime de Callicebus cinerascens foi
coletado em um ponto onde era observada na literatura a ausência de registros para o gênero,
assim como para o gênero Mico, confirmando assim a ocorrência de M. melanurus e C.
cinerascens para esta região e conseqüentemente ampliando suas distribuições geográficas
conhecidas. A tabela 1 mostra os resultados obtidos por ponto de coleta, onde os números
apresentados incluem espécies citadas em entrevistas. As distâncias percorridas correspondem
a trechos onde o método de transecto linear foi aplicado.

Tabela 1. Número de espécies de cada Ordem de mamíferos registradas nas três localidades amostradas e ainda
na rodovia que liga Apuí e Novo-Aripuanã.
Localidade Total de espécies
Ordem Sucunduri Bararati Terra Preta Apui-N. Aripuanã
Didelphimorphia 1 sp. 1 sp. 2 sp.
Xenarthra 3 sp. 2 sp. 5 sp. 8 sp.
Primates 8 sp. 5 sp. 6 sp. 1 sp. 12 sp.*
Carnivora 4 sp. 4 sp. 2 sp. 1 sp. 8 sp.
Artiodactyla 3 sp. 3 sp. 2 sp. 3 sp.
Perissodactyla 1 sp. 1 sp. 1 sp. 1 sp.
Rodentia 4 sp. 2 sp. 5 sp. 2 sp. 9 sp.
Cetacea 1 sp. 1 sp.
* incluindo Mico chrysoleucus que foi observado na rodovia Apuí - Novo Aripuanã por Fabiano Waldez.

Tabela 2. Resultados obtidos nas três localidades amostradas.


Localidade N. de espécies Esforço amostral Distâncias percorridas Avistamentos
registradas (censos) (em censo)
Terra Preta 22* 1 dia 4,4 km + 8,2 km canoa 6
Vale do Bararati 19 6 dias 21,5 km 11
Serra do Biquíni 23 7 dias 26,7 km 20
Total 46 14 dias 60,8 km 37
*O número elevado de espécies observado neste ponto, apesar do menor esforço de amostragem, é decorrente
das espécies citadas em entrevistas, já que foi o único ponto onde foi possível a aplicação deste método, dada à
ausência de moradores nos outros dois pontos. Outras informações obtidas em entrevistas foram utilizadas na
caracterização geral da diversidade de mamíferos da região.

40
Tabela 3. Lista das espécies de mamíferos ameaçadas levantadas no presente estudo com o status de
conservação.
AMEAÇA
Espécie Nome popular IUCN CITES IBAMA
Priodontes maximus tatu-canastra VU I vulnerável
Dasypus kappleri tatu-quinze-quilos LC
D. novemcinctus tatu-galinha LC
Myrmecophaga tridactyla tamanduá-bandeira NT II vulnerável
Tamanduá tetradactyla tamanduá-mirim LC
Chiropotes albinasus cuxiú I
Panthera onca onça-pintada I vulnerável
Puma concolor onça-vermelha I
Puma yaguaroundi gato-mourisco II
Leopardus pardalis maracajá-açu I
L. wiedii maracajá I vulnerável
Lontra longicaudis lontra I
Pteronura brasiliensis ariranha I vulnerável
Speothos venaticus cachorro-vinagre I vulnerável
Tapirus terrestris anta II
Pecari tajacu caititu II
Tayassu pecari queixada II
Todas as espécies de primatas são enquadradas no Apêndice II do CITES (total de 11 registradas exceto o cuxiú
(apêndice I CITES) e considerando Aotus sp. mencionado em entrevista).

A expedição, além de proporcionar a rara oportunidade de se amostrar a mastofauna em


ambientes amazônicos pouco conhecidos como campinas e matas de cipó, localizados em
áreas com ausência absoluta de pressões antrópicas, permitiu uma caracterização geral, ainda
que preliminar, da comunidade de grandes mamíferos em uma das lacunas geográficas do
conhecimento da biodiversidade amazônica. Quarenta e seis (46) espécies foram registradas
para a região, com a confirmação da ocorrência de espécies pertencentes a gêneros de comum
substituição dos taxa condicionados pelo isolamento por corpos d´água como Mico e
Callicebus. A simples constatação da ocorrência das espécies, mesmo as de ampla
distribuição, trás novas e valiosas informações para ações de planejamento da conservação na
região.

4. Discussão
Segundo o proposto por Silva et al. (2005) áreas de endemismo com elevado número de
espécies com distribuição geográficas restritas, caso do interfluvio Madeira-Tapajós (área de
endemismo Rondônia - ver Silva et al. 2005), requer uma escolha estratégica de áreas
prioritárias para a conservação integral, visando representar adequadamente a biodiversidade
41
através do sistema de unidades de conservação. O interfluvio como um todo apresenta alta
riqueza de espécies de primatas causada por uma extraordinária diversificação intra-regional
nos gêneros Mico e Callicebus, onde espécies se substituem até mesmo em “micro-
interfluvios” isolados por rios como o Acari, Sucunduri, Aripuanã e Canumã ou o Paraná do
Urariá (ver Van Roosmalen et al. 2000, Van Roosmalen et al. 2002).
A utilização dos taxa de primatas como critério para a determinação de áreas
prioritárias para a conservação, ao menos neste interflúvio, parece ser representativa para a
manutenção da biodiversidade geral na região. Se tratarmos os primatas como “espécies
guarda-chuva” (Roberge e Angelstam, 2004), visando à conservação de hábitats utilizando
este conceito, grandes porções de áreas protegidas para cada espécie endêmica dos gêneros
Mico e Callicebus seguramente abrangeriam boa parte da diversidade de hábitats no
interflúvio, sendo um critério efetivo para a manutenção da biodiversidade desta região (ver
Figura 2).

a) b)

c)

Figura 2 - Mapas das distribuições geográficas das espécies de primatas dos gêneros Callicebus (a) e Mico (b)
no Interfluvio Madeira Tapajós, (c) mostrando a quão pouca diversidade é contemplada por Unidades de
Conservação (estaduais, federais e terras indígenas) nesta região do Estado do Amazonas. Mapas a e b extraídos
de Roosmalen et al. 2002 e Roosmalen et al. 2000, respectivamente.

42
5. Referências Bibliográficas
Ayres, J. M. e Ayres, C. 1979. Aspectos da caça no alto Rio Aripuanã. Acta Amazonica, 9 (2):
287-293.
Roberge, J. M. e Angelstam, P. 2004. Usefulness of the Umbrella Species Concept as a
conservation tool. Cons. Biology, 18 (1): 76-85.
Silva, J. M. C. da, Rylands, A. B., Silva Jr. J. S., Gascon, C. e Fonseca, G. A. B. (2005)
Primate diversity patterns and their conservation in Amazônia. Zoological Soc. London,
336-363.
Van Roosmalen, M. G. M.; Van Roosmalen, T.; Mittermeier R. A. e Rylands, A. B. 2000
Two new species of Marmosets, Genus Callithrix Erxleben, 1777 (Callitrichidae,
Primates), from the Tapajós/Madeira Interfluvium, South Central Amazonia, Brazil.
Neotropical Primates, 8 (1).
Van Roosmalen, M. G. M.; Van Roosmalen, T. e Mittermeier, R. A. 2002. A taxonomic
review of Titi Monkeys, Genus Callicebus Thomas, 1903, with the description of two
new species, Callicebus bernhardi and Callicebus stephennashi, from Brazilian
Amazonia. Neotropical Primates, 10 (suppl.): 1-52.

43
Anexo 1 - Lista das espécies registradas neste estudo.
NOME POPULAR ESPÉCIE REGISTRO
Ordem Didelphimorphia
mucura-preta Didelphis cf. marsupialis entrevista
cuíca Marmosops sp. coleta
Ordem Xenarthra
tatu-galinha Dasypus novemcinctus entrevista
tatu-quinze-quilos Dasypus kappleri rastros
tatu-canastra Priodontes maximus rastros / tocas
tatu-rabo-de-couro Cabassous sp. entrevista
tamanduá-mirim, mambira Tamandua tetradactyla entrevista
tamanduá-bandeira Myrmecophaga tridactyla avistamento
preguiça-bentinho Bradypus sp. entrevista
preguiça-real Choloepus sp. entrevista
Ordem Primates
mico de orelha amarela Mico chrysoleucus avistamento
mico de cauda preta Mico melanurus avistamento
mico de cheiro Saimiri sp. avistamento
macaco-prego Cebus apella avistamento/ coleta
cairara Cebus a. albifrons avistamento
parauacu, macaco-velho Pithecia irrorata avistamento
cuxiú Chiropotes albinasus avistamento
zogue-zogue Callicebus cf.cinerascens avistamento / coleta
macaco barrigudo Lagothrix c. cana avistamento / coleta
macaco-da-noite Aotus cf. nigriceps entrevista
coatá, macaco-preto Ateles chamek avistamento
guariba Alouatta cf. nigerrima vocalização
Ordem Carnivora
onça-pintada Panthera onca vocal
onça-parda Puma concolor crânio / vocal
gato-mourisco Puma yaguaroundi avistamento
jaguatirica, maracajá-acú Leopardus pardalis avistamento
maracajá Leopardus wiedii avistamento
irara Eira barbara entrevista
lontra Lontra longicaudis avistamento/rastro
ariranha Pteronura brasiliensis rastros/avistamento/vocal
cachorro-do-mato Atelocynus microtis ou Speothos venaticus rastros
quati Nasua nasua avistamento
Ordem Artiodactyla
cateto Pecari tajacu avistamento/rastros
queixada Tayassu pecari avistamento/rastros
veado-mateiro Mazama cf. americana avistamento/rastros
Ordem Perissodactyla
anta Tapirus terrestris avistamento/rastros
Ordem Rodentia
quatipuru-anão Sciurillus pusillus avistamento
quatipuru Sciurus sp. avistamento
paca Agouti paca rastros /avistamento
cutia-vermelha Dasyprocta sp. avistamento
ouriço-cacheiro Coendou sp. entrevista
capivara Hydrochaeris hydrochaeris rastro
cotiara Myoprocta sp. entrevista
pacarana Dinomys branickii entrevista
Ordem Cetacea
boto-rosa Inia geoffrensis avistamento

44
Agradecimentos
Agradeço a SDS (Secretaria de estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável do Estado do Amazonas), Curadoria de Mamíferos do Programa de Coleções do
INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), IBAMA, WWF e IPAAM pelo suporte
logístico e financeiro da expedição. A Mario Cohn-Haft, Alexandre Fernandes, Ocírio
(Juruna), Fabiano Waldez, Rômulo F. Batista, Sebastião (Sabá) e Lucia R. Py-Daniel pela
obtenção de registros de mamíferos, Carlos E. Marinelli pela coordenação da expedição, Isacc
pelo apoio logístico na cidade de Apuí.

45
5. Primatas
MARCELO DE ALMEIDA NORONHA
DONIZETE DA SILVA

46
1. Objetivo
Este estudo teve como objetivo geral levantar a fauna de primatas que ocorre na Floresta
Estadual do Sucunduri e no Parque Estadual do Sucunduri

2. Material e Métodos
2.1. Área de estudo
A Floresta Estadual do Sucunduri e o Parque Estadual do Sucunduri estão localizadas no
Estado do Amazonas, ao sul da Amazônia Central, no interflúvio dos rios Aripuanã e Juruena
e englobam respectivamente parte da bacia dos rios Sucunduri e Bararati - Juruena, que são
afluentes dos rios Madeira e Tapajós. Ambas as UCs estão localizadas no município de Apuí
e ocupam juntas uma área de 1.301.217,4 ha. Essa região é caracterizada por Floresta Tropical
Densa (Brasil,1975) composta por um mosaico de paisagens distintas: campinas,
campinaranas, igapós e florestas de terra firme. A região é entrecortada por um complexo
sistema de igarapés, canais e lagos interligados. De acordo com classificação de Sioli (1991),
os rios Sucunduri e Bararati são do tipo de água preta, que caracteriza rios com estabilidade
relativa dos leitos e pequena incidência de erosão fluvial.

