Autismo:
uma questão de ciência ou de ideologia?1
The Autism: question of science or ideology?
Ramón Menéndez
Tradução: Elisa Rennó dos Mares Guia
Resumo
As recentes decisões políticas sobre a questão do tratamento do autismo na França tendem a
promover técnicas educativas e comportamentais. Tal posicionamento se opõe à psicanálise e
defende o progresso e as ciências. O presente artigo descreve os aspectos ideológicos e políti-
cos do trabalho de Eric Schopler, conhecido por ter desenvolvido o programa TEACCH2 que
visa ao tratamento de crianças autistas. Este programa é, frequentemente, citado como modelo
a ser seguido. Schopler enfatiza o trabalho com os pais, e não se preocupa muito com a di-
mensão subjetiva das crianças. Ele organiza uma rede de pais de crianças autistas e junto com
eles pressiona o poder legislativo para que o autismo seja reconhecido como uma deficiência.
Eles também reivindicam o desenvolvimento de sua técnica para a criação de um programa no
Estado da Carolina do Norte (EUA). Os aspectos clínicos e científicos de seu trabalho parecem
não apresentar um grande rigor.
I
Contrariamente ao que pensamos, a transpo- totalitários. Isto é feito de maneira insidiosa,
sição do autismo em direção à categoria das não através de leis que provêm de um estado
doenças genéticas e à categoria de deficiên- de exceção, e sim de um trabalho sutil que
cia não corresponde aos critérios clínicos ou tende a substituir esta configuração por uma
científicos. A ciência aplicada é, de maneira panóplia de leis, produto de um trabalho
pouco ou bastante significativa, submetida realizado pelos grupos de opressão com inte-
às leis do mercado. Nesse sentido, ela não é resses heteróclitos (AGAMBEN, 2003). Mas
neutra e os postulados que a sustentam pro- estes grupos são susceptíveis de ser galvani-
vêm de uma posição ética. Apesar dos esfor- zados às finalidades políticas e econômicas,
ços feitos para nos fazer acreditar no contrá- em função de um determinado contexto.
rio, existe sim uma ideologia do autismo. O que se passa atualmente na França é,
Assistimos a uma deriva que consiste em dentro deste contexto, uma boa ilustração
dar ao poder legislativo o lugar que corres- desse problema. Três eventos solidários ilus-
ponde ao clínico ou ao científico. Este domí- tram esta tendência tão comum nos dias de
nio político sobre as práticas da saúde não é hoje em todo o mundo. O primeiro é a pro-
nada mais do que um privilégio dos estados posição da lei de Daniel Fasquelle, deputado
1. Título Original: “L’ autisme: Question de science ou d’idéologie?” Primeira versão do artigo publicada na
revista Psychanalyse, 2012/2 n.24, p.51-63. Toulouse: Érès. O artigo foi modificado pelo autor para que algumas
questões políticas fossem apresentadas de forma mais precisa aos leitores brasileiros.
2. TEACCH – Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children: Tratamento e
educação para crianças com autismo e deficiência da comunicação.
