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UNIVERSIDADE FEDERAL  
DO RIO DE JANEIRO 
 
PROGRAMA DE PÓS‐
GRADUAÇÃO EM 
ARQUITETURA 
 
FACULDADE DE  
ARQUITETURA E 
URBANISMO 
 
2020 

A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA
NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO:
RELAÇÕES ENTRE A TEORIA, A PRÁTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL

Tese de doutorado 
ANA CRISTINA CSEPCSÉNYI 
Orientadora: D. Sc. Rosina Trevisan M. Ribeiro. 
Coorientadora: D. Sc. Flávia Brito do Nascimento
                             






A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO:
RELAÇÕES ENTRE A TEORIA, A PRÁTICA E A
INDÚSTRIA CULTURAL
POR ANA CRISTINA CSEPCSÉNYI 
 
 

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós‐
graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e 
Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título 
de Doutor em Ciências em Arquitetura. A Tese se insere na 
Área de Concentração de Restauração e Gestão do 
Patrimônio, na Linha de Pesquisa de mesmo nome e no 
Projeto de Pesquisa de Conservação, Restauração E 
Revitalização Do Patrimônio Arquitetônico. 
Orientadora: D. Sc. Rosina Trevisan M. Ribeiro. 
Coorientadora: D. Sc. Flávia Brito do Nascimento 
 

Rio de Janeiro 
Julho de 2020 

A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO: 
RELAÇÕES ENTRE A TEORIA, A PRÁTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL 
ANA CRISTINA CSEPCSÉNYI 

Orientadora: D. Sc. Rosina Trevisan M. Ribeiro 
Coorientadora D. Sc. Flávia Brito do Nascimento 
 

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós‐graduação em Arquitetura, 
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor 
em Ciências em Arquitetura. A Tese se insere na Área de Concentração de 
Restauração e Gestão do Patrimônio, na Linha de Pesquisa de mesmo nome e 
no Projeto de Pesquisa de Conservação, Restauração e Revitalização do 
Patrimônio Arquitetônico. 

Aprovada por: 

_________________________________________ 
Presidente, Prof. D. Sc. Rosina Trevisan M. Ribeiro 
 
 
 
_________________________________________ 
Prof. D. Sc. Flávia Brito do Nascimento 
 
 
 
_________________________________________ 
Prof. D. Sc. Lia Motta 
 
 
 
_________________________________________ 
Prof. D. Sc. Nelson Pôrto Ribeiro 
 
 
 
_________________________________________ 
Prof. D. Sc. Fabíola do Valle Zonno 
 
 
 
_________________________________________ 
Prof. D. Sc. Ethel Pinheiro Santana 
 

Rio de Janeiro 
Julho de 2020   
  ii
 

 
 
  Csepcsényi, Ana Cristina. 
  C958            A intervenção contemporânea do patrimônio arquitetônico: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural/ Ana Cristina 
 
Csepcsényi. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FAU, 2020. 
  xv, 311f.: il.; 29,7 cm. 
Orientadora: Rosina Trevisan M. Ribeiro.  
 
Coorientadora: Flávia Brito do Nascimento. 
  Tese (doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/ 
Programa de Pós‐graduação em Arquitetura, 2020. 
  Referências Bibliográficas: f. 264‐274. 
  1. Construção Civil. 2. Edifícios – Conservação e restauração. 3. 
Patrimônio  Arquitetônico.  I.  Ribeiro,  Rosina  Trevisan  M.  II. 
  Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e 
Urbanismo, Programa de Pós‐graduação em Arquitetura. III. Título.  
   
 
  CDD 720.288 
  iii
 

‐ “Benzinho”...    
   
  iv
 

O presente trabalho foi realizado durante os últimos 24 meses com o apoio da 
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de 
Janeiro (FAPERJ); contou ainda, nos meses anteriores, com o apoio da 
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) 
– Código de Financiamento 001. 

Vale pontuar que a presente pesquisa foi finalizada em março de 2020, tendo 
os processos de aprovação e formalização se estendido por conta da pandemia 
do Novo Corona Vírus até o mês de julho. 

 
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RESUMO

A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL:  
RELAÇÕES ENTRE A TEORIA, A PRÁTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL  
ANA CRISTINA CSEPCSÉNYI 

Orientadora: D. Sc. Rosina Trevisan M. Ribeiro 
Coorientadora: D. Sc. Flávia Brito do Nascimento 
 

Resumo de Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós‐graduação em 
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título 
de Doutor em Ciências em Arquitetura.  

A hipótese aventada aqui é que a prática contemporânea de intervenção no 
patrimônio arquitetônico no Brasil, condicionada pela indústria cultural, 
justifica‐se em um discurso que fomenta e reitera o distanciamento teórico, 
podendo comprometer o bem como referência para a preservação. Afim de 
discuti‐la, são estudados os casos das intervenções no Museu de Arte do Rio de 
Janeiro (MAR) e na Praça do Trem, selecionadas por serem objetos típicos do 
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interesse da indústria cultural e por terem ocorrido em um ambiente de sua 
influência, os megaeventos na cidade do Rio de Janeiro, além de serem ações 
cujas relações socioculturais já se encontram consolidadas. Elas são analisadas 
criticamente quanto à coerência em relação aos postulados teóricos 
recorrentes e aos conceitos e entendimentos contemporâneos essenciais do 
campo disciplinar da restauração. O resultado verificado é que as incoerências 
são principalmente a superficialidade e a falta de coesão, que decorrem de 
interferências tais como: a “desvalorização” e a descontextualizacão do Projeto 
de Intervenção; a carência de sensibilização quanto ao valor patrimonial; e a 
incapacidade de criar na preexistência, preservando‐a como referência cultural. 
As causas desse fenômeno envolvem pressões de ordem política por 
visibilidade, associadas às demandas da indústria cultural por autonomia e 
minimização das exigências e limitações, assim como a deficiência de 
capacitação profissional. Desse modo, considera‐se que a intervenção, imersa 
na dinâmica da industrialização da cultura, é submetida ao seu processo 
produtivo homogeneizador estruturado em dissonâncias que não encontram 
profundo e coeso respaldo na teoria do campo disciplinar. Assim, ela produz 
um discurso que não é prioritariamente o da preexistência, ameaçando sua 
condição como referência memorial de práticas sociais e identitárias. Em 
contrapartida, se a intervenção promove um discurso que ressignifica o 
patrimônio arquitetônico criativamente, conjugando novas experiências e 
significados preexistentes sem submetê‐los, ela agrega outras possibilidades de 
identificação que são particulares à “presentificação do passado” na 
contemporaneidade.  

PALAVRAS‐CHAVES: preservação; intervenção; patrimônio arquitetônico; 
indústria cultural.  

Rio de Janeiro 
Julho de 2020   
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ABSTRACT

A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL:  
RELAÇÕES ENTRE A TEORIA, A PRÁTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL  
ANA CRISTINA CSEPCSÉNYI 

Orientadora: D. Sc. Rosina Trevisan M. Ribeiro 
Coorientadora: D. Sc. Flávia Brito do Nascimento 
 

Abstract de Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós‐graduação em 
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título 
de Doutor em Ciências em Arquitetura.  


The hypothesis suggested herein is that the contemporary practice of 
architectural heritage intervention in Brazil conditioned by the cultural industry 
is justified in a discourse that fosters and reiterates theoretical distance, which 
may compromise heritage as a reference for preservation. In order to discuss 
this, cases of interventions at the Museum of Art of Rio de Janeiro (MAR) and 
the Train Square (Praça do Trem) are assessed, selected for being typical 
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objects of interest to the cultural industry and for having occurred in an 
environment of their influence, namely mega events in the city of Rio de 
Janeiro, in addition to being actions whose socio‐cultural relations are already 
consolidated. They are critically analyzed for consistency concerning recurring 
theoretical postulates and contemporary essential concepts and 
understandings of the disciplinary field of restoration. The verified result is that 
the inconsistencies comprise mainly superficiality and lack of cohesion, which 
result from interferences such as “devaluation” and the decontextualization of 
the Intervention Project, a lack of awareness of equity value and the inability to 
create in preexistence, preserving it as a cultural reference. The causes of this 
phenomenon involve political pressure due to visibility, associated with cultural 
industry demands for autonomy and minimization of requirements and 
limitations, as well as lack of professional training. Thus, the intervention is 
considered as immersed in the dynamics of a culture industrialization, 
subjected to its homogenizing production process structured in dissonances 
that do not find deep and cohesive support in the theory of the disciplinary 
field. Thus, it produces a discourse that is not primarily that of preexistence, 
threatening its condition as a memorial reference for social and identity 
practices. On the other hand, if the intervention promotes a discourse that 
creatively resignifies architectural heritage, combining new experiences and 
preexisting meanings without subduing them, it adds other identification 
possibilities particular to the “presentification of the past” in contemporary 
times.

Kew‐words: preservation; intervention; architectural heritage; cultural industry 

Rio de Janeiro 
Julho de 2020

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SUMÁRIO
 
INTRODUÇÃO | 1 
 

1.  CONCEITOS PARA INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO 
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO | 10 
1.1  Patrimônio arquitetônico contemporâneo | 20 
1.2  Intervenção contemporânea no patrimônio arquitetônico | 29 
1.2.1  Homogeneização e diversidade cultural | 38 
1.3  Identidade cultural | 43 
1.4  Valor patrimonial | 50 
1.5  Considerações parciais | 60 
 

2.  A PRÁTICA BRASILEIRA DE INTERVENÇÃO NO 
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO | 66 
2.1  A Política do Patrimônio Cultural Material | 72 
2.1.1  Significação do patrimônio arquitetônico, intervenção e valor 
patrimonial | 73 
2.1.2  Representação sociocultural e identidade cultural | 83 
2.2  Indústria cultural e Estado na prática da intervenção nacional | 92 
2.2.1  Dissonâncias da indústria cultural | 102 
2.3  Agentes, interesses e interferências | 111 
2.4  Considerações parciais | 125 
  xi
 

3.  A TEORIA PARA INTERVENÇÃO NO PATRIMÔNIO 
ARQUITETÔNICO | 134 
3.1  Teoria de restauração “moderna” | 135 
3.2  Teoria de restauração contemporânea | 148 
3.3  Posturas teóricas na prática brasileira | 158 
3.3.1  Cartas patrimoniais | 168 
3.4  Considerações parciais | 173 
 

4.  A TEORIA NA PRÁTICA DA INTERVENÇÃO NO 
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NOS MEGAEVENTOS | 179 
4.1  Megaeventos e patrimônio no Rio de Janeiro | 184 
4.2  Intervenções nos megaeventos do Rio | 192 
4.2.1  Museu de Arte do Rio de Janeiro | 197 
4.2.2  Praça do Trem | 228 
4.3  Considerações parciais | 254 
 

CONSIDERAÇÕES FINAIS | 258 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 264 
 

APÊNDICES | 275 
Cartas e declarações internacionais segundo o ICOMOS | 276 
ANEXOS | 278 
Anexo I –Tendências de intervenção segundo Nahas (2015) | 279 
Anexo II – Fragmento do projeto da Bernardes Jacobsen Arquitetura para o 
conjunto do MAR | 282 
Anexo III – Fragmento do projeto da Velatura Restaurações para o conjunto 
da Praça do Trem | 292 
 
LISTA DE QUADROS | XII 
LISTA DE FIGURAS | XIII  
 

  xii
 










LISTA DE QUADROS

Quadro 1 ‐ Premissas básicas das correntes teóricas italianas moderna e 
contemporâneas de restauração do patrimônio | 173 
 Quadro 2‐ Produtos do Projeto de Intervenção | 193 
Quadro 3 ‐ Postulados e tópicos operacionais | 195 
Quadro 4 ‐ Intervenções no MAR quanto à coerência teórica, em relação ao 
parâmetro “postural” | 221 
Quadro 5 ‐ Intervenção no MAR, em relação às correntes Teóricas 
contemporâneas | 223 
Quadro 6 ‐ Intervenção no MAR, quanto à coerência teórica, em relação ao 
parâmetro “conceitual” | 227 
Quadro 7 ‐ Intervenções na Praça do Trem, quanto à coerência teórica, em 
relação ao parâmetro “postural” | 246 
Quadro 8 ‐ Intervenção na Praça do Trem, em relação às correntes teóricas 
contemporâneas | 248 
Quadro 9 ‐ Intervenção na Praça do Trem quanto à coerência teórica, em 
relação ao parâmetro “conceitual” | 253 



  xiii
 

















LISTA DE FIGURAS
 

Figura 1 – Fundação Universitária José Bonifácio | 157 
Figura 2 – Casarão na Rua Ibituruna, 81 | 157 
Figura 3 – Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular | 157 
Figura 4 – Antigo Armazém, atual Memorial da Resistência de São Paulo | 158 
Figura 5 – Estação Júlio Prestes. | 158 
Figura 6 – Estação da Luz | 158 
Figura 7 – Forte Santo Amaro da Barra Grande | 159 
Figura 8 – Forte São João de Bertioga | 159 
Figura 9 – Igreja Madre de Deus | 159 
Figura 10 – Edifício Chantecler | 160 
Figura 11 – Paço Alfândega Shopping | 160 
Figura 12 – Localização dos estudos de caso | 188 
Figura 13 – Museu de Arte do Rio | 197 
Figura 14 – Localização do conjunto do MAR | 198 
Figura 15 – Edifícios protegidos | 198 
Figura 16 – Datação da obra verificada na estrutura do torreão | 200 
Figura 17 – Fachada frontal | 200 
Figura 18 – Plantas baixas do projeto original digitalizadas | 200 
Figura 19 –  Fachada lateral (voltada para o mar) e fachada posterior; destaque 
para o terraço colateral | 201 
Figura 20 – Fachada frontal e lateral degradas | 202 
Figura 21 – Vista do interior do 3º pavimento | 202 
Figura 22 – Assoalho | 202 
Figura 23 – Piso em ladrilho hidráulico decorado | 202 
  xiv
 

Figuras 24 e 25 – À esquerda, boiseries remanescentes; à direita, vestígios dos 
perdidos | 203 
Figura 26 – Forro e sancas | 203 
Figura 27 – Fachadas lateral e frontal restauradas | 206 
Figura 28 – Vista do interior do 2º pavimento após demolições | 207 
Figuras 29 e 30 – À esquerda, demolição das alvenarias e lajes do segmento 
posterior do corpo central; à direita, hall construído | 207 
Figura 31 – Hall original no térreo preservado | 208 
Figura 32 – Pilar restaurado | 208 
Figura 33 – Reserva técnica no térreo; ao fundo vedação das esquadrias no 
intradorso dos vãos | 208 
Figura 34 – Reconstrução de telheiro frontal na cobertura | 208 
Figuras 35 e 36 – À esquerda, vedação translúcida no segmento chanfrado da 
sala de exposição; à direita, posterior acréscimo de painel acartonado | 209 
Figuras 37 e 38 – Esquadrias no hall preservado no térreo | 209 
Figuras 39 e 40 – À esquerda, vista do interior da passarela de saída; à direita e 
destacada, sua vista externa | 210 
Figuras 41 e 42 – À esquerda, interior da passarela de acesso ao novo hall; à 
direita, sua vista externa na fachada posterior | 210 
 Figuras 43 e 44 – À esquerda, plataforma de embarque; à direita a marquise | 211 
Figuras 45 e 46 – À esquerda, painéis decorados junto às abóbodas; à direita, 
painéis posteriormente removidos | 211 
Figuras 47 e 48 – Segmentos da marquise contíguos às fachadas laterais do 
edifício da Polícia | 212 
Figura 49 – Marquise contígua à fachada posterior do prédio da Polícia | 212 
Figuras 50 e 51 – À esquerda, extremidade da marquise junto ao Palacete e, à 
direita, contígua à Escola do Olhar | 213 
Figuras 52 e 53 – Vestígios do possível estaleiro do séc. VIII | 214 
Figura 54 – Pilotis da fachada frontal do antigo prédio da Polícia | 214 
Figura 55 – Fachada frontal da Escola do Olhar | 215 
Figura 56 – Praça Mauá com vista do MAR ao fundo e à esquerda | 215 
Figura 57 – Vista da Praça Mauá e do Museu do Amanhã a partir da cobertura 
da Escola do Olhar | 216 
Figura 58 – Vista da Praça entre os prédios do MAR | 216 
Figura 59 – Em destaque, vista da marquise do Terminal entre os prédios do 
conjunto do MAR | 219 
 Figura 60 – Vista da fachada posterior do conjunto do MAR | 220 
Figura 61 – Vista frontal do Prédio 2, à direita, e Galpão 3, à esquerda | 228 
Figura 62 – Localização do conjunto da Praça do Trem | 228 
Figura 63 – Edifícios protegidos | 229 
Figura 64 – Fachada frontal original | 230 
Figura 65 – Planta do complexo | 231 
Figura 66 – Fachada frontal após ampliação | 231 
Figura 67 – Destaque do acréscimo em uma lateral no pavimento superior | 231 
Figuras 68 e 69 – Fachada e interior do prédio em arruinamento | 232 
Figura 70 – Proposta para circulação vertical no térreo | 234 
Figura 71 – Proposta para circulação vertical no pavimento superior | 234 
Figura 72 – Fachada frontal após intervenção | 235 
Figuras 73 e 74 – Hall no térreo e no pavimento superior, climatizado (à parte) 
e com revestimento cerâmico | 235 
Figuras 75 e 76 – Nave do Conhecimento | 236 
Figuras 77 e 78 – Museu Cidade Olímpica | 236 
Figura 79 – Vedação do vão e execução de esquadria diversos do projetado | 236 
  xv
 

Figura 80 – Vista da cobertura em telhas metálicas, a partir da passarela da 
estação de trem | 236 
Figura 81 – Piso não restaurado | 237 
Figuras 82 e 83 – Pinturas decorativas não restauradas | 237 
Figura 84 – Planta do complexo | 237 
Figuras 85 e 86 – Fachadas frontal e posterior do Galpão 3 | 238 
Figuras 87 e 88 – Fachadas frontal e posterior do Galpão 4 | 238 
Figuras 89 e 90 – Fachada frontal do Galpão 3 e vista interna | 240 
Figura 91 – Fachadas posteriores dos Galpões 3 e 4 executadas | 240 
Figura 92 – Fechamento lateral contíguo ao beiral do Galpão 4 | 240 
Figura 93 – Praça do Trem e Estádio “Engenhão” | 241 
Figura 94 – Fachadas frontais dos Galpões 3, 4 e fachada lateral do Prédio 2 | 
245 
Figura 95 – Fachadas posteriores dos Galpões 3 e 4 | 245 
Figura 96 – Show na Praça do Trem | 252 
Figura 97 – Maratona de games na Nave do Conhecimento | 252 



INTRODUÇÃO
 

A preservação do patrimônio cultural, na contemporaneidade, está imersa nas 
mudanças  em  escala  mundial  influenciadas  pela  globalização  e  caracterizadas 
por avanços tecnológicos que aumentaram a velocidade das comunicações e dos 
deslocamentos,  intensificaram  transações  econômicas  e  afetaram  as  relações 
socioculturais  de  então.  Nessa  conjuntura,  a  cultura  é  industrializada  em  um 
processo pré‐determinado de produção e consumo, o que envolve a preservação 
do patrimônio cultural construído, neste caso, no âmbito da indústria do turismo 
patrimonial. 

Por sua vez, a preservação do patrimônio edificado abarca diversas atividades 
que visam à sua salvaguarda. Uma delas é a intervenção direta, que deve ser 
uma iniciativa planejada, desenvolvida e controlada para restituir a integridade 
física do bem e sua funcionalidade, além da continuidade de seus significados e 
valores patrimoniais. Sendo assim, ela abrange a ação de restauro da matéria 
histórica  e  também  de  arquitetura,  necessária  às  adaptações  e  à  criação  que 
viabilizam  seu  uso.  A  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  é  um 
empreendimento  de  caráter  técnico,  sensível  aos  aspectos  socioculturais  da 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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preservação, mas também está inserida no contexto político e econômico atual, 
que envolve a indústria cultural. 

Desse  modo,  o  processo  de  definição  da  intervenção  contemporânea  no 


patrimônio arquitetônico encerra novos entendimentos, agentes e interesses. A 
própria  compreensão  do  patrimônio  arquitetônico  se  modifica,  acolhendo  e 
ressaltando  sua  dimensão  imaterial,  inclusive  em  âmbito  nacional.  Os  grupos 
sociais que se relacionam com um mesmo bem se ampliam, assim como os laços 
de identificação que se estabelecem a partir daí. A valoração desse patrimônio 
abarca  dinâmicas  de  significação  novas,  mais  profundas,  por  não  se  aterem 
exclusivamente à interpretação das características materiais. Todavia, elas são 
também  mais  superficiais,  por  estarem  mais  próximas  das  experiências  de 
caráter rápido que o patrimônio pode propiciar com a indústria cultural. Logo, 
em vista desse novo panorama da preservação, é necessária a problematização 
da  definição  da  intervenção.  Ademais,  esse  é  um  processo  que,  na  prática,  é 
deveras intricado, com premissas teóricas que não constituem respostas diretas 
e únicas ao desafio que é a preservação do patrimônio arquitetônico. 

Com  efeito,  no  Brasil  o  desafio  da  prática  da  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico tem condicionantes particulares, sendo afligido por vários fatores 
que  afetam  a  preservação  do  bem.  O  exercício  profissional  nesse  setor, 
principalmente  no  que  tange  à  proposição  da  intervenção,  permite  observar 
diversos fatores que influenciam a tomada de decisão para a intervenção. Entre 
esses, está o problema do distanciamento entre a teoria do campo disciplinar de 
restauração e a prática da intervenção no patrimônio arquitetônico1. Teoria essa 
reconhecida pela história e pela crítica da preservação, que estabelece princípios 
teóricos,  metodológicos  e  técnico‐operacionais,  e  que,  na  prática 
contemporânea nacional, é vinculada preponderantemente ao restauro italiano, 
na forma dos postulados estabelecidos por Cesare Brandi (na metade do século 
XX)  e  da  Carta  de  Veneza  (1964),  segundo  Beatriz  Kühl  (2008).  Nesse  caso,  a 
questão é que a superficialidade ou mesmo a incoerência da intervenção, em 
relação aos fundamentos teóricos, podem comprometer o bem na qualidade de 
referência  de  prática  social,  de  memória  e  de  identidade  cultural,  conforme 
estabelece  a  Constituição  de  1988.  Entendem‐se  como  superficialidade  e 
incoerência os distanciamentos em relação a esses princípios que incorrem no 

 
                                                             
 
1
 Vale  ressaltar  que  se  reconhece  que  a  teoria  e  a  prática  se  relacionam  de  forma 
fragmentada e não absoluta. A teoria não deixa de ser uma prática social que se refere a 
um objeto e a uma realidade. Do mesmo modo, a prática não é exclusivamente empírica, 
pois  é  permeada  por  conhecimentos  teóricos.  Todavia,  considerou‐se  justo  empregar 
esses  termos  como  “antíteses”,  a  fim  de  utilizar‐se  uma  linguagem  corrente  mais 
acessível e direta para a discussão do problema. 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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seu  uso  pontual  ou  contraditório,  de  modo  que  a  teoria  deixa  de  ser  o 
fundamento que orienta a intervenção de forma concatenada. 

A  relação  entre  a  teoria  e  a  prática  da  intervenção  contemporânea  no 


patrimônio construído em âmbito nacional e, por sua vez, seu distanciamento 
têm sido discutidos particularmente por autoras como Beatriz Kühl (2006, 2008, 
2010) e Natália Vieira‐de‐Araújo (2017), que abordam as premissas teóricas de 
restauração,  assim  como  as  principais  correntes  teóricas  italianas  atuais.  Da 
mesma  forma,  essa  relação  também  é  debatida  por  vários  outros  autores,  de 
acordo  com  diferentes  campos  de  observação  e  diferentes  objetos,  como 
conjuntos edificados (centros históricos) e edificações de diferentes tipologias, 
entre  eles,  Lia  Motta  (1987,  2000,  2017)  e  Marcia  Sant’Anna,  que  discutem  a 
questão  no  âmbito  dos  conjuntos  urbanos  quanto  à  globalização  e  à 
industrialização da cultura.  

Na presente pesquisa, o objeto de discussão é a intervenção contemporânea no 
patrimônio  arquitetônico  isolado  –  edificação.  A  dimensão  temporal  é  a  da 
contemporaneidade estabelecida a partir da globalização e da industrialização 
da cultura (pertinente a esse período), por esses fenômenos possuírem grande 
impacto sobre as dinâmicas socioculturais de então. A dimensão espacial é a do 
panorama  ocidental  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  e, 
especialmente, o ambiente da prática nacional.  

A  hipótese  aventada  é  que  as  práticas  contemporâneas  de  intervenção  no 


patrimônio  arquitetônico  no  Brasil,  condicionadas  pela  indústria  cultural,  são 
justificadas por um discurso que fomenta e reitera o distanciamento em relação 
ao  campo  disciplinar  teórico,  podendo  comprometer  o  patrimônio  como 
referência histórica e identitária. Para verificar tal hipótese, o objetivo geral da 
pesquisa é discutir as relações entre a teoria do campo disciplinar  e a prática 
nacional contemporânea da intervenção no patrimônio arquitetônico, no âmbito 
da  influência  da  indústria  cultural  (que  encerra  o  turismo  patrimonial).  Essa 
discussão se justifica porque existe carência de reflexões acerca deste tema, com 
esse  foco  particular,  tendo‐se  como  pressuposto,  sobretudo,  o  resguardo  do 
patrimônio  arquitetônico  como  referência  de  prática  social,  de  memória  e  de 
identidade cultural 

Os objetivos específicos, por sua vez, são: 

 Determinar  conceitos  e  entendimentos  essenciais  à  discussão  da 


intervenção contemporânea no patrimônio arquitetônico, inclusive em 
âmbito nacional, considerando‐se que tais conceitos se ampliaram na 
contemporaneidade.  
 Abordar  a  dinâmica  contemporânea  da  prática  da  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico  na  realidade  nacional,  também  acerca  de 
aspectos relacionados à indústria cultural, levando em conta que novos 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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agentes,  interesses  e  interferências  foram  acrescidos  ao  processo  de 


intervenção.  
 Estabelecer o estado da arte quanto à teoria contemporânea básica do 
campo  disciplinar  da  restauração,  para  a  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico,  inclusive  em  relação  à  prática  brasileira.  Isso  porque 
esses princípios são primordiais na discussão da fundamentação teórica 
da intervenção.   

O  paradigma  metodológico  adotado  nesta  pesquisa  se  baseia  em  uma 


aproximação da relação entre a teoria, a prática da intervenção no patrimônio 
arquitetônico e a indústria cultural, que destaca o amplo campo de pertinência 
desse  tema.  A  tese  é  estruturada  em  quatro  capítulos,  estabelecendo  o 
referencial conceitual, o panorama geral da prática da intervenção em âmbito 
nacional,  a  teoria  essencial  à  prática  e,  por  último,  a  discussão  da  teoria  na 
prática.  Cada  capítulo  é  finalizado  com  considerações  parciais  em  que  se 
resumem e se reforçam fundamentos, por meio das aproximações observadas 
nas reflexões dos autores e também do posicionamento crítico acerca dessas. A 
organização de cada um dos capítulos, bem como os métodos empregados, são 
caracterizados a seguir. 

No  primeiro  capítulo,  exploram‐se  conceitos  e  entendimentos  essenciais  à 


intervenção  contemporânea  no  patrimônio  arquitetônico.  Como  introdução, 
sintetiza‐se um recorte do cenário sociocultural contemporâneo no qual ocorre 
essa ação, a partir da globalização e da industrialização da cultura, incluindo a 
pós‐modernidade como um código identificador das mudanças socioculturais de 
então. Isso é feito por meio da revisão bibliográfica multidisciplinar de autores 
mais recentes, somados a outros mais tradicionais, que discutem esses temas 
orientando‐se pelo viés dialético de interpretação das transformações sociais, 
sistemas  de  produção  da  cultura  e,  por  vezes,  tratando  do  urbano  e 
particularmente  da  preservação  do  patrimônio  nesse  contexto.  É  o  caso  do 
pesquisador português da Sociologia do Direito Boaventura de Souza Santos e 
do antropólogo argentino Néstor García Canclini, que estuda particularmente a 
América  Latina,  além  de  teóricos  como  o  antropólogo  Arjun  Appadurai,  o 
geógrafo David Harvey, Fredric Jameson e Guy Debord. Também são pontuadas 
Cartas, Declarações e Resoluções patrimoniais internacionais desenvolvidas pela 
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) 
e pelo International Conuncil of Monuments and Sites (ICOMOS).  

Consecutivamente,  estabelece‐se  o  entendimento  contemporâneo  de 


patrimônio  arquitetônico  para  a  intervenção,  por  meio  das  reflexões  de 
Françoise  Choay  e  François  Hartog,  historiadores  franceses  da  área  de 
preservação que são orientados pelos métodos das ciências sociais, próximos da 
preservação contemporânea brasileira.  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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Define‐se  propriamente  o  que  se  toma  como  intervenção  no  patrimônio 


arquitetônico,  abordando‐se  também  conceitos  contíguos  como  restauração, 
conservação e outros. Para isso, são empregados autores contemporâneos como 
Ignasi de Solà‐Morales, arquiteto e historiador dedicado à discussão teórica e a 
prática da arquitetura e da preservação do patrimônio, e Giovanni Carbonara, 
também  arquiteto,  historiador  da  arquitetura  e  teórico  da restauração, 
reconhecido no debate contemporâneo sobre a teoria do restauro. Além desses, 
o autor Salvador Viñas, que ganhou notoriedade em âmbito nacional com uma 
publicação  recente  que  pretende  uma  revisão  da  teoria  da  restauração.  Com 
base  nisso,  aborda‐se  ainda  a  repercussão  da  industrialização  da  cultura  na 
intervenção  contemporânea,  pelo  viés  da  diversidade  e  da  homogeneização 
cultural,  por  meio  dos  autores  já  empregados  no  início  do  capítulo:  Arjun 
Appadurai, David Harvey, Boaventura de Souza Santos e Néstor García Canclini.  

Também  se  estabelece  a  compreensão  da  identidade  cultural  em  relação  aos 
múltiplos  processos  de  significação  e  identificação  com  o  patrimônio 
arquitetônico  para  a  intervenção  na  contemporaneidade.  Com  esse  fim,  são 
empregadas as considerações de Stuart Hall, sociólogo que, em seu estudo sobre 
a cultura e a identidade cultural, foca as perspectivas étnicas, e as reflexões de 
autores da área de preservação, como Françoise Choay, que destaca as relações 
que envolvem o consumo do patrimônio nesse panorama, e Laurajane Smith, 
que ressalta em sua recente publicação a consciência dos grupos sociais nos usos 
atuais do patrimônio.  

Define‐se  ainda  se  o  entendimento  de  valor  patrimonial  do  consagrado  Alois 
Riegl, contextualizado à dinâmica contemporânea de intervenção, por meio de 
autores  como  Paolo  Marconi,  arquiteto  e  teórico  ativista  no  debate  italiano 
contemporâneo da teoria do restauro, Ignasi de Solà‐Morales e Françoise Choay.  

Esses  “balizamentos”  são  ratificados  com  trechos  de  Cartas,  Declarações  e 


Resoluções patrimoniais internacionais mais recentes, tendo em vista que são 
instrumentos reconhecidos como orientadores do processo de intervenção no 
patrimônio.  

No  segundo  capítulo,  discute‐se  a  prática  da  intervenção  contemporânea  no 


patrimônio  arquitetônico  no  domínio  nacional.  De  antemão,  são  retomados 
pontos  abordados  no  primeiro  capítulo,  como  o  processo  de  expansão  do 
patrimônio cultural, o desejo pelo passado, o dever de memória e o fetichismo 
pelo patrimônio, de modo a contextualizá‐los à realidade brasileira e antecipar 
o panorama da preservação nacional. Para isso, são utilizadas correlações entre 
as reflexões de Françoise Choay, François Hartog, David Harvey, Fredric Jameson 
e  as  de  autores  brasileiros  da  área  de  preservação  como  o  antropólogo  José 
Reginaldo Gonçalves, o historiador Ulpiano Meneses, a socióloga Maria Cecília 
Londres  Fonseca,  a  arquiteta  Lia  Motta,  a  historiadora  e  arquiteta  Flavia  do 
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Nascimento e a geógrafa Simone Scifoni, que discutem as mudanças ocorridas 
na preservação nacional nas últimas décadas do séc. XX e neste século.  

Baseando‐se  ainda  na  revisão  bibliográfica  desses  autores  brasileiros,  é 


retomada  a  compreensão  contemporânea  do  patrimônio  arquitetônico  como 
significação  a  ser  apurada  para  o  processo  de  intervenção,  assim  como  as 
dinâmicas que envolvem a atribuição da valoração patrimonial nesse contexto. 
Também se aborda a questão dos grupos sociais na significação do patrimônio 
edificado, por meio da discussão a respeito da identificação e da representação 
cultural para a intervenção. Além disso, essas análises são confrontadas com o 
documento que registra a Política do Patrimônio Cultural Material (PPCM), de 
modo  a  observar  o  posicionamento  oficial  da  esfera  pública  federal  de 
preservação.  

Nesse panorama da prática da intervenção são ainda pontuados os papéis da 
indústria cultural e do Estado, a ela associado, identificando‐se características 
comuns e dissonâncias recorrentes. Os autores brasileiros selecionados para isso 
são o sociólogo José Carlos G. Durand, que discute a política e a economia da 
cultura nacional, a arquiteta Marcia Sant’Anna e a filósofa Otília Arantes, ambas 
envolvidas com a preservação dos centros urbanos no âmbito da industrialização 
da cultura, e as arquitetas Beatriz Kühl e Patrícia Nahas, dedicadas ao estudo da 
intervenção no patrimônio arquitetônico.   

Com base nessa revisão, enumeram‐se os principais agentes envolvidos com a 
prática contemporânea da intervenção no patrimônio arquitetônico em âmbito 
nacional,  seus  interesses,  além  das  interferências  e  pressões  recorrentes  que 
implicam o distanciamento teórico da prática da intervenção.  

No  terceiro  capítulo,  identificam‐se  fundamentos  teóricos  básicos  do  campo 


disciplinar da restauração, essenciais à intervenção no patrimônio arquitetônico. 
Ressaltam‐se, em maior escala, princípios teóricos; por repercussão destes, são 
ocasionalmente pontuados princípios metodológicos e ainda princípios técnico‐
operacionais  (sem  observar  a  definição/especificação  de  procedimentos  e 
serviços desses últimos). Isso é feito por meio da revisão bibliográfica de teóricos 
italianos consagrados do restauro “moderno”, como Cesare Brandi e Umberto 
Baldini. Além de teóricos contemporâneos, como Marco Dezzi Bardesch, Paolo 
Marconi  e  Giovanni  Carbonara,  selecionados  por  serem  defensores 
emblemáticos  das  principais  correntes  teóricas  atuais  na  Itália,  país  que  é  o 
berço da restauração e terra natal de Cesare Brandi, referência teoria notória na 
prática da intervenção no Brasil. 

Também  são  assinaladas  posturas  recorrentes  na  prática  contemporânea  de 


intervenção no patrimônio arquitetônico em âmbito nacional, em relação a esse 
referencial teórico básico do campo disciplinar, por meio da revisão de estudos 
de Beatriz Kühl, que apresenta uma reconhecida contribuição sobre esse tema, 
associada às pesquisas de Patrícia Nahas, que promove uma ampla análise de 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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intervenções,  e  Claudia  Cunha,  que  aborda  particularmente  intervenções 


providas  pelo  Instituto  do  Patrimônio  Histórico  e  Artístico  Cultural  (IPHAN). 
Consequentemente, essas posturas, que traduzem formas de como os princípios 
teóricos são apropriados em nossa realidade, são correlacionadas às dinâmicas 
contemporâneas  da  preservação  em  meio  à  industrialização  da  cultura, 
empregando autores como o já citado espanhol Ignasi de Solà‐Morales, além do 
italiano Claudio Varagnoli, também dedicado à discussão teórica e à prática da 
preservação do patrimônio,  e a arquiteta brasileira Natália Vieira‐de‐Araújo, que 
aborda  intervenções  contemporâneas,  inclusive  em  relação  às  correntes 
teóricas mais recentes. Ademais, tais posturas são confrontadas com a Carta de 
Veneza  e  a  Teoria  da  Restauração  de  Cesare  Brandi,  assumidas  como  as 
principais  referências  teóricas  na  prática  nacional,  a  fim  de  reforçar  os 
distanciamentos teóricos. 

No quarto capítulo, estuda‐se particularmente a intervenção contemporânea no 
patrimônio arquitetônico, no ambiente típico de influência da indústria cultural, 
conformado  pelos  megaeventos.  A  metodologia  empregada  para  isso  é  uma 
estratégia qualitativa, o instrumento é o estudo de caso de intervenções, que 
representa uma amostra da relação entre a indústria cultural, a prática atual da 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  e  a  teoria.  O  recorte  geográfico 
estabelecido  para  os  casos  é  o  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro,  em  função  de  os 
megaeventos  ali  ocorridos  configurarem  um  ambiente  típico  de  influência  da 
indústria cultural. O recorte temporal é o de intervenções empreendidas a partir 
da  preparação  da  cidade  para  os  megaeventos:  dos  Jogos  Pan‐americanos  de 
2007 até os Jogos Olímpicos de 2016.  

Alinhado com essas premissas, define‐se ainda que os estudos de caso são de 
intervenções  em  edifícios  protegidos  de  médio  e  grande  porte,  cujo  uso 
estabelecido com a intervenção é o de equipamento cultural, dado que essas são 
características peculiares de atração para a indústria cultural.  Ademais, para a 
criação de um grupo de edifícios com atributos mais semelhantes, de modo a 
favorecer a análise e a comparação das intervenções, são excluídas edificações 
de  tipologias  muito  diversas.  Dessa  triagem,  são  selecionados  dois  casos  para 
estudo:  o  Museu  de  Arte  do  Rio  de  Janeiro  (MAR),  localizado  na  Praça  Mauá 
(Região Portuária) e a Praça do Trem, que abriga a Nave do Conhecimento e o 
Museu Cidade Olímpica, localizada no bairro do Engenho de Dentro (Região do 
Méier).  

Tendo  em  vista  a  hipótese,  a  tática  é  analisar  a  assertividade  da  intervenção 


contemporânea  na  realidade  brasileira,  sob  influência  da  indústria  cultural, 
quanto  ao  referencial  teórico  da  restauração.  Para  isso,  os  critérios  de 
observação  das  intervenções  são  estabelecidos  por  meio  da  revisão 
bibliográfica,  conformando  dois  grupos  de  parâmetros  para  análise  crítica.  O 
primeiro é identificado como parâmetro “postural” e refere‐se à observação da 
coerência teórica da intervenção em relação aos postulados e premissas teóricos 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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recorrentes  na  prática  nacional.  O  segundo  parâmetro,  denominado  como 


“conceitual”,  trata  da  observação  da  coerência  da  intervenção  quanto  aos 
conceitos  e  entendimentos  contemporâneos  de  patrimônio  arquitetônico,  de 
valor  patrimonial,  de  intervenção  e  de  identidade  cultural,  essenciais  para  o 
processo  de  intervenção.  A  verificação  da  assertividade  da  intervenção  em 
relação a esses parâmetros, ou seja, a análise crítica da coerência da intervenção 
quanto  ao  referencial  teórico  do  campo  disciplinar,  é  o  meio  empregado  na 
presente pesquisa para estabelecer se as intervenções estudadas comprometem 
o  patrimônio  arquitetônico  na  qualidade  de  referência  identitária  e  histórica. 
Esse  é  um  recurso  “didático”  imbuído  de rigor  científico,  não  se  pretendendo 
propor um método de análise de intervenção. 

Nesse  capítulo,  em  primeiro  lugar,  enumeram‐se  as  características  das  ações 
influenciadas  pela  indústria  cultural  na  preservação  do  patrimônio  cultural, 
relacionando‐as  com  as  operações  de  produção  dos  megaeventos,  pontuadas 
por intermédio do autor Michael Hall. Reforça‐se a influência sistematizada da 
indústria  cultural,  por  meio  dos  processos  produtivos  midiáticos  para  o 
consumo, destacando‐se seu impacto no patrimônio arquitetônico. Para tanto, 
emprega‐se  a  correlação  com  o  emblemático  edifício‐evento,  subsidiada  pela 
reflexão do historiador Gerard Monnier, que discute a história da arquitetura e 
o patrimônio.  

Em  seguida,  justifica‐se  o  recorte  espacial  e  temporal  estabelecido  para  os 


estudos de caso, descreve‐se e justifica‐se a seleção dos estudos de caso. São 
apresentados  os  megaeventos  no  Rio  de  Janeiro  sob  a  ótica  da  influência  da 
indústria  cultural  na  preservação  do  patrimônio  cultural,  abordando‐se 
particularmente as áreas pertinentes aos estudos de caso em análise. Para isso 
são  utilizadas  as  reflexões  dos  arquitetos  Glauco  Bienenstein  sobre  os 
megaeventos  no  Rio,  e  retomadas  as  discussões  de  Lia  Motta  e  Marcia 
Sant’Anna,  agora  a  respeito  da  cidade,  além  de  documentos  produzidos  por 
organizações e pela prefeitura sobre esses megaeventos. 

Consecutivamente, a metodologia para os estudos de casos é detalhada, sendo 
definidos  os  critérios  de  observação  das  intervenções  para  análise  crítica.  Por 
conseguinte, são apresentados os dados coletados e as análises de cada estudo 
de  caso.  Posteriormente,  essas  análises  são  confrontadas  e  enunciam‐se 
algumas considerações. 

Na  conclusão  da  tese,  confirma‐se  a  hipótese  de  que,  à  medida  que  a 
intervenção é imersa na dinâmica de influência da indústria cultural, ela também 
é  submetida  ao  seu  processo  produtivo  homogeneizador  caracterizado  pelo 
novo, pela imagem fragmentada, pela imposição do uso, pelo fachadismo e pela 
musealização. Essas e outras dissonâncias não encontram assertivo respaldo na 
teoria  do  campo  disciplinar  da  restauração  e  constroem  um  discurso  que  é 
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assimilado  como  o  modo  de  intervir  no  patrimônio  arquitetônico  na 


contemporaneidade. 

A  contribuição  inédita  desta  pesquisa  é  caracterizar  o  comprometimento  do 


bem no que tange à teoria, por ocasião de uma intervenção influenciada pela 
indústria  cultural.  Essa  é  uma  reflexão  crítica  e  autocrítica  da  prática  da 
preservação que pretende um olhar nem alienado, nem autorreferencial sobre 
a  intervenção.  Ademais,  a  observação  da  prática,  baseada  em  parâmetros 
quanto à coerência teórica da intervenção, é uma abordagem que colabora para 
a  reflexão  sobre  o  tema,  com  perspectivas  para  discussões  futuras.  Seus 
resultados podem interessar a profissionais da área de restauração e do setor 
acadêmico, dedicados ao processo de intervenção no patrimônio construído.  

   
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10 
 

1. CONCEITOS PARA INTERVENÇÃO


CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO
 

Neste capítulo, a discussão sobre a relação entre a teoria do campo disciplinar 
da  restauração  e  a  prática  da  intervenção  contemporânea,  no  patrimônio 
arquitetônico,  atém‐se  aos  entendimentos  e  os  conceitos  essenciais  e  atuais 
para a intervenção.  

   
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11 
 

Ao discutir‐se a dinâmica contemporânea de intervenção para preservação do 
patrimônio  arquitetônico,  é  necessário,  antes,  situar  tal  processo  no  dado 
panorama sociocultural. Para isso, destacam‐se dois fenômenos: a globalização 
e a industrialização da cultura.  

A  globalização  costuma  ser  sumariamente  descrita  como  um  fenômeno  de 


integração  das  sociedades  que  alcança  escala  mundial.  De  fato,  ela  gerou 
grandes  impactos  na  economia,  na  política  e  na  cultura  do  mundo,  sendo 
discutida por uma grande gama de autores, por meio de diferentes abordagens. 
Alguns  estudiosos  apontam  seu  início  já  no  pós‐guerra,  enquanto  outros 
estabelecem  como  marco  histórico  para  a  globalização  a  queda  do  bloco 
socialista, na década de 1980, haja vista que esse momento representou o fim 
da bipolarização mundial, além de ter sido um efetivo impulsionador econômico 
para o fenômeno em escala mundial2.  

Boaventura de Sousa Santos (2002) afirma que a globalização não é um evento 
natural  e  espontâneo,  mas  o  resultado  de  decisões  políticas,  no  âmbito  da 
economia  neoliberal,  que  podem  ter  datas  e  autorias  identificadas3.  Decisões 
essas  tomadas  em  uma  conjuntura  propícia,  na  qual  se  intensifica  em  escala 
mundial  a  disseminação  dos  sistemas  de  produção  e  finanças,  dos  meios  de 
comunicação e informação, assim como dos deslocamentos em massa. O autor 
ressalta que o próprio termo criado para identificar o fenômeno – “globalização” 
–  tem  uma  intencionalidade,  é  de  fácil  assimilação,  tornando‐se  familiar 
mundialmente4.  

 
                                                             
 
2
 Ainda  quanto  ao  início  da  globalização,  pode‐se  ponderar  que  a  Era  das  Grandes 
Navegações também foi um fenômeno de integração em escala mundial. Todavia, Néstor 
García  Canclini  (2007,  p.  41‐42)  defende  que  esse  foi  um  antecedente  à 
“transnacionalização”  que  ocorreu  na  metade  do  século  XX.  Porque,  mesmo  que  as 
Grandes  Navegações  tivessem  nações  mediadoras  e  promovessem  a 
“internacionalização” da economia e da cultura, sua escala foi menor, se comparada à 
globalização.  
3
 Como  observação  rápida,  pontua‐se  que  o  neoliberalismo  econômico  é  um  sistema 
baseado na liberalização da economia a partir da  desregulamentação, do livre comércio, 
de  privatizações  e  do  corte  de  despesas  sociais  governamentais,  entre  outras 
características, de modo a que a redução fiscal promova o estímulo à produtividade e a 
geração  de  emprego  e  renda.  Assim,  a  globalização  se  presta  a  esses  interesses.  As 
primeiras potências mundiais a adotar o neoliberalismo econômico foram o Reino unido, 
em  1980,  os  EUA,  em  1982  e  a  Alemanha,  em  1983.  No  Brasil,  o  governo  Collor  foi  o 
primeiro a assumir esse sistema.  
4
 Santos  (2002,  p.  25)  destaca  que  o  fenômeno  também  foi  designado  por  diferentes 
termos por vários autores, como: “formação global”, por Chase‐Dunn (1991); “sistema 
global”,  por  Sklair  (1991);  processo  global”,  por  Friedman  (1994);  “modernidades 
globais”, por Featherstone et al (1995); e “cidades globais”, por Sassen (1991, 1994) e 
Fortuna (1997).  
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Contudo,  Santos  (2002)  ressalta  que  o  termo  também  carrega  um  peso 
semântico  atrelado  à  ideia  de  homogeneização  e  uniformização  sustentada, 
inclusive, pelos teóricos iniciais da globalização. Isso induz o entendimento de 
que  esse  seria  um  “fenômeno  linear”  e  “monolítico”.  No  entanto,  segundo  o 
autor, a globalização se dissemina com diferentes alcances e intensidades pelo 
mundo, gerando distintos resultados em diferentes culturas. Ela combina “[...] a 
universalização  e  a  eliminação  das  fronteiras  nacionais,  por  um  lado;  o 
particularismo,  a  diversidade  local,  a  identidade  étnica  e  o  regresso  ao 
comunitarismo, por outro.” (SANTOS, 2002, p. 49). Talvez por essa ambivalência, 
a  concepção  inicial  do  fenômeno  como  gerador  de  homogeneização  e 
uniformização  prevaleça  ainda  hoje,  sobretudo  quanto  mais  é  apropriado  de 
maneira coletiva e se aproxima da linguagem comum.  

Quanto à organização social e cultural vigentes com a globalização, Santos (2002, 
p.  44‐50)  defende  dois  pontos  de  vista  principais.  O  primeiro  é  que  se  vivem 
“contextos menos corporativistas”, nos quais orientações políticas identitárias 
perdem  força  e  as  questões  de  classe  são  menos  institucionalizadas.  Para  o 
autor,  tal  condição  é  uma  consequência  da  política  neoliberal,  que  provoca 
esvaziamento das doutrinas políticas e de classes. O segundo ponto de vista é de 
que  a  globalização  promove  uma  mudança  “de  ênfase  nas  ciências  sociais”, 
passando “dos fenômenos socioeconômicos para os fenômenos culturais”. Ou 
seja, processos que associam integração e intenção.  

Néstor  García  Canclini  (2007)  acrescenta  que  as  mudanças  socioculturais 


decorrentes da globalização são também resultado da modificação da relação da 
sociedade  com  o  diferente,  promovida  pela  rapidez  das  comunicações  e 
principalmente  pelos  deslocamentos 5 .  Haja  vista  que  as  interações  culturais 
perpassam  fronteiras  políticas,  sendo  fundamentadas  em  “[...]  novos  fluxos  e 
estruturas  de  interconexão  supranacional.”  Consequentemente,  altera‐se  o 
“modo de fazer cultura”, implicando o irreversível processo de “reorganização 
mundializada das sociedades” e a “interculturalidade transnacional”. (CANCLINI, 
2007, p. 58‐59).  Ou, como Santos (2002, p. 49) identifica, a “universalização e a 
eliminação das fronteiras nacionais”.  

Canclini  (2010,  p.  131)  (publicado  originalmente  em  1985)  afirma  que 
reconhecer  a  “interculturalidade  transnacional”  decorrente  da  globalização  é 
compreender que a cultura não é necessariamente singular em seus grupos, nem 
unificada. Portanto, não cabe mais estudar na cultura “apenas a diferença, mas 
também  a  hibridação”.  Este  é  o  desafio  contemporâneo,  para  o  autor,  pois  a 
 
                                                             
 
5
 Os  deslocamentos  populacionais  na  globalização  têm  variadas  durações  e  são  mais 
heterogêneos do que os movimentos migratórios que ocorreram na primeira metade do 
século XX, normalmente associados a conflitos e crises econômicas, movendo grandes 
contingentes populacionais de forma definitiva.  
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“interculturalidade  transnacional”  tem  resultados  diversos.  Ela  não  só 


transforma  o  local  em  global,  como  também  promove  o  inverso.  Esse 
“relativismo  intelectual”  amplia  o  interesse  e  a  aceitação  pelo  diferente.  No 
entanto,  se  esse  processo  ocorre  sem  instrumentos  conceituais  e  políticos 
mediadores, ele pode promover o “[...] fundamentalismo e a exclusão, acentuar 
o racismo e multiplicar os riscos de ‘limpezas’ étnicas ou nacionais.” (CANCLINI, 
2007, p. 100).  

Canclini (2007, p. 44‐45) entende que a globalização associa “[...] processos de 
homogeneização e, ao mesmo tempo, de fragmentação articulada do mundo, 
que  reordenam  as  diferenças  e  as  desigualdades  sem  suprimi‐las.”  Portanto, 
assim  como  Santos  (2002),  o  autor  reforça  que  as  relações  socioculturais  da 
globalização podem ser interculturais, mas também diversas. 

Fredric Jameson (1985, p. 22), por sua vez, ressalta o impacto promovido pelos 
avanços  tecnológicos  das  comunicações  e  das  informações  no  panorama 
sociocultural global contemporâneo, como promotor de uma nova relação das 
pessoas com o tempo. Isso porque a velocidade e o constante fluxo de dados 
criam a sensação de um “presente perpétuo”, conformado a todo o momento. 
Logo, não há futuro nem passado, mas uma continuidade temporal que resulta 
em uma condição “esquizofrênica” de fragmentação e perpetuação do tempo.  

Nesse contexto de perda do passado e descrédito do futuro, o autor defende 
que a cultura não é mais o palco de lutas de classe de antes, pois ocorre uma 
aliança de classes estruturada para e pelo consumo. A atenção antes atribuída à 
esfera da produção é deslocada para o consumo, à medida que o valor de uso se 
sobrepõe ao valor de trabalho conferido ao produto ou à ação.  Diante disso e 
tendo em vista que, segundo Jameson (2000, p. 271), “nenhuma sociedade pode 
funcionar  eficientemente  sem  o  mercado”,  pois  este  é  parte  da  “natureza 
humana”,  a  cultura  institucionaliza‐se  como  produto  mercadológico  e  sua 
industrialização (que já vinha sendo construída desde o início do século XX) se 
consolida. A cultura que é para o consumo (mercado) é uma cultura de massa6. 

Para Jameson (1985), esse momento de significativas mudanças socioculturais 
conforma  a  pós‐modernidade.  Ela  é  aqui  observada  como  um  código 

 
                                                             
 
6
 O  processo  de  industrialização  da  cultura  é  identificado  inicialmente  pelo  agente 
“indústria  cultural”,  segundo  Theodor  Adorno (1903‐1969)  e  Max  Horkheimer  (1895‐
1973), conhecidos teóricos da escola de Frankfurt, na obra Dialética do Esclarecimento 
(1944). Os autores observaram a forma de produção industrial da cultura para as massas 
no nazismo alemão e no cinema americano.   
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identificador dessas transformações7. Uma delas, que cabe aqui pontuar, é que 
a  cultura,  antes  estigmatizada  pelo  “domínio  canônico  do  modernismo”,  cuja 
preocupação intelectual social era voltada para o moral e para o ético, mas agora 
se volta para o estético (JAMESON, 2000, p. 317). Dessa forma, o “populismo 
estético” torna‐se um critério para a produção de mercadorias (JAMESON, 2000, 
p. 28). 

Portanto, no âmbito da cultura de massa, a imagem se impõe como a mercadoria 
a ser consumida, em substituição ao produto. A imagem, que é um fragmento 
do  presente,  é  propagada  pela  mídia  viabilizada  pelas  novas  tecnologias  e 
comunicações. Jameson (2000, p. 279) defende que essa imagem é um signo do 
irreal, um “pastiche”, um “simulacro” do comportamento social e cultural que 
pretende a experiência da igualdade e celebra a liberdade da autorreprodução 
da  sociedade  midiática  de  consumo.  Isso  porque  é  na  suposta  liberdade  de 
escolha que se estabelece a relação “simbiótica” do mercado da cultura com a 
mídia. Ainda que a liberdade e a igualdade sejam almejadas, não se pode obtê‐
las  como  a  experiência  de  escolha  dentro  de  um  universo  de  imagens  pré‐
determinadas. O mercado raramente tem algo a ver com liberdade de escolha, 
haja  vista  que  o  controle  social  imposto  com  o  consumo,  no  processo  de 
industrialização  cultural,  está  mais  em  sua  estrutura  “totalizante”  do  que  na 
ideologia de mercado, que é mais próxima do Estado.  

Ou  seja,  no  panorama  sociocultural  da  pós‐modernidade,  a  produção  cultural 


pode ser entendida com um processo baseado no consumo, estabelecido por 
estruturas  concatenadas  programadas  pela  mídia.  Nessa  mesma  linha  de 
pensamento,  Guy  Debord  (2003,  p.  163)  (publicado  originalmente  em  1967) 
afirma  que  o  consumo  da  cultura  é  um  comportamento  condicionado,  um 
“fetichismo do consumo cultural”. Segundo o autor, o afastamento dos homens 
entre  si,  em  função  da  minimização  das  grandes  ideologias  coletivas,  faz  com 
eles  não  se  reconheçam:  “Numa  sociedade  em  que  ninguém  pode  mais  ser 
reconhecido  pelos  outros,  cada  indivíduo  torna‐se  incapaz  de  reconhecer  sua 
própria realidade.” Assim, promove‐se o consumo de uma vida que não é real, 
e, não sendo real, é espetáculo, algo mercantilizado. 

Contudo, Debord (2003) salienta que a espetacularização na pós‐modernidade 
não  se  define  somente  como  um  conjunto  avassalador  de  imagens  para  o  
consumo.  Para  o  autor,  existe  uma  relação  social  que  se  estabelece  com  a 
imagem como intermediadora, na qual o espetáculo é o resultado, mas também 

 
                                                             
 
7
 Convém ressaltar que a discussão sobre a pós‐modernidade abre múltiplas frentes de 
reflexão  e  análise.  Na  presente  pesquisa,  sua  abordagem  se  dá  exclusivamente  na 
qualidade  de  indicadora  das  mudanças  nas  relações  socioculturais  do  panorama 
contemporâneo  da  intervenção  para  preservação  do  patrimônio  cultural.  Por  esse 
motivo, opta‐se por não se aprofundar mais o tema. 
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é  o  processo.  Logo,  há  também  um  fetichismo  pelo  próprio  processo  de 
produção. Ou, como Jameson (2000, p. 282) identifica, “o consumo do próprio 
processo de consumo”. 

David  Harvey  (2008,  p.  8)  (publicado  originalmente  em  1989),  por  seu  lado, 
constrói  uma  análise  em  parte  semelhante  à  feita  por  Jameson  (1985,  2000). 
Harvey também discute o tema da nova temporalidade que modifica as relações 
socioculturais.  O  autor  afirma  que  os  avanços  das  comunicações,  dos 
deslocamentos  populacionais  e  dos  sistemas  de  produção  na  globalização 
implicam a sensação de queda das barreiras espaciais e de aceleração do tempo. 
Essa  condição  impele  a  um  tratamento  peculiar  do  passado,  pois  rompe  a 
continuidade histórica à medida que se pilha a história e se absorve tudo o que 
nela  se  “classifica  como  aspecto  do  presente”.  Tal  "compressão  do  tempo  e 
espaço"  promove  uma  percepção  não  linear  da  história  e  impacta  na  cultura, 
haja vista que, de maneira geral, ela não é isolada e autossuficiente, e cria um 
ambiente que consome referências culturais para atualizá‐las, “presentificá‐las” 
(HARVEY, 2008, p. 58).  

Por  sua  vez,  os  instrumentos  de  produção  dessas  referências  são  as  novas 
tecnologias e comunicações, produzindo a necessidade e o desejo do consumo 
da cultura, na pós‐modernidade, por meio de narrativas culturais constituídas 
por imagens e signos para o instantâneo e constante impacto8. Em função disso, 
há  uma  profusão  de  imagens  e  signos  efêmeros,  fragmentados  pela 
descontinuidade.  Segundo  o  autor,  um  “modo  particular  de  experimentar, 
interpretar  e  ser  no  mundo”,  cuja  consequência  para  a  cultura  é  a  falta  de 
profundidade e de rigor teórico. (HARVEY, 2008, p. 56). 

Essa  superficialidade  cultural  pode  ser  relacionada  com  o  que  Paul  François 
Lyotard (2009) (publicado originalmente de 1979) afirma ser a crise dos grandes 
discursos de legitimação. Não obstante, essa pode ser alusiva a falas de Debord 
(2003, p. 163), referindo‐se à “minimização das grandes ideologias coletivas”; de 
Santos (2002), sobre as questões de classe serem menos institucionalizadas, de 
Jameson (2000), sobre a cultura não ser mais o palco de lutas de classe de antes; 
e, ainda, de Harvey (2008), sobre o Estado enfraquecer os movimentos de classe. 
Lyotard  defende  que  a  pós‐modernidade  é  o  estado  da  cultura  após  as 
transformações  decorrentes  da  conjuntura  de  incredulidade,  em  relação  aos 

 
                                                             
 
8
 Segundo  Harvey  (2008,  p.  178),  a  economia  na  pós‐modernidade  é  um  estágio  do 
capitalismo  posterior  ao  estágio  de  simples  acumulação,  sendo  identificada  como 
"acumulação  flexível"  e  caracterizada  pelo  trabalho  e  capital  altamente  móveis 
(organizados  conforme  a  mobilidade  geográfica)  e  flexíveis  (ordenados  com  produção 
rápida e consumo rápido, de acordo com as respostas dos mercados). O Estado tem a 
função de regulador junto ao mercado, protegendo os interesses nacionais e atraindo o 
capital global.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
16 
 

grandes  relatos  (ou  metanarrativas),  nos  quais  a  ciência  se  apoia  na 
modernidade9. 

Uma  consequência  da  dissolução  dos  grandes  relatos  é  o  rompimento  do 


“vínculo  social”  e  a  transformação  das  “coletividades  sociais”  em 
individualização. A supremacia das diferenças em detrimento às metanarrativas 
totalizantes. (LYOTARD, 2009). Uma reflexão semelhante a do afastamento dos 
homens entre si, destacada por Debord (2003).  

Lyotard (2009) ainda defende que a perda de credibilidade dos grandes relatos 
leva  ao  incremento  dos  pequenos  relatos,  viabilizados  e  legitimados  pelo 
desenvolvimento  da  tecnologia.  Nesse  contexto,  o  autor  salienta  que  a 
“informatização das sociedades” pode tornar‐se um instrumento de “controle e 
regulamentação do sistema de mercado”, “exclusivamente regido pelo princípio 
do desempenho” (LYOTARD, 2009, p. 119). Ou seja, um mecanismo de controle 
que se “autolegitima”. 

Em  face  disso,  pode‐se  observar  que  a  globalização  e  a  industrialização  da 


cultura  conformam  parte  do  panorama  sociocultural  contemporâneo.  A 
produção cultural adquire funções e estabelece práticas que não existiam sob 
forma  até  então.  As  interações  culturais,  nessa  conjuntura,  resultam  em 
interculturalidade, assim como em processos radical‐conservadores. No vácuo 
das  grandes  ideologias  identitárias,  o  consumo  cultural  representa  parte 
importante do modo de fazer e assimilar a cultura na atualidade.  

No contexto da gama de práticas que passaram a vigorar com a industrialização 
da  cultura,  Sharon  Zukin  (2000,  p.  96)  acrescenta  a  esse  consumo  na  pós‐
modernidade, que se dá por meio do fragmento, da imagem e do efêmero, outra 
característica:  o  consumo  do  espaço.  “A circulação  de imagens  para  consumo 
visual é inseparável das estruturas centralizadas do poder econômico.” Sendo 
assim,  elas  têm  a  capacidade  de  “imprimir  perspectivas  múltiplas”,  inclusive 
sobre a paisagem. A autora destaca que as paisagens recentes são modificadas 
para consumo imagético e convertidas para o entretenimento que, por sua vez, 
abarca as paisagens históricas, em função de seu forte apelo para o consumo 

 
                                                             
 
9
 Lyotard (2009, p. 23) faz uma retrospectiva esquemática de discursos sobre a sociedade 
que  eram  exemplos  desses  grandes  relatos,  de  forma  a  reforçar  seu  entendimento 
quanto à perda da base teórica das lutas de classes. Para o autor, no marxismo e suas 
variações,  visa‐se  a  um  nivelamento  que  implica  a  ausência  de  lutas  de  classe;  já  nos 
países liberais, as lutas de classe são transformadas em regulação do sistema.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
17 
 

cultural10. Assim, a industrialização da cultura engloba o patrimônio cultural e a 
sua preservação em seu processo produtivo mercantil, que nesse caso é o da 
indústria do turismo cultural. 

Sobre  essa  assimilação  do  patrimônio  cultural  pela  indústria,  Ignasi  de  Solà‐
Morales (1998) reforça que o turismo cultural emprega práticas que influenciam 
as relações entre os bens e as pessoas, promovendo experiências prefiguradas 
na  forma  de  como  se  vê  e  como  se  aprecia  a  arquitetura  histórica.  Antes,  a 
indústria  do  turismo  patrimonial  promovia  uma  visão  centrada  nos 
monumentos; hoje, existe um novo modo de ver o patrimônio como conjunto 
de experiências culturais (comida, música, paisagens, etc.). É a “multiplicação de 
olhares” para a “multiplicação da circulação de imagens” (SOLÀ‐MORALES, 1998, 
p. 8). 

Retomando  David  Harvey  (2008,  p.  269),  o  autor  afirma,  tal  como  Fredric 
Jameson  (2000),  que  a  industrialização  da  cultura  é  um  processo  inerente  à 
sociedade. Segundo Harvey, a cultura produz “códigos de valores e significados 
sociais”  e  o  capital  e  as  mercadorias  são  “portadores  primários  de  códigos 
culturais”.  Logo,  o  processo  de  circulação  desses  itens  –  o  comércio  –  é  uma 
prática cultural, mesmo que essas mercadorias sejam “especiais” ou constituam 
um “sistema de signos”. Conforme essa reflexão, o patrimônio cultural e, por sua 
vez, o patrimônio arquitetônico enquadram‐se como “mercadorias especiais”. 

Com  efeito,  a  mercantilização  da  preservação  do  patrimônio  na 


contemporaneidade  implica  novas  relações  socioculturais  com  os  bens  que 
envolvem,  inclusive,  a  modificação  da  compreensão  desse  patrimônio  e, 
particularmente,  como  será  visto  mais  a  seguir,  do  próprio  patrimônio 
arquitetônico. Consequentemente, isso afeta a maneira como as instituições de 
preservação tratam as ações contemporâneas.  

Na esfera da proteção dos interesses coletivos globais, a Organização das Nações 
Unidas  para  a  Educação,  a  Ciência  e  a  Cultura  (UNESCO)  promove  tratados 
internacionais de cooperação baseados em direitos humanos e valores comuns 
a  serem  observados  pelos  Estados  signatários,  no  sentido  de  proteger  e 
conservar  o  patrimônio  cultural.  Entre  esses  tratados,  está  a  Declaração 

 
                                                             
 
10
 Para  Zukin  (2000),  na  industrialização  cultural  imposta  às  “cidades  mais  antigas”,  o 
consumo  é  mais  específico,  consistindo  na  apropriação  cultural  da  paisagem  que 
emprega o “enobrecimento”. Uma nova ordem espacial socialmente construída, didática 
para  o  consumo  visual  e  determinada  ao  ambiente.  Ver  item:  2.2  Indústria  cultural  e 
Estado na prática da intervenção nacional. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
18 
 

Universal  Sobre  a  Diversidade  Cultural 11 ,  no  qual  a  UNESCO  reconhece  no 


processo de industrialização da cultura um meio de desenvolvimento e reitera o 
incentivo igualitário à mesma. Afinal,  

[...] é necessário reforçar a cooperação e a solidariedade 
internacionais destinadas a permitir que todos os países, 
em particular os países em desenvolvimento e os países 
em transição, estabeleçam indústrias culturais viáveis e 
competitivas  nos  planos  nacional  e  internacional. 
(UNESCO, 2002, grifo nosso). 

