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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUCSP

CAIO ODDONE CARONE – RA00194397

PAPER

“Karl Friedrich Phillip von Martius: A construção do índio brasileiro”

SÃO PAULO

2018
Karl Friedrich Phillip von Martius: Construção do índio brasileiro

Com a abertura dos portos, em 1808, e a resolução de questões diplomáticas no


continente europeu, passam a chegar ao Brasil uma série de viajantes e
estudiosos de formações variadas, que buscavam no Novo Mundo, novos objetos
de estudo, motivados por temáticas diversas mas principalmente relacionados ao
conhecimento da natureza. No Brasil buscavam realizar observações,
classificações e tiveram grande êxito na função de catalogar tudo aquilo que viram;
tanto pelos chamados relatos de viagem quanto por desenhos. Estas expedições
vinham de vários lugares da Europa, bem como tinham vários financiadores.

Porém, antes de focarmos no objetivo final deste trabalho, é necessário que


façamos por uma breve recapitulação daquilo que originou o trabalho dos
chamados naturalistas. Em primeiro lugar, deve-se destacar o interesse sobre as
ciências naturais a partir de um antigo hábito - de colecionar exemplares de
objetos advindos da natureza - que foi impulsionado em determinado momento,
pelos descobrimentos, pela revolução científica, e as profundas transformações
nas relações até então existentes entre o homem e a natureza, que
consequentemente, determinariam novos alvos de interesses e expandindo ainda
mais aqueles já existentes.

A substituição do chamado colecionismo – não que ele tenha acabado, mas se


desenvolvido - para o campo científico começa pelas mãos do naturalista sueco
Carlos Lineu, o qual elabora grande projeto de levantamento, classificação e
aclimatação de “novas” espécies. Mas é no século XVIII que as grandes potências
europeias passam a aprofundar seus estudos quanto as ciências naturais, que
além de possibilitar avanços na produção e questões econômicas do velho
continente, também produziu grande avanço no campo do conhecimento científico.
Junto a isso, passam a existir dezenas de expedições com objetivos científicos
recolhiam materiais e os enviavam para os diversos jardins botânicos e museus de
história natural criados por toda a Europa – e inclusive no Brasil -, para ali serem
estudados e catalogados. Estas expedições tiveram papel relevante na produção
intelectual do Brasil, e na construção de sua história e imagem.

“As concepções sobre o modo de fazer ciência que privilegiam o trabalho de


campo ou o de gabinete coexistem no século XIX. Os naturalistas que vieram ao
Brasil haviam feito a opção de “ver com os próprios olhos”. Nas grandes
expedições científicas, os viajantes buscam dar conta das sensações e
impressões experimentadas durante sua estada no Brasil não só utilizando o
desenho e a pintura, mas também fazendo ricas descrições textuais. Para grande
parte dos naturalistas do século XIX, a multiplicidade de sensações que envolvem
o naturalista em sua viagem poderia e deveria ser descrita pela ciência. Assim o
cientista que se faz viajante escolheu não apenas ver com os próprios olhos, mas
ouvir e sentir com o próprio corpo os fenômenos lá onde acontecem.” (KURY,
Lorelai. 2001, p.683)
Em 1815, o rei bávaro Maximilian Joseph I solicitou à Real Academia de Ciências
de Munique que organizasse uma viagem científica ao interior da América do Sul e
curiosamente não incluiria o Brasil, tendo indicado para este trabalho o zoólogo
Johann Baptist von Spix e o botânico Carl Friedrich Philipp von Martius. Por uma
série de empecilhos esta expedição foi atrasada. E em 1817, junto a frota que
traria a Arquiduquesa Leopoldina para seu casamento com o príncipe herdeiro
D.Pedro I, surge nova oportunidade para o envio dos naturalistas, junto aos
enviados pelo Museu Natural de Viena.

