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Até então, constatou-se que, iniciada a execução do plano delitivo, motivado por

aquela vontade inicial, portadora do inequívoco animus laedendi, o agente demonstra


indubitavelmente a presença dos elementos subjetivos do delito (dolo ou fins específicos)
em sua mente, por meio do liame que os une ao modo como os atos são executados e aos
danos concomitantemente ocasionados. Estes representam a procura incessante pelo
resultado típico pretendido, constituído pelos elementos objetivos do crime de resultado
naturalístico.
Não obstante, pode ocorrer de, no curso do procedimento de execução, o agente,
voluntariamente, desistir de prosseguir com os atos necessários ainda pendentes ou, se já
os houver terminado, impedir que tais atos provoquem aquele resultado típico antes
querido.

Na denúncia consta que o acusado, ao efetuar os


golpes de faca, deu início a um crime de homicídio que não se consumou por
circunstâncias alheias à sua vontade, qual seja, o pronto atendimento médico prestado à
vítima (fl. 03).
O perigo de vida é circunstância que também
qualifica o crime de lesão corporal (artigo 129, § 1º, inciso II, do Código Penal). Para a
caracterização da tentativa de homicídio é necessário que o agente seja interrompido
durante os atos de execução ou esgote os meios para atingir seu intento, o que não é a
hipótese dos autos. O apelado, depois de desferir um golpe com faca, absteve-se de
causar mais ferimentos na vítima por vontade própria, pois em nenhum momento foi
impedido de prosseguir na empreitada criminosa.
Ora, se é possível ao agente prosseguir na execução
da conduta criminosa, e assim não o faz por vontade própria, opera-se a chamada
desistência voluntária.

Em que pese a conclusão do laudo de fls. 81, de que as lesões


sofridas pela vítima resultaram em perigo de vida, é certo que o perigo de vida e
posterior atendimento médico, em sentido oposto ao afirmado na denúncia, não
autorizam, por si só, o reconhecimento da tentativa de homicídio. O perigo de vida é
circunstância que também qualifica o delito de lesão corporal (art. 129, § 1°, inciso II,
do Código Penal). Para a configuração da tentativa de homicídio é necessário que o
agente seja interrompido durante os atos de execução ou esgote os meios para atingir
seu intento, o que não é o caso dos autos. O réu, depois de desferir dois golpes com
faca, absteve-se de causar mais ferimentos na vítima por vontade própria, pois em
nenhum momento foi impedido de prosseguir na empreitada criminosa. Está consignado
no referido laudo que a vítima foi atingida na região lombar direita e na abdominal.
Noutras palavras, conforme restou decidido nos autos do
Recurso em Sentido Estrito nº 2002 04 1 012172-8, “O perigo de vida, circunstância que
qualifica a lesão corporal, nem sempre é suficiente para tipificar a tentativa de homicídio.
Necessário que a morte deixe de ocorrer por circunstâncias alheias à vontade do agente, quer
porque esgotados os meios de que dispunha na sua execução, quer porque impedido de
prosseguir com seu intento” (2ª Turma Criminal, D.J. de 28.2.7).
Se é possível ao agente prosseguir na execução da empreitada
criminosa, e assim não o faz por vontade própria, opera-se a desistência voluntária.
Nesse sentido, a doutrina:

“É condição essencial que a não consumação do crime resulte de


'circunstâncias alheias à vontade do agente'. Se o agente, de sua própria iniciativa
ou por sua livre vontade, interrompe a atividade executiva ou, já exaurida esta,
evita que se produza o resultado antijurídico, a tentativa deixa de ser punível
como tal, ressalvada apenas a punibilidade dos atos anteriores (preparatórios ou
executivos) quando constituam crimes por si mesmos...” (HUNGRIA, Nélson.
FRAGOSO, Heleno Cláudio, Comentários ao Código Penal, 6ª ed., Ed. Forense,
RJ, 1983, t. II, vol. I).

Em recurso de caso análogo, de que fui também relator,


decidiu esta turma que “Desiste voluntariamente de cometer homicídio quem, depois de
atingir a vítima com faca, pelas costas, abstém-se de contra ela desferir novos golpes sem que
alguma circunstância alheia à sua vontade o impedisse” (Rse nº 1999 03 1 007604-2,
julgado em 27.10.5, D.J. de 11.1.6, pág. 25).
Diante das provas coligidas nestes autos, tenho como
incidente o art. 15 do Código Penal.

PROCESSUAL PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ART. 121, § 2º, II, C/C
ARTIGO 14, INCISO II E ARTIGO 73 DO CP - RECURSO MINISTERIAL. PRONÚNCIA
- PROVAS INSUFICIENTES - INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 
O caderno processual deve conter, pelo menos, indícios de que o acusado agiu com
animus necandi, contudo foi impedido por circunstâncias alheias à sua vontade,
para que ele seja pronunciado e submetido a julgamento pelo Sinedrium Popular.
Se ao acusado podia matar e não o fez, configurada está a desistência voluntária.
(20010310019975RSE, Relator ROMÃO C. OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, julgado
em 23/09/2004, DJ 24/11/2004 p. 65)

Recurso em sentido estrito. Tentativa de homicídio. Ausência de animus necandi.