do partido de direita francês UMP3 e pre- Como é comum nesse tipo de comba-
sidente do grupo de estudos parlamentares te, os discursos passam, então, a lamentar o
sobre o autismo, que visa à exclusão de toda “atraso” da França neste âmbito. Esta fórmu-
prática, no âmbito da psicanálise, do trata- la busca acentuar uma suposta obsolescên-
mento e acompanhamento de autistas4. O cia das abordagens precedentes, incluindo a
segundo é o relatório da HAS5 sobre o autis- psicanálise, face às novas técnicas baseadas
mo em que a psicanálise é excluída da lista de em provas ditas científicas. Ora, não é nes-
práticas recomendadas para o autismo6. Este ses termos que os problemas reais podem ser
relatório, longe de ser destinado às gavetas definidos. As técnicas educativas preconiza-
de um tecnocrata do ministério da saúde, das para os autistas são tão velhas quanto o
tornou-se, em março de 2012, uma verda- mundo. Peguemos o exemplo de Jean Itard,
deira cartilha de regras dos agentes de saúde discípulo de Philippe Pinel e médico do ex-
que constituem o HAS. Ou seja, os processos tinto “Instituto de Surdos e Mudos” na Fran-
de credenciamento das instituições susceptí- ça que, para conduzir o tratamento do céle-
veis de se ocupar de autistas deverão aplicar bre selvagem de Aveyron ao final do século
a recomendação ao pé da letra. Assim, uma XVIII (ITARD, 1994), se serviu de técnicas
instituição que reivindica a possibilidade de educativas. O mesmo serve para as terapias
utilizar uma prática baseada na psicanálise cognitivas que não são nada mais que uma
ou que se recusa a aplicação de técnicas edu- versão pouco elaborada do comportamenta-
cativas preconizadas por tal relatório, terá o lismo, significante que, com o passar do tem-
seu credenciamento. Esta recusa vem acom- po, tornou-se bastante incômodo em função
panhada de sanções no plano econômico e de seu glorioso passado pelo bloco soviético.
administrativo. O terceiro evento é a declara- Este disfarce de modernidade se trata de
ção de 9 de fevereiro de 2012 feita pelo então uma estratégia destinada a impor uma cor-
primeiro ministro francês François Fillon, rente de pensamento em que o real interesse
que apresentou o Autismo como “A Grande é de ordem econômica e ideológica. Digamos
Causa Nacional do Ano”7. de passagem que, em seu discurso, François
Fillon não se esforça para esconder tais di-
mensões das questões que foram levantadas8.
3. N.T.: UMP – Union pour un mouvement Populaire: Para uma melhor compreensão da dimensão
União por um movimento popular. política dos mecanismos de pressão então
4.http://www.gouvernement.fr/gouvernement/da- utilizados, apresentados como trabalho de
niel-fasquelle-il-faut-sortir-l-autisme-du-moyen-age modernização em nome da ciência, propo-
5. http://www.has-sante.fr/portail/jcms/c_953959/
nho fazer um apanhado histórico.
N.T.: HAS – Haute Autorité de Santé: Alta Autoridade
da Saúde, órgão francês de autoridade pública desti- Uma das recomendações citadas pelo
nado à manutenção do sistema de saúde e da quali- HAS francesa em seu relatório9 é o programa
dade dos tratamentos oferecidos em beneficio dos TEACCH. Seu caso ilustra muito bem o que
usuários. se encontra por trás de um aparente passo
6. Esta decisão suscitou a indignação e reação da co-
científico. Vejamos mais de perto.
munidade psicanalítica na França. Vários eventos,
petições e publicações vêm sendo organizados por di-
versas associações e escolas de psicanálise para discu-
tir a questão. Porém, tal decisão vem trazendo dificul-
dade para os psicanalistas que atuam em instituições 8.http://www.gouvernement.fr/premier-ministre/
que se encarregam de crianças autistas e, consequen- francois-fillon-notre-combat-pour-l-autisme-a-tou-
temente, para a psicanálise. te-sa-part-dans-nos-politiques-pub
7. Houve uma grande campanha que, entre outros 9. http://www.has-sante.fr/portail/upload/docs/appli-
propósitos, associou o tratamento e acompanhamen- cation/pdf/2012-03/recommandations_autisme_ted_
to de autistas a práticas educativas. enfant_adolescent_interventions.pdf
Eric Schopler, psicólogo clínico da Uni- antes dos seis meses de vida. De acordo com
versidade de Chicago nos Estados Unidos, ele, antes dessa idade, todo tipo de alteração
começou sua carreira profissional ao lado de do desenvolvimento pode ser explicado por
Bruno Bettelheim. No entanto, ele se afastou uma falha no sistema de percepção (IDEM,
rapidamente dele. O ponto de partida de sua p.329). Esta conclusão atesta, mais uma vez,
reflexão é constituído por um desacordo so- que o autismo se caracteriza por uma alte-
bre o lugar atribuído por Bettelheim aos pais ração dos receptores de proximidade e que,
das crianças autistas10. Por conseguinte, a consequentemente, ela existe desde o início
resposta à demanda dos pais pode ser con- da vida.