Por  outro  lado,  a  industrialização  da  cultura  se  estrutura  em  um  processo 
produtivo para o consumo. Logo, a cultura é considerada uma fonte econômica, 
havendo, no entanto, ressalvas da UNESCO quanto a isso. 

Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, 
que  abrem  vastas  perspectivas  para  a  criação  e  a 
inovação,  deve‐se  prestar  uma  particular  atenção  à 
diversidade da oferta criativa, ao justo reconhecimento 
dos  direitos  dos  autores  e  artistas,  assim  como  ao 
caráter específico dos bens e serviços culturais que, na 
medida  em  que  são  portadores  de  identidade,  de 
valores  e  sentido,  não  devem  ser  considerados  como 
mercadorias  ou  bens  de  consumo  como  os  demais. 
(UNESCO, 2002). 

Sendo assim, o patrimônio arquitetônico, como bem cultural portador de vários 
significados,  não  é  um  bem  de  consumo  comum.  Portanto,  deve  ser  assim 
compreendido  para  que  a  sua  industrialização  seja  “viável”  e  “competitiva”, 
conforme frisado pela UNESCO. 

Ainda no contexto do “viável”, cabe destacar os documentos produzidos pelo 
International Conuncil of Monuments and Sites (ICOMOS), no sentido de orientar 
políticas públicas e, inclusive, práticas de intervenção no patrimônio. Essa é uma 
associação  civil  não  governamental  ligada  à  Organização  das  Nações  Unidas 
(ONU),  por  intermédio  da  UNESCO;  entre  seus  documentos  de  alcance 

 
                                                             
 
11
 A UNESCO estabelece três tipos de instrumentos legais: “Convenções” internacionais, 
que  são  adotadas  pela  Conferência  Geral  e  estão  sujeitas  à  ratificação,  aceitação  ou 
adesão dos Estados‐Membros; “Recomendações”, que são semelhantes às Convenções, 
mas que não estão sujeitas à ratificação; e “Declarações”, que também são adotadas por 
Conferência  Geral  e  não  estão  sujeitas  à  ratificação,  mas,  estabelecem  princípios 
universais.  Ver  a  respeito:  http://portal.unesco.org/fr/ev.php‐
URL_ID=23772&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
19 
 

internacional12 está a Carta internacional do México de Turismo Cultural (1999, 
p.  1,  tradução  nossa).  Ela  registra  um  crescente  reconhecimento  do  turismo 
como uma “[...] força positiva que promove a conservação do patrimônio natural 
e  cultural.”  “O  turismo  pode  abranger  as  características  econômicas  do 
patrimônio e usá‐las para sua conservação, criando recursos, desenvolvendo e 
influenciado  políticas  educativas 13 .”  Todavia,  também  é  destacado  no 
documento que a indústria do turismo, na preservação do patrimônio, precisa 
ser bem gerida.  

A  Declaração  de  Délhi  Sobre  Patrimônio  e  Democracia  (2017,  p.  1,  tradução 
nossa)  ressalta  que  o  turismo  na  preservação  constitui  um  “recurso 
fundamental”  para  a  melhoria  da  qualidade  de  vida  e  “coesão  social”, 
fomentando o desenvolvimento econômico em escala global. Por outro lado, a 
Declaração  de  Paris  Sobre  Patrimônio  como  Promotor  de  Desenvolvimento 
(2011) salienta:  

Os efeitos da globalização nas sociedades manifestam‐
se no atrito de seus valores, identidades e diversidade 
cultural  e  do  seu  patrimônio  tangível  e  intangível,  no 
sentido  mais  lato.  Portanto,  a  relação  entre 
desenvolvimento  e  patrimônio  deve  ser  examinada. 
(THE  PARIS  DECLARATION  ON  HERITAGE...,  2011,  p.  1, 
tradução nossa) 14.  

Com  base  nesse  recorte,  observa‐se  que  instituições  de  referência  para  a 
preservação  reconhecem  a  industrialização  da  cultura  e,  particularmente,  a 
indústria do turismo cultural como elementos da preservação contemporânea, 
que  têm  potenciais  positivos  e  negativos.  Elas  impactam  no  processo  de 
intervenção no patrimônio arquitetônico, configurando desafios que vão além 
das  dificuldades  estruturais  inerentes  ao  próprio  processo  de  intervenção,  e 
 
                                                             
 
12
 As Cartas patrimoniais internacionais aprovadas por Assembleia Geral do ICOMOS são, 
até então, 18 documentos que abordam diferentes temáticas. Ver apêndices, quadro 10: 
Cartas  patrimoniais  internacionais  ICOMOS. Há  ainda  outros  documentos  do  ICOMOS, 
que têm alcance internacional: as Resoluções e Declarações. Além desses, existem Cartas 
adotadas  por  Comitês  Nacionais.  Vale  salientar  que  um  equívoco  frequente  é  tomar 
documentos  de  cunho  regional  ou  Declarações  e  Deliberações  como  referência  para 
países que não os subscrevem. As Cartas, Resoluções e Declarações internacionais, assim 
como  documentos  nacionais,  são  retomadas  ao  longo  desta  pesquisa  sob  diferentes 
enfoques. 
13
 “Le tourisme peut saisir les caractéristiques économiques du patrimoine et les utiliser 
pour  sa  conservation  en  créant  des  ressources,  en  développant  l'éducation  et  en 
infléchissant la politique.” 
14
 “The effects of globalisation on societies are manifested in the attrition of their values, 
identities  and  cultural  diversity,  and  of  their  tangible  and  intangible  heritage,  in  the 
broadest sense. Therefore, the relationship between development and heritage must be 
examined.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
20 
 

alcançando  questões  como  a  assimilação  da  cultura  pela  indústria  e  a  gestão 


competitiva  e  viável  desse  processo,  para  que  se  promova  também  o 
desenvolvimento socioeconômico15. 

1.1 P ATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO


CONTEMPORÂNEO

Cesare Brandi (2004, p. 30) afirma que o reconhecimento de um objeto a ser 
preservado  pressupõe  uma  revelação,  e  deve‐se  visar  com  a  preservação  
“conservar para o futuro a possibilidade desta revelação”. Logo, pode‐se dizer 
que  o  reconhecimento  é  a  percepção  de  que  o  objeto  é  uma  referência  para 
preservação,  ou  seja,  que  se  vincula  a  memórias  coletivas  e  significações.  A 
revelação é a percepção das memórias e significações do objeto. Para o autor, 
essa possibilidade de percepção deve perdurar com a ação de preservação do 
patrimônio cultural. 

Por  certo,  o  processo  de  reconhecimento  e  revelação  é  essencial  para  a 


preservação,  que  já  havia  entrado  “na  sua  fase  de  consagração”  a  partir  da 
década de 1960, de acordo com Françoise Choay (2006, p. 111). Para a autora, a 
fronteira simbólica desse momento é a redação da Carta de Veneza (1964), ainda 
uma  referência  mundial16.  Outro  documento  que  também  pode  ser  elencado 

 
                                                             
 
15
 Ver item: 2.2 Indústria cultural e Estado na prática da intervenção nacional, onde essa 
discussão é aprofundada, sendo contextualizada à realidade brasileira. 
16
 A Carta de Veneza (1964) foi redigida no II Congresso Internacional de Arquitetos e de 
Técnicos de Monumentos Históricos, em 1964. O termo empregado para definir o que é 
patrimônio,  no  artigo  1°  do  documento,  é  “monumento  histórico”:  “A  noção  de 
monumento  histórico  compreende  a  criação  arquitetônica  isolada,  bem  como  o  sítio 
urbano  ou  rural  que  é  testemunho  de  uma  civilização  particular,  de  uma  evolução 
significativa ou de um acontecimento histórico. Estende‐se não só às grandes criações, 
mas também às obras modestas, que tenham adquirido com o tempo, uma significação 
cultural.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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21 
 

como  marco  dessa  fase  da  preservação  é  a  Convenção  para  a  Proteção  do 
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, estabelecida pela UNESCO em 197217. 

Com efeito, o patrimônio cultural nesse período já havia se consolidado como 
importante fonte memorial e os métodos científicos para a sua preservação já 
haviam sido estabelecidos. Todavia, com a globalização e a industrialização da 
cultura,  o  panorama  sociocultural  se  modificou  intensamente  nas  últimas 
décadas  do  século  XX.  Isso  implicou  transformações  na  preservação  e, 
consequentemente,  no  processo  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico, 
cuja função principal é salvaguardar o bem como referência para a preservação.  

Choay (2005, p. 21) identifica esse período de mudanças como o momento da 
terceira revolução, a “eletrotelemática”, cuja característica é a dependência da 
sociedade  das  novas  tecnologias  de  comunicação 18 .  Nessa  conjuntura  de 
transformação, a sociedade é a “tribo midiática” e a preservação do patrimônio 
cultural  é  uma  de  suas  “palavras‐chave”,  conforme  publicado  pela  autora 
originalmente em 1982 (CHOAY, 2006, p. 11). Isso porque há uma sensibilização 
e  expansão  global  do  objeto  –  patrimônio  cultural  –  mobilizada  por  uma 
consternação solidária coletiva pela preservação. Essa “valorização excessiva dos 
testemunhos  do  passado”  torna‐se  uma  imposição  identificada  como 
“fetichismo  do  patrimônio”  (CHOAY,  2005,  p.  23).  Em  outros  termos,  uma 

 
                                                             
 
17
 Segundo  a  Convenção  para  Proteção  do  Patrimônio  Mundial,  Cultural  e  Natural  da 
UNESCO  (1972),  o  patrimônio  cultural  abarca:  “[...]  –  os  monumentos:  obras 
arquitetônicas,  esculturas  ou  pinturas  monumentais,  objetos  ou  estruturas 
arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de 
vista da história, da arte ou da ciência; – os conjuntos: grupos de construções isoladas ou 
reunidas,  que,  por  sua  arquitetura,  unidade  ou  integração  à  paisagem,  têm  valor 
universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; – os sítios: obras 
do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem 
os  sítios  arqueológicos,  de  valor  universal  excepcional  do  ponto  de  vista  histórico, 
estético, etnológico ou antropológico.”  
18
 Françoise  Choay  (2005,  p.  20‐21)  discute  a  evolução  do  entendimento  do  que  é 
patrimônio  cultural  e  lista  três  momentos  de  grandes  mudanças  culturais  que  a 
influenciaram.  O  momento  inicial  é  a  primeira  “revolução  cultural”,  ocorrida  com  o 
Renascimento. Nele, o patrimônio cultural era concretizado na forma e no significado do 
monumento, e sua finalidade primordial era representar o ideal de beleza. A segunda 
revolução cultural foi experimentada por meio da Revolução Industrial, que, de maneira 
geral,  conferiu  ao  patrimônio  “uma  proteção  de  tipo  museológico”.  Nesse  período,  a 
designação de “monumento histórico” ganhou destaque, sendo difundida inclusive fora 
da Europa. O monumento histórico se estabeleceu então como essencialmente derivado 
da  Arqueologia  e  da  história  erudita  da  Arquitetura,  assim  congregando 
progressivamente  “todas  as  formas  da  arte  de  edificar”  (CHOAY,  2006,  p.  12).  Choay 
(2005)  também  aponta  a  Revolução  Francesa  como  um  momento  marcante  nesse 
processo,  quando,  pela  primeira  vez,  o  termo  foi  empregado  e  o  instituto  do 
tombamento  é  criado,  sob  a  égide  do  reconhecimento  de  valores  que  constroem  o 
patrimônio nacional. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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22 
 

particularização correlata à preservação do “fetichismo” pelo consumo cultural 
discutido por Guy Debord (2003), já citado anteriormente. 

Uma  das  consequências  desse  fetichismo,  para  Choay  (2005,  p.  27)  é  a 
“permanente  inflação”  do  patrimônio  cultural 19 .  Um  “complexo  de  Noé” 
decorrente  de  “[...]  um  mundo  de  edifícios  modestos,  nem  memoráveis  nem 
prestigiosos,  reconhecidos  e  valorizados  por  novas  disciplinas  [...].”  Essa 
ampliação das tipologias categorizadas como patrimônio histórico propaga, em 
escala  mundial,  referências  ocidentais.  Além  disso,  contribui  para  uma 
“expansão ecumênica das práticas patrimoniais” que são pensamentos e valores 
dessas mesmas referências. Portanto, não se importando com “[...] seleções e 
classificações e em visar uma exaustão simbólica, a despeito da heterogeneidade 
das  culturas,  das  utilizações  e  dos  tempos  a  que  pertencem  os  bens 
acumulados.”  Dessa  forma,  a  autora  entende  que  esse  é  um  “culto”  ao 
patrimônio cuja natureza e forma se transformaram em razão da “[...] expansão 
generalizada  das  suas  zonas  de  difusão,  do  seu  corpus  e  do  seu  público  [...].” 
(CHOAY, 2006, p. 182‐212). Ou seja, a preservação modifica‐se com ampliação 
do  que  é  o  patrimônio  e  das  relações  que  se  estabelecem  com  ele,  com  sua 
expansão  numérica  e,  consequentemente,  com  a  alteração  da  forma  de 
preservar. 

François  Hartog  (2006)  também  discute  a  relação  que  se  estabelece  com  o 
passado, em face aos processos de globalização e de industrialização cultural, na 
construção  da  compreensão  contemporânea  do  patrimônio.  O  autor  defende 
que  há  na  atualidade  uma  demanda  pelo  passado,  uma  “busca  de  raízes 
obcecada  pela  memória”,  pois  “[...]  o  passado  atrai  mais  que  a  história;  a 
presença do passado, a evocação e a emoção predominam sobre a tomada de 
distância e a mediação.” Sendo assim, um meio para obtenção dessa emoção 
nostálgica é a experimentação do patrimônio cultural que decorre do contato e 
da fruição do bem. (HARTOG, 2006, p. 270‐272). Tal demanda pelo passado é 
condizente com a conjuntura de perda de referências decorrente do declínio dos 
grandes  discursos  de  legitimação,  identificada  anteriormente  por  Jameson 
(2000) e Lyotard (2009). 

O  patrimônio  se  apresenta  então  como  um  convite  à 


anamnese coletiva. Ao “dever” da memória, com a sua 
recente  tradução  pública,  o  remorso,  se  teria 
acrescentado alguma coisa como a “ardente obrigação” 
do patrimônio, com suas exigências de conservação, de 
reabilitação  e  de  comemoração.  (HARTOG,  2006,  p. 
266). 

 
                                                             
 
19
 Ver texto introdutório do capítulo 2. A Prática brasileira de intervenção no patrimônio 
arquitetônico, em que se contesta essa visão no âmbito da realidade nacional. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
23 
 

Todavia,  Hartog  (2006,  p.  270‐272)  salienta  que  essa  “ardente”  consternação 
pelo  patrimônio  cultural  é  um  “sinal  de  ruptura”  e  não  de  continuidade  do 
passado, pois o patrimônio não se baseia nessa ininterrupção. “O patrimônio é 
uma maneira de viver as rupturas, de reconhecê‐las e reduzi‐las, [...].” Enfim, o 
autor  enfatiza  a  “categoria  do  presente”,  porque  à  medida  que  a 
patrimonialização  se  promove  ou  é  promovida  como  um  “imperativo” 
mobilizado  pelo  “dever  da  memória”,  torna‐se  “[...]  um  traço  distintivo  do 
momento que nós vivemos ou acabamos de viver [...].” Ela é parte do que nos 
define na atualidade, uma manifestação do presente, marca de nosso tempo, 
um  “presentismo”.  A  onipotência  desse  presente  é  determinante,  pois  este 
fabrica  “cotidianamente  o  passado  e  o  futuro  do  qual  ele  tem  necessidade”. 
Dessa  forma,  o  patrimônio  é  “[...]  trabalhado  pela  aceleração:  é  preciso  fazer 
rápido  antes  que  seja  muito  tarde,  antes  que  a  noite  caia  e  o  hoje  tenha 
desaparecido completamente.”  

Por  conseguinte,  a  necessidade  de  consumir  referências  do  passado,  a 


industrialização do passado, acaba por caracterizar o presente, no qual “[...] o 
patrimônio se impôs como a categoria dominante, englobante, senão devorante, 
em  todo  caso,  evidente,  da  vida  cultural  e  das  políticas  públicas.”  (HARTOG, 
2006, p. 265).  

Nessa  dinâmica,  a  experimentação  e  o  consumo  do  patrimônio  demandam 


constante ampliação desta “mercadoria especial”. Acerca desse processo, Choay 
(2005,  p.  24)  é  contundente  quando  afirma  que  são  empregadas  “variadas 
máscaras  do  desenvolvimento”  para  o  estímulo  ao  consumo  global  do 
patrimônio.  Um  símbolo  dessas  práticas  é  a  “[...]  política  de  industrialização 
cultural da UNESCO, com a sua convenção de Patrimônio Mundial e a rotulagem 
dos bens culturais à escala mundial.”  

Compete ressaltar que a UNESCO, ao longo do tempo, também passa a admitir 
bens  que  não  são  representantes  da tradição  europeia  na  lista  de Patrimônio 
Mundial,  justificando‐se  inclusive  com  o  reconhecimento  da  diversidade  do 
patrimônio cultural20. Isso é mais uma evidência da ampliação da compreensão 
do patrimônio arquitetônico, pois é uma quebra de paradigma, segundo Maria 
Cecília Londres Fonseca (2009). Para ela, 

 
                                                             
 
20
 Essa orientação é ressaltada na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural de 
2002. “A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade 
se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos 
e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de 
criatividade,  a  diversidade  cultural  é,  para  o  gênero  humano,  tão  necessária  como  a 
diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da 
humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes 
e futuras.” (UNESCO, 2002). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
24 
 

[...] ter aspectos de sua cultura, até então considerada 
por olhares externos como tosca, primitiva ou exótica, 
reconhecidos como patrimônio mundial, contribui para 
inserir  um  país  ou  um  grupo  social  na  comunidade 
internacional,  com  benefícios  não  só  políticos,  mas 
também econômicos. (FONSECA, 2009, p. 72). 

Outra evidência da ruptura dessa fronteira espacial dos padrões europeus é a 
Declaração  internacional  elaborada  na  Conferência  de  Nara  (1994) 21 .  O 
documento registra a legitimidade internacional conferida aos patrimônios de 
outras culturas e promove a diversidade da expressão cultural.  

Diante disso, observa‐se que a compreensão do patrimônio cultural não só se 
amplia,  no  que  se  refere  ao  campo  de  proteção,  como  também  ganha 
complexidade. Particularmente em relação ao patrimônio arquitetônico, que na 
atualidade compreende o patrimônio rural, vernacular, industrial, arqueológico 
e outros, há uma evolução decisiva em sua compreensão: o reconhecimento da 
natureza intangível do bem tangível. 

Nesse contexto, um tema pertinente é o lugar de memória. Ainda que não seja 
exclusivo do patrimônio arquitetônico, ele tem em seu cerne a intangibilidade 
do  patrimônio,  inclusive  do  tangível.  Pierre  Nora  (1993)  (publicado 
originalmente  em  1984)  reflete  sobre  essa  questão,  baseando‐se  na  condição 
francesa  de  exaltação  do  passado  nacional,  mesma  exaltação  discutida  por 
Choay  (2005)  e  Hartog  (2006).  Nora  afirma  que,  nessa  dinâmica,  a  história 
consagra  lugares  para  a  constituição  da  consciência  nacional,  visto  que  a 
memória  não  é  mais  praticada  como  antes 22 .  Esses  lugares  de  história  são 
vestígios  e  testemunhos  da  memória,  pois  a  memória  correlata  a  eles  não  é 
espontânea  ou  natural,  mas  uma  “memória‐arquivo”,  uma  “memória 
historicizada”  que  é  construída  com  um  discurso  de  uma  “memória‐dever” 

 
                                                             
 
21
 A Declaração de Nara é uma das 16 Declarações ou Resoluções de âmbito internacional 
reconhecidas  pelo  ICOMOS  até  então.  Ver  apêndices,  quadro  11:  Declarações  e 
resoluções patrimoniais internacionais ICOMOS.  
22
 Nora  (1993,  p.  8)  afirma,  em  1981,  que  o  “fim  das  sociedades‐memória”  na  era 
industrial decorre do declínio de hábitos e tradições que “[...] asseguravam a passagem 
regular do passado para o futuro, ou indicavam o que se deveria reter do passado para 
preparar  o  futuro;  [...].”  Em  entrevista  à  Ana  Cláudia  Brefe  (1999,  p.  21),  quase  duas 
décadas  depois,  o  autor  esclarece  que  o  desparecimento  da  “história  memória”  –  a 
história memorial fruto de um processo autônomo e espontâneo ‐, não foi intempestivo, 
mas sim “[...] de um luto, de uma presença fantasmagórica, trata‐se de um espectro da 
antiga França [...].” A partir daí, segundo Nora (1993, p. 11), a História na França assume 
o papel de formação da consciência nacional e consequentemente da identidade cultural 
nacional, iniciando‐se a “idade historiográfica” francesa. Ou seja, no período em que seu 
“registro” deixa de ser espontâneo e torna‐se uma construção, a memória se diferencia 
da  história  e  a  história  torna‐se  “uma  construção  conceitual  do  tempo  e  do  poder” 
(CHOAY, 2006, p. 219).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
25 
 

(NORA, 1993, p. 17‐18). Semelhante ao “dever de memória” de Hartog (2006, p. 
266),  que  é  uma  “ardente  obrigação”  mobilizadora  pela  preservação  do 
patrimônio.  

Portanto, é necessária uma “vontade de memória” para conformar o lugar de 
memória. (NORA, 1993, p. 22). Essa é somada ao “espaço”, ou ao “gesto”, ou à 
“imagem”, ou ainda ao “objeto” que se torna suporte para a memória. O lugar 
de  memória  tem,  além  do  simbolismo,  materialidade  e  funcionalidade 
simultaneamente e em diferentes proporções. (NORA, 1993, p. 9).  

Mas o que os faz lugares de memória é aquilo pelo que, 
exatamente,  eles  escapam  da  história.  [...]  Nesse 
sentido, o lugar de memória é um lugar duplo; um lugar 
de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua 
identidade,  e  recolhido  sobre  seu  nome,  mas 
constantemente  aberto  sobre  a  extensão  de  suas 
significações. (NORA, 1993, p. 27).  

De  tal  modo, o  atributo  estruturador  do lugar  de  memória  é  sua  significação. 
Nesse  sentido,  Francisco  Santiago  Júnior  (2015,  p.  262)  defende  que,  sendo 
necessária a vontade de memória para que haja um lugar de memória, este, “[...] 
em vez de um ritual de uma sociedade com memória fraturada, é um exercício 
múltiplo de formação dos passados das diversas comunidades políticas.”  

Lugar de memória, portanto: toda unidade significativa, 
de ordem material ou ideal, que a vontade dos homens 
ou  o  trabalho  do  tempo  converteu  em  elemento 
simbólico do patrimônio memorial de uma comunidade 
qualquer  [...]  (NORA,  1992,  p.  20  apud  SANTIAGO 
JÚNIOR, 2015, p. 268) 23. 

Tratando  particularmente  do  lugar  de  memória  material,  Nora  atualiza  sua 
definição,  em  entrevista  a  Ana  Cláudia  Brefe  (1999),  afirmando  que  esse  não 
pode ser reduzido a um objeto material. O lugar de memória tem o objetivo de 

[...]  liberar  a  significação  simbólica,  memorial  – 


portanto,  abstrata  –  dos  objetos  que  podem  ser 
materiais, mas na maior parte das vezes não o são. Na 
verdade,  existem  somente  lugares  de  memória 
imateriais,  senão  seria  suficiente  que  falássemos  de 
memoriais. (In: BREFE, 1999, p. 30). 

 
                                                             
 
23
 Obra  não  consultada:  NORA,  P.  Comment  écrire  l’historie  de  France?  In:  NORA,  P. 
(Org.). Les Lieux de Mémoire III: Les France 1 conflits et partages. Paris: Gallimard, 1992, 
pp. 11‐32.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
26 
 

Sendo assim, o lugar de memória construído parte de um objeto material, mas 
basicamente é imaterial, pode ser vinculado a um patrimônio cultural tangível, 
mas  tem  caráter  intangível.  O  entendimento  do  que  é  de  fato  o  lugar  de 
memória, no campo do patrimônio arquitetônico, excede a estrutura, passa pela 
legitimação da vontade de memória e baseia‐se em sua significação.  

Ainda  sobre  a  dimensão  intangível  do  patrimônio  tangível,  o  ICOMOS  vem 


mencionando  esse  tema  em  diversas  Cartas,  Declarações  e  Resoluções 
patrimoniais. Vale salientar que tais documentos são orientações relevantes ao 
processo de intervenção para preservação do patrimônio arquitetônico. Entre os 
que pontuam essa premissa, têm alcance internacional e foram produzidos mais 
recentemente (a partir da década de 1980, que é um possível marco do processo 
de globalização) estão:  

A Declaração de San Antonio (1996), que discute particularmente o continente 
americano. Ela ressalta que, além da evidência material, o patrimônio tem uma 
profunda mensagem espiritual manifestada por meio de costumes e tradições. 
Desse  modo,  essas  características  intangíveis  do  patrimônio  são  parte  do 
patrimônio tangível. 

A Carta de Itinerários Culturais de Québec (2008, p. 2, tradução nossa) registra 
que  as  características  intangíveis  do  patrimônio  contribuem  para  fornecer 
sentido  e  significado  aos  “[...]  elementos  tangíveis,  que  representam  o 
testemunho patrimonial e a conformação física de sua existência.”  

Por sua vez, a Declaração de Xi’an  Sobre a Conservação do Entorno Edificado, 
Sítios  e  Áreas  do  Patrimônio  Cultural  (2005)  salienta  a  intangibilidade  do 
patrimônio arquitetônico em relação ao seu foco de discussão. Ela destaca que 
o entorno é um “[...] meio característico seja de natureza reduzida ou extensa, 
que forma parte de – ou contribui para – seu significado e caráter peculiar24.” 

Mas,  além  dos  aspectos  físicos  e  visuais,  o  entorno 


supõe uma interação com o ambiente natural; práticas 
sociais ou espirituais passadas ou presentes, costumes, 
conhecimentos tradicionais, usos ou atividades, e outros 
aspectos do patrimônio cultural intangível que criaram 
e  formaram  o  espaço,  assim  como  o  contexto  atual  e 
dinâmico  de  natureza  cultural,  social  e  econômica. 

 
                                                             
 
24
 Entre os documentos anteriores à década de 1980 que abordam a questão do entorno 
do bem, está a Recomendação de Nairóbi (1976, p. 3) da UNESCO, que trata o entorno 
como “ambiência”, relacionando o vínculo do bem com o espaço, com os laços sociais e 
culturais. “Dessa maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades humanas, 
desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso 
respeitar.” Um meio de respeitá‐la e também proteger essa ambiência de “acréscimos 
supérfluos e de transformações abusivas”. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
27 
 

(DECLARAÇÃO DE XI’AN..., 2005). 

Portanto, o entorno da edificação histórica é dotado de dimensões intangíveis, 
além das tangíveis, que também contribuem para a significação do patrimônio 
arquitetônico. Com efeito, 

os  documentos  mais  recentes  tratam  da  ideia  de 


entorno  significando  contexto,  cujo  entendimento 
pressupõe  o  conhecimento  da  história  e  das 
características ambientais e culturais, ou seja, o espaço 
ou  o  território  ou  a  paisagem  são  importantes  para  o 
entendimento de um todo, que não pode ser somente 
informado  pelo  bem  protegido.  (MOTTA;  THOMPSON, 
2012, p. 186). 

Significação que, segundo o glossário dos recentes Princípios para a Conservação 
do Patrimônio Construído em Madeira (2017), de Nova Delhi, são: 

[...]  os  valores  patrimoniais  estéticos,  históricos, 


arqueológicos, antropológicos, científicos, tecnológicos, 
sociais, espirituais ou outros valores intangíveis de uma 
estrutura ou sítio para gerações passadas, presentes ou 
futuras.  (PRINCIPIOS  PARA  LA  CONSERVACIÓN  DEL 
PATRIMONIO  CONSTRUIDO  EM  MADERA,  2017,  p.  6, 
tradução nossa)25.  

Tal  entendimento  está  em  consonância  com  a  Declaração  de  Delhi  Sobre 
Patrimônio  e  Democracia  (2017,  p.  3,  tradução  nossa),  que  reflete  uma 
abordagem  mais  diversificada  e  complexa  da  significação  do  patrimônio, 
enfatizando sua dimensão “multicultural e multidimensional”.  

Ultrapassando a esfera da significação do patrimônio arquitetônico, mas ainda 
no  contexto  de  seu  caráter  intangível,  cabe  pontuar  o  entendimento  do 
patrimônio  construído  como  "Spiritu  loci".  Discutido  na  correspondente 
Declaração de Québec de (2008), dedicada ao patrimônio urbano, o espírito do 
lugar é o sentido constituído por elementos intangíveis e tangíveis conferido por 
“vários atores sociais”26. 

 
                                                             
 
25
 “[...]  los  valores  patrimoniales  estéticos,  históricos,  arqueológicos,  antropológicos, 
científicos, tecnológicos, sociales, espirituales u otros intangibles de una estructura o sitio 
para pasadas, presentes o futuras generaciones.” 
26
 Cabe  pontuar  que  “genius  loci”  é  o  termo  de  conotação  religiosa  empregado  na 
Antiguidade Clássica para designar tudo que se relaciona com o lugar. Christian Norberg‐
Schulz  adotou  a  sentença  "espírito  do  lugar",  na  teoria  da  arquitetura,  como  uma 
abordagem fenomenológica do ambiente e da interação entre lugar e identidade. Aldo 
Rossi empregou esse termo de maneira semelhante. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
28 
 

Visto como  um  conceito  relacional,  o  espírito  do  lugar 


assume ao longo do tempo um caráter plural e dinâmico 
capaz de possuir múltiplos sentidos e peculiaridades de 
mudança,  e  de  pertencer  a  grupos  diversos.  Esta 
abordagem mais dinâmica se adapta melhor ao mundo 
globalizado  atual,  caracterizado  por  movimentos 
transnacionais  da  população,  relocação  populacional, 
contatos  interculturais  crescentes,  sociedades 
pluralísticas e múltiplas ligações ao lugar. (DECLARAÇÃO 
DE QUÉBEC SOBRE A PRESERVAÇÃO DO "SPIRITU LOCI”, 
2008). 

O espírito do lugar testemunha o horizonte das experimentações do patrimônio 
e,  consecutivamente,  das  relações  dos  grupos  sociais  com  este,  bem  como 
enfatiza a importância das dinâmicas de caráter local. 

Dado que geralmente as comunidades locais estão mais 
bem posicionadas para compreender o espírito do lugar, 
sobretudo no caso de grupos culturais tradicionais, nós 
afirmamos que são também aquelas melhor equipadas 
para  sua  salvaguarda  e  que  estas  devem  estar 
intimamente  associadas  em  todos  os  esforços  para 
preservar e transmitir o espírito do lugar. (DECLARAÇÃO 
DE QUÉBEC ..., 2008). 

O espírito do lugar é posteriormente pontuado em outro documento, a Carta de 
La  Valeta  (2011),  também  dedicada  ao  patrimônio  urbano.  Essa  Carta  discute 
outra  compreensão  do  patrimônio  ainda  relacionada  à  intangibilidade  do 
patrimônio  tangível,  a  de  paisagem  cultural.  Ela  engloba  manifestações  da 
interação humana integradas com o ambiente natural, que valorizam a relação 
entre a natureza e a cultura, contemplando, consequentemente, diferentes tipos 
de  bens  construídos.  A  paisagem  cultural  foi  juridicamente  reconhecida  na 
preservação com sua inclusão na Convenção do Patrimônio Mundial Cultural e 
Natural da UNESCO. 

Há  ainda  outras  abordagens  correlacionadas  à  intangibilidade  do  patrimônio 


arquitetônico,  nas  Cartas  e  Declarações  internacionais  contemporâneas.  Uma 
delas refere‐se aos novos processos de experimentação do bem, conforme são 
registrados  na  Declaração  de  Florença  sobre  Patrimônio  e  Paisagem  como 
Valores Humanos (2014). Ela relaciona diversas ações  de compartilhamento e 
experimentação  do  patrimônio  cultural,  por  meio  de  espaços  criativos.  Esses 
recursos são parte integrante da experiência do visitante, no campo de novos 
métodos a serem desenvolvidos para preservar o patrimônio para o futuro. 

Em  resumo,  essa  reflexão  permite  observar  o  impacto  das  transformações 


socioculturais  da  contemporaneidade,  nas  formas  de  apropriação  e  nos  laços 
que se estabelecem com o patrimônio arquitetônico, modificados em alcance 
espacial  e  em  demanda.  Nessa  conjuntura,  o  conceito  contemporâneo  de 
patrimônio arquitetônico torna‐se multidimensional e multicultural, indo além 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
29 
 

das  características  físicas  do  bem  (sendo  tanto  tangível  quanto  intangível), 
passando pelo que representa e para quem representa.  

Com efeito, o patrimônio é capital cultural para a sociedade e configura‐se, nesse 
panorama,  como  intermediador  de  novas  relações  de  significação  e 
experimentação.  Tratando‐se  particularmente  do  patrimônio  arquitetônico 
como objeto de significação, ele é capital social para os grupos sociais locais que 
se  relacionam  com  o  bem,  sendo,  por  outro  lado,  como  objeto  de 
experimentação,  mercado da  indústria  cultural.  Isso,  guardando‐se  as  devidas 
proporções de quão imprecisos esses termos podem ser, anuncia a abrangência 
da  compreensão  do  patrimônio  arquitetônico  e,  ao  mesmo  tempo,  a 
especificidade das relações sociais que o envolvem na contemporaneidade. 

1.2 I NTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO


PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

Tomando‐se  por  base  a  compreensão  contemporânea  do  patrimônio 


arquitetônico, é pertinente estabelecer outro entendimento, o da intervenção 
nesse  tipo  de  bem.  Para  isso,  de  antemão,  são  pontuadas  algumas  definições 
contíguas.  

A  primeira  delas  é  a  de  preservação.  O  termo  tem  conotações  diferentes  em 


vários países.  Nos Estados  Unidos, é empregado preferencialmente para bens 
imóveis,  segundo  Beatriz  Kühl  (2008).  No  Brasil  e  na  França,  a  palavra 
preservação tem um significado amplo e abarca não somente ações diretas no 
patrimônio,  mais  também  ações  que  visam  à  sua  salvaguarda,  como  o 
tombamento,  a  educação  patrimonial,  etc.  O  glossário  da  recente  Política  do 
Patrimônio Cultural Material nacional (PPCM) define preservação como: 

(1)  Entendimento  aplicável  ao  patrimônio  cultural 


material. (2) Ação que designa o conceito mais genérico 
do  conteúdo  do  trabalho  do  Iphan  em  relação  ao 
patrimônio cultural material. (3) Implica os processos de 
identificar, reconhecer, proteger, normatizar, autorizar, 
avaliar,  fiscalizar,  conservar,  interpretar,  promover  e 
difundir  os  bens  culturais  materiais.  (IPHAN,  2018,  p. 
56). 

Outro termo vinculado ao de intervenção é o de conservação, que também pode 
assumir  diferentes  sentidos.  Kühl  (2008,  p.  73‐75)  afirma  que,  na  Inglaterra, 
emprega‐se  a  palavra  conservação,  pois  restauração  assume  uma  conotação 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
30 
 

negativa, decorrente da “repercussão do pensamento ruskiano”27. Já na Itália, a 
sentença  conservação  é  utilizada  de  forma  semelhante  à  de  preservação  no 
Brasil,  ou  seja,  compreendendo  ações  mais  amplas  para  a  perpetuação  do 
patrimônio.  Todavia,  a  palavra  conservação  também  é  correlata  à  ação  que 
pretende  a  permanência  da  matéria  do  bem,  “distinta  da  manutenção  e  do 
restauro”. A autora destaca que Roberto Pane (1971 apud KÜHL, 2008) assegura 
a  diferença  entre  conservação  e  restauração,  essencialmente  por  meio  da 
quantidade e não da qualidade da ação.  

De  fato,  a  operação  de  conservação  é  fundamentada  no  conhecimento 


consolidado no campo disciplinar da restauração e visa em seu cerne a evitar a 
degradação do patrimônio cultural. Nesse sentido, Giovanni Carbonara (2012, p. 
4, tradução nossa) a descreve como uma ação preventiva e protetiva que almeja 
“[...] resguardar da decadência, os materiais que integram a estrutura física de 
uma  obra 28 .”  Todavia,  cabe  reiterar  que  não  há  condições  para  a  “proteção” 
absoluta de um bem, mesmo com a conservação, pois, assim como o tempo lhe 
confere uma aura histórica, ele igualmente lhe retira e/ou modifica a matéria29.  

Salvador  Viñas  (2003,  p.  19‐24,  tradução  nossa)  também  compreende  a 


conservação  como  uma  ação  preventiva  de  futuros  danos  ao  patrimônio.  “A 
conservação  é  a  atividade  que  consiste  em  adotar  medidas  para  que  um 
determinado  bem  tenha  o  menor  número  de  alterações  pelo  maior  tempo 
possível 30.”  Entretanto,  o  autor  enfatiza  que  definições  “muito  restritivas  são 
muito idealistas”. Há, assim, uma ambiguidade entre conservação e restauração, 
porque  aquela  necessariamente  emprega  técnicas  baseadas  na  restauração. 
Com base nisso, Viñas reafirma a conservação como parte de um trabalho mais 
amplo de “Restauração”, que inclui o processo de “restauração” propriamente 
dito  e  não  aspira  a  introduzir  mudanças  perceptíveis  no  objeto  restaurado 31 . 
Essas só são perceptíveis, caso sejam tecnicamente inevitáveis. Portanto, para o 

 
                                                             
 
27
 John Ruskin (1819 ‐ 1900) defende que a arquitetura histórica é um elo de ligação com 
o passado e, por isso, não deve ser tocada, sob o perigo de ser corrompida. No entanto, 
o autor reconhece a necessidade de impedir a degradação do monumento, desde que a 
intervenção seja “invisível”. Para Ruskin, a restauração é uma destruição do monumento. 
(RUSKIN, 2008). William Morris, com base na teoria de Ruskin, promove o movimento 
“Anti‐restauro”, na Inglaterra. 
28
 “[…]  at preserving from decay those materials that contribute to the physical structure 
of a work.” 
29
 Para autores que defendem a linha teórica da “Conservação Integral”, a conservação 
se torna restauração. Ver item: 3.2 Teoria de restauração contemporânea.  
30
 "La  Conservación  es  la  actividad  que  consiste  en  adoptar  medidas  para  que  un  bien 
determinado experimente el menor número de alteraciones por el mayor tiempo posible." 
31
 Salvador Viñas (2003) grafa a palavra restauração com letras maiúscula e minúscula, 
de modo a diferenciar os termos. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
31 
 

autor, a diferença entre restauração e conservação, na prática, está na condição 
de que uma produz resultados perceptíveis e a outra não.  

No Brasil, conservação e restauração são termos empregados de forma quase 
indistinta. A conservação do patrimônio arquitetônico é uma ação do âmbito da 
restauração,  em  menor  escala  ou  menos  agressiva  e  invasiva 32 .  Esse 
entendimento  é  semelhante  à  compreensão  do  italiano  Roberto  Pane,  citada 
anteriormente, e também é reforçado por Ruth Zein e Anita Di Marco (2007, p. 
8):  “[...]  sob  um  prisma  mais  detalhado,  se  executadas  e  planejadas  para  um 
curto ou longo prazo, as medidas de conservação podem ser inseridas dentro do 
contexto da Preservação, [...].” 

Por sua vez, a definição de restauração provavelmente mais conhecida é a de 
Cesare  Brandi  (2004,  p.  30),  que  remete  à  década  de  1960,  de  que  esta  “[...] 
constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua 
consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas a 
sua transmissão para o futuro.” A citação já sinalizava, na metade do século XX, 
um dos princípios do autor: a dialética entre as instâncias históricas e estéticas33. 
Entretanto, o termo restauração já havia sido cunhado antes por diversos outros 
autores.  

Na Carta de Veneza (1964), já referida como um documento emblemático para 
a preservação do patrimônio, a ação de restauração é descrita no artigo 9º como 
uma operação indispensável e excepcional. Ela deve assegurar a compreensão 
do patrimônio como um documento e ser precedida de estudos sobre o bem, 
seguida de conjecturas cujo limite é a hipótese. Além disso, a Carta destaca que, 
para a restauração, deve‐se preservar o autêntico e zelar pela permanência e 

 
                                                             
 
32
 Vale frisar que a operação de manutenção é uma ação comum. Ela deve ser periódica, 
visar à prevenção da deterioração do bem e à garantia do uso, portanto, não se refere ao 
ato de restauração em si. Por outro lado, a manutenção implica reparos “pequenos, mas 
significativos”, ações técnicas e sistemáticas que visam mitigar “situações de risco tanto 
para  os  usuários  quanto  para  o  próprio  imóvel”.  Para  isso,  é  essencial  que  se  tenha 
profundo  conhecimento  a  respeito  do  bem.  (ZEIN;  DI  MARCO,  2007,  p.  9).  Tais  itens 
somam‐se  ainda  a  conhecimentos  específicos  do  campo  disciplinar  da  restauração. 
Afinal,  mesmo  que  a  manutenção  se  dê  com  ações  ordinárias  que  preservam  o 
patrimônio  (como  pinturas,  limpezas  rotineiras,  etc.),  elas  precisam  ser  planejadas, 
especificadas  e  ordenadas,  incluindo  também  nesse  processo  a  definição  da  logística 
pertinente a tais tarefas. As ações de manutenção no patrimônio arquitetônico devem 
constar no documento normalmente denominado Caderno de Manutenção, que pode 
ser desenvolvido juntamente com o Projeto de Intervenção para preservação do bem ou 
pelo  responsável  pelas  obras  de  intervenção.  (Em  ambas  as  situações,  o  Caderno  de 
Manutenção  precisa  ser  condizente  com  quaisquer  modificações  das  Especificações 
Técnicas Detalhadas de Materiais Serviços  que possam ter  ocorrido no transcurso das 
obras.) 
33
 Ver item: 3.2 Teoria de restauração contemporânea, em que essa dialética é discutida. 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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32 
 

pela ênfase das características que conferem importância estética e histórica ao 
patrimônio.  

No  contexto  contemporâneo,  outros  termos  como  recuperação,  revitalização, 


reabilitação, renovação, adaptação de uso, reciclagem e reconversão têm sido 
empregados  para  identificar  a  ação  para  a  preservação  de  bens  protegidos, 
gerando dúvidas34. Giovanni Carbonara (1998) defende que são equivocados os 
entendimentos  de  que  as  operações  para  a  preservação  da  materialidade  do 
bem  seriam  particulares  ao  restauro  e  de  que  as  necessárias  ao  uso  e  à 
funcionalidade da edificação seriam pertinentes à reabilitação35.  

De fato, a compreensão contemporânea do patrimônio arquitetônico se baseia 
no  que  sua  tangibilidade  representa  como  estrutura  edificada  e  também  na 
significação de sua intangibilidade, que é dinâmica e multidimensional. Em razão 
disso,  a  ação  de  restauro  do  bem,  como  Carbonara  a  compreende,  não  se 
resume à sua materialidade histórica. Ela é mais ampla, abarca ações necessárias 
à  preservação,  à  gestão,  ao  uso  do  patrimônio  e,  por  conseguinte,  não 
necessariamente  se  dissocia  do  que  lhe  confere  nova  funcionalidade,  nem 
mesmo da imagem, do fragmento e do novo, quando utilizados com o intuito de 
valorizar a significação conferida à preexistência.  

Viñas  (2003,  p.  23‐24,  tradução  nossa)  se  aproxima  de  Carbonara  (1998),  no 
ponto  em  que  compreende  a  “Restauração”  como  conjunto  de  ações  mais 
amplo. Contudo, o autor acrescenta à discussão a afirmação de que a amplitude 
contemporânea do conceito “[...] representa um problema substancial ao tentar 
entender a Restauração como disciplina.” Para evitar‐se esse problema, tem se 
assumido tacitamente que existem bens aos quais se confere maior “interesse 
cultural”  do  que  outros  (VIÑAS,  2003,  p.  35,  tradução  nossa).  Logo,  caberia  a 
esses bens o rigor técnico da restauração.  

Esse é outro entendimento equivocado, segundo Carbonara (1998). Os grandes 
monumentos não são os exclusivamente destinados ao restauro e os de menor 
importância não são exclusivamente destinados à reabilitação. Para o autor, essa 
crença só teria valia caso o valor econômico do bem fosse o preponderante na 
 
                                                             
 
34
 Na  Itália  dos  anos  1970,  o  termo  reabilitação  “[...]  nasce  com  fortes  conotações 
políticas e demandas sociais, para as classes populares, até aquele momento, exclusivo 
das  elites  econômico  e  cultural.”  (CARBONARA,  1998,  p.  14‐15,  tradução  nossa).  No 
manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural produzido pelo 
IPHAN,  o  termo  reabilitação  é  vinculado  a  um  novo  uso  proposto  ao  patrimônio 
edificado.  O  termo  revitalização  é  vinculado  às  ações  projetadas  para  áreas  urbanas. 
(IPHAN, 2005). 
35
 Essa reflexão gera discussão no tocante às tendências teóricas mais contemporâneas. 
A “Conservação Pura” é uma das atuais derivações do “Restauro Crítico” e estabelece 
que  o  novo  na  intervenção  de  preservação  do  patrimônio  é  separado  da  ação  de 
restauração. Ver item seguinte: 3.2 Teoria da restauração contemporânea. 
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33 
 

preservação, não o valor cultural. Por outro lado, o valor mercantil (econômico) 
da arquitetura histórica não deve definir a ação no patrimônio, porque ele impõe 
decisões  à  intervenção  que  não  necessariamente  priorizam  a  preservação  do 
bem.  

Carbonara  (2012,  p.  4‐5,  tradução  nossa)  sustenta  que  restauro  significa  “[...] 
primeiro e acima de tudo, um trabalho direto em uma peça e até mesmo sua 
mudança,  sempre  sob  rigorosa  análise  técnico‐científica,  histórica  e  crítica 
[...]36.”   Esse trabalho é um evento traumático para qualquer patrimônio e, ao 
empreendê‐lo, não deve ser conduzido como outra operação que não constitua 
efetivamente uma ação de restauro. Ou seja, a iniciativa deve ser comprometida 
com o rigor técnico pertinente ao campo teórico da restauração, não se valendo 
de quaisquer outras designações para justificar a dispensa desse rigor. Segundo 
o  autor,  os  outros  termos  são  operações  que  vão  além  do  restauro,  porque 
comumente estabelecem “um novo e diferente exercício de design”, um novo 
desenho à preexistência. Sendo assim, a historicidade do patrimônio se reduz a 
um  “simples  fundo,  uma  espécie  de  citação  da  antiguidade”.  Nessas 
circunstâncias, o que se quer transmitir é um “[...] novo projeto em um contexto 
antigo... dessa maneira, a dialética entre passado e presente se restringe a uma 
relação de mera coexistência, que reduz a preexistência ao papel de pré‐texto, 
[...].” (CARBONARA, 2013, p. 12, tradução nossa)37.  

Ademais, cabe enfatizar que sentenças como reabilitação ou revitalização têm 
sido  empregadas  como  amparo  e  justificativa  para  ações  que  não  utilizam  o 
mesmo  rigor  de  uma  operação  que  se  propõe  como  restauro  (tal  como 
Carbonara  o  entende).  “São  termos  que  refletem  posturas  conceituais 
inadequadas, pois  se  afastam  das  razões que  motivaram  a  preservação  e  que 
procuram distanciar‐se do conceito de restauro [...]” (KÜHL, 2008, p. 207). Com 
efeito,  ainda  que  essas  ações  empreguem  a  restauração  da  matéria 
remanescente  do  bem,  elas  propõem  um  “novo”  projeto  que  se  impõe 
minimizando a preexistência, subvertendo‐a em um “pano de fundo”.  

Segundo  Zein  e  Di  Marco  (2007,  p.  9‐10),  essas  operações  significam  uma 
“rearquitetura”,  pois  impõem  ao  bem  uma  nova  proposta  arquitetônica  que 
prioriza demolições e acréscimos “[...] exteriores ao edifício original (anexos) ou 
interiores ao mesmo, em graus de intervenção variáveis, conforme a situação e 
a oportunidade [...].” 

 
                                                             
 
36
 “[...] need to be explained: ‘restoration’ meaning, first and foremost, a direct work on 
a  piece  and  even  a  change  of  a  piece,  always  under  strict  technical‐scientific  and 
historical‐critical supervision; [...].” 
37
 "[...] nuovo progetto all’interno di un contesto antico… in questo modo, la dialettica fra 
passato  e  presente  si  restring  ad  un  rapport  di  mera  coestensività,  che  reduce  la 
preesistenza ad un ruolo letteralmente di pre‐testo, […]."
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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34 
 

Em  face  disso,  assume‐se  que  qualquer  ação  no  patrimônio  cultural, 
independentemente de sua importância, deve ser orientada pela prevalência da 
historicidade da preexistência e por sua significação, devendo, portanto, mirar o 
rigor técnico e teórico da restauração de modo a resguardá‐lo como referência 
para a preservação. Tal operação não necessariamente se restringe à ação na 
matéria original do bem, mas em seu resultado deve prevalecer a preexistência. 
Se a operação implica a proposição de um novo desenho da preexistência, uma 
nova  arquitetura  em  que,  por  exemplo,  o  ímpeto  pela  imagem  espetáculo 
predomina, ela minimiza a preexistência, que se torna um fundo para o novo. 
Nesse caso, tal prática é mais próxima de uma de operação de reabilitação do 
que de restauro, ainda que preserve o bem, conforme o entendimento que se 
tem  de  preservação  no  Brasil,  podendo,  inclusive,  em  seu  próprio  contexto, 
denotar qualidade. 

Não  obstante,  uma  condição  que,  de  fato,  contribui  para  a  dificuldade  de  se 
estabelecer tal entendimento é a percepção da existência de diferentes escalas 
de  interesse  cultural  do  patrimônio.  Néstor  García  Canclini  (1994,  p.  96‐97), 
assim como Viñas (2003), ressalta essa “hierarquia dos capitais culturais”.  

Ainda no contexto da pluralidade dos termos empregados para designar a ação 
de preservação do patrimônio, Ignasi de Solà‐Morales (1998, p. 9‐10, tradução 
nossa) acrescenta que isso é “um indiscutível indício do pluralismo” das formas 
de  percepção  do  objeto  arquitetônico  na  contemporaneidade.  Uma  delas 
consiste na ênfase da visualização na apreensão do patrimônio arquitetônico. “O 
processo de substituição da realidade pelas suas imagens e o modo de ver os 
monumentos e os lugares, tende igualmente a dissolver‐se em um imaginário 
[...] 38 .”Um  “efeito  parque  temático”,  que  reúne  a  realidade  e  suas 
representações  dela,  e  que  tende  a  “[...]  validar  posições  abertas, 
multissignificativas,  inclusive  experimentais  no  tratamento  do  património 
construído39.” 

 
                                                             
 
38
 “En  el  processo  de  sustitución  de  la  realidad  por  sus  imágenes,  el  modo  de  ver  los 
monumentos y los lugares tiende también a disolverse en un imaginário [...].” 
39
 “[...]  validar  posiciones  abiertas,  multisignificantes,  incluso  experimentales  en  el 
tratamiento del patrimonio construido.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
35 
 

Se  algo  pode  ser  considerado  positivo  na  situação 


cultural contemporânea é que se passou de um sistema 
de  valores  definidos,  legitimados,  estabelecidos  pelos 
poderes, a uma situação reflexiva na qual o juízo sobre 
a experiência, as imagens ou a conduta não é formado a 
priori.  Ele  exige,  pois,  um  processo  de  elaboração  por 
meio do confronto de indivíduos ou de grupos, mediado 
por  interpretações.  (SOLÀ‐MORALES,  1998,  p.  10, 
tradução nossa)40.   

Dessa  maneira,  para  o  autor,  mesmo  que  o  patrimônio  seja  mediado  por 
ferramentas geradoras de consumo cultural, existe o encontro e a interpretação 
do indivíduo com o bem. A possibilidade dessa confluência interpretativa, não 
prefigurada,  permite  um  processo  de  sensibilização  quanto  à  arquitetura 
histórica para a ação direta no bem, visando à sua preservação como referência 
cultural.  

Com base nessa nova relação estabelecida com o bem, sentenças empregadas 
para  designar  a  ação  direta  no  patrimônio  para  a  sua  preservação,  como 
restauração, reabilitação ou revitalização, podem ser substituídas por um termo 
mais recente – intervenção41. Ela tem como chave metodológica a arquitetura 
do próprio edifício existente, observada em um processo de percepção analógico 
e de interpretação da preexistência, por meio de associações e da identificação 
de características dominantes. Assim, a intervenção constrói com elementos o 
equilíbrio sensível entre diferenças e repetições. (SOLÀ‐MORALES, 2006). 

Contudo, Solà‐Morales (2006) ressalta, em sua coletânea de artigos publicados 
originalmente  na  década  de  1980,  que  paradigmas  interpretativos  amplos  da 
arquitetura histórica não se sustentam, haja vista a crise de modelos universais 
da contemporaneidade. Sendo assim, ainda que os dispositivos analíticos para o 
conhecimento aprofundado do bem tenham avançado em tecnologia, eles são 
insuficientes para definir a intervenção. A sensibilização à arquitetura histórica 
para  a  intervenção  parte  desse  conhecimento,  mas  ainda  é  necessária  a 
interpretação. 

 
                                                             
 
40
 “Si algo se puede considerarse positivo de la situación cultural contemporánea es que 
se  ha  pasado  de  los  sistemas  de  valores  definidos,  legitimados,  establecidos  por  los 
poderes a una situación re‐flexiva en la que el juicio sobre una experiencia, unas imágenes 
o una conducta no viene dado de forma predeterminada sino que exige un proceso de 
elaboración  a  través  de  la  confrontación  de  individuos  o  grupos,  a  través  de 
interpretaciones.” 
41
 O manual para desenvolvimento de projetos de preservação do patrimônio cultural, 
elaborado  pelo  (IPHAN,  2005),  destaca  que  o  Projeto  de  Intervenção  no  patrimônio 
edificado  abarca  “[...]  qualquer  ação  em  benefício  do  Bem  cultural  nas  áreas  de 
Identificação, Proteção, Conservação e Promoção.”  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
36 
 

A compreensão dos fenômenos artísticos, que têm suas 
origens  na  linguística  formalista,  tornou  possível 
conhecer  com  maior  precisão  condições  em  que  o 
significado pode transformar‐se, metamorfosear‐se por 
meio de relações estruturais. (SOLÀ‐MORALES, 2006, p. 
50, tradução nossa)42. 

Logo,  esse  processo  de  percepção  analógico  complexo  e  sensível  do  objeto 
arquitetônico histórico, pelo confronto da diferença e da semelhança, constrói 
significações  possíveis  e  aleatórias  dessa  preexistência.  Todavia,  esse  não  se 
presta, por si só, a “[...] evitar o risco do projeto e, neste caso, o risco de figuração 
às  novas  estruturas  linguísticas  que  a  intervenção  irá  introduzir.”  (SOLÀ‐
MORALES, 2006, p. 48, tradução nossa)43. 

A  intervenção  como  operação  estética  é  a  proposta 


imaginativa, arbitrária e livre pela qual você tenta não só 
reconhecer  estruturas  significativas  do  material 
histórico  existente,  mas  também  seu  uso,  como  um 
padrão  analógico  do  novo  artefato  construído.  (SOLÀ‐
MORALES, 2006, p. 50, tradução nossa)44. 

Ou seja, a intervenção deve reconhecer a significação do preexistente e ainda 
das  novas  articulações  propostas.  No  caso  do  patrimônio  arquitetônico,  esse 
processo envolve abordar a edificação preexistente fisicamente e se relacionar 
“visual  e  espacialmente”  com  ela,  até  interpretar  profunda  e  globalmente  o 
objeto histórico. Dessa forma, fundamenta‐se a construção da relação entre a 
arquitetura preexistente e a “nova arquitetônica” em uma relação baseada nos 
significados conferidos à arquitetura histórica e à intencionalidade promovida 
com a intervenção. (SOLÀ‐MORALES, 2006, p. 35). 

Solà‐Morales (2006, p. 15) ressalta o dilema da intervenção no bem construído, 
que  incorre  em  um  contínuo  desafio  de  interpretação  de  uma  obra  de 
arquitetura já existente e de um “novo discurso” que essa mesma arquitetura 
passa  a  expor  com  tal  operação.  Essa  mudança  constante  se  dá  porque  a 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  também  envolve  questões  de 
arquitetura, que não são abstratas e que não podem ser “[...] formuladas de uma 

 
                                                             
 
42
 “La  comprensión  lingüística  de  los  fenómenos  artísticos,  que  tiene  su  origen  en  la 
lingüística formalista, ha permitido conocer con mayor precisión las condiciones por las 
que  la  significación  puede  desplazarse,  transformarse,  metamorfosearse  a  través  de 
relaciones estructurales”. 
43
 “[...] no permite eludir e riesgo del proyecto y en este caso el riesgo de la figuración y 
de las nuevas estructuras linguísticas que la intervención va a introducir.” 
44
 “La intervención como operación estética es la propuesta imaginativa, arbitraria y libre 
por la cual se intenta no sólo reconocer las estructuras significativas del material histórico 
existente sino su utilización como pauta analógica del nuevo artefacto edificado.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
37 
 

vez por todas, são problemas concretos sobre estruturas concretas.” Assim, “[...] 
a  lição  da  arquitetura  do  passado  está  no  diálogo  com  a  arquitetura  do 
presente.” (SOLÀ‐MORALES, 2006, p. 32, tradução nossa)45. 

Solà‐Morales  (2006)  ainda  enfatiza  que  o  autor  da  intervenção  deve  se 
posicionar de forma responsável e lúcida. Isso pode parecer deveras óbvio, haja 
vista  que  a  responsabilidade  e  a  lucidez  devem  ser  condutas  adotadas  para 
qualquer  situação  profissional.  Todavia,  tratando‐se  do  patrimônio 
arquitetônico,  a  responsabilidade  e  a  lucidez  também  requerem  coerência 
teórica  frente  às  inúmeras  demandas  envolvidas  no  processo  de  intervenção. 
Entre elas, as que têm a arquitetura histórica como referência para preservação, 
mas que também observam as articulações do objeto funcional arquitetônico. 
Em especial, porque é sobre a matéria do bem que se intervém e qualquer ação, 
por menos invasiva que seja, implica a modificação ou a perda dessa matéria, 
que já se degrada progressivamente.  

Com  efeito,  a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  envolve  muitas 


demandas.  Ela  é  um  ato  sociocultural,  mas  também  é  uma  ação  política  e 
econômica. Entretanto, os diversos agentes que integram a intervenção devem 
primordialmente ter como meta a preservação do bem como referência cultural, 
restituindo e conferindo novas condições à perpetuação de seus significados e 
conservando  a  possibilidade  de  novas  interpretações,  mesmo  que  existam 
outros interesses envolvidos nesse processo como a visibilidade política, o lucro, 
etc.46.  

Nesse  sentido,  as  Diretrizes  Sobre  Educação  e  Formação  Conservação  de 


Monumentos, Conjuntos e Sítios, de Colombo (Siri Lanka) (1993), cujo alcance é 
internacional, definem uma série de recomendações a serem tomadas quando 
da  intervenção  no  patrimônio.  As  que  são  pertinentes  ao  patrimônio 
arquitetônico  e  mais  relevantes  para  esta  discussão  são:  a)  Deve‐se 
compreender  a  edificação  histórica  e  identificar  seu  significado  simbólico 
cultural, assim como sua função. Para tanto, deve‐se, inclusive, trabalhar com 
moradores, autoridades responsáveis e gestores, de modo a resolver conflitos e 
desenvolver estratégias de intervenção adaptadas àquela realidade. b) Deve‐se 
compreender  a  história  e  tecnologia  da  edificação  histórica  para  definir  sua 
identidade,  interpretar  os  resultados  de  pesquisa  e  encontrar  os  meios 
 
                                                             
 
45
 “[...] formulados de una vez por todas, sino que se plantean como problemas concretos 
sobre estructuras concretas.”  
“[...] la lección de la arquitectura del pasado entabla un diálogo con la arquitectura del 
presente.” 
46
 Os  agentes,  seus  interesses  e  interferências  comuns  no  processo  de  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico são discutidos particularmente no âmbito nacional no capítulo 
seguinte. Ver item: 2.3 Agentes, interesses e interferências.   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
38 
 

apropriados  para  preservá‐los.  c)  Deve‐se  compreender  e  analisar  o 


comportamento da edificação histórica, como um sistema complexo. Para tanto, 
deve‐se compreender o contexto e o ambiente do mesmo, incluindo sua relação 
com o entorno.  

Com base nessa reflexão e na compreensão atual do patrimônio arquitetônico, 
reconhece‐se  que  a  intervenção  neste  deve  considerar  fundamentalmente  as 
significações  formais  e  intangíveis  do  bem,  bem  como  os  processos  de 
experimentação que derivam do contato e da fruição. Para isso, a significação 
conferida pelos grupos locais vinculados ao bem é um dado essencial.  

1.2.1 H OMOGENEIZAÇÃO E DIVERSIDADE


CULTURAL

A  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  está  imersa  na  conjuntura  de 


preservação  do  panorama  sociocultural  da  pós‐modernidade,  decorrente  da 
globalização e da industrialização da cultura. Sendo assim, cabem mais algumas 
reflexões sobre esses fenômenos, agora sob o foco específico da intervenção. 

Uma dessas questões é a da homogeneização. Arjun Appadurai (2004) aborda 
esse tema, originalmente em 1996, a partir da transnacionalidade, reforçando 
que globalização não se traduz em homogeneização cultural. O autor defende 
que sempre existiram deslocamentos espaciais e comércio, que impactaram nas 
formações  da  sociedade;  logo,  tais  processos  não  são  em  si  historicamente 
novidade.  Na  conjuntura  da  globalização,  o  novo  que  modifica  as  interações 
culturais  é  a  "[...]  disjuntura  entre  esses  processos  e  os  discursos  e  práticas 
mediados pelos meios de comunicação de massas [...]” (APPADURAI, 2004, p. 
263). Isso porque a experiência midiática que conforma o processo de produtivo 
da indústria cultural de então, agencia a cultura para o consumo, empregando 
“instrumentos  de  homogeneização”  (APPADURAI,  2004,  p.  63).  Dessa  forma, 
manifestações culturais globais acabam por assumir formas locais e a localidade 
é promovida, dissimulando interesses globais.  

Essas  duas  condições  antagônicas  do  sistema  de  produção  da  cultura 
industrializada  –  diversidade  versus  homogeneização  –  têm  repercussões  na 
preservação cultural contemporânea e, por sua vez, no processo de intervenção 
no patrimônio arquitetônico. 

De maneira semelhante, Carlos Fortuna e Augusto Silva (2002) reforçam que o 
processo produtivo industrializado da cultura tem por base,  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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39 
 

[...]  por  um  lado,  a  tendência  para  a  intensificação  da 


forma  industrial  de  organização  das  atividades  e  dos 
bens  culturais  (produção  de  massas,  para  mercados 
vastos; predomínio da função de produção e destruição 
sobre a função de criação; inovação tecnológica, etc.); e, 
por  outro  lado,  a  tendência  para  hegemonização  dos 
campos  de  produção  e  consumo  cultural  (FORTUNA; 
SILVA, 2002, p. 436). 

Portanto, o impacto da industrialização da cultura advém da hegemonização da 
produção  e  do  consumo,  em  grande  escala.  A  indústria  cultural  ganha  forma 
incorporando  “elementos  culturais  e  simbólicos  na  sua  cadeia  de  valor”, 
estabelecendo‐se como uma força singular do sistema de produção. Assim, ela 
é responsável por ações que provocam a “[...] transformação de uma realidade 
‘local’ numa presença planetária.” (FORTUNA; SILVA, 2002, p. 437‐439). Nessa 
condição,  a  realidade  local  é  modificada,  perde  características  que  eram  sua 
fonte de atração – a diversidade –, e ganha características globais – homogêneas 
–, pertinentes aos interesses da indústria e, logo, ao seu sistema de produção. 
Entretanto, 

[...]  ao  mesmo  tempo  em  que  contraria  a  diversidade 


cultural  quando  vista  do  lado  da  oferta,  não  deixa 
também de pô‐la em evidência, quando vista do lado da 
procura.  Não  se  trata  seguramente,  de  um  paradoxo. 
Mas trata‐se, isso sim, de um importante elemento de 
tensão. (FORTUNA; SILVA, 2002, p. 437). 

Um elemento de tensão ou um paradoxo, a diversidade é o ponto de atração 
para  o  “empreendimento”  cultural  e,  por  sua  vez,  para  a  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico  imersa  nessa  conjuntura.  Ela  é  o  início  do  processo 
produtivo  cíclico  cuja  consequência  é,  frequentemente,  a  homogeneização. 
Pode‐se então aventar que essa é uma ambivalência congênita da preservação 
no âmbito da industrialização da cultura.  