2.2. Metodologia de Levantamento de primatas


Os trabalhos de campo foram desenvolvidos entre 22 de junho a 2 de julho de 2006,
abrangendo a estação seca. Após uma avaliação preliminar, utilizando mapas, imagens de
satélite e considerando as possíveis barreiras geográficas para a fauna foram escolhidas três
áreas para a condução dos levantamentos e estabelecimento de uma futura comparação de
resultados: Floresta Estadual Sucundurí, margem direita do alto rio do Sucunduri, na serra do
Sucundurí (08°34’33”S, 59°08’39”W); Parque Estadual do Sucundurí, margem esquerda e
direita do médio rio Sucunduri, na localidade de Terra Preta (07°47’37”S, 58°50’54”W) e
margem direita do médio rio Bararatí (08°21’26”S, 58°37’44”W). Dados sobre a ocorrência
de primatas em cada área foram compilados através de uma combinação de observação direta
e coleta de espécimes. Os trabalhos de campo foram conduzidos entre 07:00 e 11:30 h – 13:00
e 17:00 h e consistiam em caminhar ao longo das trilhas a uma velocidade média de 1 km/h,
registrando as espécies de primatas, tipo de habitat e tamanho do grupo. Como em Ferrarri &
Lopes (1992), o tempo de campo foi contado em termos de dias de campo. A identificação
dos taxa foi feita através de uma lista prévia baseada em Auricchio (1995); Emmons & Feer
(1997); Silva Jr (2001); Rylands et al. (2000), van Roosmalen et al. (2002), com posterior
confirmação na coleção científica do INPA, onde os espécimes coletados foram depositados
sob o número de série provisório.

47
3. Resultados
As áreas estudadas (Serra do Sucunduri, Terra Preta e rio Bararati) estão situadas dentro
do traçado de distribuição geográfica de 12 espécies, 10 gêneros e cinco famílias.
Neste estudo foram confirmadas 10 das 12 espécies esperadas (Tabela 1). As espécies
esperadas e não confirmadas nas três localidades foram: Aotus nigriceps e Alouatta nigerrima.
Dos resultados mais relevantes cabe mencionar:
1. Primeiro registro de ocorrência para Mico melanurus no estado do Amazonas;
2. O registro de ocorrência para Ateles chamek na região do interflúvio Madeira –
Tapajós
3. O registro de Callicebus cinerascens na serra do Sucundurí e no rio Bararati
4. O registro de Mico acariensis na localidade de Terra Preta
Considerando-se as informações contidas em Noronha (em preparação) e os registros
realizados neste trabalho, tanto na serra do Sucundurí como na margem esquerda do rio
Bararatí, não parece existir mudança na composição da fauna primatológica. A única
diferença foi registrada para a localidade de Terra Preta (margem esquerda do rio Sucundurí)
onde foi registrada a ocorrência de Mico acariensis e a ausência de M. melanurus (Tabela 1).

Tabela 1. Lista de espécies com ocorrência esperada e confirmada para as localidades investigadas e status de
conservação.
N° Familia Espécies de primatas Localidades Status de Conservação
esperadas SS TP RB IUCN1 CITES2
1 Mico melanurus x x NE -
Callitrichidae
2 Mico acariensis x LC -
3 Saimiri ustus x x LC -
4 Cebidae Cebus apella x x LC -
5 Cebus a. albifrons x LC -
6 Callicebus cinerascens x x x LC -
7 Pitheciidae Chiropotes albinasus x x LC Apêndice I
8 Pithecia irrorata x LC -
9 Lagothrix c. cana x x x NT -
10 Atelidae Ateles chamek x x LC -
11 Alouatta nigerrima Não registrada NE -
12 Aotidae Aotus nigriceps Não registrada LC -
1
Red List of threatened Species – IUCN (NE – Não Avaliada; LC- Baixo Risco; NT- Quase Ameaçado)
2
Listed Species – CITES (Apêndice I- Espécies ameaçadas de extinção que podem ser afetadas pelo comércio)
Localidades: SS- Serra do Sucunduri; TP- Terra Preta e RB – Rio Bararati

3.1. Animais coletados


Neste estudo foi coletado um espécime de Mico melanurus, que foi depositado na
coleção Zoológica do INPA.

48
3.2. Status de conservação das espécies de primatas
Com relação ao status de conservação, nenhuma das 12 espécies esta na Lista das
Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção (IBAMA, 2003). Entretanto, de acordo
com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção, da União Internacional para a
Conservação da Natureza (IUCN, 2006), Lagothrix c. cana está enquadrada na categoria
Quase Ameaçada (NT), o que inspira uma maior preocupação referente à sua conservação
(Tabela 1). Um táxon está Quase Ameaçado quando foi avaliado segundo os critérios da Lista
Vermelha e não satisfaz, atualmente, os critérios para ser enquadrado em um grau maior de
ameaça, porém está próximo de satisfazê-lo em curto prazo.
Os dez táxons incluídos na categoria Baixo Risco (LC) (Tabela 1) representam espécies
abundantes e com ampla distribuição geográfica. Já os dois táxons incluídos na categoria Não
Avaliada (NE) (Alouatta nigerrima e Mico melanurus), ainda não foram classificados em
relação aos critérios da Lista Vermelha, todavia, estas duas espécies não inspiram muitas
preocupações por possuírem uma ampla distribuição geográfica e serem aparentemente
abundantes na região (Noronha, em preparação).

4. Discussão
Preliminarmente, não existem questões mal resolvidas sobre a diversidade e distribuição
geográfica local para os gêneros Aotus (A. nigriceps), Callicebus (C.cinerascens), Saimiri(S.
ustus), Cebus (C. a. albifrons e C. apella), Phitécia (P. irrorata), Chiropotes (C. albinasus),
Ateles (C. chamek), Lagothrix (L. c. cana). Cada gênero, a exceção de Cebus (C. apella e C.
a. albifrons) e Mico (M. acariensis e M. melanurus), esta representado por um táxon com
distribuição geográfica que cobre todo o corredor formado pelos rios Aripuana e Juruena
(Noronha, em preparação). Não obstante existem problemas relacionados com Mico (M.
acariensis e M. melanurus) e Alouatta (A. nigerrima).
Com relação ao gênero Mico, de acordo com Rylands (1981), Rylands et al., (1993) e
Vivo (1991) a espécie esperada para a área situada entre os rios Aripuana e Juruena nas
imediações do paralelo 8S seria M. melanurus. Isso corrobora com os resultados obtidos neste
estudo para as localidades Serra do Sucunduri (margem direita do rio Sucundurí) e margem
esquerda do rio Bararatí. Todavia a sua ausência nas duas margens do rio Sucunduí (Tabela
1), na localidade de Terra Preta e a presença confirmada de M. acariensis na margem
esquerda desse mesmo rio, sugere que nessa margem exista a possibilidade de exclusão de M.
melanurus por competição com M. acariensis. Entretanto o fato de M. melanurus não ter sido
registrado nesta localidade não significa necessariamente que o mesmo esteja ausente. Pode

49
ser que a espécie seja simpátrica com M acariensis, ocorrendo na área com uma distribuição
pontual.
Com relação à Alouatta nigerrima é uma espécie com distribuição prevista para todo o
médio e baixo interflúvio Madeira-Tapajós (Gregorin, 2006). É possível que a espécie não
tenha a sua ocorrência na área das UCs. Noronha (em preparação) no trabalho sobre
distribuição de primatas no interflúvio Madeira Tapajós, aponta a distribuição de Alouatta
nigerrima associada a altitudes inferiores a 200 m que englobariam ao norte, o baixo e médio
curso dos tributários do Paraná do Urariá e rio Arapiuns, com cobertura de floresta ombrófila
densa de terras baixas e na parte centro sul deste interflúvio, com cobertura de floresta
ombrófila densa de sub - montana (Brasil, 1976). Desta forma A. nigerrima estaria fora dos
limites das UCs.
Com relação às outras espécies, cabe mencionar os registros para Callicebus cinerascens
nas três localidades. Esta espécie já era esperada tento em vista possuir vários registros ao sul
da área de estudo e ao norte ao longo do rio Sucundurí, inclusive na localidade de Terra Preta
(Noronha, em preparação).
O gênero Saimiri está bem representado por S. ustus ao longo da bacia do rio Sucundurí
(Noronha, em preparação), entretanto Silva Jr. & Noronha (2000) chamam a atenção que ao
norte da área de estudo, particularmente na região do Paraná do Urariá esta espécie apresenta
um mosaico de caracteres diferenciados, o que poderia ser explicado por hibridização entre
espécies domes, tendo em vista que segundo Hershkovitz (1984) esta região seria área de
simpatria entre S. sciureus e S. ustus.
A presença de Chiropotes albinasus era esperada na área de estudo, tendo em vista o
fato desta espécie estar distribuída na área situada entre os rios Madeira e Xingu (Hershkovitz,
1985). Tanto ao norte quanto ao sul do corredor formado por pelos rios Aripuana e Juruena,
existem registros para esta espécie (Noronha, em preparação).
Segundo Fooden (1963), Lagothrix c. cana, encontrada na área de estudo, apresenta uma
distribuição ampla, ocorrendo em toda área situada entre os rios Tapajós, Solimões-Amazonas
e Juruá. De acordo com Noronha (em preparação), que fez registro dessa espécie para a bacia
do Sucundurí, baixo Aripuana e Alto Tapajós, a espécie estaria bem representada em toda a
região das UCs.
Com relação ao gênero Ateles, até pouco tempo atrás Kellogg & Goldman (1944) e
Konstant et al., (1985) postulavam a sua ausência na Amazônia central, ao sul do rio
Solimões-Amazonas. Entretanto registros recentes têm apontado a ocorrência de Ateles
chamek para a região do interflúvio Madeira –Tapajós (Silva Jr. & Noronha, 2000; Noronha,

50
em preparação). A confirmação da espécie no presente levantamento, ajuda a consolidar o
conhecimento da distribuição deste táxon para a região.
O gênero Cebus, neste estudo representado pelos taxons C. a. apella e C. a. albifrons
estão bem distribuídos, em toda a região do inter Madeira - Tapajós, ocorrendo em simpatria
(Silva Jr. & Noronha, 2000). São vários os registros de ocorrência para ambas as espécies
neste interflúvio tanto ao norte quanto ao sul do corredor formado pelos rios Aripuana e
Juruena (Silva Jr. & Noronha, 2000).
O gênero Aotus apresenta uma grande distribuição geográfica, que vai do Panamá ao
norte da Argentina e oeste do Brasil (Hershkovitz, 1983) e também sempre representou um
desafio aos sistematas (Thorigton & Vorek, 1976). De acordo com Silva Jr. & Noronha,
(2000), a espécie esperada para a região de estudo seria A. nigriceps. Segundo Coimbra-Filho,
(1990), a mesma, tem sua distribuição entre os rios Tapajós - Juruena e Javari. Apesar de A.
nigriceps não ter sido registrada neste levantamento, o padrão de distribuição para a região
indica que essa espécie é mais provável de ser encontrada nas UCs.
No que diz respeito aos registros feitos para Pithecia i. irrorata, a espécie era esperada
na área de estudo, por apresentar ampla distribuição geográfica ocorrendo: ao sul do rio
Amazonas, a oeste dos rios Tapajós - Juruena até o rio Juruá e ao sul do rio Guaporé,
englobando todo o interflúvio Madeira – Tapajós (Hershkovitz, 1987).

5. Especulações sobre ambientes não amostrados e limitações no esforço amostral


As manchas disjuntas de cerrado dispersas na floresta úmida (Savanas Amazônicas),
como as encontradas na Serra do Sucunduri, são uma lacuna de conhecimento científico no
que se refere a sua fauna de mamíferos (incluindo primatas). Devido ao pouco tempo
disponível para realização do trabalho de campo, esse ambiente não pode ser devidamente
investigado.

6. Prioridades e potencialidades para a realização de novos estudos na área


É necessário investir em levantamentos primatológicos na área do interflúvio Madeira –
Tapajós. Apesar de ser reconhecida como uma área de alta diversidade faunística, essa região,
tem sido alvo de poucos inventários de primatas. Um dos principais resultados esperados é
corrigir o traçado de distribuição geográfica para várias espécies, o que na atualidade dificulta
o desenvolvimento de estratégias de conservação.

