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Tipos de Conflito em Narrativas

07 de Novembro de 2017

Autor: Kaio Gabriel

Conflitos são os obstáculos que as personagens precisam enfrentar para ter seus objetivos
atendidos.

Eles são o principal recurso para mostrar ao invés de contar. Não diga que o protagonista é
forte, coloque-o em um conflito onde ele possa usar a força. Não diga que o antagonista é
colérico, coloque-o em um conflito onde ele possa exprimir toda sua fúria.

Ademais, são os conflitos que movem a história para frente. E essa sensação de progresso é o
fator mais importante para manter o seu leitor virando as páginas. Claro que saber construir
cenários e personagens é fundamental, mas são os conflitos que permitem colocá-los à prova.
Os conflitos os relacionam, os testam e os confrontam. Do resultado, então, é que o progresso
é feito.

Em linhas gerais, os conflitos possuem dois grandes objetivos:

1. Gerenciar a tensão

A tensão é criada pela quantidade e pela profundidade dos conflitos. E gerenciá-la significa
diversificar o uso deles. Não é todo o conflito que precisa ser profundo, e você não precisa
manter o protagonista lidando com vários o tempo todo para sustentar o interesse na trama.

Ainda assim, se sua história estiver muito parada, provavelmente está faltando conflito. E se
sua história estiver muito saturada, difícil de digerir, pode ser que você esteja abordando
conflitos demais ao mesmo tempo. Nesse caso, dê um descanso ao leitor.

É importante saber administrar os altos e baixos. Enquanto a alta tensão vicia, os momentos
de baixa ajudam a preparar e a enfatizar os de alta.
2. Desenvolver Personagens

Apesar de tudo, os conflitos nada seriam sem as reações das personagens. Cada um deles, por
menor que seja, é uma oportunidade de mostrar quem suas personagens são e em quem elas
estão se transformando.

Por maior que seja a expectativa do conflito, o que define se o resultado foi ou não
satisfatório é a maneira como as personagens lidam com eles.

Aqui você ficar atento para duas coisas: saber qual traço de personalidade você quer enfatizar,
e saber se a reação foi congruente com isso.

É legal se perguntar com frequência se você está tirando o máximo dos conflitos. Será que
você escreveu algum só para “cumprir tabela”? Se não, por que você o inseriu na trama? Ele
está valorizando o seu mundo e as suas personagens?

Se achar que falta algo ou que dá para ficar melhor, comece analisando os tipos de conflitos
em uso. Diversificando o tipo, você pode descobrir outra maneira de entregar o que planejava.

Conflitos Internos e Externos

Essa classificação remete à origem da força de oposição. Ela pode ser tanto interna à
personagem, referente a problemas emocionais e psicológicos, quanto externos a ela,
referente a algo que esteja no ambiente.

Embora seja importante pensar em conflitos sob esse ponto de vista, procurando sempre
equilibrar os dois, é difícil isolá-los completamente. Um conflito interno possui uma
consequência externa e vice-versa. E é essa dinâmica que ajuda a criar a profundidade do
enredo.

Escapar de uma ponte pênsil prestes a desabar é, sem dúvida, um conflito externo. Mas se
isso conseguiu despertar o lado corajoso adormecido na personagem, houve um reflexo
interno.

Pode ser também que a personagem luta contra a decisão de trair ou não um suposto aliado,
porque, embora ele tenha provado que suas intenções não sejam boas, ela a ama. Apesar
dessa dualidade ser um conflito interno, o ato da traição será externo.
Tipos de Conflitos

1. Personagem contra Personagem

Uma guerra de braço, um duelo de pistolas ou um bate-boca. Um dos lados pode ser
representado tanto por um indivíduo quanto por um grupo, e o embate pode ser tanto físico
quanto psicológico.