siderada como a palavra de ordem da visão O papel atribuído aos pais está no âmbi-
schopleriana do trabalho com autistas. Ire- to da estimulação. A relação com os pais, diz
mos verificar a maneira pela qual sua refle- Schopler, provoca mudanças fisiológicas que
xão foi constituída para chegarmos à criação irão assegurar uma transição correta entre
do grande programa de estado: TEACCH. os receptores de proximidade e os recepto-
As teses de Schopler são opostas às teses res de distância. O que vale para as crianças
desenvolvidas por Bettelheim. Ele contesta normais pode também ser aplicado para os
a explicação sobre o autismo proposta por autistas. Dessa forma, a estimulação precoce
Bettelheim e, consequentemente, sua atitude dos autistas é necessária para suprir a defi-
com relação aos pais e ao conjunto de con- ciência sensorial. Schopler evoca certas ex-
cepções sobre o tratamento dos autistas. A periências feitas com estímulos elétricos em
explicação inicial do autor se situa no plano que o único limite colocado seria o de evitar
cognitivo. Em um artigo publicado em 1965 provocar pânico na criança.
ele elabora uma teoria sobre a percepção e a Além disso, o autor pensa que a unifor-
memória com o intuito de situar aquilo que, midade dos problemas encontrados por
segundo ele, falha nos autistas (SCHOPLER, Kanner11 não pode ser explicada pela pato-
1965): os receptores. É desta forma que ele logia parental, ela deve corresponder a uma
nomeia os órgãos do sentido. Eles podem ser alteração sensorial. A privação, se ela existe,
classificados em dois grupos: os receptores está no nível da estimulação (SCHOPLER,
de proximidade, que permitem a apreciação 1965). Esta explicação, à qual Schopler não
daquilo que se passa em sua volta, como o retornou durante a sua carreira, constitui a
toque, o gosto e o olfato, e os receptores de matriz que determina a função de cada par-
distância, como a visão e a audição. Os pri- ceiro na gestão do tratamento do autismo.
meiros são desenvolvidos particularmente Chamamos a atenção para o fato de que ela
durante os primeiros meses de vida, e já os não se baseia em trabalhos clínicos rigorosos
segundos, somente alguns meses mais tarde, ou em pesquisas científicas. Trata-se de uma
entre o sexto e oitavo mês. simples hipótese.
Schopler explica a maneira pela qual a
privação do amor materno não pode se en- II
contrar na origem de um retardo no desen- Em 1969 Schopler publica um artigo desti-
volvimento, pois a conceptualização do indi- nado a contestar a ideia de que os pais es-
víduo sobre o exterior e interior, necessária tariam na origem do autismo de seus filhos.