7. Referências Bibliográficas
Auricchio, P. 1995. Primatas do Brasil. São Paulo: Terra Brasilis. 168p.

51
Brasil, 1975. Ministério de Minas e Energia. Departamento Nacional de Produção Mineral.
Projeto RADAMBRASIL: folha SB 21: Tapajós, geologia, geomorfologia, pedologia,
vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro, 510 p.
Coimbra-Filho, A. F. 1990. Sistemática, distribuição geográfica e situação atual dos símios
brasileiros (Platyrrhini, Primates) Rio de Janeiro, Revi. Bras. Biol. , 50 (4), p. 1063 –
1079.
Emmons, L. C.; Feer, F. 1997. Neotropical Rainforest Mammals: A field guide. Chicago:
University of Chicago Press. 281p.
Ferrarri, S. F.; Lopes, M. A. 1992. A new species of marmoset, genus Callithrix Erxleben,
1777 (Callitrichidae, Primates), from western Brazilian Amazonia, Goeldiana Zoologia
12: 1-13.
Fooden, J. 1963. A revision of the wooly monkey (genus Lagothrix). J. Mammals., 2 (44), p.
213-247.
Gregorin, R. 2006. Taxonomia e variação geográfica das espécies do gênero Alouatta
Lacépède (Primates, Atelidae) no Brasil. Rev. Brás. Zool. 23 (1): 64-144.
Hershkovitz, P. 1983. Two mew species f night monkeys, genus Aotus (Cebidae, Platyrrhini):
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Horizonte: Fundação Biodiversitas para Conservação da Diversidade Biológica, 105 p.

Agradecimentos
A Dra. Rita Mesquita pelo convite para participar desta expedição. Ao Dr. Wilson
Spironello pelas sugestões de metodologias de campo. A Dayse Campista, pela revisão deste
relatório. A World Wildlife Fund -WWF e Secretaria de Desenvolvimento Sustentável –SDS
pela logística e infra-estrutura para a realização deste trabalho. Aos componentes da equipe da
Botânica, e em particular ao Sr. Everaldo, por terem sido solidários nos momentos difíceis.
Ao Sr. Carlos Hoffmann, piloto do helicóptero, pela sua presteza e solidariedade quando
necessário. A todos que de uma maneira ou de outra facilitaram e contribuíram com a
execução deste estudo.

53
5. Avifauna

MARIO COHN-HAFT
ALEXANDRE MENDES FERNANDES

54
1. Objetivos
1.1. Objetivo Geral
O trabalho teve por objetivo realizar um levantamento da comunidade de aves do
Mosaico de Unidades de Conservação de Apuí.

1.2. Objetivos Específicos


- Levantar áreas prioritárias para um futuro Plano de Gestão do Mosaico;
- Comparar a avifauna entre diferentes ambientes dentro do Mosaico;
- Levantar espécies de potencial interesse em atividades cinegéticas, bem como suas
áreas e ambientes de distribuição no Mosaico.

2. Métodos
2.1 Áreas amostradas
Durante 14 dias destinados à amostragem, três localidades foram visitadas, pertencentes
ao Mosaico de Apuí:
1. Terra Preta (Floresta Estadual de Apuí)
2. Vale do Bararati (Parque Estadual do Sucunduri)
3. Serra do Biquíni (Floresta Estadual do Sucunduri)
Na localidade Terra Preta foram amostrados ambientes de Floresta de Terra Firme e de
Igapó, com e sem dominância de cipós. Já no Vale do Bararati forma amosatrados ambientes
de campos, campina e campinarana, tal qual na localidade Serra do Biquíni.

2.2 Metodologia
O método utilizado para o levantamento das espécies de aves no Mosaico de Unidades
de Conservação de Apuí foi a de busca ativa, por meio de visita às áreas de interesse e o
deslocamento constante nesses ambientes, seja a pé ou por meio de voadeiras e canoas nas
áreas alagadas. A identificação das espécies foi feita por meio de visualização direta e, na
maioria dos casos pela identificação da vocalização. É bem sabido que na região tropical, em
ambientes de floresta, a grande maioria dos registros de aves é feito por contato auditivo. As
vocalizações, principalmente aquelas não identificadas, foram gravadas com auxílio de
gravadores cassetes TCM 5000 e microfones direcionais Sennheiser M66. As gravações de
espécies não identificadas no campo foram identificadas por meio de comparação com
gravações existentes e por meio de auxílio de especialistas. Tais gravações encontram-se
depositadas em meio digital, juntamente com as fitas cassete originais, no Acervo Sonoro de
Aves do INPA. Para auxílio na identificação das espécies, foram utilizados os livros-guia de

55
Ridgely & Tudor (1989, 1994).

3. Resultados e Discussão
No total, foram registradas mais de 300 espécies de aves, aparentemente em
abundâncias típicas para ambientes amazônicos. Isto foi resultado de 16 dias de
levantamentos no campo, divididos entre as três áreas (“Serra do Biquini”, “Terra Preta” e
“Bararati”). Este total é um pouco abaixo do esperado quando se trata de áreas com alta
heterogeneidade ambiental na Amazônia, como essa, onde o total encontrado durante um
levantamento desta duração poderia chegar até 400 espécies.
A diferença se deve, em nossa opinião, não a uma baixa diversidade real, mas sim a
pouca cobertura nossa dos ambientes presentes, principalmente o de floresta de terra firme.
Espécies de aves amazônicas têm, em geral, densidades populacionais baixas, necessitando
uma cobertura espacial grande para registrar a maioria delas em pouco tempo. A floresta de
terra firme é a mais rica em espécies, mas contendo as mais baixas densidades, assim
requerendo muitos pontos ou muito tempo de amostragem. A região do Parque e Floresta
Estaduais do Sucunduri deve conter aproximadamente 600 espécies de aves. Para registrar
uma proporção maior desta fauna é necessária a amostragem de um maior número de pontos,
cobrindo mais ambientes, e com maior cobertura na mata de terra firme, inclusive naquela
dominada por cipós.
Apesar da pouca representatividade dos ambientes presentes na área em nossa
amostragem, nosso levantamento enfatizou campos naturais e seus arredores, alcançando
áreas de muito difícil acesso e com altas taxas de endemismo, resultando em alguns registros
importantes e interessantes, que não teriam sido feitos numa expedição de logística mais
simples. Primeiros registros para o estado do Amazonas incluem: Herpsilochmus sellowi
(Thamnophilidae), espécie típica da caatinga do nordeste brasileiro, com uma população
conhecida na Serra do Cachimbo que está atualmente sendo revisada e pode ser reconhecida
como espécie nova; Poecilotriccus capitalis (Tyrannidae), conhecido pontualmente no sul da
Amazônia brasileira de uma localidade em Rondônia, uma no norte do Mato Grosso, e outra
na região de Carajás no Pará -todos locais com alta densidade de cipós ou de bambu nativo
(taboca). Três espécies registradas são predominantemente não amazônicas, mas contêm
populações amazônicas raras e passíveis de mais estudo para determinar seu status
taxonômico: Chordeiles pusillus (Caprimulgidae), Hemitriccus margaritaceiventer
(Tyrannidae) e Cyanocorax chrysops (Corvidae).
Vários complexos de espécies de aves têm substituição geográfica de seus membros
dentro do interflúvio Madeira-Tapajós, em muitos casos em locais ainda desconhecidos:

56
Galbula (Galbulidae) e Thamnophilus (Thamnophilidae), nossos registros representam um
avanço importante na localização exata da zona de substituição nesses gêneros. Em outro
complexo, Hypocnemoides spp. (Thamnophilidae), todas as duas espécies foram registradas
(H. melanopogon na Terra Preta e H. maculicauda no Bararati), sugerindo que haja
substituição dentro do próprio Parque. Outro par de espécies com distribuição mal conhecida
e que deve se substituir em algum lugar dentro do mosaico são Rhegmatorhina hoffmannsi e
R. berlepschi.
Mesmo nas minúsculas áreas amostradas de terra firme dominada por cipós, foi evidente
a presença de espécies com preferência para cipoal, como por exemplo, Microrhopias
quixensis (Thamnophilidae), Cercomacra cinerascens (Thamnophilidae), Automolus
rufipileatus (Furnariidae), Poecilotriccus capitalis (Tyrannidae) e Granatellus pelzelni
(Parulidae).
Em geral, a floresta de terra firme evidenciou presença de espécies típicas, inclusive as
endêmicas do interflúvio Madeira-Tapajós ou do sudeste da Amazônia, como por exemplo,
Psophia viridis (Psophiidae), Pyrrhura perlata (Psittacidae), Capito dayi (Capitonidae) e
Odontorchilus cinereus (Troglodytidae). Duas espécies de psitacídeos ameaçadas de extinção,
Anodorhynchus hyacinthinus (Arara-azul-grande) e Guaruba guarouba (Ararajuba), podem
ocorrer pelo menos esporadicamente na área, mas não foram encontradas.

Serra do Biquini
Os dois campos visitados na região são muito parecidos entre si, com avifauna
predominantemente de campina amazônica (incl. Elaenia ruficeps, Xenopipo atronitens,
Tachyphonus phoenicius, Turdus ignobilis), mas incluindo também elementos típicos de
cerrado/caatinga/campo rupestre (Herpsilochmus sellowi, Elaenia cristata, Hemitriccus
margaritaceiventer, Cyanocorax chrysops).
A campinarana (arbórea) em volta dos campos tinha aspecto e avifauna típicos deste
ambiente em toda a Amazônia, incluindo as aves Galbula leucogastra (Galbulidae),
Hemitriccus minimus (Tyrannidae). O ambiente se destacava pela presença das palmeiras
buritirana (Mauritiella armata), patauá (Oenocarpus bataua) e bacabinha (Oenocarpus
minor) e pela abundância de uma samambaia típica (Schizea sp. tipo “leque”), notavelmente
ausente na campinarana do Bararati (v. abaixo). Pelo menos três tipos de floresta de terra
firme foram encontrados, todos mal amostrados: terra firme típica, localizada ao sul do
campo, com notável presença de angelins grandes; mata de cipó no vale ao norte do campo; e
mata de porte baixo e dossel interrupta em pedrais e ao longo de igarapés intermitentes, entre
o campo e o rio Sucunduri. Além dessas matas, a de galeria ou igapó ao longo do alto

57
Sucunduri se destacava pela presença de toceiras grandes de um bambu nativo fino
(taboquinha). Este ambiente não foi inventariado devido à sua dificuldade de acesso do
acampamento base e à falta de trilhas percorrendo sua extensão.

Terra Preta
Este local foi o foco de reuniões e discussões de trabalho e não foi adequadamente
investigado. Com a exceção da clareira (a base logística de uma mineradora), que por sua vez
contribuiu com várias espécies típicas de capoeiras e beira de rio, a única amostragem foi feita
na margem esquerda do rio Sucunduri em ambientes de igapó e terra firme, com e sem
dominância de cipós. O único registro de Poecilotriccus capitalis (primeiro para o estado) foi
num cipoal desta area, com também vários registros de Granatellus pelzelni (v. acima).
Destaque do igapó foi a presença de Hypocnemoides melanopogon, que aparentemente se
substitui por H. maculicauda no Bararati. A região contém uma variedade de ambientes
interessantes, incluindo corredeiras (onde outras equipes registraram bandos de psitacídeos
comendo plantas aquáticas), cachoeiras onde pode nidificar algumas espécies de apodídeos
(andorinhões), e campinas e formações rupestres - todos merecendo estudo detalhado. Além
disso, as florestas de terra firme nos dois lados do rio oferecem a oportunidade de investigar a
importância do Sucunduri como barreira biogeográfica.