Entretanto, Fortuna e Silva (2002, p. 438‐439) são contundentes em refutar a 
teoria  de  que  a  expansão  da  industrialização  da  cultura  resultaria  na 
“modelagem  das  mentes  e  dos  comportamentos  padronizados”.  Segundo  os 
autores,  “[...]  nem  a  influência  sobre  os  receptores  é  tão  automática,  nem  o 
resultado  da  interseção  dessa  influência  com  a  ação  dos  receptores  é  tão 
uniforme.”  Sendo  assim,  a  pressão  para  homogeneização  decorrente  da 
hegemonia  desse  processo  produtivo  é  um  fator  de  redução  da  diversidade, 
“mas não a anula imediatamente”. Afinal, “[...] a integração dos grupos sociais 
no sistema de produção cultural mundial traz consigo (dada a riqueza cultural 
que  informa  os  grupos  e  dada  a  não  passividade  dos  receptores)  forças  de 
heterogeneização.”  

 
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Logo,  a  assertividade  dos  receptores  assume  a  função  de  força  de 


heterogeneização,  acabando  por  resguardar  a  diversidade.  No  entanto,  cabe 
salientar  que  a  “não  passividade  dos  receptores”  é  uma  condição  dos  grupos 
sociais  que  depende  de  muitas  variáveis,  como  condições  socioculturais  de 
educação, de expressão, etc.  

Essa  “não  passividade”  também  é  discutida  por  Boaventura  de  Souza  Santos 
(2001).  Em  sua  reflexão,  o  autor  reconhece  a  existência  de  configurações 
culturais que podem ser identificadas como “[...] transnacionais ou cujas origens 
nacionais  são  relativamente  irrelevantes  pelo  fato  de  circularem  pelo  mundo, 
mais ou menos desenraizadas das culturas nacionais.” (SANTOS, 2002, p. 46‐47). 
“As  práticas  sociais  hoje  são  simultaneamente  globais  e  locais.  É  preciso 
amplificar a inteligibilidade entre as diferentes práticas, [...].” Todavia, para isso 
é preciso buscar o que “temos direito” sendo “[...] a voz ante os silenciamentos, 
que o nosso sistema social/político/econômico cria.” (SANTOS, 2001, p. 18‐19). 

Dizem  até  que  a  luta  pelo  multiculturalismo  e  pela 


diversidade é o prêmio de consolação para quem perdeu 
a  luta  pela  igualdade. É  preciso  afirmar  que  nas novas 
lutas  se  procura  o  equilíbrio  forte,  tenso,  dinâmico, 
entre o princípio da igualdade, o princípio da liberdade 
e o princípio da diferença, e que, apesar de vivermos em 
sociedades muito desiguais, a igualdade não nos basta, 
queremos  ser  iguais  e  queremos  ser  diferentes.  
(SANTOS, 2001, p. 22‐23). 

Ou seja, a cultura na atualidade é, em parte, transnacional e o requisito para ser 
“diferente”  nessa  conjuntura  é,  antes,  ser  “igual”.  A  igualdade  de  condições 
estruturais torna‐se o instrumento para negociação da diferença.  

Transpondo essa discussão ao contexto particular da intervenção no patrimônio 
arquitetônico, para resguardar‐se a diversidade em meio à industrialização da 
cultura, é preciso que também exista certa paridade de condições socioculturais 
e  econômicas  entre  os  grupos  sociais  que  se  relacionam  com  o  bem.  Caso 
permaneçam disparidades acentuadas, a afirmação do regional/local frente às 
ações  homogeneizantes  promovidas  nesse  processo  produtivo  resume‐se  ao 
antagonismo  entre  o  local  e  o  global.  Em  última  instância,  isso  significa  a 
oposição entre o econômico e o cultural na intervenção, no lugar do que deveria 
ser  primordialmente  uma  questão  sociocultural  de  interlocução  e  negociação 
entre as igualdades e as diferenças. 

Ainda  no  âmbito  desses  antagonismos,  Néstor  García  Canclini  (2007,  p.  22), 
assim  como  Appadurai  (2004)  e  Fortuna  e  Silva  (2002),  reafirma  que  a 
industrialização da cultura contemporânea tem o potencial de desestruturar a 
“produção cultural endógena”, pois possui “[...] a capacidade de homogeneizar 
e ao mesmo tempo contemplar de forma articulada as diversidades setoriais e 
regionais.” Em face disso, o autor entende que as “culturas periféricas” têm duas 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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41 
 

possibilidades:  “se  encapsularem  em  suas  relações  locais”  ou  “estilizar‐se”  e 


difundir‐se por meio de “empresas transnacionais”.  

Tratando‐se  da  preservação,  “encapsular‐se”  seria  proteger  o  bem  desse 


processo  produtivo  intercultural,  empregando‐se  práticas  de  intervenção  que 
resguardam  os  significados  e  características  locais  e  limitam  as  experiências  a 
essa esfera. Por outro lado, isso pode inibir o desenvolvimento econômico que 
a  indústria  do  turismo  cultural  tem  o  potencial  de  promover.  O  contrário  da 
outra  possibilidade  citada,  “estilizar‐se”,  ou  seja,  homogeneizar‐se  assumindo 
práticas que pretendem o consumo cultural rápido e superficial. 

Entretanto, o próprio autor faz uma ressalva quanto a esse entendimento: 

Para  além  das  narrativas  fáceis  da  homogeneização 


absoluta  e  da  resistência  do  local,  a  globalização  nos 
defronta  à  possibilidade  de  apreender  fragmentos, 
nunca  a  totalidade  de  outras  culturas,  e  refazer  o  que 
imaginávamos  como  próprio  em  interações  e  acordos 
com outros, nunca com todos. Desse modo, a oposição 
já não é entre o global e o local, entendendo‐se global 
como  subordinação  geral  a  um  único  estereótipo 
cultural,  ou  local  como  simples  diferença.  A  diferença 
não  se  manifesta  como  compartimentalização  de 
culturas isoladas, e sim como interlocução com aqueles 
com  que  estamos  em  conflito  ou  buscando  alianças. 
(CANCLINI, 2007, p. 115). 

Canclini (2007, 2010), assim como Santos (2001, 2002), entende que o processo 
produtivo  de  industrialização  da  cultura  emprega  instrumentos 
homogeneizantes,  mas  a  hibridação  da  interculturalidade  é  mais  próxima  do 
reordenamento das diferenças culturais, do que de sua supressão. Para o autor, 
“[...] em meio às tendências globalizadoras, os atores sociais podem estabelecer 
novas interconexões entre culturas e circuitos que potencializem as iniciativas 
sociais.” Dessa forma, criando “novos espaços de intermediação intercultural”, 
novas práticas culturais de estímulo à diversidade, à heterogeneidade. Para isso 
é preciso compreender a globalização, em seu vínculo com a interculturalidade, 
e  empreender  “[...]  políticas  de  integração  supranacional  e  comportamentos 
cidadãos [...].” (CANCLINI, 2007, p. 28‐29). 

Não obstante, Canclini (1994, p. 100‐101) também ressalta que, no âmbito da 
preservação,  o  patrimônio  popular  pode  ser  particularmente  vulnerável  às 
“necessidades de acumulação econômica e reprodução da força de trabalho”. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
42 
 

Nesse caso, convém pontuar que o patrimônio arquitetônico que costuma ser 
mais próximo do popular é a arquitetura dos conjuntos históricos urbanos47. 

David  Harvey  (2008)  também  discute  a  homogeneização  cultural,  neste  caso, 


reforçando a questão espacial. 

O aumento da competição em condições de crise coagiu 
os capitalistas a darem muito mais atenção às vantagens 
localizacionais  relativas,  precisamente  porque  a 
diminuição  de  barreiras  espaciais  dá  aos  capitalistas  o 
poder  de  explorar,  com  bom  proveito,  minúsculas 
diferenciações espaciais. (HARVEY, 2008, p. 265). 

Portanto,  a  dissolução  das  barreiras  espaciais  guarda  íntima  relação  com  o 


processo  produtivo  industrializado  da  cultura,  que  é  atento  às  peculiaridades 
locais.  De  acordo  com  Harvey  (2008),  esses  lugares  mais  circunscritos  são 
assimilados conforme a cadeia produtiva da economia vigente, que emprega a 
imagem  de  consumo  rápido,  gerando  homogeneização  (o  global),  onde  antes 
havia diversidade (o local). 

Também  com  esse  enfoque,  Harvey  (2015,  p.  3,  tradução  nossa)  aborda 
especificamente a preservação e defende que “[...] não devemos recuar nem ao 
brilho caloroso do ‘localismo’ nem às trivialidades ‘universais’ da globalização48.” 
Para isso, o autor propõe que a preservação deveria se organizar em uma nova 
concepção  espacial  denominada  “escala”.  Esta  seria  uma  classificação 
hierárquica  (local,  nacional,  continental  e  global)  baseada  no  impacto  ou  nas 
relações  da  sociedade  com  esses  bens.  A  partir  dela  se  estabeleceria  a 
construção de um referencial teórico a respeito de como a preservação deveria 
comportar‐se.  

Com efeito, a proposição de Harvey de uma nova teoria para a preservação do 
patrimônio correspondente à sua noção de “escala” não é o mais relevante aqui. 
Em  realidade,  um  bem  pode  ser  apropriado  por  diferentes  grupos  sociais  de 
variadas  formas.  Ele  pode  ser  um  prosaico  objeto  de  consumo  global,  para 
alguns,  e  ser  assumido  por  sua  significação  local  particular  e  simbólica,  por 
outros. Nesse caso, o mais importante é a sua abordagem acerca das relações 
que se estabelecem com o patrimônio transcendendo, em parte, a polarização 
espacial. 

 
                                                             
 
47
 A  questão  da  arquitetura  popular  preservada  é  retomada  no  contexto  nacional  no 
capítulo seguinte. Ver item: 2.1.2 Representação sociocultural e identidade cultural. 
48
 “[…]  we  must  not  retreat  either  towards  the  warm  glow  of  ‘localism’,  or  to  bland 
‘universal’ platitudes of globalization.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
43 
 

Com base nessas reflexões pode‐se dizer que as características típicas (locais) de 
um  patrimônio  arquitetônico  são  o  foco  de  atração  para  a  produção 
industrializada da cultura. Por conseguinte, a intervenção mobilizada por essa 
dinâmica  emprega  instrumentos  para  o  consumo  cultural  com  potencial 
homogeneizante.  Ou  seja,  ela  demanda  certa  diversidade  como  ponto  de 
atração, mas a reduz com um  repertório da intervenção comum49.  

Em  contrapartida,  também  se  pode  afirmar  que  não  há  uma  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico tão homogeneizante e global, assim como não existe 
um  patrimônio  cultural  que  tenha  vocação  exclusiva  para  a  apreciação  local. 
Logo,  a  classificação  global  versus  local,  ou  mesmo  a  rotulagem  cultura 
homogênea versus cultura diversa (plural) tratam de diferenças “fluidas”.  

Retomando  a  afirmação  de  Canclini  (2007),  de  que  a  nova  ordem  cultural 
intercultural  ou  transnacional  exige  a  criação  de  novos  comportamentos 
cidadãos  e  a  interlocução  entre  esses,  entende‐se  que  é  preciso  que  a 
intervenção no patrimônio arquitetônico também se acomode a esse processo. 
A  intervenção  pode  produzir  imagens  e/ou  experiências,  além  de  preservar  a 
historicidade e a significação. Uma das condições para isso é integrar mais ampla 
e  profundamente  os  grupos  sociais  que  conferem  significação  ao  bem.  Outra 
condição é que, em face disso, deve‐se reavaliar e readaptar práticas e políticas, 
de  modo  a  que  a  intervenção  seja  atenta  às  novas  relações  socioculturais. 
Entretanto,  para  isso  é  necessário  que  haja  condições  estruturais  igualitárias 
entre os grupos sociais envolvidos nesse processo, a fim de que possam negociar 
a diferença em meio à industrialização da cultura.  

1.3 I DENTIDADE CULTURAL


A finalidade primordial da intervenção no patrimônio cultural é preservá‐lo, o 
que,  de  acordo  com  o  entendimento  contemporâneo  do  patrimônio 
arquitetônico,  implica  resguardá‐lo  na  qualidade  de  referência  memorial 
histórica  e  identitária.  Sendo  assim,  mediante  as  mudanças  socioculturais 
observadas na pós‐modernidade, faz‐se necessário discutir a compreensão da 
identidade cultural no contexto da preservação cultural atual. 

 
                                                             
 
49
 Exemplos  de  práticas  homogeneizantes  da  indústria  cultural  na  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico brasileiro são discutidos particularmente no capítulo seguinte, 
abarcando questões como o fachadismo, a gentrificação, a imposição de um uso e do 
novo à preexistência. Ver item: 2.2.1 Dissonâncias da indústria cultural. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
44 
 

Laurajane  Smith  (2006,  p.  275,  tradução  nossa)  parte  da  compreensão 
contemporânea da inalienável natureza intangível do patrimônio arquitetônico, 
afirmando que “toda memória praticada e todos os usos” integram um processo 
mais  amplo,  no  qual  o  patrimônio  é  o  promotor  de  experiências  sociais  e 
emocionais.  Um instrumento de comunicação em processos ativos socialmente 
e interativos, que fortalecem laços de pertencimento com o bem e geram senso 
de comunidade.  

Segundo Smith (2006, p. 307, tradução nossa), esses “processos patrimoniais” 
são investidos de um poder político, pois “[...] o patrimônio é usado para sinalizar 
e  demarcar  momentos  de  identificação  e  criação  de  valor,  ou  recreação  e 
negociação 50 .”  Desse  modo,  a  significação  do  patrimônio  não  é  apenas 
sociocultural,  mas  também  sociopolítica.  Sua  natureza  política  se  evidencia, 
principalmente, quando o patrimônio passa a ser instrumento de negociação de 
práticas  que  envolvem  valores  e  identidades.  Ou  seja,  quando  o  bem  é 
reconhecido como autoexpressão e se adquire a autoconsciência de que a sua 
prática social é um instrumento unificador da identidade cultural desses grupos, 
uma chave do discurso identitário.  

Tal exercício é vital para a manutenção da identidade cultural dos grupos sociais, 
pois, se os símbolos e significados das suas memórias lhe são suprimidos, sua 
identidade é ameaçada. Ademais, se o patrimônio é “uma maneira explícita e 
ativa  de  negociar  mudanças  culturais  e  sociais”,  ele  também  é  um  meio  de 
buscar a representação cultural desses grupos e comunidades. Em vista disso, 
compreende‐se que a significação e a identificação com o patrimônio cultural 
pode  ser  um  instrumento  para  se  reafirmar,  e  igualmente,  para  se  desafiar  a 
posição dos grupos no mundo. (SMITH, 2006, p. 5, tradução nossa). 

Contudo, Smith (2006, p. 274, tradução nossa) ressalta que o discurso identitário 
vinculado ao patrimônio não é somente o dos grupos sociais e comunidades; ele 
também é um discurso oficial empregado como estratégia de controle e poder. 
Nesse caso, o discurso “autorizado do patrimônio” é promovido pelo Estado e 
mantém  o  foco  em  objetos,  lugares  e  paisagens  a  serem  reverenciados  e 
protegidos.  Bens  que,  segundo  a  autora,  promovem  historicamente  valores 
ocidentais, correlatos às características estéticas e monumentais do patrimônio 
arquitetônico.  Um  discurso  erudito  e  institucionalizado  baseado  na  natureza 
tangível, “morta e paradoxalmente conservável” do patrimônio, que é dirigido 
tanto aos populares quanto aos técnicos, de modo a promover um patrimônio 
julgado, mediado e viabilizado como instrumento de controle. 

 
                                                             
 
50
 “[…] of heritage and ways in which this is used to signal and demarcate moments of 
identity and value creation or recreation and negotiation.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
45 
 

Nessas circunstâncias, o discurso do patrimônio pode ser compreendido como 
uma experiência limitada da preservação, porque outras formas de identificação 
são  obscurecidas  e  a  diversidade  cultural  é  frequentemente  ignorada.  A 
significação  que  é  propagada  oficialmente  costuma  ocorrer  sem  negociação, 
prejudicando  ideias  alternativas  e  ignorando  identidades  culturais 
“subnacionais”. (SMITH, 2006). Por outro lado, por vezes, o discurso oficial  

[...]  não  constrói  apenas  uma  definição  particular  de 


patrimônio, mas também uma mentalidade autorizada, 
que é implantada para compreender e lidar com certos 
problemas  sociais  centrados  em  reivindicações  de 
identidade. (SMITH, 2006, p. 52, tradução nossa)51. 

Segundo  Smith  (2006,  p.  299,  tradução  nossa),  isso  pode  ser  observado  no 
esforço  de  técnicos  ativamente  mobilizados  para  “[...]  viabilizar  práticas 
inclusivas que reconheçam a diversidade das experiências patrimoniais52.” Como 
visto antes, se o patrimônio cultural é um discurso político, ele também é uma 
ferramenta de oposição e subversão ao discurso oficial do patrimônio, que se 
torna “aberto à contestação”.  

A  afirmação  política  que  implica  a  diversidade  na  construção  das  identidades 


culturais nacionais também é salientada por François Hartog (2006). Segundo o 
autor, 

[...]  o  privilégio  da  definição  da  história‐memória 


nacional tem a concorrência ou é contestado em nome 
de memórias parciais, setoriais, particulares (de grupos, 
associações, empresas, coletividades, etc.), que querem 
se  fazer  reconhecer  como  legítimas,  tão  legítimas,  até 
mesmo mais legítimas. O Estado‐nação não impõe mais 
os  seus  valores,  mas  preserva  mais  rápido  o  que,  no 
presente,  imediatamente,  mesmo  na  urgência,  é  tido 
como  “patrimônio”  pelos  diversos  atores  sociais. 
(HARTOG, 2006, p. 270). 

Ou  seja,  há  movimentos  da  sociedade  que  se  organizam  no  sentido  de  obter 
representação  cultural  junto  ao  projeto  de  preservação  cultural  da  nação. 
Ademais, a diversidade convém ao Estado, inclusive, no que tange ao processo 
de  industrialização  cultural.  No  entanto,  a  participação  de  novos  agentes  nos 
processos de preservação do patrimônio arquitetônico é, sobretudo, coerente 
com  o  entendimento  atual  de  sua  dimensão  intangível  conferida, 
 
                                                             
 
51
 “[…]  constructs  not  only  a  particular  definition  of  heritage,  but  also  an  authorized 
mentality, which is deployed to understand and deal with certain social problems centred 
on claims to identity.” 
52
 “[...] who actively work to facilitate the broadening of the definition of heritage, and to 
develop inclusive practices that acknowledge the diversity of heritage experiences.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
46 
 

principalmente,  pelos  grupos  sociais  locais.  Cabe  a  ressalva  de  que  condições 
estruturais  culturais,  políticas  e  econômicas  são  variáveis  essenciais  desse 
processo.  

Essa  reflexão  reforça  o  entendimento  de  que  a  intervenção  no  patrimônio 


arquitetônico  deve  ser,  igualmente,  um  exercício  de  sensibilização  quanto  à 
significação  do  bem  como  instrumento  de  autoconsciência,  de  construção  da 
identidade  cultural  e  de  representação  cultural.  A  efetiva  prática  social  do 
patrimônio  é  um  posicionamento  político  do  grupo  que  a  intervenção  deve 
reconhecer  e  legitimar.  Em  última  instância,  resguardar  as  identidades  nesse 
processo promove a diversidade cultural.  

Em  contrapartida  a  tal  atitude,  destaca‐se  a  construção  contemporânea  do 


patrimônio como objeto de consumo promovido pela industrialização da cultura, 
discutida  por  Françoise  Choay  (2005,  2006).  A  autora  afirma  que  o  desejo  de 
consumo cultural ampliou e expandiu a apreciação do patrimônio a um processo 
de “conversão à religião patrimonial” (CHOAY, 2006, p. 183).  

Diálogo hoje em dia recusado a um público que [...] se 
deixa  iludir  pela  promessa  de  uma  semantização  fácil. 
Valor histórico: será o adjetivo histórico pertinente para 
qualificar  o  resíduo  de  visões  e  de  espetáculos 
fragmentados  e  efêmeros,  de  que  nenhum 
enquadramento  cronológico  adquirido  permite  fixar  o 
lugar na continuidade do tempo e dos acontecimentos? 
(CHOAY, 2006, p. 199).  

A  autora  defende  que  essa  dinâmica  gera  um  comportamento  e  uma 


identificação partícula. Ela ilustra essa condição com uma metáfora, na qual o 
patrimônio representa “um vasto espelho” onde contemplamos “a nossa própria 
imagem”,  construída  pela  acumulação  de  referências  que  são  fragmentos  do 
passado. Essa identidade cultural “narcisista” também é “genérica” e global, à 
medida que é baseada no excesso do passado pela proliferação do patrimônio. 
Por sua vez, a experimentação – a fruição – do patrimônio, viabilizada por meio 
de resíduos da significação do passado, confere “mais solidez” a essa identidade, 
a cada novo fragmento do tempo que se foi, a cada nova imagem. (CHOAY, 2006, 
p. 212). 

Diante  disso, afirmando  ainda  que  a  preservação  não pode  restringir‐se  a  um 


problema  de  “valores  histórico  e  artístico”,  a  autora  reforça  a  relevância  da 
integração dos movimentos sociais na preservação do patrimônio, haja vista que 
a  progressão  das  iniciativas  envolvendo  a  sensibilização  e  a  mobilização  da 
população, normalmente não rivaliza com a escala de progressão do consumo 
cultural. (CHOAY, 2005, p. 10‐11). 

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
47 
 

Por  certo,  a  análise  de  Choay  permite  observar  que  a  experimentação  do 
patrimônio  arquitetônico  contemporâneo,  mediada  por  imagens  de  uma 
narrativa  cujo  foco  é  o  consumo,  constrói  uma  identificação  continuamente 
alimentada  para  perpetuar  passados  no  presente.  Com  base  nisso,  pode‐se 
ponderar  que  as  intervenções  no  patrimônio  arquitetônico,  imersas  nesse 
panorama de influência dos meios digitais de armazenamento memorial para o 
consumo  visual,  são  viabilizadas  por  experiências  mais  genéricas  do  que 
autorais. Elas têm o potencial de promover identidades culturais superficiais que 
normalmente  são  provisórias,  à  medida  que  não  perduram  como  referências 
coletivas sociais, a não ser, talvez, de status de consumo. Trata‐se, portanto, de 
identidades culturais que podem ser identificadas como globais. 

Tal  reflexão  é  condizente  com  a  afirmação  de  Sharon  Zukin  (2000)  de  que  as 
cidades  antigas  (ou  o  patrimônio  construído)  da  pós‐modernidade  detêm  a 
possibilidade de gerar identidades alternativas.  

A pós‐modernidade oferece uma chance de escolha de 
uma  identidade,  a  partir  da  imagem  eletrônica  e  das 
comunicações de  massa, da  imagem  manufaturada do 
consumo  doméstico  e  da  imagem  projetada  da 
arquitetura vernacular. (ZUKIN, 2000, p. 101). 

Com efeito, conforme afirma Stuart Hall (2006b), a identidade cultural não é fixa, 
inata ao lugar, exclusiva ao suporte, ou mesmo ao momento histórico. 

Existe sempre algo "imaginário" ou fantasiado sobre sua 
unidade.  Ela  permanece  sempre  incompleta,  está 
sempre “em processo”’, sempre “sendo formada”. [...] 
Assim,  em  vez  de  falar  da  identidade  como  uma  coisa 
acabada, deveríamos falar de identificação, e vê‐la como 
um processo em andamento. (HALL, 2006b, p. 37‐38).  

Logo,  a  identidade  cultural  é  continuamente  construída  pela  identificação  em 


processos sociais ativos e dinâmicos. Por sua vez, esses mesmos processos são 
intensamente  modificados  na  pós‐modernidade  pela  globalização  e  pela 
industrialização da cultura. Nesse contexto, Hall (2006b) destaca que as novas 
características temporais e espaciais de ordenamento da vida são os aspectos 
particulares  mais  impactantes  do  panorama  contemporâneo  no  processo  de 
identificação e constituição da identidade cultural.  

Os  fluxos  culturais,  entre  as  nações,  e  o  consumismo 


global  criam  possibilidades  de  "identidades 
partilhadas"—  como  "consumidores"  para  os  mesmos 
bens,  "clientes"  para  os  mesmos  serviços,  "públicos" 
para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas 
que estão bastante distantes umas das outras no espaço 
e no tempo. (HALL, 2006b, p. 73). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
48 
 

Desse  modo,  pode‐se  ponderar,  tal  como  Choay  (2005,  2006)  o  faz,  que,  no 
âmbito do consumo cultural da preservação, as dinâmicas de industrialização da 
cultura podem influenciar a identificação viabilizada pelo patrimônio. Todavia, 
Hall (2006b) faz uma ressalva a esse respeito: 

[...]  parece  improvável  que  a  globalização  vá 


simplesmente destruir as identidades nacionais. É mais 
provável  que  ela  vá  produzir,  simultaneamente,  novas 
identificações  “globais”  e  novas  identificações  locais 
[...]. (HALL, 2006b, p. 77‐78). 

Aqui,  é  oportuno  reiterar  que  as  identidades  nacionais  são  construções 


socioculturais  fortes  e  excepcionalmente  políticas.  Hall  (2006b)  constrói  uma 
reflexão sobre essas identidades, semelhante à de Smith (2006), no que tange 
ao discurso oficial do patrimônio. O autor defende que as identidades nacionais 
são historicamente empregadas em todo o mundo como um discurso oficial de 
diferenciação e, portanto, de afirmação de um grupo ou de uma nação: “Segue‐
se  que  a  nação  não  é  apenas  uma  entidade  política,  mas  algo  que  produz 
sentidos  –  um  sistema  de  representação  cultural.”  Esses  sentidos  são 
estruturados por símbolos, representações e memórias, conectando o presente 
com  o  passado  na  conjunção  de  um  projeto  de  uma  memória  ideológica 
nacional. (HALL, 2006b, p. 48). O patrimônio arquitetônico, por sua vez, é um 
símbolo recorrente empregado com esse intuito.  

De fato, é improvável que a globalização destrua identidades culturais nacionais, 
sobretudo  porque  ela  não  é  um  fenômeno  homogêneo  e  linear,  e  impacta 
diferentes culturas de diferentes formas.  

Contudo,  as  identidades  culturais  locais,  além  de  serem  composições 


sociopolíticas autoconscientes, são dotadas de características próprias que, em 
parte,  são  vulneráveis.  A  esse  respeito,  Hall  (2006b)  ressalta  que,  com  a 
globalização  e  a  industrialização  da  cultura,  as  identidades  culturais  locais 
podem ser fragilizadas, tendendo a modificar‐se, especialmente se os processos 
de afirmação das identidades locais forem inibidos. Nesse caso, os movimentos 
de  “interterritorialização”  ou  “reterritorialização”  podem  exercer  expressiva 
influência sobre essas identidades. Por outro lado, se já existe uma identidade 
cultural  local  estabelecida,  não  é  comum  que  ocorra  uma  desidentificação 
absoluta. Ademais, se a identificação é construída de forma sólida, a ameaça de 
homogeneização pode deflagrar movimentos de resistência, que fortalecem e 
reafirmam identidades culturais locais e regionais. 

Conforme a reflexão de Carlos Fortuna e Augusto Silva (2002) discutida no item 
anterior, não há uma homogeneização cultural absoluta; logo, igualmente não 
existe uma identidade cultural global absoluta. Nesse contexto, Hall (2006b, p. 
77‐78) declara que “[...] ao invés de pensar no global como ‘substituindo’ o local 
seria mais acurado pensar numa nova articulação entre ‘o global’ e  ‘o local’.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
49 
 

Consequentemente,  isso  significa  pensar  em  identidades  culturais  híbridas  e 


flexíveis, vinculadas à interculturalidade e à negociação de diferenças. 

Como  conclusão  provisória,  parece  então  que  a 


globalização  tem  [...]  um  efeito  pluralizante  sobre  as 
identidades,  produzindo  uma  variedade  de 
possibilidades  e  novas  posições  de  identificação,  e 
tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, 
mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans‐
históricas. (HALL, 2006b, p. 86). 

Também  retomando  David  Harvey  (2008),  a  experimentação  do  patrimônio  é 


independente  da  “territorialização”;  ela  resulta  na  identificação  com  o 
patrimônio, que é uma afinidade com o lugar patrimonial, conforme identificado 
pelo autor. Sendo assim, as interações dos grupos sociais com o bem construído 
no espaço podem ocorrer em diferentes escalas, com diferentes intensidades e 
ainda haver escalas simultâneas de experimentação.  

Com  base  nas  reflexões  desses  autores,  verifica‐se  que  a  significação  do 
patrimônio  arquitetônico  e  a  identificação  que  dela  decorre  são  intimamente 
vinculadas  à  intervenção.  Por  sua  vez,  ambas  são  afetadas  na 
contemporaneidade,  principalmente  em  dois  aspectos:  como  prática  ativa 
política, pelo desejo de representação cultural; e como prática mais “passiva”, 
pelo desejo de consumo cultural. Nesse panorama, as intervenções mobilizadas 
no âmbito da industrialização da cultura podem conformar identidades culturais 
globais,  que  têm  características  genéricas,  partilhadas  pelo  consumo.  Isso 
ocorre,  sobretudo,  quando  as  intervenções  não  contam  com  a  participação 
popular,  ou  quando  o  processo  de  “negociação”  (articulação  entre  os  grupos 
sociais  que  se  relacionam  com  o  patrimônio)  não  se  faz  em  igualdade  de 
condições estruturais socioculturais e também econômicas.  

No entanto, convém frisar que a intervenção no patrimônio arquitetônico não 
transforma  completamente  a  identidade  cultural  local  em  uma  identidade 
global. Não há uma globalização absoluta; logo, não há uma identidade cultural 
global  absoluta,  os  laços  de  identificação  dos  grupos  sociais  permanecem, 
particularmente quando construídos por meio da prática social. Sendo assim, o 
envolvimento das comunidades locais no processo de intervenção é também um 
meio de preservar as práticas sociais desse patrimônio e resguardar a identidade 
cultural local vinculada ao bem53.  

 
                                                             
 
53
Um documento internacional que registra tal entendimento é a Declaração de Florença 
(2014), sobre patrimônio e paisagem como valores humanos. Ela ressalta que devem ser 
planejadas atividades de promoção do papel das comunidades, de modo a reforçar as 
“identidades comunitárias” frente às mudanças promovidas pela indústria turística. 
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50 
 

Em vista disso, pode‐se entender que o patrimônio arquitetônico é capital social 
para os grupos que se relacionam mais intimamente com ele (locais/regionais), 
porque dispõe de potencial para novas funções estratégicas e torna‐se meio para 
viabilizar e legitimar aspirações políticas e sociais. Por outro lado, o patrimônio 
arquitetônico também é uma “mercadoria especial” para a indústria cultural, à 
medida  que  se  torna  objeto  de  experimentação  (contato  e  fruição)  para  os 
demais  grupos  sociais  (globais/interculturais).  Nesse  caso,  evidencia‐se  seu 
potencial sendo o de instrumento para viabilização de aspirações de consumo. 
Ambas  as  condições  do  patrimônio  podem  ser  legitimadas  no  âmbito  da 
intervenção contemporânea. 

1.4 V ALOR PATRIMONIAL


As significações do patrimônio arquitetônico são fundamentais para a definição 
da  intervenção  contemporânea.  Por  sua  vez,  a  transcrição  mais  direta  dessas 
significações  para  a  intervenção  são  os  valores  patrimoniais  em  um  processo 
denominado valoração. Em uma escala mais ampla, como a da preservação do 
patrimônio cultural, os valores patrimoniais são estabelecidos, por exemplo, no 
processo de tombamento, “justificando” a preservação do bem. Já no âmbito da 
intervenção, os valores podem ser reafirmados ou atribuídos após a etapa de 
Identificação  e  Conhecimento  do  Bem,  sendo  formalizados  nas  diretrizes  do 
partido constantes do Memorial Descritivo do projeto, de modo a justificar as 
propostas 54 .  De  maneira  geral,  a  outorga  ou  o  reconhecimento  do  valor 
patrimonial é parte das ações que envolvem a preservação.  

Esse tema tem sido debatido há algum tempo, gerando extensa bibliografia, na 
qual uma referência é recorrente – Alois Riegl (2014), autor que estabeleceu no 

 
                                                             
 
54
 Conforme o Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural 
do IPHAN (2005), que estabelece os produtos que compõem Projeto de Intervenção. (Ver 
quadro  2  –  Produtos  do  Projeto  de  Intervenção,  no  item  4.3  Intervenções  nos 
megaeventos do Rio.) 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
51 
 

início  do  século  XX  as  premissas  para  a  atribuição  de  valores  aos  bens55.  Seu 
postulado de que o valor do monumento não é inerente e, sim, imputado foi 
consagrado,  mantendo‐se  como  uma  ferramenta  conceitual  ainda  atual 56 .  A 
valoração atribuída é contextualizada, pois é referente a um agente, a um lugar 
e a um tempo, logo, não sendo, por conseguinte, fixa e estável, mas atrelada à 
realidade  sociocultural  e  também  política  do(s)  grupo(s)  sociais  que  se 
relacionam com o bem naquele momento.  

Riegl  (2014)  também  propõe  uma  classificação  para  os  valores  a  serem 
conferidos  ao  patrimônio,  que  podem  ser,  inclusive,    simultâneos.  Eles  se 
relacionam  intimamente  com  o  processo  de  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico  e  adquirem  nuances  particulares  com  a  globalização  e  a 
industrialização da cultura. Essas questões são pontuadas ao longo da descrição 
da  classificação  e  aprofundadas  ao  longo  do  documento.  Tal  classificação  é 
ordenada  tomando‐se  como  base  o  “valor  de  memória”  (ou  “valor 
rememorativo”), que se divide em outros três: 

O “valor de comemoração” ou “valor rememorativo intencionado” é atribuído 
pela conformação original do monumento. As características referentes ao seu 
momento de criação se destacam e, consequentemente, tenta‐se impedir a sua 
degradação.  Essa  valoração  é  exclusiva  dos  monumentos  memoriais.  (RIEGL, 
2014). 

O  “valor  histórico”  é  atribuído  ao  monumento  por  ser  um  representante  de 
determinado  estágio  da  produção  humana.  Os  traços  originais  que  o 
documentam se destacam e, por conseguinte, não se pretende alterá‐los com a 

 
                                                             
 
55
 A  origem  dos  valores  patrimoniais  remonta  ao  Renascimento,  quando  “iniciou‐se  a 
verdadeira preservação dos monumentos”, o despertar do interesse para a preservação 
com o desenvolvimento e a aplicação de medidas para sua proteção. Nesse período, os 
monumentos  “não  volíveis”  ou  “não  Intencionais”  –  criados  sem  a  intenção  de  serem 
associados  aos  símbolos  ou  significados  (dado  que  estes  são  atribuídos  ao  longo  do 
tempo)  ‐,  possuíam  dois  valores:  valor  de  obra  de  arte  –  absoluto  e  restrito  a 
determinadas condições específicas – e o valor histórico – inerente à sua antiguidade. 
“Pode‐se  mesmo  dizer  que  o  valor  de  arte  inicialmente  era  o  valor  determinante,  e  o 
valor histórico, que já havia sido de fato real e único, passou ao segundo plano.” A partir 
do  séc.  XIX,  verifica‐se  que  em  toda  obra  de  arte  há,  além  do  valor  artístico,  o  valor 
histórico  pertinente  à  sua  historicidade  intrínseca,  pois  esta  representa  um  dado 
momento da evolução das artes plásticas. (RIEGL, 2014, p. 42‐43). 
56
 Uma exceção à valoração não‐inerente é a conferida aos monumentos “volíveis” ou 
“intencionados”  –  obras  que  tratam  de  acontecimentos  a  serem  imortalizados  –,  cujo 
valor é outorgado pelo autor da obra (RIEGL, 2014, p. 36). 
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52 
 

intervenção.  Essa  valoração  é  baseada  em  conhecimentos  técnicos  para  a 


apreciação objetiva do monumento. (RIEGL, 2014)57.  

Portanto, ao reconhecer‐se a prevalência do valor histórico sobre os outros, a 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  aspira,  frente  às  demais  demandas 
para a preservação do bem, a conservar o “documento” como o mais inalterado 
possível.  

O  “valor  de  antiguidade” é  aquele  atribuído  pela  gradativa  degradação  na 


evolução do monumento. A regularidade dessa alteração se destaca, porém não 
quer dizer que essa valoração implica uma observação passiva da degradação, 
que  culmina  com  a  rápida  destruição  do  monumento.  Quer  dizer  que  ela  é 
baseada  no  efeito  subjetivo  desse  envelhecimento  para  a  apreciação  do 
monumento.  Assim,  ao  considerar  esse  valor,  pretende‐se  evitar  a  súbita 
destruição  e  também  a  súbita  intervenção  –  quer  pela  natureza  quer  pelo 
homem  –,  de  modo  que  é  indispensável  o  uso  do  monumento  para  sua 
conservação. (RIEGL, 2014)58.  

Logo, quando se reconhece a prevalência do valor de antiguidade no patrimônio 
arquitetônico, a intervenção não deve empregar restituições e acréscimos para 
revogar  sua  degradação,  ou  mesmo  supressões  para  restabelecer  sua  forma 
original.  Não  se  deseja  manter  o  estado  inalterado,  nem  resgatar  um  estado 
anterior.  

Riegl (2014, p. 54) ainda ressalta que o valor de antiguidade não se dissocia do 
valor histórico. Ele é mais “simples”, à medida que não se aproxima de critérios 
de base científica como o valor histórico. Em função disso, o autor orienta que, 
para  promover‐se  o  conhecimento  histórico  científico,  “[...]  devem  ser 
conquistadas cada vez mais classes sociais para o culto do valor de antiguidade, 
antes que, com a sua ajuda, a grande massa esteja madura para o culto do valor 
histórico.” (RIEGL, 2014, p. 73).  

Ignasi de Solà‐Morales (2006, p. 37‐38, tradução nossa) entende que o valor de 
antiguidade  de  Riegl  é  uma  apreciação  do  velho  como  manifestação  da 
passagem  do  tempo,  que  promove  uma “satisfação  puramente  psicológica”  – 
 
                                                             
 
57
 Kühl (2008, p. 64) destaca que, para Riegl, os monumentos históricos eram quaisquer 
obras cuja antiguidade fosse superior a 60 anos, “[...] (que equivale ao distanciamento 
crítico  de  duas  gerações),  contrapondo‐se  assim  às  políticas  de  preservação  que  se 
voltavam apenas aos objetos de excepcional relevância histórica e artística.”  
58
 Riegl ainda esclarece que o valor de antiguidade é uma evolução direta do antigo valor 
histórico da Renascença. “O valor histórico, aderido de forma indissolúvel ao individual, 
transformou‐se  pouco  a  pouco  em  um  valor  evolutivo,  indiferente  ao  individual,  visto 
como objeto. Esse valor evolutivo é o valor de antiguidade, [...] que pode ser definido 
como o produto lógico do valor histórico que o precedeu quatro séculos atrás.” (RIEGL, 
2014, p. 44). 
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53 
 

“reconfortante”.  O  autor  reforça  que  tal  sensibilização  coletiva  é  comum  no 


homem massificado da metrópole contemporânea, ainda que afirme que essa é, 
sim, uma dimensão do conhecimento. 

Nesse  mesmo  sentido,  Paolo  Marconi  (1993)  defende  que,  sendo  o  valor  de 
antiguidade  mais  acessível  do  que  o  valor  histórico,  ele  tem  crescido  em 
apreciação na atualidade. Todavia, o autor afirma que o culto contemporâneo 
desse valor preza pela forma em dissolução, pois preserva a imagem que carece 
de  unidade,  ou  seja,  preserva  a  degradação.  Assim,  a  prevalência  dessa 
valoração implica não conservar/restaurar o bem. O patrimônio é abandonado 
“à  própria  sorte”  ou  “embalsamado  como  um  cadáver” 59 .  Ao  contrário  de 
quando  há  mediação  entre  o  valor  de  antiguidade  e  o  valor  histórico  e  os 
“monumentos são vivos” 60. (MARCONI, 1993, p. 43, tradução nossa). 

Os três valores apresentados por Riegl (2014) são relacionados à percepção da 
história no monumento. Em contrapartida, o autor propõe ainda outro grupo, o 
de valores, “valores de contemporaneidade”, que são divididos em três tipos: 

O “valor de uso”, ou “valor utilitário”, ou “valor instrumental” é atribuído pelo 
uso do monumento. As condições materiais de utilização prática se destacam; 
por  conta  disso,  devem  ser  atendidas  as  exigências  que  viabilizam  o  uso  do 
monumento, independentemente da forma como ele é feito. Essa valoração é 
latente em todos os monumentos em uso61. (RIEGL, 2014). Vale ainda pontuar 
que o valor de uso não se refere ao valor mercantil do patrimônio. 

Sobre o tema, Cesare Brandi (2004, p. 30) ressalta que a instância da utilidade 
“[...] não poderá ser levada em consideração de forma isolada para a obra de 
arte,  mas  tão  só  com  base  na  consistência  física  e  nas  duas  instâncias 
fundamentais [histórica e estética] [...].” Portanto, para o autor, o valor de uso 
não deve prevalecer sobre os demais valores atribuídos à arquitetura histórica, 
haja  vista  que  a  intervenção  deve  ser  condicionada  pelo  patrimônio,  e  não  o 
contrário.  

 
                                                             
 
59
 As correntes teóricas contemporâneas do campo disciplinar da restauração abordam 
determinados valores de forma mais enfática do que a definida inicialmente por Riegl. 
Marconi  é  defensor  veemente  de  uma  dessas  correntes  teóricas  contemporâneas  e 
critica  enfaticamente  a  abordagem  do  valor  de  antiguidade.  Ver  item:  3.2  Teoria  de 
restauração contemporânea. 
60
 Beatriz Kühl esclarece (em nota de tradução) que os termos “monumentos vivos” e 
“monumentos  mortos”  eram  comuns  no  final  do  século  XIX,  sendo  empregados  para 
designar, respectivamente, os edifícios ainda em uso e as ruínas. Já na Carta de Veneza 
(1964), todos os monumentos são compreendidos como vivos (GIOVANNONI, 2013, p. 
185). 
61
 Todavia, o “valor de uso” não necessariamente incide sobre os monumentos “volíveis” 
ou “intencionados” (RIEGL, 2014, p. 36). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
54 
 

A arquitetura é a única, por entre as artes maiores, cuja 
utilização faz parte integrante duma relação complexa e 
aí participa com as suas finalidades estética e simbólica, 
mais  difíceis  de  apreender  nos  casos  dos  edifícios 
históricos  órfãos  do  destino  prático  que  lhes  deu 
existência. (CHOAY, 2006, p. 201). 

Em consonância com a citação de Françoise Choay (2006, p. 201), reconhece‐se 
que o uso da arquitetura histórica ao longo de sua existência não costuma ser o 
mesmo projetado inicialmente. Essa condicionante natural da arquitetura é mais 
um fator complicador para a operação de intervenção no patrimônio edificado. 
Sobretudo,  porque,  em  meio  às  dinâmicas  da  industrialização  da  cultura,  as 
intervenções  no  patrimônio  arquitetônico  têm,  por  vezes,  um  caráter 
utilitarista62.  

O “valor artístico” ou “valor de arte” é atribuído pela expressão artística da obra 
antiga.  Ele  está  em  constante  mutação,  não  havendo  um  cânone  artístico 
permanente. O que confere significação artística ao monumento se destaca; por 
conseguinte,  prima‐se  pela  conservação  do  estado  do  bem,  ou  ainda  por  sua 
restauração.  O  “valor  de  arte”  é  dividido  em:  “elementar”  ou  de  “novidade” 
(existe em qualquer obra de arte nova) e “relativo” (não é um valor objetivo ou 
de validade permanente). (RIEGL, 2014, p. 70‐71). 

O  “valor  de  novidade” é  atribuído  pelo  aspecto  de  novo  do  monumento, 
destacando‐se a integridade perene das características do bem. Assim, não há 
interesse  por  traços  de  degradação,  de  modo  que  se  pretende,  dentro  dos 
limites do filologicamente possível e correto, devolver a fisionomia perdida ao 
monumento63. Essa valoração “sempre foi o valor de arte das grandes massas”. 
(RIEGL, 2014, p. 71). 

Marconi (1993, p. 43, tradução nossa) afirma que o valor de novidade é “[...] um 
culto vital e benéfico, perfeitamente conjugado com o culto do valor histórico 
[...]” 64, pois é tarefa do arquiteto construir o novo na preexistência. Contudo, o 
autor defende que são necessárias atitudes diferentes para casos diferentes, no 
sentido de articular‐se às expectativas do público e à expertise do restaurador. 
A preservação contemporânea do patrimônio tem se aproximado, de maneira 
geral, mais do universo do novo do que do antigo, tendendo “[...] a um aumento 

 
                                                             
 
62
 Ver  item:  2.2.1  Dissonâncias  da  indústria  cultural,  quando  se  discute  a  questão  no 
âmbito da intervenção no patrimônio arquitetônico no Brasil. 
63
 Filologia:  “Estudo  científico  especializado  na  análise  de  manuscritos  e  outros 
documentos antigos.” Definição enunciada em: (http://michaelis.uol.com.br/moderno‐
portugues/busca/portugues‐brasileiro/filologia/).  
64
 “[...] un culto vitale e benefico, perfettamente conjugabile col culto del valore storico 
[...].”  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
55 
 

direto,  desejado,  decisivo  e  coerente,  não  tanto  na  forma,  mas  nas  bases 
geradoras, [...]65.” Em face disso, o autor defende que é preciso interpretar as 
várias frases escritas no bem e restituir sua capacidade de comunicar‐se com a 
sociedade. (MARCONI, 1993, p. 198, tradução nossa). 

Por  outro  lado,  em  uma  intervenção  contemporânea  no  patrimônio 


arquitetônico, a prevalência do valor de novidade implica o aspecto “original” 
conferido  à  arquitetura  histórica,  por  exemplo.  Isto  é  um  fragmento 
“presentificado”  do  passado,  colaborador  da  construção  de  uma  imagem 
impactante  de  atração  para  o  consumo  das  massas.  Portanto,  também  uma 
estratégia da industrialização da cultura66.  

Em  resumo,  Riegl  propõe  uma  forma  de  valorar  a  arquitetura  histórica 
observando o bem e as suas relações com os grupos sociais no tempo, o que 
condiz com o entendimento contemporâneo do patrimônio arquitetônico. Por 
sua vez, para o autor, a definição do valor patrimonial da arquitetura histórica é 
o  cerne  das  decisões  para  a  intervenção,  pois  envolve  os  processos  de 
significação do bem.  

Nesse mesmo sentido, Salvador Viñas (2003) ressalta que, para a valoração, é 
preciso compreender o bem de todas as maneiras possíveis, estando‐se atento 
não só aos aspectos técnicos da edificação, mas também aos aspectos simbólicos 
atribuídos pelo público. Baseado nisso, o autor propõe quatro grupos de valores: 
“valores autoculturais”, “valores de identificação coletiva”, “valores ideológicos” 
e “valores sentimentais pessoais”. 

Outro  exemplo  de  classificação  de  valores  é  a  proposta  por  Ulpiano  Meneses 
(2009,  p.  35‐37):  “valores  cognitivos”  (oportunidade  relevante  de 
conhecimento),  “valores  formais”  (atributos  formais  ou  estéticos  capazes  de 
aguçar  a  percepção),  “valores  afetivos”  (relativos  à  memória),  “valores 
pragmáticos” (qualidade de uso) e “valores éticos” (interações sociais). 

Por  certo,  há  propostas  de  tipologias  de  valoração  patrimonial  definidas  por 
diversos autores e, inclusive, registradas em alguns documentos de referência67. 

 
                                                             
 
65
 “[...] tende come ad um direto, voluto, deciso incremento, coerente peró non tanto nelle 
forme, ma nelle basi generative, [...].” 
66
 Ver  item:  2.2.1  Dissonâncias  da  indústria  cultural,  quando  se  discute  a  questão  no 
âmbito da intervenção no patrimônio arquitetônico no Brasil. 
67
 O ICOMOS registra uma proposta de tipologias de valores patrimoniais em documento, 
adotado  por  Comitê  Nacional,  a  Carta  para  a  Conservação  dos  Locais  de  Património 
Cultural de Valor, da Nova Zelândia, redigida em 2010. A Carta de Burra, também um 
documento  definido  por  Comitê  Nacional,  no  caso,  da  Austrália,  criada  em  1979  e 
atualizada sucessivamente em 1981, 1988 e 1999, apresenta um entendimento anterior 
no mesmo sentido.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
56 
 

Contudo, L. Harald Fredheim e Manal Khalaf (2016) ressaltam que várias dessas 
classificações de valores são criticadas por serem incompletas ou mesmo longas, 
e ainda assim serem insuficientes para abarcar as mudanças dos valores com o 
tempo.  Isso  se  dá  principalmente  porque  tais  classificações  não  costumam 
prever a diversidade das representações patrimoniais.  

Fredheim  e  Khalaf  (2016,  p.  12,  tradução  nossa)  também  afirmam  que  a 
atribuição  de  um  valor  preponderante,  ou  a  resultante  de  vários  valores,  é  a 
identificação  e/ou  afirmação  do  significado  do  patrimônio  traduzido  em 
“declaração  de  significância”.  Entretanto,  os  autores  ressaltam  que  essa 
declaração “raramente” é explicitada no conjunto de documentos que subsidiam 
as definições da intervenção, dificultando a racionalização e a interlocução entre 
as  decisões.  Segundo  os  autores,  as  falhas  na  valoração  que  provocam  tal 
condição  decorrem  de  entendimentos  incompletos  sobre  o  bem  e  da 
insuficiência  ou  inadequação  de  estruturas  para  avaliar  a  significância  de 
patrimônios que, em sua própria natureza, são “complexos”. 

De fato, independentemente das variadas classificações de valores, o processo 
prático  de  valoração  do  patrimônio  arquitetônico  para  a  intervenção  é  mais 
complexo do que pode parecer de antemão. Beatriz Kühl (2008) enfatiza isso e 
reforça  que  o  reconhecimento  do  bem  deve  ser  feito  todas  as  vezes  que  se 
retorna a ele, portanto, a cada novo processo de intervenção. Todavia, isso pode 
ser  um  desafio,  tendo  em  vista  fatores  como  prazos,  recursos  financeiros  e 
técnicos insuficientes, além da carência de valorização do Projeto de Intervenção 
como elemento fundamental para a iniciativa68.  

Em  parte,  em  função  dessas  dificuldades,  há  quem  alegue  que  o  processo  de 
valoração  é  aleatório  e,  por  isso,  se  abstém  de  sua  definição.  Entretanto, 
Marconi (1993) defende que tal justificativa é superficial e motivada pelo desejo 
de não correr o risco de errar. Por certo, a valoração não é uma ação estatística, 
mas  sim  subjetiva.  Ela  envolve  a  sensibilização  para  o  reconhecimento  da 
significação  do  patrimônio  conferida  pelos  grupos  e  também  de  suas 
características formais. Desse modo, a valoração pode ser considerada um juízo 
interpretativo que sobrepõe significações. 

Nesse  contexto,  a  valoração  patrimonial  pode  implicar  a  superestimação  da 


significação  atribuída  pelo agente  técnico  científico.  Um  meio  de  evitar  isso  é 
buscar  a  legitimidade  do  processo,  com  a  integração  dos  grupos  que  se 
relacionam  com  o  bem,  sobretudo  os  locais.  Assim,  pode‐se  apurar  uma 

 
                                                             
 
68
 Os agentes envolvidos no processo de intervenção, as pressões e as interferências a 
que podem ser submetidos são detalhados sob o enfoque particular da prática nacional. 
Ver item: 2.3 Agentes, interesses e interferências. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
57 
 

compreensão particular e diversa da significação do patrimônio e a intervenção 
pode resguardar a manutenção dessa significação.  

Outro  ponto  é  que  a  valoração  pode  ser  genérica  e  superficial,  atrelada  à 


experimentação imagética do patrimônio para o consumo cultural, que já foi ou 
ainda  será  implementada  na  intervenção  influenciada  pela  indústria  cultural. 
Isso se deve ao fato de que a valoração patrimonial é decorrente do contexto 
espaço‐temporal  e  também  pertinente  aos  respectivos  grupos  sociais  que  se 
relacionam com o bem. É uma ação múltipla que envolve distintos processos de 
reconhecimento  e  significação,  tal  como  a  identificação,  o  pertencimento  e  a 
construção da identidade cultural. Logo, os valores patrimoniais são igualmente 
processos múltiplos e mutáveis e podem envolver as identidades interculturais 
partilhadas pelo consumo e, por sua vez, os valores que lhe são característicos. 
Esses  valores  circunscritos  à  experimentação  de  consumo,  que  costuma  ser 
efêmera,  se  correlacionam  com  identidades  interculturais  transnacionais  (de 
universalidade) e se diferenciam de valores correlacionados às identidades locais 
(de diversidade).  

Choay (2006, p. 218) destaca que o valor imagético “[...] parece ser hoje em dia 
a verdade do valor de antiguidade e de um culto que corresponderia, de fato, à 
contemplação e à celebração de uma identidade do homem69.” Uma identidade 
cultural  que  é  vinculada  às  formas  rápidas  e  imediatas  de  reconhecimento  e 
identificação.  Segundo  a  autora,  esse  é  um  culto  do  patrimônio  distante  do 
discutido por Riegl, que, 

[...]  carregado  de  sentidos  e  de  ambiguidades, 


conservou sua pertinência. Mas o objeto, as formas e a 
natureza do culto transformaram‐se: antes de mais, sob 
o efeito de uma expansão generalizada das suas zonas 
de difusão, do seu corpus e do seu público; depois mais 
recentemente,  pela  sua  associação  com  a  indústria 
cultural. (CHOAY, 2006, p. 182). 

Um  culto  modificado  do  patrimônio,  no  qual  “[...]  a  novidade  e  a  diferente 
natureza de um valor induzido pelo desenvolvimento da indústria cultural e de 
que  Riegl  não  tinha  podido  prever  a  emergência:  o  valor  econômico  do 
patrimônio histórico.” (CHOAY, 2006, p. 211).  

Não  obstante,  os  valores  correlatos  à  experimentação  de  consumo  do 


patrimônio  arquitetônico  não  necessariamente  excluem  outros  valores.  Assim 
como,  nos  valores  categorizados  por  Riegl,  a  atribuição  de  um  valor  não 

 
                                                             
 
69
 A identidade do homem a que Choay (2006) se refere é baseada emblematicamente 
na imagem, na figura que aparece refletida no espelho segundo a metáfora proposta pela 
autora, citada anteriormente.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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58 
 

impossibilita  a  atribuição  de  um  novo.  Contudo,  ao  se  outorgar 


preponderantemente  os  valores  relacionados  ao  consumo  ao  bem,  a 
intervenção  seguirá  orientada  por  eles,  podendo  promover  homogeneização 
cultural. 

Sobre a questão da valoração para intervenção ainda vale salientar que, entre os 
documentos de caráter internacional produzidos a partir da década de 1980,  por 
exemplo, 70 há Cartas e Declarações que pontuam orientações sobre o processo 
de valoração do patrimônio cultural. O Documento de Nara Sobre Autenticidade 
(1994)  reitera  que  as  ações  necessárias  à  intervenção  são  fundamentadas  no 
respeito  aos  valores  sociais  e  culturais  atribuídos  ao  patrimônio  por  todas  as 
sociedades. Além disso, enuncia que a valoração não é um critério fixo, devendo 
ser apoiada em profundas e verossímeis fontes de pesquisa artísticas, históricas, 
sociais e científicas a respeito do bem, de suas transformações e significados.  

A Declaração de San Antonio (1996), que trata da autenticidade na preservação 
nas  Américas,  ressalta  que  a  valoração  do  patrimônio  deve  ser  atribuída  por 
meio  de  estudos  da  história  da  edificação  e  também  pela  compreensão  das 
“tradições intangíveis” vinculadas a ela, ou seja, pelos valores testemunhais e 
documentais.  Além  disso,  a  Declaração  pontua  a  necessidade  de  dispor  de 
conhecimentos específicos para a apuração da variedade de potenciais valores 
atribuídos ao patrimônio. 

Pesquisas  históricas  e  pesquisas  sobre  o  objeto  físico 


não são suficientes para identificar todo o significado de 
um  patrimônio,  uma  vez  que  apenas  as  comunidades 
integram  o  lugar  de  modo  a  contribuir  para  a 
compreensão  e  a  expressão  de  seus  valores  mais 
profundos,  como  uma  âncora  para  a  sua  identidade 
cultural.  (THE  DECLARATION  OF  SAN  ANTONIO,  1996, 
tradução nossa)71.  

Sendo assim, a valoração do patrimônio é instrumentalizada por pesquisas em 
diversos  ramos  do  conhecimento,  resultando  no  estabelecimento  de  valores 
formais  e  intangíveis,  os  quais  equivalem  às  significações  conferidas  a  esse 
patrimônio.  Nesse  mesmo  contexto,  a  Declaração  de  Xi’an  (2005),  sobre  a 
conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural, destaca 
que  valores  tangíveis  e  intangíveis  podem  ser  “[...]  valores  sociais,  espirituais, 

 
                                                             
 
70 
 Conforme já citado, a década de 1980 é um possível marco da globalização em função 
da dissolução do bloco soviético. 
71
 “Historic research and surveys of the physical fabric are not enough to identify the full 
significance of a heritage site, since only the concerned communities that have a stake in 
the site can contribute to the understanding and expression of the deeper values of the 
site as an anchor to their cultural identity.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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59 
 

históricos,  artísticos,  estéticos,  naturais,  científicos  ou  de  outra  natureza 


cultural.”  

A Declaração de Florença Sobre Patrimônio e Paisagem Como Valores Humanos 
(2014)  baseia‐se no entendimento de que a diversidade cultural é intermediada 
por valores patrimoniais e paisagísticos. O documento afirma que o conceito de 
paisagem é um novo paradigma construído na preservação e registra diversos 
instrumentos  para  a  salvaguarda  e  o  respeito  aos  "valores  humanos"  do 
patrimônio  cultural,  com  o  fim  de  proteger  o  espírito  de  lugar  e  a  identidade 
cultural de vários grupos sociais. Entre eles, orienta e reconhece a necessidade 
do  engajamento  das  comunidades  locais  para  a  identificação  dos  valores 
patrimoniais atribuídos.  

Nesse contexto, cabe apontar outro tipo de valor do patrimônio registrado em 
documento internacional, o valor universal. Ainda que sua origem seja anterior 
aos  documentos  citados,  o  valor  universal  foi  recentemente  redefinido  nas 
Diretrizes  Operacionais  para  a  Implementação  da  Convenção  do  Patrimônio 
Mundial, da UNESCO (2008)72.  

Valor universal excepcional é uma significação cultural 
e/ou  natural  que  é  tão  excepcional  que  transcende  os 
limites  de  sua  importância  comum  para  gerações 
presentes  e  futuras  de  toda  a  humanidade.  (UNESCO, 
2008, p. 14, tradução nossa)73.  

No  que  tange  ao  processo  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  o 
reconhecimento  do  valor  universal  pode  ser  associado  à  legitimação  de 
apropriações  de  valor  transnacional/intercultural,  intimamente  associadas  à 
industrialização  da  cultura.  Isso  se  dá  mesmo  que  os  valores  inicialmente 
atribuídos aos bens sejam atrelados à cultura local e às características únicas e 
peculiares do patrimônio. 

Com  base  nessa  reflexão,  observa‐se  que  a  valoração  patrimonial  para  a 


intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  adquire  conotações  que  são 
particulares  às  relações  socioculturais  da  pós‐modernidade,  advindas  da 

 
                                                             
 
72
 Esse  tratado  internacional  de  cooperação  firmado  pelos  Estados  signatários 
instrumentaliza a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural 
(1972).  Esta  caracterizou  como  valor  universal  o  excepcional  valor  de  determinados 
patrimônios culturais, “sob o ponto de vista da história, da arte ou da ciência”. Baseado 
nesse reconhecimento e na inclusão do patrimônio na lista de patrimônio mundial, passa 
a ser então conferida assistência para a proteção e gestão eficaz em variados aspectos 
da preservação desse bem. 
73
 “Outstanding  universal  value  means  cultural  and/or  natural  significance  which  is  so 
exceptional  as  to  transcend  national  boundaries  and  to  be  of  common  importance  for 
present and future generations of all humanity.” 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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globalização e da industrialização cultural. Nesse universo, o cerne da questão 
passa a ser uma essencial sensibilização para tal processo. Os valores devem ser 
apurados por meio de uma ampla gama de informações a respeito do bem e das 
relações vinculadas a ele. Portanto, baseados no seu conhecimento aprofundado 
e no reconhecimento das significações conferidas pelos respectivos grupos que 
se apropriam do bem. A valoração do patrimônio arquitetônico é a percepção 
daquilo  que  o  bem  simboliza,  o  entendimento  de  sua  intangibilidade  e  da 
tangibilidade  do  documento  histórico.  Sua  importância  é  fundamental,  mas, 
para  que  a  valoração  guie  de  forma  coesa  as  decisões  da  intervenção,  é 
necessário que ela seja definida claramente.  

1.5 C ONSIDERAÇÕES PARCIAIS


Neste momento, é oportuno sintetizar os entendimentos assumidos até então 
na pesquisa, quanto ao panorama sociocultural contemporâneo no qual ocorre 
a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  destacando‐se  a  globalização  e  a 
industrialização da cultura.  

A  globalização  caracteriza‐se  basicamente  pela  integração,  em  escala  global, 


possibilitada  pelos  avanços  tecnológicos  na  área  de  comunicações  e  pelos 
deslocamentos  das  pessoas,  promovendo  a  sensação  de  diminuição  das 
barreiras  espaciais,  de  compressão  do  tempo  e  de  continuidade  histórica. 
Observam‐se mudanças na relação da sociedade com o “diferente” e processos 
de  hibridação  intercultural/transnacional.  No  contexto  sociopolítico  e 
econômico, as ideologias podem ser menos evidentes e as questões de classe 
estruturalmente  minimizadas.  O  valor  do  trabalho  se  altera,  em  função  do 
deslocamento  da  ordem  da  produção  para  o  consumo  e  para  o  valor  de  uso, 
sendo a pós‐modernidade o signo indicador dessas mudanças socioculturais. 

Nesse panorama, a cultura também é uma mercadoria (ainda que “especial”) e 
a indústria cultural estrutura‐se como uma força de mercado. O fetichismo pelo 
consumo cultural é propagado em escala mundial, por meio da imagem, que é 
um fragmento do tempo contínuo transformado em realidade. O consumo visual 
é  fomentado  pela  novidade,  disso  decorrendo  uma  profusão  de  imagens 
efêmeras e estéticas próprias do espetáculo, que é simultaneamente processo e 
resultado. Esse ciclo se assemelha a um exercício de liberdade de escolha, mas 
está mais próximo de um condicionamento, pois advém do discurso da mídia.  

No âmbito do consumo do espaço, a indústria cultural agencia a preservação do 
patrimônio cultural por meio do turismo cultural, inclusive, com potencial para 
promover  desenvolvimento  social  e  econômico.  Com  isso,  o  turismo  de 
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patrimônio passa a ser mais estruturado em experiências entre as pessoas e o 
bem, e menos no monumento isolado.  

Objetivamente, algumas das implicações mais importantes da globalização e da 
industrialização da cultura, para intervenção no patrimônio arquitetônico estão 
correlacionadas  à  universalização  cultural  (interculturalidade 
transnacional/hibridação)  e  à  diversidade  cultural  (individualização).  Esses 
processos  “antagônicos”  têm  escala  global  e  são  acirrados  por  diferenças 
estruturais sociais, políticas e econômicas. Sendo assim, não são uniformes nem 
lineares,  pois  possuem  distintos  alcances.  Em  linhas  gerais,  tais  dinâmicas 
representam parte do processo produtivo da cultura contemporânea e, por sua 
vez,  tornam‐se  inerentes  à  prática  da  preservação  e  de  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico no mundo. Isso fica mais evidente a seguir.  

Quanto  aos  conceitos  e  entendimentos  essenciais  à  intervenção,  é  oportuno 


pontuar  a  compreensão  contemporânea  assumida  a  respeito  do  patrimônio 
arquitetônico como bem isolado, não como conjunto urbano.  

Para isso, vale salientar que, com a industrialização da cultura e as modificações 
nas relações socioculturais da pós‐modernidade, a preservação do patrimônio 
cultural passa a ser envolvida em um crescente e incisivo interesse. Os principais 
fatores que contribuem para isso são o fetichismo do patrimônio e o desejo de 
“presentificação” do passado. 

Nesse contexto, a compreensão do patrimônio arquitetônico de maneira geral 
amplia‐se, afastando‐se dos padrões europeus e adquirindo maior diversidade. 
Ela  passa  a  abarcar  ou  acentuar  características  como  a  intangibilidade,  a 
significação  como  lugar  de  memória  e,  inclusive,  em  relação  ao  entorno.  A 
significação  do  bem  torna‐se  mais  dinâmica  e  intercultural,  a  exemplo  de 
categorias patrimoniais como o “espírito do lugar”. Não obstante, no cerne dessa 
compreensão do patrimônio arquitetônico multidimensional e dinâmica, há uma 
faceta  como  objeto  de  experimentação  e  consumo  cultural.  Em  face  dessas 
novas  formas  de  percepção  do  patrimônio  arquitetônico,  também  há  novas 
maneiras de intervir para sua preservação.   

As  implicações  mais  diretas  da  compreensão  contemporânea  do  patrimônio 


arquitetônico  para  o  processo  de  intervenção  giram  em  torno  do  binômio 
experimentação/significação. Cada um vincula‐se a um “programa”, cujo alcance 
e  a  demanda  devem  ser  complementares.  Logo,  a  intervenção  para  a 
preservação  do  bem  deve  ser  compatível  e  coesa  com  seu  entendimento 
tangível  e  intangível,  multidimensional  e  multicultural.  Para  isso,  deve  estar 
atenta à significação local/regional, essencial para a manutenção da memória e 
para  a  preservação  da  diversidade  cultural,  e  também  à  significação  do 
patrimônio  mediada  pela  experiência  de  caráter  mais  global,  que  resulta  do 
emprego de ferramentas mais próximas ao consumo, como o apelo à imagem. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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Ainda  quanto  à  definição  dos  conceitos  e  entendimentos  necessários  à 


intervenção, é oportuno ressaltar os principais pontos que balizam a definição 
dessa ação de preservação do patrimônio arquitetônico na presente pesquisa.  