às relações interpessoais, não seria possível Vale a pena ressaltar que ele adere à indigna-
ção dos pais perante as teorias psicodinâmi- direcionados à família, principalmente aos
cas que explicariam a esquizofrenia e a psi- pais, deixando relegado ao último lugar os
cose infantil (SCHOPLER, 1969). De alguma objetivos que concernem à criança. Scho-
maneira, ele se torna o porta-voz da revolta pler retoma os postulados do seu artigo de
desses pais, com uma etiqueta supostamente 1969 e continua a desenvolvê-los. Ele insiste
científica. Assim, sua posição em relação ao de maneira explícita na ideia de apresentar
seu texto de 1965, citado anteriormente, se os pais como vítimas da doença de seus fi-
enrijece. Ao mesmo tempo, ele faz dos pais lhos. A desorganização dos pais das crianças
seus aliados, e não somente no que concerne psicóticas, nos diz Schopler, é uma reação à
ao tratamento das crianças autistas. desorganização psicótica de seus filhos. Para
A falta de rigor científico de suas pesqui- apagar qualquer traço de culpabilidade ele
sas12, especialmente se levarmos em conta enuncia a tese segundo a qual a criança vem
que se trata de alguém que é bastante exigen- ao mundo com uma série de reflexos e de
te no momento de criticar outras visões, só respostas biologicamente determinadas, que
pode ser explicada pela grande intenção de se desenvolvem de maneira relativamente in-
desculpabilizar os pais, para que estes possam dependente com relação às experiências de
melhor aderir à sua causa. Em 1971 Schopler aprendizagem, “como uma criança que nasce
publica um artigo em que pretende apresen- cega”. Os autistas sofreriam particularmente
tar os primeiros resultados de um programa de um problema de comunicação e cogni-
de terapia do desenvolvimento13, colocado em ção. É importante precisar que, em seu texto,
prática por ele em 1966 com a participação Schopler não faz uma distinção clara entre
dos pais de crianças autistas. Mais uma vez autismo e psicose infantil.
ele inicia seu trabalho criticando as demais Mesmo que a causa do autismo permane-
tentativas terapêuticas que o precederam. No ça desconhecida, nos diz o autor, é bastante
que concerne a Bettelheim, ele considera que provável que se trate de uma anomalia neu-
sua terapia nada mais é do que uma verifi- rológica ou bioquímica no cérebro. Para sus-
cação de seus postulados teóricos, o que ele tentar sua afirmação, ele insiste, mais uma
chama de raciocínio circular. vez, na “normalidade” dos pais.
(SCHOPLER; REICHLER, 1971, p. 90). Para fundamentar este postulado ele faz
Ele critica, particularmente, o que ele cha- um estudo. Os pacientes, escolhidos por
mou de parentectomy, ou seja, a separação amostragem, devem pertencer a famílias que
com os pais considerada como a origem do não sejam fragmentadas, e em que os pais
problema. sejam voluntários e disponíveis. A criança
Como alternativa, ele propõe seu progra- deve ter um nível de desenvolvimento cor-
ma que contém três objetivos: prevenção da respondente ao nível pré-escolar. O progra-
psicose, aumentar o nível de adaptação entre ma consiste em uma série de sessões de de-
a criança e sua família e, se possível, promo- monstração sobre a terapia. O objetivo é de
ver a recuperação da criança (IDEM, p. 88). que os pais se tornem “especialistas” no que
Claramente, os dois primeiros objetivos são se refere ao seu próprio filho autista (IDEM,
p. 93). Os pais são, então, considerados como
terapeutas. É importante precisar que este
12. Sobre esse assunto ver o exemplo do artigo de estudo se refere apenas a um grupo de dez
SCHOPLER e al. Do Autistic Children Come from crianças e seus pais, sendo, então, um pouco
Upper-Middle-Class Parents, em Journal of Autism difícil tirar conclusões gerais. Além do mais,
and Developmental Disorders, v.9, 1979, p.145, no qual
a qualidade do tratamento dos resultados é bastante os critérios de inclusão são bastante restritos
duvidosa. e deixam de fora as famílias e crianças con-
13. Developmental therapy. sideradas problemáticas. É fácil constatar a
maneira pela qual, com o passar do tempo, Trata-se de uma afirmação tendenciosa,
uma hipótese como esta, que supõe a exis- se levarmos em consideração o tamanho de
tência de uma alteração orgânica no autis- sua amostragem, assim como o objeto de
mo, sem nenhuma prova científica, é elevada seus estudos e a complexidade da patologia
à categoria de axioma. em questão.