Vale do Bararati
Como na Serra do Biquini, a área focal foi um campo natural (que permitisse pouso do
helicóptero), e a amostragem centralizou-se no campo e arredores. Trata-se de uma campina
clássica em terra baixa com solo arenoso e vegetação herbácea e arbustiva fazendo transição
para campinarana (arbórea) em volta. A avifauna era muito parecida com a do Biquini,
inclusive com uma abundância da gralha Cyanocorax chrysops, mas diferia notavelmente na
ausência de Herpsilochmus sellowi e Hemitriccus margaritaceiventer, duas espécies
características da região da caatinga ou de campos rupestres. A vegetação também parecia
refletir essa diferença na ausência de Vellozia e de Paepalanthus no Bararati, onde espécies
menores de Eriocaulaceae abundavam na campina (como no Biquini também). A
campinarana assemelhava-se muito a do Biquini, destacando-se pelo registro da ave Neopipo
cinnamomea (Tyrannidae ou Pipridae, dependendo da classificação), espécie mal conhecida,
mas típica de campinarana. Notáveis diferenças florísticas na campinarana do Bararati, como
a abundância de uma espécie grande de Rubiaceae, Pagamea cf. coriacea, e a ausência da
samambaia de leque (Schizea sp.), também apontam para a grande variabilidade no sistema
campina-campinarana entre locais na Amazônia e a necessidade de maior amostragem e

58
estudos.
A área florestada representa um mosaico de terra firme com e sem dominância de cipós,
campinarana, igapó e transições, tudo separado por diferenças sutis de micro-relevo e talvez
de substrato. Todos estes ambientes merecem estudos mais aprofundados. Uma trilha longa
na mata de terra firme foi aberta pela equipe de Ictiofauna, mas não foi estudada por nós por
falta de tempo e distância da base. Na transição entre campinarana e mata de terra firme,
grandes extensões de sub-bosque dominado pela palmeira Lepidocaryum tenue (caranaí) e
com presença de patauá indicavam a presença de solos úmidos e ambiente típico para as aves
Nyctibius bracteatus (Nyctibiidae), Hypocnemis hypoxantha (Thamnophilidae) e
Conopophaga melanogaster (Conopophagidae; não encontrada). Outros indícios de lençol
freático alto e de solo raso e encharcado, típicos deste ambiente, são a malha densa de raízes
superficiais coberta de folhas, criando um tapete acolchoado sobre um chão às vezes “falso”
(sem solo), e a frequência de árvores caídas com as raízes expostas, mostrando sua falta de
raízes profundas.

4. Conclusão
Em geral, comparação entre os três locais e entre ambientes em cada local realça dois
aspectos da avifauna presente:
1) Como em todo lugar na Amazônia, a avifauna mostra alto grau de especialização
ambiental;
2) Existe também considerável diferença entre locais amostrados que representam o
mesmo tipo de ambiente, por exemplo, entre os campos naturais ou entre as matas de terra
firme.
Por isso, espera-se aumentar expressivamente o número de espécies presentes com a
amostragem de mais pontos. Quase todos os ambientes carecem de maiores estudos, com uma
representatividade geográfica mais ampla. Em sua maioria, as espécies a serem acrescentadas
à lista através de futuros estudos serão aquelas esperadas com base em padrões de distribuição
e seleção de habitats conhecidos. As surpresas (e, assim, as maiores contribuições novas ao
conhecimento ornitológico) devem vir de ambientes mal estudados em geral, como a mata de
cipó, os campos naturais e as corredeiras. Uma espécie praticamente desconhecida na
natureza, Clytoctantes atrogularis (Thamnophilidae), descoberta há poucos anos e
representada somente por um único exemplar feminino, deve ocorrer dentro do mosaico. Foi
descoberta nos anos 1980 e re-encontrada este ano na mesma região no leste de Rondônia. Há
dois anos, foi encontrada também ao longo da Transamazônica próximo a Vila Sucunduri no
Amazonas. Aparentemente, tolera ambientes degradadas e talvez prefira floresta sujeita a

59
distúrbios naturais, como por exemplo, a floresta de cipó e outras áreas de baixio. É provável
que o Mosaico de Unidades de Conservação de Apuí represente e preserve a maior parte da
distribuição mundial desta espécie.
Além disso, a importância do rio Sucunduri como barreira biogeográfica deve ser
estudada dentro do mosaico, onde nasce o rio. Seu efeito, aparentemente importante (pelo
menos para pequenos primatas) na região do baixo e médio rio, falta ser examinado em
muitos organismos e na região das cabeceiras. A possibilidade de encontro nas cabeceiras
entre formas diferenciadas em lados opostos do rio faz com que esta região seja um
importante “laboratório natural” para estudar padrões de especiação e competição em
vertebrados terrestres amazônicos.
De forma parecida, o mosaico contém uma abundância e variedade grande de campos
naturais. Nossa impressão, com base neste estudo e em outros na Amazônia brasileira toda, é
que não existem dois campos naturais iguais e que em geral campos fazem uma
importantíssima contribuição à riqueza de espécies amazônicas, principalmente por conter
espécies endêmicas. A variedade em tamanho, solo, altitude, grau de arborização (natural),
fitofisionomia e florística destes campos faz com que o mosaico seja também um laboratório
ideal para seu estudo. Ao representar uma área de transição entre o bioma amazônico e o do
cerrado, os campos podem tanto ser intermediários (e assim únicos) como ser um conjunto de
representantes intactos de uma grande variedade de tipos de campos naturais - a maioria já
destruída em outros lugares do país. Isso tudo falta ainda estudar para saber.
A parte sul da Floresta Estadual do Sucunduri não se diferencia da parte sul do Parque
Estadual do Sucunduri adjacente e juntos contêm toda a área das nascentes do rio. Por isso,
devem ser tratado como a mesma categoria de UC para oferecer proteção à bacia do
Sucunduri como um todo. Também, a dificuldade de acesso e o terreno extremamente
acidentado argumentam a favor da preservação integral da parte sul da Floresta Estadual. Por
outro lado, acesso via o Mato Grosso parece ser iminente, dificultando o controle de uso da
área pelo Estado do Amazonas. O conjunto destes fatores nos leva a sugerir, então, que essa
parte da Floresta, incluindo todo seu extremo com o Mato Grosso, seja incorporada no
Parque.
Além do seu potencial para pesquisa, o mosaico tem potencial para visitação e uso
turístico. Os principais atrativos são a alta diversidade de espécies de flora e fauna (inclusive
borboletas e peixes e a presença de ariranhas, além de aves) e de paisagens, seu excelente
estado de preservação, e suas variadas cachoeiras. Desvantagens são: a dificuldade de acesso,
a falta de água corrente em certas áreas e épocas, e abundância de pragas, principalmente
piuns e abelhas. Investimento em infraestrutura sensata, que aproveite da sombra da floresta, a

60
falta de piuns em mata de terra firme sombreada, e que faça separação de instalações para
espalhar os atrativos para abelhas (banheiros, lixo, cozinha, habitações) pode superar estes
problemas. Com uma infraestrutura confiável, mesmo simples, e com boa divulgação,
visitação pode se tornar uma atividade viável no Parque.

61
6. Herpetofauna
FABIANO WALDEZ
OCÍRIO P. SOUZA

62
1. Objetivos
1.1. Objetivo geral:
Realizar uma prospecção da diversidade para anfíbios e répteis e avaliar o status de
conservação das espécies em Unidades de Conservação do extremo sudeste do Amazonas.

1.2. Objetivos específicos:


a) Conhecer a diversidade de espécies e avaliar a presença de espécies raras ou
ameaçadas;
b) Coleta de exemplares para formação de uma coleção científica de referência para
região;
c) Registrar a composição das espécies nas diferentes paisagens;
d) Discutir a diversidade observada num contexto regional
e) Levantar informações sobre o estado de conservação das espécies encontradas

2. Material e Métodos
2.1. Área de estudo
Realizamos uma amostragem da diversidade de anfíbios e répteis durante 14 dias,
município de Apuí, em três reservas do Mosaico de UCs no extremo sudeste do Amazonas,
uma área sobre forte pressão de desmatamento provocada pelo gado e a soja.
O tempo de amostragem diferiu entre as regiões pesquisadas (Tabela 1). Também, o
delineamento amostral: na Floresta Estadual (FLOREST) do Sucundurí e no Parque Estadual
(PAREST) do Sucundurí, a coleta foi realizada de forma sistemática, utilizando sistemas de
trilhas com perímetros de 5,7 km e 6,2 km, respectivamente.
Nas demais localidades a busca foi arbitrária, sendo direcionada de acordo com a
disponibilidade e o acesso aos ambientes propícios à ocorrência das espécies.

Tabela 1. Localização geográfica e período de amostragem das localidades pesquisadas em cada região.
REGIÕES LOCALIDADES COORDENADAS PERÍODO
Zona urbana 10º00.737’ S e 60º34.820’ W 19 a 20/06/2006
Cidade de Apuí Cachoeira de Apuí - 20/06/2006
(Sede municipal e arredores) Ponte do rio Juma - 20/06/2006
FLOREST do Sucundurí Sistema de trilhas 08º34.678’ S e 59º09.212’ W 21 a 25/06/2006
(Serra do Biquíni) Cachoeira do Biquíni 08º35.152’ S e 59º09.186’ W 23 a 25/06/2006
Cachoeira do inferno 07°81.294’ S e 58°54.016’ W 26/06/2006
FLOREST do Apuí Trilha das cavernas 07º51.294’ S e 58º54.506’ W 27/06/2006
(Acampamento Terra-Preta) Igarapé do Morerú 07°45.745’ S e 58°48.995’ W 26 a 27/06/2006

63
Poça de Igapó 07º48.437’ S e 58º52.731’ W 27/06/2006
PAREST do Sucundurí
(Vale do rio Bararatí) Sistema de trilhas 08º21.463’ S e 58º37.759’ W 28 a 04/06/2006

2.2. Coleta de dados


Para maximizar o esforço de procura das espécies de anfíbios e répteis, a busca foi
direcionada a sítios propícios a ocorrência das espécies (ex. bromélias, clareiras, depressões
alagadas, igarapés, margens dos rios). Foram utilizados dois métodos para registro das
espécies: “Procura Ativa Visual” (Crump & Scott 1994), onde a as espécies foram detectadas
visualmente através buscas diurnas e noturnas nos diferentes ambientes e “Procura
Auditivamente Direcionada” (Zimmerman 1994) onde as espécies, principalmente os sapos,
foram localizadas ou identificadas através da vocalização, em buscas noturnas.
Toda procura foi limitada por tempo para padronizar o esforço de coleta e permitir
comparações de diversidade mais robustas com outras áreas.
Foi feita uma contagem de jacarés no horário entre 19:00 e 22:00 horas, por dois dias,
em um trecho de 800 m numa área de cabeceira do Rio Sucundurí, na região da FLOREST do
Sucundurí. O registro das espécies também relacionou o tipo de ambiente em que elas
ocorreram, para tanto a paisagem foi dividida em nove categorias (Tabela 2).

Tabela 2. Categorias de ambientes amostrados nas quatro regiões pesquisadas.


CATEGORIAS DE CIDADE FLOEST DO FLOREST PAREST DO
AMBIENTES DE APUÍ SUCUNDURÍ DO APUÍ SUCUNDURÍ
AMOSTRADOS
Ambiente antrópico X - X -
Campina arenosa - - - X
Campina rupestre - X - -
Campinarana - X - X
Floresta de igapó - - X X
Floresta de terra-firme - X X X
Igarapé - X X X
Margem do rio X X X X
Poça - X X X

2.3. Análise de dados


Para avaliar a eficiência do esforço de coleta na amostragem da diversidade foi
construída uma curva do coletor através da acumulação diária de novas espécies.

64
Foram pesquisados aspectos relacionados à estrutura das assembléias de anfíbios e
répteis por meio de gráficos com a distribuição relativa das abundâncias das espécies
registradas.
A composição de espécies registrada neste estudo foi comparada com a de outras áreas
do Amazonas, relativamente próximas, nos rios Aripuanã e Madeira (Vogt et al, 2006) e no
município de Humaitá (Mesquita, 2006). A similaridade faunística entre estas áreas foi
inferida pelo Coefficiente of Biogeographic Resemblance (CBR) (Duellman, 1990). A
equação que descreve este índice é CBR = 2C/(N1+N2), onde C é o número de espécies
comuns para as duas áreas; N1 é o número de espécies da primeira área e N2 é o número de
espécies da segunda área.
As ameaças sobre as espécies registradas foram consideradas pela observação das
pressões in loco e através das listas de espécies ameaçadas do IBAMA, da “Convenção sobre
o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção”
(CITES) e da “União Internacional para a Conservação da Natureza” (IUCN).
Registros de novas ocorrências geográficas foram feitos através de consultas aos bancos
de dados on-line do Amphibian Species of the World Online Database
(http://research.amnh.org/herpetology/amphibia/index.php), The Global Amphibian
Assessment (GAA) (http://www.globalamphibians.org) e The EMBL Reptile
Database (http://www.embl-heidelberg.de/~uetz/LivingReptiles.html).