Spix e Martius cogitavam realizar suas expedições ao interior do país em


conjunto com a comitiva austríaca vinda com a esquadra de Leopoldina. Porém,
devido aos atrasos na chegada dos naturalistas e a solicitação para que estes
permanecessem por mais tempo no Rio de Janeiro, decidiram que iriam faze-la
independentemente. A partir do contato com outros naturalistas já ambientados ao
Brasil, dos trajetos seguidos por outros viajantes, elaboraram um itinerário que
alcançasse regiões ainda pouco exploradas, cruzando o interior do país tendo o
Pará como alvo. Durante sua expedição, percorreram mais de 10.000km em mais
ou menos três anos, passaram por inúmeras adversidades, e por fim em seu
retorno a Alemanha levaram enorme coleção de objetos zoobotânicos,
etnográficos, e minerais que engrandeceram seus gabinetes naturais. Além disso,
formularam grandes relatos de viagem e outros materiais, e trataram de ampliar e
organiza-los no que resultaria a obra Reise in Brasilien. No entanto, com o
falecimento de Spix em 1826, tendo escrito apenas dois capítulos de sua obra,
Martius fica responsável pela sua continuidade. É importante salientar que a
viagem dos naturalistas ao Brasil também resultou outras obras, que serão citadas
neste trabalho.

Finalmente chegamos no objeto de nosso trabalho, os apontamentos de Martius.


Mais especificamente no que tange ao pensamento de Martius quanto ao indígena
brasileiro e a sua contribuição na formação da história do Brasil. Durante a leitura é
interessante perceber, o amadurecimento do autor ao longo de suas
considerações.

“As ideias de nação e história produzidas pelos viajantes europeus que estiveram
no Brasil no início do século XIX tiveram papel fundamental na construção de um
imaginário sobre os povos indígenas e os modos de inscrevê-los no tempo e no
espaço” (FAYET SALLAS, Ana Luisa, 2010)

É sabido que o que trouxe Martius e todos os naturalista ao Brasil foi a própria
natureza, e é justamente ela que vai nortear a visão de Spix e Martius e suas
considerações na relação que esta estabelece com os indígenas. O que se nota
em um primeiro momento, é que os naturalistas deveriam atentar para a natureza,
em consonância com suas respectivas formações acadêmicas, porém, é fato que
além da fauna e flora, deveriam relacionar e incorporar entre seus objetivos outras
áreas do saber como o próprio homem, tarefa que foi encarregada a Spix durante
a expedição.
“Ao zoológo e ao botânico também caberia “esclarecer o estado de civilização e
história, tanto dos aborígenes como dos outros habitantes””. (MACKNOW LISBOA,
Karen, 1992, p.77)

Num primeiro contato dos naturalistas com os indígenas, Spix e Martius buscam
descreve-los tanto pelo aspecto físico quanto pelo “caráter”. Percebe-se que eles
tem certa dificuldade em identificar a origem dos índios que encontram, ao
contrário de tudo aquilo que já haviam visto. Em suas tentativas iniciais fazem
comparações com os chineses que encontraram na Fazenda Real de Santa Cruz.

“A fisionomia dos chins [sic] imigrados foi-nos de especial interêsse, e com o


tempo ainda de maior espanto, pois julgámos descobrir neles o tipo básico, que
também se observa nos índios. [...] são comuns à fisionomia de ambas as raças o
formato pequeno, não oblongo, mais anguloso arredondado, da cabeça, um tanto
pontuda, a largura da face, bossas frontais proeminentes, a testa estreita, as
maçãs do rosto fortemente salientes, a posição oblíqua dos olhos pequenos
estreitamente fendidos, o nariz obtuso, pequeno, igualmente esborrachado, a falta
de cabelo basto no queixo e no resto do corpo, o cabelo da cabeça negro
escorrido, comprido, a côr amarela ou avermelhada da pele: traços claramente
idênticos das duas raças” (SPIX; MARTIUS, 1938, vol. 1, p. 173)

Além disso, como colocado acima, buscaram identificar “características no


caráter” do índio, também em comparação com os chineses, notando a presença
em ambas as “raças” de “desconfiado, pérfido, [...] inclinado ao furto.” além de uma
“expressão de mesquinhez e compreensão mecânica” como afirma Sales Pereira
da Silva. Fato este que será mudado ao longo de sua estadia e convivência com
os povos indígenas.

