PUCSP
PAPER
SÃO PAULO
2018
Karl Friedrich Phillip von Martius: Construção do índio brasileiro
“As ideias de nação e história produzidas pelos viajantes europeus que estiveram
no Brasil no início do século XIX tiveram papel fundamental na construção de um
imaginário sobre os povos indígenas e os modos de inscrevê-los no tempo e no
espaço” (FAYET SALLAS, Ana Luisa, 2010)
É sabido que o que trouxe Martius e todos os naturalista ao Brasil foi a própria
natureza, e é justamente ela que vai nortear a visão de Spix e Martius e suas
considerações na relação que esta estabelece com os indígenas. O que se nota
em um primeiro momento, é que os naturalistas deveriam atentar para a natureza,
em consonância com suas respectivas formações acadêmicas, porém, é fato que
além da fauna e flora, deveriam relacionar e incorporar entre seus objetivos outras
áreas do saber como o próprio homem, tarefa que foi encarregada a Spix durante
a expedição.
“Ao zoológo e ao botânico também caberia “esclarecer o estado de civilização e
história, tanto dos aborígenes como dos outros habitantes””. (MACKNOW LISBOA,
Karen, 1992, p.77)
Num primeiro contato dos naturalistas com os indígenas, Spix e Martius buscam
descreve-los tanto pelo aspecto físico quanto pelo “caráter”. Percebe-se que eles
tem certa dificuldade em identificar a origem dos índios que encontram, ao
contrário de tudo aquilo que já haviam visto. Em suas tentativas iniciais fazem
comparações com os chineses que encontraram na Fazenda Real de Santa Cruz.
Quanto a relação dos índios com a natureza, von Martius utilizou-se dos saber
desenvolvido tanto pelos mestiços descendentes de índios, tanto como dos
próprios índios; buscando se valer do saber dos indivíduos e dos grupos os quais
se relacionou de alguma forma. Também buscou observar as línguas destes
grupos, no intuito de saber a respeito de seu conhecimento sobre a natureza,
especialmente sobre a flora. Martius buscava ainda observar as suas relações com
a natureza em si, constatando que o uso da natureza ultrapassava seu uso
objetivo de subsistência mas que passava por toda a vida do índio. Observou por
exemplo as plantas utilizadas pelos índios e significados atribuídos por estes
povos a alguns animais.
Martius também buscou tratar também sobre o “passado e futuro” dos indígenas,
tinha no passado dos índios uma incógnita indecifrável até o momento. Pretendia
compreender quais aspectos físicos e morais que ocasionariam o rápido
desaparecimento da “raça americana”
No que diz relação com o futuro dos povos ameríndios, o cientista tinha bastante
clareza. Bem mais que por um conhecimento efetivo de tal passado mais remoto,
von Martius procurava articulá-lo com um passado recente que, então, vivenciara
no Brasil, tendo observado de perto as populações ameríndias. Além disto, von
Martius apresenta uma cuidadosa consulta a muitas fontes concernentes à história
da América, desde seu processo de conquista. O fio norteador da conferência foi,
pois, o vaticínio do naturalista quanto ao desaparecimento do “homem
americano”.” (PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.28)
Entendia que a “raça americana” não estava mais em estado primitivo mas sim
em condições secundárias, e que além disso, caminhava para o seu
desaparecimento.
“Se von Martius afirma não encontrar na “raça” americana “condições primitivas,
primarias”, mas perceber “condições muito mudadas, secundarias”, o naturalista
põe de manifesto a permanência de algumas de suas ideias basilares quanto à
compreensão de uma história indígena que passara por um processo de
degeneração, processo este desconhecido que se constituía, então, num enigma.
Uma questão importante – relacionada ao fato de tal “enigma” –, é verificada no
pensamento de von Martius em suas formulações quanto à “raça” ou “homem
americano”. (PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.29)
“Portanto, vemos que uma concepção a respeito dos índios como parte – ou
“produtos” – da natureza foi sendo paulatinamente desconstruída por von Martius,
conforme avançava em sua expedição pelo Brasil. Assim, verificamos em sua
narração da viagem que, nas primeiras considerações a respeito dos índios, antes
de contatos mais próximos, o viajante ainda os caracterizava como “belos filhos
das selvas” (SPIX; MARTIUS, 1938, v. 1, p. 321). Mesmo quando já se encontrava
no Amazonas, von Martius via alguns indivíduos como portadores de “ingênita
bondade” (idem, v. 3, p. 314). Porém, ao fim do terceiro volume, fica evidente
como von Martius rompeu definitivamente com o pensamento roussoniano [de
homem selvagem]. (PEREIRA DA SILVA, Sales. 2013, p.31)
Aqui é importante destacar que para a formulação de sua base argumentativa
sobre o passado indígena, Martius utilizara a relação do índio com a natureza,
analisando por exemplo a difusão de alimentos como a batata – que apesar das
dificuldades na comunicação entre os indígenas -, já se encontrava em boa parte
do território americano, o que significaria um cultivo antiguíssimo. Ademais, junto
as análises dos elementos da natureza, buscou fazer relações com outros povos
como os Astecas, de modo que pudesse respaldar sua argumentação sobre esse
passado.
O mais curioso no pensamento de von Martius, está nesta solução citada por
Sales Pereira. Pois como visto até aqui, o naturalista compreendia a superioridade
da “raça caucásica”, porém, entendia no Brasil e na sua construção, a interação
das três raças presentes. E portanto, nesta solução, estava presente o conceito de
miscigenação e democracia racial, tendo estes como propulsores do processo
civilizatório brasileiro.
Von Martius além de sua importância quanto aos estudos da natureza e homem,
também teve relevante importância quanto a construção da história do Brasil e dos
índios, tendo em 1844 lançado a obra chamada “Como se deve escrever a história
do Brasil”. Esta é, portanto, uma das partes mais importantes deste artigo focando
principalmente na contribuição de Martius na perspectiva histórica em relação ao
índio. Historiografia que em meados do século XIX buscava construir uma história
para o Brasil e Martius, como coloca a autora Karina Lisboa, “acabou por esboçar
as linhas básicas de um “projeto historiográfico, capaz de garantir uma identidade
específica à Nação em processo de construção”. E suas ideias ressoarem, num
primeiro momento, principalmente, na obra de Francisco Adolfo Varnhagen.”.
Nesta lógica, Martius busca conciliar dois discursos distintos quanto à formação
do Brasil e sua busca construção de uma unidade. Em primeiro lugar, havia o
Brasil como estado recém-independente e carregado de expectativas de um futuro
promissor. Em segundo lugar, a necessidade que se havia de um grande povo,
para uma grande nação. Daí então, a formação de uma unidade populacional a
partir da miscigenação, como vimos acima.
Outro fato que devemos destacar quanto a obra de von Martius é seu lado
emotivo, pois a manifestação de seus sentimentos, suas emoções, fruto de
sensações bastante avessas, de paixão e de terror. é uma característica peculiar
em seu modo de narrar a viagem, sendo um elemento que permeia todos os seus
registros e é necessário para o entendimento de sua obra. Esse lado do
naturalista, originara um romance chamado Frey Apollonio, o qual tratara também
das relações entre o europeu e o índio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SALLAS, Ana Luisa Fayet. Narrativas e imagens dos viajantes alemães no Brasil
do século XIX: a construção do imaginário sobre os povos indígenas, a história
e a nação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr.-jun.
2010, p.415-435.