Iremos citar alguns exemplos das inter- É graças a esta aliança que Schopler irá
venções dos terapeutas relatadas pelo autor: utilizar os pais como força de pressão para
como fazer para que uma criança permane- fazer com que o seu programa experimental
ça sentada na mesa, como dar uma palmada seja promovido à categoria de programa de
para esclarecer um comando ou como man- Estado. Trata-se de uma estratégia calculada,
ter uma interação em caso de ausência da em que a criança autista é relegada a um se-
criança. As estratégias propostas giram em gundo lugar. Nesta ordem de ideias, não é de
torno do reforço de uma conduta, seja pela espantar que em 1972, na Carolina do Norte,
repetição, seja pela correção ou por uma re- uma lei tenha sido promulgada para que o
compensa. programa TEACCH fosse implementado.
Em vários momentos, Schopler fala da No entanto, o que é surpreendente é a
necessidade de utilizar procedimentos de afirmação feita por Schopler no momento da
condicionamento quando a educação espe- publicação desta lei: “Se devemos conceber
cial não traz o resultado esperado. As inter- um projeto terapêutico para crianças autistas
venções devem levar em consideração os es- ou portadoras de déficits vizinhos baseando-
tados e os níveis do desenvolvimento, o que se em nossa experiência clínica e nos resul-
não é sempre o caso, diz ele, das intervenções tados de pesquisadores, iremos nos deparar
de condicionamento clássico (IDEM, p.98). com uma proposta idêntica àquela da lei de
94-142” (SCHOPLER; REICHLER; LAN-
III SING, 1988, p.3). Formulação impressionan-
No entanto, é importante chamar a atenção te quando se supõe que suas experiências te-
do leitor para aquilo que parece interessar a riam estimulado a aprovação desta lei através
Scholer. As famílias concernidas se organiza- das associações de pais de crianças autistas.
ram para criar um núcleo local da National Como se ele buscasse dar a impressão de
Society for Autistic Children14. Trata-se de que esta lei seria uma maneira de fazer com
um grupo de pais que promovem a criação que o legislativo reconhecesse a qualidade
de programas de educação especial dentro de seu trabalho. Pode-se afirmar que, nesse
dos estabelecimentos públicos de educação. momento, Schopler busca uma legitimida-
Uma de suas atividades consiste em pressio- de sancionada pelas autoridades, como se
nar o legislativo para obterem leis favoráveis a consistência científica de seus postulados
a sua causa. não fosse suficiente.
Ao mesmo tempo em que efetiva o traba- A partir de 1988, Schopler introduz uma
lho científico, o autor organiza uma sólida modificação semântica que chama a nossa
rede de pais para modificar as leis a favor de atenção. Não encontramos mais a expres-
seus projetos. Não é de estranhar que, neste são terapia do desenvolvimento caracterizada
contexto, ele acabe anunciando a possibi- nos artigos dos anos 1970 que passa a ser,
lidade de que os autistas possam recuperar doravante, substituída por estratégias edu-
um desenvolvimento relativamente normal cativas individualizadas (IDEM, p.6). Neste
(SCHOPLER; REICHLER, idem, p. 100). contexto, três prioridades são estabelecidas
em função de eventuais perigos: aquelas que
concernem à proteção da vida da criança;
14. Associação Nacional para Crianças Autistas. aquelas que concernem a sua manutenção
malias do cérebro que foram colocadas em ções. Schopler critica a ausência de estrutu-
evidência, o que, segundo ele, não coloca em ração, o que permitiria a “livre expressão”
causa o caráter orgânico do autismo. Diante da criança. Segundo ele, o quadro em que
desta dificuldade, é possível orientar os es- a educação se desenvolve deve ser bem es-
forços em direção à definição de um déficit truturado, com o intuito de evitar um com-
cognitivo principal que permite explicar a di- portamento psicótico. Dessa maneira, a in-
versidade de distúrbios do autismo. Segundo tervenção deve ser cuidadosamente prepa-
esta perspectiva proposta pelo autor, a clíni- rada, assim como o local deve ser bastante
ca é indissociável da avaliação psicométrica: confortável e isento de distrações. Também é
podemos afirmar que, de acordo com ele, tra- importante que o momento das intervenções
ta-se da mesma coisa. Para o autor, a avalia- seja sempre o mesmo todos os dias. Certas
ção constitui um pré-requisito para qualquer conjunturas podem ser utilizadas em benefí-
intervenção. Não podemos esquecer que ele cio das práticas educativas como, por exem-
se baseia em observações do comportamento plo, realizar atividades antes da emissão de
e interdita qualquer explicação de eventuais TV preferida da criança, ou antes do lanche.