A intervenção visa à preservação do patrimônio arquitetônico e abrange tanto o 
restauro,  quanto  a  reabilitação,  ou  outras  designações  similares.  Os 
entendimentos  de  restauro  e  reabilitação  adotados  aqui  são  os  de  Carbonara 
(1998,  2012),  que  os  diferencia  com  base  na  observação  do  valor  e  da 
significação da preexistência. O restauro é um conjunto de ações cuja meta é a 
preservação, promovendo a preexistência e seu valor patrimonial. A reabilitação 
(ou qualquer um dos outros termos semelhantes) é a iniciativa mais próxima da 
construção  de  uma  nova  narrativa  sobre  a  preexistência.  A  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico  tem  o  intuito  de  viabilizar  sua  preservação, 
compreendendo a ação na matéria histórica remanescente, assim como também 
abarcando o novo, vinculado à preexistência. Tal ação deve ser orientada pelo 
mesmo  rigor  teórico  e  técnico  do  campo  disciplinar  da  restauração, 
independentemente  da  importância  do  bem.  Esse  rigor  condiciona  o  tipo  de 
ação a ser tomada, de acordo com a significação do patrimônio.   

Metodologicamente,  a  intervenção  no  patrimônio  construído  parte  de  um 


processo analógico de percepção formal da preexistência para interpretá‐la. Tal 
análise implica o somatório da percepção da significação formal (que decorre de 
relações de semelhança, diferenças, etc.) e da significação intangível (vinculada 
à  compreensão  contemporânea  do  patrimônio  arquitetônico,  integrando 
relações  com  o  entorno,  multiculturais  e  multidimensionais  decorrentes  de 
novas experiências com o bem). Essas duas significações compõem o discurso da 
preexistência, que, somado às intenções da intervenção, constrói o discurso da 
intervenção.  

Assim, a intervenção no patrimônio arquitetônico é uma iniciativa que pretende 
resgatar a significação, a integridade física do bem, conferir‐lhe funcionalidade 
e estabelecer um exercício criativo, visando à sua salvaguarda como referência 
histórica  e  identitária  para  a  preservação.  Para  isso,  a  intervenção  não  deve 
dissociar a intangibilidade da tangibilidade do patrimônio arquitetônico e deve 
ainda reconhecer os processos de significação e experimentação que ocorrem 
por seu intermédio. Esses novos processos experimentais do usuário podem ser 
mediados,  no  âmbito  da  industrialização  da  cultura,  por  ferramentas  como  a 
imagem,  o  fragmento,  o  novo,  etc.,  que  são  parte  da  intangibilidade  do 
patrimônio arquitetônico na contemporaneidade.  

Com  efeito,  a  intervenção  contemporânea  no  patrimônio  arquitetônico  pode, 


inclusive,  ressignificá‐lo,  à  medida  que  a  “presentificação”  do  passado  é  uma 
marca da contemporaneidade. Todavia, se o discurso da intervenção minimiza 
ou ignora o discurso da preexistência, ele constrói uma nova narrativa em que o 
discurso da preexistência é apenas pano de fundo. Por outro lado, se o discurso 
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da intervenção ignora a significação local/regional da arquitetura histórica, ele é 
incoerente  em  relação  ao  seu  processo  metodológico  de  desenvolvimento  e 
constrói  uma  nova  narrativa  que  pode  ser  vinculada  ao  consumo  e  empregar 
práticas homogeneizantes. 

Ainda quanto à interpretação da preexistência para a intervenção no patrimônio 
arquitetônico,  outro  ponto  que  se  sobressai  na  apuração  das  significações  do 
bem  é  o  processo  de  identificação  e  construção  da  identidade  cultural  pelos 
grupos  sociais.  Sendo  assim,  é  oportuno  retomar  o  conceito  de  identidade 
cultural relacionado à intervenção. 

A identificação e a consecutiva construção da identidade cultural por meio do 
patrimônio arquitetônico são exercícios de prática social que, na construção de 
um  discurso  político,  se  legitimam  politicamente  com  a  autoconsciência  e  a 
negociação  coletiva.  As  identidades  culturais  locais,  por  exemplo,  são 
construções de grupos sociais que guardam relações mais “íntimas” com o bem, 
peculiares e diversas. Elas mobilizam discursos que podem ser ferramentas para 
alcance de representatividade, ou mesmo para a oposição e subversão a outros 
discursos.  É  o  caso  dos  discursos  do  Estado,  que  promovem  identidades 
nacionais baseadas em uma memória ideológica nacional, por vezes, estruturada 
em  valores  historicamente  estéticos  e  monumentais,  eruditos  e 
institucionalizados.  

O  fenômeno  abrange  ainda  discursos  de  oposição  às  identidades  culturais 


globais, como as que decorrem da industrialização da cultura e de sua influência 
na  preservação.  Nesse  último  caso,  a  diversidade  das  práticas  sociais  do 
patrimônio é um ponto de atração para a indústria, que utiliza em seu processo 
de “assimilação” associações imagéticas e efêmeras para o consumo. Essa é uma 
abordagem  que  conforma  identificações  mais  próximas  das  identidades 
interculturais híbridas e dinâmicas, e mais distantes do rigor historiográfico ou 
da prática social e política do patrimônio promovida pelos grupos locais.  

Nesse  contexto,  é  possível  que  a  identidade  cultural  local  mude,  em  parte,  à 
medida  que  o  processo  de  reconhecimento  e  identificação  não  é  fixo  e, 
sobretudo, quando a identificação com o patrimônio não é um processo político 
de  prática  social  do  bem.  Todavia,  a  desidentificação  dos  grupos  locais  é 
improvável, à medida que invariavelmente há algo de local nessa identidade, de 
modo que ela não se torna uma identidade global/intercultural absoluta.  

Com efeito, as práticas sociopolíticas (de afirmação) e/ou socioeconômicas (de 
consumo) vigentes no “exercício” do patrimônio pelos grupos sociais podem ser 
simultâneas, uma não necessariamente exclui a outra. Essas relações sociais com 
o patrimônio arquitetônico não são incorretas ou ilegítimas, mas diferentes, e 
ocorrem de acordo com a dinâmica cultural contemporânea. 
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Objetivamente, as implicações da compreensão das identidades culturais para o 
processo de intervenção no patrimônio arquitetônico passam pela sensibilização 
a  respeito  das  múltiplas  nuances  de  identificação  com  o  bem,  ampliando 
consequentemente  os  agentes  envolvidos  nesse  processo.  Isso  condiz  com  o 
reconhecimento  contemporâneo  da  dimensão  intangível  e  da  significação  da 
arquitetura histórica de valor patrimonial.  

Logo, a intervenção contemporânea no patrimônio arquitetônico deve ater‐se à 
significação ativa que envolve o pertencimento, a identificação, a prática política 
e o desejo por representatividade, todos esses fatores relacionados à identidade 
local. No entanto, também estará atenta às experiências dinâmicas que resultam 
em  identidade  intercultural,  uma  vez  que  a  intervenção  se  encontra  imersa 
nesse  panorama  que  é  estruturalmente  desigual  e  heterogêneo  em  sua 
distribuição no espaço. Ademais, quando não há paridade de condições sociais, 
políticas e econômicas de interlocução e negociação das igualdades e diferenças, 
é preciso buscar alternativas que resguardem a diversidade cultural para futuros 
processos  de  negociação,  tais  como  a  sensibilização  para  a  preservação  e  a 
participação popular no processo de intervenção. 

Por sua vez, a apuração da significação do tangível e do intangível no patrimônio 
arquitetônico  compõe  a  atribuição  da  valoração  patrimonial,  que  é  uma  das 
bases para a intervenção. Sendo assim, é oportuno pontuar os principais pontos 
que balizam sua definição. 

Um  deles  é  que  a  valoração  patrimonial  estrutura  a  Diretriz  de  Intervenção, 


devendo por isso ser determinada claramente para cada bem em seu tempo e 
lugar,  de  forma  técnica  e  também  sensível  e  subjetiva.  Inclusive,  a  valoração 
deve  ser  definida  a  cada  intervenção,  mesmo  que  esta  tenha  sido  registrada 
quando  da  formalização  da  proteção  pelo(s)  órgão(s)  de  preservação.  A 
valoração não é fixa e o bem pode ter sido ressignificado com uma ação anterior, 
haja  vista  que  a  intervenção  é  um  exercício  técnico  e  também  “criativo”  do 
arquiteto restaurador. 

Outro  ponto  é  que  a  valoração  do  patrimônio  arquitetônico  assume  maior 


complexidade  na  contemporaneidade,  à  medida  que  há  novos  agentes 
envolvidos.  Sendo  assim,  o  agente  externo  técnico,  responsável  por  sua 
definição, deve basear‐se em processos de pesquisa sobre o bem, conjugados 
com os grupos sociais que possuem laços de significação e identificação com o 
mesmo. Nessa dinâmica, a participação da comunidade contribui para que não 
prevaleçam valorações técnico‐científicas ou genéricas e superficiais. Contudo, 
uma  das  dificuldades  de  atribuir  a  valoração  é  a  carência  de  estruturas  que 
permitam conformar pesquisas junto à população local. Entre as causas desse 
fato, estão normalmente prazos e custos insuficientes, além da própria carência 
de entendimento quanto à relevância de tal demanda. 
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As implicações do panorama contemporâneo da preservação para a valoração 
patrimonial, necessária à intervenção no patrimônio arquitetônico, passam pelo 
entendimento  desta  como  múltipla  e  dinâmica.  Na  prática,  a  valoração  é  um 
processo  complexo  e  técnico  que  deve  ser  somado  a  um  exercício  de 
sensibilidade e interpretação.  

Com  base  na  definição  dos  entendimentos  e  dos  conceitos  essenciais  para 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  pode‐se  considerar  que  essa  é  uma 
ação no bem, mas destina‐se à sociedade, inclusive com potencial de promover 
desenvolvimento  social  e  econômico.  Sob  essa  perspectiva,  a  arquitetura  de 
valor histórico também é objeto de consumo visual, não somente pelo que há 
de histórico nela, mas também pelo que há de contemporâneo, construído para 
o impacto. Desse modo, a intervenção abarca a ação de restauro propriamente 
dita  e  também  o  novo,  inserido  no  contexto  da  nova  funcionalidade  da 
preexistência.  

É preciso estar cauteloso aos prós e contras do consumo do patrimônio, que é 
uma realidade contemporânea advinda da globalização e da industrialização da 
cultura e, portanto, influente na intervenção no patrimônio construído. Assim, 
uma  intervenção  que  promove  um  discurso  atento  à  preexistência  é 
metodologicamente coerente, pois se baseia primordialmente nos significados 
locais/regionais atribuídos ao bem, associados à identidade cultural local. Dessa 
forma, a intervenção assegura a preservação do bem na qualidade de referência 
identitária  e  histórica;  além  disso,  resguarda  a  diversidade.  Todavia,  se  a 
intervenção  agencia  um  novo  discurso,  um  novo  projeto,  ignorando  os 
significados  locais,  ela  é  incoerente  em  relação  a  esse  mesmo  processo 
metodológico.  

Em  compensação,  se  esse  discurso  é  direcionado  prioritariamente  para  uma 


experimentação  de  consumo  cultural,  empregando  uma  linguagem  imagética, 
superficial, fugaz e homogeneizante, ele promove a identificação e a construção 
de  uma  identidade  intercultural.  Nessa  condição,  a  intervenção  pode 
comprometer o patrimônio como referência identitária para os grupos sociais 
locais,  à  medida  que  pode  dificultar  a  prática  social  ativa  desse  patrimônio, 
sobretudo,  quando  não  há  condições  sociopolíticas  e  socioeconômicas  de 
negociação ou mediação dessas interações. 

   
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2. A PRÁTICA BRASILEIRA DE
INTERVENÇÃO NO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO
 

Neste capítulo, a discussão sobre a relação ente a teoria do campo disciplinar da 
restauração  e  a  prática  da  intervenção  contemporânea  no  patrimônio 
arquitetônico prioriza os conceitos e entendimentos essenciais dessa atividade 
em  âmbito  nacional,  observando  as  condicionantes  específicas  de  nossa 
realidade. 

   
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Algumas  das  principais  discussões  do  capítulo  anterior  merecem  ser, 


antecipadamente, contextualizadas à realidade nacional, de modo a introduzir 
neste capítulo as demais reflexões sobre o panorama tratado. 

Uma  delas  é  a  ampliação  da  compreensão  do  patrimônio  cultural  em  âmbito 
nacional  e,  por  sua  vez,  do  patrimônio  arquitetônico,  influenciada  pela 
globalização  e  pela  industrialização  da  cultura.  Para  isso,  a  Carta  de  Veneza 
(1964) é um ponto de partida, pois representa a consolidação da restauração 
como  campo  disciplinar.  A  referida  Carta  promove,  entre  outras  premissas,  a 
compreensão do patrimônio cultural como documento, como representação da 
arquitetura  modesta  (não  só  a  monumental)  e  como  conjunto  (não  só  a 
arquitetura isolada). 

Leonardo Castriota (2007, p. 17) afirma que, no Brasil, desde Veneza (1964), “[...] 
o  tipo  de  objeto  a  ser  protegido  muda,  passando  do  monumento  isolado  aos 
grupos  de  edificações  históricas,  à  paisagem  urbana  e  aos  espaços  públicos.” 
Uma valorização do processo de formação da cidade mediante a qual, quanto 
mais  a  compreensão  do  que  é  patrimônio  cultural  se  amplia,  mais  se  reduz  a 
categoria do monumento histórico e se amplia a categoria do conjunto histórico.  

Com  efeito,  a  noção  de  patrimônio  como  monumento  no  âmbito  nacional  se 
altera,  mas,  ainda  durante  algum  tempo,  atém‐se  a  características  muito 
peculiares74. Flávia do Nascimento (2016, p. 126) ressalta que o entendimento 
do patrimônio cultural como documento testemunhal da história, promovido na 
Carta  de  Veneza  (1964),  afasta‐se  do  argumento  da  “monumentalidade”,  da 

 
                                                             
 
74
 Neste ponto é oportuno retroceder a um período anterior da discussão e ater‐se ao 
projeto de preservação formalizado no Decreto‐Lei nº 25 de 30 de Novembro de 1937. 
Ele constituiu a primeira regulamentação do Estado para o patrimônio cultural no Brasil. 
O Decreto organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e institui o 
tombamento de bens culturais com a inscrição destes em quatro Livros de Tombo: Livro 
de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro de Tombo Histórico; Livro de 
Tombo  das  Belas‐Artes;  Livro  de  Tombo  das  Artes  Aplicadas  (trata  da  arte  erudita). 
(BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1937). 
Esse projeto, segundo José Gonçalves (1996, p. 28) foi uma estratégia de estruturação de 
uma memória coletiva nacional no regime do Estado Novo, que garantiu a preservação 
do patrimônio arquitetônico, mas mostrou‐se anacrônico,  pois empregou durante mais 
de vinte anos uma proposta orientada para a preservação de arquiteturas históricas e 
religiosas  que  eram  “alegorias”  de  “valores  classificados  como  ‘nacionais’”.  O  autor 
afirma  que  o  objetivo  então  era  “[...]  a  valorização  do  ‘tradicional’  e  do  ‘regional’  na 
construção  de  uma  imagem  nacionalista  singular  do  Brasil”,  “[...]  ainda  que  isto  fosse 
feito  através  do  vocabulário  das  vanguardas  modernistas  europeias.”  (GONÇALVES, 
1996, p. 41‐42).  
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“excepcionalidade”  e  da  “nacionalidade”  que  vigorava  na  preservação  e  foi 


sendo superado durante a década de 198075.  

Nesse  contexto,  Lia  Motta  (2000)  destaca  que  um  marco  no  processo  de 
valorização  documental  da  arquitetura  histórica,  em  detrimento  do 
estético/estilístico de outrora, é o parecer do arquiteto Luís Fernando Franco, do 
IPHAN,  emitido  em  1984,  sobre  o  tombamento  de  Laguna  (SC).  Nascimento 
(2016) acrescenta que outras iniciativas se sucederam espelhadas nessa: Cuiabá 
(MS), Natividade (GO), Pirenópolis (GO) e São Francisco do Sul (SC).  

Por  sua  vez,  Nascimento  (2016)  afirma  que  a  compreensão  do  patrimônio 
cultural como representação da arquitetura mais diversa, difundida na Carta de 
Veneza (1964), foi incrementada pela da multiplicação dos órgãos estaduais de 
proteção, no início da década de 1980. Dessa forma, estes ocupam um vazio de 
atuação da esfera federal, contribuindo para a “repatriação” de exemplares que 
antes eram desconsiderados76. 

Todavia,  a  esfera  de  preservação  federal  também  se  reestrutura,  conforme 


adverte  José  Reginaldo  Gonçalves  (1996) 77 .  Para  o  autor,  quando  Aloísio 
Magalhães assume, a partir de 1979 a então Secretaria do Patrimônio Histórico 
e Artístico Nacional (SPHAN), se desenvolve uma nova política cuja intenção é 
“revelar  a  diversidade  cultural”  nacional,  visando  ao  desenvolvimento.  Nesse 
ínterim, “múltiplos e heterogêneos objetos” são preservados como patrimônio 
cultural, representando segmentos da sociedade antes excluídos. (GONÇALVES, 
1996, p. 53‐89). Assim, a ação contribui para a ampliação e expansão numérica 
do patrimônio cultural, inclusive do patrimônio arquitetônico. 

Em  consonância  com  esse  movimento,  Maria  Cecília  Londres  Fonseca  (2009) 
destaca que, na Constituição de 1988, segmentos das “sociedades folcloristas”, 
“movimentos  negros  e  de  defesa  dos  direitos  dos  indígenas”  e  “grupos  de 

 
                                                             
 
75
 Já na segunda metade da década de 1980, com o término da ditadura militar e em meio 
à redemocratização vem se desenhando um processo de reestruturação da preservação 
nacional.  
76
 Cabe salientar que já existiam representações de serviços de preservação em estados 
pioneiros desde a década de 1920. (KÜHL, 2008). 
77
 Gonçalves  (1996,  p.  41‐42)  afirma  que,  durante  os  regimes  autoritários,  a 
administração  pública na área de preservação composta por intelectuais  modernistas, 
contribuiu para que esse “ideal” nacionalista perdurasse.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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69 
 

descendentes  de  imigrantes”  que  não  encontravam  reconhecimento  de  suas 


representações culturais ganharam voz78.  

De  fato,  a  Constituição  é  um  marco  simbólico  da  mudança  na  preservação 
contemporânea  do  patrimônio  cultural  nacional.  Nesse  sentido,  vale  ressaltar 
que uma de suas contribuições para a ampliação da compreensão do patrimônio 
cultural e para a sua diversidade é a categoria de patrimônio cultural imaterial79. 
Mesmo  que  esta  não  se  refira  diretamente  ao  patrimônio  arquitetônico,  seu 
precoce  entendimento  colabora  expressivamente  para  o  reconhecimento  da 
significação imaterial do patrimônio arquitetônico, discutida mais a seguir.  

Por outro lado, na década de 1990, isso em parte se modifica. Lia Motta (2000) 
defende  que  a  preservação  do  patrimônio  construído  em  conjuntos  urbanos 
passa a sofrer a influência do modelo de preservação globalizado, que retoma o 
destaque  das  características  do  objeto  e  da  imagem  reverenciados  na 
preservação  nacional  de  outrora.  Como  pontuado  antes,  esses  valores  visuais 
(fachadísticos e estéticos) são substituídos entre os anos de 1970 e 1990 pelo 
valor  documental,  o  valor  das  leituras  de  informações  do  território  e  que  a 
materialidade dos objetos pode conter. Sendo assim, tal conjuntura representa 

[...]  a  volta  ao  modo  de  tratar  os  sítios  históricos 


característico do trabalho de preservação no Brasil, que 
explorava  suas  referências  visuais  mais  imediatas  e 
superficiais,  orientado  para  uma  construção  simbólica 
do  patrimônio  urbano,  independentemente  de  seus 
significados. (MOTTA, 2000, p. 259). 

Nas dinâmicas da globalização e da industrialização da cultura, o consumo visual 
do  patrimônio  arquitetônico  é  promovido  pelo  signo  e  pela  efemeridade.  A 

 
                                                             
 
78
 Fonseca  (2005,  p.  44‐64)  defende  que  o  projeto  de  preservação  instituído  com  o 
Decreto‐Lei  25  de  1937,  que  perdurou  durante  décadas  empregando  práticas 
“restritivas”, tecnicistas e elitistas orientadas menos nos significados e mais no “objeto”, 
no “belo” e no “excepcional” (expressão de uma arquitetura histórica selecionada como 
símbolo  da  memória  nacional  no  âmbito  da  construção  da  identidade  brasileira,  mas 
referente  a  grupos  sociais  de  “tradição  europeia”),  foi  um  “instrumento  ideológico  de 
legitimação do poder estatal” do Estado Novo (1937‐1946); cujas consequências para a 
sociedade foram mais severas do que “[...] a mera exclusão de ‘tipos’ de bens culturais 
desse repertório [...]”, pois perpetuou a estrutura social excludente e hierarquizada dos 
colonizadores. (FONSECA, 2009, p. 65‐67).  
79
 “Art.  216.  Constituem  patrimônio  cultural  brasileiro  os  bens  de  natureza  material  e 
imaterial,  tomados  individualmente  ou  em  conjunto,  portadores  de  referência  à 
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, 
[...]”  (BRASIL.  CONSTITUIÇÃO  (1988),  2017,  p.  164).  Por  sua  vez,  o  Decreto‐Lei  nº 
3.551/2000 institui o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa 
Nacional  do  Patrimônio  Imaterial  (BRASIL.  PRESIDÊNCIA  DA  REPÚBLICA,  2000).  Isso 
ocorre antes mesmo da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial 
da UNESCO de 2003. 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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70 
 

revalorização  do  objeto  e  da  imagem,  em  detrimento  dos  significados  do 
patrimônio material, é uma abordagem que se distancia do rigor historiográfico. 
Todavia,  as  práticas  da  indústria  cultual  em  âmbito  nacional  são  bastante 
específicas  e  serão  detalhadas  mais  a  seguir,  relacionadas  ao  processo  de 
intervenção no patrimônio arquitetônico.  

Não obstante, ações mais recentes na preservação nacional também evidenciam 
a  ampliação  da  compreensão  do  patrimônio  arquitetônico,  bem  como  de  sua 
expansão numérica. Nesses casos, mais orientadas no sentido da compreensão 
de seu significado e conscientes do papel dos grupos sociais nesse processo. Um 
exemplo  é  o  Inventário  Nacional  de  Referências  Culturais  (INRC),  de  2000,  a 
categoria de Paisagem Cultural Brasileira, de 2009, e outro ainda mais recente, 
a Política do Patrimônio Cultural Material (PPCM) de 2018, que são retomados 
no item seguinte deste capítulo. 

Outra discussão promovida no capítulo anterior como um fator conjuntural das 
novas  relações  socioculturais  da  pós‐modernidade  que  contribui  para  a 
ampliação da compreensão do patrimônio é o desejo pelo passado. Gonçalves 
(2015)  reconhece  que  essa  dinâmica  contemporânea  mobiliza  em  direção  à 
preservação  do  patrimônio  cultural,  à  medida  que  promove  um  desejo  pelo 
passado. 

É provável que esteja em jogo um trabalho coletivo de 
mediar  e  equilibrar  contradições  em  nosso  modo 
contemporâneo  de  representar  o  tempo,  uma 
concepção  na qual  o  futuro já  não brilha  como  o  foco 
das esperanças utópicas, e o passado é preservado ou 
reconstruído  na  vã  expectativa  de  parar  o  tempo. 
(GONÇALVES, 2015, p. 218). 

Para  Gonçalves,  há  uma  interrupção  da  continuidade  histórica  decorrente  da 
sensação  de  aceleração  do  tempo,  assim  como  discutido  anteriormente  por 
David Harvey (2008) e Fredric Jameson (1985). No entanto, segundo Gonçalves 
(2015), tal interrupção ocorre devido à impressão de que o futuro já não parece 
ser longínquo e rico de possibilidades, logo ele se abrevia e se tornar presente, 
impelindo em direção ao passado, à preservação do passado.  

A mobilização pelo passado também é afirmada por Françoise Choay (2005) e 
François  Hartog  (2006).  No  entanto,  Hartog  observa  que  ela  resulta  em  um 
processo de “presentificação” do patrimônio cultural. Além disso, com base nos 
apontamentos  apresentados  sobre  as  peculiaridades  da  ampliação  do 
patrimônio  na  realidade  nacional,  pode‐se  ponderar  que  a  mobilização  pelo 
passado caracterizada por esses autores é mais cumulativa do que a verificada 
na preservação brasileira.  

 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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71 
 

Ademais,  pode‐se  também  ponderar  que  nosso  desejo  pelo  passado  é  mais 
conciliatório. O “dever de memória” no Brasil é diverso do que Hartog defendia. 
Ele  é  mobilizado  pelo  dever  de  reaver  memórias  preteridas,  um  direito  à 
memória  que  foi  subjugada  por  políticas  de  preservação  anteriores,  que 
conteplavam um tipo de bem específico para preservação.  

Como  contraponto,  vale  salientar  que  o  arquivamento  memorial  também 


implica o esquecimento, conforme assinalam Cecília dos Santos e Sonia Marques 
(2014).  A  identificação  e  a  seleção  dos  bens  para  preservação  são  processos 
contínuos  que  não  aspiram  a  preservar  a  totalidade  dos  objetos.  Contudo, 
segundo as autoras, os esquecimentos na prática de preservação nacional são 
cerceativos  da  representação  da  identidade  cultural  e  redundam  em 
“reivindicações  memoriais  associadas  à  cobrança  de  dívidas  históricas”, 
conformando um processo de “judicialização da memória”. 

Nesse  contexto,  Gonçalves  (2015,  p.  220)  ressalta  que  a  assimilação  do 
patrimônio  imaterial  em  grande  escala  na  preservação  implicou  “[...]  uma 
intensificação dos usos do vocabulário da moderna antropologia social e cultural 
[...]”; no lugar do “[...] vocabulário da história, e especialmente da história da 
arte  e  da  arquitetura,  que  eram  centrais  na  construção  discursiva  do 
patrimônio80.” Isso culmina na reivindicação pelo reconhecimento e pelo registro 
de bens associados às “culturas populares”.  

Mais  do  que  um  sinal  diacrítico  a  diferenciar  nações, 


grupos  étnicos  e  outras  coletividades,  a  categoria 
“patrimônio”, em suas variadas representações, parece 
confundir‐se com as diversas formas de autoconsciência 
cultural. (GONÇALVES, 2009, p. 32). 

Portanto,  pode‐se  dizer  que  o  processo  de  sensibilização  pelo  passado  na 
contemporaneidade, em âmbito nacional, não chega a se assemelhar à escala 
verificada  na  Europa.  Não  vivemos  no  Brasil  uma  verdadeira  obsessão  pela 
memória  e  uma  ânsia  fetichista  mobilizadora  para  preservação,  isto  já  foi 
apontado por diversos autores. Inclusive, reivindicações por representatividade 
ainda são observadas na preservação do patrimônio cultural e isso é retomado 
e aprofundado no contexto da intervenção no patrimônio arquitetônico, como 
ser verá mais a seguir.  

 
                                                             
 
80
 Nascimento  (2016)  destaca  a  influência  da  historiografia  da  França  (Escola  dos 
“Analles”) na preservação do período de redemocratização. 
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72 
 

A  despeito  disso,  a  globalização  e  a  industrialização  da  cultura  influenciam  a 


prática da preservação contemporânea do patrimônio arquitetônico no Brasil. 
Entretanto, esses fenômenos possuem diferentes alcances e escalas. O que se 
observa é que a preservação apresenta, de modo geral,  

[...] a superação de uma visão exclusivamente centrada 
nos  “fatos  memoráveis”  da  história  oficial  nacional;  o 
reconhecimento de uma memória plural, representativa 
de diversos grupos que compõem a sociedade brasileira; 
a desvinculação do valor cultural ao caráter excepcional 
ou monumental dos bens, valor agora identificado nos 
portadores de referência à ação, memória e identidade 
dos  diversos  grupos  sociais;  a  inclusão  dos  bens 
intangíveis  como  uma  nova  categoria  de  patrimônio  a 
ser  protegida  e  reconhecida;  o  entendimento  do 
patrimônio  natural  como  uma  natureza  incorporada  à 
memória social e parte da vida humana; e, finalmente, a 
tutela  do  patrimônio  compartilhada  entre  os  poderes 
públicos e a comunidade. (NASCIMENTO; SCIFONI, 2010, 
p. 46). 

2.1 A P OLÍTICA DO P ATRIMÔNIO C ULTURAL


M ATERIAL
O  “amadurecimento”  da  compreensão  do  patrimônio  arquitetônico  pode  ser 
observado na Política do Patrimônio Cultural Material (PPCM), instituída com a 
Portaria nº 375 de 17 de agosto de 2018.  

Convém ressaltar que a política nacional de cultura e a proteção do patrimônio 
histórico  e  cultural  são  competências  do  Ministério  da  Cultura.  O  IPHAN  é  a 
autarquia federal responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro 
que  tem,  entre  outras,  a  função  de  elaborar  as  políticas  públicas  do  setor  de 
preservação,  desenvolvendo  programas  e  projetos,  na  forma  de  planos  e  de 
diversas modalidades de atos normativos.  

A Política do Patrimônio Cultural Material é um documento elaborado na forma 
de  normatização.  Ela  estabelece  critérios  e  diretrizes  para  a  preservação  e, 
consecutivamente,  para  o  processo  de  intervenção.  O  PPCM  foi  desenvolvido 
com  a  participação  da  comunidade  por  meio  de  consulta  pública  e  está  em 
processo  de  consolidação,  sobretudo  porque  ainda  carece  que  sejam  criados 
vários outros instrumentos complementares.  

 
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2.1.1 S IGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO ,


INTERVENÇÃO E VALOR PATRIMONIAL

O PPCM registra, entre seus cinco objetivos específicos, o de “[...] precisar os 
entendimentos institucionais sobre termos ou conceitos específicos aplicáveis à 
preservação  do  patrimônio  cultural  de  natureza  material;  [...].”  Esse  caráter 
orientador e operacional do documento “[...] busca promover de forma coerente 
e concertada a preservação do patrimônio cultural material.” (IPHAN, 2018, p. 
32‐33).  Tal  prerrogativa  se  alinha  com  o  cerne  da  presente  pesquisa,  que  é  a 
coerência  da  prática  da  intervenção  contemporânea  no  patrimônio 
arquitetônico,  em  relação  ao  referencial  teórico  do  campo  disciplinar  da 
restauração. 

Imbuído dessa mobilização pela citada coerência da preservação do patrimônio 
material,  o  PPCM  deixa  clara  a  intenção  de  atualizar  diretrizes  e  premissas 
adotadas pela autarquia. Isso é observado ao longo do documento, mas pode‐se 
dizer que é mais representativo na ênfase conferida à significação do patrimônio 
material  e,  principalmente,  no  entendimento  desta  como  um  processo 
sociocultural  essencial  para  a  preservação.  O  órgão  viabiliza  a  adoção  dessa 
postura  por  meio  de  transformações  em  sua  estrutura  e  afirma,  no  citado 
documento, que eles abandonaram 

[...]  o  formato  temático  até  então  adotado  (Bens 


Móveis, Bens Imóveis, Patrimônio Natural e Cidades) e 
assumiram  a  lógica  dos  macroprocessos  institucionais 
(Identificação  e  Reconhecimento;  Normatização  e 
Gestão  do  Território;  Autorização  e  Fiscalização;  e 
Conservação). (IPHAN, 2018, p. 4). 

Essa reestruturação do IPHAN é condizente com uma visão mais ampla e atual 
da preservação, atenta aos processos de significação do patrimônio material e a 
gestão  desses  processos.  Além  disso,  contribui  para  a  minimização  da  divisão 
entre bens materiais e imateriais. 

Sendo assim, o PPCM estabelece como premissas:  

I. As ações e atividades relacionadas com a preservação 
do patrimônio cultural material devem compreender e 
considerar o Presente;  
II.  As  ações  e  atividades  devem  considerar  a 
indissociabilidade  entre  as  dimensões  materiais  e 
imateriais do Patrimônio Cultural;  
III.  As  ações  e  atividades  devem  partir  da  leitura  do 
território  e  da  compreensão  das  dinâmicas  políticas, 
econômicas, sociais e culturais ali existentes;  
IV.  As  ações  e  atividades  devem  buscar  promover  a 
articulação  institucional  com  diferentes  níveis  de 
governo e sociedade;  
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V.  As  ações  e  atividades  devem  buscar  estimular  o 


fortalecimento  de  grupos  sociais  para  preservação  do 
seu próprio patrimônio cultural material; e  
VI. As ações e atividades devem buscar articular com os 
entes  federados  e  demais  órgãos  e  entidades 
componentes  do  Estado  Brasileiro,  na  construção  de 
instrumentos de compartilhamento e de delimitação de 
atribuições relativas à preservação dos bens protegidos. 
(IPHAN, 2018, p. 32). 

No que diz respeito ao patrimônio arquitetônico, em particular, a segunda e a 
terceira premissas evidenciam o alinhamento do PPCM com as discussões acerca 
da compreensão contemporânea desse patrimônio e, por conseguinte, com as 
Cartas, Declarações e Resoluções patrimoniais de caráter internacional. Quanto 
ao processo de intervenção, a quinta premissa é mais expressiva, pois registra a 
atenção quanto à sustentabilidade da significação conferida pelos grupos sociais 
locais, essencial para a diversidade cultural. Essas premissas se relacionam em 
especial com dois dos dezoito princípios estabelecidos no PPCM: o “Princípio do 
Respeito  às  Diversidades  Locais  e  Regionais”  e  o  “Princípio  da 
Indissociabilidade”, que trata da não separação entre os bens culturais materiais 
e as “comunidades que os têm como referência.” (IPHAN, 2018, p. 31‐32)81.   

Ainda no que tange à definição da compreensão contemporânea do patrimônio 
material nacional, o PPCM formaliza no artigo 21 “categorias específicas de bens 
culturais materiais” (IPHAN, 2018, p. 36). Entre elas, as que podem carecer de 
esclarecimentos  e  se  relacionam  com  o  patrimônio  arquitetônico  são  as 
“categorias” de “Paisagem Cultural Brasileira” e de “Lugar de Memória” 82. 

 
                                                             
 
81
 O glossário do PPCM define “referência cultural” como “(1)  Entendimento aplicável ao 
patrimônio cultural. (2) São os sentidos e valores, de importância diferenciada, atribuídos 
aos diversos domínios e práticas da vida social e que, por isso mesmo, se constituem em 
marcos de identidade e memória para determinado grupo social.” (IPHAN, 2018, p. 57). 
O registro do patrimônio como referência cultural está também na Constituição de 1988 
no  já  citado  “Art.  216.  Constituem  patrimônio  cultural  brasileiro  os  bens  de  natureza 
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência 
à  identidade,  à  ação,  à  memória  dos  diferentes  grupos  formadores  da  sociedade 
brasileira, [...]” (BRASIL. CONSTITUIÇÃO (1988), 2017, p. 164). Todavia, o entendimento 
de referência cultural já havia sido estabelecido em 1975 pelo antigo Centro Nacional de 
Referência Cultural (CNRC) (que não compunha o IPHAN à época, nem o Ministério da 
Cultura).  Em 1979, a ideia é adotada pelo IPHAN e tratada como conceito pela instituição 
no final da década de 1990. (MOTTA, 2017). O determinante sobre a compreensão de 
referência cultural é o vínculo entre a significação memorial, correlata à historicidade do 
bem, e a significação identitária dos grupos sociais. 
82
 Lia  Motta  (2017,  p.  217)  ressalta  que  a  Constituição  Federal  de  1988  “[...]  além  de 
abrigar o instrumento do tombamento como forma de proteção do patrimônio, permitiu 
outras  formas  de  acautelamento  dos  bens  culturais.”  Sendo  assim,  a  “[...]  inclusão  no 
Livro  de  Registro  de  Lugares  ou  na  Chancela  da  Paisagem  Cultural  [...]”  também  são 
recursos para proteção de referências culturais para preservação.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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75 
 

A  Paisagem  Cultural  Brasileira  foi  uma  contribuição  para  a  atualização  da 


compreensão do patrimônio material e para o processo de intervenção, porque 
trata da relação dinâmica e “afetiva” do homem com o meio, e pretende uma 
gestão  compartilhada  desse  patrimônio  cultural  pelo  poder  público  e  pela 
sociedade  civil83.  A  importância  da  “categoria  específica”  Paisagem  Cultural  é 
reiterada por Simone Scifoni (2016). 

Instrumento  inovador  que  permite  olhar  para  o 


território  reconhecendo  dinâmicas  culturais 
relacionadas  aos  grupos  sociais,  manifestações 
imateriais  articuladas  à  base  espacial,  materialidades 
construídas e pedaços de natureza em comunhão com a 
vida  humana.  Além  de  inovador,  do  ponto  de  vista  de 
construção do objeto de preservação, a metodologia de 
estudo  da  chancela  da  paisagem  cultural  implica  na 
criação de uma rede de proteção, articulando os grupos 
sociais  locais  em  ações  participativas  e  compromissos 
compartilhados  na  preservação  do  patrimônio. 
(SCIFONI, 2016, p. 60). 

Entretanto, as ações do programa de Paisagem Cultural foram interrompidas em 
2015  e  excluídas  da  Carta  de  Serviços  ao  Cidadão  (descrição  dos  serviços 
oferecidos pela instituição)84.  A revisão da Portaria de 2009 do IPHAN, que es‐
tabelece a chancela da Paisagem Cultural Brasileira, consta no PPCM. De fato, a 
Paisagem Cultural é uma “categoria” atual de patrimônio, contudo também é 
um  instrumento  complexo.  No  âmbito  da  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico, pode‐se antecipar uma potencial dificuldade de articulação entre 
as  ações  que  envolvem  vários  agentes,  principalmente  no  caso  da  iniciativa 
privada. 

Quanto ao Lugar de Memória, sua presença no documento que registra a política 
para o patrimônio material reforça a orientação deste pela significação do bem. 
Ela  é  o  atributo  estruturador  do  lugar  de  memória  e  sua  definição  é  um 
instrumento para proteção de bens materiais, justificada na significação e não 
necessariamente na sua integridade. Para a “categoria” de Lugar de Memória de 
patrimônio  material,  o  PPCM  estabelece  também  no  artigo  21  que  sejam 

 
                                                             
 
83
 A  portaria  nº  127,  de  30  de  abril  de  2009  estabelece  no  “Art.  1°.  Paisagem  Cultural 
Brasileira é uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de 
interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram 
marcas ou atribuíram valores.” (IPHAN, 2009).  
84
 O  memorando  nº  384/2015  do  IPHAN,  afirma  a  necessidade  de  “[...]  redefinição  de 
papéis  em  relação  às  instâncias  do  IPHAN  que  abrem  processo  administrativo,  o 
instruem, efetivam parcerias, conduzem à formulação do Plano de Gestão, monitoram a 
realização  de  ações  acordadas,  etc.;  se  deve  por  não  haver  audiência  pública  para 
validação do Plano de Gestão; e outros.” (IPHAN, 2015).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
76 
 

instituídos  critérios  e  procedimentos,  por  meio  de  publicação  de  portaria 


específica, para seu reconhecimento.  

Com  efeito,  os  critérios  de  seleção  do  que  preservar  devem  ser  alinhados, 
independentemente  de  categorizações,  com  os  avanços  contemporâneos  da 
preservação.  No  âmbito  da  seleção  e  tombamento  do  patrimônio  material,  o 
PPCM estabelece critérios para isso no artigo 3185. 

Critério I: Representar a capacidade criativa dos grupos 
formadores  da  sociedade  brasileira,  com  expressivo 
nível  simbólico  ou  expressivo  grau  de  habilidade 
artística, técnica ou científica;  
Critério  II:  Representar  um  evidente  intercâmbio  de 
ideias  e  valores  dos  grupos  formadores  da  sociedade 
brasileira;  
Critério  III:  Representar  uma  tradição  cultural  viva  ou 
desaparecida  que  exemplifica  grupos  formadores  da 
sociedade brasileira;  
Critério  IV:  Representar  ou  ilustrar  um  estágio 
significativo  de  grupos  formadores  da  sociedade 
brasileira;  
Critério V: Representar a interação humana com o meio 
ambiente, com expressivo nível simbólico ou expressivo 
grau de habilidade artística, técnica ou científica;  
Critério  VI:  Representar  modalidades  da  produção 
artística  oriunda  de  um  saber  advindo  da  tradição 
popular e da vivência do indivíduo em seu grupo social;  
Critério  VII:  Representar  modalidades  da  produção 
artística  que  se  orientam  para  o  registro  ou 
representação  de  eventos,  com  expressivo  valor 
simbólico, da história nacional;  
Critério  VIII:  Representar  modalidades  da  produção 
artística ou científica que se orientam para a criação de 
objetos,  de  peças  e/ou  construções  úteis  ao  brasileiro 
em sua vida cotidiana. (IPHAN, 2018, p. 39). 

 
                                                             
 
85
 O  tombamento  no  Brasil  é  um  procedimento  administrativo  do  Estado  sobre  a 
propriedade privada e pública que, no caso da esfera federal de proteção, culmina com 
a  inscrição  do  bem  em  um  dos  Livros  de  Tombo  já  citados.  O  tombamento  pode  ser 
voluntário ou compulsório, e ocorre principalmente por ato do poder executivo. Também 
pode  se  dar  pelo  poder  legislativo,  que  processa  o  tombamento  conforme  as  normas 
urbanísticas  presentes  nos  Planos  Diretores  municipais,  ou  conforme  a  indicação  de 
preservação de bens por meio de Decretos. Mas, o tombamento ainda pode ser um ato 
do poder judiciário, embora seja menos frequente. Nesse caso, ele ocorre por intermédio 
de ação que pode ser coletiva, popular ou civil. (CORONA; GROSSI, 2011). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
77 
 

Esses  critérios  demonstram  a  preocupação  do  IPHAN  com  o  tombamento  de 


exemplares  que  representem  a  diversidade  das  manifestações  artísticas, 
técnicas,  científicas  e  históricas  da  tradição  popular  e  do  cotidiano  de  grupos 
formadores da sociedade brasileira.  

Convém  assinalar  que  os  critérios  de  seleção  do  patrimônio  cultural  foram 
criticados  intensamente  nas  últimas  décadas.  Scifoni  (2015,  p.  136‐137),  por 
exemplo, ressalta a necessidade de sua atualização, em razão de os técnicos do 
IPHAN  ainda  priorizarem  “[...]  valores  formais,  estéticos,  estilísticos  e 
arquitetônicos  [...].”  Segundo  a  autora,  nem  mesmo  os  avanços  conquistados 
com a Constituição de 1988 “[...] superam a ideia de um patrimônio vinculado a 
fatos memoráveis da história brasileira, ou seja, uma visão celebrativa e pouco 
crítica do passado [...]”, que implicou a perda de inúmeros bens representativos. 
Tal  conjuntura  ainda  é  agravada  por  conflitos  de  interesses  políticos  e 
econômico‐imobiliários.  Scifoni  afirma  que  essa  “fragilidade”  das  instituições 
públicas da área da preservação é também observada na carência de recursos 
para as ações físicas no patrimônio e para a reinserção deste no tecido social.   

Em  função  disso,  Scifoni  (2016,  p.  54‐55)  sustenta  que  o  Brasil  apresenta  um 
conjunto  “extremamente  desigual  do  que  se  afirma  ser  memória  coletiva”, 
conformando  um  “passivo  patrimonial”  que  é  fruto  de  um  deficit  de  bens  a 
serem preservados por carência de “reconhecimento e proteção”.  

Ruth Zein e Anita Di Marco (2008, p. 9) também asseguram a necessidade de 
corrigir os critérios de seleção do patrimônio. Elas reivindicam novos parâmetros 
de escolha e proteção do patrimônio para uma compreensão mais ampla deste, 
que  contemple  suas  articulações  e  significações  em  processos  práticos  de 
preservação,  aproximando  mais  os  grupos  sociais  dos  patrimônios  materiais. 
Além  disso,  também  requerem  que  esses  critérios  sejam  debatidos 
abundantemente e declarados de maneira explicita.  

Embora essas críticas sejam anteriores à publicação da “recente” Política, elas 
apontam  para  um  “modus  operandi”  da  preservação,  particularmente 
pertinente  às  ações  no  patrimônio  arquitetônico  (inclusive  da  intervenção 
propriamente dita), que não se interrompe de imediato com o PPCM. De fato, a 
Política  consolida  oficialmente  mudanças  que,  como  pontuado  na  introdução 
deste  capítulo,  vinham  sendo  estabelecidas  progressivamente  na  preservação 
ao  longo  dos  anos.  Contudo,  os  critérios  de  seleção  do  patrimônio  material 
constantes  no  PPCM  carecem  de  ser  declarados  mais  explicitamente,  pois 
favorecem uma abordagem ainda mais tecnicista do que relacional. 

Sendo  assim,  pode‐se  ponderar  que,  por  algum  tempo,  talvez,  seja  temerário 
que o termo “expressivo”, registrado repetidamente nos critérios de seleção do 
patrimônio  material  no  PPCM,  possa  ser  tomado,  inclusive  no  processo  de 
intervenção, como um eufemismo do “excepcional”, vinculado à exacerbação da 
forma e da estética na preservação do patrimônio arquitetônico de outrora. Em 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
78 
 

contrapartida, entende‐se que a tarefa de atualizar e explicitar claramente esses 
critérios constitui um desafio persistente para a preservação. 

Outra  característica  atual  da  compreensão  contemporânea  do  patrimônio 


arquitetônico  é  sua  significação,  em  relação  ao  entorno  mais  imediato  e  ao 
território. No PPCM, ela só é pontuada no que se refere à área de ambiência do 
bem  tombado 86 .  Na  verdade,  o  artigo  39  registra  a  demanda  pelo 
desenvolvimento de normatização acerca do diálogo do bem com a “realidade 
do  território”  (IPHAN,  2018,  p.  40).  Todavia,  esse  tema  poderia  ter  sido 
ressaltado.  Ele  tem  sido  destacado  em  Cartas  e  Declarações  internacionais, 
conforme visto anteriormente.  

Nesse contexto, Lia Motta e AnaLucia Thompson (2012, p. 174‐175) afirmam que 
a atribuição de valor às áreas de entorno dos bens é “tão importante quanto 
aquele  de  tombamento”,  tanto  para  informar  quanto  para  se  promover  a 
“legitimidade”  da  preservação  do  patrimônio.  As  autoras  ressaltam  que  tal 
atribuição é uma empreitada complexa. No caso  dos bens tombados situados 
em  áreas  urbanas,  envolve,  por  exemplo,  “[...]  a  participação  de  múltiplos 
agentes  sociais,  diferentes  legislações,  projetos  urbanísticos  e  interesses 
econômicos  em  jogo,  e  ainda  a  necessidade  da  limitação  ao  direito  de 
propriedade em nome do interesse cultural coletivo.” No caso dos bens em áreas 
rurais, “[...] muitas vezes a complexidade se dá em função da escala territorial 
que deve ser alcançada para a preservação da ambiência do bem.”  

Sendo assim, a definição de novos instrumentos que assegurem ao processo de 
intervenção  uma  melhor  articulação  com  às  demais  ações  que  compõem  a 
iniciativa pode viabilizar a prática orientada pelo reconhecimento da significação 
do patrimônio arquitetônico quanto à sua ambiência. Haja vista que, tal como 
citado  em  relação  às  Paisagens  Culturais,  essa  integração  é  um  desafio, 
especialmente em se tratando da intervenção no âmbito da iniciativa privada. 

No contexto da articulação, os artigos 33 e 34 do PPCM registram o interesse 
pela implementação de um “Pacto de Preservação” que envolva diversos órgãos 
públicos, instituições e agentes, de modo a configurar “diretrizes para a elabo‐
ração ou a atualização de instrumentos de atuação” e “princípios e diretrizes que 
subsidiem os processos e ações de Normatização e Conservação.” (IPHAN, 2018, 
p. 39).  

 
                                                             
 
86
 Lia  Motta  e  AnaLucia  Thompson  (2012,  p.  175)  afirmam  que  o  termo  “entorno”  foi 
cunhado  no  Brasil  pelos  técnicos  do  IPHAN,  na  década  de  1970.  Ele  “era  então  um 
neologismo” e pode ser referido também por outras denominações como “vizinhança”, 
“tutela” ou principalmente hoje, “ambiência”. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
79 
 

Outro ponto correlato à significação do patrimônio cultural é a gestão/impacto  
dos  processos  promovidos  pela  indústria  do  turismo  cultural.  Este  tema  é 
abordado em Cartas e Declarações internacionais, conforme citado no capítulo 
anterior. Todavia, o PPCM somente pontua a necessidade da compatibilidade do 
turismo cultural para a sustentabilidade da significação conferida pelos grupos 
sociais  ao  patrimônio  material.  Compreende‐se  que  a  indústria  cultural  é  um 
agente  de  desenvolvimento  e  que  o  consumo  cultural  do  patrimônio 
arquitetônico,  intermediado  por  uma  experimentação  de  significação 
multicultural  e  de  caráter  mais  global,  é  uma  construção  sociocultural 
contemporânea. Entretanto, ela também pode empregar ações nocivas, como, 
por exemplo, a diversidade cultural.  

Diretamente  quanto  ao  processo  de  intervenção  no  patrimônio  material,  o 


PPCM  registra  no  artigo  38  a  preocupação  do  IPHAN  com  a  sua  qualidade  e 
enumera as finalidades da normatização a ser elaborada com esse intuito: 

I.  Regulamentar  práticas  e  procedimentos  que 


objetivem a preservação do patrimônio cultural material 
protegido;  
II.  Estabelecer atitudes  reflexivas  sobre  o bem  cultural 
material e o contexto onde está inserido;  
III.  Definir,  de  forma  clara  e  objetiva,  os  critérios  de 
preservação,  buscando  construir  com  os  órgãos 
públicos,  instituições  e  agentes  locais  uma  leitura 
integrada e atualizada do território onde se localizam os 
bens materiais protegidos;  
IV. Estabelecer práticas para a construção participativa 
das  normas  de  preservação,  de  forma  a  garantir  sua 
legitimidade,  apropriação  perante  as  comunidades 
locais  e  agentes  públicos  e  facilitar  a  definição  de 
estratégias de gestão compartilhada dos bens materiais 
protegidos,  dando  efetividade  ao  Pacto  de      Pre‐
servação; e  
V.  Integrar  as  práticas  de  elaboração  das  normas  de 
preservação aos instrumentos e processos de proteção 
e contribuir com as atividades de rotina da fiscalização, 
autorização e conservação. (IPHAN, 2018, p. 40). 

Ele também enuncia, no artigo 39, os conteúdos que essas normativas para a 
intervenção deverão abranger: 

I. Marcos legais vigentes;  
II.  Valores,  atributos  e  características  a  serem 
preservados;  
III. Objetivos da norma;  
IV. Áreas e/ou setores de preservação, quando aplicável;  
V. Diretrizes gerais de preservação;  
VI. Critérios específicos de preservação; e  
VII.  Condições  de  aplicabilidade,  operacionalização  e 
monitoramento da norma. (IPHAN, 2018, p. 40). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
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A  intenção  de  definir  diretrizes,  critérios  específicos  e  características  a  serem 


preservadas  com  a  intervenção  no  patrimônio  material  vai  ao  encontro  de 
solicitações  recorrentes  do  setor  especializado  por  normas  pertinentes  ao 
exercício técnico profissional. Por outro lado, complementar a normatização não 
significa  dotá‐la  de  informações  que  são  pertinentes  à  formação  dos 
profissionais. Não cabe à legislação suprir a carência de capacitação. Ela deve, 
sim, tornar o processo transparente, estabelecendo limites cabíveis, sem limitar 
possibilidades87. Esse é mais um desafio.  

O  mesmo  artigo  39  registra  que  as  normativas  a  serem  desenvolvidas  devem 
pretender a integração dos valores patrimoniais de forma mais abrangente, “que 
respeite  e  dialogue  com  contexto  local”  (IPHAN,  2018,  p.  40).  Dessa  forma,  o 
PPCM se alinha com os pressupostos sobre o tema, constantes nos documentos 
internacionais. Isto também aparece consignado em sua definição de valor: 

Significação atribuída, pelos diversos grupos formadores 
da  sociedade  brasileira,  aos  bens  culturais  tomados 
individualmente  ou  em  conjunto,  e  que  são 
representativos  de  suas  práticas  sociais,  memórias  e 
identidades. (IPHAN, 2018, p. 58). 

Portanto,  o  PPCM  relaciona  ao  valor  do  patrimônio  material  duas  condições 
essenciais: a diversidade e a prática social, inclusive na sua definição do processo 
de valoração.  

Processo  discursivo  de  formulação  e  constituição  do 


patrimônio  cultural  a  partir  das  relações  entre 
elementos  físicos,  práticas  sociais  e  conteúdos 
simbólicos,  que  resulta  na  classificação  dos  valores 
atribuídos ao patrimônio em categorias de pensamento 
institucionalizado  por  meio  de  conceitos  da  política 
pública,  tais  como  valor  histórico,  valor  artístico,  valor 
arqueológico,  valor  etnográfico  e  valor  paisagístico. 
(IPHAN, 2018, p. 58, grifo nosso). 

O PPCM também reforça o caráter mutável do valor patrimonial, relacionando‐
o com as dinâmicas culturais e baseando‐o no diálogo com os grupos sociais. Isto 
é coerente com a compreensão de que a valoração precisa ser reapurada a cada 
intervenção, à medida que as significações e práticas dos grupos sociais podem 
variar no tempo e no território. Além disso, como já defendido, a intervenção é 
um  exercício  criativo  do  arquiteto  restaurador;  logo,  o  bem  pode  ter  sido 

 
                                                             
 
87
 Ver  item:  2.3  Agentes,  interesses  e  interferências,  em  que  se  discute  a  carência  de 
capacitação  profissional  dos  agentes  envolvidos  com  o  processo  de  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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81 
 

ressignificado com uma ação anterior. Isto também é considerado no PPCM em 
um dos dezoito princípios, o “Princípio da Ressignificação” (IPHAN, 2018, p. 31).  

Contudo,  nesse  contexto,  um  tópico  do  PPCM  que  suscita  dúvida  é  o 
enquadramento  da  valoração  em  “categorias  de  pensamento 
institucionalizado”.  O  processamento  da  valoração  para  bens  edificados  já  foi 
criticado antes por ser uma atividade tecnicista. Em especial, por manter uma 
associação  com  valores  artístico‐históricos,  distanciando‐se  da  significação 
contemporânea do patrimônio material. Lia Motta (2017), por exemplo, afirma 
que, 

[...]  além  de  o  próprio  IPHAN  empregar  o  critério 


estilístico de valoração dos sítios, os sujeitos de fora da 
instituição mantiveram‐se solicitando tombamentos de 
bens  à  semelhança  dos  valores  consagrados  pela 
instituição. As poucas exceções não eram atendidas em 
suas demandas. (MOTTA, 2017, p. 216). 

Ulpiano Meneses (2009) faz uma afirmação semelhante: 

No  entanto,  consolidou‐se  entre  nós  uma  prática 


esquizofrênica,  em  que  as  novas  diretrizes 
constitucionais  parecem  valer  só  para  o  patrimônio 
imaterial  e  as  antigas,  que  foram  constitucionalmente 
invertidas,  continuam  em  vigor  nas  ações  relativas  ao 
patrimônio material. Aí, continuamos a trabalhar como 
se o valor cultural fosse identificável exclusivamente a 
partir  de  certos  traços  intrinsecamente  presentes  nos 
bens. (MENESES, 2009, p. 34).  

Para corrigir essa prática anacrônica, segundo Meneses (2009, p. 30), deve‐se 
introduzir  outros  critérios  de  valor  para  os  bens  que  sejam  baseados  no 
“potencial  de  interlocução”  com  a  sociedade  e,  sobremaneira,  com  os 
interlocutores locais. Mesmo que a apuração da valoração se encontre nas mãos 
de técnicos, o valor atribuído não deve ser academicista e intelectualista. Ele é 
baseado  nas  características  físicas  do  bem,  mas  também  na  significação, 
principalmente  a  conferida  pelo  grupo  local,  cujas  memórias,  laços  de 
identificação  e  práticas  sociais  são  mais  profundos.  Portanto,  a  valoração  do 
patrimônio  arquitetônico  mais  em  consonância  com  seu  entendimento 
ampliado  leva  em  conta  a  sua  imaterialidade.  Porém,  convém  acrescentar  a 
orientação de Leonardo Castriota (2011), segundo o qual deve‐se evitar cair em 
“posturas ingênuas e dogmáticas”. O autor salienta que a questão do valor tem 
sido uma constante na preservação nacional,  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
82 
 

[...]  o  que  se  modifica  neste  início  de  século  é  a 


necessidade cada vez mais presente de se explicar essa 
operação  de  atribuição  de  valores,  explicitação que  se 
torna necessária na medida em que o próprio campo do 
patrimônio  se  complexifica,  tanto  pela  exponencial 
ampliação e deslocamento desse conceito, quanto pela 
introdução de novos atores em cena, [...] (CASTRIOTA, 
2011, p. 51, grifo do autor). 

A  valoração  deve  ser  a  linha  condutora  da  intervenção  no  patrimônio 


arquitetônico. Para isso, ela deve ser definida claramente e de forma particular 
a cada bem e a cada intervenção, de modo a subsidiar as decisões. A valoração 
para  a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  se  faz  por  meio  de  pesquisas 
quanto  à  sua  materialidade  e  quanto  à  sua  imaterialidade.  Na  prática 
contemporânea,  esse  processo  deve  ser  tomado  como  um  exercício  de 
sensibilidade  e  interpretação,  para  além  das  impressões  técnicas  científicas. 
Tendo em vista que ele ganha complexidade à medida que passa a basear‐se em 
diversos processos de pesquisa, conjugados entre o agente externo técnico que 
a  define  e  os  grupos  que  têm  laços  de  significação  com  patrimônio.  A 
participação  da  comunidade  no  processo  de  atribuição  da  valoração  para  a 
intervenção  contribui  para  que  valorações  técnico‐científicas,  assim  como  as 
genéricas e superficiais, não prevaleçam.  

Todavia, uma das dificuldades de aferir a valoração ao patrimônio arquitetônico 
para  o  processo  de  intervenção  é  a  carência  de  estruturas  que  permitam 
conformar  pesquisas  junto  à  população  local.  As  oportunidades  de  empregar 
métodos  que  envolvam  a  participação  popular,  como  entrevistas  qualitativas, 
são  raras  na  prática  da  iniciativa  privada  nacional.  Essas  ações  se  restringem, 
normalmente,  aos  setores  públicos;  ainda  assim,  mesmo  estes  podem  ter 
dificuldades  de  mobilização,  sobretudo  em  contextos  em  que  ocorre  a 
minimização da atuação dos órgãos de preservação.  

Em  função  disso,  os  valores  citados  nas  intervenções  no  patrimônio 
arquitetônico  no  Brasil  são  frequentemente  tecnicistas  ou  genéricos  e 
superficiais. Por vezes, até anacrônicos, nos casos que são repetições de valores 
aferidos quando da proteção/tombamento do bem, sem a devida verificação de 
possíveis  processos  de  ressignificação.  Ademais,  o  desconhecimento  ou  a 
insensibilização dos profissionais envolvidos com o processo de intervenção no 
patrimônio arquitetônico, a respeito da valoração vinculada impreterivelmente 
às significações dos bens, e não exclusivamente às suas características materiais, 
também contribui para essas incoerências88.  

 
                                                             
 
88
 Ver item: 2.3 Agentes, interesses e interferências. 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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83 
 

Em  resumo,  reconhece‐se  no  PPCM  a  oficialização  de  um  entendimento 


contemporâneo  e  ampliado  do  patrimônio  material,  vinculado  à  sua 
incondicional imaterialidade, extrapolando a sua delimitação física e alcançando 
práticas,  tradições  memoriais  e  identidades  vinculadas  a  grupos  sociais,  das 
quais o bem não é mais apenas suporte. Assim, pode‐se afirmar que o cerne do 
PPCM é a significação como processo sociocultural, impreterivelmente vinculado 
aos grupos sociais.  

Por  sua  vez,  um  ponto  crucial  de  qualquer  política  contemporânea  de 
preservação é sua capacidade de viabilizar “funções estratégicas” do patrimônio 
cultural,  como,  por  exemplo,  o  desenvolvimento  econômico  e  social,  sem  se 
dissociar  de  sua  função  primária  que  é  a  preservação  do  bem.  Associar 
demandas em que o patrimônio arquitetônico é instrumento de legitimação de 
aspirações sociopolíticas e de consumo cultural é uma tarefa árdua – sobretudo 
quando  não  se  oferecem  aos  respectivos  grupos  sociais,  de  forma  ampla  e 
irrestrita, condições estruturais (culturais e econômicas) para a realização dessas 
aspirações.   

Tomando‐se  por  base  essa  reflexão,  entende‐se  que, para  o  Estado  e  para  os 
intelectuais  responsáveis  pela  política  de  preservação  nacional,  o  patrimônio 
arquitetônico não é uma arquitetura isolada no tempo e no espaço, nem isolada 
de  seus  “atributos”  culturais,  políticos  e  também  econômicos.  O  patrimônio 
arquitetônico  não  é  somente  um  edifício,  um  lugar,  um  instrumento  de 
rememoração, ou ainda de reivindicação. Ele não é exclusivamente objeto de 
consumo do turismo cultural global, nem unicamente material ou imaterial. É 
um patrimônio arquitetônico que se pretende plural, por conjugar todas essas 
condições.  Assim,  o  processo  de  intervenção  nesse  patrimônio  é  um  dos 
momentos  envolvidos  com  a  preservação  do  bem,  no  qual  se  pretende  a 
viabilização adequada da ação física que o resguarda como referência histórica 
e identidade, mas também de diversas outras demandas.   

2.1.2 R EPRESENTAÇÃO SOCIOCULTURAL E IDENTIDADE


CULTURAL

Conforme  discutido  anteriormente,  a  apuração  da  significação  do  patrimônio 


arquitetônico necessária à valoração constitui, para o processo contemporâneo 
de  intervenção,  uma  investigação  complexa.  Ela  demanda  uma  estrutura 
específica  de  pesquisa  junto  aos  grupos  sociais,  que  implica  o  inerente 
reconhecimento do seu papel nesse processo, antes e depois da intervenção. Tal 
investigação  observa  o  “universo  social”  –  os  grupos  que  se  relacionam  com 
aquele  patrimônio  arquitetônico  –  de  forma  atenta  às  práticas  sociais  e 
memoriais,  à  identificação,  etc.  “Observar”  essas  informações  é  o  início  da 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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integração,  propriamente  dita,  desses  grupos  no  processo  de  intervenção;  e 


representa, também, um passo em direção à legitimidade dessa ação. Todavia, 
como já citado, são raras as oportunidades para isso na prática da intervenção 
na iniciativa privada nacional, mesmo que se reconheça sua importância.  

Por sua vez, a questão da participação popular na preservação do patrimônio 
arquitetônico  não  se  resume  ao  processo  de  pesquisa  para  a  intervenção.  Na 
recente  Política  do  Patrimônio  Cultural  Material,  a  valorização  do  papel  dos 
grupos  sociais  fica  registrada  já  em  um  dos  seus  dezoito  princípios,  o  da 
“Participação Ativa”: “Deve ser assegurada à sociedade a participação ativa na 
elaboração de estratégias para a preservação do Patrimônio Cultural Material.” 
(IPHAN,  2018,  p.  31).  O  PPCM  também  destaca  que  as  diversas  formas  de 
“manifestações culturais e práticas sociais” contribuem para a preservação do 
bem.  Nesse  mesmo  contexto,  o  artigo  30  ressalta  que  o  IPHAN  deve  evitar  o 
tombamento de bens materiais que “não sejam passíveis de fruição cultural”. 
(IPHAN, 2018, p. 39‐44). Ou seja, bens materiais inacessíveis fisicamente e que, 
portanto, não podem ser usufruídos.  

Em prol da participação social, o artigo 60 destaca que devem ser igualmente 
estimuladas  ações  e  atividades  de  interpretação,  promoção  e  difusão  do 
patrimônio material “[...] direcionadas a todos os tipos de públicos e adequadas 
ao ambiente em que o patrimônio está inserido.” (IPHAN, 2018, p. 45). De acordo 
com as seguintes finalidades, segundo o artigo 59: 

I.  Contribuir  para  a  apropriação  e  a  fruição  do 


patrimônio cultural material;  
II.  Ampliar  as  possibilidades  de  ações  educativas  de 
preservação  e  valorização  do  patrimônio  cultural 
material;  
III.  Disseminar  informações  qualificadas  sobre  o 
patrimônio cultural material;  
IV.  Fomentar  a  integração  das  dimensões  materiais  e 
imateriais do patrimônio cultural;  
V.  Conectar  as  informações  de  diversos  bens  de  um 
mesmo contexto;  
VI.  Estimular  a  participação  das  comunidades  e  das 
populações locais; e  
VII. Apoiar o  Turismo  Cultural  com bases  sustentáveis. 
(IPHAN, 2018, p. 45). 