Quanto a relação dos índios com a natureza, von Martius utilizou-se dos saber
desenvolvido tanto pelos mestiços descendentes de índios, tanto como dos
próprios índios; buscando se valer do saber dos indivíduos e dos grupos os quais
se relacionou de alguma forma. Também buscou observar as línguas destes
grupos, no intuito de saber a respeito de seu conhecimento sobre a natureza,
especialmente sobre a flora. Martius buscava ainda observar as suas relações com
a natureza em si, constatando que o uso da natureza ultrapassava seu uso
objetivo de subsistência mas que passava por toda a vida do índio. Observou por
exemplo as plantas utilizadas pelos índios e significados atribuídos por estes
povos a alguns animais.

Martius também buscou tratar também sobre o “passado e futuro” dos indígenas,
tinha no passado dos índios uma incógnita indecifrável até o momento. Pretendia
compreender quais aspectos físicos e morais que ocasionariam o rápido
desaparecimento da “raça americana”

“Nada obstante, percebemos na formulação do discurso a necessidade que von


Martius tinha de evocar este passado, na medida em que por meio dele, o
naturalista visava construir a base, ainda que frágil, para sua argumentação quanto
ao “desaparecimento” da “raça americana”.

No que diz relação com o futuro dos povos ameríndios, o cientista tinha bastante
clareza. Bem mais que por um conhecimento efetivo de tal passado mais remoto,
von Martius procurava articulá-lo com um passado recente que, então, vivenciara
no Brasil, tendo observado de perto as populações ameríndias. Além disto, von
Martius apresenta uma cuidadosa consulta a muitas fontes concernentes à história
da América, desde seu processo de conquista. O fio norteador da conferência foi,
pois, o vaticínio do naturalista quanto ao desaparecimento do “homem
americano”.” (PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.28)

Entendia que a “raça americana” não estava mais em estado primitivo mas sim
em condições secundárias, e que além disso, caminhava para o seu
desaparecimento.

“Se von Martius afirma não encontrar na “raça” americana “condições primitivas,
primarias”, mas perceber “condições muito mudadas, secundarias”, o naturalista
põe de manifesto a permanência de algumas de suas ideias basilares quanto à
compreensão de uma história indígena que passara por um processo de
degeneração, processo este desconhecido que se constituía, então, num enigma.
Uma questão importante – relacionada ao fato de tal “enigma” –, é verificada no
pensamento de von Martius em suas formulações quanto à “raça” ou “homem
americano”. (PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.29)

Martius acreditava com convicção que os povos originários americanos


constituíam um todo único. Deste modo fazia, portanto, referências as
características físicas e morais, compreendendo que os americanos formavam um
“systema humano particular”. Visto isso, o naturalista afirmava que os povos
americanos – apesar de desconhecer o seu passado – haviam vivido condições
diferentes das verificadas, mesmo antes da chegada dos colonizadores,
encontrando-se portanto num estado de degradação. Von Martius então passa a
admitir que chegara a América com ideias preconcebidas, e que valorizando a sua
experiência empírica, poderia afirmar que os índios não eram seres selvagens,
mas sim seres degenerados que se tornaram selvagens e que sim, eram bastante
diferentes na antiguidade.