3. Resultados
Um total de 30 espécies de anfíbios e 27 de répteis foram registradas. Os anfíbios
estiveram representados pelos sapos (Anura) e os répteis pelos jacarés (Crocodilia), quelônios
(Testudines), lagartos e serpentes (Squamata). (Tabela 3).

Tabela 3. Espécies de anfíbios e répteis registradas para a região do extremo sudeste do Amazonas, no Mosaico
de Unidades de Conservação do Apuí.
Ordem Família Espécie Detecção
AMPHIBIA
Anura AROMOBATRIDAE Anomaloglossus sp. Coleta
Anura BRACHYCEPHALIDAE Eleutherodactylus sp. Coleta
Anura BUFONIDAE Chaunus marinus Coleta
Anura BUFONIDAE Dendrophryniscus minutus Coleta
Anura BUFONIDAE Rhaebo guttatus Coleta
Anura BUFONIDAE Rhinella sp. Gr. Margaritifer Coleta
Anura HYLIDAE Dendropsophus marmoratus Auditiva
Anura HYLIDAE Hypsiboas albopunctatus Coleta

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Anura HYLIDAE Hypsiboas boans Coleta
Anura HYLIDAE Hypsiboas calcaratus Coleta
Anura HYLIDAE Hypsiboas cinerascens Coleta
Anura HYLIDAE Hypsiboas fasciatus Auditiva
Anura HYLIDAE Hypsiboas punctatus Coleta
Anura HYLIDAE Osteocephalus aff. pearsoni Coleta
Anura HYLIDAE Osteocephalus taurinus Coleta
Anura HYLIDAE Osteocephalus sp. Coleta
Anura HYLIDAE Phyllomedusa vaillantii Coleta
Anura HYLIDAE Scinax ruber Coleta
Anura HYLIDAE Trachycephalus coriaceus Auditiva
Anura HYLIDAE Trachycephalus resinifictrix Auditiva
Anura LEIUPERIDAE Engystomops petersi Coleta
Anura LEIUPERIDAE Pseudopaludicola cf. mystacalis Coleta
Anura LEPTODACTYLIDAE Leptodactylus (Li.) andreae Coleta
Anura LEPTODACTYLIDAE Leptodactylus (Li.) sp. Coleta
Anura LEPTODACTYLIDAE Leptodactylus petersii Coleta
Anura LEPTODACTYLIDAE Leptodactylus rhodomystax Coleta
Anura LEPTODACTYLIDAE Leptodactylus sp. Coleta
Anura LEPTODACTYLIDAE Scinax garbei Coleta
Anura PIPIDAE Pipa arrabali Coleta
Anura RANIDAE Rana palmipes Coleta
REPTILIA
Testudines PODOCNEMIDAE Podocnemis unifilis Visual
Crocodylia ALLIGATORIDAE Caiman crocodilus Visual
Crocodylia ALLIGATORIDAE Paleosuchus palpebrosus Visual
Squamata GEKKONIDAE Gonatodes humeralis Visual
Squamata GEKKONIDAE Hemidactylus mabouya Visual
Squamata GEKKONIDAE Coleodactylus amazonicus Coleta
Squamata POLYCHROTIDAE Anolis fuscoauratus Coleta
Squamata POLYCHROTIDAE Anolis nitens tandai Coleta
Squamata SCINCINDAE Mabuya cf. bistriata Coleta
Squamata SCINCINDAE Mabuya nigropunctata Coleta
Squamata TROPIDURIDAE Uranoscodon superciliosun Coleta
Squamata TEIIDAE Ameiva ameiva Visual
Squamata TEIIDAE Kentropyx calacarata Visual
Squamata TEIIDAE Tupinambis cf. meriane Visual
Squamata TEIIDAE Tupinambis teguixin Visual
Squamata GYMNOPHTALMIDAE Neusticurus aff. bicarinatus Coleta
Squamata GYMNOPHTALMIDAE Cercosaura ocellata ocellata Coleta
Squamata GYMNOPHTALMIDAE Iphisa elegans Coleta
Squamata GYMNOPHTALMIDAE Gymnophthalmus sp. Gr. Underwoodi Visual

66
Squamata BOIDAE Corallus hortulanus Coleta
Squamata COLUBRIDAE Hydrodynastes gigas Visual
Squamata COLUBRIDAE Imantodes cenchroa Coleta
Squamata COLUBRIDAE Leptodeira annulata Coleta
Squamata COLUBRIDAE Pseustes poecilonotus Coleta
Squamata ELAPIDAE Micrurus paraensis Coleta
Squamata ELAPIDAE Micrurus surinamensis Visual
Squamata VIPERIDAE Bothrops atrox Visual

A observação da curva do coletor não revelou uma tendência de estabilização, indicando


que a diversidade de anfíbios e répteis presentes na região não foi totalmente representada
(Figura 2).

Figura 2. Representação do número de novas espécies registradas a cada dia de coleta.

Nas UCs visitadas foi identificada a existência da caça de subsistência de jacarés e


quelônios, praticada por moradores da região de entorno das unidades (e.g. Acampamento
Terra-Preta e Vila do Sucundurí). Estas e outras espécies de répteis registradas por este estudo
(cerca de 22% do total) estão ameaçadas de acordo com as listas internacionais. Para os
anfíbios não foi observada a presença de espécies consideradas ameaçadas (Tabela 4).

67
Tabela 4. Espécies de répteis ameaçadas e o grau de ameaça considerado pelas organizações.
Espécies IUCN CITES
Podocnemis unifilis VU (vulnerável) CITES II (necessidade de controle do comércio)
Caiman crocodilus - CITES II (necessidade de controle do comércio)
Paleosuchus palpebrosus - CITES II (necessidade de controle do comércio)
Tupinambis cf. meriane - CITES II (necessidade de controle do comércio)
Tupinambis teguixin - CITES II (necessidade de controle do comércio)
Corallus hortulanus - CITES II (necessidade de controle do comércio)

A inferência sobre a ocupação dos diferentes ambientes pelas espécies apresentou


limitações referentes ao esforço de coleta e a quantidade de categorias de habitats amostrados
nas diferentes localidades em um único período sazonal. Ainda assim, foi possível visualizar
alguns indícios de padrões na ocorrência dos grupos, como a baixa diversidade de anfíbios nas
campinas (Figura 3).

Figura 3. Quantidade de espécies de anfíbios e répteis observadas nas diferentes categorias de ambientes
amostrados.

A estrutura das assembléias com relação à distribuição das abundâncias relativas das
espécies, revelou quatro espécies de anfíbios e cinco de répteis que representaram mais de
50% do total de indivíduos registrados nas assembléias (Figura 4).

68
A

Figura 4. Representação da abundância relativa das espécies de anfíbios (A) e répteis (B) registradas no
Mosaico de Unidades de Conservação de Apuí, AM.

Aproximadamente de 70% das espécies de anfíbios e répteis constituíram “Registros


Locais Únicos”, ou seja, foram registradas apenas em uma localidade. Uma maior diversidade
e um maior número de RLU foram observados na região da Floresta Estadual do Sucundurí
(Tabela 5).

69
Tabela 5. Riqueza de espécies observada para cada localidade pesquisada, destacando em parênteses a
quantidade de espécies registradas apenas na localidade e o esforço de coleta para cada região.
GRUPOS CIDADE DE FLOREST DO FLOREST DO PAREST DO
APUÍ APUÍ SUCUNDURÍ SUCUNDURÍ
Anfíbios 6 (3) 9 (3) 16 (9) 11 (6)
Répteis 3 (3) 5 (2) 16 (8) 13 (6)
Esforço 8h 16h 60h 68h

A comparação entre a diversidade registrada por este estudo com outras áreas
relativamente próximas, abrangeu três grandes interflúvios: Purus-Madeira nas savanas
amazônicas próximas da sede do município de Humaitá (Mesquita, 2006) e no município de
Novo Aripuanã (Vogt et al, 2006); Madeira-Aripuanã também no município de Novo
Aripuanã por Vogt et al (2006), que também amostrou áreas no interflúvio Aripuanã-Tapajós.
Este estudo que realizou amostragem em áreas do interflúvio Aripuanã-Tapajós, tendo
abrangido os interflúvios menores: Aripuanã-Sucunduri, Sucundurí-Bararati e Bararatí-
Juruena (Vogt et al, 2006 e este estudo)

Tabela 6. Comparações da herpetofauna do sudeste amazônico levantada neste estudo com outros realizados em
áreas próximas do Amazonas, nos rios Aripuanã e Madeira (Vogt et al, 2006) e município de Humaitá
(Mesquita, 2006). Os valores representam a riqueza de cada área, sendo a 1ª linha referente aos anfíbios, a 2ª
linha aos répteis e a 3ª linha a herpetofauna. O Coeficiente de Similaridade Biogeográfica aparece entre
parênteses. São fornecidas informações sobre os ambientes amostrados, métodos empregados e esforço de coleta
por estação.

RIO MADEIRA RIO ARIPUANÃ HUMAITÁ


Margem_direita Margem_esquerda Margem_direita Margem_esquerda -
10 (0,3000) 34 (0,3750) 17 (0,3404) 15 (0,3111) 19 (0,3673)
SUDESTE
9 (0,3839) 27 (0,5926) 27 (0,4815) 30 (0,4561) 44 (0,5352)
AMAZÔNICO
19 (0,3421) 61 (0,4746) 44 (0,4158) 45 (0,3922) 63 (0,4667)
Antrópico,
Florestas terra- Savanas,
Floresta terra- floresta terra- Florestas terra-
AMBIENTES firme e de floresta de
firme e corpos firme, campina, firme e de igapó e
PESQUISADOS igapó e corpos terra-firme
d’água corpos d’água e corpos d’água
d’água e praia
macrófitas
busca, pit-falls, busca, pit-falls, busca, pit-falls, busca, pit-falls,
MÉTODOS DE busca e pit-
funnel traps e funnel traps e funnel traps e funnel traps e
AMOSTRAGEM falls
redes de pesca redes de pesca redes de pesca redes de pesca
DIAS DE 6/seca e 7/seca e 7/seca e
5/seca 27/seca
COLETA/ESTAÇÃO 6/cheia 13/cheia 13/cheia

Este estudo confirmou a ocorrência de várias espécies que tinham sua “distribuição
provável” presumida para o extremo sudeste do Amazonas. Duas espécies registradas, a

70
serpente coral Micrurus paraensis e a perereca Hypsiboas albopunctatus, foram novas
ocorrências para o estado do Amazonas (Figura 6).

Figura 6. Dois novos registros de ocorrência para o Amazonas, a perereca Hypsiboas albopunctatus e a serpente
coral Micrurus paraensis (Fotos: Fabiano Waldez).

Poucos anfíbios foram observados em atividade reprodutiva, apenas 26,6% das espécies
registradas estavam vocalizando: Chaunus marinus, Dendropsophus marmoratus, Hypsiboas
boans, H. cinerascens, H. fasciatus, Phyllomedusa vaillantii, Trachycephalus coriaceus e T.
resinifictrix. Somente para 13,3% das espécies foram constatados girinos: C. marinus, H.
boans, P. vaillantii e Rana palmipes.
Na área de cabeceira do Rio Sucundurí foi feito um total de 16 registros de jacarés-pedra
(Paleosuchus palpebrosus) com sete e nove animais observados em dois dias. Destes, 15
registros foram de indivíduos adultos e um juvenil. Os adultos ocuparam o rio, sendo
observados em áreas rasas (<1m) enquanto o juvenil foi encontrado numa grande poça
próxima da margem do rio. O juvenil e mais dois exemplares adultos foram capturados para
observações e biometria, os demais exemplares foram estimados quanto ao tamanho total
(CT). Foi observada uma variação no CT de 1.612 a 0.720 m (x= 1.369; ± 0.227 DP).