Com  efeito,  a  Política  do  Patrimônio  Cultural  Material  nacional  registra  uma 
disposição oficial em reconhecer o vínculo indissolvível entre a significação e os 
grupos sociais, acolhendo sua participação na preservação. Esse posicionamento 
novamente  se  alinha  às  orientações  de  Cartas  e  Declarações  internacionais. 
Ademais, vale salientar que tal estímulo à participação já existiu com maior ou 
menor  destaque  na  preservação  nacional,  empregando  para  isso  visões  e 
estratégias distintas. Entre os programas e ações vigentes com essa finalidade 
está  a  gestão  participativa  do  patrimônio  cultural  brasileiro,  que  opera  com 
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85 
 

Conselhos Consultivos do Patrimônio Cultural e Câmaras Setoriais desde 2014, 
além de audiências públicas, conferências, fóruns e outros89.   

Contudo, também já existiam críticas à forma como a inclusão social vinha sendo 
tratada na preservação nacional. Simone Scifoni (2016, p. 57‐59) destaca que a 
participação dos grupos sociais na preservação não se traduz em “medir ou aferir 
valores atribuídos socialmente”, não se resume à coleta de dados ou opiniões, 
ou mesmo de “audiências públicas” ou “consultas públicas”. Afinal, “[...] estes 
mecanismos não garantem necessariamente um processo de interlocução.” Para 
a autora, as políticas de preservação devem considerar as dinâmicas culturais, 
sociais  e  também  econômicas  próprias  de  cada  lugar,  pois  os  objetos  se 
modificaram. Em face disso, é necessário o estabelecimento de novas formas de 
atuação “[...] mais adequadas às especificidades de cada tipo de realidade.” “Há 
experiências,  instrumentos  e  estratégias  próprias  que  permitem  promover 
processos  de  envolvimento,  diálogo  e  interlocução  com  os  grupos  sociais 
vinculados ao patrimônio.”  

Nesse mesmo sentido, Maria Cecília Londres Fonseca (2009, p. 67) advoga que 
devem ser empregados novos instrumentos de preservação e de promoção que, 
além  de  identificar  e  documentar  as  ações,  viabilizam  “[...]  a  reapropriação 
simbólica e, em alguns casos, econômica e funcional dos bens preservados.” Em 
seu  texto,  que  data  originalmente  de  1994,  a  autora  já  defendia  que,  apenas 
quando  o  “caráter  dinâmico  e  ativo  de  qualquer  apropriação  social”  é 
incorporado efetivamente à política do Estado, se pode falar de “política pública” 
(FONSECA,  2005,  p.  45).  Mais  tarde,  ela  acrescenta  que  é  preciso  o 
reconhecimento “[...] dos ‘direitos culturais’ de diferentes grupos que compõem 
uma sociedade, entre eles o direito à memória, ao acesso à cultura e à liberdade 
de criar, como também reconhecimento de que produzir e consumir cultura [...]” 
(FONSECA, 2009, p. 76). 

O reconhecimento dos grupos sociais, não só como produtores de cultura, mas 
também como consumidores, é um desafio da “política pública” que perdura. 
No âmbito da Política brasileira de preservação do patrimônio material, de fato, 
novos instrumentos foram propostos ou retomados em prol da prática social, da 
participação popular e da representatividade, como as Paisagens Culturais e os 
Lugares  de  Memória.  Isso  demonstra  uma  preocupação  em  viabilizar  uma 
“reapropriação simbólica”. No entanto, as críticas e reflexões de Simoni Scifoni 
(2016)  e  de  Fonseca  (2005,  2009)  se  prestam  a  questionar  a  representação 

 
                                                             
 
89
 Atualmente,  a  Portaria  nº  224  de  30  de  abril  de  2014  institui  a  Câmara  Setorial  do 
Patrimônio Imaterial e a Câmara Setorial de Arquitetura e Urbanismo, que tem o objetivo 
de aprofundar as discussões a respeito do patrimônio cultural com a sociedade. (IPHAN, 
2014).  A  criação  de  conselhos  técnicos  e  câmaras  setoriais  com  esse  intuito  já  foi 
implantada outras vezes ao longo da história da preservação brasileira.  
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86 
 

popular “ativa” e, portanto, a diversidade dos grupos sociais nos processos que 
envolvem a preservação do patrimônio construído.  

No caso particular da intervenção no patrimônio arquitetônico, o conhecimento 
e  a  sensibilização  quanto  às  práticas  sociais  dos  grupos  as  favorecem,  as 
legitimam  politicamente  e  lhes  conferem  sustentabilidade.  Além  disso,  elas 
consolidam  laços  de  identidade  cultural  que  se  conformam,  por  meio  dos 
significados do patrimônio arquitetônico. Ulpiano Meneses (1984) reflete sobre 
essa questão, partindo do papel da memória como suporte fundamental para o 
processo  de  identificação.  Para  o  autor,  essa  interação  é  mais  de 
reconhecimento do que de conhecimento, pois ela é inerente à vida psíquica e 
social cotidiana.  

Por  sua  vez,  no  panorama  das  relações  socioculturais  da  pós‐modernidade,  o 
reconhecimento  do  patrimônio  construído  ocorre  por  meio  de  uma 
experimentação  que  converge  para  a  “mera  contemplação”.  Tal  apreensão, 
limitada à visão, poderia ser denominada como “voyeurismo cultural”. Uma “[...] 
perspectiva que esvazia usos antigos e torna anacrônicas as práticas anteriores 
[...].”  (MENESES,  2009,  p.  28).  Esse  é  um  processo  de  reconhecimento  e 
significação do patrimônio, no qual 

[...]  as  propriedades,  derivadas  de  sua  natureza 


material,  são  seletivamente  mobilizadas  pelas 
sociedades,  grupos  sociais,  comunidades,  para 
socializar, operar e fazer agir suas ideias, crenças, afetos, 
seus significados, expectativas, juízos, critérios, normas, 
etc. – e, em suma, seus valores. (MENESES, 2009, p. 32). 

Essa  é  uma  dinâmica  pertinente  às  práticas  da  industrialização  da  cultura,  e 
Meneses a identifica, em entrevista à Luciana Heymann e Aline Lacerda (2011), 
como  uma  exigência  de  mercado  para  o  incremento  da  preservação  do 
patrimônio. Contudo, o autor defende que a mobilização pela preservação não 
se resume ao mercado, mas sim a uma demanda por identidade. Para Meneses 
este  é  um  período  no  qual  as  reivindicações  por  “[...]  justiça  social  –  salário, 
saúde, condições materiais de vida – estão sendo progressivamente substituídas 
por  reivindicações  por  reconhecimento,  reivindicações  identitárias.” 
(HEYMANN, LACERDA, 2011, p. 430). Tal condição é consistente com o processo 
de minimização das lutas de classe, observado na conjuntura da globalização e 
da  pós‐modernidade,  por  Boaventura  de  Souza  Santos  (2002),  por  Fredric 
Jameson (2000) e por Paul François Lyotard (2009). 

Porém,  Meneses  (2009)  ressalta  uma  distinção  quanto  à  demanda  por 


identidade  cultural  na  preservação  do  patrimônio  arquitetônico  no  Brasil. 
Segundo ele, os grupos sociais têm menos interesse pelos bens arquitetônicos, 
do que pelo patrimônio imaterial. Há de um lado,  
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87 
 

[...]  o  interesse  das  “comunidades”  que  solicitam  o 


registro  de  expressões  de  seu  patrimônio  imaterial,  e 
que  procuram  reconhecimento,  afirmação,  estímulo  à 
autoestima – e, de outro lado, a reação frequentemente 
negativa  ou,  no  mínimo,  o  desinteresse  dos 
“interessados”  (antes  de  mais  nada  os  proprietários), 
quando  se  trata  de  bens  arquitetônicos  ou  espaços 
urbanos. (MENESES, 2009, p. 33). 

Na reflexão do autor, a especulação imobiliária “não é razão suficiente para gerar 
tal  resistência”  (MENESES,  2009,  p.  34).  Ademais,  Meneses  (1984)  acrescenta 
que os grupos sociais, pouco representados no universo do patrimônio material, 
são maioria no universo do patrimônio imaterial, onde a diversidade cultural se 
destaca. 

Um dos fatores responsável por isso é que a preservação dos bens edificados 
ainda tem sido baseada em valores aferidos de forma tecnicista e distante dos 
significados conferidos pelos grupos sociais, mais próximos ao patrimônio. Dessa 
forma,  os  grupos  sociais  podem  não  se  ver  representados  pela  arquitetura 
preservada, cuja natureza é normalmente monumental ou não vernacular.  

José Gonçalves (2015, p. 220) também afirma que as “culturas populares” não 
costumam  ter  sua  arquitetura  assumida  como  manifestação  cultural.  Nesse 
mesmo  contexto,  cabe  retomar  Néstor  García  Canclini  (1994,  p.  96‐97),  que 
afirma que existe uma “hierarquia dos capitais culturais” na preservação, a qual 
um tipo de representação do patrimônio “vale mais” do que outro. Isso ocorre 
mesmo  em  um  país  que  assume  um  discurso  de  legitimação  democrática  das 
manifestações culturas representativas.  

Essas condições podem explicar, em parte, o distanciamento de certos grupos 
sociais para com a arquitetura preservada. Entretanto, isso não quer dizer que 
toda  arquitetura  monumental  será  fadada  a  tal  distanciamento.  Há  fatos 
históricos e práticas sociais de grupos populares locais que podem ser, mesmo 
sob essas circunstâncias, muito sólidas. No entanto, ao passo que se preserva 
um “capital cultural” hierarquizado, conforme ressalta Canclini, e que se carece 
de  recursos  para  preservação,  como  costuma  ocorrer  na  realidade  nacional, 
pode‐se  conformar  uma  patrimonialização  excludente,  cujo  reflexo  é  a  não 
representação de grupos sociais.  

Revendo a afirmação de Scifoni (2016, p. 54‐55) de que o Brasil apresenta um 
conjunto  “extremamente  desigual  do  que  se  afirma  ser  memória  coletiva”, 
estabelecendo  um  “passivo  patrimonial”  que  é  fruto  de  um  deficit  de  bens  a 
serem  preservados  por  carência  de  “reconhecimento  e  proteção”;  pode‐se 
ponderar que, em se tratando do patrimônio arquitetônico, ele seria um deficit 
representacional, referente à produção construtiva das classes mais populares.   

 
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Por  conseguinte,  se  carece  de  representatividade,  é  comum  que  também  se 
necessite  da  identificação  desses  grupos  sociais,  haja  vista  que  podem  ter 
dificuldades de se apropriar (reconhecer e se identificar) com o patrimônio que 
é “ditado” – o preservado normalmente. Logo, a identidade cultural local dos 
grupos  sociais  mais  populares,  que  se  conforma  pela  identificação  com  o 
patrimônio arquitetônico, pode ser frágil. 

O PPCM enfatiza que as práticas locais conferem “sustentabilidade” ao bem, mas 
deve‐se considerar que a identidade cultural local construída pela identificação 
com  o  patrimônio  arquitetônico,  sobretudo  o  popular,  merece  atenção 
particular.  Atenção  que,  durante  algum  tempo,  foi  conferida  pelo  IPHAN  ao 
patrimônio imaterial.  

No  contexto  do  patrimônio  arquitetônico  que  é  “ditado”  para  a  preservação, 


retoma‐se o tema do projeto de identidade nacional definido pelo Estado. Sobre 
ele,  Renato  Ortiz  (1986,  p. 140‐141)  defende  que, de  acordo  com  o ponto  de 
observação,  o  Estado  pode  assumir  a  condução  direta  ou  mesmo  indireta  do 
processo de construção da identidade cultural nacional, pois este é mediado por 
intelectuais.  “São  eles  que  descolam  as  manifestações  culturais  de  sua  esfera 
particular e as articulam a uma esfera transcendente.” E esses tiveram interesses 
diversos  ao  longo  da  história  da  preservação  do  país,  conforme  já  pontuado 
anteriormente por meio de Gonçalves (1996).  

A reflexão de Ortiz se opõe à de Laurajane Smith (2006), acerca da preservação 
na Austrália (presente no capítulo anterior), na qual a autora reforça a condução 
direta  do  Estado  na  construção  da  identidade  nacional,  inclusive,  por  vezes, 
contrariando intelectuais (“técnicos”). A análise de Smith se assemelha mais à 
de Meneses (2009, p. 33), que observa a identidade cultural nacional como uma 
ação  institucional  baseada  em  um  discurso  que  reivindica  uma  memória 
ideológica  comum,  pretendendo  uma  “[...]  integração  supostamente 
harmoniosa, que neutralize os conflitos e mascare as contradições90.”  

Com efeito, pode‐se dizer que no Brasil o projeto de identidade cultural nacional 
contemporâneo  tem  assumido  reivindicações  por  representatividade  cultural, 
originárias  em  movimentos  da  sociedade,  tal  como  afirma  François  Hartog 
(2006) em relação à Europa (no capítulo anterior). Conforme já ressaltado, ao 
longo  da  história  da  preservação  nacional,  diversas  tipologias  arquitetônicas 

 
                                                             
 
90
 Meneses (1984, p. 34) destaca duas características da memória. A primeira é que ela é 
seletiva, pois é “um mecanismo de esquecimento programado”. A segunda é que pode 
ser  “induzida”,  “forjada”.  Estas  condições  seriam  comuns  tanto  para  a  memória 
individual,  quanto  para  a  memória  “artificial  coletiva”.  Logo,  a  identidade  cultural 
também pode ser elaborada e construída – assim como a identidade cultural nacional. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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foram  desprestigiadas  no  âmbito  do  projeto  de  identidade  nacional,  como  a 
arquitetura eclética, a arquitetura industrial, entre outras.  

Nesse sentido, observa‐se no PPCM a atenção particular conferida (no Título III) 
ao  tratamento  de  temas  específicos  como  patrimônio  arquitetônico  da  rede 
ferroviária,  o  patrimônio  material  de  povos  indígenas,  povos  e  comunidades 
tradicionais de matriz africana e outros. Os artigos 22, 23 e 25, sobre a prioridade 
dos bens a preservar, registram que devem ser elaboradas “Listas Indicativas” 
de  bens  a  serem  reconhecidos,  conforme  referências  conferidas  pelas 
comunidades locais e de acordo com a normatização que ainda será produzida. 
(IPHAN, 2018, p. 36). Isso representa um passo em direção ao ressarcimento de 
representações arquitetônicas preteridas, mobilizado por um dever de memória 
conciliatório que é defendido na presente pesquisa. 

Por  outro  lado,  a  identidade  cultural  nacional  e  a  local  não  são  as  únicas  no 
panorama contemporâneo91. Como discutido no capítulo anterior, a identidade 
global/intercultural é conformada por significações do patrimônio arquitetônico 
que  são  mais  dinâmicas  e  híbridas.  Ela  se  relaciona  aos  novos  agentes  e 
interesses  incorporados  à  dinâmica  da  intervenção,  por  influência  da 
globalização  e  da  industrialização  da  cultura.  Sendo  assim,  uma  das  questões 
envolvidas  com  o  tema  é  a  homogeneização  cultural  promovida  com  a 
industrialização da cultura. A esse respeito, assume‐se aqui, que mesmo que a 
indústria cultural não promova a desidentificação absoluta dos grupos sociais, 
ela pode afetar a identidade cultural local. Como, por exemplo, se a identidade 
cultural local for frágil, como pode ocorrer em âmbito nacional com os grupos 
sociais mais populares que se relacionam com o patrimônio arquitetônico, ela 
pode  ser  suscetível  aos  processos  de  homogeneização  cultural.  Isso  se 
manifesta, sobretudo, quando a identificação com o patrimônio arquitetônico 
não é um processo político seguro e consolidado de prática social do bem.  

Por  outro  lado,  cabe  reiterar  que,  assim  como  o  fetichismo  mobilizador  pela 
preservação e o dever de memória cumulativo, já discutidos, não ocorrem no 
Brasil  na  mesma  escala  que  na  Europa;  a  identidade  genérica  ou  global, 
conforme  Françoise  Choay  (2006)  estabelece  em  sua  obra  publicada 
originalmente em 1982, também não ocorre. Ortiz (2007), do mesmo modo que 
Boaventura  de  Souza  Santos  (2002)  citado  no  capítulo  anterior,  distingue 
globalização de uniformidade. Ortiz (2007, p. 17) afirma que dimensões como o 
local ou o nacional são níveis que podem ser “redefinidos” com a globalização, 

 
                                                             
 
91
 A  Carta  de  Brasília  (1995,  p.  2),  que  é  um  documento  regional  do  Cone  Sul  sobre 
autenticidade,  ressalta  a  existência  de  múltiplas  identidades  culturais  vinculadas  ao 
patrimônio, inclusive conflitantes. Ela afirma: “[...] identidade, que é mutável e dinâmica 
e  que  pode  adaptar,  valorizar,  desvalorizar  e  revalorizar  os  aspectos  formais  e  os 
conteúdos simbólicos de nossos patrimônios.”  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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não desaparecidos. O autor reconhece, por exemplo, a minimização de alguns 
“grandes  relatos”  na  pós‐modernidade,  assim  como  Paul  Lyotard  (2009) 
defende,  mas  enfatiza  a  “[...]  emergência  de  novos  relatos  totalizadores  e  a 
reatualização  de  antigos  relatos.”  As  interações  não  são  arbitrárias  na 
globalização 92,  

[...] o discurso sobre a diversidade oculta questões como 
a  desigualdade.  Sobretudo  quando  nos  movemos  no 
interior  de  um  universo  no  qual  a  assimetria  entre 
países,  classes  sociais  e  etnias  é  insofismável.  (ORTIZ, 
2007, p. 14).  

Tal como já definido, a diversidade é um ponto de atração para a indústria e o 
discurso de defesa dessa mesma diversidade pode soar superficial, à medida que 
ainda não galgamos equidade de condições para que os grupos sociais exerçam 
práticas  culturais  sociopolíticas  e  socioeconômicas  de  negociação  das 
“diferenças”.  Ou  seja,  o  manejo  da  hibridação  cultural,  assim  como  advogam 
Boaventura de Souza Santos (2001, 2002) e Néstor García Canclini (2007).  

No  contexto  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  propriamente  dita, 


entende‐se  que  as  identidades  culturais  são  afins  à  significação,  à 
experimentação  e  à  ressignificação  do  patrimônio  arquitetônico,  que  são 
exercícios  dos  grupos  sociais  de  práticas  sociopolíticas  (reafirmação)  e/ou 
socioeconômicas (consumo). Nesse sentido, deve‐se estar atento a uma possível 
desvinculação  dos  grupos  sociais  do  patrimônio  arquitetônico  a  que  se 
relacionam,  a  certa  carência  de  representatividade  popular  e  a  uma 
compreensão hierarquizada desse mesmo patrimônio. Esse risco é mais evidente 
quando o patrimônio arquitetônico não alcança seu lugar político – na condição 
de  prática  social  e  de  discurso  –  e  tampouco  existem  condições  estruturais 
socioculturais para que os grupos sociais logrem ocupar tal condição. Em função 
dessa conjuntura, deve‐se reforçar a imaterialidade do patrimônio arquitetônico 
e  estimular  a  participação  popular  para  a  intervenção,  fomentando  e/ou 
consolidando identidades locais em direção à representatividade cultural e, por 
sua vez, à diversidade.  

Com efeito, a significação conferida ao patrimônio arquitetônico é uma bússola 
para  a  intervenção.  Por  sua  vez,  o  reconhecimento  das  identidades  culturais 
envolvidas  com  a  intervenção  e  resultantes  dela  pressupõe  a  legitimação  do 
papel dos grupos sociais nesse processo de significação. Dado que, a identidade 
cultural se constitui em um discurso político, à medida que o bem se torna uma 
 
                                                             
 
92
 Renato  Ortiz  (2007)  ressalta  sua  preferência  pelo  termo  “mundialização”  no  que  se 
refere ao universo da cultura. Para o autor, a globalização é mais pertinente ao universo 
da economia e da tecnologia. Isso porque a concepção de mundo é mais ampla e salienta 
a diversidade das culturas, mesmo no contexto da globalização.  
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ferramenta de busca por representatividade. Um discurso de negociação que, 
inclusive,  pode  ser  de  oposição  e  subversão  a  outros  discursos,  como  o  que 
promove  a  identidade  cultural  global  ou  que  institui  a  identidade  nacional. 
Sendo assim, a intervenção pode se direcionar para a legitimação de aspirações 
sociopolíticas e/ou para a viabilização do desejo de consumo. 

A intervenção orientada pela identidade cultural local legitima a intervenção do 
ponto de vista social, além de teórico‐disciplinar. Não obstante, a prática social 
pelo grupo é um discurso político “de” e “por” representatividade; de modo que, 
reforçá‐la com a intervenção a legitima também sob o ponto de vista político. 

A intervenção que reconhece os interesses da indústria cultural promove uma 
experiência da arquitetura histórica superficial e rápida, para o grande público 
consumidor. A vivência do patrimônio é mais orientada na quantidade e menos 
no que é “vivenciado”. Nesse processo tenciona‐se uma identificação provisória, 
que  não  permanece  como  referência  coletiva  social;  ela  é  individual  e  está 
atrelada ao “status” adquirido pelo consumo. É uma identidade global, pois há 
nela certo desligamento do espaço físico, sobretudo da escala local.  

Entretanto,  retomando  Ulpiano  Meneses  (2009,  p.  28),  o  processo  de 


experimentação do patrimônio arquitetônico promovido com a intervenção não 
deve se resumir à “mera contemplação”, porque esta única perspectiva “torna 
anacrônicas as práticas anteriores”. A arquitetura de valor patrimonial pode ser 
ressignificada  por  meio  da  ampliação  de  seu  campo  de  experimentação  e  de 
identificação,  pois  parte  de  sua  significação  intangível  contemporânea  pode 
abarcar esses novos processos. Porém, essa arquitetura não deve ser convertida 
em pano de fundo para tais dinâmicas, uma vez que isso pode implicar perdas 
de práticas sociais que lhe conferem diversidade e identidades locais.    

Com  base  nisso,  entende‐se  que  para  os  grupos  sociais  o  patrimônio 
arquitetônico,  em  meio  à  intervenção,  é  o  suporte  de  significados  e  práticas 
sociais,  processo  de  identificação  e  via  de  reconhecimento  de  aspirações 
sociopolíticas  e  também  econômicas.  Para  os  grupos  sociais  imersos  em 
dinâmicas  interculturais,  o  patrimônio  arquitetônico  é  mais  próximo  de  um 
suporte  de  experiências,  cujo  atrativo  é  sua  peculiaridade.  A  identificação  é 
promovida por meio de ferramentas para o consumo. 

 
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2.2 I NDÚSTRIA CULTURAL E E STADO NA


PRÁTICA DA INTERVENÇÃO NACIONAL

Conforme discutido no capítulo anterior, a industrialização da cultura estrutura 
parte  das  dinâmicas  culturais  contemporâneas  e  tem  pontos  positivos  e 
negativos para a preservação. Por isso, o papel, os interesses e as práticas da 
indústria cultural vinculadas ao turismo patrimonial, particularmente em relação 
ao  processo  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  brasileiro,  são 
debatidos aqui. 

Para  isso,  parte‐se  da  afirmação  de  José  Gonçalves  (2007,  p.  240)  de  que  o 
patrimônio é, ao mesmo tempo, condição e efeito da industrialização da cultura 
na preservação, pois um não existiria sem o outro na contemporaneidade. Para 
o  autor,  o  interesse  particular  da  indústria  do  turismo  cultural,  “[...]  embora 
representado tendencialmente de forma negativa e destrutiva, parece ser, na 
verdade, uma das fontes para a existência social e cultural do patrimônio.” De 
maneira  semelhante,  Ulpiano  Meneses  (2009,  p.  38)  sustenta  que  o  valor 
cultural de um bem não se opõe ao seu valor econômico. Segundo ele, “[...] não 
há qualquer antagonismo. Há uma dimensão econômica no bem cultural, assim 
como uma dimensão cultural no bem econômico.” 

É acerca dessa dimensão econômica do patrimônio que a indústria cultural atua 
para  a  mercantilização  de  seu  produto,  que,  nesse  caso,  é  a  preservação  do 
patrimônio  arquitetônico.  Como  qualquer  indústria,  ela  organiza  sua  cadeia 
produtiva identificando ou criando uma demanda e mediando ou viabilizando o 
consumo desta demanda, em um ciclo de produção serial em grande escala. Esse 
processo produtivo é caracterizado pela mobilidade e pelo alcance global, além 
da  produção  acelerada  que  visa  ao  consumo  rápido,  superficial,  visual  e 
imagético/estético,  característicos  da  acumulação  efêmera  da  pós‐
modernidade, discutida por Fredric Jameson (2000) e Guy Debord (2003). 

José  Carlos  Durand  (2013) afirma  que,  no  setor  da  cultura  nacional,  de  modo 
geral, os recursos que financiam esse sistema produtivo têm origem mista. Os 
públicos  advêm  de  financiamentos,  fundo  perdido  (subvenção),  ou  incentivos 
fiscais. Nestes últimos, incorrem os patrocínios corporativos, que são estratégias 
de  mercado,  não  uma  ação  de  caráter  individual  familiar  como  mecenato 
(doações financeiras de vulto) de outros tempos. As ações de mecenato privado 
no Brasil são inexpressivas  se comparadas a outras partes do mundo. Fora os 
fomentos de origem estatal, há ainda as receitas diretas da indústria cultural; 
todavia,  mesmo  nesse  segmento,  existem  incentivos  fiscais  para  o 
empreendedor do setor cultural. Assim, a indústria cultural no setor do turismo 
patrimonial  nacional  opera  principalmente  com  fundos  públicos  oriundos  de 
financiamentos e renúncias fiscais. 
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93 
 

No  caso  dos  programas  vigentes  do  IPHAN,  os  que  preveem  recursos  para  a 
preservação,  sobretudo  do  patrimônio  arquitetônico,  são:  o  PAC  Cidades 
Históricas, o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) e o Financiamento 
para Recuperação de Imóveis Privados. Esse último, até o presente momento, 
está  somente  em  vigor  na  região  Nordeste  do  país.  Novos  convênios  estão 
suspensos em razão da reformulação do programa93. O Pronac, mais conhecido 
como Lei Rouanet (Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991), é a principal fonte 
de  financiamento  da  cultura  no  Brasil  e  representa  um  dos  principais 
mecanismos de viabilização da preservação do patrimônio arquitetônico.  

Contudo, faz‐se necessário esclarecer que, ao se analisar os valores conferidos 
ao PRONAC, no período de um ciclo dos gastos públicos em cultura (de 2007 a 
2016), se verifica que, mesmo com o aumento do Produto Interno Bruto (PIB), 
houve  redução  do  valor  destinado  aos  projetos  no  setor.  Tal  diminuição  foi 
proporcionalmente  mais  acentuada  para  os  projetos  da  área  da  preservação. 
(BEM,  et  al.,  2017).  Ademais,  Durand  (2013,  p.  29)  ressalta  que  os 
financiamentos  de  ações  culturais  promovidos  pelo  Estado  brasileiro 
representam  (à  época)  “não  mais  que  1%  dos  orçamentos  públicos”.  A  maior 
parte (cerca de dois terços) do capital que circula no setor da cultura não tem 
origem  nos  financiamentos  promovidos  pelo  Estado,  e  sim  no  consumidor  de 
cultura,  de  acordo  com  indicadores  do  governo 94 .  Portanto,  mesmo  que 
especificamente no setor da preservação do patrimônio cultural o capital público 
seja maior, é notório que esses investimentos ainda são insuficientes frente à 
demanda  que  se  acumula  para  a  preservação  do  patrimônio  arquitetônico 
brasileiro.  

Outrossim,  embora  a  maior  parte  do  capital  no  setor  da  cultura  nacional 
provenha do consumidor desse mercado, não cabe transferir esse dado para o 
turismo  cultural  patrimonial.  Pode‐se  dizer  que,  de  maneira  geral,  não  há  no 
Brasil uma prática constante de consumo do patrimônio cultural, ao menos na 
escala  existente  em  outros  países.  O  consumo  do  patrimônio  cultural 

 
                                                             
 
93
 Outros  programas  vigentes  que  preveem  recursos  para  preservação  do  patrimônio 
cultural por meio do IPHAN são: o de Preservação de Acervos, o Programa Nacional do 
Patrimônio  Imaterial  (PNPI)  e  o  Programa  de  Promoção  do  Artesanato  de  Tradição 
Cultural (Promoart). Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/855 
94
 O Estado brasileiro dá início, a partir de 2004, a uma infraestrutura de informação para 
levantar  dados  acerca  de  “[...]  equipamentos  culturais,  dispêndio  familiar  em  cultura, 
gastos dos três níveis de governo, entre outros”, mediante convênios entre o Ministério 
da Cultura (MinC), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de 
Pesquisa  Econômica  Aplicada  (Ipea).  Estes  indicadores  são  convencionados 
internacionalmente,  viabilizando  comparações  entre  países.  São  insumos  construídos 
sob as perspectivas da produção e do consumo cultural, úteis às organizações privadas e 
ao governo para avaliar o desempenho e planejar ações para a cultura. (DURAND, 2013, 
p. 124). 
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movimentado  pela  indústria  cultural  nacional,  não  possui  o  alcance  e  a 


conformação que Choay (2005) caracteriza, por exemplo, e isso já foi pontuado 
anteriormente.  

Com  efeito,  a  indústria  cultural  brasileira,  no  que  se  refere  ao  patrimônio 
arquitetônico,  apresenta  algumas  características  diversas  das  disseminadas 
globalmente, ainda  que  empregue  o  mesmo  modelo  adotado  na  Europa  e  no 
resto do mundo. Um padrão que é baseado na associação da indústria cultural 
com  o  capital  imobiliário,  promovendo  desenvolvimento  por  meio  da 
valorização  de  áreas  urbanas  degradadas  e  da  atração  de  empreendedores. 
Desse  modo,  ele  abarca  os  centros  históricos  urbanos  e,  por  sua  vez,  a 
arquitetura  de  valor  patrimonial  em  um  processo  de  “enobrecimento”  e  de 
consumo no âmbito da cidade empreendimento. Essa é a paisagem urbana da 
pós‐modernidade  discutida  por  Sharon  Zukin  (2000)  no  capítulo  anterior,  e  a 
qual Otília Arantes (2002, p. 51) identifica como a “cidade‐empresa‐cultural” 95.  

Esse  modelo  opera  normalmente  com  projetos  de  maior  porte  e  também  
integra  a  esse  sistema  grandes  equipamentos  culturais  (museus,  centros 
culturais,  etc.),  que  podem  ser  edifícios  históricos.  Uma  ação  planejada 
estrategicamente, viabilizada pelos meios “persuasivos da cultura arquitetônica 
da  imagem”,  segundo  Arantes  (2002,  p.  61).  Nessa  operação,  a  arquitetura 
emblemática é a “isca ou imagem publicitária” que compõe um espetáculo de 
alto valor agregado, voltado para o exterior (ARANTES, 2002, p. 29).  

Nesse momento,  convém tecer alguns apontamentos quanto ao custo social (no 
que se refere particularmente à gentrificação), vinculado ao modelo globalizado 
da indústria cultural na preservação do patrimônio construído. Mesmo que este 
seja um tema mais associado ao âmbito urbano, ele também se relaciona com a 
edificação histórica. Para isso, destaca‐se que Arantes (2002, p. 16‐17) associa 
diretamente o processo de gentrificação ao conceito de “revitalização urbana” 
96. Segundo a autora, esse é um “empreendimento de comunicação e produção” 

viabilizado  por  um  planejamento  estratégico,  que  aspira  o  desenvolvimento 


local e promove acentuada valorização imobiliária. Como não confere condições 
para que os habitantes locais se mantenham no lugar, termina por conservar a 
estrutura  social  vigente,  implicando,  consequentemente,  a  expulsão  desses 

 
                                                             
 
95
 Arantes (2002, p. 67) declara que a cultura foi “revista como a fronteira dos processos 
industriais do futuro”, e a “cidade‐empresa” é o principal item dessa indústria cultural 
que  é  estruturada  no  setor  terciário,  construindo  o  capitalismo  da  cultura  ou  o 
“culturalismo de mercado”. 
96
 Otília  Arantes  (2002,  p.  17)  afirma  que  o  conceito  de  “revitalização  urbana”, 
reinaugurado  na  Europa  no  final  do  século  passado,  tem  como  base  as  propostas  de 
revitalização  originadas  na  “cidade‐empreendimento”  dos  anos  de  1960,  norte‐
americanas e parisienses.  
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grupos, pois o valor de uso da habitação é trocado pelo benefício econômico. 
Logo,  a  revitalização  urbana  envolve  um  alto  custo  social,  que  mantém  a 
acumulação de riqueza das estruturas dominantes. O “[...] capital cultural forja 
não  somente  seu  futuro  privilegiado,  mas  reduz  o  futuro  das  áreas  menos 
favorecidas” (ARANTES, 2002, p. 28).  

Esse  custo  social  envolve  outras  perdas.  A  prática  social  vinculada  a  esse 
patrimônio é enfraquecida ou eliminada, à medida que o respectivo grupo social 
é  deslocado  de  seu  território.  A  perda  do  modo  de  vida  singular  de  uma 
comunidade  é  deveras  impactante,  sendo  ressaltada  nos  Princípios  de  La 
Valletta para a Salvaguarda e Gestão de Cidades e Conjuntos Urbanos Históricos 
(2011). Ela registra, nesses casos, 

[...]  o  desaparecimento  de  práticas  culturais,  com  a 


consequente perda de identidade e do carácter desses 
lugares  abandonados.  Tal  pode  resultar  na 
transformação de cidades e áreas urbanas históricas em 
zonas monofuncionais dedicadas ao turismo e lazer, não 
apropriadas  à  vida  quotidiana.  (PRINCÍPIOS  DE  LA 
VALLETTA..., 2011). 

Esse panorama é salientado na Carta de Petrópolis. 

Sendo  a  polifuncionalidade  uma  característica  do  SHU 


[Sítio  Histórico  Urbano],  a  sua  preservação  não  deve 
dar‐se  à  custa  de  exclusividade  de  usos,  nem  mesmo 
daqueles  ditos  culturais,  devendo,  necessariamente 
abrigar os universos do trabalho e do cotidiano, onde se 
manifestam  as  verdadeiras  expressões  de  uma 
sociedade  heterogênea  e  plural.  Guardando  essa 
heterogeneidade,  deve  a  moradia  constituir‐se  na 
função  primordial  do  espaço  edificado,  haja  vista  a 
flagrante carência habitacional brasileira. Desta forma, 
especial atenção deve ser dada à permanência no SHU, 
das populações residentes e das atividades tradicionais, 
desde que compatíveis com a sua ambiência. (CARTA DE 
PETRÓPOLIS, 1987). 

Portanto, a gentrificação impõe também a esses grupos, além do custo social, 
um  custo  político.  No  entanto,  vale  frisar  que  o  termo  gentrificação  na 
atualidade se ampliou, segundo Silvana Rubino (2009, p. 26). Quando se aborda 
o processo de construção da paisagem urbana contemporânea, ele não é mais 
limitado “às cidades globais”. Sendo assim, alguns aspectos do conceito original 
de gentrificação que envolviam a alteração do espaço construído, o processo de 
ressignificação baseado em um “bota abaixo”, a destruição das relações sociais 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
96 
 

e  a  “reabilitação  de  áreas  tidas  obsoletas”  podem  ser  discutíveis  quando 


apropriados em diferentes realidades97. Todavia, a autora faz uma ressalva: 

O  enobrecimento  urbano  não  deixa  de  ser  uma 


modalidade  contemporânea  de  higienismo,  encoberta 
por um discurso de vida e apreço à cidade. Dialoga com 
diversas  outras  formas  de  ocupação  e  segregação 
urbana ao conferir um valor simbólico ao lugar, e a partir 
daí  auferir  outros  valores.  Assim  fica  claro o  empenho 
em  revitalizar  por  meio  de  equipamentos  culturais:  é 
preciso  um  certo  capital  para  se  apropriar  deles. 
(RUBINO, 2009, p. 37). 

Portanto, a mobilização promovida pela indústria cultural é, de maneira geral, 
destinada a uma classe com potencial de consumo. A preservação de grandes 
equipamentos culturais históricos se relaciona com essa perspectiva, também 
reproduzindo uma estrutura social desigual. O consumo cultural do patrimônio 
arquitetônico  promove  e  é  promovido  por  seu  valor  mercadológico 
mundializado, sob o signo fetichista do status social. Arantes (2002) acrescenta 
que  o  consumo  promovido  pela  indústria  cultural  é  controle  social.  Jameson 
(2000)  completa:  o  consumo  visual  da  pós‐modernidade  é  controle  social 
baseado em uma estrutura totalizante. 

Logo,  quando  o  Estado  financia  a  indústria  em  prol  de  um  potencial 
desenvolvimento  econômico  e  social,  ele  pode  estar  acentuando  ainda  mais 
diferenças já vigentes, pois o foco da indústria na preservação brasileira é muito 
particular. Contudo, essa  classe social que consome o patrimônio enobrecido 
das áreas antigas da cidade não é hegemônica, segundo Rubino (2009). A autora 
destaca o estudo de Criekingen (que aborda também o Brasil), o qual afirma que 

 
                                                             
 
97
 Neil  Smith  (2007,  p.  19)  defende  que,  ao  observar‐se  a  gentrificação  de  forma  mais 
ampla  e  menos  ideológica,  pode‐se  identificá‐la  como  o  reflexo  de  um  impulso  de 
“reestruturação  urbana”  que  também  é  resultado  de  renovação  urbana.  Segundo  o 
autor,  a  reestruturação  urbana  é  um  processo  de  “rediferenciação  do  espaço 
geográfico”, cuja natureza é a “acumulação e expansão do capital”. “Em um nível mais 
básico,  é  o  deslocamento  do  capital  para  a  construção  de  paisagens  suburbanas  e  o 
consequente  surgimento  de  um  ‘rent  gap’  que  cria  a  oportunidade  econômica  para  a 
reestruturação  das  áreas  urbanas  centrais.  A  desvalorização  da  área  central  cria  a 
oportunidade  para  a  revalorização  desta  parte  “subdesenvolvida”  do  espaço  urbano.” 
(SMITH,  2007,  p.  22).  Um  comportamento  cíclico  do  mercado  de  “alternância  de 
investimento”, no qual os investimentos são atraídos pelo “estoque de imóveis vagos, 
subestimados  ou  com  usos  pouco  lucrativos”.  Os  agentes  desses  processos  são  as 
indústrias imobiliária e cultural, em uma ação de base mais econômica do que cultural. 
(SMITH  N.,  2000  apud  RUBINO,  2009,  p.  27‐28).  Em  contrapartida,  Rubino  (2009), 
defende  que  a  dinâmica  identificada  por  Neil  Smith  adequa‐se  aos  EUA,  mas  é  pouco 
análoga à realidade brasileira. 
Obra  não  consultada:  SMITH,  Neil.  The  new  urban  frontier.  Gentrification  and  teh 
revanchista city. Londo/New York: Routledge, 2000. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
97 
 

essa classe não é rica. Ela é mais abastada e escolarizada do que a população 
local  deslocada  com  o  enobrecimento  das  áreas  degradadas.  “É  o  capital 
cultural,  mais  do  que  apenas  o  econômico  que  parece  nortear  escolhas  e 
classificações.” (CRIEKINGEN, 2006, p. 31 apud RUBINO, 2009)98. 

Marcia Sant’Anna (2004a, p. 330) também discute intervenções mobilizadas pela 
indústria  cultural,  neste  caso,  exclusivamente  em  sítios  urbanos  no  Brasil.  A 
autora  analisa  intervenções  que  ocorreram  nas  cidades  de  Salvador,  Rio  de 
Janeiro e São Paulo, a partir da década de 90, e as identifica como operações de 
reabilitação  urbana  “[...]  estratégicas  no  âmbito  da  economia,  do 
desenvolvimento urbano e da comunicação social.” Ações de preservação que 
foram conduzidas como empreendimentos, empregando formas sistêmicas de 
gestão  e  desenvolvimento,  nas  esferas  econômicas  e  administrativas. 
Entretanto, Sant’Anna (2004a) reitera que o problema nesse panorama não é 
submeter  o  patrimônio  às  estratégias  de  mercado,  mas  sim  submetê‐lo 
completamente a elas, pois o patrimônio cultural possui uma função social.  

O  exercício  da  função  social  mais  abrangente  do 


patrimônio não é, portanto, incompatível com o seu uso 
econômico  se  houver  o  desenvolvimento  de  uma 
consciência  na  sociedade  sobre  o  papel  político  maior 
desse dispositivo e se os elementos por meio do quais 
esse  papel  é  desempenhado  não  forem  apagados  ou 
submetidos apenas a caprichos e injunções do mercado. 
(SANT’ANNA, 2004a, p. 331). 

É  principalmente  esse  papel  social  do  patrimônio  arquitetônico  que  pode  ser 
ameaçado na dinâmica da indústria cultural. Sant’Anna (2004b, p. 164) afirma 
que nas iniciativas de sua análise, as ações de “dinamização da economia” foram 
empreendidas por meio do estímulo às atividades econômicas e imobiliárias. A 
autora  ressalta,  inclusive,  que  o  “controle  do  uso  do  espaço  público”  foi 
conjugado  com  o  uso  habitacional,  de  modo  a  promover  o  “desenvolvimento 
urbano  e  social”  (SANTANA,  2004a,  p.  330)99.  Todavia,  pode‐se  ponderar  que 
essas  ações  tenham  sido  orientadas  mais  pela  necessidade  de  conferir 
sustentabilidade ao empreendimento, do que pelos custos sociais inerentes aos 
processos de enobrecimento dos sítios históricos. 

 
                                                             
 
98
 Obra não consultada: VAN CRIEKINGEN, Mathieu. A cidade revive! Formas, políticas e 
impactos da revitalização residencial em Bruxelas. De volta à cidade: dos processos de 
gentrificação às políticas de "revitalização" dos centros urbanos, p. 89, 2006. 
99
 O  estímulo  ao  uso  residencial  nas  áreas  urbanas  históricas  brasileiras  ocorre 
principalmente no final da década de 90.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
98 
 

Com efeito, Sant’Anna (2004a, p. 330) defende que, de modo geral, a chave dos 
discursos desses empreendimentos não veio a ser a função social do patrimônio 
construído. Os “objetivos educativos e de formação cultural não foram centrais”. 
Até porque, segundo a autora, as ações não foram mobilizadas pelos órgãos de 
preservação, mas sim realizadas por “[...] instâncias responsáveis por programas 
de  desenvolvimento  econômico,  execução  de  obras  públicas,  urbanização  e 
habitação.”  

Além  disso,  os  recursos  imagéticos  e  midiáticos  como  cor  e  iluminação 


conformaram o vocabulário emblemático, que se presta à espetacularização e 
ao consumo do patrimônio arquitetônico no âmbito do turismo cultural. Logo, 
as  intervenções  no  patrimônio  construído,  nesse  panorama,  ocorreram  mais 
vinculadas  à  técnica  e  à  estética  para  a  visibilidade  e  o  impacto,  do  que  à 
significação  conferida  aos  bens.  Quando  a  apreensão  do  patrimônio 
arquitetônico se dá mais como objeto de consumo cultural, pode‐se ponderar 
que pode haver ainda um custo cultural embutido nesse processo.  

De  fato,  os  processos  mobilizados  pela  indústria  cultural  que  promovem  o 
desenvolvimento  social  e  econômico  de  sítios  históricos  empobrecidos  e 
degradados  passam  pela  imposição  de  estratégias  de  mercado  que  visam  ao 
enobrecimento, de modo a atrair o consumo. Nesse contexto, a gentrificação e 
a  supervalorização  imagética  do  patrimônio  arquitetônico  podem  ser 
recorrentes. Ademais, os resultados dessas operações são, por vezes, diversos, 
implicando,  inclusive,  a  insustentabilidade  do  desenvolvimento  e, 
consequentemente, a degradação desse patrimônio que sofreu intervenção. 

Por  outro  lado,  Sant’Anna  (2004b)  ressalta  que  não  houve  um  incremento 
generalizado do interesse imobiliário por áreas ou por imóveis antigos, em razão, 
principalmente, das dificuldades de financiamento nesse mercado. O patrimônio 
arquitetônico  urbano  brasileiro  não  se  tornou  com  a  globalização  um 
investimento do público comum. Igualmente, a proteção de uma edificação não 
acarreta necessariamente o incremento de seu valor econômico. Isso porque a 
inalienabilidade  do  bem  arquitetônico  pode  ser  associada  às  restrições  e  aos 
altos custos envolvidos nos processos de preservação100. 

 
                                                             
 
100
 Cabe esclarecer que o artigo 22 do Decreto Lei nº 25 de 1937, que declarava o direito 
à preferência do Estado no caso da alienação onerosa de bens tombados, foi revogado 
pela Lei n º 13.105, de 2015. A esse respeito o IPHAN declara: “O bem, móvel e/ou imóvel, 
pertencente  à  pessoa  física  e/ou  à  pessoa  jurídica  de  direito  privado,  objeto  de 
tombamento, não terá sua propriedade alterada e nem precisará ser desapropriado. O 
importante é que esse mantenha as características que possuía quando da data do seu 
tombamento. O proprietário, inclusive, poderá alugar ou vender o imóvel [...]. Por outro 
lado, quando se tratar de bem tombado que pertença à União, aos estados e municípios, 
os mesmos poderão somente ser transferidos entre as entidades de mesma natureza, 
[...].” (IPHAN, [s.d.]) 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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99 
 

Assim, o modelo globalizado da indústria cultural em nossa realidade, financiado 
pelo capital público que investe em projetos de grande porte em sítios históricos 
urbanos e/ou grandes equipamentos culturais históricos, tem uma abrangência 
restrita.  Embora  aqui  se  reproduza  a  mesma  prática  de  competição  global 
mobilizadora de especulação imobiliária, na qual o fetichismo promovido com a 
espetacularização  do  patrimônio  arquitetônico  se  encerra  normalmente. 
Simone  Scifoni  (2015),  a  exemplo  de  Sant’Anna  (2004),  afirma  que  o  modelo 
globalizado  de  preservação  do  patrimônio  material  promovido  pela  indústria 
cultural, no Brasil, privilegia  

[...] a hipervalorização da arquitetura e do estilo artístico 
em  detrimento  de  outros  valores  do  patrimônio, 
principalmente aqueles que contextualizam os bens no 
seu  universo  contraditório  e  conflituoso  da  história  e 
dos  processos  sociais.  Isso  acaba  por  produzir  um 
patrimônio  cultural  fetichizado,  que  se  explica  em  si 
mesmo,  unicamente  pela  técnica  ou  pela  estética.  
(SCIFONI, 2015, p. 131).  

Com efeito, as cidades empresa‐culturais brasileiras são ações concentradas e 
distribuídas desigualmente no território nacional. Scifoni (2015, p. 135) destaca 
que  os  investimentos  públicos  em  intervenções  urbanas  nas  cidades  de  São 
Paulo,  Rio  de  Janeiro,  Salvador  e  Recife  são  a  “[...]  expressão  da  natureza 
desigual existente no universo da produção e reprodução da cultura e, portanto, 
do patrimônio.”  

Com base nisso, entende‐se que a indústria cultural no âmbito da preservação 
do patrimônio não representa uma força motriz da economia nacional, porém 
seu  impacto  é  representativo.  Ainda  mais  se  levando  em  conta  que  o  capital 
público  financia  parte  da  preservação  do  patrimônio  arquitetônico  por 
intermédio desse modelo. 

Cabe  reiterar  que  não  é  simplesmente  ampliando‐se  os  investimentos  na 


preservação  do  patrimônio  arquitetônico  que  se  cria  necessariamente  um 
consumidor cultural e se mobiliza a indústria e seu potencial de desenvolvimento 
econômico e social. A ação da indústria cultural nesse setor não é direcionada 
ao  consumo  de  grupos  sociais  mais  populares,  nem  essencialmente  dos 
economicamente  privilegiados.  Ela  é  mais  atenta  aos  grupos  que  são  mais 
escolarizados e que têm poder aquisitivo suficiente para que haja a identificação 
pelo  status  social  do  consumo  cultural.  Portanto,  para  se  oferecer 
desenvolvimento a todos, é preciso primordialmente que haja políticas sociais 
que promovam incremento de renda e educação. 

No  panorama  específico  de  atuação  da  indústria  cultural  na  preservação  do 
patrimônio  arquitetônico  brasileiro,  o  potencial  de  desenvolvimento 
socioeconômico registrado em documentos e Cartas patrimoniais internacionais 
pode ser deveras dualista. Isso se dá, sobretudo, porque ele é construído por 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
100 
 

meio  de  vários  processos  associados  com  custos  negativos  a  alguns  grupos 
sociais.  

Retomando  Néstor  García  Canclini  (1994,  p.  100),  há  contradições  na 
mercantilização  do  patrimônio  arquitetônico,  mas  a  exploração  do  ambiente 
patrimonial  deriva  de  vários  tipos  de  indústria,  entre  elas  a  do  turismo  e  a 
imobiliária. Estas têm em comum a utilização do patrimônio “sob a ótica setorial 
e competitiva” e são mais destrutivas ao patrimônio cultural quando o Estado, 
neoliberal, não desempenha suas funções como regulador, por meio de 

[...]  programas  púbicos  que  definam  o  sentido  do 


patrimônio para a sociedade, regulem energicamente o 
desenvolvimento  econômico  e  estabeleçam  um  marco 
geral  –  baseado  em  interesses  coletivos  –  para  o 
desempenho de cada setor do capital. (CANCLINI, 1994, 
101). 

Independentemente do quão “enérgico” deve ser o Estado nesse contexto, lhe 
cabe a ele a função de regulador, estabelecendo as diretrizes gerais pelas quais 
a  indústria  cultural  deve  se  pautar  e  mediando  as  contradições  entre  os 
interesses  envolvidos.  Para  Durand  (2013,  p.  39),  o  Estado  brasileiro  deve 
promover o monitoramento das atividades da indústria cultural, conhecendo o 
mercado  quanto  aos  seus  efeitos  positivos  e  negativos,  “[...]  de  modo  a 
estabelecer o que pode ser feito para reforçar os primeiros e refrear os demais.”   

Além  disso,  também  cabe  ao  Estado  neoliberal  a  função  de  fomentador, 
articulando  ações  entre  o  público  e  a  iniciativa  privada,  financiando  e/ou 
estimulando  investimentos.  Tal  condição  é  também  expressa  na  Declaração 
Universal  Sobre  a  Diversidade  Cultural,  já  citada  no  primeiro  capítulo  da 
pesquisa. 

As  políticas  culturais,  enquanto  assegurem  a  livre 


circulação das ideias e das obras, devem criar condições 
propícias para a produção e a difusão de bens e serviços 
culturais diversificados, por meio de indústrias culturais 
que  disponham  de  meios  para  desenvolver‐se  nos 
planos local e mundial. (UNESCO, 2002). 

Quanto à função do Estado como fomentador, Durand (2013, p. 143) enfatiza 
que  planejar  a  política  e  a  economia  do  patrimônio  cultural  não  é  reduzir  a 
questão aos incentivos fiscais e às “estratégias mercadológicas”. Elas têm mais a 
ver  com  o  retorno  advindo  com  o  prestígio  e/ou  o  valor  agregado  da  ação 
engajada política ou socialmente, que configura o chamado marketing cultural. 
Por outro lado, o autor defende que é essencial que o Estado tenha uma postura 
gerencial  da  cultura  como  mercado,  definindo  o  que  “[...]  merece  ficar  como 
está,  existindo  espontaneamente  sem  necessidade  de  estímulo,  ajuda  ou 
intervenção.” (DURAND, 2013, p. 35). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
101 
 

Nessa matéria, é indispensável distinguir aquilo que, em 
cada  região  ou  localidade,  está  sendo  suficientemente 
bem  resolvido  pela  indústria  cultural,  ou  por 
manifestações espontâneas da população, e aquilo que, 
com  base  em  critérios  defensáveis,  o  governo  deve 
encorajar. (DURAND, 2013, p. 26). 

Durand  (2013,  p.  142)  afirma  que  o  Brasil  comporta  uma  “sólida  indústria 
cultural”, desde que haja uma visão mais sistêmica da gestão cultural, que é “[...] 
algo mais do que simplesmente promover eventos e restaurar sítios históricos.” 
A condição elementar para isso é que a mercantilização da cultura não deve ser 
considerada,  de  antemão,  como  opressiva  ou  emancipadora.  Ela  é  construída 
socialmente por um poder de chancela que é “[...] tanto mais legítimo quanto 
menos a gestão cultural for vista como instrumento de proselitismo político ou 
a serviço do lucro econômico privado.” O proselitismo provoca a associação da 
gestão  à  “burocracia  e  controle  estatal”,  ao  passo  que  o  lucro  é  associado  à 
massificação  e  uma  eventual  “ameaça  à  autonomia”.  (DURAND,  2013,  128). 
Nesse  contexto,  o  autor  destaca  os  principais  entraves  na  gestão  da  política 
pública cultural nacional:  

 A  desarticulação  entre  a  cultura  e  outras  áreas  afins,  como  “[...] 


educação, turismo, ciência e tecnologia, etc.” (DURAND, 2013, p. 129). 
 A  desarticulação  entre  os  níveis  de  governo  municipal,  estadual  e 
federal da esfera cultural evidencia a carência de interlocução entre os 
mesmos e a necessidade de interdependência (DURAND, 2013). 
 A “[...] fragmentação do fomento em um imenso conjunto de projetos 
sem conexão muito visível uns com os outros [...]” (DURAND, 2013, p. 
129). 
 A descontinuidade das ações, decorrente da substituição sucessiva de 
diretrizes e prioridades e, consequentemente, de programas e projetos 
(DURAND, 2013). 
 A  carência  de  clareza  quanto  à  regulação  nos  respectivos  níveis 
administrativos  de  governo.  É  essencial  uma  visão  sistêmica  político‐
administrativa  de  longo  prazo,  que  dimensione  as  necessidades  em 
relação ao espaço e ao tempo no panorama nacional e internacional. 
(DURAND, 2013). 

No caso da Política de Patrimônio Cultural Material nacional, pode‐se observar a 
atenção  do  IPHAN  quanto  à  citada  desarticulação  institucional,  na  quarta 
premissa  e  no  Princípio  da  Transversalidade.  Quanto  aos  fomentos,  o  PPCM 
afirma  no  artigo  53  que  realizará  ações  e  atividades  com  a  finalidade  de:  “III. 
Otimizar os investimentos públicos, fomentando ações articuladas e colaborati‐
vas com entes públicos e privados [...]” (IPHAN, 2018, p. 43).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
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Quanto aos custos socioculturais e também políticos comuns às atividades da 
indústria cultural na preservação do patrimônio arquitetônico, o PPCM registra 
no artigo 55 que as ações devem, entre outras finalidades:  

I.  Garantir  a  participação  social;  II.  Considerar  sua 


contribuição  para  possibilidades  de  geração  de  renda 
para as comunidades locais, a preservação das diversas 
formas  de  manifestações  culturais  e  práticas  sociais 
relacionadas aos bens protegidos; III. Fomentar os usos 
tradicionais,  o  uso  habitacional  e  demais  usos  que 
apoiem e incentivem a permanência, nas imediações do 
bem,  da  população  em  suas  rotinas  diárias;  (IPHAN, 
2018, p. 44). 

Diante disso, entende‐se que, para a indústria cultural no Brasil, o patrimônio 
arquitetônico  dos  grandes  centros  urbanos  é  uma  “mercadoria”  destinada  ao 
consumo  cultural  e  ao  lazer  de  um  público  regional/nacional  e  internacional, 
dotado  de  poder  aquisitivo  suficiente  para  o  consumo  nessas  emblemáticas 
cidades empreendimento enobrecidas. Submetido a tal dinâmica, o patrimônio 
arquitetônico  também  é  mercado  para  o  Estado,  na  função  de  articulador  e 
fomentador  de  investimentos,  pois  a  indústria  cultural  é  um  agente  que  tem 
potencial de promover desenvolvimento socioeconômico e cultural. Na função 
de regulador, o patrimônio arquitetônico representa, para o Estado, memória e 
significação  que  devem  ser  resguardadas,  tolhendo‐se  práticas  que  sejam 
nocivas, como algumas dissonâncias da indústria cultural, particulares ao âmbito 
da intervenção, que serão discutidas a seguir. 

2.2.1 D ISSONÂNCIAS DA INDÚSTRIA CULTURAL

O  modelo  de  atuação  da  indústria  cultural,  no  âmbito  da  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico no Brasil, vale‐se de práticas que têm o potencial de 
causar prejuízos ao bem na qualidade de referência para a preservação. Essas 
práticas são aqui identificadas como dissonâncias.  

Entre  as  mais  relevantes  estão  o  fachadismo  e  a  museificação.  Ambas 


constituem  práticas  que  resultam  em  homogeneização  cultural.  Convém 
ressaltar  que,  segundo  Simone  Scifoni  (2015,  p.  132),  a  museificação  ou 
musealização  é  uma  ação  de  preservação  anterior  à  globalização,  promovida 
pelo Estado na Europa, baseada em “tendências superficialmente historicistas” 
de reconstrução de estilos. A museificação também foi observada em centros 
históricos  brasileiros  na  política  de  preservação  de  1937  (pontuada  na 
introdução  do  capítulo),  sob  a  insígnia  da  construção  da  identidade  cultural 
nacional. Essa é uma reprodução sistemática e pitoresca do passado que “veste” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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o  edifício  com  uma  cenografia  por  meio  de  reconstruções  e  reproduções,  de 
modo que se inviabilize o diálogo com o presente.  

Ignasi  de  Solà‐Morales  (1998)  acrescenta  que,  na  contemporaneidade,  a 


museificação  ocorre  quando  se  sujeita  a  arquitetura  de  valor  patrimonial  ao 
mesmo processo de exposição empregado nos museus. Ela desprende os objetos 
de seu substrato cultural original, descontextualizando‐os e transformando‐os 
em  imagens.  Ou  seja,  ignoram‐se  sistematicamente  as  relações  da  edificação 
com seu entorno, transformando‐a em uma imagem isolada, fragmentada. Essa 
condição  provoca “fatalmente” o desaparecimento de “significados concretos” 
associados a esse bem (SOLÀ‐MORALES, 1998, p. 6).  

O  fachadismo,  também  tem  origem  nas  citadas  práticas  museificantes  de 


preservação  da  Europa.  Ele  ocorre  quando  se  “despe”  internamente  o 
patrimônio  arquitetônico  de  sua  tipologia  histórica,  de  suas  características 
espaciais,  materiais  e  mesmo  estilísticas.  Beatriz  Kühl  (2008)  se  posiciona 
contrariamente a essa postura: 

Se não se preserva o edifício como um todo, interior e 
exterior, que não são coisas desconexas, perde‐se tudo 
isso. Destroem‐se dados históricos relevantes e deixa‐se 
a obra esvaziada de sua capacidade de funcionar como 
efetivo  suporte  material  do  conhecimento  e  da 
memória. (KÜHL, 2008, p. 217).  

No entanto, o fachadismo é recorrente em intervenções em nossa realidade. Ele 
é assumido no contexto de condutas menos exigentes e, por conseguinte, menos 
criteriosas;  sobretudo  em  edificações  de  menor  notoriedade  ou 
representatividade,  protegidas  principalmente  como  elementos  de  conjuntos 
históricos urbanos, visando à preservação da ambiência urbana. Essa conduta, 
embora corroborada por órgãos de preservação (pois normalmente se vincula 
ao nível de proteção), implica a supressão das referências históricas no interior 
das edificações, conforme citado. Isso pode afetar a significação do patrimônio, 
no que se refere às relações dos grupos sociais com o edifício e com o território 
em que este se encontra. Um exemplo é o que ocorre quando são acrescidos 
novos pavimentos ao interior das edificações em sítios urbanos. O adensamento 
resultante promove uma mudança na forma de uso do bem, que repercute nas 
práticas sociais da edificação e do espaço público contíguo.  

Cabe  então  ponderar  que  o  patrimônio  arquitetônico,  representado  por 


edificações  isoladas  de  menor  porte  e  por  edificações  que  compõem  os 
conjuntos  históricos  urbanos,  pode  ser  mais  sujeito  ao  fachadismo  do  que  a 
arquitetura monumental. Até mesmo em função do tipo de proteção, haja vista 
que  aquelas  normalmente  não  são  tombadas  e  esta costuma  sê‐lo.  Por  outro 
lado, as edificações de maior porte podem ser mais submetidas ao processo de 
“museificação” contemporânea, conforme Solà‐Morales (1998, p. 6) a entende. 
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De fato, tanto o fachadismo quanto a museificação são lapsos na intervenção de 
assimilação qualitativa do passado e de seus produtos. Eles tomam o lugar da 
compreensão teórico‐crítica da história da arquitetura e da teoria da restauração 
e  acometem danos  ao  bem  como  referência.  São  dissonâncias  da  prática  que 
podem  ser  tomadas  como  uma  reincidência  anacrônica  de  políticas  de 
preservação anteriores e que também vão ao encontro do desejo de consumo 
superficial e rápido pela imagem e pelo patrimônio estetizado e estereotipado. 
Em  suma,  um  fenômeno  mais  próximo  ao  contexto  atual  das  relações 
socioculturais da pós‐modernidade e da industrialização da cultura.  

Outra dissonância favorecida pela indústria cultural na prática da intervenção no 
patrimônio  arquitetônico  se  refere  ao  uso.  Efetivamente,  a  utilização  prática 
desse tipo de bem é indispensável à sua conservação, e isto já é consagrado na 
preservação. No entanto, a questão do uso do patrimônio é mais complexa do 
parece de antemão. O objeto da intervenção é   

[...] uma resposta a uma questão que é sucessivamente 
proposta.  O  edifício  já  existe,  tem  demandas 
particulares  à  sua  “manutenção”  e  foi  construído 
atendendo  a  um  programa  de  necessidades  que  não 
necessariamente  é  o  mesmo  da  atualidade. 
(CSEPCSÉNYI, 2006, p. 148). 

Contudo, a definição do uso da arquitetura de valor histórico na intervenção não 
pode  se  resumir  à  viabilidade  utilitária.  De  fato,  o  uso  é  uma  das  principais 
condições  para  a  viabilidade  financeira  do  empreendimento;  além  disso,  ele 
insere a arquitetura de valor patrimonial no tecido social da cidade. No entanto, 
o patrimônio arquitetônico é uma referência histórica e identitária, não constitui 
uma edificação comum. Priorizar as demandas pertinentes ao seu uso, sobre as 
demais  que  cabem  à  intervenção,  pode  resultar  em  perdas  à  significação  e  à 
integridade  do  bem.  O  uso  é  um  meio  e  não  a  finalidade  da  intervenção, 
conforme afirma Kühl (2008).  

Sendo  assim,  o  uso  deve  ser  adequado  àquele  bem  em  particular  e  para  sua 
compatibildade  devem  se  considerar  as  caracteristicas  e  os  significados 
conferidos à edificação e ao território em que esse está inserido. “O êxito em 
relação  à  nova  destinação  de  uso  de  uma  preexistência  histórica  advém  da 
correta  relação  entre  seus  valores  materiais  e  imateriais  e  seus  valores 
funcionais.” (NAHAS, 2015, p. 230). 

Sobre a definição dessa “nova destinação”, Patrícia Nahas (2015, p. 231) destaca 
que na prática, na Itália, antes do desenvolvimento da proposta de intervenção, 
quando se reconhece o patrimônio, se prima por identificar qual o uso seria o 
mais adequado àquele bem, “[...] de modo que a sua conservação e restauração 
implique  a  menor  modificação  do  texto  original.”  A  autora  contrapõe  tal 
condição à prática brasileira e afirma que aqui a intervenção, frequentemente, 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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já parte de um novo uso pré‐estabelecido pelo proprietário do bem. Uso que, 
por vezes, é incompatível com as características da edificação histórica. 

Esta  se  tornou  uma  prática  recorrente  em que  o  novo 


uso  é  definido  sem  que  uma  equipe  multidisciplinar 
realize um estudo rigoroso dentro do campo do restauro 
e  da  conservação  de  bens  culturais,  para  avaliar  e 
analisar  se  o  edifício  preexistente  suporta  o  novo  uso 
dentro  dos  limites  aceitáveis  da  preservação.  (NAHAS, 
2015, p. 235‐236). 

Vale salientar que os “limites aceitáveis” do patrimônio arquitetônico envolvem 
questões específicas, como, por exemplo, exigências e solicitações de legislações 
particulares,  as  de  segurança,  de  instalações  prediais,  etc.  Isso  se  impõe,  em 
especial, quando são usos que implicam a concentração de público.   

Há  ainda  outro  extremo  na  questão  da  definição  do  uso  do  patrimônio  na 
intervenção,  que  se  dá  quando  essa  declaração  não  acontece,  embora  seja 
patente que a ação direta de intervenção não deve ser executada sem que o uso 
do bem esteja definido. Isso ocorre principalmente em ações promovidas pela 
iniciativa pública e premidas por interesses políticos. Nesses casos, o novo uso 
da  edificação  não  é  definido  ou  é  um  uso  provisório.  Tal  condição  implica 
normalmente o desenvolvimento de projetos genéricos e ações mal planejadas, 
que  geram  retrabalho,  novas  intervenções  no  bem  com  potencial  perda  da 
matéria da arquitetura histórica e acréscimos de custos e prazos.  

Na  prática  de  atuações  recentes,  só  vez  por  outra  se 
verifica maior consciência e sensibilidade nas propostas 
e  nas  operações,  tanto  na  escala  urbana,  quanto  em 
edificações  isoladas.  O  que  se  observa,  em  geral,  é  a 
absoluta prevalência de critérios ditados pelo uso, para 
obter  maiores  lucros,  para  aparecer  nos  meios  de 
comunicação,  e  guiados  por  interesses  setoriais  e 
imediatistas. (KÜHL, 2008, p. 207). 

Com efeito, a mudança de uso do bem na prática de intervenção no patrimônio 
arquitetônico em nossa realidade costuma ser subestimada ou manipulada. A 
“imposição”  de  um  uso  ao  bem  é  comum  da  prática  na  iniciativa  privada 
representada pela figura do proprietário do imóvel, mas também é promovida 
pelo Estado. A definição do uso deve ocorrer como um processo de continuidade 
respeitosa na existência do bem.  