“Portanto, vemos que uma concepção a respeito dos índios como parte – ou
“produtos” – da natureza foi sendo paulatinamente desconstruída por von Martius,
conforme avançava em sua expedição pelo Brasil. Assim, verificamos em sua
narração da viagem que, nas primeiras considerações a respeito dos índios, antes
de contatos mais próximos, o viajante ainda os caracterizava como “belos filhos
das selvas” (SPIX; MARTIUS, 1938, v. 1, p. 321). Mesmo quando já se encontrava
no Amazonas, von Martius via alguns indivíduos como portadores de “ingênita
bondade” (idem, v. 3, p. 314). Porém, ao fim do terceiro volume, fica evidente
como von Martius rompeu definitivamente com o pensamento roussoniano [de
homem selvagem]. (PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.31)
Aqui é importante destacar que para a formulação de sua base argumentativa
sobre o passado indígena, Martius utilizara a relação do índio com a natureza,
analisando por exemplo a difusão de alimentos como a batata – que apesar das
dificuldades na comunicação entre os indígenas -, já se encontrava em boa parte
do território americano, o que significaria um cultivo antiguíssimo. Ademais, junto
as análises dos elementos da natureza, buscou fazer relações com outros povos
como os Astecas, de modo que pudesse respaldar sua argumentação sobre esse
passado.

Outro fato importantíssimo, é que ao longo de sua viagem o naturalista percebe


que o homem americano também tinha a capacidade de influenciar o mundo
natural, transformando-o. Neste sentido, Martius deu o exemplo do cultivo das
Palmeiras, das quais os índios já propagavam-na pela utilização de mudas, o que
na prática também significaria um processo de cultivo antigo e a existência
segundo ele próprio de um período “prehistorico muito mais longo”. Essa questão
também nos indica outro fator, a presença de certa civilização, o que
possivelmente indicou a Martius o processo de degeneração do índio. Levando em
consideração que à época, o fator “civilizante” se dava a partir da influência do
homem sobre a natureza.

Visto isso, é de suma importância esclarecer que Martius, a partir da visão


civilizatória e eurocêntrica da época, entendia no indígena, um ser que
compartilhava sim potencial de perfectibilidade oriunda do próprio ser humano,
porém, como foi visto, o seu lado degenerado deveria ser sobreposto pelo homem
europeu. Daí a explicação de seu desaparecimento futuro.

Essas considerações permitem-nos admitir que o naturalista estava bastante


interessado pela história indígena e que inclusive “pensamentos recorrentes
acerca de um processo de degeneração pelo qual os índios teriam passado
constituem partes da tessitura de um discurso que o naturalista, em sua trajetória
desde sua expedição pelo Brasil, construiu, e assumia-o efetivamente como um
cuidado devido para com os índios, uma atitude que avaliava faltar no Brasil.
Outrossim, o reconhecimento de uma tal degeneração, ainda em curso, deveria
ensejar medidas de solução da parte da jovem nação americana abaixo do
equador.” como expõe a autora Sales Pereira da Silva.

O mais curioso no pensamento de von Martius, está nesta solução citada por
Sales Pereira. Pois como visto até aqui, o naturalista compreendia a superioridade
da “raça caucásica”, porém, entendia no Brasil e na sua construção, a interação
das três raças presentes. E portanto, nesta solução, estava presente o conceito de
miscigenação e democracia racial, tendo estes como propulsores do processo
civilizatório brasileiro.

“Neste sentido, von Martius atribui ao português o papel de “mais poderoso e


essencial motor”; não obstante afirma enfaticamente que seria um erro o desprezo
das “forças” dos índios e negros “importados”, as quais contribuíram “igualmente”
para o desenvolvimento “physico, moral e civil da totalidade da população”,
incidindo decisivamente sobre a “raça” predominante”.” (PEREIRA DA SILVA,
Sales. 2013, p.56).

Von Martius além de sua importância quanto aos estudos da natureza e homem,
também teve relevante importância quanto a construção da história do Brasil e dos
índios, tendo em 1844 lançado a obra chamada “Como se deve escrever a história
do Brasil”. Esta é, portanto, uma das partes mais importantes deste artigo focando
principalmente na contribuição de Martius na perspectiva histórica em relação ao
índio. Historiografia que em meados do século XIX buscava construir uma história
para o Brasil e Martius, como coloca a autora Karina Lisboa, “acabou por esboçar
as linhas básicas de um “projeto historiográfico, capaz de garantir uma identidade
específica à Nação em processo de construção”. E suas ideias ressoarem, num
primeiro momento, principalmente, na obra de Francisco Adolfo Varnhagen.”.