4. Discussão, Conflitos e Demandas Identificadas


O extremo sudeste do Amazonas constitui uma região desconhecida do ponto de vista da
diversidade de anfíbios e répteis. Tomando como referência o acervo da Coleção de Anfíbios
e Répteis do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, aparentemente este trabalho foi o
primeiro esforço sistemático de coleta de anfíbios e répteis, realizado para a região.
No entanto, os resultados desta pesquisa representaram apenas uma visão pontual e
superficial da diversidade herpetofaunística abrigada na região do extremo sudeste
Amazônico, em específico nas UCs do Mosaico do Apuí, que englobam cerca de 2,5 milhões
de hectares, abrangendo diferentes relevos e paisagens florestais e não florestais. Fato
71
corroborado pelo baixo esforço de coleta empregado e evidenciado pela tendência de
crescimento no número de espécies demonstrada pela “curva do coletor”. Por a coleta ter
contemplado apenas a estação seca, o que tornou desfavorável a detecção de algumas espécies
em especial de sapos e grupos fossoriais como as cobras-cegas (Gymnophiona, Amphibia) e
as cobras-de-duas-cabeças (Anfisbaena, Reptilia). Também, por não terem sido observadas
algumas das espécies com provável distribuição para região, que segundo relatos de
moradores ocorrem nas áreas das UCs visitadas, como: as serpentes Jibóia (Boa constrictor) e
Sucurijú (Eunectes murinus); os quelônios Iaçá (Podocnemis sextuberculata) e Jabuti amarelo
(Geochelone denticulata), o Jacaré-açú (Melanosuchus niger), o lagarto Iguana (Iguana
iguana) e outras espécies de sapos diurnos coloridos da família Dendrobatidae.
A confirmação da ocorrência destas espécies com provável distribuição para região,
aumentaria em seis o número de espécies ameaçadas de répteis e possivelmente acrescentaria
algumas espécies ameaçadas de anfíbios dos gêneros Allobates e Ameerega. Ressaltando a
importância desta região para conservação de várias espécies ameaçadas de anfíbios e répteis.
A ausência de material de referência disponível para comparações em coleção, gerou
indefinições na identificação de algumas espécies coletadas de sapos, como Osteocephalus
aff. pearsoni, Pseudopaludicola cf. mystacalis; de lagartos, como Neusticurus aff. bicarinatus
e Mabuya cf. bistriata. As demais incertezas taxonômicas deveram-se a outras formas de
registros das espécies que não a coleta e as dificuldades de identificação encontrada para
alguns grupos que são diversos e ainda não devidamente revisados taxonomicamente, como
foi o caso dos sapos Anomaloglossus sp., Eleutherodactylus sp., Leptodactylus (Li.) sp.,
Osteocephalus sp. e Rhinella sp. gr. Margaritifer.
A representação das abundâncias relativas das espécies demonstrou uma distribuição
típica das assembléias tropicais de anfíbios e répteis, onde uma alta diversidade é constituída
por muitas espécies pouco abundantes ou raras e poucas espécies mais abundantes (ver Fauth
et al., 1989; Vonesh. 2001 para e.g. com assembléias de herpetofauna de liteira). As espécies
mais abundantes teriam potencial para serem monitoradas, em especial os anfíbios um grupo
reconhecidamente utilizado como bioindicador da integridade dos ecossistemas (ver Welsh Jr.
e Droege, 2001). A perereca Hypsiboas boans foi a espécie de sapo mais abundante e reúne
boas características para monitoramento, por ser uma espécie habitat-específica de floresta
próximas de corpos d’água e por ter ocorrido em todas as UCs visitadas. Também, porque é
de fácil detecção pela vocalização conspícua, o tamanho relativamente grande (cerca de 12
cm) e um comportamento reprodutivo que tornam suas desovas aparentes.
Como já observado para outras localidades na Amazônia, o ambiente de floresta de
terra-firme representou a maior diversidade em espécies (Gordo, 2003; Neckel-Oliveira e

72
Gordo, 2004). Este padrão tem relação com maior complexidade de habitats encontrados
neste ambiente, principalmente de ambientes reprodutivos que correspondem a um fator
chave na distribuição de espécies de anfíbios (Zimmerman e Bierregaard, 1986). A baixa
diversidade de anfíbios associadas aos habitats abertos de campinas observada neste estudo,
pode ter relação com a ausência das espécies associadas à liteira florestal, que podem
representar entre 30 e 50% da diversidade herpetofaunística local, como já observado por
Neckel-Oliveira et al. (2002), para áreas de savana na Amazônia. No entanto, conclusões para
as áreas de campinas são dependentes de uma amostragem no período chuvoso, quando estas
áreas viram grandes charcos com água empoçada na superfície arenosa e vários corpos d´água
intermitentes ativos. Essa mudança no ambiente pode provocar uma mudança sazonal na
diversidade herpetofaunística associada às campinas e campos da região.
A variação na diversidade de espécies entre as áreas pesquisadas revelou várias espécies
registradas apenas em uma única região. Apesar de este trabalho ter empregado um esforço de
coleta não exaustivo e da amostragem das categorias de ambientes não ter sido uniforme para
cada unidade pesquisada, a variação na composição da herpetofauna pode ter refletido
diferenças nos ecossistemas. Doan e Arriaga (2002) apontaram que a composição de espécies
de anfíbios e répteis, pode variar em escalas microgeográficas na Amazônia peruana. Isto,
relacionado à presença de habitas favoráveis e a capacidade de dispersão das espécies.
Características referentes aos sistemas hídricos e os diferentes ecossistemas terrestres
associados às bacias, devem ter exercido forte influência sobre a composição da herpetofauna
nos locais pesquisados. Nestes, foi observada uma grande variação nas paisagens, desde áreas
de cabeceiras na FLOREST do Sucundurí com presença de campos e campinas, a áreas de
corredeiras da FLOREST do Apuí com presença de floresta inundada, até um leito maior e
mais navegável no PAREST do Sucundurí associado a uma grande área de floresta de terra-
firme.
A maior diversidade e singularidade da herpetofauna encontrada na FLOREST do
Sucundurí podem ter refletido a riqueza do mosaico de paisagens encontradas na sub-região
da Serra do Biquíni. Com áreas de campos rupestres, campinaranas e floresta, assentadas
sobre um aforamento rochoso muito antigo (Paleozóico) e expostas a um clima de monções
(WWF-Brasil, 2006). As áreas mais altas de campos rupestres apresentaram uma variação
diária na temperatura do ar de até 18º C (13º C na madrugada e 33º C no meio do dia) e um
sistema hídrico sazonal com corpos d`água temporários que correm sobre substrato rochoso.
Nestes ambientes foram registradas algumas espécies típicas de áreas abertas de cerrados do
Brasil Central como: Os lagartos Gymnophthalmus sp. Gr. Underwoodi e Tupinambis cf.
meriane e a perereca Hypsiboas albopunctatus que era conhecida apenas para as regiões

73
centro, sudeste e sul do Brasil, havendo para o norte apenas uma população em Rondônia
(The Global Amphibian Assessment). O outro novo registro para o Amazonas, a serpente coral
Micrurus paraensis era conhecida no Brasil, do leste do Para, Maranhão, sudoeste de
Rondônia e Norte do Mato Grosso (The EMBL Reptile Database) e foi registrada numa área
de floresta de terra-firme no PAREST do Sucundurí.
A comparação com outras áreas do sudeste amazônico, representou um grau de
similaridade baixo. Possivelmente, devido às diferenças de esforço amostral uma vez que,
ainda existem poucas evidências sobre a influência dos interflúvios na distribuição das
espécies de anfíbios e répteis na Amazônia (Gascon et al. 2000).
A ameaça mais relevante levantada neste estudo para as áreas visitadas foi caça de
subsistência de espécies ameaçadas de jacarés e quelônios, praticada na região de entorno das
unidades de conservação. Apesar de essa atividade representar uma pressão menor que a caça
de interesse comercial, algumas espécies biologicamente mais predispostas por terem um
ciclo reprodutivo longo, serem menos abundantes ou com uma distribuição restrita, poderiam
ser afetadas e até mesmo extintas localmente. Como exemplo, citamos a população de jacarés-
paguá (Paleosuchus palpebrosus) registrados apenas em uma localidade da FLOREST do
Sucundurí, que foi identificada como área de alimentação, por alguns indivíduos terem sido
observados “pescando” parados com a boca aberta nas áreas mais rasas (Figura 1) e de
reprodução evidenciada pela presença de filhotes.
Em suma, apesar das limitações de amostragem evidentes desde a concepção da
expedição, este trabalho propôs objetivos similares aos Rapid Biological Inventories (RBI)
(sensu Hayden, 2007), sendo direcionado a uma área desconhecida do ponto de vista
científico, com alta relevância biológica e sob um eminente grau de ameaça. Também, pela
informação gerada ter sido rapidamente transmitida às autoridades locais e internacionais
tomadoras de decisões, como forma de catalisar ações efetivas para a conservação da região.

5. Conclusões e Recomendações
a) Existe a necessidade de um esforço de coleta mais intenso e sistemático para conhecer
a real diversidade de anfíbios e répteis da região. Para tanto, se faz necessário criar uma
estrutura logística, como uma base com técnicos de apoio, que permitam realizar futuras
pesquisas na região.
b) A paisagem da região do Mosaico de UCs do Apuí, constitui uma zona de contato das
Florestas Estacionais do Sul do Amazonas com as Savanas do Brasil Central. O que justifica
a presença de espécies típicas de cerrados na herpetofauna local. Mais coletas sistemáticas na
região deve elevar a biodiversidade de anfíbios e répteis conhecida para o Amazonas, sendo

74
possível para algumas destas espécies (e.g. Micrurus paraensis), que estas populações sejam
as únicas presentes no Estado, o que aumentaria a relevância das UCs do Mosaico de Apuí na
conservação da diversidade do Amazonas.
c) Uma grande parte das espécies de répteis registradas se encontra sobre algum grau de
ameaça, principalmente pelo comércio não regulamentado. As populações destas espécies
presentes no mosaico de UCs do sudeste do Amazonas representam uma oportunidade para o
monitoramento de populações em estado natural.

6. Referências Bibliográficas
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75
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Journal of Biogeography, Vol. 13, No. 2 (Mar., 1986), pp. 133-143

Agradecimentos
Ao Dr. Ronald Heyer (Smithsonian Institute) pela confirmação das identificações dos
sapos das famílias Leiuperidae e Leptodactylidae. Ao Dr. Richard C. Vogt (INPA), por
disponibilizar a Coleção de Anfíbios e Répteis do INPA para a identificação das espécies. Aos
pesquisadores participantes da expedição Carlos Marinelli, Fabio Röhe, Mario Cohn-Haft e
Rômulo Batista, que através de coletas ocasionais contribuíram com os resultados obtidos
neste trabalho. Ao IBAMA que autorizou a realização deste trabalho através da licença de
captura e transporte nº 116/2006-NUFAS/ IBAMA/ AM proc. 02005.001990/04-86. Ao
WWF pelo apoio na divulgação on-line dos resultados obtidos.

76
7. Ictiofauna
LÚCIA RAPP PY-DANIEL
CARLOS EDUARDO MARINELLI
CARLOS SOTERO DA SILVA

77
1. Objetivos
1.1. Objetivo geral:
O presente trabalho teve como objetivo principal inventariar a fauna da área do Domo
do Sucunduri. Essa área, pela sua geologia e geomorfologia, sempre suscitou questões
relacionadas à presença de possíveis divisores de fauna. A presença de regiões mais altas (até
300 metros), alternadas com paisagens muito distintas (campinas, campinaranas, mata de terra
firme), proporciona ecossistemas bem distintos, o que possibilita o surgimento de divisores
faunísticos, sejam estes físicos ou ecológicos. A área, por ser extremamente remota e de
difícil acesso, também apresenta atrativos pela natureza quase intocada. A presença humana
na área aparentemente se limitou a registros de encontros com índios e garimpeiros, apesar da
presença de mineradoras de calcário (já desativadas).