Cabe ainda relembrar que não basta que o novo uso seja 
apenas “nominalmente” compatível, pois, por exemplo, 
muitos  usos  ditos  “culturais”  têm  desnaturado  bens 
culturais. Ou seja, um uso voltado à cultura não assegura 
que  o  edifício  seja  preservado;  e,  inversamente,  um 
projeto  de  supermercado,  que  leve  em  conta  as 
características do edifício e não confunda os fins com os 
meios, pode ser adequado. (KÜHL, 2008, p. 211). 
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É equivocado compreender o uso cultural como o único possível e “digno” para 
o patrimônio arquitetônico, de qualquer porte. Todavia, esse uso é recorrente, 
sobretudo nos casos de edifícios históricos de maiores dimensões, em iniciativas 
financiadas pelo Estado. Conforme já discutido, os usos correlatos ao consumo 
cultural  são  parte  do  processo  produtivo  da  indústria  cultural  nos  centros 
urbanos. A repetição dessa fórmula homogeneizante dificulta a manutenção de 
usos diversificados que sustentam o uso habitacional, que, por sua vez, contribui 
para  minimizar  o  custo  social  desse  modelo.  Outrossim,  essa  carência  de 
democratização  dos  usos  redunda  também  em  custos  culturais  e  políticos 
infligidos  aos  grupos  sociais.  No  entanto,  investir  em  grandes  equipamentos 
culturais  históricos,  além  de  ser  uma  estratégia  do  mercado  imobiliário  de 
enobrecimento  do  lugar,  também  é  uma  estratégia  política  por  visibilidade  e 
notoriedade. Nesse sentido,  vale destacar a reflexão de Gérard Monnier (2006, 
2009) sobre os equipamentos culturais e a indústria cultural.  

Hoje, os teatros, casas de ópera, auditórios, centros de 
convenção, estádios, piscinas são os lugares – objeto de 
uma comunicação intensa, que ultrapassa os objetivos 
econômicos da própria atividade, que fixa a identidade 
do edifício e que possui uma função política. Com efeito, 
essa  comunicação  é  não  apenas  proporcional  ao  seu 
papel social, mas é também necessária para justificar o 
investimento dos políticos e das administrações, assim 
como  dos  orçamentos,  tanto  para  o  setor  público 
quanto para o setor privado, na produção e na gestão do 
equipamento.  A  cultura  e  o  esporte,  organizados 
segundo a lógica do espetáculo e de sua economia, têm 
um  peso  na  relação  das  instituições  com  os 
equipamentos  e  a  infraestrutura.  (MONNIER,  2009,  p. 
12). 

Para  Monnier  (2006, p.  16),  esse  é  um  “modelo  brilhante  para  as  instituições 
culturais”,  sob  o  escopo  da  indústria  cultural101.    Na  “lógica  do  espetáculo”,  o 
equipamento  cultural  é  um  “instrumento”  de  entretenimento  que  deve  “[...] 
impor‐se no espaço social, face à concorrência dos instrumentos tecnológicos do 
 
                                                             
 
101
 Uma  referência  nesse  sentido  é  o  Centro  Georges  Pompidou,  um  centro  cultural 
construído em 1977 na França, que teve repercussão mundial. Jean Baudrillard  (1991, p. 
82‐83)  discute  os  efeitos  decorrentes  da  instalação  desse  centro  cultural  no  bairro  de 
Beaubourg, onde foi feito um “[...] verniz – limpeza da fachada, desinfecção, ‘design snob’ 
e higiênico [...].” Ele o chamou de “efeito Beaubourg”, fenômeno que se dá quando o 
equipamento cultural é tratado somente como um “invólucro arquitetônico” e à medida 
que a experimentação que se faz desse é “de dissuasão” (desconfortável). Sendo assim, 
a arquitetura torna‐se uma “máquina de produzir vazio”, logo, o efeito é a tradução de 
uma  contradição.  O  continente  espetacular  minimiza  antecipadamente  o  conteúdo 
cultural  experimentado  pelas  massas.  Isso  é  resultado  de  uma  cultura  de  simulação 
contraditória, em relação ao conteúdo  instrutivo e formativo que justificaria o espaço 
como sendo para todos. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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consumo cultural em domicílio.” Nessa conjuntura, o “monumento histórico é 
adaptado  à  produção  de  espetáculos”,  como  um  programa  de  impacto  e 
visibilidade que pretende uma “recepção” particular. O que pode levar ao [...] 
enfraquecimento  da  recepção  da  identidade  arquitetônica  e  a  um 
desvanecimento de seu valor próprio; [...].” (MONNIER, 2009, p. 11‐15).  

Ou  seja,  nesse  ambiente  de  influência  da  indústria  cultural,  a  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico  constrói  com  o  uso  cultural  uma  experimentação 
temática  da  arquitetura  de  valor  histórico,  que  é  basicamente  resultante  do 
tratamento midiático e espetacular para o consumo das massas. Uma narrativa 
homogeneizada que pode levar à minimização da preexistência.  

Cabe ainda pontuar a afirmação de Françoise Benhamou (2016, p. 55) acerca da 
dimensão  econômica  dos  grandes  equipamentos  culturais  patrimoniais  na 
França. A autora defende que as atividades culturais promovidas nesses edifícios 
históricos  são  “por  natureza  pouco  rentáveis”  e,  em  geral,  insuficientes  para 
cobrir  as  despesas  de  funcionamento  da  edificação 102 .  De  fato,  esse  tipo  de 
patrimônio  requer  receitas  consideráveis  para  suprir  seus  custos  de 
conservação. Sendo assim, os investimentos em grandes equipamentos culturais 
históricos ocorrem comumente mais motivados por interesses sociais e políticos, 
do que necessariamente econômicos.  

Com  efeito,  a  imposição  de  usos  utilitaristas  e  estratégicos  à  intervenção  no 


patrimônio  arquitetônico  é  uma  compulsória  prevalência  do  valor  de  uso  à 
atribuição do valor ao bem. Isso é uma dissonância da prática da intervenção 
contemporânea  que  pode  causar  prejuízos  à  preexistência  como  referência 
cultural. A questão do uso do patrimônio também é observada no PPCM, nos 
artigos  53  e  54,  onde  fica  registrada  a  orientação  do  IPHAN  acerca  dos  usos 
sociais e habitacionais para o patrimônio arquitetônico, entre outros.  

I.  Qualificar  as  intervenções,  considerando  a 


necessidade  de  adequação  do  patrimônio  cultural 
material  às  necessidades  contemporâneas,  visando 
garantir seu uso e sua apropriação social;   
III. Fomentar os usos tradicionais, o uso habitacional e 
demais usos que apoiem e incentivem a permanência, 
nas imediações do bem, da população em suas rotinas 
diárias; (IPHAN, 2018, p. 43‐44). 

 
                                                             
 
102
 Segundo  Benhamou  (2016,  p.  63),  a  gestão  de  equipamentos  culturais  históricos 
costuma carecer de ações que possibilitem geração de fundos, ou mesmo que permitam 
“[...] engendrar atividades econômicas e força de atração na concorrência patrimonial 
internacional.” A sustentabilidade econômica desse tipo de empreendimento envolve a 
gestão  pública  eficiente  de  demandas  como  acesso  e  oferta,  conjugados  a  bens  e 
serviços, além do essencial entendimento do “patrimônio vivo” que cria “elos sociais” e 
alimenta a “criatividade”. (BENHAMOU, 2016, p. 88). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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Mais uma dissonância vinculada à indústria cultural, na prática da intervenção 
no patrimônio arquitetônico, é o peso conferido ao novo como ferramenta de 
impacto.  Sobre  esta  questão,  dois  aspectos  são  fundamentais.  O  primeiro  se 
refere  à  aparência  de  recém‐construída  conferida  à  edificação  histórica  na 
intervenção.  O  “rejuvenescimento”  das  superfícies  do  bem,  conforme  Kühl 
(2004, 2008) discute, relaciona‐se com a minimização dos valores da passagem 
do tempo e vai ao encontro de um valor “estético” que, por sua vez, se sobressai 
ao  da  antiguidade.  O  aspecto  novo,  vibrante,  é  impactante  e  se  associa  ao 
consumo da imagem. Valores imagéticos são enaltecidos pela indústria cultural 
para o consumo das massas. Por sua vez, a “decadência” infligida pelo tempo ao 
bem não costuma ser um atrativo para as dinâmicas desse mercado em âmbito 
nacional. 

Alois Riegl (2014), no início do século XX, já chamava a atenção para o fato de 
que o valor de novidade é o valor das massas. Em função disso, estas deveriam 
ser sensibilizadas para o valor histórico (acadêmico e técnico) dos monumentos. 
De  modo  a  que  houvesse  o  amadurecimento  para,  então,  se  alcançar  o 
reconhecimento do valor de antiguidade de maneira mais ampla. Nesse sentido, 
Kühl (2008) afirma que se deve 

[...]  respeitar  e  valorizar  toda  a  riqueza  das  diversas 


estratificações  da  história,  também  com  o  objetivo  de 
educar.  Isso  pode  ser  alcançado  através  de  uma 
aproximação  historicamente  fundamentada,  antídoto 
para a tendência atual de se voltar ou para cores frívolas 
– que no Brasil muitas vezes se está traduzindo em cores 
berrantes que chegam a impedir a própria apreciação do 
bem, tal cacofonia que impõem – ou em cores amorfas, 
que não se relacionam com as características tectônicas 
e de composição da obra. (KÜHL, 2008, p. 231)103. 

Educar, nesse caso, parece estar mais próximo de uma abordagem que acomode 
o olhar para o edifício histórico, do que necessariamente educação patrimonial. 
De qualquer forma, parece pouco provável que a ênfase conferida ao valor de 
novidade  na  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  sob  esse  aspecto 
particular de observação, afete a identificação conferida pelos grupos locais. Ela 
 
                                                             
 
103
 No Brasil, o rejuvenescimento das fachadas é recorrente e se conforma por meio do 
emprego  de  tons  intensos  na  pintura,  valendo‐se  normalmente  de  prospecções 
estratigráficas  para  justificá‐los.  Esta  postura  ignora  o  conhecimento  de  que  os 
pigmentos de época não eram tão impactantes como os de hoje e que os tons verificados 
nas  prospecções  podem  ter  se  alterado,  por  camadas  de  material  acumulado  que  os 
intensificam.  Outro  exemplo  é  o  rejuvenescimento  “forçado”  das  superfícies  pétreas, 
haja  vista  que  as  correções  de  danos  como  manchas,  que  empregam  métodos  pouco 
invasivos,  costumam  ser  menos  eficientes.  Sendo  assim,  são  utilizados  materiais  e 
métodos  agressivos  às  superfícies  das  pedras,  implicando  a  perda  de  matéria  para  a 
remoção das manchas, conferindo o aspecto novo.  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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pode,  sim,  vir  a  agregar  identidades  interculturais,  baseadas  em  experiências 


mais  superficiais  dessa  arquitetura,  próprias  das  dinâmicas  de  consumo  do 
patrimônio arquitetônico promovidas pela indústria cultural. 

O segundo aspecto do enfoque que pode ser conferido ao novo na intervenção 
contemporânea  no  patrimônio  arquitetônico,  no  contexto  de  influência  da 
indústria cultural, é mais complexo. Ele se dá no âmbito da adequação do bem 
ao novo uso e, por extensão à sua nova funcionalidade, que ocorre na forma de 
acréscimos. Tal condição faz parte do problema a ser criativamente respondido 
pelo arquiteto. Claudia Cunha (2010) destaca isso: 

Pode  haver  mais  de  uma  interpretação  plausível 


pautada  no  rigor  metodológico  com  respostas 
projetuais diversas, uma vez que a ação de restauro faz 
parte de um processo de projetação, onde, associada à 
preservação  da  preexistência  não  pode  deixar  de 
aparecer a ação criativa do arquiteto. [...] Todo projeto 
de restauro se dá através da complementação do antigo 
com  o  novo,  qualquer  que  seja  a  dimensão  da 
intervenção. (CUNHA, 2010, 67‐69).  

Sendo  assim,  o  novo  nesse  processo  pode  ampliar  a  significação  conferida  ao 
bem, conforme discutido por Paolo Marconi (1993). Contudo, o autor também 
ressalta que, nessa tarefa do arquiteto, a intervenção tem sido mais mobilizada 
pelo  novo  do  que  pelo  antigo.  Ou  seja,  o  novo  na  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico tem se sobressaído à preexistência.  

Nahas  (2015,  p.  345)  identifica  essa  dinâmica  em  intervenções  no  patrimônio 
arquitetônico no Brasil, por meio do estudo de obras realizadas nas três últimas 
décadas104. Para a autora, há um conflito contemporâneo da preservação entre 
“permanência e mudança, antigo e novo”, que tem pendido cada vez mais para 
o protagonismo do novo sobre o antigo. Conforme enuncia, “[...] a conservação 
deixou  de  ser  o  mote  principal  da  ação  de  ‘restauro’  e  passou  a  ser  uma 
coadjuvante na intervenção. O projeto do novo guia a modificação do antigo com 
o argumento de ‘atualizar’ o monumento.” (NAHAS, 2015, p. 271). 

O ambiente típico em que o novo é “imposto” à preexistência na intervenção é 
o influenciado pela indústria cultural. Neste caso, o novo tem como prerrogativa 
o impacto e a imagem emblemática para o consumo. Isso ressalta a diferença 
entre a nova funcionalidade e a restauração do patrimônio arquitetônico em si. 
Nesse contexto, Ruth Zein e Anita di Marco (2008) afirmam que 

 
                                                             
 
104
 A  análise  de  Patrícia  Nahas  (2015)  é  retomada  no  capítulo  seguinte,  quando  são 
discutidas as posturas teóricas adotas nas intervenções estudadas pela autora. Ver item: 
3.3 Posturas teóricas na prática brasileira.
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[...] as obras não são preservadas apenas por si mesmas, 
mas  também  por  serem  signos  de  outras  coisas;  não 
basta que falem do passado, mas devem testemunhar a 
favor  de  uma  construção  conceitual  do  presente, 
fazendo sentido dentro de um discurso essencialmente 
contemporâneo. (ZEIN; DI MARCO, 2008, p. 3). 

Esse  discurso  é  próprio  da  atual  maneira  de  ver  o  passado  e  atuar  em  sua 
preservação.  Entende‐se  que  o  novo  pode  ressignificar  o  bem.  Todavia,  se 
predomina  sobre  a  preexistência,  ele  tem  potencial  de  infligir  prejuízos  à 
significação do patrimônio arquitetônico correlata aos grupos sociais que lhe são 
mais  próximos  e  lhe  conferem  diversidade.  Ademais,  se  o  novo  for  deveras 
necessário à intervenção, a ponto de sua imposição à preexistência ser essencial, 
é provável que tal uso seja incompatível com o bem, pois prevalece sobre este. 

Assim, o novo que se caracteriza como uma dissonância da indústria cultural, na 
prática  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  também  tem  potencial 
homogeneizante,  assim  como  o  uso  cultural,  o  fachadismo  e  a  museificação. 
Como visto antes, a homogeneização na dinâmica da intervenção influenciada 
pelo processo produtivo industrializado da cultura causa prejuízos ao bem como 
referência para preservação.  

A imprudência em relação aos monumentos históricos e 
a  seus  aspectos  documentais  resulta  na  perda  de  um 
valor fundamental, que é diversidade, a multiplicidade. 
Perda  de  multiplicidade  que  nega  um  preceito  que 
deveria  estar  presente  na  vida  em  geral,  que  é  a 
tolerância.  Preservar  apenas  aquilo  que  parece 
proveitoso  a  alguns  em  um  dado  momento,  é  a 
subversão desse preceito. (KÜHL, 2006, p. 35). 

A supressão do passado na intervenção, decorrente da perda de sua diversidade, 
também  é  identificada  por  Solà‐Morales  (1998,  p.  6,  tradução  nossa),  que 
acrescenta: a “suspensão” das “particularidades” do patrimônio implica “valores 
transhistóricos”. Ou seja, valores que perpassam a historicidade do patrimônio 
e se relacionam com a interculturalidade. Por outro lado, como entendido nesta 
pesquisa,  não  existe  uma  homogeneização  completa  e  global.  Contudo,  a 
hibridação  cultural  na  intervenção  impacta  os  aspectos  da  significação 
contemporânea do patrimônio arquitetônico.  

Ademais, não se pode contar com a “assertividade dos receptores”, de Carlos 
Fortuna e Augusto Silva (2002), para zelar pela heterogeneidade na intervenção 
no  patrimônio  arquitetônico,  em  meio  às  dinâmicas  da  indústria  cultural  em 
nossa  realidade.  Porque,  de  modo  geral,  os  grupos  sociais  que  se  relacionam 
mais  intimamente  com  o  bem  não  costumam  ter  condições  estruturais  para 
assumir uma atitude ativa politicamente, nem sua participação no processo de 
intervenção  é  assegurada.  Conforme  enuncia  Boaventura  de  Souza  Santos 
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(2001)  e,  de  maneira  semelhante,  Renato  Ortiz  (2007),  para  a  diversidade  há 
ainda que se discutir a igualdade.  

Nesse contexto, cabe retomar Françoise Choay (2005, p. 38‐39), que afirma a 
necessidade  de  se  romper  com  “[...]  o  economismo  do  patrimônio 
reconvertendo e adaptando os edifícios e os meios museificados para utilizações 
contemporâneas  vivas,  [...]”,  portanto,  mais  heterogêneas.  Dessa  forma, 
enfrenta‐se o que a autora chamou de “[...] pedagogia do turismo mundialista e 
a sua propensão para apagar as diferenças.” 

Por  certo,  a  atuação  da  indústria  cultural  na  preservação  do  patrimônio 
arquitetônico no Brasil tem repercussões na intervenção. Sobre isso, entende‐se 
que na contemporaneidade a significação do patrimônio é multidimensional e 
dinâmica e envolve novos processos de experimentação e significação. Quando 
estes  são  assumidos  na  intervenção  de  forma  criativa  e  respeitosa,  como 
programas  de  alcances  e  demandas  complementares,  vêm  a  ser  legitimados. 
Inclusive,  as  experiências  podem  ter  um  caráter  mais  global/intercultural  e 
podem  ser  viabilizadas  por  ferramentas  mais  próximas  ao  consumo,  que 
empregam a imagem, o novo, etc.  

Todavia, se a intervenção estabelece um novo discurso que minimiza ou ignora 
o discurso da preexistência, este se torna coadjuvante. Nesse caso, a parte da 
significação  do  bem  que  é  a  que  lhe  confere  diversidade  (seus  valores  e 
significados locais ou regionais) não é prioritária. Logo, o discurso que se institui 
tende  a  ser  comum  (homogeneizado).  Ademais,  se  o  discurso  da  intervenção 
ignora  os  significados  da  preexistência,  ele  é  incoerente  em  relação  ao  seu 
processo  de  desenvolvimento  estabelecido  no  campo  disciplinar  teórico  da 
restauração e coloca o bem em risco como referência histórica e identitária para 
a preservação. 

2.3 A GENTES , INTERESSES E INTERFERÊNCIAS


Conforme observado ao longo deste capítulo, a prática nacional de intervenção 
no patrimônio arquitetônico envolve diferentes agentes cujos papéis podem ser 
difusos, sobrepostos e, por vezes, até opostos. Entretanto, esses intervenientes 
podem  ser  elencados  de  forma  mais  particular,  de  modo  a  se  discutir  seus 
interesses, bem como as interferências e pressões que eles promovem e/ou aos 
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quais são submetidos, correlacionados ao problema do distanciamento teórico 
da prática da intervenção105.  

De antemão, a título de facilitar a reflexão e para além de qualquer julgamento, 
pode‐se  dividir  os  principais  envolvidos  no  processo  de  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico em nossa realidade em dois grupos: um do domínio do 
público, que abarca a Fiscalização representada pelos órgãos de proteção e os 
grupos sociais que se relacionam com o bem; e outro do domínio privado, que 
se  relaciona  com  o  desenvolvimento  do  empreendimento  –  intervenção  –, 
envolvendo o empreendedor, o projetista e o construtor.  

No domínio do público: 

 Órgãos de preservação /Fiscalização  

Os órgãos de preservação têm a função de fiscalizar o processo de intervenção 
no patrimônio arquitetônico. Quando há simultaneidade de tombamentos entre 
as  instâncias  de  proteção,  na  prática  se  trabalha  com  as  regulamentações  e 
orientações  dos  respectivos  órgãos  para  aprovação  dos  projetos.  No  entanto, 
quem acompanha normalmente todo o processo de intervenção no patrimônio 
(obra) é a instituição que têm mais restrições para preservação daquele bem. 
Contudo, isso pode variar, cabendo então a fiscalização à instância superior. O 
PPCM registra as competências, no caso do IPHAN, do Sistema de Fiscalização e 
Autorização – “fiscalis”.  

Art.  100.  O  fiscalis  tem  como  objetivo  automatizar  os 


procedimentos de Autorização e Fiscalização realizados 
pelo  Iphan,  assegurando  o  cumprimento  e 
acompanhamento  dos  ritos  processuais  estabelecidos 
nos atos normativos específicos.  
Art.  101.  O  fiscalis  tem  como  finalidade  propiciar  o 
monitoramento da eficiência e da eficácia do exercício 
das atividades de autorização e fiscalização, bem como 
dos procedimentos em si.  
Art. 102. O fiscalis está organizado em quatro módulos: 
I.  Planejamento;  II.  Autorização;  III.  Fiscalização;  e  IV. 
Julgamento. (IPHAN, 2018, p. 50). 

Pode‐se  afirmar  que  o  interesse  do  órgão  de  proteção  na  intervenção  é, 
impreterivelmente, a preservação do patrimônio cultural pelo resguardo de sua 
integridade  e  de  seus  significados,  práticas  sociais  e  identidades.  Ou  seja,  as 
condições que o conformam como referência cultural.  

 
                                                             
 
105
 Teoria  essa  reconhecida  pela  história  e  pela  crítica  da  preservação,  que  estabelece 
princípios teóricos, metodológicos e técnico operacionais, que são discutidos no capítulo 
seguinte: 3. A teoria para intervenção no patrimônio arquitetônico, inclusive no âmbito 
nacional. 
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Para isso, também é necessária a preocupação com a viabilização da iniciativa, 
além da observação da qualidade de projetos e obras, que, por sua vez, implica 
a  coerência  destas  em  relação  aos  referenciais  teóricos  e  técnicos.  Nesse 
sentido,  o  órgão  de  preservação,  na  contemporaneidade,  deve  estar  atento  a 
interferências  correlatas  à  definição  da  intervenção  como  a  prevalência  de 
valores  estéticos/estilísticos  e  “tecnicistas”,  característicos  de  práticas 
anacrônicas, a primazia da imagem do novo, em detrimento à preexistência, etc.  

Não  obstante  essa  tarefa,  a  Fiscalização  também  deve  observar  aspectos 


correlatos à gestão da intervenção (advertindo‐se que, não necessariamente, a 
mesma tem a função de gerenciadora), como a especialização da mão de obra 
envolvida  nos  projetos  e  obras,  a  qualidade  dos  serviços,  o  comprimento  de 
prazos, etc. Ou seja, pressões que são da ordem dos interesses econômicos e 
políticos, mas que também são provenientes da carência de capacitação e de 
sensibilização (discutidas mais a seguir), que implicam o distanciamento teórico 
da prática da intervenção e podem prejudicar a preservação do patrimônio.  

O PPCM registra, no artigo 54, que na realização de ações de “Conservação” o 
IPHAN deve buscar:  

I.  Qualificar  as  intervenções,  considerando  a 


necessidade  de  adequação  do  patrimônio  cultural 
material  às  necessidades  contemporâneas,  visando 
garantir seu uso e sua apropriação social;  
II.  Valorizar  os  sistemas  e  técnicas  tradicionais  e  os 
detentores  dos  saberes  relacionados  a  essas  práticas, 
fomentando  o  conhecimento,  aperfeiçoamento 
tecnológico e a qualificação de profissionais;  
III.  Registrar  e  disseminar  o  conhecimento  gerado  a 
partir das ações de conservação; e  
IV.  Fomentar  a  atuação  em  rede  entre  instituições 
públicas  e  privadas  e  profissionais  da  área  de 
conservação,  com  vistas  à  ampliação  do  campo  de 
conhecimento  e  atuação  e  ao  desenvolvimento  de 
pesquisas de tecnologia e inovação. (IPHAN, 2018, p. 43‐
44). 

Portanto,  o  órgão  de  preservação  tem  uma  contribuição  significativa  a 


acrescentar  à  coerência  da  intervenção,  sobretudo  quando  desempenha  sua 
função de forma mais colaborativa e orientadora. Entretanto, por vezes, esses 
técnicos  podem  ter  suas  ações  minimizadas  (principalmente  em  grandes 
empreendimentos),  além  de  enfrentar  dificuldades  estruturais,  como  a 
sobrecarga de trabalho e a carência de logística necessária ao cumprimento de 
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suas  tarefas106.  Essas  interferências  têm  sido  reforçadas  por  diversos  autores. 
Entre eles, José Carlos Durand (2013), que ressalta o deficit de investimentos na 
preservação  do  patrimônio  cultural  nacional,  além  de  um  deficit  relativo  ao 
quadro técnico da estrutura organizacional do principal órgão de preservação 
federal,  que  é  o  IPHAN.  Enfim,  no  panorama  contemporâneo  da  preservação 
nacional, a “desvalorização” da autarquia é latente, e essa conjuntura acaba por 
contribuir, ainda que indiretamente, para o distanciamento entre a teoria e a 
prática da intervenção no patrimônio. 

 Grupos sociais 

Aqui se consideram os grupos sociais como os membros da sociedade que se 
relacionam  com  o  bem,  conferindo‐lhe  sua  condição  de  referência  para 
preservação (exclusive os órgãos de preservação, já abordados, bem como os 
agentes  envolvidos  diretamente  com  o  desenvolvimento  da  intervenção, 
tratados mais a seguir).  

A  Restauração  é  feita  para  os  usuários  dos  objetos: 


aqueles  para  quem  esses  objetos  significam  algo, 
aqueles  para  quem  esses  objetos  desempenham  uma 
função  essencialmente  simbólica  ou  documental,  mas 
talvez também de outros tipos. (VIÑAS, 2003, p. 176). 

Logo, os interesses dos grupos sociais no âmbito da intervenção no patrimônio 
arquitetônico abarcam, além da própria preservação do bem, a salvaguarda de 
suas práticas sociais, memoriais e seus laços de identidade cultural. Desse modo, 
a prática social como discurso político é um dos objetos de atenção dos grupos 
sociais,  principalmente  os  locais.  Inclusive,  como  reivindicação  por 
representatividade em relação à arquitetura mais popular, “não patrimoniável”. 
Nesse caso, as pressões ou interferências que são impostas aos grupos sociais 
que,  por  sua  vez,  contribuem  para  o  distanciamento  teórico  da  prática  da 
intervenção,  são  fatores  que  dificultam  a  participação  e  a  representatividade 
desses.   

Outro interesse dos grupos sociais na intervenção é seu potencial de promover 
desenvolvimento  econômico,  social  e  cultural.  Com  efeito,  quando  essas 
iniciativas são conduzidas de forma sustentável, elas incrementam a geração de 
renda.  Todavia,  uma  das  interferências  nesse  processo  que  afeta  os  grupos 
sociais locais é o deslocamento imposto pela valorização imobiliária. Isso ocorre 
principalmente  em  grandes  projetos  de  reurbanização,  mobilizados  pela 
 
                                                             
 
106
 A  recente  Carta  de  Fortaleza  (2017)  registra  que  a  continuidade  do  trabalho  de 
salvaguarda  do  IPHAN  “[...]  encontra‐se,  atualmente,  ameaçada  pela  crescente 
insuficiência de estrutura institucional, recursos humanos e financeiros; pela ausência de 
qualificação  técnica apropriada de alguns ocupantes de cargos estratégicos e de gestão; 
[...].”  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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indústria cultural, que interrompem práticas sociais relacionadas com o bem e 
com  o  território,  incorrendo  em  severos  custos  sociais,  políticos  e  culturais  e 
contribuindo para o distanciamento entre a teoria e a prática. 

Por último, outro interesse dos grupos sociais na intervenção é o do consumo 
cultural. O direito de “produzir e consumir cultura”, conforme afirma Fonseca 
(2009, p. 76), deve ser irrestrito a todos os grupos sociais. Assim, as discrepâncias 
estruturais econômicas e também socioculturais de nosso país são impedimento 
para esse tipo de “prática social” do patrimônio que também gera identificação. 
Por  outro  lado,  o  direcionamento  da  intervenção  para  o  consumo  pode 
contribuir para a incoerência da intervenção em relação à teoria. 

Portanto, a contribuição mais significativa que os grupos sociais locais e regionais 
acrescentam à coerência da intervenção é a sua participação neste processo. Por 
isso,  seu  eventual  desinteresse  pode  ser  uma  interferência  que  favorece  o 
distanciamento teórico dessa ação. De modo geral, as pressões e interferências 
nesse sentido são da ordem da desarticulação entre as esferas de proteção, da 
descontinuidade de programas, da carência de recursos financeiros, etc. Ou seja, 
da insuficiência de interesses políticos e técnicos. 

No domínio do privado: 

 Empreendedor 

O empreendedor é um dos agentes envolvidos no processo de intervenção. Seu 
interesse é a viabilização do empreendimento. Ele pode ser um agente privado 
ou  público  proprietário  ou  não  do  bem.  Quando  a  iniciativa  é  pública,  o 
empreendedor  é  representado  pelo  respectivo  setor  de  governo.  Quando  é 
privada, ela também acaba por envolver o capital público oriundo de programas 
de  incentivo  à  cultura  ou  de  renúncia  fiscal,  conforme  visto  anteriormente. 
Patrícia  Nahas  (2015)  identifica  o  perfil  do  empreendedor  na  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico em âmbito nacional:  

A solicitação para a intervenção em uma preexistência, 
nas  últimas  três  décadas  no  Brasil,  está  associada  ao 
setor  público,  em  geral  aos  órgãos  municipais.  Em 
menor  escala,  vemos  a  iniciativa  privada,  como,  por 
exemplo,  a  Fundação  Roberto  Marinho,  operando  em 
prol do patrimônio nacional. (NAHAS, 2015, p. 244). 

Cabe  ressaltar  que  essa  pode  ser  a  realidade,  tratando‐se  de  intervenções  de 
médio  e  grande  porte.  Para  o  empreendedor  desses  segmentos,  tanto  da 
iniciativa pública quanto da iniciativa privada, o marketing cultural advindo com 
a ação de preservação do patrimônio arquitetônico é um fator de interesse.  E o 
uso escolhido para o bem é uma condição decisiva, inclusive no que se refere à 
visibilidade  da  iniciativa.  Ele  é  normalmente  pré‐determinado  por  demandas 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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político‐econômicas,  obedecendo  ao  padrão  recorrente  dos  usos  culturais, 


principalmente em centros urbanos históricos. 

Assim,  o  empreendedor  desse  porte  costuma  ter,  no  âmbito  da  definição  da 
intervenção, especial interesse em ferramentas que visam ao consumo cultural, 
como a imagem/estética, fragmento da história e da arquitetura do patrimônio 
/ dimensão plástico‐formal para visibilidade, e como o novo para o impacto. No 
âmbito  da  gestão  do  processo  de  intervenção,  ele  tem  como  interesse  a 
qualidade das ações de projeto, de planejamento, de controle e de execução da 
intervenção;  correlatas  aos  custos  e  prazos  necessários  à  viabilização  do 
empreendimento.  

Ainda  no  âmbito  da  gestão,  as  interferências  promovidas  pelo  empreendedor 
público ou privado, que podem ser associadas ao problema do distanciamento 
teórico na prática da intervenção, são normalmente da ordem da carência da 
gestão sistêmica. No caso da atuação do empreendedor público, pode‐se dizer 
que uma interferência é a minimização da atuação dos órgãos de preservação 
do  patrimônio.  No  caso  de  obras  privadas,  uma  interferência  recorrente  na 
gestão é a prática de fragmentar e desarticular etapas de intervenção, a fim de 
viabilizá‐la. Embora essa estratégia possa ser menos danosa do que deixar de 
prover  a  intervenção,  ela  também  contribui  para  uma  menor  eficiência  do 
processo, já que pode implicar a duplicação de custos de mobilização ou mesmo 
de serviços; afora os potenciais danos à matéria original do bem.  

Tal  conjuntura  não  é  exclusiva  das  obras.  A  desvalorização  do  Projeto  de 
Intervenção é outra interferência promovida pelo empreendedor, no âmbito da 
gestão, e também abarca as tomadas de decisão para a intervenção. Isso ocorre 
principalmente  quando  o  Projeto  é  visto  como  uma  ação  burocrática,  sendo 
contratado somente os produtos exigidos pelos órgãos de preservação, às vezes 
à mão de obra não especializada. Assim, ele fica comprimido entre as fases de 
um  projeto  global  e,  portanto,  descontextualizado  de  sua  função.  Nessa 
conjuntura, os processos de investigação a respeito da significação conferida por 
grupos  sociais  locais  não  ocorrem.  Por  conseguinte,  o  projeto  acaba  por  ser 
superficial ou sistematicamente subutilizado. Essas interferências são da ordem 
da carência de sensibilidade quanto à relevância do Projeto de Intervenção e, 
por fim, da importância da preservação do patrimônio arquitetônico.   

Ressaltamos que existem vantagens e desvantagens em 
intervenções  que  têm  clientes  públicos  e/ou  privados: 
com os primeiros, existe a facilidade de tramitação dos 
projetos  para  aprovação  dentro  dos  órgãos  de  tutela 
(quando é o caso), e o valor de investimento geralmente 
é mais alto. Por outro lado, existe a burocracia dos entes 
administrativos  da  qual  os  arquitetos  estão  livres 
quando  trabalham  com  clientes  privados.  Os  clientes 
públicos  também  detêm  os  meios  de  manutenção  do 
monumento  mais  eficazes,  pois  podem  instituir  leis  e 
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117 
 

decretos  de  proteção  do  entorno,  de  mudanças  de 


sistema  viário,  melhorias  na  paisagem  adjacente  ao 
monumento  no  qual  se  está  intervindo,  algo  que  não 
acontece com a inciativa privada. (NAHAS, 2015, p. 249). 

De  fato,  quando  o  empreendedor  é  público,  existe  a  possibilidade  de  que  a 


intervenção  abarque  não  somente  a  edificação,  mas ainda  observe  o  entorno 
imediato e as relações que se estabelecem com o território. Por outro lado, a 
fragmentação das ações é igualmente recorrente nas práticas dos governos em 
âmbito nacional e isso contribui para o distanciamento teórico da intervenção. 

Sendo assim, a postura do empreendedor assume considerável relação com a 
coerência  teórica  da  intervenção.  De  modo  que  sua  atuação  também  sofre 
interferências. No caso da iniciativa privada, em particular dos proprietários de 
bens de pequeno porte, a carência de recursos para demandas de conservação, 
que  já  implicam  custos  significativos  para  essa  realidade,  ou  mesmo  para  as 
intervenções  de  maior  monta,  representam  uma  aguda  interferência.  Nessas 
condições,  a  intervenção  não  ocorre  e  o  bem  fica  entregue  à  degradação,  ou 
ocorre de maneira amadora, à revelia de qualquer coerência teórica e técnica.  

Não obstante, Maria Cecília Londres Fonseca (2005, p. 38‐40) chama a atenção 
para  o  fato  de  que  os  interesses  do  proprietário  privado,  na  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico, são premidos pelo “duplo exercício de propriedade”. 
A autora frisa que “[...] os bens tombados se convertem, em certo sentido, em 
propriedades  da  nação,  embora  não  percam  seu  caráter  de  mercadorias 
apropriáveis individualmente.” O Estado utiliza o poder coercitivo por meio de 
ação  mais  direta  imposta  pela  obrigação  legal  estabelecida  no  Código  Civil 
Brasileiro,  no  qual  o  “[...]  direito  de  propriedade  sobre  as  coisas  não  se  pode 
contrapor  a  outros  valores,  não  econômicos,  de  interesse  geral,  e,  por  isso,  o 
exercício  desse  direito  é  tutelado  pela  administração  pública.”  Isso  gera  “[...] 
uma  série  de  problemas,  pois  o  exercício  de  um  tipo  de  propriedade  limita 
necessariamente  o  exercício  do  outro.”  Tal  fato  ocorre,  sobretudo,  porque  o 
bem para pequenos proprietários também costuma ser meio de subsistência e 
único patrimônio financeiro.  

 Arquiteto/projetista 

O  arquiteto  é  outro  dos  agentes  envolvidos  no  processo  de  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico. Ele é responsável pelo desenvolvimento do Projeto de 
Intervenção, cabendo‐lhe planejar e acompanhar sua execução, de forma atenta 
à logística intricada e também à pós‐execução. Esse é um projeto complexo que 
infere  sobre  sistemas  construtivos  e  materiais  diferenciados,  custos  elevados, 
prazos estendidos e mão de obra especializada.  

O arquiteto tem como interesses mais imediatos as informações necessárias à 
sua tarefa de projetar, de acordo com a fundamentação teórica a respeito da 
arquitetura e da restauração. Esta última estabelece que, para a intervenção, é 
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metodologicamente necessária a atribuição do valor patrimonial ao bem, com o 
reconhecimento da significação conferida pelos grupos sociais locais, somada à 
sua  significação  material.  Tal  interpretação  do  patrimônio  costuma  ser  um 
desafio à prática do projetista na realidade nacional, sobretudo, no âmbito da 
iniciativa privada. Como já citado, não são normalmente disponibilizadas verbas 
nem prazos para a pesquisa junto aos grupos sociais, quando se desenvolve o 
Projeto  de  Intervenção.  Essa  é  uma  interferência  da  ordem  da  carência  de 
sensibilização  quanto  à  importância  dessa  demanda,  tanto  da  parte  do 
empreendedor, conforme já discutido, quanto da parte do projetista.  

Em função disso, a apuração da significação junto aos grupos sociais acaba por 
ser pouco reconhecida e pouco trabalhada, como um dado contundente para a 
intervenção. Ademais, a insuficiência de conhecimento sobre a significação do 
bem  e  do  seu  território  contribui  para  a  atribuição  de  valores  genéricos, 
superficiais  e  também  tecnicistas.  Tal  dinâmica  configura  uma  flagrante 
interferência  que  contribui  para  o  distanciamento  teórico  da  prática  da 
intervenção, em relação ao campo disciplinar da restauração, a que o arquiteto 
é submetido ou, por vezes, promove.   

De  fato,  o  processo  de  desenvolvimento  do  Projeto  de  Intervenção  abrange 
diversos produtos que não existem em um Projeto de Arquitetura comum. Entre 
os que têm especial correlação com a coerência teórica da intervenção, estão os 
referentes às etapas de Conhecimento do Bem e de Diagnóstico, que fornecem 
informações acerca da edificação e de seu estado de conservação. Incluam‐se 
ainda  as  Especificações  Técnicas  de  Materiais  e  Serviços  que  descrevem  o 
conjunto  de  operações  e  procedimentos  de  execução,  especificam  materiais, 
técnicas, etc.107. Esses e outros produtos que compõem o Projeto de Intervenção 
tratam de ações que são particulares ao âmbito da restauração e também de 
outras  necessárias  ao  empreendimento  de  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico.  

Nos  empreendimentos  de  restauração,  tal  como  em 


quaisquer  outros,  a  ocorrência  de  fatores  que 
contribuam para a redução da qualidade dos produtos 
projetuais  como:  erros  de  compatibilização;  de 
detalhamento  por  desconhecimento  dos  sistemas 
construtivos; de não formalização do levantamento de 
dados e legislação; de não interação entre os projetistas, 
as  fases  de  projeto  e  a  produção,  comprometem  a 
qualidade dos projetos e consequentemente das obras. 
Contudo,  nas  iniciativas  de  restauro  os  efeitos  são 

 
                                                             
 
107
 Ver  quadro  2 –  Produtos  do  Projeto  de  Intervenção,  no  item:  4.3  Intervenções  nos 
megaeventos  do  Rio,  em  que  são  listados  os  produtos  que  compõem  um  Projeto  de 
Intervenção, de acordo com o Manual de projetos do IPHAN (IPHAN, 2005). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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119 
 

agravados. (CSEPCSÉNYI, 2006, p. 153). 

Por  certo,  interferências  que  impactem  na  coerência  desses  produtos  podem 
implicar  o  retrabalho  na  intervenção  e  perdas  à  matéria  original  do  bem, 
constituindo ameaça potencial ao patrimônio na qualidade de referência para a 
preservação. Logo, a coerência teórica, bem como a qualidade técnica do Projeto 
de Intervenção devem ser interesses do projetista. Isso se aplica igualmente à 
gestão estratégica sistêmica do projeto e também da intervenção propriamente 
dita,  abarcando  ações  de  planejamento  e  de  controle,  atentas  ao 
sequenciamento,  ritmo  e  demandas  particulares  desse  empreendimento 
especial 108 .  Interferências  nessa  gestão  também  podem  contribuir  para  o 
distanciamento teórico da intervenção. 

Nesse  contexto,  outro  interesse  do  arquiteto  é  quanto  aos  intervenientes 


internos  (clientes)  do  projeto.  Nesse  caso,  às  necessidades  e  expectativas  de 
seus usuários, direcionadas às condições de uso do prédio e também às práticas 
sociais do patrimônio. Se as práticas dos grupos sociais locais, mais próximos ao 
bem, são desvinculadas de seu suporte material – a edificação –, configura‐se 
uma  interferência.  Outra  ingerência  se  dá  quando  a  significação  conferida  à 
preexistência é ignorada ou minimizada em prol da “autorreferência” do autor 
do  projeto,  por  meio  do  novo  “anexado”  ao  edifício  histórico  como  forma  de 
impacto, subjugando‐o. Ambas às interferências são da ordem da carência de 
sensibilidade quanto ao objeto a ser preservado ou, talvez, da insuficiência de 
conhecimentos  técnicos,  e  se  aproximam  da  incoerência  teórica  quanto  ao 
referencial do campo disciplinar da restauração109. 

Com  efeito,  a  questão  da  capacitação  dos  projetistas  é  uma  interferência 


importante na prática da intervenção do patrimônio arquitetônico. O referencial 
do campo disciplinar da teoria e da técnica de restauração (princípios teóricos, 
metodológicos  e  técnico  operacionais),  por  vezes,  é  superficial.  Essa  condição 
ainda se agrava com a deficiência de conhecimento a respeito do próprio bem e 
 
                                                             
 
108
 “A  filosofia  de  gestão  do  empreendimento  de  restauração  de  edifícios  tombados  é 
baseada  em  princípios  da  gestão  do  processo  de  projeto  tais  como:  a  engenharia 
simultânea  (com  a  participação  multidisciplinar  e  integrada,  com  a  contratação  dos 
profissionais pelo perfil, com o planejamento para produção); a gestão e coordenação 
(com a gestão da informação, a sensibilização para o valor do bem e para a qualidade, 
com a visão global do projeto – empreendimento); o controle da qualidade e a gestão do 
conhecimento  (com  a  valorização  do  Diagnóstico,  do  acompanhamento  da  obra,  do 
acompanhamento de uso e da produção do manual de uso e manutenção); e a definição 
dos intervenientes (com a participação precoce, com a participação do representante do 
órgão de proteção, com a valorização do Gerente de Projetos e do Gerente de Produção). 
(CSEPCSÉNYI, 2006, p. 146).  
109
 A questão da autorreferência na intervenção no patrimônio arquitetônico em âmbito 
nacional  é  discutida  no  capítulo  seguinte.  Ver  item:  3.3  Posturas  teóricas  na  prática 
brasileira. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
120 
 

com  a  insuficiência  de  prazos  e  verbas,  fatores  inerentes  à  conjuntura  de 


“desvalorização”  do  Projeto  de  Intervenção  observada  na  realidade  nacional. 
Nesse  mesmo  sentido,  Giovanni  Carbonara  (2013)  defende  que,  de  maneira 
geral, um dos maiores problemas dos projetistas contemporâneos é a deficiência 
de conhecimento sobre o bem, pois isso provoca uma lacuna entre a cognição e 
a criatividade. 

Graças  à  flagrante  carência  de  conhecimento 


aprofundado a respeito do bem, somada à insuficiência 
de  domínio  dos  processos  envolvidos  na  restauração, 
são  frequentes  as  falhas  de  projeto,  inclusive 
decorrentes  de  informações  que  não  puderam  ser 
obtidas anteriormente às obras e que acabam por surgir 
no decorrer do empreendimento. Observamos que tais 
imprevistos podem acontecer, contudo, em se tratando 
de iniciativas onde há o planejamento e o ordenamento 
advindo  do  sistema  de  gestão,  os  erros  podem  ser 
evitados, ou melhor, solucionados. (CSEPCSÉNYI, 2006, 
p. 154).  

Falhas de projeto que costumam envolver diretrizes desconexas, especificações, 
orçamentos  e  cronogramas  inadequados,  entre  outros 110 .  Portanto,  várias 
informações  e  decisões  que  devem  compor  o  Projeto  de  Intervenção  e  são 
frequentemente  ignoradas  ou  postergadas  para  a  etapa  das  obras.  Nessas 
intervenções incoerentes, ou mesmo superficiais em relação ao campo teórico 
disciplinar, o conhecimento deixa de oferecer coerência, confiabilidade e coesão 
à prática, que passa a ser quase unicamente empírica. Em meio a essa dinâmica, 
a intervenção pode ser contraditória por se apoiar em juízos equivocados, ou 
omissos,  direcionados  ao  senso  comum  e  abstendo‐se  da  crítica;  ou,  ainda, 
subjetivos, dirigidos a atender ao desejo de vontade. Ou seja, interferências e 
pressões  que  são  da  ordem  de  interesses  outros,  que  não  priorizam  a 
preservação do bem como referência cultural. Consequentemente, conforme já 
citado, isso aumenta custos e prazos e pode infligir perda ao patrimônio.  

Ainda no âmbito da gestão dos recursos, um dos interesses do projetista deve 
ser  que  os  diversos  agentes  envolvidos  nesse  processo  de  produção  possuam 
especialização, no setor e em outros contíguos, e que sejam agregados desde as 
fases  mais  precoces,  de  acordo  com  a  compreensão  global  multidisciplinar  e 

 
                                                             
 
110
 A Política de Patrimônio Cultural Material registra no artigo 52: “São instrumentos de 
Conservação e Gestão do patrimônio cultural material: I. As Diretrizes de Conservação; 
II. Os Planos de Conservação; e III. Os Diagnósticos e projetos específicos.” (IPHAN, 2018, 
p. 43). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
121 
 

sistêmica  da  intervenção,  já  apregoada  nas  Cartas  patrimoniais  há  algum 
tempo111. Conforme Beatriz Kühl (2006) afirma, 

[...]  as  ações  de  preservação  não  deveriam  prescindir, 


jamais,  da  história  e  historiografia,  e  os  profissionais 
atuantes  na  preservação,  mesmo  não  sendo  todos 
historiadores, deveriam possuir uma "visão histórica" e 
sólida formação no campo – para entender e respeitar 
aquilo  que  é  relevante  do  ponto  de  vista  histórico‐
documental, [...] (KÜHL, 2006, p. 17). 

Portanto,  mesmo  os  projetos  complementares  devem  ser  desenvolvidos  por 


profissionais  sensibilizados  para  esse  tipo  de  ação  e  devem  se  amparar  nos 
documentos particulares às etapas de Conhecimento do Bem e de Diagnóstico, 
que  devem  conter  sólidas  informações  sobre  o  objeto  físico  e  histórico  de 
trabalho. Além disso, é essencial o intenso envolvimento da equipe de projeto 
com a execução da obra, de modo que possa haver a mesma continuidade crítica 
em  decisões  que  tiverem  de  ser  tomadas.  Afinal,  o  projeto  antevê  e  planeja 
ações para a intervenção, mas o bem já existe e reserva dados que acabam por 
ser investigados somente durante as obras. Tal conduta contribui para a coesão 
e coerência teórica da intervenção. 

Dessa forma, é fundamental a capacitação técnica no sentido da especialização 
dos  profissionais  envolvidos  com  a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico. 
Capacitação  que,  de  fato,  é  imprescindível  ao  exercício  de  qualquer  atividade 
profissional. No entanto, no caso da formação do arquiteto em nossa realidade, 
principal agente responsável pelo desenvolvimento do Projeto de Intervenção,  

[...] não há uma efetiva compreensão das características 
do restauro como campo disciplinar e dos instrumentos 
que  lhe  são  próprios;  a  formação  que  está  sendo 
oferecida  aos  futuros  arquitetos‐urbanistas  é,  desse 
modo, no geral, insuficiente para abordar os problemas 
extremamente  complexos  colocados  por  obras  e  por 
ambientes de interesse para a preservação, que exigem 
preparo  e  consciência  da  necessidade  de  trabalhar  de 
maneira  fundamentada  e  por  meio  de  processos 
multidisciplinares. (FARAH, 2012, p. 263). 

Contudo,  Ana  Farah  (2012)  ressalva  que  a  obrigatoriedade  dos  conteúdos  de 
preservação no curso de graduação de Arquitetura é recente, de 1996. Ademais, 
a carga horária também é reduzida. Sobre esse tema, Kühl (2008, p. 112) defende 

 
                                                             
 
111
 A Carta de Veneza (1964) já registrava o caráter multidisciplinar da ação de restauro. 
“A conservação e a restauração dos monumentos constituem uma disciplina que reclama 
a colaboração de todas as ciências e técnicas que possam contribuir para o estudo e a 
salvaguarda do patrimônio monumental.”  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
122 
 

que a restauração do patrimônio arquitetônico “[...] é campo de alta formação, 
em que deveria ser exigida uma preparação de pós‐graduação, como ocorre com 
a medicina.”  

Nesse contexto, Nahas (2015, p. 251) acrescenta que, mesmo na Itália, “que tem 
como tradição o ensino de restauro”, vem se debatendo o tema da formação do 
arquiteto. Já no Brasil, esse debate parece ser incipiente, quando se observa que, 
de modo geral, a formação teórica do corpo técnico costuma ser insuficiente na 
prática profissional do setor, inclusive na pós‐graduação. A relação entre a teoria 
e a prática se mostra deveras frágil, sobretudo, tratando‐se de conhecimentos 
operacionais específicos como aqueles sobre materiais e sistemas construtivos 
históricos e, consequentemente, técnicas de intervenção. Em função disso, itens 
de suma importância no Projeto de Intervenção, que são produtos de expertise, 
como  as  Especificações  Técnicas  de  Materiais  e  Serviços,  apresentam 
frequentemente  baixa  qualidade  e,  portanto,  incoerência  ou  superficialidade 
técnica. 

 Construtor 

O construtor é o interveniente envolvido com a execução propriamente dita da 
intervenção.  Seus  interesses  mais  imediatos  são  as  condições  para  essa 
empreitada e os recursos que possam reduzir custos, prazos e mão de obra, além 
de assegurar a qualidade dos serviços.  

Nesse  contexto,  uma  interferência  para  a  qualidade  da  obra,  pertinente  à 


coerência  teórica  dessas  ações,  dá‐se  quando  o  construtor  e/ou  seus 
colaboradores  não  são  sensibilizados  para  a  preservação  dos  valores  e 
significados  particulares  do  patrimônio  arquitetônico.  Essa  conjuntura,  que 
envolve a gestão da aquisição, associa‐se novamente à questão da capacitação 
técnica dos profissionais. No mesmo sentido, mas no âmbito particular da gestão 
da obra, que envolve o planejamento, o controle e a execução, uma interferência 
comum  praticada  pelo  construtor  é  a  carência  de  visão  global  e  sistêmica  do 
empreendimento.  Essas  qualidades  possibilitariam  integrar  as  múltiplas 
especialidades e especificidades, algumas vezes até conflitantes, do processo de 
intervenção. (CSEPCSÉNYI, 2006). 

Com efeito, Kühl (2008, p. 112) afirma que em nossa realidade “[...] tampouco 
existe  um  quadro  suficiente  de  mão‐de‐obra  e  de  empresas  verdadeiramente 
qualificadas  para  trabalhar  no  setor,  [...].”  Vários  fatores  colaboram  para  a 
contratação  de  mão  de  obra  pouco  capacitada.  Nesse  caso,  vale  pontuar  a 
questão  da  Lei  8666/93  do  Governo  Federal,  que  regulamenta  contratos  da 
administração  pública.  Essa  lei  tem  sido  interpretada  como  se  a  condição 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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123 
 

exclusiva para a contratação do construtor fosse o menor preço da proposta112. 
Outros  expedientes  podem  ser  tomados  para  conciliar  custo,  técnica  e 
qualidade, como a exigência de Atestados Técnicos de capacitação, nos Termos 
de Referência. Entretanto, essa estratégia pode redundar na chamada “licitação 
fracassada”, que ocorre quando todos os interessados são desclassificados. Tal 
fato também pode ser uma evidencia da baixa capacitação dos prestadores de 
serviços. 

Nesse sentido, convém ressaltar que os custos apropriados pelo projeto devem 
ser  adequados,  de  modo  a  que  exigências  restritivas  constante  dos  Termos 
encontrem respaldo na remuneração condizente às obras e à especialização das 
empresas.  Caso  não  sejam  adequados,  pode  não  haver  interessados  nesses 
processos de contratação, conformando a chamada “licitação deserta”.  

A Lei 8666/93 também favorece outra interferência que afeta a coerência teórica 
da intervenção: a contratação de obras com o Projeto de Intervenção em nível 
somente  de  projeto  básico.  O  projeto  nessa  fase  é  deveras  superficial  para  a 
definição  e  detalhamento  de  serviços  que  requerem  tamanha  especialização, 
como os de restauro, ainda mais para uma apropriação adequada dos custos. Em 
nossa  realidade,  os  orçamentos  nos  Projetos  de  Intervenção  costumam 
apresentar diversos problemas, inclusive, decorrentes, inclusive, da inexistência 
de  insumos  específicos  nas  tabelas  requeridas  nos  sistemas  de  contratação 
pública.   

Essa  conjuntura  de  interferência  para  a  coerência  teórica  da  intervenção  se 
agrava com a criação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), 
implemento  pela  Lei  12.462  de  04  de  agosto  de  2011,  em  caráter  provisório, 
como instrumento mais adequado à celeridade necessária às contratações para 
a  realização  da  Copa  das  Confederações  e  do  Mundo,  de  2013  e  2014,  e  das 
Olimpíadas e Paraolimpíadas, de 2016. O instrumento sofreu vários acréscimos, 
por meio de lei e de medida provisória, e permaneceu vigente, estabelecendo 
no art. 9º a “contratação integrada”, que abarca, na execução de obras e serviços 
de  engenharia,  a  elaboração  e  o  desenvolvimento  dos  projetos  básico  e 
executivo  (BRASIL.  PRESIDÊNCIA  DA  REPÚBLICA,  2011).  Ou  seja,  é  necessário 
somente o anteprojeto para a contratação de obras.  

Com  base  nessa  amostra  dos  intervenientes  envolvidos  com  o  complexo 


exercício  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  em  âmbito  nacional, 
pode‐se observar que são muitas as interferências que contribuem para a sua 
superficialidade  e  incoerência  teórica/técnica.  O  resultado  disso  são  ações 

 
                                                             
 
112
 LEI 8666 de 21/06/1993 regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, 
institui  normas  para  licitações  e  contratos  da  Administração  Pública  e  dá  outras 
providências. 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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124 
 

malsucedidas que implicam o retrabalho, a perda da matéria remanescente do 
patrimônio, novos custos (inclusive do capital público financiador) e a dilatação 
de prazos (que já são longos pela natureza artesanal e intricada das ações).  

Já as causas para tal dinâmica podem ser diversas e abranger pressões de ordem 
econômica,  no  caso  do  empreendedor  privado,  no  sentido  de  buscar  a 
viabilização financeira da intervenção e, no caso do projetista e do construtor, 
no  intuito  de  reduzir  custos.  Pode  ainda  haver  pressões  de  ordem  político‐
populista, no caso de órgãos de preservação premidos para reduzir exigências e 
limitações, projetistas e mesmo construtores, no sentido de priorizar decisões 
que  conferem  visibilidade  à  intervenção,  sobretudo  em  se  tratando  de 
empreendimentos públicos de maior monta.  

Essas condições podem extrapolar o caráter executivo e assumir uma dimensão 
que não é condizente com o exercício profissional. Nesses casos, a intervenção 
no patrimônio arquitetônico pode ser guiada por juízos antiéticos, tendenciosos, 
direcionados a atender aos interesses que não têm como premissa a preservação 
do  patrimônio  como  referência  e  ocorrem  em  detrimento  à  coerência 
teórica/técnica do campo disciplinar. Interesses e interferências que ocorrem na 
prática  da  intervenção,  implicando  perigos  ao  patrimônio  listados  por  Flávio 
Carsalade (2007, p. 98): 

  “Perigo historicista” ocorre quando o contexto é colocado no lugar do 
texto, ou seja, quando se tenta entender o bem patrimonial não como 
ele se apresenta hoje, mas como “ele era e se portava no contexto onde 
ele nasceu”. 
 “Perigo psicológico” ocorre quando se tenta interpretar a intenção do 
autor ou o espírito da época, “[...] em uma forma de cogenialidade que 
é mais pretensiosa do que possível.”  
 “Perigo objetivista” ocorre quando se procura derivar o sentido do bem 
a  ser  interpretado  fundamentado  apenas  nele  próprio,  “tornando‐o 
independente do autor, do contexto e do intérprete”. 
 “Perigo  relativista”  é  próximo  ao  historicista  e  ocorre  quando  “[...] 
obliteramos  nosso  modo  próprio  de  interpretação  pela  tentação  de 
relativizar sempre a obra ao seu contexto original.”  
 “Perigo  subjetivista”  ocorre  quando  prevalece  a  interpretação  do 
restaurador  no  processo  de  intervenção,  minimizando  a  historicidade 
do bem para fazer valer sua própria intencionalidade. 
 “Perigo  positivista”  ocorre  quando  se  tenta  utilizar  na  intervenção 
apenas o método científico.  
 “Perigo  idealista”  ocorre  quando  prevalece  o  culto  à  imagem  ou  à 
matéria  “[...]  como  se  elas  fossem,  respectivamente,  os  centros  da 
expressão artística ou da historicidade do objeto.”  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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125 
 

 “Perigo do senso comum” ocorre quando a superficialidade do gosto ou 
do juízo comum prevalece na intervenção.  

De todos estes, o perigo historicista é o associado pelo autor às dinâmicas da 
indústria  cultural,  por  conduzir  a  uma  “apropriação  excessivamente  setorial”, 
com  potencial  de  promover  o  fachadismo  e  a  homogeneização  (CARSALADE, 
2007, p. 98). No entanto, o perigo subjetivista, por sua intencionalidade, o perigo 
idealista,  pelo  culto  à  imagem,  e  o  perigo  do  senso  comum,  pelo  interesse 
direcionado  ao  público,  também  têm  profunda  relação  com  as  posturas 
contemporâneas  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  praticadas  pela 
indústria cultural. Com efeito, os perigos e interferências, ou seja, as vicissitudes 
do  exercício  profissional  permeiam  a  prática  dos  diversos  intervenientes 
envolvidos no processo de intervenção do patrimônio arquitetônico.   

2.4 C ONSIDERAÇÕES PARCIAIS


A  globalização  e  a  industrialização  da  cultura  influenciaram  a  ampliação  do 
patrimônio  arquitetônico  no  Brasil,  porém  com  distinções  importantes  dadas 
principalmente às conjunturas políticas e culturais de nosso país. Não tivemos 
uma mobilização fetichista pela preservação, como observada na Europa. Nosso 
desejo pela preservação do passado é menos cumulativo e mais conciliatório, à 
medida que envolve o desejo por reaver um passado preterido por políticas de 
preservação anteriores. Políticas essas que foram progressivamente mudando, 
apresentando  avanços  e  retrocessos.  Por  outro  lado,  o  turismo  cultural  aqui 
exibe  características  comuns  ao  da  escala  global.  Nele,  o  patrimônio 
arquitetônico  é  aglutinado  em  um  processo  de  experimentação,  que  não  se 
restringe mais ao monumento isolado e promove associações com o lugar e a 
cultura.  

Diante  disso,  é  oportuno  sintetizar  os  entendimentos  de  alguns  conceitos 


essenciais à intervenção contemporânea no patrimônio arquitetônico no âmbito 
nacional.  O  patrimônio  material  formalizado  no  recente  PPCM  reconhece 
claramente sua dimensão sociocultural. Isso é uma aproximação mais articulada, 
atenta à significação imaterial do bem conferida pelos grupos sociais; às práticas 
sociais indissociáveis do suporte material e de sua relação com o ambiente; aos 
processos identitários; e, ainda, atenta ao objeto físico propriamente dito. Com 
base  nisso,  instrumentos  de  preservação,  como  os  lugares  de  memória, 
justificados  na  significação  e  não  necessariamente  na  integridade  física  do 
patrimônio, e a paisagem cultural, fundamentada nos laços afetivos do homem 
com o meio, são propostos ou reafirmados. Outro ponto também destacado é a 
sustentabilidade da significação conferida pelos grupos sociais locais, como meio 
de manutenção da diversidade cultural.  
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126 
 

Em face desse entendimento, a intervenção contemporânea precisa legitimar a 
significação da arquitetura histórica e do seu entorno, conferida pelos grupos 
sociais em suas práticas sociais e identidades culturais, bem como a integridade 
física  da  edificação.  Além  disso,  ela  ainda  precisa  observar  processos  de 
significação  do  patrimônio  arquitetônico  que  compreendem  conexões  com  o 
consumo e a experimentação multicultural. 

Para isso, a valoração patrimonial para a intervenção deve ser construída por 
meio  de  pesquisas  quanto  à  materialidade  do  bem  e  quanto  à  sua 
imaterialidade.  Assim,  compreendendo  a  imaterialidade  como  o  conjunto  de 
significações mais amplo, que abarca práticas sociais e construções outras, além 
das memórias, como expectativas, afirmações, etc. Logo, a valoração deve ser 
reconhecida em sua mutabilidade e também em sua multiplicidade, ocorrendo 
em seu tempo e em seu lugar.  

Por conseguinte, ela também envolve processos de ressignificação decorrentes 
de  intervenções  anteriores  no  patrimônio  arquitetônico.  Dessa  forma,  o 
processo  de  valoração  deve  primar  pelo  contato  com  o  grupo  “de 
pertencimento”  dessa  arquitetura,  de  modo  a  afastar‐se  da  supervalorização 
estilística tecnicista e também dos valores generalistas (que não são particulares 
àquele bem) ou superficiais (que não são claramente definidos). Todos eles são 
incoerentes  em  relação  ao  referencial  teórico  e  metodológico  do  campo 
disciplinar da restauração. 

Nesse sentido, um ponto acerca da valoração que merece ser mais bem definido 
no  PPCM  é  o  que  se  entende  como  “pensamento  institucionalizado  sobre  o 
tema”. Outros pontos que também demandam de atenção são os referentes à 
seleção  dos  patrimônios  arquitetônicos  a  serem  protegidos  e  os  meios 
necessários para que as novas formas de percepção do patrimônio arquitetônico 
se traduzam em novas formas de intervir.  

Objetivamente,  a  concepção  do  patrimônio  arquitetônico  se  ampliou  e  se 


atualizou  no  Brasil,  adquirindo  características  comuns  à  escala  global.  Tal 
processo pode ter sido inicialmente menos mediado pela mobilização em prol 
do  passado,  do  que  verificado  na  Europa,  mas  também  foi  orientado  pela 
dimensão  imaterial  do  bem,  que  é  sua  significação.  A  despeito  disso,  a 
significação  do  patrimônio  cultural  encontra  dificuldades  de  se  efetivar  como 
uma  componente  do  processo  de  valoração  do  patrimônio  arquitetônico  em 
nossa realidade. De modo que se pode ponderar que a prática da intervenção 
dificulta que seu discurso seja o da preexistência.  

Ainda  quanto  à  definição  dos  conceitos  e  entendimentos  necessários  à 


intervenção contemporânea no patrimônio arquitetônico, é oportuno retomar 
o  tema  da  identidade  cultural,  em  sua  relação  com  a  representatividade  dos 
grupos sociais em ambiente nacional.  
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
127 
 

O  PPCM  registra  o  reconhecimento  da  importância  da  participação  dos 


diferentes grupos sociais, que conferem significação ao bem para a preservação 
do  patrimônio.  A  manutenção  das  práticas  sociais  desses  grupos  outorga 
sustentabilidade à preservação do bem. Sendo assim, deve‐se instituir práticas 
interativas específicas para a participação popular, de acordo com a realidade de 
cada lugar. Isso inclui ações de estímulo ao envolvimento da comunidade, como 
a formação e a divulgação dos valores do patrimônio, além da consciência para 
apreciação  e  preservação.  Todavia,  “participação  popular”  não  quer  dizer 
abordar os grupos sociais como fonte de pesquisa, principalmente quando há 
um relativo “desinteresse” destes pelo patrimônio arquitetônico (se comparado 
ao patrimônio imaterial).  

Essa carência de identificação é agravada pelo tratamento tecnicista conferido 
aos bens, que enfatiza valores historicamente estéticos e monumentais, eruditos 
e  institucionalizados.  Distantes,  portanto,  de  significados  que  podem  ser 
atribuídos  pelos  grupos  sociais  locais.  Assim,  estes  podem  não  se  ver 
representados  por  essa  arquitetura.  De  fato,  de  maneira  geral,  a  produção 
arquitetônica das classes mais populares não costuma ganhar o mesmo espaço 
na hierarquia da patrimonialização, que a produção dos segmentos sociais mais 
abastados. Isso se efetiva, sobretudo, quando se carece de recursos financeiros 
para  preservação  do  patrimônio,  quando  há  desarticulação  entre  esferas  de 
preservação ou falhas de gestão, etc. Ademais, essa conjuntura não se dissocia 
das  questões  estruturais  econômicas  e  também  das  discrepâncias  estruturais 
socioculturais de nosso país. 