Nesta lógica, Martius busca conciliar dois discursos distintos quanto à formação
do Brasil e sua busca construção de uma unidade. Em primeiro lugar, havia o
Brasil como estado recém-independente e carregado de expectativas de um futuro
promissor. Em segundo lugar, a necessidade que se havia de um grande povo,
para uma grande nação. Daí então, a formação de uma unidade populacional a
partir da miscigenação, como vimos acima.

“Assim, o cientista muniquense ressalta, de início, que, do “encontro”, mistura,


relações “mutuas” e “mudanças” destas “raças” havia sido formada a população do
Brasil, cuja história, por este motivo, tinha um “cunho muito particular” (MARTIUS,
1844, p. 382). Outrossim, von Martius aponta que a cada “raça” – segundo a sua
índole “innata”, as circunstâncias nas quais vivera e se desenvolvera –
corresponderia “um movimento histórico característico e particular”, resultando que
a história do Brasil culminaria de “uma lei particular de forças diagonaes”.
(PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.56).

Von Martius também coloca que o verdadeiro historiador “philosophico” deve


“apreciar o homem segundo o seu verdadeiro valor [...], abstrahindo da sua côr ou
seu desenvolvimento anterior” (ibidem). Nesta perspectiva, o naturalista justifica tal
posicionamento colocando que “um historiador que mostra desconfiar da
perfectibilidade de uma parte do genero humano auctorisa o leitor a desconfiar que
elle não sabe collocar-se acima de vistas parciaes ou odiosas” (MARTIUS, 1844,
p. 384).

Ademais, o naturalista passa a propor uma metodização para o estudo do


indígena, algo que ele mesmo já teria feito em sua viagem. A princípio, caberia ao
investigador prestar atenção nas “manifestações exteriores” dos índios, tendo
atenção especial para suas características físicas e compara-los aos “visinhos da
mesma raça”; em segundo lugar as investigações deveriam estudar o campo da
“alma e intelligencia”, expresso pela “actividade espiritual” desses povos, e as
quais seriam manifestas por seus documentos históricos. Esse “documento
histórico” citado por Martius, seria a linguagem dos povos indígenas,
principalmente pela questão do contexto histórico vivenciado pelos indígenas e o
possível desaparecimento dessas línguas que impossibilitaria uma futura
investigação. Inclusive o naturalista chegou a exprimir seu desejo de que o IHGB
designasse linguistas para a composição de dicionários e observações gramaticais
das línguas indígenas.

Como visto, Martius ao longo de sua viagem ao Brasil buscou investigar


meticulosamente as línguas indígenas, o que para ele deu grande base para
aprofundamento nas questões a cerca destes povos. Também tinha grande
interesse pela chamada “língua geral”, que era um dialeto composto por influências
da línguas índias e principalmente pelo grande “complexo de raças” entende-la.

Também propôs que se investigasse “vestigios de symbolos e tradições de


direito”. Visto que a investigação das “tradições de direito” deveria indicar o “estado
social” dos índios, e “presuppõem uma historia e um estado especial que della
deriva” (MARTIUS, 1832, p. 21).

“Embora considerasse a existência de toda uma nebulosidade acerca do passado


dos povos indígenas, o que também o alinhava com os letrados no âmbito do
IHGB, von Martius reconhecia-os como portadores de uma história, com pilares
sociais que, em alguma medida, colocava-os ao lado dos europeus, além disso, a
percepção de tais laços sociais era um contra-argumento à tese do pertencimento
dos índios a um estado de natureza do qual eram incapazes de sair.” (PEREIRA
DA SILVA, Sales. 2013, p.62).

“Martius, ao menos em sua dissertação, também parecia recusar a exclusão


desses indivíduos de uma comunidade humana universal, agora não
essencialmente cristã, mas particularmente histórica” (TURIN, 2006, p.97).