1.2. Objetivos específicos


A natureza prístina da área, juntamente com a proposta de preservação da mesma,
através da criação de Unidades de Conservação estaduais e federais, associada à liberação de
recursos para estudos de inventários em Unidades de Conservação, através de incentivos
governamentais (MMA, ARPA, IBAMA, SDS-AM) e não-governamentais (WWF, WCS),
proporcionou esta oportunidade única de inventariar algumas áreas do Domo do Suncunduri.
Com isso em mente, e a possibilidade de amostrar a ictiofauna em cabeceiras de duas
drenagens distintas (Madeira e Tapajós), foi proposto este trabalho de levantamento das
espécies de peixes em todos os ambientes possíveis de serem amostrados.

2. Material e Métodos
A dificuldade de acesso à área demandou uma logística complexa e uma acomodação de
objetivos e possibilidades. Desse modo, os ambientes amostrados foram os mais diversos
dentro das nossas possibilidades de deslocamento. A ausência de uma canoa ou voadeira nos
pontos do Bikini (Sucunduri) e Bararati foi extremamente limitante. Para essas áreas, todos os
pontos trabalhados só foram alcançados por trilhas. Portanto, foram abertos pelo menos 5 km
de trilhas antes do início dos trabalhos de pesca tanto no Bikini como no Bararati.
Os ambientes amostrados foram:
Bikini – poças ou nascentes e rio
Terra Preta – rio, igarapés, poças de terra firme, cachoeiras, praias
Bararati – igarapés
Os aparelhos de pesca utilizados foram: peneiras para pesca em igarapés e poças;
tarrafas para rio, igarapés e poças; malhadeiras para rio e igarapé (de maior porte); redinha

78
para igarapés e praias; e zagaias ou arpão para igarapés. As baterias de malhadeiras (ou redes
de espera) eram formadas por uma seqüência de redes de malhas distintas de 10 metros de
comprimento, por 3 metros de altura. As malhas foram de 20, 30, 40, 50, 60, 80, 90, 110 mm
entre nós opostos. A redinha ou rede de cerco era de 11 metros de comprimento, por três
metros de altura e malha de 5 mm. A metodologia de coleta não seguiu nenhum desenho
amostral delineado a priori em virtude do desconhecimento dos pontos a serem amostrados. O
esforço de pesca, portanto, foi variado.
Todo o material coletado foi fixado no campo com formalina a 10%, com exceção de
alguns poucos exemplares separados para análises de DNA. O material foi discriminado por
ponto de coleta, sendo colocado em saco plástico e com etiquetas correspondentes. Em
laboratório, esse material foi lavado em água corrente e conservado em álcool a 75%.
A identificação do material foi realizada em laboratório usando-se literatura
especializada ou auxílio de taxonomistas. Todo o material identificado foi separado em lotes
(de acordo com os pontos amostrados e identificação das espécies), fotografado e tombado na
Coleção de Peixes do INPA, onde cada lote recebe um número de registro.

3. Resultado e Discussão
As coletas foram realizadas nos meses de junho e julho de 2006, período de seca e início
de cheia. No total, foram coletadas 124 espécies (Tabela 2), porém houve grande diferença de
esforço amostral por ponto em virtude das dificuldades logísticas citadas acima. Apesar das
dificuldades de acesso, os três pontos apresentaram espécies novas e relevantes para a ciência.
Pontos amostrados na Tabela 1.
De maneira geral, houve um acentuado predomínio de espécies da ordem
Characiformes, o que demonstra deficiência na amostragem (Tabela 3). Apesar de
Characiformes ser a ordem mais representada em quase todas as drenagens, as representações
de Siluriformes e Gymnotiformes ficaram muito aquém do que deve ser a realidade da
composição dessas comunidades (particularmente no rio Sucunduri, nos dois pontos
amostrados). O rio Bararati, por sua vez, já mostrou um maior equilíbrio entre as principais
ordens de peixes neotropicais.
Dentre os Siluriformes, temos comprovadamente duas espécies novas de Gladioglanis,
uma de Myoglanis, uma de Imparfinis, uma de Ochmacanthus, e outras que ainda serão
avaliadas mais detalhadamente por especialistas. Dentre os Characiformes, o grupo mais
abundante e que comporta a maior parte de espécies de interesse comercial, houve uma
grande diversidade de espécies da família Characidae (Jupiaba spp., Hemigrammus spp e
outros), subfamília Serrasalminae (piranhas e pacus), e da família Anostomidae (aracus). Foi

79
observado o grande tamanho de alguns exemplares de certas espécies, inclusive de espécies
consideradas de pequeno porte (p.ex., espécies do gênero Jupiaba: J. asymmetrica, J.
anteroides, assim como espécies do gênero Pimelodella, Brycon e Leporinus), sugerindo uma
área com pouca pressão antrópica e muita disponibilidade de recursos. Dentre os demais
grupos, Gymnotiformes, Perciformes, também foi observada uma diversidade relativa e
presença de novos taxa (p.ex., Steatogenys cf. duidae, Hypopygus cf. lepturus, Satanoperca
sp.). Estes também ainda necessitam de uma análise mais detalhada e trabalhos de revisão.
O trabalho realizado nestas áreas levantou grande número de novos registros visto que a
área nunca havia sido amostrada anteriormente. Apesar de grande parte das espécies já ser
conhecida para a bacia do rio Madeira, diferentes questões relacionadas a áreas de ocorrência
e limites de distribuição geográfica de certas espécies devem ser levantadas, em virtude das
características geológicas da área (conforme citado anteriormente). Quanto à bacia do rio
Tapajós, representada pelo rio Bararati, muito pouco pode ser discutido em virtude das poucas
amostragens feitas.
A maior diversidade encontrada no rio Sucunduri, na área de Terra Preta, denota uma
melhor amostragem e acesso a diferentes ambientes, indicando fortemente que a diversidade
encontrada é fortemente dependente da variedade de ambientes amostrados.
Muito pouco pode ser discutido sobre similaridade faunística entre as duas bacias
(Madeira e Tapajós) em virtude da denotada diferença de esforço amostral entre ambas e
consequente limitado levantamento. Para a bacia do Sucunduri, na área da Serra do Biquini
(FLOREST do Sucunduri) foram amostrados apenas nascentes e igarapés de 1ª ordem e um
pequeno trecho do rio Sucunduri. Na localidade Terra Preta (FLOREST de Apuí), apesar de
ter sido a área de maior esforço amostral para ictiofauna, vários ambientes observados,
potencialmente ricos em peixes e com ictiofauna diferenciada, não foram amostrados devido
às dificuldades de acesso e tempo limitado. Coletas em outras épocas do ano e em sistemas
inacessíveis ou mesmo inexistentes no período de vazante/seca, como trechos à montante de
grandes cachoeiras, igapós, igarapés e poças temporárias, poderiam proporcionar informações
adicionais importantes.
Para a bacia do Bararati (PAREST do Sucunduri), a calha principal não foi
cientificamente amostrada. Torna-se necessária a realização de amostragens neste local, visto
que o presente inventário foi muito insuficiente. Além disso, pela heterogeneidade de habitats
observados e diversidade taxonômica (singular) do único igarapé amostrado desta bacia,
espera-se que o Bararati corresponda com o mesmo padrão de elevada diversidade e
abundância de peixes.

80
3.2. Caracterização do meio físico das bacias hidrográficas (Prancha 1, Figuras 1-
7)
A fisiografia da área amostrada é fortemente influenciada pelo Domo do Sucunduri,
resultado de um soerguimento de rochas sedimentares, que distribuídas paralelamente formam
um grande complexo de serras baixas em espiral. Esta formação influencia diretamente nos
padrões de drenagem das bacias hidrográficas regionais, diferenciando três tipologias
principais que tiveram sua ictiofauna amostrada e são descritas adiante.
Representantes de duas bacias foram amostrados: rio Sucunduri, da bacia do rio
Madeira, e rio Bararati, da bacia do rio Tapajós. A área amostrada do rio Sucunduri
representa um trecho muito superior do rio, bem próximo às cabeceiras do mesmo. O ponto
mais a oeste (ocidental) amostrado desta área é graficamente muito próximo ao rio Juruena,
último grande afluente do rio Tapajós, distando menos de 50 km em linha reta da margem do
rio Juruena e cerca de 500 km da sua foz no rio Canumã, que deságua no rio Madeira. No seu
trecho inferior, o rio Sucunduri também aparece como rio Canumã em alguns mapas. O rio
Bararati também foi amostrado em um trecho bem superior. Seu ponto mais ocidental dista
menos de 30 km da margem do rio Juruena em linha reta, porem se encontra a mais de 300
km da sua foz, no rio Juruena, quase na confluência do rio Juruena com o Tapajós.
Ou seja, os pontos amostrados representam a área onde ocorrem os pequenos
formadores das grandes drenagens (Madeira e Tapajós), áreas de cabeceiras e de igarapés de
1ª ou nascentes, 2ª, e 3ª ordens. A seguir, é apresentada uma caracterização das áreas
amostradas.

1. Alto rio Sucunduri (Serra do Biquini): região com drenagem estruturada sobre
afloramentos rochosos caracterizando um substrato de lajedo, pouco sinuoso, com trechos
espraiados e de corredeiras intercaladas (Figura1). A distância entre as margens varia entre 20
e 25 metros e a profundidade entre 0,5 e 1m (na estação seca). A largura do rio, neste trecho,
permite bastante incidência solar com afloramentos rochosos com vegetação submersa bem
evidente. A elevada transparência da coluna d’água permite que a luz atinja o substrato,
comumente colonizado por algas perifíticas. A grande variação altitudinal possibilita a
formação de cachoeiras de até 20m no rio Sucunduri e de grotas que dominam a paisagem da
região, originando igarapés temporários de pequeno porte (até segunda ordem) onde se
formam poças nos períodos de estiagem (Figura 2);

2. Médio rio Sucunduri (localidade Terra Preta): região dominada por um platô de
floresta de terra firme onde se formam lagos dentro da mata (Figura 3), enquanto na calha

81
principal, o substrato mantêm-se rochoso e a distância entre as margens se mantem próxima
dos 20m, como nos trechos superiores. Com a calha mais encaixada, a profundidade média
passa a variar de 1m, nas margens e trechos de corredeiras, até 2-3m nos pontos mais
profundos do meio da calha. No trecho médio do rio Sucunduri, o aumento da sinuosidade
possibilita o aparecimento de trechos mais caudalosos e diminui a freqüência de cachoeiras
(Figura 4). Muitas destas quedas d’água ficam cobertas durante a cheia (informação dos
moradores das áreas próximas). Neste trecho, os igarapés das sub-bacias que drenam a
margem direita do rio Sucunduri são mais heterogêneos em sua estrutura e entre si (Figura 5).
Com leito predominantemente rochoso-seixoso, correndo em falhas da rocha matriz, esses
igarapés são menos sinuosos e variam mais na distância entre suas margens. No igarapé do
Paneiro, as margens variam de 2m, com profundidade média de 15cm nos trechos
encachoeirados, até 7m, nos trechos de remanso e poções com profundidade média de 40cm, e
bastante incidência solar. No igarapé do Moreru, a distância entre as margens varia de 6m até
20m e a profundidade de 15 a 50cm, e ocorrem diferentes tipos de habitat: encachoeirados,
corredeiras seixosas e espraiados de fundo arenoso, cobertos ou não por folhiço ou vegetação
submersa. Nas sub-bacias que drenam a margem esquerda do rio Sucunduri, mesma margem
do Domo, os igarapés do Caititu, de São Manuel e do Inferno são mais estreitos e mais
homogêneos em sua estrutura e entre si. Ainda que sua maior sinuosidade permita a
ocorrência de poções, ambos possuem substrato arenoso e médias de distância entre margens
(6m) e profundidade (60cm) similares (Figura 6). A menor distância entre as margens é
acompanhada por vários trechos sombreados ao longo desses igarapés;

3. Médio rio Bararati (vale do Bararati): drenando um grande vale imediatamente à


face externa do Domo, no período de vazante, o médio Bararati apresenta uma calha com
dimensões similares a do médio Sucunduri. Diferencia-se pela menor influência do complexo
de serras do Domo em sua estrutura, sendo predominantemente arenoso e drenando um platô
com manchas de floresta de igapó alagáveis durante a cheia nos seus trechos mais sinuosos.
Com largura entre 20 a 25 metros, o rio Bararati também apresenta forte incidência solar.
Afluentes como o igarapé do Candirú (Figura 7) são muito meandrados, de substrato arenoso,
porém com manchas de folhiço, galhos e raízes adventícias, margens com média de 4m de
distância e profundidade média de 40cm variando entre remansos e poções. Apesar de bem
mais estreito que o seu rio principal (Bararati), o igarapé do Candiru recebe grande penetração
de luz solar a qual pode ser demonstrada pela grande incidência de algas no seu leito arenoso.