Em  face  disso,  pode‐se  ponderar  que  existe  um  deficit  representacional  na 
preservação do patrimônio arquitetônico no Brasil, que se refere à arquitetura 
de valor patrimonial das classes mais populares. Cabe a ressalva de que esse não 
é um deficit quantitativo. O patrimônio material, no caso do bem isolado (não 
em  conjunto),  é  o  mais  numeroso  dos  bens  tombados  pela  esfera  federal  de 
proteção, representando 74% do total, segundo dados de 2018 constantes no 
documento que encaminha o PPCM (IPHAN, 2018, p. 17)113.  

Tal conjuntura nacional aponta para certa fragilidade das identidades culturais 
locais/regionais,  construídas  por  meio  da  identificação  desses  grupos  sociais 
com o patrimônio arquitetônico. A identidade cultural local/regional é, em si, um 
discurso político representacional; quando a identificação com o bem não é um 
processo  de  prática  social  e  política,  a  identidade  torna‐se  vulnerável  à 
hibridação  cultural.  Sendo  assim,  a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico 

 
                                                             
 
113
 Segundo  o  artigo  18  do  PPCM,  entre  os  bens  culturais  imóveis,  do  ponto  de  vista 
territorial e relacional, está o “I. Bem isolado, quando a sua materialidade compreende 
um componente em uma unidade territorial;” (IPHAN, 2018, p. 36). 
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deve  legitimar  esse  processo  de  identificação,  por  meio  da  manutenção  e  do 
estímulo às práticas desses segmentos sociais.   

Apesar dessa condição, não se pode deixar de reconhecer que na atualidade há 
maior representatividade social na preservação brasileira. E, por sua vez, maior 
diversidade  do  patrimônio  cultural.  Destaca‐se  que,  quanto  mais  peculiar  e 
diverso  for  o  patrimônio,  mais  ele  é  atrativo  para  a  indústria  cultural.  Maria 
Cecília  Londres  Fonseca  (2009)  assinala  que  é  exatamente  no  contexto  do 
patrimônio plural, ou seja, da diversidade cultural, que se estabelece o desafio 
atual para a preservação. Não só à difusão do patrimônio cultural, mas também 
à sua constituição, proteção e gestão. 

Com  efeito,  entende‐se  que  a  identidade  intercultural  não  é  ilegítima.  A 


intervenção  também  pode  ser  orientada  para  a  viabilização  do  desejo  do 
consumo de cultura, propiciando experiências superficiais e rápidas que utilizam 
a imagem que é o fragmento do passado, o novo para o impacto, etc., de acordo 
com  as  práticas  da  indústria.  Essa  é  uma  identificação  provisória  correlata  a 
processos socioculturais da contemporaneidade.  

Objetivamente, a intervenção no patrimônio arquitetônico no Brasil envolve a 
imaterialidade  e  a  prática  social,  inclusive  como  discurso  político  por 
representatividade. Por outro lado, grupos sociais ainda enfrentam dificuldades 
para  serem  reconhecidos  como  produtores  de  cultura  autoconscientes  e 
também  como  seus  consumidores,  ou  seja,  sofrem  dificuldades  de  praticar 
social,  política  e  economicamente  o  patrimônio  arquitetônico.  Porque,  este 
ainda  é  valorado  por  suas  características  materiais,  afastando‐se  de  sua 
significação.  

No âmbito da dinâmica contemporânea nacional de intervenção no patrimônio 
arquitetônico, é oportuno reforçar o papel da indústria cultural, bem como do 
Estado,  identificando  características  comuns  da  prática  da  intervenção  nesse 
universo, assim como dissonâncias recorrentes.  

A indústria cultural é um agente privado do processo de produção que, no Brasil, 
utiliza  capital  de  origem  público.  Nesse  contexto,  a  “mercantilização”  do 
patrimônio é operada pela indústria do turismo cultural, que tem o potencial de 
promover  desenvolvimento  econômico  e  social.  Todavia,  ela  emprega  um 
modelo  de  preservação  globalizado  e  hegemônico,  cujos  investimentos  são 
concentrados  em  sítios  urbanos  e  grandes  equipamentos  culturais,  inclusive 
históricos. Normalmente, áreas degradadas onde o capital imobiliário promove 
“enobrecimento”, mobilizando usos e atividades comerciais culturais.  

Tais  ações  constroem  um  cenário  –  a  “cidade  empreendimento”  –,  no  qual  a 
arquitetura de valor patrimonial é uma imagem que serve como ferramenta de 
atração desse lugar destinado ao consumo visual, superficial e rápido. Por sua 
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vez,  essa  imagem  espetacular  do  patrimônio  contribui  para  a  construção  da 
imagem da cidade contemporânea. 

O modelo costuma ter um alto custo social e cultural, por força da gentrificação 
e da minimização ou extinção das práticas sociais dos grupos que são deslocados, 
pela  ausência  de  usos  que  subsidiem  a  moradia  e/ou  pela  especulação 
imobiliária.  Por  outro  lado,  quando  o  uso  residencial  e  os  demais  usos 
diversificados necessários à sua existência são promovidos como uma estratégia 
de sustentabilidade do empreendimento, são frequentemente destinados a uma 
população  de  maior  poder  aquisitivo,  de  modo  a  viabilizar  o  consumo.  Essa 
estrutura  de  produção  seriada  da  indústria  cultural  (que  promove 
“enobrecimento” e atrai consumidores “enobrecidos”) é uma força totalizante 
de  mercado,  cuja  função  econômica  impacta  na  geração  de  renda  e  serviço, 
entre outros.  

Entre as dissonâncias dos processos produtivos da indústria cultural, atreladas 
às intervenções no patrimônio arquitetônico brasileiro, estão a museificação e o 
fachadismo.  Essas  dissonâncias,  que  já  foram  comuns  no  vocabulário  da 
preservação brasileira de outrora, são revigoradas pelos interesses da indústria 
cultural. Ao passo que elas desvinculam a arquitetura de valor patrimonial, de 
parte  de  suas  características  físicas  e  de  suas  relações  com  o  lugar,  causando 
prejuízos ao documento histórico e à sua significação.  

Outra dissonância é o emprego do uso cultural, inserido no processo produtivo 
da  indústria,  como  estratégia  política  por  visibilidade,  não  tendo 
necessariamente  a  prerrogativa  da  compatibilidade  com  o  bem.  Quando  isso 
acontece, o novo uso pode se tornar um fator de alto impacto à significação e à 
integridade do patrimônio. 

O  novo  pode  ser  outra  dissonância  da  indústria  cultural.  O  novo  referente  ao 
aspecto  rejuvenescido  da  edificação  histórica  conferido  com  a  intervenção 
possui um impacto imagético atrativo para as massas e para o consumo. Por sua 
vez, o novo relativo ao acréscimo à preexistência, decorrente da adequação à 
nova  funcionalidade,  pode  assumir  grande  importância  na  imagem  do  bem. 
Nessas  circunstâncias,  ele  dispõe  do  potencial  de  prevalecer  sobre  a 
preexistência, tornando‐a “pano de fundo” e minimizando sua significação.  

Essas  dissonâncias  têm  em  comum  a  homogeneização  característica  dos 


processos produtivos hegemônicos da indústria cultural. Todavia, cabe reiterar 
que esta não representa, no âmbito da preservação do patrimônio nacional, uma 
força  motriz  na  economia,  mesmo  que  suas  ações  possam  incrementar  as 
atividades  econômicas.  A  indústria  cultural  não  conforma  um  volume  nessa 
escala  e  distribui‐se  de  forma  desigual  no  país,  concentrando‐se  em 
determinados locais, podendo apresentar resultados agudos nestes.  
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Entretanto,  o  Estado  deve  ser  particularmente  alerta  aos  setores  turístico  e 


imobiliário, no que tange à intervenção no patrimônio arquitetônico no âmbito 
de  influência  da  indústria  cultural.  Cumpre‐lhe  fazer  valer  seu  papel  de 
fomentador,  estimulando  o  desenvolvimento  socioeconômico  de  forma 
“competitiva”,  além  de  atuar  como  regulador,  primando  por  uma 
“mercantilização” do patrimônio “viável”. (Competitiva e viável como a UNESCO 
(2002) afirma na Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural.)  

Com  efeito,  a  intervenção  deve  ser  um  interesse  coletivo,  pois  o  patrimônio 
cultural é capital social. Caso contrário, o potencial de desenvolvimento social 
que  a  indústria  cultural  pode  propiciar  restringe‐se  às  dissonâncias 
características  das  ações  direcionadas  por  seus  interesses,  podendo  causar 
prejuízos ao patrimônio arquitetônico e aos grupos sociais locais.  

Objetivamente, a indústria cultural emprega ações de preservação voltadas para 
seus  interesses,  que  são  bastante  típicas  e  impactantes  no  panorama 
contemporâneo dos grandes centros históricos urbanos nacionais. Essas ações 
provocam  uma  experimentação  do  patrimônio  arquitetônico  que  é 
primordialmente um diálogo superficial, construído por meio de uma linguagem 
baseada  em  signos  midiáticos.  Imagens  voltadas  para  o  consumo  visual,  que 
destacam  normalmente  características  materiais  do  bem.  Nesse  sentido,  à 
medida  que  o  consumo  cultural  do  patrimônio  arquitetônico  promove  e  é 
promovido  pelo  fetichismo  do  status  de  consumo  “mundializado”,  com  um 
discurso homogeneizado de caráter intercultural, se propicia uma identificação 
genérica  e  também  se  reduz  o  repertório  das  intervenções.  Isso  ocorre, 
sobretudo, na ausência de condições estruturais econômicas e culturais para o 
posicionamento dos grupos sociais, no sentido de “negociarem” a “diferenciação 
cultural”.  

Cabe  enfatizar  que  a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  sucede  um 


panorama  sociocultural,  mas  também  econômico.  A  “mercantilização”  da 
cultura  é  um  dado  da  sociedade,  logo  há  um  componente  econômico  na 
preservação.  O  mercado  assume  sua  função  nessa  dinâmica  e  o  consumo  do 
patrimônio  pode  igualmente  gerar  desenvolvimento  econômico  e  social. 
Contudo,  qualquer  entendimento  de  que  há  bens  patrimoniais  com  vocação 
mais voltada para a economia, do que para a cultura, é equivocado, mesmo que 
existam  bens em  grandes  centros  urbanos  que  podem  normalmente  ser  mais 
vulneráveis à assimilação pela indústria cultural.  

Se  o  patrimônio  arquitetônico  não  for  um  meio  para  o  discurso  político,  a 
representação cultural e a prática social, as práticas da indústria cultural podem 
prevalecer  sobre  a  preexistência.  Entretanto,  ainda  que  a  intervenção  seja 
influenciada pela indústria, o patrimônio arquitetônico não é comprometido na 
qualidade  de  referência  identitária  e  histórica,  caso  o  discurso  que  prevaleça 
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com  a  intervenção  seja  o  da  preexistência,  pois  a  significação  conferida  pelos 


grupos locais e a sua prática social não é minimizada ou impedida.  

Ainda  quanto  à  dinâmica  contemporânea  brasileira  de  intervenção  no 


patrimônio  arquitetônico,  é  oportuno  destacar  o  papel  dos  principais  agentes 
imersos  nesse  processo,  seus  interesses,  assim  como  as  interferências  que 
contribuem para o distanciamento entre a prática e a teoria do campo disciplinar 
de restauração. 

Os primeiros são os órgãos de preservação: seu papel na intervenção pode ser 
resumido  ao  de  orientador  e  fiscalizador  para  a  adequada  ação  física  de 
preservação  do  bem.  Seus  interesses  são  a  salvaguarda  do  patrimônio,  pela 
manutenção  dos  significados  e  valores  atribuídos,  em  consonância  com  as 
demandas da edificação quanto à funcionalidade/manutenção. Por sua vez, sua 
ação  pode  ser  submetida  a  algumas  interferências,  como  pressões  de  ordem 
política,  carência  de  infraestrutura,  etc.,  que  podem  contribuir  para  o 
distanciamento em relação à teoria. Por outro lado, esse mesmo agente pode 
promover  interferências  na  prática  da  intervenção  que  causam  efeito 
semelhante,  à  medida  que  promovem  uma  compreensão  anacrônica  do 
patrimônio, voltada primordialmente para o objeto (uma valoração tecnicista).  

Outro agente envolvido no processo de intervenção são os grupos sociais. Eles 
são  os  sujeitos  da  preservação,  como  Lia  Motta  (2017)  os  identifica;  são  os 
grupos  sociais  que  conferem  ao  bem  a  sua  condição  de  referência  para 
preservação. Seus interesses envolvem, entre outros, a ação física no bem que 
favorece  a  prática  social,  o  reconhecimento  da  representatividade,  a  própria 
participação nesse processo, o desenvolvimento socioeconômico, bem como a 
experimentação do patrimônio como prática de consumo. A interferência a que 
grupos sociais podem ser submetidos quando da intervenção, que contribui para 
o distanciamento entre a prática e a teoria, é a inviabilização e o desestímulo às 
suas  práticas,  além  da  carência  de  representatividade.  Por  outro  lado,  a 
interferência que os grupos sociais podem promover é a não participação nesses 
processos, fruto de “desinteresse” que pode, por exemplo, ser motivado por um 
tratamento hierarquizado do patrimônio arquitetônico. 

O empreendedor também é um agente no processo de intervenção. Ele pode ser 
representado  pelo  pequeno  proprietário,  cujo  papel  é  conservar  “seu” 
patrimônio. Nesse caso, seus interesses vão desde a obtenção de fundos para tal 
demanda até a utilização do bem de acordo com suas expectativas. A principal 
interferência a que pode ser submetido no processo de intervenção é a carência 
de subsídios para efetivar a preservação do bem. Por sua vez, a interferência que 
pode  promover  é  deixar  intencionalmente  a  edificação  à  degradação,  ou 
executar uma intervenção de forma arbitrária, motivada por desconhecimento 
ou pelo entendimento do patrimônio como uma obrigação legal. 
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Outro  representante  do  empreendedor  é  o  investidor/financiador  de  grande 


porte, que observa o patrimônio arquitetônico principalmente em sua dimensão 
econômica  ou  política,  buscando  notoriedade.  Seus  interesses  na  intervenção 
são:  a  redução  de  custos  e  de  prazos,  normalmente  dilatados  em  tal  ação;  a 
autonomia,  com  a  minimização  das  exigências  e  limitações  que  decorrem  da 
ação no patrimônio cultural; entre outros. Ou seja, interesses semelhantes aos 
da indústria cultural no setor. As principais interferências que esse agente pode 
promover, contribuindo para o distanciamento entre a prática e a teoria são: o 
fracionamento das etapas da execução da intervenção, que, mesmo visando à 
viabilização da ação, pode prejudicar o bem; e a “desvalorização” do Projeto de 
Intervenção, sistematicamente subutilizando‐o, descontextualizando sua função 
e comprimindo‐o entre os demais projetos.   

O projetista e o construtor também são agentes na intervenção. O patrimônio 
arquitetônico para eles é um interveniente interno do processo, um dado a ser 
trabalhado.  Seus  interesses  devem  ser  planejar  e  executar  a  intervenção  de 
forma eficiente. As interferências que tais agentes costumam promover são: a 
carência de conhecimento sobre o bem, de competência técnica a respeito do 
referencial  teórico  de  restauração  e  de  arquitetura,  por  conseguinte,  a 
insuficiência  de  sensibilização  quanto  ao  patrimônio  e  de  visão  sistêmica  da 
gestão do projeto e da obra. As interferências a que eles podem ser submetidos 
na intervenção, contribuindo para o distanciamento entre a teoria e a prática, 
são: pressões de ordem política, a “desvalorização” do Projeto de intervenção 
(por  meio  da  insuficiência  de  prazos  e  custos  para  o  desenvolvimento  de 
pesquisas  acerca  da  significação  do  bem  e  do  conhecimento  do  bem,  por 
exemplo), entre outras.  

Com base no esboço do panorama nacional contemporâneo no qual ocorre a 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  e  no  entendimento  de  conceitos 
fundamentais  a  essa  prática,  considera‐se  que  a  compreensão  atual  do 
patrimônio arquitetônico ainda precisa ser consolidada. A recente formalização 
do entendimento do patrimônio arquitetônico, verificada no PPCM, não deve ser 
assimilada  de  forma  tão  imediata  em  âmbito  nacional.  Isso,  porque  o 
tombamento  e  a  valoração  do  patrimônio  arquitetônico  ainda  se  baseiam 
preponderantemente  nas  características  materiais  e  estéticas  da  arquitetura 
histórica; por sua vez, a intervenção também reflete tal condição.  

Com efeito, a dinâmica da prática em nossa realidade, por vezes, inviabiliza ou 
dificulta a absorção desses entendimentos traduzidos em condutas. Para que a 
intervenção  seja  coerente  em  relação  à  teoria  e  salvaguarde  o  bem  como 
referência para preservação, é essencial favorecer a apuração da sua significação 
e tomá‐la como a diretriz de todo o processo. Além disso, para a legitimidade da 
intervenção  é  preciso  que  existam  condições  estruturais  culturais  equitativas 
que  permitam  e  favoreçam  o  posicionamento  político  dos  grupos  sociais,  no 
sentido de buscar o reconhecimento de representações culturais do patrimônio 
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arquitetônico  desprestigiadas,  ou,  mesmo,  de  negociar  processos  de 


interculturalidade.  Por  fim,  é  também  fundamental  dispor  dessas  mesmas 
condições  em  âmbito  econômico  para  requerer  o  direito  de  consumo  do 
patrimônio.  Desse  modo,  a  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  tem  o 
potencial  de  reapropriar  funcional,  econômica  e  simbolicamente  o  bem, 
promovendo desenvolvimento econômico, social e cultural.   
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3. A TEORIA PARA INTERVENÇÃO NO


PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO
 

Neste capítulo, a discussão sobre a relação ente a teoria do campo disciplinar da 
restauração  e  a  prática  contemporânea  da  intervenção,  no  patrimônio 
arquitetônico, atém‐se ao referencial teórico essencial reconhecido pela história 
e pela crítica da preservação, que estabelece princípios teóricos, metodológicos 
e  técnico  operacionais,  comuns  a  essa  prática.  Para  isso,  identificam‐se  os 
principais  postulados  contemporâneos  para  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico  e  caracterizam‐se  as  posturas  e  distanciamentos  teóricos 
recorrentes na prática da intervenção em âmbito nacional.  

   
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3.1 T EORIA DE RESTAURAÇÃO “ MODERNA ”


A  definição  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  é  uma  operação 
complexa  que  deve  ser  fundamentada  no  referencial  teórico  do  campo 
disciplinar da arquitetura e, particularmente, no da restauração. Quanto a este, 
Françoise Choay (2006, p. 111) afirma que a restauração já era, de modo geral, 
reconhecida como “disciplina autônoma” desde a década de 1960. As premissas 
teóricas  da  restauração  tinham  sido  consolidadas  pela  historiografia,  sendo 
alinhadas pelos pressupostos teóricos modernos, que podem ser caracterizados 
inicialmente pelo “Restauro Crítico”.  

O  “Restauro  Crítico”  tem  origem  nas  premissas  do  “Restauro  Filológico” 


estabelecidas  por  Camilo  Boito 114  e  no  “Restauro  Científico”  de  Gustavo 
Giovanini115. Os dois autores italianos apresentaram teorias intermediárias, ou 
seja, “meios‐termos” entres os postulados anteriores do “Restauro Romântico”, 
 
                                                             
 
114
 Camilo Boito (1835‐1914), segundo texto de apresentação de Beatriz Kühl no livro cujo 
título recebe o nome do autor, classifica o restauro em três tipos: arqueológico (relativo 
às  ruínas),  pictórico  (relativo  ao  pitoresco  dos  edifícios  medievais)  e  arquitetônico 
(relativo  às  obras  a  partir  do  Renascimento).  Além  disso,  estipula  sete  princípios 
fundamentais para o restauro dos monumentos: 1. Enfatizar o valor documental; 2. Evitar 
acréscimos e renovações, se estes forem necessários, deverão exibir caráter diverso do 
original, mas não poderão destoar do conjunto; 3. Complementar as partes deterioradas 
ou faltantes, reproduzindo a mesma forma, mas com material diverso, ou inserir a data 
de  sua  restauração,  ou,  ainda,  no  caso  das  restaurações  arqueológicas,  apresentar 
formas  simplificadas;  4.  Limitar  as  obras  de  consolidação  ao  estritamente  necessário, 
evitando‐se a perda dos elementos característicos ou pitorescos; 5. Respeitar as várias 
fases do monumento, sendo a remoção de elementos admitida somente se estes forem 
de  qualidade  artística  claramente  inferior  à  do  edifício;  6.  Registrar  e  encaminhar  aos 
órgãos  pertinentes  as  etapas  das  obras,  inclusive  com  fotografias,  descrições  e 
justificativas;  7.  Empregar  epígrafes  com  inscrições  para  datar  as  obras  de  restauro 
realizadas. (BOITO, 2008, p. 21‐22).  
Giovanni Carbonara (1998, p. 14, tradução nossa) destaca que Boito cria “regras” para a 
restauro que, em razão de sua precisão, podem ser consideradas como a primeira "Carta 
de  Restauração".  Por  outro  lado,  para  Paolo  Marconi  (1993,  p.  17,  tradução  nossa),  a 
“estratégia de classificação” de Boito é baseada essencialmente no valor de antiguidade. 
Isso  leva  a  “[...]  uma  concepção  de  restauro  predominantemente  arqueológica  e 
substancialmente  imprevidente,  quanto  ao  futuro  do  monumento,  [...]”  (MARCONI, 
1993, p. 39, tradução nossa).  
115
 Gustavo  Giovannoni  (1873‐1947)  participou  da  elaboração  da  Carta  de  Restauro 
Italiana de 1931, que serviu de base para a Carta de Atenas de 1931. O autor destaca 11 
princípios para o restauro de monumentos, que podem ser resumidos em: 1. Enfatizar a 
manutenção;  2.  Executar  repristinação  somente  com  dados  seguros.  3.  Não  admitir  a 
complementação em ruínas, somente a anastilose; 4. Só admitir usos semelhantes nos 
monumentos, exceto nas ruínas; 5. Conservar os elementos de todas as fases; 6. Atentar 
às questões ambientais; 7. Complementar lacunas com formas simplificadas; 8. Adições 
devam  ser  também  identificáveis;  9.  Empregar  meios  construtivos  modernos  para 
conservação; 10. Conservar sistematicamente as ruínas; 11. Atentar à documentação das 
obras. (GIOVANNONI, 2013).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
136 
 

de John Ruskin116, na Inglaterra, e do “Restauro Estilístico”, de Viollet Le Duc117, 
na França.  

O “Restauro Crítico” ou “Restauro Criativo” tem início após a Segunda Guerra 
Mundial, na Itália,  baseado principalmente nas reflexões de Roberto Pane (1897 
– 1987) e Renato Bonelli (1911‐2004), que primavam por “uma solução estética 
ao  problema  de  conservação”,  segundo  Giovanni  Carbonara  (1998,  p.  18, 
tradução  nossa).  Beatriz  Kühl  (2008)  ainda  acrescenta  como  as  bases  do 
“Restauro  Crítico”  as  reflexões  de  Pane  e  Bonelli  e  as  de  Paul  Philippot.  No 
entanto, o “Restauro Crítico” foi realmente consagrado por outro autor: Cesare 
Brandi (1906‐1988), com a chamada “Teoria da Restauração”, uma coletânea de 
ensaios publicada inicialmente em 1963.  

A Teoria de Brandi é estruturada em um processo crítico e operacional abalizado 
por “décadas de formulações teóricas” do autor, associadas à sua experiência 
didática e prática no campo do restauro. Em função da inequívoca consistência 
e  da  articulação  de  seus  postulados,  mesmo  que  sua  Teoria  seja  ambientada 
principalmente no contexto do restauro de obras de arte, ela “[...] não é mera 
extensão de suas formulações no campo estético ou vice‐versa.” (KÜHL, 2008, p. 
68‐72). Com efeito, apesar de questionamentos pontuais de alguns autores, é 
irrefutável  a  ingerência  da  teoria  de  Brandi  no  campo  da  arquitetura.  Sendo 
assim, toma‐se aqui o termo “obra de arte”, empregado pelo autor, como uma 
designação que abrange o patrimônio arquitetônico.  

Brandi (1954, p. 42‐52 apud KÜHL, 2008, p. 76) 118 defende em sua Teoria que o 
restauro, antes de ser um problema técnico, é um problema metodológico que 
requer  um  olhar  crítico  –  uma  “crítica  filológica”  –  precedente  à  definição  da 
ação técnica. Portanto, tal método estrutura‐se no juízo construído por meio da 
análise do documento, que é o bem. Assim como já salientava Bonelli (1959 apud 

 
                                                             
 
116
 John Ruskin (1819 ‐ 1900) (ver nota de rodapé nº 27) combate as ideias de Viollet Le 
Duc. 
117
 Viollet  Le  Duc  (1814‐1879)  é  um  dos  primeiros  teóricos  que  introduz  método  à 
restauração. Ele prega o conhecimento estilístico e o conhecimento do bem por meio de 
levantamentos detalhados, evitando‐se a hipótese. Além disso, manifesta sua apreciação 
pelo gótico em detrimento ao classicismo, defendendo a complementação de uma obra 
mutilada, a fim de conferir coerência, lógica e dar valor histórico ao edifício. Afirma que 
se deve restaurar não somente a aparência do monumento, mas também sua estrutura. 
(VIOLLET‐LE‐DUC,  2006).  A  principal  crítica  feita  ao  autor  é  a  complementação  da 
preexistência com a criação de novos elementos. “Este pesado retrato deve, no entanto, 
ser matizado: ele não seria assim se não fosse o contexto intelectual da época e se não 
se recordasse o estado de degradação no qual se encontravam então em França a maior 
parte dos monumentos incriminados.” (CHOAY, 2006, p. 131).  
118
 Obra não consultada: BRANDI, C. “L’Institut Central pour la Restauration d’Oeuveres 
d’Art a Rome”, Gazette des Beausx‐Arts, 1954, vol. 43. 
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137 
 

KÜHL,  2008,  p.  66‐76) 119,  quando  incentivava  a  criatividade  para  intervenção 


determinada pela análise da obra e por um juízo crítico decorrente de “talentos 
e experiências específicas”.  

Nessa  perspectiva,  a  “obra  de  arte”  condiciona  o  restauro,  “não  o  contrário” 


(BRANDI, 2004, p. 29). Logo, de acordo com a Teoria de Restauração de Brandi 
(2004), orientando a discussão para o patrimônio arquitetônico, é a edificação 
de  valor  patrimonial  que  prevalece  na  intervenção.  Para  proceder  a  tal 
intervenção deve‐se, em primeiro lugar, reconhecer a edificação como “obra de 
arte.” Ou seja, identificar o valor e a significação que lhe conferem a prerrogativa 
do restauro, e não a da reforma. Em segundo lugar, é imprescindível conhecer e 
reconhecer a estrutura formal que compõe a imagem da arquitetura  , tanto para 
sua preservação, quanto para atualização de sua funcionalidade.  

Por conta desse reconhecimento, o autor estabelece dois princípios básicos. No 
primeiro,  ele  identifica  duas  instâncias  principais  que  incidem  sobre  o  bem: a 
“instância  estética”,  que  corresponde  à  “articidade”  humana,  e  a  “instância 
histórica”, que corresponde à realização humana vinculada a “[...] certo tempo 
e lugar e que em certo tempo e lugar se encontra.” (BRANDI, 2004, p. 29). No 
segundo princípio, ele salienta a condição da “unidade potencial” do bem, que 
se desdobra em dois corolários que explicam, além desse conceito, os de “falso 
histórico”  e  “falso  artístico”,  ambos  intimamente  associados  ao  primeiro 
princípio. (BRANDI, 2004, p. 33). 

O  primeiro  corolário  ressalta  que  um  bem  deteriorado  existe  potencialmente 


como um todo, desde que ainda guarde sua unidade potencial nos fragmentos 
que  restam.  Ou  seja,  que  essas  partes  guardem  em  si  o  potencial,  o  peso, 
relevante para a manutenção de sua significação. O segundo corolário destaca 
que  a  forma  do  bem  é  “singular  e  indivisível”  e,  caso  esteja  fragmentada,  é 
necessário se restabelecer sua “unidade potencial originária” (BRANDI, 2004, p. 
46).  Advirta‐se  que  originária  não  é  necessariamente  original  (a  unidade 
potencial verificada em sua construção), pois uma edificação pode ter sofrido 
modificações ao longo de sua existência que podem ter incorrido na alteração 
de sua unidade potencial original e, por sua vez, constituem parte de sua história. 

Portanto, o restauro deve pretender “o restabelecimento da unidade potencial” 
do bem com as condições de que não se incorra em um “falso artístico ou um 
falso histórico” e não se remova a evidência dessa unidade agregada ao longo da 
existência  do  bem.  Em  face  disso,  deve‐se  observar  atenta  e  criticamente  as 
instâncias histórica e estética que deverão nortear tal ação. “A contemporização 

 
                                                             
 
119
 Obra não consultada: BONELLI, R. Architettura e restauro. Venezia: Neri Pozza, 1959. 
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138 
 

entre as duas instâncias representa a dialética da restauração, [...].” (BRANDI, 
2004, p. 33).  

Nesse  sentido  crítico,  Kühl  (2008)  enfatiza  a  premência  do  processo  de 
conhecimento  e  reconhecimento  do  patrimônio  para  a  intervenção,  cuja 
definição não é um ato arbitrário e individual próximo do empirismo de outras 
épocas,  que  também  é  condenado  por  Brandi.  O  bem  deve  ser  investigado  e 
questionado  rigorosamente  como  um  conjunto,  além  do  processo  que  o 
produziu.  Para  a  intervenção,  é  necessário  um  pensamento  crítico  e  um 
julgamento fundamentado em premissas, não em “regras” (KÜHL, 2010, p. 296). 

Ainda  no  que  tange  ao  empirismo,  Brandi  (2004,  p.  128)  reforça  que,  para  o 
restauro  de  um  bem  mutilado  e  fragmentado,  a  intervenção  não  poderá  ser 
conduzida pela suposição de similaridade. A “analogia” não pode ser um guia 
para a recomposição dos fragmentos mais relevantes para a unidade potencial 
do  bem.  A  dedução  implica  o  risco  de  incoerências  históricas  que  podem, 
inclusive, se sobrepor às perdas estéticas. Contudo, no caso de elementos não 
essenciais à unidade potencial do bem, como, exemplo os que são repetitivos, a 
similaridade  pode  ser  o  parâmetro  para  intervenção.  De  fato,  as  interrupções 
formais  nos  bens  são  lacunas  que  percebemos  espontaneamente  como 
esquemas de “figura e de fundo”. A lacuna destaca‐se como figura na imagem, 
que  passa  a  ser  o  fundo.  Sendo  assim,  a  solução  para  o  problema  de  seu 
tratamento  é  preponderantemente  teórica.  O  refazimento  para  o 
preenchimento  das  lacunas,  quanto  à  instância  estética,  é  admissível  caso 
“indique o alcançar de uma nova unidade artística” (BRANDI, 2004, 88).  

No que concerne ao refazimento para o preenchimento das lacunas, quanto à 
instância histórica, Brandi (2004) o discute em duas circunstâncias. A primeira é 
aquela  em  que  a  intervenção  reproduz  uma  configuração  anterior, 
representando  um  falso  histórico  que  “não  pode  jamais  ser  admissível”.  O 
refazimento  é  reprodução  que  acaba  por  “[...]  replasmar  a  obra,  intervir  no 
processo criativo de maneira análoga ao modo como se desenrolou o processo 
criativo originário, refundir o velho e o novo de modo a não distingui‐los [...].” A 
segunda é aquela em que o refazimento “[...] quer absorver e transvasar sem 
resíduos  a  obra  preexistente.”  Para  o  autor,  esse  processo  é  seguramente 
legítimo em relação ao aspecto histórico, à medida que é um “[...] testemunho 
autêntico do presente de um fazer humano [...]”, logo, identificável como tal, 
sem poluir a obra. (BRANDI, 2004, p. 73‐74). 

Ao  contrário  do  refazimento,  a  adição  é  um  acréscimo  ao  bem  executado 
nitidamente com a marca de seu tempo. Do ponto de vista da instância histórica, 
a  adição  passa  a  ser  um  “novo  testemunho  do  fazer  humano”.  Todavia,  esse 
“testemunho” pode ser um registro pouco qualificado, um acréscimo espúrio de 
execução e conformação pobres, que dificulta a leitura e/ou a funcionalidade do 
bem, atestando contra ele. Desse modo, se não resta dúvida de que a adição não 
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139 
 

acrescenta valor ao bem, deve‐se demoli‐la sem deixar traços de sua existência. 
No âmbito da abordagem histórica, a remoção se insere “igualmente na história” 
do bem e por isso deve ser justificada e registrada. (BRANDI, 2004, 71). 

Não  obstante,  a  conduta  a  ser  adotada  no  processo  de  intervenção  no 
patrimônio, em relação à remoção da adição, nem sempre é tão clara como é no 
caso do elemento espúrio. Na prática, as questões que envolvem a remoção de 
adições,  bem  como  o  refazimento  de  elementos,  geram  debates  e  dúvidas. 
Sendo  assim,  faz‐se  necessário  um  juízo  crítico  de  valor  que  determine  a 
prevalência de uma das instâncias, histórica ou estética, para justificar se o “valor 
de testemunho histórico” é o que determina a ação ou se é um valor artístico. 
(BRANDI,  2004,  70).  Esse  juízo  deve  basear‐se  no  questionamento  da  atual 
significação e valor do bem. 

De fato, a intervenção se faz no momento presente; ela historiciza a matéria e a 
ação neste momento histórico, para o futuro, logo não é neutra. Não cabe fazer 
o  restauro  no  que  seria  o  “lapso  de  tempo  entre  a  conclusão  da  obra  e  o 
presente”, isso seria inserir a intervenção na “fase do processo artístico”. “É a 
mais  grave  heresia  da  restauração:  é  a  restauração  fantasiosa”.  Do  mesmo 
modo,  tampouco  se  admite  fazer  o  restauro  “arqueológico”,  pois  este  não 
reconstitui  a  unidade  potencial  do  bem.  Isso  é  “restauro  de  repristinação”,  é 
retornar‐se ao original, abolindo toda a existência do bem ao longo do tempo. 
(BRANDI, 2004, 60). É preciso 

[...]  estabelecer  os  momentos  que  caracterizam  a 


inserção da obra de arte no tempo histórico para poder 
definir em qual desses momentos podem ser produzidas 
as condições necessárias a essa particular intervenção a 
que se chama de restauro, e em qual desses momentos 
é lícita tal intervenção. (BRANDI, 2004, p. 59‐60). 

Carbonara  (2012,  p.  3,  tradução  nossa)  sintetiza  a  dualidade  dessa  questão 
afirmando  que  a  intervenção  “[...]  faz  parte  da  dupla  função  do  restauro, 
reparação e reforço em um lado, denotação e conotação do outro lado, [...]120.” 
Ou  seja,  “conservar”  e  “destacar”  versus  objetividade  e  subjetividade,  como 
juízos atribuídos no presente.  

Ainda  no  contexto  do  tempo,  Brandi  (2004,  p.  61)  aborda  o  tema  pátina, 
descrevendo‐o de forma quase romântica como “[...] o próprio sedimentar‐se do 
tempo sobre a obra.” Em outras palavras, a pátina é a evidência da degradação 
dos  materiais  que  compõem  os  elementos  conformadores  do  bem  e  de  sua 
imagem. Sendo assim, a pátina não é a sujidade acumulada e não se trata da 

 
                                                             
 
120
 “[…] this is part of the double function of restoration, repairing and reinforcing on one 
side, denoting and connoting on the other side, [...].” 
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140 
 

questão com a mera limpeza das superfícies, embora esta também se inclua. A 
orientação de Brandi (2004, p. 62) a respeito da pátina é uma atitude reflexiva, 
embasada na teoria e na análise de cada caso, não sendo do “domínio do gosto 
e  do  opinável”.  O  autor  reconhece  que  a  pátina  é  uma  “adição  que  não 
representa necessariamente o produto de um fazer,” mas está intrinsecamente 
associada  à  unidade  potencial  do  bem,  a  qual  se  pretende  que  seja  um 
parâmetro para o restauro. Do ponto de vista histórico, ao se restabelecer uma 
imagem do bem na qual não se observa a antiguidade em seu estado, falsifica‐
se a história. (BRANDI, 2004, p. 72). 

Se então a matéria se impuser com tal frescor e irrupção 
a ponto de primar, por assim dizer, sobre a imagem, a 
realidade pura da imagem ficará perturbada. Por isso, a 
pátina,  do  ponto  de  vista  estético,  é  aquela 
imperceptível  surdina  colocada  na  matéria  que  é 
constrangida  a  manter  uma  posição  mais  modesta  no 
cerne da imagem. (BRANDI, 2004, p. 86).  

A questão da pátina ainda se associa a outro tema contíguo, o das “superfícies 
de  sacrifício”  do  patrimônio  arquitetônico  (KÜHL,  2008).  Elas  são  superfícies 
substituídas,  refeitas,  quando  da  intervenção  por  estarem,  em  alguma 
proporção,  danificadas;  mesmo  que  fosse  possível  algum  processo  de 
conservação,  que  seria  desproporcionalmente  lento  e  custoso.  Um  exemplo 
comum  de  superfícies  de  sacrifício  em  edifícios  históricos  são  os  panos 
argamassados  que  revestem  as  fachadas.  A  adoção  dessa  conduta  implica  o 
descarte  da  pátina  na  pintura  desse  revestimento  e,  por  sua  vez,  envolve  o 
rejuvenescimento  das  fachadas,  observado  (no  capítulo  anterior)  como  uma 
dissonância  recorrente  na  prática  da  intervenção  influenciada  pela  indústria 
cultural. Esse tema é retomado mais a seguir121. 

Não obstante, além da relação do patrimônio arquitetônico com o tempo, ainda 
lhe concerne uma relação inalienável com o espaço em que foi edificado. Nesse 
contexto, Brandi (2004) ressalta que há um vínculo íntimo entre o bem e o sítio 
histórico em que ele está inserido, que é tanto histórico quanto estético. Com 
efeito,  Pane  (1944)  já  afirmava  que  a  unidade  estilística  fundamental  de  um 
patrimônio  arquitetônico  compreende  a  composição  de  seu  interior  e  de  sua 
fachada, incluindo aí a sua relação com o entorno, que conforma o ambiente. 
Por isso, Brandi considera que a decomposição e a recomposição do bem podem 
ser legítimas, como única forma de preservação, mas julga ser inaceitável sua 
recomposição em um lugar diverso daquele onde foi executado originalmente. 
O seu deslocamento parcial ou total não é admitido pelo autor.  

 
                                                             
 
121
 A  adoção  ou  não  das  superfícies  de  sacrifício  é  discutida  no  contexto  das  linhas 
teóricas contemporâneas. Ver item seguinte: 3.2 Teoria de restauração contemporânea. 
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141 
 

Brandi  também  não  legitima  a  reprodução/reconstrução  de  um  patrimônio 


perdido,  mesmo  que  este  venha  a  alcançar  uma  nova  unidade  artística 
ambiental122. Ou seja, que se justifique na recomposição estética do ambiente 
que  foi  profundamente  alterado.  Nesse  caso,  o  sítio  histórico  –  o  ambiente  – 
deverá  sofrer  uma  reintegração  espacial,  com  a  reprodução  do  volume  da 
arquitetura  perdida,  portanto,  dos  “dados  espaciais”,  não  dos  “[...]  dados 
formais do monumento que desapareceu.” (BRANDI, 2004, p. 137). Uma nova 
arquitetura  moderna  deve  ser  inserida  harmoniosamente  nesse  meio, 
guardando tais condições. 

No  entanto,  reconstruções  e  deslocamentos  têm  ocorrido  na  prática  da 


preservação  contemporânea,  justificadas  frequentemente  em  documentos  de 
alcance mais restrito (não internacionais), como a Carta de Burra (1999) e a Carta 
de  Cracóvia  (2000),  que  enfatiza  a  excepcionalidade  da  reconstrução  e  das 
razões  sociais  e  culturais  relacionadas  à  identidade  cultural  da  comunidade. 
Mesmo  que  documentos  de  âmbito  internacional,  como  a  Declaração  de 
Dresden Sobre a Reconstrução de Monumentos Destruídos pela Guerra (1982), 
só reconheçam a reconstrução de obras de grande significação arruinadas em 

 
                                                             
 
122
 Ainda no âmbito da imposição do tempo ao bem, outro tema que Brandi aborda em 
sua Teoria é o do tratamento das ruínas. Ele é deveras amplo e foge à presente discussão, 
por isso só é pontuado aqui de modo a evidenciar as inflexões atuais feitas à Teoria de 
Brandi. Para o autor, ruína é “[...] tudo aquilo que é testemunho da história humana, mas 
com um aspecto bastante diverso e quase irreconhecível em relação àquele de que se 
revestia antes.” Um bem cuja unidade potencial originária se perdeu. Tendo‐se em vista 
que  não  há  maneira  de  promover  a  “reintegração  da  unidade  potencial  originária”,  a 
ruína não deve ser compreendida de outra forma, que não como ruína. “A legitimidade 
da conservação da ruína está, pois, no juízo histórico que dela se faz, como testemunho 
mutilado, porém ainda reconhecível, de uma obra e de um evento humano.” (BRANDI, 
2004, p. 65‐68). Em razão disso, Brandi (2004, p. 83) defende que a intervenção na ruína 
deve ser “conservativa e não integrativa”, mesmo se tratando do juízo estético. Portanto, 
cabendo‐lhe a anastilose, que segundo a Carta de Veneza (1964, p. 4) é “a recomposição 
de partes existentes, mas desmembradas”, cujos “[...] elementos de integração deverão 
ser sempre reconhecíveis e reduzir‐se ao mínimo necessário para assegurar as condições 
de conservação do monumento e restabelecer a continuidade de suas formas.” 
Entretanto,  na  atualidade,  intervenções  no  patrimônio  arquitetônico  em  estado  de 
ruínas  têm  sido  feitas  “restituindo”  sua  funcionalidade  e  reduzindo  sua  principal 
significação, segundo Brandi, que é a de testemunho histórico. Giorgio Grassi (1996, p. 
11‐14 apud VARAGNOLI, 2007, p. 841) defende que “[...] não considera importante para 
a conservação de um edifício a manutenção de uma função, mas sim a explicação de um 
papel.  Edifícios  que  não  têm  mais  de  um  papel,  ruínas  e  fragmentos,  precisam  de 
intervenção ‘para voltar a ser’.” Para o autor, “[...] os monumentos antigos devem ser 
considerados  ‘elementos  de  composição’  e  como  tal  devem  ser  complementados  ou 
reconstruídos,  certamente  não  embalsamados  ou  abandonados  à  ‘especialização 
técnica’.” Enfim, deve‐se levar em conta que se pretende “reviver em vez de restaurar”, 
como foi feito no Renascimento.  
Obra  não  consultada:  Grassi,  G.  Uma  Opinião  sobre  Restauração,  "Phalaris",  II,  nº  6, 
janeiro de 1996, p. 11‐14.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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142 
 

decorrência  de  catástrofes  e  conflitos  armados,  isto,  desde  que  baseada  em 
“documentação confiável”. Portanto, um contexto muito específico.  

Ainda pautado nos postulados gerais do “Restauro Crítico”, Carbonara (1998, p. 
16,  tradução  nossa)  lista  como  tópicos  operacionais  para  o  processo  de 
intervenção no patrimônio, além da autenticidade123, a “mínima intervenção”, a 
“distinguibilidade”, a “reversibilidade” e a “compatibilidade entre os materiais”. 
Kühl  (2008,  p.  78)  reforça  que  esses  itens  devem  ser  “pensados  de  forma 
concomitante e não excludente”.  

A mínima Intervenção ou “mínimo impacto”, como também é identificado por 
Carbonara  (2012,  p.  4,  tradução  nossa),  baseia‐se  primordialmente  na 
preservação da matéria remanescente do bem. Sendo assim, a intervenção só 
deve  ocorrer  onde  e  quando  é  indispensável  à  preservação  do  patrimônio.
Orientada por essa premissa, a relação para a intervenção que sobressai se dá 
entre a matéria e a imagem do bem. A matéria que o compõe – a “consistência 
física”  –  é  suporte  e  meio  para  manifestação  da  imagem.  Aquela  assegura  a 
permanência desta; portanto, a matéria deve necessariamente ter precedência 
sobre  a  imagem  resultante.  Compete  salientar  que  a  matéria  considerada 
“insubstituível” é a que vem a “[...] colaborar diretamente para a figuratividade 
da imagem como aspecto e não para aquilo que é estrutura.” (BRANDI, 2004, p. 
30‐48). 

A  distinguibilidade  ou  diferenciação  é  mais  um  tópico  que  gira  em  torno  da 
relação entre a matéria e a imagem. A distinguibilidade na intervenção pauta‐se 
na condição de que a reprodução ou a reintegração, se for o caso, tem de ser 
reconhecível,  sem  “infringir  a  própria  unidade  que  se  visa  a  reconstituir”. 
Portanto,  ela  deve  misturar‐se  à  imagem  do  bem,  mas  deve  também  ser 
identificável  com  um  olhar  atento.  (BRANDI,  2004,  p.  47).  O  que  Pane  (1944) 
chamou de um “contraste feliz”, quando tratou das adições. 

 
                                                             
 
123
 A  questão  da  autenticidade  merece  uma  discussão  própria,  que  não  cabe  aqui.  No 
entanto, vale pontuar que, no âmbito dos postulados de Brandi, a autenticidade se refere 
à  integridade  da  matéria  do  bem.  Porém,  o  Documento  de  Nara  (1994)  ressalta  que 
julgamentos  sobre  autenticidade  devem  basear‐se  em  características  do  patrimônio, 
conferidas no contexto cultural a que pertencem. A Declaração de San Antonio (1996, 
tradução  nossa)  sobre  autenticidade  nas  Américas  reconhece  que,  em  certos  tipos  de 
sítios patrimoniais dinâmicos, como paisagens culturais, “[...] a conservação do caráter e 
tradições, tais como padrões, formas e o valor espiritual, podem ser mais importantes do 
que  a  conservação  das  características  físicas  do  lugar  e,  como  tal,  podem  ter 
precedência.”  Diferentemente  de  sítios  estáticos,  como  os  arqueológicos,  cujo  “ativo 
social”  se  perdeu.  “Assim  sendo,  autenticidade  é  um  conceito  muito  maior  que  a 
integridade material e os dois conceitos não devem ser assumidos como equivalentes ou 
consubstanciais.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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143 
 

A reversibilidade é um tópico sobre o qual prevalece a matéria do bem. Baseia‐
se na condição de que a intervenção possa ser revertida e “facilite as eventuais 
intervenções  futuras”.  No  entanto,  se  a  reversibilidade  de  uma  intervenção 
implicar  a  perda  de  parte  de  sua  unidade  potencial,  ela  deve  ser  mantida. 
(BRANDI, 2004, p. 48). 

Essa  é  uma  questão  controversa,  pois  a  reversibilidade  não  pode  ser  tomada 
como absoluta. Salvador Viñas (2003, p. 114) ressalta que, para a intervenção 
ser  “minimamente  eficaz”,  é  preciso  que  exista  interação  entre  os  materiais 
remanescentes e novos. Assim, o resultado dessa associação de materiais não é 
reversível.  Em  razão  disso,  Kühl  (2010,  p.  313)  afirma  que  o  tema  tem  sido 
tratado  na  atualidade  como  “retrabalhabilidade”,  que  conduz  a  uma  reflexão 
menos taxativa do que a de Brandi. 

A compatibilidade entre os materiais existentes e da intervenção é também um 
tópico que se relaciona com a matéria do bem, mas também pode referir‐se a 
sua  imagem.  A  intervenção  nesse  caso  deve  observar  particularmente  a 
adequada  interação,  imediata  e  ao  longo  do  tempo,  entre  os  materiais 
remanescentes e novos.  

Além  desses,  Kühl  (2006)  acrescenta  mais  quatro  tópicos  operacionais  aos 
elencados por Carbonara: a documentação, a metodologia científica, o uso como 
um meio e a ruptura harmoniosa. A documentação e a metodologia científica 
referem‐se  ao  registro  e  ao  que  Brandi  (2004,  p.  36)  assegura  ser    o  “[...] 
conhecimento científico da matéria na sua constituição física.” Envolve práticas 
como  a  identificação  das  intervenções  por  meio  de  datas,  siglas  e  epígrafes, 
afora procedimentos como prospecções estratigráficas e o uso de fotografias, 
discutidos por Boito (2008) e por Giovannoni (2013). Por sua vez, o uso, como 
um  meio  de  preservar  os  edifícios  e  não  como  finalidade  da  intervenção,  e  a 
noção de ruptura harmoniosa entre passado e presente são tópicos essenciais 
para  a  operação  da  intervenção,  segundo  a  autora,  pois  afetam  as  escolhas 
quanto aos materiais e técnicas construtivas.  

Ademais,  esses  dois  últimos  tópicos  são  condicionantes  características  das 


dinâmicas  contemporâneas  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  pois, 
como  discutido  anteriormente,  relacionam‐se  com  a  “presentificação”  do 
passado na pós‐modernidade e com a influência da indústria cultural, no caso da 
imposição de usos culturais e complementares a ele. 

Na  Carta  de  Restauro  Italiana  (1972),  redigida  por  Cesare  Brandi  com  a 
colaboração  de  Guglielmo  de  Angelis  D'Ossat,  postulados  da  “Teoria  de 
Restauração” de Brandi são reafirmados de forma mais direta e também mais 
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radical124. Como pode ser observado no art. 6º, no qual é ressaltada a oposição 
aos  complementos  estilísticos,  mesmo  distinguíveis;  às  demolições  que  não 
sejam  de  adições  espúrias;  às  reconstruções  e  deslocamentos,  a  não  ser  por 
motivos  excepcionais;  às  modificações  do  interior  das  edificações;  além  da 
remoção de pátinas (inclusive das pedras). Nos artigos 7º e 8º, em que se afirma 
a adoção de reintegrações de lacunas de pequena monta, distinguíveis ou não 
de acordo com cada caso; de limpeza superficial; de anastilose; de adições nas 
estruturas  para  fins  de  conservação;  de  testemunhos  e  da  guarda  de  partes 
removidas.  E,  por  último,  no  anexo  b,  na  qual  se  destaca  a  demanda  pela 
elaboração de documentação relativa ao profundo conhecimento do bem e a 
condição de que a adaptação de edifícios aos novos usos deve ser limitada ao 
mínimo,  atendendo  à  própria  conformação  tipológica  da  edificação (incluindo 
rotas internas) e fachadas. 

Com base nesses apontamentos, pode‐se observar que a teoria para restauração 
proposta  por  Brandi,  no  âmbito  do  “Restauro  Crítico”,  continua  pertinente  e 
aplicável  ao  panorama  contemporâneo  de  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico. Ainda que receba críticas de autores como Salvador Muñoz Viñas 
(2015,  p.  3,  tradução  nossa),  que  destaca:  “[...]  mesmo  depois  de  uma 
quantidade  desproporcional  de  trabalho  de  pesquisa,  muitos  dos  termos  da 
Teoria  permanecem  ambíguos  e  obscuros 125 .”  Segundo  o  autor,  isso  ocorre 
porque ela é de difícil compreensão, o que exige a leitura das demais obras de 
Brandi (em sua maioria esgotadas e de difícil acesso). Além disso, Viñas salienta 
que a “Teoria da Restauração” de Brandi se contradiz em várias ocasiões, como 
quando  discorre  sobre  a  pátina.  Para  ele,  a  Teoria  tornou‐se  “um  tanto 
obsoleta”, por ser “estetocêntrica” para a amplitude dos bens contemporâneos 
que não têm essa natureza. (VIÑAS, 2015, p. 8, tradução nossa).  

Em parte, essas são críticas pertinentes, todavia não invalidam a importância da 
obra como fundamentação teórica para o processo de intervenção, inclusive no 
patrimônio arquitetônico. Principalmente, porque na teoria de Brandi se reitera 
constantemente  a  necessidade  do  posicionamento  crítico  dos  agentes 
envolvidos com a iniciativa. Nesse sentido, Carbonara (2006, p. 8) acrescenta que 
“a confusão é grande” no campo disciplinar teórico do restauro. Em função disso, 
o autor afirma que há muitas oportunidades para opor‐se a Brandi, como, por 
exemplo,  em  relação  à  repristinação  e  à  anastilose,  ainda  que  motivado  por 
“simples  promoção”.  Contudo,  não  se  pode  falar  em  “[...]  ‘superação’  das 

 
                                                             
 
124
 A  Carta  de  Restauro  Italiana  (1972)  é  um  documento  de  alcance  nacional  citado 
frequentemente quando se aborda a teoria italiana de intervenção, que é uma referência 
para a prática de preservação brasileira.  
125
 “[...] however, even after a disproportionate amount of research work, many of the 
terms in the Teoria remain ambiguous and obscure.” 
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posições  brandianas;  quando  muito  existe  a  necessidade  de  ulteriores 


verificações metodológicas, de desenvolvimentos e de alargamentos.”  

Quanto  ao  entendimento  acerca  da  pátina  de  Brandi,  Carbonara  (2013)  o 
reafirma  e  deixa  claro  que  não  se  opõe  à  ação  que  visa  à  apreensão  do 
monumento, mas sim a uma nova imagem.   

De  qualquer  forma,  quando  se  trata  de  superfícies 


arquitetônicas, embora antiga e alterada, a conservação 
será  preferível  em  virtude  do  valor  reafirmado, 
puramente  figurativo,  além  de  histórico‐documental, 
das pátinas; não há mais para lembrar às considerações 
magistrais  de  Brandi  sobre  tal  conceito.  (CARBONARA, 
1998, p. 18, tradução nossa)126. 

Quanto  ao  possível  anacronismos  dos  postulados  brandianos,  essa  também  é 


uma  crítica  comumente  infligida  às  Cartas  de  Veneza    (1964)  e  de  Restauro 
Italiana  (1972),  ambos  os  documentos  estruturados  pelo  “Restauro  Crítico”. 
Contudo, segundo Kühl (2008, p. 87), a Carta de 72 é ainda pertinente, mesmo 
exigindo “[...] alguns textos complementares e integrativos, pois o documento 
incluía, além de preceitos teóricos, alguns procedimentos técnicos considerados 
ultrapassados na atualidade.” Esse entendimento igualmente se aplica à Carta 
de Veneza (tópico aprofundado mais adiante)127. 

Os variados aspectos da produção teórica de Brandi, e 
de  sua  atuação  prática,  estão  sempre  inter‐
relacionados,  remontando  a  um  núcleo  comum  de 
pensamento,  extremamente  consistente,  a  partir  do 
qual  os  diversos  temas  se  articulam  e  se  aprofundam. 
(KÜHL, 2008, p. 68). 

No  entanto,  admite‐se  que  “existem  correntes  não  brandianas  (e  até  mesmo 
antibrandianas)”, pois os postulados do autor não foram unanimidade quando 
de sua proposição, assim como não há consensos  absolutos no campo disciplinar 
(KÜHL, 2008, p. 98‐99).  

Ainda  no  âmbito  do  Restauro  Crítico,  Umberto  Baldini  (1997,  1988)  também 
elabora sua Teoria da Restauração, cerca de quinze anos depois de Brandi. Com 
um  estudo  mais  extenso,  do  que  a  obra  de  seu  predecessor  consagrada  em 

 
                                                             
 
126
 “De todos modos, tratándose de superficies arquitectónicas, aunque viejas y alteradas, 
la  conservación  será  preferible  en  virtud  del  reafirmado  valor,  puramente  figurativo 
además de histórico‐documental, de las pátinas; no hay más que recordar las magistrales 
consideraciones de Brandi sobre tal concepto.” 
127
 Ver item: 3.3.1 Cartas patrimoniais. 
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território brasileiro, e reforçado por vários exemplos, Baldini retoma postulados 
brandianos128.  

Um deles é a afirmação do conhecimento do bem como uma das operações mais 
importantes para a intervenção, pois permite compor a “consciência da obra”, a 
qual  não  deve  modificar‐se  de  modo  algum  (BALDINI,  1997,  p.  9,  tradução 
nossa).  Em  função  disso,  a  intervenção  deve  ser  “neutra”  em  relação  ao 
“potencial  expressivo  da  obra”  (BALDINI,  1998,  p.  36,  tradução  nossa). 
Entretanto,  isso  não  significa  dizer  que  se  deve  consolidar  uma  imagem 
deteriorada do bem, mesmo que embasada por um rigor teórico. A lacuna não 
deve ser vista como um dado histórico a ser perpetuado. Entendê‐la como parte 
da  obra  representa  uma  postura  arbitrária  que  prolonga  indefinidamente  um 
momento da existência da obra. Essa forma de atuar é cômoda, mas também é 
nociva. O restauro é essencial para sanar os danos que podem levar à destruição 
do bem. Quando a intervenção é adequada, o peso do tempo não é um valor 
preponderante sobre o documento histórico. Outrossim, o mesmo rigor teórico 
não permite eliminar todos os sinais do tempo da obra, visando buscar o aspecto 
original do monumento. O momento de sua criação, o tempo e a intervenção do 
homem são instâncias a serem balanceadas, não uma competição. É o equilíbrio 
entre o nascimento da obra, as características adicionadas ao bem com o tempo 
e  ação  pertinente  ao  presente,  que  se  deseja  com  a  intervenção.  (BALDINI, 
1997). 

Por sua vez, Baldini (1997) considera que a operação de conservação do bem é 
uma  manutenção.  Ela  é  indispensável  para  a  existência  da  obra  e  não  possui 
substância  (escala)  suficiente  para  localizar‐se  no  tempo  presente  da 
intervenção,  que  seria  o  do  restauro.  O  autor,  inclusive,  emprega  o  termo 
“manutenção” como um equivalente da conservação. Tal compreensão é diversa 
da assumida na presente pesquisa, para a qual esta é uma ação de menor escala 
do que a de restauração propriamente dita, ao passo que aquela é uma ação 
rotineira “vulgar” (tanto a conservação quanto a restauração ocorrem no âmbito 
de uma iniciativa macro de restauração do patrimônio).  

Todavia, isso não invalida o que Baldini (1997) defende para a reintegração de 
lacunas de pequena monta em relação à obra, que é uma ação de reprodução129. 
Para  o  autor,  esta  não  é  uma  falsificação,  porque  tais  lacunas  são 
particularmente inexpressivas e, portanto, a ação se insere no contexto de sua 
“conservação/manutenção”.  No  entanto,  deixar  deliberadamente  de  atuar  ou 

 
                                                             
 
128
 A  Teoria  de  Restauração  de  Brandi,  embora  seja  mais  conhecida  por  meio  de  um 
pequeno volume, não se limita a esse e abarca diversos outros documentos. 
129
 A lacuna de pequena monta é identificada por Baldini  (1998, p. 22, tradução nossa) 
como “lacuna‐falta” e a lacuna de maior porte como “lacuna‐perda”.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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distinguir  essa  reintegração  acabaria  por  converter‐se  em  uma  condição 


igualmente  marcante,  pois  criaria  “zonas  neutras”  que  afetariam  a  leitura  da 
obra.  Isso  seria  um  “fetichismo  do  fragmento”,  uma  conduta  que,  segundo 
Baldini  (1997,  p.  58‐61,  tradução  nossa),  é  resultado  de  uma  interpretação 
“incorreta (ou confortável)” da Carta de Restauro italiana (1972), baseada em 
um  pretenso  “rigor”  que  afeta  negativamente  o  restauro  de  diversos 
patrimônios arquitetônicos.  

Por outro lado, quando a lacuna é maior, a reintegração deve ser uma ação de 
“puro  restauro”,  planejada  por  um  processo  metodológico  críticofilológico, 
empregando  uma  “abstração  da  matéria  existente”  (BALDINI,  1997,  p.  24, 
tradução nossa). Desse modo, não se modifica o documento histórico, nem se 
falsifica  uma  “realidade  temporal‐histórica”.  A  reprodução,  nesse  caso,  seria 
uma  falsificação,  pois  consistiria  em  um  ato  arbitrário  que  outorgaria  uma 
importância  expressiva  a  elementos  que  não  são  originais  –  uma  “autêntica 
falsificação temporal”. (BALDINI, 1997, p. 10, tradução nossa).  

A  “abstração  da  matéria”,  pela  reprodução  do  volume  e  da  simplificação  da 
forma,  não  plagia  o  original  nem  compete  com a  expressão  da  obra.  Ou  seja, 
promove o desejado equilíbrio entre a criação do bem, o tempo que nele atuou 
e  a  intervenção.  (BALDINI,  1997).  Com  efeito,  a  distinguibilidade  não  pode 
modificar a imagem do bem, pois isso teria um impacto negativo sobre o poder 
de  expressão  da  arquitetura  preexistente,  seria  uma  datação  inútil  (BALDINI, 
1998). 

Em vista disso, observa‐se que a quantidade da lacuna, ou seu peso em relação 
à sua expressão,  é um aspecto importante para Baldini (1997) no que se refere 
a qual premissa teórica irá balizar essa intervenção. Logo, ela indica se é uma 
“manutenção/conservação” ou um “restauro”.  

Se esta “medida” é suportada ou assimilada pela obra 
sem  sofrer  qualquer  alteração  do  seu  estado,  significa 
que a ação não é apenas lícita, mas que pode fazer parte 
direta e integralmente correta no “tempo‐vida” da obra 
como um simples ato de manutenção. Contudo se essa 
“medida”'  altera  de  alguma  forma  os  valores  da  obra, 
introduzindo  diferentes  equilíbrios,  a  obra  não  pode 
assimilá‐la e será alterada e dominada por um ato ilícito, 
porque cai na imitação ou na competição afetando de 
maneira  totalmente  negativa  seu  "tempo‐vida". 
(BALDINI, 1997, p. 39, tradução nossa)130. 

 
                                                             
 
130
 “Si  esa  ‘medida’  es  soportada  u  asimilada  por  la  obra  sin  que  ésta  sufra  ninguma 
alteración de su estado significa que la actuación no sólo es lícita, sino que puede formar 
parte directamente y con pleno derecho en el ‘tempo‐vida’ de la obra como un simple 
acto e de mantenimiento. Pero si esa ‘medida’ altera de alguna forma los valores de la 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
148 
 

Baldini  (1997,  p.  15,  tradução  nossa)  também  entende  a  questão  da  limpeza 
como  sendo  pertinente  ao  contexto  da  conservação/manutenção.  O  autor 
defende que toda obra “[...] tem direito de ser reintegrada com uma intervenção 
lógica de manutenção” (que no caso da presente pesquisa é só conservação). 
Sendo  assim,  a  limpeza  deve  ser  profunda,  mas  deve  procurar  manter  um 
equilíbrio entre a criação da obra e o tempo “sem criar dissonâncias”. Tratando‐
se  do  patrimônio  arquitetônico,  é  a  pátina  das  pinturas,  pedras  e  outros 
revestimentos que não se deve buscar eliminar com a limpeza. (BALDINI, 1998).  

Nesse contexto, Baldini (1998, p. 41, tradução nossa) rechaça a ideia de que "[...] 
um  bom  restauro  nunca  deve  parecer  muito  novo  ou  muito  evidente, 
acreditando  que  isso  resolve  o  problema 131 .”  Segundo  o  autor,  esse 
entendimento é simplista e promove uma conduta de intervenção que implica 
um “mimetismo falsificador” no tratamento das superfícies. 

Por outro lado, o autor destaca equívocos, como o restauro arqueológico, cujo 
afã  histórico  documental  acaba  por  impor  perdas  irreversíveis  a  essa  mesma 
história  do  bem.  Uma  “crônica  inútil”  promovida  pela  permanência  de 
acréscimos  espúrios  que  poderiam  ser  somente  documentados  por  meio  de 
registro gráfico/fotográfico. 

Em  síntese,  a  principal  característica  da  Teoria  de  Baldini  (1997)  é  a  ênfase 
conferida  ao  equilíbrio  entre  os  momentos  que  conformaram  a  expressão  do 
patrimônio.  O  ato  crítico  de  restaurar  deve  ter  como  intuito  principal  não 
comprometer o valor do patrimônio, mesmo que isto seja difícil e envolva, além 
das questões éticas e estéticas, também as econômicas. (BALDINI, 1998). 

3.2 T EORIA DE RESTAURAÇÃO CONTEMPORÂNEA


De fato, o Restauro Crítico continua a ser uma linha teórica consistente e atual 
para a intervenção no patrimônio cultural. Todavia, a própria compreensão do 
patrimônio se ampliou e expandiu desde sua criação, contribuindo para novas 

 
                                                             
 
obra  introduciendo  en  ellla  equilibrios  distintos,  la obra  no  podrá asimilarla y quedará 
alterada y dominada por um acto ilícito, porque cae en la imitación o en la competición 
afectando de manera totalmente negativa al ‘tempo‐vida’ de la obra.” 
131
 "[...] una buena restauración no debe parecer nunca demasiado nueva o demasiado 
evidente creyendo solucionar así el problema.”
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
149 
 

reflexões 132 .  Segundo  Giovanni  Carbonara  (1998),  a  partir  de  1970,  são 
propostas novas correntes teóricas que são menos esquemáticas e absolutas do 
que as duas instâncias estabelecidas por Brandi. Tais correntes “[...] priorizaram, 
por  um  lado, o  componente  'estético'  (de  alguns  processos  de  reintegração  e 
restituição)  e,  por  outro  o  ‘histórico’  (consequentemente,  conservador).” 
(CARBONARA, 1998, p. 13, tradução nossa)133. 

A corrente teórica denominada "Conservação Pura" ou "Conservação Integral" 
assume  uma  conduta  mais  conservadora.  Segundo  Beatriz  Kühl  (2008),  os 
principais autores que a defendem são: Marco Dezzi Bardesch, Amedeo Bellini, 
B. Paolo Torsello e Anna Lucia Maramotti. 