Outro fato que devemos destacar quanto a obra de von Martius é seu lado
emotivo, pois a manifestação de seus sentimentos, suas emoções, fruto de
sensações bastante avessas, de paixão e de terror. é uma característica peculiar
em seu modo de narrar a viagem, sendo um elemento que permeia todos os seus
registros e é necessário para o entendimento de sua obra. Esse lado do
naturalista, originara um romance chamado Frey Apollonio, o qual tratara também
das relações entre o europeu e o índio.

“Mas há neste movimento de conquista (imperialista e de dominação europeu),


para garantir poderes, posições e domínios, do qual Spix e Martius participam,
alguns momentos de questionamento, que quase resvalam numa voz de oposição,
ainda que tímida. Refiro-me aqui, em particular, ao romance Frei Apolônio, não
fortuitamente assinado pelo anagrama do sobrenome do botânico, Suitram. Este
romance de formação, ambientado na floresta amazônica, Martius encerra em
1831, uma década após o retorno e a posterior morte das duas crianças indígenas
levadas (ou deportadas) pelos naturalistas para Munique como “peça viva” de
gabinete. No final do livro, protagonizado por um missionário, um comerciante, um
naturalista e vários índios, o estudioso da natureza, alter ego de Martius, revê as
suas posições acerca dos “selvagens”.” (MACKNOW LISBOA, Karina, 2009 – parênteses e
grifo meu)
Karl Friedrich Philipp von Martius teve importantíssima participação na formação
da história e de seu povo, conferira aos indígenas papel destaque na construção
do Brasil enquanto nação visto que entendia-os como populações originárias de
fato, possuidores das terras brasileiras antes da chegada dos portugueses, à
época um pensamento bastante moderno, tendo em vista que poucos pensadores
trataram da importância do índio na incorporação de uma história nacional. Martius
foi fundamental nos estudos de compreensão do estado nacional recém formado,
e também em sua influência ao IHGB que possibilitaria novas ideias sobre o tema,
tanto a favor de seu posicionamento como contrário, abrindo novos leques de
ponderações. Também buscou em suas ponderações, construir um futuro para o
Brasil, onde estariam incluídos estes índios.

O naturalista começou sua viagem apenas como botânico, conforme avança


passa a buscar outras compreensões e passa a questionar, portanto, a origem e
identidade dos povos originários que por ele eram desconhecidos. Encontra
nesses dois pontos, a natureza e o anseio pela historicidade do índio, sua máxima
expressão durante sua estada em terras tupiniquins. Percorre durante sua viagem,
um imenso conflito dele com aquilo que via. Suas formações morais, filosóficas e
compreensões em contradição com o espaço que caminha, e um mundo novo e
cheio de aprendizados. Compreende durante esse tempo, em meio aos conflitos
internos de sua pessoa, uma necessidade ainda maior que o estudo da fauna e
flora tropicais, a história dos índios do Brasil. Claro que não pode fugir daquilo que
estava à seu tempo, porém, pode contribuir de forma contundente na formação de
novas ideias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DA SILVA, Sales Pereira. Os índios do Brasil no pensamento de Carl Friedrich


Philipp von Martius (1823-1844). Cuiabá, 2013.

LISBOA, Karen Macknow. Viagem pelo Brasil de Spix e Martius: Quadros da


Natureza e Esboços de uma Civilização. Revista Brasileira de História , v. 15, p. 73-91,
1995.

LISBOA, Karen Macknow. Da Expedição Científica à Ficcionalização da Viagem:


Martius e seu romance indianista sobre o Brasil. Acervo, Rio de Janeiro, v. 21, nº
1, p. 115-132, jan/jun 2008.

LISBOA, Karen Macknow. O Brasil dos naturalistas Spix e Martius: taxonomia e


sentimento. Acervo (Rio de Janeiro) , v. 22, p. 179-196, 2009.

SALLAS, Ana Luisa Fayet. Narrativas e imagens dos viajantes alemães no Brasil
do século XIX: a construção do imaginário sobre os povos indígenas, a história
e a nação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr.-jun.
2010, p.415-435.

KURY, Lorelai. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência , relato e


imagem. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Vol. VIII (suplemento), 863-80,
2001.

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