mecanismos psicológicos (IDEM, p.102). Isto facilita à criança habituar-se ao trabalho.
Ao longo dos anos 1980 a avaliação é Outro fator importante é a duração das ses-
aperfeiçoada. Alguns autores buscaram ir sões, que vai de acordo com a capacidade da
além de uma simples classificação nosográfi- criança; o ritmo de trabalho também deve
ca para ter acesso a uma pretendida concep- ser adaptado em função da observação e da
ção holística. Isto comporta três aspectos: o evolução do autismo.
nível do desenvolvimento, a observação dos Schopler, assim como outros autores,
comportamentos e as entrevistas com os pais aborda a questão da função social dos pais e
(SCHOPLER; REICHLER; LANSING, 1988). dos instrutores por meio de um conselho que
É bastante claro que, em tal dispositivo confirma a quem o programa está realmente
de avaliação, o lugar dado aos aspectos pa- destinado: “Os pais têm o direito e a obriga-
tológicos continua sendo marginal. Estes são ção de decidir dentro de um vasto limite o
substituídos por um modelo centrado no de- que tange a seu estilo de vida. Eles estão aju-
senvolvimento. Neste sentido, e como os au- dando a criança a se adaptar a seu próprio
tores não deixam de apontar, esta abordagem estilo de vida” (SCHOPLER; RUTTER, 1987,
pode ser aplicada a diferentes tipos de defi- p.157). O projeto da criança é subordinado
ciência. Além das considerações práticas que ao projeto dos pais. Dentro desta perspec-
tal escolha supõe, é importante se perguntar tiva, os pais são promovidos à categoria de
sobre aquilo que fora deixado de lado. Evi- “melhores especialistas em seus filhos”, o que
dentemente os diferentes tipos de patologia lhes assegura a prioridade em relação aos
comportam uma problemática distinta, sem instrutores, caso eles não estejam de acordo
mencionar as particularidades de cada sujei- com estes em algum momento.
to. Neste sentido, não existe uma explicação Estes autores não negligenciam a possi-
coerente destinada a dar conta de todos os bilidade de uma falta de consenso entre os
distúrbios de linguagem e de suas especifi- pais e as crianças. Caso não haja acordo, o
cidades no caso do autismo. O leitor tem a consenso é então imposto pela Lei 94-14216.
impressão de estar perante um inventário de Isto confirma a existência de uma pirâmide
distúrbios que nunca são articulados entre si. bastante hierarquizada na qual os primeiros
SOBR E O AU TOR
Referências
Ramón Menéndez
Psiquiatra. Psicanalista. Membro da APJL
(Association de Psychanalyse Jacques Lacan).
AGAMBEN, G. Etat d’exception, Homo Sacer. Paris:
Doutor em Psicopatologia pela Universidade
Seuil, 2003, p.145.
de Toulouse, França.
AKERLEY, M. The Politics of Definitions. Dans, Jour-
Endereço para correspondência:
nal of Autism and Developmental Disorders, v.9, n.2,
27 Rue du Petit Musc
1979, p.221-31.
75004 – Paris/França
E-mail: menender@wanadoo.fr
ITARD, J. Victor de l’Aveyron. Paris: Allia, 1994.
RECEBIDO: 17/08/2012
APROVADO: 23/08/2012