82
3.1. Resumo dos resultados por área:
3.1.1. Alto Sucunduri - nas áreas de corredeiras e lajedos de pedras, houve ocorrência
de alta abundância de espécies bentônicas, com nadadeiras bem desenvolvidas
(Melanocharacidium cf. depressum - Crenuchidae); presença de espécies com boca inferior
(Leporinus pachycheilus – Anostomidae; ou boca em forma de ventosa (2 espécies de
Ancistrus e uma de Hypostomus - Loricariidae), possibilitando o uso de recursos junto as
corredeiras de lajedos de pedra. Foi observada notada pobreza de espécies em tributários
temporários de 1ª ordem ou nascentes. Algumas das espécies nessas áreas possuem
adaptações para respiração aérea acessória (Erythrinidae), enquanto outras são anuais
(Rivulidae);

3.1.2. Médio Sucunduri - alta ocorência de espécies pastadoras de perifíton


(Loricariidae, Heptapteridae) e criptobióticas (Trichomycteridae, Heptapteridae e
Gymnotidae) nos tributários da margem direita, mais rasos e rápidos com substrato de
cascalho cobertos por folhiço; ocorrência de espécies bentônicas (Loricariidae, Crenuchidae),
e catadoras de superfície (Bryconinae, Characidiinae) nos tributários da margem esquerda,
com mais remansos e substrato arenoso; e, de espécies de maior porte e com ampla
distribuição pela bacia Amazônica (p.e. Serrasalminae, Characinae, Ctenolucidae,
Bryconinae) na calha principal do rio Sucunduri;

3.1.3. Bacia do Bararati - elevada abundância e alta diversidade de espécies de


pequeno porte (p.e. Heptapteridae, Trichomycteridae, Hypopomidae) no igarapé do Candiru,
denotando um sistema com em equilíbrio, aliado a ausência total de pressões antropogênicas e
presença marcante de espécies de grande porte com tamanho corporal acima do usualmente
encontrado no rio Bararati, um indicador da baixa pressão sobre esses estoques na região.

83
Tabela 1. Pontos amostrados:
Latitude Longitude
rio Sucunduri, trilha do Juruna 8° 35.410’ S 59° 9.174’ W Rio Sucunduri, Bikini
Cachoeira do Sucunduri 08° 35.152’ S 59° 9.186’ W Rio Sucunduri, Bikini
igarapé s/nome, 1a. Ordem 08° 34.276’ S 59° 08.371’ W Rio Sucunduri, Bikini
Cachoeira do Poraque 7 ° 44.064’ S 58° 49.584’ W Rio Sucunduri, Terra Preta
Ilha da Terra Preta 7° 46.774’ S 58° 50.856’ W Rio Sucunduri, Terra Preta
igarapé do Moreru 7° 45.745’ S 58° 48.995’ W Rio Sucunduri, Terra Preta
igarapé de São Manoel 7 ° 46.631’ S 58° 50.651’ W Rio Sucunduri, Terra Preta
cachoeira do Inferno 7 ° 48.535’ S 58° 52.870’ W Rio Sucunduri, Terra Preta
igarapé do Inferno 7 ° 81.294’S 58° 54.016’ W Rio Sucunduri, Terra Preta
igarapé do Candiru 8° 21.280’ S 58° 36.8988’ W Rio Bararati, Bararati

Tabela 2. Lista de espécies geral (Bikini + Terra Preta + Bararati):

BIKINI TERRA PRETA BARARATI


RAJIFORMES
Potamotrygonidae
Potamotrygon orbignyi X
CHARACIFORMES
Acestrorhynchidae
Acestrorhynchus falcatus X X
Anostomidae
Leporinus aripuanensis X
Leporinus fasciatus X
Leporinus friderici X
Leporinus granti X
Leporinus pachycheilus X
Characidae
Agoniates halesinus X
Aphyocharacidium bolivianum X
Brachychalcinus sp. X
Brycon amazonicus X
Brycon sp. X
Bryconops affinis X
Bryconops cf. alburnoides X
Bryconops cf. caudomaculatus X
Bryconops sp. X
Charax cf. gibbosus X
Creagrutus sp. X
Hemigrammus analis X
Hemigrammus bellottii X X
Hemigrammus gr. Bellottii X X
Hemigrammus ocellifer X
Hemigrammus sp. X X
Hyphessobrycon (gr. Serpae) eques X
Hyphessobrycon sp. X
Jupiaba anteroides X X
Jupiaba asymmetrica X X
Jupiaba cf. asymmetrica X

84
Jupiaba zonata X
Knodus sp. X
Knodus sp.2 X
Moenkhausia ceros X
Moenkhausia collettii X
Moenkhausia cotinho X
Moenkhausia gr. Lepidura X X
Moenkhausia gracilima X
Moenkhausia oligolepis X X
Myleus rubripinnis X
Myleus schomburgki X
Myleus sp. X
Myleus torquatus X
Odontostilbe cf. hasemani X
Poptella compressa X
"Pristobrycon striolatus" X
Serrasalmus eigenmanni X X
Serrasalmus rhombeus X X
Serrasalmus spilopleura X
Triportheus albus X
Xenurobrycon sp. X
Crenuchidae
Characidium sp. X X
Characidium sp. 2 X
Elachocharax pulcher X
Melanocharacidium cf. depressum X
Melanocharacidium pectorale X
Melanocharacidium sp. X
Ctenolucidae
Boulengerella cuvieri X
Curimatidae
Cyphocharax notatus X
Cyphocharax sp X
Cynodontidae
Hydrolycus tatauaia X
Erythrinidae
Erythrinus erythrinus X X
Hoplerythrinus unitaeniatus X X
Hoplias aimara X X
Hoplias malabaricus X X
Gasteropelecidae
Carnegiella strigata X
Hemiodontidae
Argonectes longiceps X
Hemiodus amazonum X
Hemiodus cf. thayeria X
Hemiodus gracilis X
Hemiodus unimaculatus X
Lebiasinidae
Pyrrhulina sp. gr. brevis X
SILURIFORMES
Aspredinidae
Bunocephalus coracoideus X

85
Bunocephalus granulosus X
Auchenipteridae
Auchenipterichthys longimanus X
Callichthyidae
Megalechis thoracata X
Cetopsidae
Helogenes marmoratus X
Doradidae
Amblydoras affinis X
Amblydoras sp. X
Heptapteridae X
Brachyglanis sp. X
Cetopsorhamdia sp.X X
Cetopsorhamdia sp.2 X
Cetopsorhamdia sp.2a X
Gladioglanis sp. n. "brevis" X
Gladioglanis sp. n. sem espinho X
Imparfinis sp. X
Phenacorhamdia sp. X
Pimelodella cf. cristata X
Pimelodella cf. cristata -com barra X
Pimelodella cristata X
Pimelodella sp. X 'faixa' X
Pimelodella sp. 2 'faixas' X
Rhamdia sp. X X
Loricariidae
Ancistrus sp. Xadrez X
Ancistrus sp.'faixas' X X
Ancistrus sp.'liso' X X
Farlowella cf. mariaelenae X
Hypostominae X
Hypostomus gr. Plecostomus X
Hypostomus sp. (ex sp.2) X
Loricaria sp. X
Otocinclus mura X
Parotocinclus eppleyei X
Spatuloricaria sp. X
Pimelodidae
Pimelodus albofasciatus X
Pseudopimelodidae
Microglanis sp. X
Trichomycteridae
Ituglanis sp. X
Ochmacanthus sp. X
Trichomycterus cf. hasemani X
GYMNOTIFORMES
Apteronotidae
Apteronotus albifrons X
Hypopomidae
Brachyhypopomus cf. brevirostris X
Hypopygus gr. Lepturus X
Steatogenys cf. duidae X
Gymnnotidae

86
Gymnotus sp. X
Electrophorus electricus X
Rhamphichthyidae
Gymnorhamphichthys cf. rondoni X
Gymnorhamphichthys sp. X
PERCIFORMES
Cichlidae
Aequidens tetramerus X
Crenicichla sp. X
Heros severus X
Heros sp. X
Satanoperca jurupari X
Satanoperca sp. X
SYNBRANCHIFORMES
Synbranchidae
Synbranchus marmoratus X
TOTAL 24 86 31

Tabela 3. Principais ordens de peixes amostradas por área e total:


TOTAL BIKINI TERRA PRETA BARARATI
CHARACIFORMES 58,1 69,2 63,5 41,4
SILURIFORMES 29,8 19,2 29,4 37,9
GYMNOTIFORMES 6,5 0,0 3,5 17,2
OUTRAS 5,6 11,5 3,5 3,4
N ESPÉCIES 124 26 84 29

87
Figura 2

Figura 1

Figura 4

Figura 6
Figura 3

Figura 7

Figura 5

Prancha 1 - Ambientes amostrados


Figura 1. Trecho encachoeirado com substrato de lajedo no alto rio Sucunduri (Cachoeira do Inferno)
Figura 2. Poça marginal formada durante o inverno e isolada no período de verão.
Figura 3. Lago temporário em platô de terra firme no rio Sucunduri.
Figura 4. Trecho caudaloso do médio rio Sucunduri.
Figura 5. Trecho sinuoso e de substrato rochoso-seixoso no igarapé do Moreru.
Figura 6. Fundo arenoso-seixoso em trecho de margens esparsas no igarapé do Caititu.
Figura 7. Trecho com fundo arenoso, coberto por folhiço no igarapé do Candiru.

Fotos: C. Marinelli

88
Prancha 2- CHARACIFORMES
A-Serrasalmus eigenmanni- INPA 26108- CP 144,6mm
B-Jupiaba cf. asymetrica-INPA 26138-CP 90,9mm
C-Cyphocharax sp.-INPA 26152-CP 28,4mm
F-Moenkhausia cf. comma- INPA26099- CP 47,4mm
G-Melanocharacidium cf. depressum INPA26156- CP 44,6mm
H-Knodus sp. INPA26150-CP 37,2mm

Fotos: O. M. Ribeiro e A. Canto

89
Prancha 3- SILURIFORMES
A-Helones marmoratus INPA26165- CP 29.00mm
B-Brachyglanis sp.INPA26222- CP 35.07mm
C- Rhamdia sp.INPA26163- CP 48.47mm
D-Spatuloricaria sp.INPA26188-CP 62.56mm
E-Ancistrus sp. liso_INPA26185-CP 29.89mm
F-Parotocinclus eppleyi INPA26186a-CP 20.44mm
G-Pimelodella sp.2faixasINPA26169-CP 35.5mm
H-Trichomycterus hasemani - INPA26166-CP 18.81mm

Fotos: O. M. Ribeiro e A. Canto

90
Prancha 4- PERCIFORMES, GYMNOTIFORMES e SYNBRANCHIFORMES
A-Satanoperca jurupai INPA26219-CP 130.29mm
B-Aequidens tetramerus INPA26101-CP 98.00mm
C-Crenicichla cf. urosema NPA26095-CP 183.73mm
D-Crenicichla sp.INPA26226- CP 20.37mm
E-Hypopygus cf. lepiturus INPA26132- CP 34.81mm
F-Apteronotus albifrons INPA26189- CP 89.94mm
G-Gymnorhamphichthys cf. rondoni INPA26167-CP 68.53mm
H-Symbranchus marmoratus INPA26175- CP 107.88mm

Fotos: O. M. Ribeiro e A. Canto

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Agradecimentos
Fotos de ambiente são de C.E. marinelli; para as fotos realizadas em laboratório
agradecemos os serviços de O. M. Ribeiro e A. Canto e colaboração de S.S. Souza; imagens
editadas por O.M.Ribeiro. No trabalho de campo, agradecemos a todos da equipe e
particularmente Carlos Sotero (INPA).

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