Desistência voluntária. Desclassificação. 
1. Para a configuração da tentativa é necessário que o agente, depois de iniciada a
execução do crime, tenha obstada sua intenção de consumá-lo por circunstâncias
alheias à sua vontade. 
2. Tratando-se de tentativa de homicídio, mediante emprego de instrumento
pérfuro-cortante, improcedente a imputação se o réu produz lesão na coxa da
vítima e, embora estivesse ela à sua mercê, voluntariamente interrompe o iter
criminis. O socorro médico imediato somente pode ser causa impeditiva da
consumação do delito quando esgotados os meios de execução.
(20010810011319RSE, Relator GETULIO PINHEIRO, 2ª Turma Criminal, julgado em
12/02/2004, DJ 24/03/2004 p. 40)

PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO


TENTADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA. DESISTENCIA
VOLUNTÁRIA. RECONHECIMENTO. DESCLASSIFICAÇÃO. REDISTRIBUIÇÃO PARA
JUÍZO DIVERSO DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO PROVIDO.
1. Para a caracterização da desistência voluntária é necessário que o agente cesse
espontaneamente a sua conduta, sem qualquer outra intervenção ou coação. 
2. Na hipótese, segundo depoimento da própria vítima perante o Juiz do
Conhecimento, o recorrente, apesar de estar desferindo golpes de faca em seu
corpo, atendeu a sua súplica e, desistiu voluntariamente de sua empreitada
criminosa.
3. Dado provimento ao recurso do réu para desclassificar a sua conduta como delito
outro que não da competência do Tribunal do Júri.
(20090310302263RSE, Relator JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal,
julgado em 20/01/2011, DJ 31/01/2011 p. 178)

PENAL. PROCESSO PENAL. JÚRI. ART. 121, § 2º, INCISO II, C/C ART. 14, II,
AMBOS DO CÓDIGO PENAL. RAZÕES FORA DO PRAZO. MERA IRREGULARIDADE.
PERIGO DE VIDA. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. DESCLASSIFICAÇÃO. MINISTÉRIO
PÚBLICO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. IMPROVIDO. 
1. Interposto tempestivamente o recurso, mediante termo ou petição, o
oferecimento tardio das razões constitui mera irregularidade.
2. Para a caracterização da tentativa de homicídio é necessário que o agente
interrompa os atos de execução por circunstância alheia à sua vontade ou esgote
os meios para atingir o seu desiderato.
3. O perigo de vida e posterior atendimento médico não autorizam, por si só, o
reconhecimento da tentativa de homicídio, pois constitui também, circunstância
qualificadora do crime de lesão corporal, nos termos do artigo 129, § 1º, inciso II,
do Código Penal.
4. Desiste voluntariamente de cometer o crime de homicídio quem, depois de
atingir a vítima com uma facada, abstém-se de contra ela desferir novos golpes,
embora pudesse, não havendo qualquer circunstância alheia à sua vontade
impedindo-o de prosseguir no delito.
5. Recurso conhecido e improvido.(20050111133745RSE, Relator GISLENE
PINHEIRO, 2ª Turma Criminal, julgado em 21/02/2008, DJ 07/05/2008 p. 140)

CONFIGURA A DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA QUANDO O AGENTE, PODENDO


PROSSEGIR NA EXECUÇÃO DO CRIME, SE ABSTEM, RESPONDENDO PELO DELITO
REMANESCENTE., o que ensejará a desclassificação do delito.

MANTÉM-SE A SENTENÇA DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 408 DO CPP,


SE PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO NÃO SE PODE EXCLUIR, DE FORMA
CATEGÓRICA, A OCORRÊNCIA DE DOLO EVENTUAL NA CONDUTA QUE RESULTOU
NA MORTE DA VÍTIMA

PENAL. ART. 121, CAPUT, C/C O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA - LEGÍTIMA DEFESA - TESE QUE NÃO DESPONTA INEQUÍVOCA.
DESCLASSIFICAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. 
Se, da prova colhida no curso da instrução, a alegada legítima defesa não aflora de
maneira clara e inequívoca, não se cogita de absolvição sumária.
A desclassificação do crime de homicídio, na fase de pronúncia, com o propósito de
afastar o animus necandi, só é possível na presença de prova induvidosa.
Quem desfere golpe de faca, atingindo a região de letalidade presumível, em tese,
age com animus necandi ou assume o risco do resultado morte - dolo eventual -
pois não pode ignorar o risco a que foram expostos órgãos vitais.
(20090310279232RSE, Relator ROMÃO C. OLIVEIRA, 1ª Turma Criminal, julgado
em 08/07/2010, DJ 26/08/2010 p. 177)

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