É esse o conflito principal da grande maioria dos romances. Seja Harry enfrentando
Voldemort, seja os cinco exércitos lutando ao pé da Montanha Solitária. Isso sem esquecer dos
jogos mentais, como entre Clarice e Hannibal em O Silêncio dos Inocentes, ou entre Nick e
Amy em Garota Exemplar.

2. Personagem contra Natureza

Um animal selvagem, o clima severo, a falta de comida ou qualquer adversidade imposta pela
natureza. O próprio título de O Velho e O Mar já anuncia os dois lados do conflito que marca o
livro inteiro. Pode ser também encontrado na eterna busca do capitão Ahab pela Moby Dick,
ou no drama vivido por Aron Ralston em 127 horas.

3. Personagem contra Sociedade

Um governo tirano, um preconceito, a adaptação a uma nova cultura ou qualquer outro


confronto que evidencie um padrão social. A personagem pode tanto sucumbir a ele, como em
1984, rejeitá-lo, como em Dança com Lobos, ou transformá-lo, como em Jogos Vorazes.

4. Personagem contra Si Mesma

É aqui que os conflitos internos se encaixam. Mesmo que eles sejam causa ou consequência de
um externo que caia em outro grupo, a luta interna é sempre contra si mesmo. Os livros que
trazem esse tipo conflito como principal geralmente giram em torno de uma importante
decisão da personagem.

Isso pode ser visto na procura por uma vocação em O Apanhador no Campo de Centeio ou no
isolamento em O Lobo da Estepe. Nesses dois exemplos o reflexo externo é um conflito contra
a sociedade. Interessante também é O Médico e O Monstro, em que um dos reflexos externos
continua sendo a personagem contra si mesma.
5. Personagem contra O Sobrenatural

Um monstro à solta ou um terror inimaginável, é algo que foge à compreensão natural. Muitos
o consideram como um caso especial do conflito contra a natureza. É o atrativo de uma boa
parte dos livros de horror, como em A Coisa ou O Chamado de Cthulhu.

6. Personagem contra Tecnologia

Uma inteligência senciente, uma arma nuclear ou uma máquina do tempo. É comum que a
tecnologia seja usada para evidenciar um conflito maior do que ela, muitas vezes ligado à
própria sociedade. Isso pode ser visto em Admirável Mundo Novo ou Farenheit 451.

Ainda assim, um conflito direto com a tecnologia aparece com HAL 9000 em 2001:Uma
Odisseia no Espaço ou com os robôs nos contos de Eu, Robô.

7. Personagem contra O Destino

Uma profecia, a própria sorte ou qualquer outro confronto originado por forças maiores.
Embora alguns o coloquem em sua própria categoria, ele sempre é mostrado através de um
dos tipos acima. Em A Batalha do Apocalipse, por exemplo, temos o Dia do Juízo Final como
convergente de todos os confrontos, mas as lutas principais são de personagens contra
personagens.

Pensamentos Finais

Os exemplos dados foram de livros que trazem aquele conflito como mais evidente, mas você
já deve ter percebido que muitos deles oscilam entre mais de um tipo. Mesmo que você eleja
um como principal, explore os outros em seus conflitos secundários.

Os secundários são importantes para aprofundar o cenário e dar novas dimensões às suas
personagens. É difícil explorar esses dois elementos a fundo se todo o conflito for uma batalha
épica entre o bem e o mal.

Há ainda algumas dicas úteis de como apresentar os conflitos, mas isso eu deixo para próxima
semana… Até lá!
Sobre o Autor

Autor

Kaio Gabriel

Natural de Floripa e, curioso pelos mistérios da natureza, acabou se formando em engenharia


mecânica, sem nunca deixar de rabiscar suas histórias. Desenha com mais vontade do que
habilidade, faz trilhas esporadicamente, curte um bom rock clássico e toca violão para as
paredes. Adepto ao minimalismo ainda com tralhas a serem jogadas fora na próxima
mudança. Jogador de RPG de mesa quando possível, mas se contenta sendo o narrador. Aos
fins de semana, também gosta de levantar debates filosóficos sofistas.

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