Quanto à questão da matéria e da imagem, a "Conservação Pura” não confere 
acentuada  importância  à  imagem,  pois  isso  deturpa  a  matéria.  Logo,  não 
reconhece  superfícies  de  sacrifício  no  bem,  porque  todas  as  superfícies  do 
edifício registram as suas transformações e história, detendo excepcional valor 
documental  e  devendo  ser  preservadas  integralmente.  “Mesmo  os  sinais  de 
degradação têm significado histórico, além de estético e, portanto, devem ser 
respeitados;  [...]”  (CARBONARA,  1998,  p.  17,  tradução  nossa) 134 .  Conforme 
Marco Dezzi Bardesch afirma, em entrevista à Andrea Lacomoni (2013), os sinais 
de deterioração da arquitetura de valor patrimonial aumentam sua aura.  

Portanto, essa corrente privilegia a instância histórica. As várias estratificações 
da  obra  são  “rigorosamente  respeitadas”,  ainda  que  apresentem 
descontinuidades,  “[...]  admitindo‐se  uma  configuração  final  da  obra  com 
conflitos  e,  mesmo,  contradições.”  (KÜHL,  2006,  p.  28).  Tal  conformação  do 
patrimônio não é contraditória, haja vista que é resultante de todas as ações que 
foram impostas ao bem ao longo do tempo. A historicidade dessas ações é “[...] 
respeitada de modo absoluto, sendo a matéria preservada tal qual chegou aos 
dias de hoje.” (KÜHL, 2008, p. 83). 

Ao privilegiar a instância histórica, a “Conservação Pura” rejeita qualquer tipo de 
reintegração e reprodução estilística, incluindo formas simplificadas, e também 
repudia  a  remoção  de  adições.  Segundo  Bardesch  (na  citada  entrevista),  a 
matéria  faz  a  história,  por  meio  da  forma  em  um  contexto.  Essa  “pele”  da 
 
                                                             
 
132
 Paolo Torsello (2005, p. 9)  afirma que a reflexão sobre o restauro é essencialmente 
limitada  à  Itália,  segundo  o  autor,  os  outros  países  europeus  parecem  mais 
comprometidos  com  os  “aspectos  técnicos  e  operacionais”,  ou  seja,  em  como  se 
restaura.  Kühl  (2008),  por  sua  vez,  ressalta  que  na  França,  por  exemplo,  há  reflexões 
profundas quanto à preservação, sob o enfoque antropológico e sociológico.  
133
 “[...]  que  han  primado,  por  un  lado,  la  componente  ‘estética’  (de  alguna  manera 
reintegrativa y restitutiva) y por el otro la ‘histórica’ (en consecuencia, conservativa).” 
134
 “Las mismas  señales de la degradación tienen importancia  histórica, más  allá de la 
estética, y por lo tanto deben ser respetadas; [...].” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
150 
 

arquitetura “é uma arte autografada”, por isso não pode ser “repetível”. “Cada 
gesto  e  sinal  que  se  acumula  no  território  tem  sua  autenticidade  [...] 135 .”  A 
autenticidade  da  matéria,  como  documento,  é  um  ponto  pelo  qual  o  autor 
afirma lutar, uma vez que a relação entre a matéria e o contexto é inseparável. 
(In: LACOMONI, 2013, p. 66‐75, tradução nossa). 

Nesse  sentido,  devem‐se  sanar  as  patologias  na  arquitetura  histórica,  pois  se 
entende que a conservação “[...] não é mero apêndice do restauro, nem um grau 
de intervenção. É algo de natureza diversa.” (KÜHL, 2008, p. 83). Essa talvez seja 
a  principal  “peculiaridade”  da  corrente  teórica  “Conservação  Pura”:  a 
dissociação  da  conservação  de  qualquer  outra  ação. O  novo  na  intervenção é 
considerado uma ação à parte, o momento autônomo de criação e de “liberdade 
figurativa”. (KÜHL, 2008, p. 90). Ou, como Bardesch enuncia, o novo representa 
um  “poder  autônomo  de  expressão”  (In:  LACOMONI,  2013,  p.  47,  tradução 
nossa).  São  esses  “possíveis  conteúdos,  funções  e  expressões”  agregados  ao 
novo  que  a  intervenção  deve  promover,  além  de  garantir  a  conservação  do 
patrimônio. (In: LACOMONI, 2013, p. 27, tradução nossa).  

De acordo com Bardesch, a dialética entre o antigo e o novo é uma necessidade 
inseparável da reutilização da arquitetura histórica. Portanto, esse deve ser um 
diálogo  conciliador,  estruturado  por  “fragmentos  significativos”  entrelaçados 
conscientemente e criativamente com o bem. Assim, uma maneira de intervir 
respeitosamente  na  preexistência  é  empregar  uma  gramática  que  constrói  o 
diálogo entre o novo e o antigo viabilizada com materiais simples, a exemplo do 
tijolo. Esse é um recurso coerente, à medida que a tecnologia se impõe de forma 
“cada  vez  mais  invasiva”,  nas  dinâmicas  de  reutilização  do  antigo.  (In: 
LACOMONI, 2013, p. 45‐47, tradução nossa).  

Paolo Torsello (2005) acrescenta que o restauro é um momento criativo do autor 
do  projeto,  mas  também  de  autoconsciência.  Ele  não  deve  alterar  o 
preexistente; deve, inclusive, prover a manutenção dos sinais de sua decadência, 
pois  estes  são  essenciais  para  a  análise  da  obra  e  para  a  tradução  de  sua 
mensagem. No entanto, o autor também defende que o novo é essencial; sendo 
assim, tanto o novo quanto o antigo devem coexistir.  

Da mesma forma, Amedeo Bellini (2005, p. 23, tradução nossa) defende que se 
promova o entendimento da “intensidade expressiva” da arquitetura histórica, 
por  meio  do  destaque  de  sua  “mensagem  verdadeira”.  Somente  “[...]  a 
autenticidade  dos  dados  materiais  é  garantia  essencial  da  verdade  [...].” 

 
                                                             
 
135
 “Ogni gesto e segno che si accumula sul territoria há la sua specifica, irriproducibilie 
autenticità [...].” 
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151 
 

Entretanto, “a adição é inevitavelmente contemporânea”; assim, deve ser aceita 
no âmbito das transformações, “maximizando a permanência”.  

Com  uma  abordagem  praticamente  oposta  à  "Conservação  Pura",  a  corrente 


teórica  denominada  "Manutenção‐restauração"  (CARBONARA,  1998,  tradução 
nossa), ou “Manutenção‐repristinação”, ou  ainda “Hipermanutenção”, enfatiza 
as ações de pesquisa e operacionais envolvendo “manutenções ou integrações, 
ordinárias e extraordinárias” (KÜHL, 2008, p. 86).  

Quanto  à  questão  da  matéria  e  da  imagem,  a  “Manutenção‐restauração” 


confere  relevante  destaque  à  imagem;  logo,  ela  questiona  a  autenticidade  da 
matéria na intervenção. Paolo Marconi (1993, p. 8, tradução nossa) afirma que 
os argumentos propagados pelos antigos “heróis” teóricos, cheios de “certezas 
morais” e métodos, são “tecnicistas” e mobilizados acentuadamente pelo valor 
de  antiguidade  conferido  ao  patrimônio.  Para  o  autor,  mesmo  os  materiais 
empregados  em  consolidações  definidas  em  uma  intervenção  alinhada  com  a 
“Conservação  Pura”,  dificilmente  são  inteiramente  compatíveis  com  os 
preexistentes  e,  além  disso,  esses  também  progressivamente  se  degradam. 
Desse modo, “[...] o problema não é a autenticidade do texto, é a qualidade da 
interpretação, bem como a qualidade intrínseca da música [...]136.”  

Marconi  (1993)  também  pondera,  relembrando  que,  para  os  japoneses,  a 


legibilidade da obra lhe confere autenticidade. Por isso a imagem da degradação 
é  aviltante,  sendo  empregada,  inclusive,  a  reconstrução.  Contudo,  o  autor 
assinala que a reconstrução de qualquer arquitetura é uma situação extrema, 
que deve ser avaliada com rigor filológico caso a caso, atentando‐se ainda para 
o valor que é conferido ao bem. Uma reconstrução é uma nova arquitetura, mas 
também é capaz de provocar emoções.  

Ademais, se é a imagem que prevalece e orienta a definição da intervenção, o 
aspecto degradado do bem deve ser rejeitado. Assim, a limpeza das superfícies 
do  patrimônio  construído  é  executada  atingindo  camadas  mais  profundas  da 
matéria  e  prevendo  protetivos  para  estas.  As  superfícies  de  sacrifício  são 
adotadas,  pois  entende‐se  que  são  renovadas  periodicamente  com  a 
conservação  do  patrimônio.  (CARBONARA,  1998).  Portanto,  as  argamassas  e 
pinturas  deterioradas  devem  ser  refeitas,  empregando  técnicas  e  materiais 
adequados. “Isso é diverso, porém, de refazer argamassas e não consolidar as 
que existem e pintar aleatoriamente.” (KÜHL, 2008, p. 232).  

Orientado  por  essa  mesma  perspectiva,  a  reprodução  de  partes  perdidas  ou 
deterioradas é justificada, inclusive sem simplificação  para a distinguibilidade. 

 
                                                             
 
136
 “[...]  problema  non  è  quello  dell'autenticità  del  testo,  ma  è  laquello  dela  qualità 
dell'interpretazione, oltre che quello della qualità intrinseca del brano musicale, [...].” 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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152 
 

Para  Marconi  (1993,  p.  181,  tradução  nossa),  a  distinguibilidade  das 


reintegrações  é  uma  “interpolação  maximalista”,  uma  “demonização  do  falso 
histórico”  ressuscitado  com  base  na  Carta  de  Restauro  Italiana  (1972),  que 
promoveu um “rigor intransigente” para a restauração. Tal premissa resulta em 
uma  imagem  de  “colcha  de  retalhos”  do  bem,  conferida  pelas  diversas 
integrações  que  se  sucedem  com  o  tempo.  Um  “perverso”  efeito  que  ganha 
escala  e  cria  um  “panorama  de  ruínas”,  contrário  ao  entendimento  da 
arquitetura como “um produto vivo de uma sociedade em movimento”. Essa é 
uma  “lacuna  definitiva  e  intransponível”  entre  as  gerações  antigas  e  atuais. 
Quanto às adições, o autor também diverge do uso generalizado de materiais 
típicos distinguíveis, como o concreto, no lugar do tijolo e da cal, e do aço, no 
lugar  da  madeira,  pois  é  possível  uma  identificação  “moderada”  empregando 
materiais tradicionais. (MARCONI, 1993, p. 189, tradução nossa)137. 

Paolo Marconi (1993) afirma que as questões teóricas mais atuais a respeito da 
intervenção no patrimônio podem ser sintetizadas em duas vertentes: proteger 
o  bem,  mesmo  em  seu  estado  reduzido;  ou  reviver,  tanto  quanto  possível, 
características  reconhecíveis  no  artefato  obscurecido  pela  degradação.  Isso 
porque o “paroquialismo acadêmico” reduz e intimida a capacidade criativa do 
arquiteto  restaurador,  cuja  responsabilidade  também  é  inserir  o  novo  na 
preexistência e restituir a capacidade de comunicação entre o patrimônio e a 
sociedade. Ao arquiteto que intervém no bem, “[...] o que mais importa é que 
ele  pode  comunicar  sua  mensagem  através  de  modificações  e  reduções,  uma 
mensagem que consiste em oferecer ao homem abrigo e proteção, bem como 
emoções  e  beleza138.”  Livre  da  “atmosfera  moralística”  de  que  a  honestidade 
estrutural  e  morfológica,  ostentada  por  técnicas  e  matérias  distinguíveis,  é  a 
verdade. (MARCONI, 1993, p. 28, tradução nossa).  

 
                                                             
 
137
 Paolo Marconi (1993) afirma que o uso do concreto foi promovido e estimulado para 
consolidação de monumentos na Carta de Atenas de 1931, sendo seu uso generalizado 
ainda na atualidade. Todavia, o autor aponta como exemplo negativo desse emprego o 
envelhecimento  acelerado  dos  edifícios  modernistas,  onde  a  diferença  de  materiais 
empregada na  restauro impacta profundamente na imagem despojada de adornos da 
arquitetura neste estilo, cujo forte são os ritmos e as formas. Em alguns desses casos é 
melhor,  inclusive  economicamente,  reconstruí‐los,  pois  os  sinais  de  degradação  são 
desaprovados  pela  “vontade  de  arte”  moderna.  (Ver  reflexão  de  Ignasi  Solà‐Morales 
(2006), sobre vontade de arte, mais adiante.) Nesse sentido, Kühl (2008, p. 94) destaca 
“uma tendência que se tem acentuado” de tratar “fora do âmbito disciplinar do restauro” 
as intervenções de preservação em bens de arquitetura moderna, industriais e bens que 
são expressões do último século. 
138
 “[...]  ciò  che  più  conta  è  che  essa  possa  comunicare  il  suo  messaggio  seppure 
attraverso mutazioni  e riduzioni, messaggio che cocsiste nell’ offrire all’'uomo riparo  e 
protezione, oltre che emozioni estetiche.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
153 
 

A veemência de Marconi na defesa de sua crença na corrente da “Manutenção‐
restauração”  induz  a  uma  perspectiva  mais  emocional  do  pensamento  para 
intervenção  no  patrimônio.  Para  Carbonara  (2006,  p.  16),  a  “Manutenção‐
restauração”  impõe  um  escrutínio  “particularmente  pesado  de  manutenção 
substitutiva e inovadora”. Para Torsello (1988, p. 24 apud KÜHL, 2006, p. 28), ela 
baseia‐se  “[...]  numa  lógica  indutiva,  enquanto  a  teoria  brandiana  parte,  ao 
contrário, de uma lógica dedutiva fundamentada em axiomas éticos e científicos 
[...]139.” Segundo (KÜHL, 2006, p. 28), a Manutenção‐restauração” é contrária ao 
pragmatismo  da  “Conservação  Pura”  e  do  “Restauro  Crítico‐conservativo”, 
tratado a seguir, que têm em comum uma “tendência maior a se trabalhar por 
analogia.”  

Em  uma  linha,  pode‐se  dizer,  menos  radical  do  que  as  anteriores,  a  corrente 
teórica “Restauro Crítico‐conservativo” é fundamentada no axioma de que cada 
intervenção  é  um  caso 140 .  Ela  é  representada  por  autores  como:  Giuseppe 
Zander,  Salvatore  Boscarino,  Gaetano  Miarelli  Mariani,  Sandro  Benedetti, 
Arnaldo  Bruschi,  Francesco  Gurrieri  e  pelo  próprio  Carbonara.  (CARBONARA, 
1998).  

O  “Restauro  Crítico‐conservativo”  tem  uma  estrutura  de  pensamento  que 


confere grande relevância aos “[...] valores documentais e formais da obra como 
imagem figurada.” As instâncias históricas e estéticas são assumidas de forma 
crítica,  interativa  e  sintética,  não  dissociativa.  Em  virtude  do  interesse  pela 
clareza  e  por  “facilitar  a  leitura”  do  patrimônio,  destacando  o  aspecto 
documental sem renunciar à imagem, há uma crescente atenção por essa linha 
teórica  para  a  intervenção  no  patrimônio  construído.  (KÜHL,  2008,  p.  82‐90). 
Carbonara  (2006)  defende  que  essa  é  a  corrente  teórica  mais  correta  e  em 
consonância  com  a  compreensão  ampliada  de  patrimônio,  como  expressão 
cultural,  e  com  o  necessário  juízo  de  valor  para  a  intervenção.  O  “Restauro 
Crítico‐conservativo” admite que, 

[...]  nem  tudo numa  mesma obra deva  ser preservado 


ou deva ser “visível” imediatamente e ao mesmo tempo, 
preconizando‐se limitadas remoções em casos pontuais, 
e  propondo,  quando  necessário,  a  reintegração  da 
imagem. (KÜHL, 2008, p. 90). 

 
                                                             
 
139
 Obra não consultada: TORSELLO, B. Paolo. La Materia del Restauro. Venezia: Marsilio, 
1988, p. 24. 
140
 Gaetano Miarelli Mariani (2000, p. 65‐92 apud KÜHL, 2008, p. 81) identifica essa linha 
de restauro como “Posição Central”.  
Obra  não  consultada:  MIARELLI,  M.  G.  “I  Restauri  di  Pierre  Prunet:  Um  Pretesto  per 
Parlare di Architettura”, Palladio, 2000, n. 27, pp. 65‐92. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
154 
 

Contudo, na intervenção orientada por essa corrente, os casos de remoção de 
adições e reproduções “[...] são cada vez mais restritos, tendendo‐se uma ampla 
conservação  do  documento  [...].”  Essa  é  uma  postura  “prudente”  que  se 
assemelha  à  “Conservação  Pura”,  todavia  “[...]  não  significa  de  modo  algum 
congelamento,  e  não  prescinde,  antes  propõe,  quando  necessário,  o  uso  de 
recursos  criativos  (utilizados,  porém,  com  respeito  pela  obra  e  não  em 
detrimento dela) [...].” A criação no “Restauro Crítico‐conservativo” é solidária, 
condicionada  e  pressionada  pelo  bem,  de  modo  a  que  exista  uma articulação 
entre a ação conservativa e ação inovadora. (KÜHL, 2008, p. 82‐90). Sendo assim, 
a liberdade para criação no “Restauro Crítico‐conservativo” é menor, comparada 
à “Conservação Pura”, a qual a criação do novo é assumida e dissociada da ação 
de conservação, que é bastante restritiva, conforme já citado. 

Nesse  contexto,  Carbonara  sustenta  que  a  pátina  é  corroborada  pelo  caráter 


histórico e pelo estético, por meio da imagem. Sendo assim, o autor contesta 
“argumentações pseudocientíficas”, que discutem a cor da edificação, no lugar 
do tema que seria mais pertinente: “[...] a ‘conservação’, através da perpetuação 
da  matéria,  do  colorido  antigo,  mesmo  se  desbotado  e  não  necessariamente 
original.”  (CARBONARA,  2006,  p.  14).  Para  o  autor,  a  significação  histórica  da 
imagem precede à estética da novidade, pois a preexistência já possui um valor 
que é único e completo e “[...] qualquer intervenção sobre a obra é também uma 
intervenção sobre a maneira de transmitir a obra em si, ao longo do tempo.” 
(CARBONARA, 2013, p. 69‐70, tradução nossa)141. 

Entretanto,  isso  não  se  traduz  em  imutabilidade  da  preexistência,  sobretudo 
porque não há uma maneira asséptica de restaurar. Intervir na arquitetura de 
valor  patrimonial  significa  operar  sensivelmente  uma  mudança,  que 
inevitavelmente tem implicações estéticas e formais no edifício. (CARBONARA, 
2012).  Para  o  “Restauro  Crítico‐conservativo”,  isso  significa  transformar  de 
forma  confiante,  podendo  contar  com  o  emprego  equilibrado  de  elementos 
modernos,  pois  o  restauro  não  deve  ser  anulado  pela  arquitetura,  nem  o 
contrário. “O contraste bem estudado é muitas vezes preferível à imitação e à 
replicação linguística mais tranquilizadora.” (CARBONARA, 2013, p. 6, tradução 
nossa)142. 

 
                                                             
 
141
 “[...] qualsiasi sull’opera è anche intervento sul modo di trasmettersi dell’opera stessa 
nel tempo.” 
142
 “[...] contrasto com l’antico, sovente preferibili ala più rassicurane via dell’imitazione 
e dela replica linguística); [...].” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
155 
 

Em função disso, a tecnologia, por exemplo, deve ser deixada à vista. Um diálogo 
deve ser estabelecido com ela, evitando‐se os danos à matéria remanescente do 
bem, por consequência da intenção de dissimulá‐la. Isso, por certo, respeitando‐
se  os  tópicos  operacionais  de  reversibilidade,  distinguibilidade  e  mínima 
intervenção. (CARBONARA, 2013).  

Ainda no âmbito do “contraste bem estudado”, deve‐se atentar para os casos 
em  que  a  consolidação  impacta,  sobremaneira,  no  que  o  bem  comunica,  à 
medida  que  a  matéria  do  documento  se  impõe  à  imagem.  Ações  como 
consolidações estruturais dispensam muitos esforços para evitar demolições e 
reconstruções,  incorrendo  no  emprego  de  propostas  e  recursos  que  são 
acréscimos visuais que se sobressaem à arquitetura preexistente. Com efeito, a 
consolidação  estrutural  “nunca  é  figurativamente  neutra”  ou  asséptica. 
(CARBONARA, 2013, p. 4, tradução nossa).  

Disso  decorrem  consequências  imediatas,  para 


arquitetura, para o chamado "restauro estrutural", não 
raro  caracterizado  por  preconcebidas  posturas  de 
predileção  pelo  "esquema estático"  em detrimento da 
figuratividade  arquitetônica  e  de  consequente 
"purismo" tradicionalista, com formulações de método 
que, mesmo inteligentes, são, no entanto, radicalmente 
inconscientes  da  complexidade  do  problema  e  da  sua 
natureza, no mais alto grau, crítica. (CARBONARA, 2006, 
p. 8‐9). 

Portanto,  em  nome  da  legitimidade  e  visando  à  distinguibilidade,  o 


conservadorismo  no  tratamento  de  materiais  e  superfícies  tem  resultado  em 
conflito com a imagem do bem, o que não é um contraste bem estudado. Além 
disso, como citado antes, nem tudo deve ser imediatamente visível. Com efeito, 
Carbonara (2006, p. 9) emprega esse argumento, não com objetivo de privilegiar 
a  instância  estética,  mas  visando  a  reforçar  o  entendimento  de  que  “[...]  não 
existem  linhas  operacionais  privilegiadas,  porque  cada  caso  é  um  caso  [...]” 
particular,  com  sua  forma,  seus  materiais  e  sua  significação.  Assim,  é 
imprescindível o posicionamento crítico para a intervenção, que já era postulado 
por Roberto Pane (1944), quando esse  defendia que cada bem deve ser visto 
como único.  

Com base nesses apontamentos, se reconhece que essas três correntes teóricas 
não  são  necessariamente  antíteses  umas  das  outras.  Ainda  mais  lendo‐se  em 
conta que partem de um ponto comum, o “Restauro Crítico”. De fato, existem 
premissas conceituais distintas, mas o destaque destas é também um recurso 
didático, pois são as diferenças que apontam o léxico teórico de cada uma. Na 
prática,  no  que  se  refere  à  intervenção  contemporânea  no  patrimônio 
arquitetônico, há mais semelhanças do que diferenças.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
156 
 

Tratando‐se  das  semelhanças,  cabe  retomar  Françoise  Choay  (2005,  p.  10),  
quando  esta  sustentava  há  pouco  mais  de  uma  década  que,  apesar  da 
“vulgarização" do conceito de patrimônio em nosso quotidiano, decorrente da 
“massificação do turismo cultural”, não ocorreu uma “alteração significativa nos 
instrumentos teóricos”. Com efeito, os fundamentos teóricos consolidados na 
metade  do  século  passado  ainda  são  basilares  para  a  intervenção.  Em  razão 
disso,  Choay  (2006,  p.  221‐222)  afirma  que,  no  tempo  da  “mundialização”,  é 
essencial “[...] repensar e restaurar inteiramente a totalidade das nossas práticas 
atuais  do  patrimônio.”  Em  face  disso,  não  temos  de  assumir  posturas 
maniqueístas que podem ser defendidas, tanto pelos “tecnoidólatras”, quanto 
pelos  “fetichistas  do  patrimônio”.  Para  preservar,  é  necessário  refletir 
criticamente, de  modo  a  retomar  a  competência  de  edificar  no  já  construído, 
respeitosa e articuladamente. 

Sobre essa competência de edificar no edificado, Claudio Varagnoli (2007) frisa 
que  a  principal  dificuldade,  na  contemporaneidade,  é  a  dicotomia  que  se 
estabelece entre restauro e design. De forma semelhante, Carbonara (2006, p. 
8) defende que as divergências no campo teórico da intervenção no patrimônio 
são, de modo geral, da ordem das “recriações modernizadoras e fantasiosas” e 
das reproduções tal e qual ou simplificadas. Portanto, segundo Varagnoli, este 
momento não tem sido de profunda revisão de métodos, mas sim de 

[...]  relançamento  da  abordagem  interpretativa  do 


patrimônio histórico de acordo com parâmetros que, às 
vezes, são novos e estimulantes, mas, muitas vezes são 
questionáveis  e  artificiais,  excessivamente  formalistas 
recusando a submeter‐se à lógica do edifício existente. 
(VARAGNOLI, 2007, p. 836, tradução nossa)143. 

Lógica do edifício existente que, como discutido nos capítulos anteriores, é um 
discurso – o da preexistência. Nesse sentido, entende‐se que não se intervém no 
vazio  e  não  se  deve  musealizar  a  arquitetura  de  valor  patrimonial.  Logo,  não 
convém fomentar a dualidade entre “conservação” e “projeto”. A intervenção 
cria com a preexistência, que deve ser assumida em sua amplitude significativa. 
Sob tal condição, ela pode, inclusive, ressignificar sua historicidade com o novo, 
acrescentando  uma  nova  camada  de  tempo,  sem  subverter  os  discursos  da 
preexistência.  

 
                                                             
 
143
 “[...] di rilancio dell’approccio interpretativo del patrimônio storico secondo parametri 
talvolta  inediti  e  stimolanti,  spesso  discutibili  e  artificiosi,  sempre  con  un  eccesso  di 
formalismo che rifugge dal sottomettersi alla logica dell’edificio preesistente.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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157 
 

Em  alguns  casos  particulares,  a  intervenção 


pode  assumir  um  papel,  em  certa  parte,  de  F IGURA  1   –   F UNDAÇÃO  U NIVERSITÁRIA  J OSÉ  B ONIFÁCIO .

protagonista  para  a  preservação  de  uma 


arquitetura  histórica.  Vejam‐se  os  exemplos 
das  intervenções  na  Fundação  Universitária 
José Bonifácio, no Museu do Folclore e na Casa 
da  Rua  Ibituruna,  81  Maracanã,  no  Rio  de 
Janeiro,  que  foram  tombados  em  1990  pelo 
Instituto  Estadual  do  Patrimônio  cultural 
(INEPAC),  em  função  das  propostas  das 
intervenções 144 .  Vale  ressaltar  que,  nesses 
casos,  a  significação  conferida  às  edificações  Fonte: s/ a. (s/ d). 
permitia isso. (Ver figuras 1‐3)   http: http://www.fujb.ufrj.br/ 

F IGURA  2   –   C ASARÃO NA  R UA  I BITURUNA ,   81. F IGURA  3   –   C ENTRO  N ACIONAL DE  F OLCLORE E  C ULTURA  P OPULAR .  

Fonte: s/ a. (s/ d). Número do processo: E‐18/300.321/87  Fonte: s/ a. (s/ d). 
http://www.inepac.rj.gov.br/index.php/bens_tombados/d http: http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=1 
etalhar/341 
 

 
                                                             
 
144
 Conforme  o  processo  nº: E‐18/300.321/87  de  tombamento  do  INEPAC,  as  três 
intervenções foram de autoria do arquiteto Alcides da Rocha Miranda.  
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158 
 

3.3 P OSTURAS TEÓRICAS NA PRÁTICA


BRASILEIRA

Beatriz  Kühl  (2008),  no  livro  Preservação  do  Patrimônio  Arquitetônico  da 
Industrialização,  analisa  intervenções  contemporâneas  em  âmbito  nacional, 
executadas  no  patrimônio  arquitetônico  industrial.  Iniciativas  que  ocorreram 
com o objetivo de promover a revalorização do Bairro da Luz, em São Paulo, por 
meio de grandes equipamentos, inclusive culturais. Intervenções que, por sua 
vez,  são  emblemáticas  do  contexto  da 
indústria  cultural.  Esse  estudo  discute  as  F IGURA  4   –   A NTIGO ARMAZÉM ,  ATUAL  M EMORIAL DA 
R ESISTÊNCIA DE  S ÃO  P AULO .  
intervenções concluídas em 2006 nos edifícios 
da  antiga  Companhia  Sorocaba:  Estação  Júlio 
Prestes e armazém (ambos edifícios tombados 
pela  instância  de  proteção  estadual)  e  na 
Estação da Luz (tombada pelas três instâncias 
de proteção). (Ver figuras 4‐6.) Além dessas, a 
autora  também  comenta  outras  iniciativas 
nesse mesmo tipo de bem: a Fábrica de Louça 
Santa  Catarina,  o  Conjunto  das  Indústrias  de 
Louça  Zappi  e  o  conjunto  Cotonifício  Crespi  Fonte: DIAZ, Larissa I. H. (2016) 
(ambos na Mooca), entre outras.   http://twixar.me/ZJt1 

F IGURA  5   –   E STAÇÃO  J ÚLIO  P RESTES .   F IGURA  6   –   E STAÇÃO DA  L UZ .  

Fonte: COELHO, Luiz (2013).  Fonte: PANCIERI, Jefferson (2008). 
http://twixar.me/f9t1   http://twixar.me/nzt1 

Por  meio  dessa  pesquisa,  a  autora  identifica  como  posturas  recorrentes  nas 
intervenções, em relação ao referencial teórico, o fachadismo; o tratamento das 
superfícies com foco no novo; o uso como a finalidade da intervenção, não como 
meio para a preservação do bem; e a demolição de estruturas remanescentes, 
inclusive com a aprovação de órgãos de preservação. Ademais, a autora aponta 
que  a  distinguibilidade  é  o  tópico  operacional  brandiano  empregado 
comumente para amparar essas ações. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
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159 
 

Essas práticas opõem‐se à premissa teórica de “[...] preservar e facilitar a leitura 
dos aspectos estéticos e históricos do monumento, sem prejudicar o seu valor 
como documento e sem eliminar de forma indistinta as marcas da passagem do 
tempo na obra.” (KÜHL, 2008, p. 226). Não se deve subverter características do 
bem  como  “[...]  os  aspectos  formais,  documentais,  sua  composição  como  um 
todo (interna e externamente), sua materialidade, suas várias estratificações e 
seus aspectos simbólicos.” (KÜHL, 2008, p. 183‐184). 

Claudia  Cunha  (2010)  também  analisa 


intervenções  no  patrimônio  arquitetônico 
F IGURA  7   –   F ORTE  S ANTO  A MARO DA  B ARRA  G RANDE .    
brasileiro.  Nesse  caso,  promovidas 
particularmente  pelo  IPHAN  ao  longo  de  sua 
trajetória. No segmento de seu estudo sobre as 
intervenções que ocorreram a partir da década 
de 1990,  a autora discute as ações nos Fortes 
da  Barra  Grande  (Guarujá/SP)  e  de  São  João 
(Bertioga/SP) e, no âmbito do Monumenta, na 
Igreja Madre de Deus, no Edifício Chanteclair e 
no  antigo  Seminário  Oratoriano  (depois 
denominado Alfândega) (em Recife/PE). Todos 
tombados  pela  instância  federal  de  Fonte: FURTADO, S. (s/ d). 
proteção145. (Ver figuras 7‐11.)  http://twixar.me/Xnj1 

 
F IGURA  8   –   F ORTE  S ÃO  J OÃO DE  B ERTIOGA .   F IGURA  9   –   I GREJA  M ADRE DE  D EUS .  

Fonte: s/ a. (s/ d).  Fonte: TAVARES, D. (s/ d). 
http://www.abvc.com.br/mobile/evento.asp?IdEv=87  https://bityli.com/PAnUq 

 
                                                             
 
145
 O Monumenta é um programa do Ministério da Cultura criado em 1995 e implantado 
efetivamente em 2000. Financiado principalmente por meio  de empréstimo do Banco 
Interamericano  de  Desenvolvimento  (BID)  e  com  apoio  da  UNESCO,  seu  objetivo  é 
promover a sustentabilidade do patrimônio cultural urbano tombado pelo IPHAN e sob 
tutela federal. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
160 
 

 
F IGURA  10   –  EDIFÍCIO  C HANTECLER .   F IGURA  11   –   P AÇO  A LFÂNDEGA  S HOPPING . 

Fonte: MORAES, Karina (s/ d).  Fonte: LINS, Inaldo (s/ d). 
https://bityli.com/Bb7Cm  https://www.flickr.com/photos/recifeweb/6789262670 

A  autora  observa  que  o  principal  órgão  de  preservação  no  Brasil,  de  maneira 
geral, ainda mantém “a prática de reconstruções no ‘estilo patrimônio’”146. Isso 
ocorre, até mesmo em detrimento das frequentes referências à Carta de Veneza 
observadas nos documentos pesquisados, “[...] dando ensejo ao respeito pelas 
diversas  etapas  por  que  passou  o  monumento  e  no  abandono  da  busca  pela 
unidade estilística, [...].” (CUNHA, 2010, p. 157).   

Assim como Kühl, a autora também identifica o fachadismo, o tratamento das 
superfícies  enfatizando  o  novo  e  o  uso  como  finalidade  da  intervenção  na 
condição de posturas dissonantes recorrentes na prática do IPHAN. Isso constitui 
uma  atuação  distante  da  “verdadeira  restauração”,  por  ser  uma  “[...]  leitura 
estético  formal  dos  monumentos,  relegando  a  preservação  da  autenticidade 
material e histórica para segundo plano.” (CUNHA, 2010, p. 154).  

A  leitura  dos  monumentos,  apesar  do  discurso  mais 


amplo de patrimônio que se propala, continua a ser feita 
a  partir  de  suas  características  estéticas. Mas  a  leitura 
estética que se faz agora é ainda mais rasa do que aquela 
da  fase  heroica,  resumida  à  aparência  exterior  do 
monumento,  que  deve  ostentar  cores  chamativas  e 
alegres, num quadro de apropriação consumista e vazio 
daquilo  que  deveria  ser  a  materialização  da  memória 
coletiva. (CUNHA, 2010, p. 154). 

 
                                                             
 
146
 Lia Motta (1987) afirma que os moradores locais de Ouro Preto identificavam como o 
“estilo  patrimônio”  o  modelo  de  intervenção  que  mantinha  uma  unidade  de  estilo 
arquitetônico,  justificada  na  manutenção  da  ambiência  do  conjunto.  Conforme  citado 
antes,  esse  modelo  se  baseava  no  Decreto‐Lei  nº  25  de  1937  para  a  preservação  da 
arquitetura histórica nacional autêntica.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
161 
 

Outra  autora  que  analisa  intervenções  contemporâneas  no  patrimônio 


arquitetônico  em  âmbito  nacional  é  Patrícia  Nahas  (2015).  Ela  utiliza  uma 
metodologia em parte distinta das análises anteriores, pois seu objetivo é “[...] 
refletir sobre quais valores, quais critérios e como os desafios da intervenção em 
monumentos preexistentes são consumados na prática, [...]” (NAHAS, 2015, p. 
272).  Para  isso,  analisa  32  intervenções  empreendidas  de  1980  a  2000147,  em 
relação a critérios específicos de observação baseados nas na Carta de Veneza e 
nos trabalhos de Giovanni Carbonara e de Claudio Varagnoli148. Sendo esses: “a 
volumetria final da obra no que diz respeito ao seu aspecto formal” (que pode 
ser  relacionada  ao  tópico  operacional  brandiano  de  mínima  intervenção);  “a 
alteração  da  gramática  original  do  monumento  em  relação  as  suas 
características estéticas e históricas” (equivalente ao tópico de autenticidade); 
“o  julgamento  histórico‐crítico  em  remover  acréscimos  e  reintegrar  lacunas” 
(equivalente  da  distinguibilidade);  “a  adoção  de  materiais  e  técnicas 
adequados”;  “a  destinação  útil  na  atualidade”  (NAHAS,  2015,  p.  83‐84).  Com 
base nesses critérios de observação, Nahas apura oito tendências recorrentes, 
as quais categoriza como:  

 Autonomia  –  Assemelha‐se  ao  fachadismo;  por  vezes  pode  haver  a 


conservação de elementos internos, “[...] mas eles tornam‐se mais um 
dado estranho à edificação que perde parte da unidade da obra.” Em 
geral ocorre mudança do uso. (NAHAS, 2015, p. 274). 
 Reinterpretação  –  Prima  pela  “interpretação  dos  valores  formais  e 
funcionais” do bem, “concedendo‐lhe uma nova função”  (NAHAS, 2015, 
p. 297).  
 Ripristino – Prima pela volta a um estilo precedente. 

 
                                                             
 
147
 Em  São  Paulo:  a  Estação  Rodoviária  de  Bananal,  o  Shopping  Light,  a  Pinacoteca  do 
Estado  de  SP,  o  Centro  de  Educação  e  Cultura  KKKK,  a  Biblioteca  Cassiano  Ricardo,  o 
Centro  Cultural  dos  Correios,  a  Estação  Júlio  Prestes/Sala  SP,  o  Theatro  São  Pedro,  o 
Centro  Cultural  Banco  do  Brasil,  o  Teatro  Renault,  a  Catedral  da  Sé,  a  Cinemateca 
Brasileira, a Estação da Luz/Museu da Língua Portuguesa, o Centro Educacional Ibrahim 
Alves  Lima, o  Mercado Municipal de São Paulo e o Instituto Criar  de TV e Cinema e a 
Biblioteca  Mário  de  Andrade.  No  Rio  de  Janeiro:  o  Centro  Cultural  Paço  Imperial,  o 
Instituto Moreira Salles, o Parque das Ruínas, o Arquivo Nacional, o Centro Coreográfico 
da cidade do RJ e o Museu de Arte do Rio. Na Bahia: o Mercado Modelo, o Conjunto da 
Ladeira da Misericórdia, o Palacete das Artes Rodin Bahia. Em Minas Gerais: o Museu do 
Caraça e o Museu de Artes e Ofícios. Em Pernambuco: o Mercado São José e o Shopping 
Paço da Alfândega. No Rio Grande do Sul: a Casa de Cultura Mário Quintana e o Santander 
Cultural. 
148
 Claudio Varagnoli adota seis modalidades tipológicas para classificar as intervenções:  
“Guscio/contenitore”  (casca/contentor);  “Decodificazione”  (decodificação); 
“Differenziazione  di  linguaggio”  (diferenciação  de  linguagem);  “Riconstruzione” 
(reconstrução); “Restituzione” (restituição); “Dislocazione” (deformação) (NAHAS, 2015, 
p. 73).  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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162 
 

 Completamento  –  Prima  por  dar  continuidade  à  construção  do  bem, 


complementando o edifício. 
 Apropriação – Prima pelo novo em detrimento à preexistência. 
 Diferenciação  –  Prima  pela  diferenciação  de  materiais  e  sistemas 
construtivos  novos.  Nos  casos  de  ruína  é  subdividida  em  semirruína 
(bom  e  médio  estado)  e  de  diferenciação  que  resulta  em  contraste 
harmonioso.   
 Conservação – Prima por manter os “valores materiais e simbólicos” do 
bem,  “mesmo  com  inserção  de  elementos  novos”.  Normalmente 
mantém o uso original. (NAHAS, 2015, p. 327). 
 Reintegração – Prima pela “[...] reintegração da imagem do monumento 
original” e ocorre em bens acentuadamente degradados ou arruinados. 
(NAHAS, 2015, p. 327)149. 

Das 32 intervenções analisadas, 80%, apresentaram como principal tendência a 
“Diferenciação”. Sobre isso, a autora afirma que a distinguibilidade é “[...] algo 
perseguido pelos arquitetos como forma de contrastar a sua arquitetura com a 
preexistência, e como modo de registrar a sua marca” (NAHAS, 2015, p. 336).  

Os arquitetos autores da intervenção, escorando‐se no 
princípio  da  distinguibilidade,  procuram  justificar  suas 
inovações  junto  ao  monumento,  mas,  no  fundo,  o 
excesso e a exacerbação da arquitetura contemporânea 
junto  à  preexistente  nada  mais  é  que  um  registro  da 
marca  daquele  que  ali  interveio,  uma  assinatura  do 
novo. (NAHAS, 2015, p. 74).  

Os outros 20% couberam às tendências “Conservação” e “Reintegração”. Ambas 
reconhecem  o  novo  na  intervenção:  uma  se  vale  de  ações  de  caráter  mais 
conservativo,  outra  privilegia  a  reconstrução.  “Seriam  intervenções  que 
consideram as prescritivas do campo do restauro no processo de modificação de 
obras de valor histórico e artístico.” (NAHAS, 2015, p. 348).  

Pautada nessa extensa análise, a autora afirma que, na prática contemporânea 
nacional  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  emprega‐se  a 
“experimentação” “em prejuízo do juízo crítico dos valores”, atendo‐se ou não 
aos postulados pertinentes ao campo teórico disciplinar. As premissas teóricas 
em que as intervenções deveriam fundamentar‐se são enfocadas isoladamente, 
sem uma coerência global. Portanto, a prática é “[...] ainda bastante afastada 
das prescritivas do campo disciplinar do restauro [...].” (NAHAS, 2015, p. 348). 

 
                                                             
 
149
 Ver anexo I, no qual são exemplificadas essas tendências. 
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163 
 

Esse  resultado  é  conduzido  por  uma  somatória  de 


fatores,  entre  eles:  a  vontade  de  impelir  o  usuário  do 
monumento a novas experiências, a destinação de uso e 
todos  os  atributos  a  ela  atrelados  que  induzem  as 
escolhas de projeto, as solicitações do cliente e a falta 
de corpo técnico especializado na área. (NAHAS, 2015, 
p. 354). 

Ou  seja,  trata‐se  de  interferências  no  processo  de  intervenção  (discutidas  no 
capítulo  anterior)  que  envolvem  os  diversos  intervenientes  que  o  compõem. 
Objetivamente,  ao  observar‐se  o  estudo  de  Nahas,  pode‐se  divergir 
particularmente  quanto  à  categorização  de  tendências  de  intervenção 
construída pela autora, haja vista ser ela difusa e consideravelmente subjetiva. 
Todavia,  mesmo  em  detrimento  de  possíveis  ambivalências,  uma  única 
tendência é numericamente preponderante, e esse dado é deveras relevante, 
pois  evidencia  a  hegemonia  do  emprego  do  tópico  operacional  brandiano  da 
distinguibilidade  na  prática  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico 
brasileiro, assim como Kühl (2008) também identifica.  

Vale ressaltar que existem várias análises, desenvolvidas por diversos autores, 
de  intervenções  contemporâneas  no  patrimônio  arquitetônico  em  relação  ao 
referencial teórico do campo disciplinar, buscando identificar distanciamentos, 
aproximações e orientações comuns. Aquelas que são pontuadas aqui possuem 
diferentes  abordagens  sobre  esse  tema  e  permitem  observar  posturas  que 
traduzem  formas  de  como  os  princípios  teóricos,  ou  mesmo  metodológicos  e 
técnico‐operacionais  são  apropriados  em  nossa  realidade.  As  posturas 
dissonantes comuns são:  

 o uso como finalidade da intervenção,  
 o fachadismo, 
 o caráter novo conferido ao tratamento das superfícies  e  
 o novo enfaticamente evidente e justificado pelo tópico operacional da 
distinguibilidade. 

Ademais, em razão dessas  posturas, reconstruções e  demolições são recursos 


recorrentes.  Por  sua  vez,  tais  posturas  são  semelhantes  às  identificadas 
anteriormente  como  dissonâncias  comuns  à  prática  da  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico, mobilizada pela indústria cultural. Com efeito, várias 
das intervenções analisadas ocorreram efetivamente nesse panorama específico 
de influência. Diante disso, o mais relevante é a percepção de que, na prática 
nacional,  a  demolição  e  a  reconstrução  ainda  são  recorrentes  e  a 
distinguibilidade é comumente empregada como uma justificativa superficial e 
pontual,  no  lugar  do  postulado  teórico  que  fosse  a  linha  condutora  da 
intervenção. Ambas as condições relacionam‐se intimamente com a questão do 
novo na intervenção contemporânea.  

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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164 
 

Não obstante, algumas dessas posturas não são exclusivas do ambiente nacional 
da  prática  da  intervenção  contemporâneo  no  patrimônio  arquitetônico. 
Varagnoli (2007) identifica no exercício da intervenção, na Itália, o apelo do novo 
relacionado  à  distinguibilidade  e  o  fachadismo,  com  a  prática  de  preservar  o 
exterior da arquitetura histórica e projetar volumes internos. O autor considera 
que isso poderia ser tomado como uma releitura inovadora, ou melhor, como o 
uso do postulado da distinguibilidade para exortar o novo, contudo, essa relação 
entre o antigo e o novo é “ambígua”. “A preexistência é usada e, muitas vezes, 
fortemente  manipulada  apenas  para  transmitir  o  novo  projeto  dentro  de  um 
contexto antigo, [...]” (VARAGNOLI, 2007, p. 837, tradução nossa)150.  

Varagnoli  (2007)  também  ressalta  que  as  demolições  permanecem  sendo 


frequentes, inclusive para promover maior contraste e dramaticidade ao novo. 
Um exemplo é a remoção de adições que já compunham a história do edifício, 
para substituí‐las por outras mais facilmente distinguíveis. Outro exemplo é o 
crescente interesse na clássica anastilose.  

Para o autor, a arquitetura feita “por contraste” é praticada por arquitetos que 
“não fazem o restauro próprio do campo específico da ação”. Eles fazem uma 
arquitetura  de  autorreferência  que  rejeita  o  “restauro  dos  especialistas”, 
criticando‐o por apresentar “resultados decepcionantes em termos de qualidade 
arquitetônica”.  Essa  postura  traduz  incisivamente  o  que  Varagnoli  chama  de 
“espírito dos tempos”. Um momento no qual o patrimônio arquitetônico ou é 
predominantemente  criação,  e  a  preexistência  é  só  suporte,  ou  é 
predominantemente  rigor  teórico,  e  a  preexistência  é  morta  e  estática. 
(VARAGNOLI, 2007, p. 835‐837, tradução nossa).  

Isso permite algumas reflexões. Uma delas, já pontuada anteriormente, é que a 
distinguibilidade  é  a  justificativa  para  empregar  o  novo  na  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico, inserido na conjuntura da industrialização da cultura 
da  pós‐modernidade.  Além  disso,  ela  é  uma  oportunidade  de  acrescentar  a 
marca  do  arquiteto  atrelada  ao  novo,  muitas  vezes  mais  como  uma  presença 
contrastante  e  impactante,  do  que  como  uma  linguagem  individual  e 
reconhecível, mesmo a serviço da preexistência. 

 
                                                             
 
150
 “Tra  antico  e  nuovo  si  stabilisce  così  un  rapporto  ambiguo,  in  cui  la  preesistenza  è 
utilizzata  e  spesso  pesantemente  manipolata  solo  per  veicolare  il  nuovo  progetto 
all’interno di un contesto antico, [...].” 
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165 
 

Outra  reflexão,  agora  mais  específica  da  realidade  nacional,  é  que  em  nossa 
prática  de  intervenção,  muitas  vezes  empírica  como  afirma  Nahas  (2015),  a 
distinguibilidade é um tópico da teoria, que em uma abordagem superficial, é 
mais  facilmente  assimilado  e  por  isto  ganha  notoriedade.  Por  certo,  a 
distinguibilidade é uma figura retórica correlacionada ao novo, todavia, o cerne 
do problema em relação à distinguibilidade, é seu emprego para embasar o novo 
em um discurso que minimiza a preexistência. 

Ainda com base nas análises discutidas, pode‐se correlacionar e confrontar as 
posturas  identificadas,  na  prática  contemporânea  nacional  de  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico,  com  premissas  conceituais  das  principais  correntes 
teóricas contemporâneas italianas derivadas do “Restauro Crítico”. Embora, se 
reconheça  que  essas  análises  são  insuficientes  para  afirmar  se  há 
verdadeiramente  um  léxico  teórico  comum  estruturado  na  prática  da 
intervenção nacional.  

Por exemplo, as premissas do “Restauro Crítico‐conservativo”, que valorizam o 
caráter  documental  das  várias  estratificações  do  bem  na  composição  de  sua 
imagem,  podem  rivalizar  com  as  frequentes  demolições  e  reconstruções 
registradas nas análises. Os preceitos da “Conservação Integral" de manter os 
sinais de degradação da edificação, descartando a reintegração de lacunas e a 
reprodução, rivalizam com o aspecto novo conferido às superfícies, ao passo que 
o de valorizar o caráter documental do bem se contrapõe ao fachadismo.  

Por outro lado, as premissas da "Manutenção‐restauração" de adotar superfícies 
de  sacrifício  e  desvalorizar  os  sinais  de  degradação,  refazendo  argamassas  e 
pinturas, reintegrando lacunas e reproduzindo partes, podem ser relacionadas 
ao  aspecto  novo  conferido  às  fachadas  das  edificações.  Já  as  de  aceitar  a 
remoção  de  adições  podem  relacionar‐se  com  as  demolições  também 
verificadas na prática da intervenção nacional. Em contrapartida, nossas adições 
costumam  ser  claramente  distinguíveis,  inclusive  empregando  materiais 
impactantes na imagem do bem. Ao contrário do uso dos materiais tradicionais 
para uma distinguibilidade moderada, opção defendida por Paolo Marconi, que 
é vista como harmoniosa, de acordo com o Restauro Crítico.   

Natália Vieira‐de‐Araújo (2017) desenvolve uma reflexão, em parte, semelhante 
a essa e afirma que não há um alinhamento significativo da prática nacional de 
intervenção no patrimônio edificado com a corrente "Conservação Integral" ou 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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166 
 

com o “Restauro Crítico‐conservativo”. Ela ainda especula se existe realmente 
uma identificação com a linha de “Manutenção‐Restauração” 151.  

Assim  como  Cunha   (2010),  Vieira‐de‐Araújo   (2014, p.  7)  analisa a  prática  do 
órgão  federal  de  preservação  brasileiro  e  verifica  que  existe  uma  “[...]  pré‐
disposição  bastante  forte  para  a  adoção  de  princípios  de  reconstrução  e/ou 
reconstituição  de  uma  determinada  feição  eleita  como  de  maior  valor 
patrimonial por parte de técnicos, espalhados por todo o território nacional.” A 
continuidade de práticas institucionais anteriores de intervenção nesse tipo de 
bem não se modificou, mesmo em detrimento da ampliação da compreensão 
contemporânea conceitual do patrimônio edificado. 

Diante  destas  permanências,  preocupa‐nos  a 


recorrência do discurso de valorização da imaterialidade 
e  participação  da população  como  justificativas  para a 
realização de reconstruções miméticas, de forma tal que 
colocamo‐nos a questão: não será essa uma legitimação 
para  a  perpetuação  da  ação  primeira  do  IPHAN 
fortemente  pautada  por  reconstituições  e 
repristinações? (VIEIRA‐DE‐ARAÚJO, 2014, p. 16).  

Embora  a  significação  conferida  ao  bem  pelos  grupos  sociais  locais  possa  ser 
empregada  como  justificativa  para  a  repristinação,  o  que  realmente  parece, 
nesses casos, é que pode haver a prevalência de uma significação mais tecnicista 
do que a conferida realmente na prática social dos grupos. 

Assim,  incomoda‐nos  bastante  a  percepção  de  que 


apesar  de  haver  uma  enormidade  de  exemplos 
intervencionistas  baseados  em  princípios  próximos  à 
corrente italiana da “repristinação”, não temos acesso a 
praticamente  nenhum  material  nacional  de  reflexão 
teórica que defenda e apresente as justificativas para a 
adoção  de  tal  postura.  Consciência  técnica em  prol  da 
repristinação  ou  manutenção  do  status  quo?  (VIEIRA‐
DE‐ARAÚJO, 2014, p. 18).  

 
                                                             
 
151
 Vieira‐de‐Araújo  (2014,  p.  4)  se  baseia  na  discussão  a  respeito  da  prática  da 
intervenção  e  das  correntes  teóricas  italianas  contemporâneas,  provocada 
principalmente pelos seguintes questionamentos: “[...] como se relaciona o necessário 
reconhecimento dos valores imateriais e intangíveis do patrimônio com as práticas mais 
atuais  de  intervenção  sobre  preexistências  de  valor  patrimonial?  A  decisão  por 
reconstruções  e  restituições  a  um  determinado  momento  eleito  como  de  maior  valor 
artístico na prática contemporânea brasileira é resultado de uma argumentação teórica 
e técnica no sentido de defender esta como uma das posturas possíveis de intervenção? 
Ou  trata‐se  da  continuidade  de  uma  prática  entranhada  desde  as  primeiras  práticas 
preservacionistas do SPHAN?”  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
167 
 

Decerto, se reconhece que não existem evidências sólidas de uma “consciência 
técnica  em  prol  da  repristinação”,  no  exercício  técnico  profissional  da 
intervenção no patrimônio arquitetônico. Kühl (2008) e Nahas (2015) ressaltam 
o  frequente  caráter  superficial  e  fragmentado  dos  fundamentos  teóricos 
expostos  como  justificativas  das  intervenções.  Sendo  assim,  não  há  nessa 
conjuntura  um  grau  de  aprofundamento  teórico  que  possa  testemunhar  um 
explicito alinhamento com a corrente “Manutenção‐Restauração”.  

Todavia,  é  possível  que  as  práticas  empíricas  verificadas  em  nossa  realidade 
sejam mais alinhadas com a “Manutenção‐Restauração”, em função de fatores 
indiretamente vinculados aos postulados da corrente teórica propriamente dita. 
Com efeito, as intervenções na prática nacional demonstram certo privilégio da 
fruição  da  imagem  em  detrimento  do  documento  histórico,  que  se  encontra 
respaldado  no  valor  de  novidade  de  Riegl  (2014)  conferido  pelas  massas. 
Ademais, essa condição está em consonância com o panorama contemporâneo 
da  pós‐modernidade  e  da  industrialização  da  cultura,  de  experimentação 
genérica e superficial do patrimônio, no âmbito do consumo cultural.  

Essa percepção da arquitetura histórica é abordada por  Ignasi de Solà‐Morales 
(1998, 2006). O autor se baseia na reflexão de Riegl (2014) de que o antigo é uma 
“manifestação da passagem do tempo histórico”, que promove uma sensação 
de satisfação, e de que as massas não têm interesse nas “informações eruditas” 
que  essa  arquitetura  pode  “decodificar,  no  detalhe  de  um  ornamento”  e  na 
pátina, por exemplo. A leitura feita dessa edificação é mais global e decorre do 
aspecto desafiador à passagem do tempo. Em razão disso, Solà‐Morales afirma 
que o “contraste” entre o antigo e o novo na arquitetura histórica é o foco da 
“sensibilidade contemporânea”, pois ela gera uma “satisfação estética básica”. 
Essa “nova sensibilidade” é uma “vontade de arte” 152 do século XX, conformada 
pelo contraste entre o valor de antiguidade e o valor de novidade conferidos à 
arquitetura histórica (SOLÀ‐MORALES, 2006, p. 38‐42). 

O “contraste”, termo empregado na discussão dos modelos teóricos estéticos, 
segundo  Solà‐Morales  (2006),  pode  ser  entendido,  nesse  contexto  da 
restauração,  como  uma  distinguibilidade.  Na  atualidade,  esta talvez possa  ser 
influenciada pela sensibilidade contemporânea aos estímulos visuais, tornando‐
se mais evidente e contrastante, e menos em acordo com o definido por Brandi 
para  as  adições,  o  emprego  harmonioso  de  materiais  diversos  dos 
remanescentes e a simplificação da forma e da tecnologia. 

 
                                                             
 
152
 Ver nota de rodapé nº 137. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
168 
 

Conforme  discutido  antes,  Solà‐Morales  (2006)  ressalta  que  a  intervenção  na 


arquitetura histórica deve interpretar a significação preexistente, que, somada à 
intenção  da  intervenção  (também  atenta  à  sensibilização  contemporânea 
conferida a essa arquitetura), resulta na significação daquela intervenção. Para 
que isso aconteça de forma assertiva, a teoria deve ser uma constante na prática 
dos  agentes/técnicos  envolvidos  com  a  restauração  do  patrimônio 
arquitetônico, sobretudo tendo‐se em vista sua incoerência, sua superficialidade 
e  sua  carência  de  coesão.  Em  verdade,  a  preservação  do  patrimônio  cultural 
serve  à  sociedade;  logo,  a  teoria  não  deve  prestar‐se  a  justificativas  rasas  e 
contraditórias.  A  prática  da  intervenção  deve  ser  um  exercício  crítico  e 
fundamentado na teoria, inclusive de modo a justificar “novas” posturas. 

3.3.1 C ARTAS PATRIMONIAIS

Beatriz  Kühl  (2008,  p.  113)  afirma  que,  no  Brasil,  as  intervenções 
contemporâneas no patrimônio arquitetônico frequentemente citam a Carta de 
Veneza (1964) e Cesare Brandi como referencial teórico do campo disciplinar de 
restauração,  para  justificar  suas  ações.  Entretanto,  segundo  a  autora,  ao 
analisar‐se essas intervenções, observa‐se “[...] uma ignorância completa desses 
escritos,  ou  uma  leitura  pouco  profunda  [...].”  Isso  ocorre  em  detrimento  da 
reflexão acadêmica madura que existe no país sobre a preservação cultural, no 
campo  da  historiografia,  da  sociologia  e  da  antropologia,  entre  outras.  Tal 
conjuntura  é  uma  evidência  do  distanciamento  da  prática  da  intervenção  em 
relação  aos  princípios  teóricos,  metodológicos  e  técnico‐operacionais  de 
restauração que deveriam regê‐la.  

Com  efeito,  as  posturas  recorrentes  em  âmbito  nacional,  identificadas  nas 
análises de intervenções contemporâneas no patrimônio arquitetônico no item 
anterior, são superficiais e/ou incoerentes em relação à Teoria de Restauração 
de Brandi. No âmbito das instâncias histórica e estética e ainda conforme seus 
postulados  operacionais,  a  adição  do  novo  distinguível  e  o  refazimento  para 
reintegração de lacunas podem ser coerentes. Contudo, o rejuvenescimento das 
superfícies, o uso como finalidade da intervenção e o fachadismo não o são. 

Em relação à Carta de Veneza (1964, p. 2‐3), o refazimento de partes é aceito no 
art.  12,  desde  que  seja  distinguível  e  harmoniosamente  integrado 153 .  A 
distinguibilidade  é  ressaltada  no  art.  9º,  em  que  se  lê:  “[...]  todo  trabalho 

 
                                                             
 
153
 Kühl  (2010,  p.  313)  chama  a  atenção  para  o  fato  de  que  o  tópico  operacional  do 
Restauro Crítico, reversibilidade, não é citado na Carta de Veneza. Conforme já discutido 
por meio de Viñas (2003), a reversibilidade absoluta é uma ação inviável. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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169 
 

complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas 
destacar‐se‐á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso 
tempo.”.  Por  sua  vez,  o  rejuvenescimento  das  superfícies  pode  ser  criticado 
quanto  à  reprodução  de  elementos  (refazimento  sem  distinguibilidade),  por 
meio dos citados art. 12 e do art. 9º, à medida que este último, por exemplo, se 
refere ao respeito ao “material original e aos documentos autênticos”.  

No  artigo  5º,  fica  registrado  que  o  uso  não  deve  implicar  modificações  nos 
edifícios que alterem sua disposição e decoração. Portanto, ele não pode ser a 
finalidade  da  intervenção,  mesmo  que  se  tenha  a  compreensão  de  que  a 
reutilização do bem é um meio para sua preservação. Porém, isso não quer dizer 
que  modificações  não  podem  ocorrer,  sobretudo  se  orientadas  pelo  tópico 
operacional da mínima intervenção do “Restauro Crítico”, também presente na 
Carta.  

Kühl  (2010)  destaca  que  alguns  autores  interpretam  essa  recomendação  de 
forma  extremamente  restritiva  e,  por  conta  disto,  desabonam  todo  o 
documento. A autora afirma que, conforme o citado artigo, as alterações “[...] 
são  possíveis,  mas  desde  que  respeitem  a  composição  do  ambiente  como 
estratificado ao longo do tempo.” (KÜHL, 2010, p. 311). Isso também pode ser 
observado no artigo 13 e no artigo 6°, que proíbe adições que alterem a escala e 
também modificações nas relações com as cores. Portanto, a adição ao contexto 
da preexistência não é impedida, mas é condicionada.  

Ainda  conforme  o  5º  artigo,  o  fachadismo  é  condenado  por  lançar  mão  de 
demolições  que  alteram  a  disposição  e  a  decoração  do  bem.  Em  respeito  à 
historicidade do bem, demolições são reprimidas também nos artigos 6º, 7º e 
11. 

Artigo  11.  As  contribuições  válidas  de  todas  as  épocas 


para  a  edificação  do  monumento  devem  ser 
respeitadas,  visto  que  a  unidade  de  estilo  não  é  a 
finalidade  a  alcançar  no  curso  de  uma  restauração,  a 
exibição  de  uma  etapa  subjacente  só  se  justifica  em 
circunstâncias excepcionais e quando o que se elimina é 
de  pouco  interesse  e  o  material  que  é  relevado  é  de 
grande valor histórico, arqueológico, ou estético, e seu 
estado  de  conservação  é  considerado  satisfatório.  O 
julgamento do valor dos elementos em causa e a decisão 
quanto  ao  que  se  pode  ser  eliminado  não  podem 
depender  somente  do  autor  do  projeto.  (CARTA  DE 
VENEZA, 1964, p. 3). 

Por outro lado, um documento mais regional do que o de Veneza pode ser citado 
quanto à discussão das posturas recorrentes em âmbito nacional, identificadas 
nas análises de intervenções contemporâneas no patrimônio arquitetônico: é a 
Declaração  de  San  Antonio  (1996).  Ela  se  atém  à  preservação  nas  Américas  e 
também  discute  a  autenticidade,  ressaltando,  inclusive,  que  as  nações  nesse 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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170 
 

continente lidam com as reproduções de elementos ausentes, de acordo com 
suas  características  culturais.  Algumas  indicam  que  se  deve  documentar  e 
reproduzir esses elementos, outras que não.  

A Declaração de San Antonio (1996), porém, atesta que muitos sítios na América 
sofreram  reconstruções  para  promover  o  turismo  que,  apesar  do  seu  valor 
educativo,  alteraram  o  documento  original  e  promoveram  uma  interpretação 
equivocada.  Com  efeito,  na  Carta  de  Brasília  (1995),  que  é  um  documento 
regional  do  Cone  Sul  sobre  autenticidade,  desaconselham‐se  fachadas 
cenográficas  que  utilizem  “colagens”,  “fragmentos”  e  “moldagens”,  mesmo 
justificadas  em  um  equilíbrio  imprescindível  entre  o  edifício  e  o  entorno. 
Ademais, a Carta reforça que o uso destinado à edificação de valor patrimonial 
deve ser o que esta “aceita e suporta”.   

A Carta Internacional para a Conservação de Cidades Históricas e Áreas Urbanas 
Históricas,  de  Washington  (1987,  tradução  nossa),  aborda  a  questão  do 
fachadismo e orienta para conservação dos valores correlatos “[...] à forma e à 
aparência  dos  edifícios  (interiores  e  exteriores),  definidos  através  de  sua 
estrutura,  volume,  estilo,  escala,  materiais,  cor  e  decoração;  [...] 154 .”Nesse 
mesmo contexto, os Princípios Para a Análise, Conservação e Restauração das 
Estruturas do Patrimônio Arquitetônico, de Zimbabwe (2003), registram o valor 
do edifício como um todo.  

O valor do patrimônio arquitetônico não reside apenas 
em sua aparência externa, mas também na integridade 
de  todos  os  seus  componentes,  produto  genuíno  da 
tecnologia  construtiva  de  seu  tempo.  De  forma 
particular,  o  esvaziamento  de  suas  estruturas  internas 
para manter apenas fachadas não atende aos critérios 
de  conservação.  (PRINCIPIOS  PARA  EL  ANÁLISIS, 
CONSERVACIÓN..., 2003, tradução nossa)155.  

Quanto ao novo, a Declaração de San Antonio (1996) salienta que este deve ser 
harmonioso com o todo, para que o tratamento contemporâneo não transforme 
a essência e o equilíbrio do bem. Outro entendimento que pode ser relacionado 
com o novo e com a distinguibilidade na intervenção é a orientação da Carta do 
ICOMOS para Interpretação e Preservação de Sítios de Patrimônio Cultural, de 
Québec  (2008,  p.  2,  tradução  nossa),  que  orienta  para  proteger‐se  o  bem  do 
 
                                                             
 
154
 “[...] c) la forma y el aspecto de los edificios (interior y exterior), definidos a través de 
su estructura, volumen, estilo, escala, materiales, color y decoración; [...].” 
155
 “El valor del patrimonio arquitectónico no reside únicamente en su aspecto externo, 
sino también en la integridad de todos sus componentes como producto genuino de la 
tecnología  constructiva  propia  de  su  época.  De  forma  particular,  el  vaciado  de  sus 
estructuras internas para mantener solamente las fachadas no responde a los criterios de 
conservación.” 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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171 
 

“impacto  adverso  de  estruturas  intrusivas”,  que  promovam  “interpretações 


imprecisas ou inadequadas”. 

Enfim,  as  Cartas  Patrimoniais  são  documentos  orientadores  baseados  em 


postulados teóricos, que ganham interpretações um pouco mais particularizadas 
de  acordo  com  seu  alcance.  Em  razão  disso,  é  oportuno  tecer  algumas 
considerações sobre a abrangência e a pertinência da Carta de Veneza (1964), 
tendo  em  vista  que  esta  é  um  referencial  teórico  recorrente  na  prática  da 
intervenção nacional. 

A Carta é um documento internacional “de base deontológica” (KÜHL, 2010, p. 
288)156. Ou seja, ela não é um manual da prática da intervenção; é sucinta, basilar 
e  orientadora.  Como  citado  ao  longo  de  toda  essa  pesquisa,  outras  Cartas  de 
alcance  internacional  reconhecidas  pelo  ICOMOS  foram  produzidas  após  a  de 
Veneza,  abordando  bens  específicos  com  caráter  complementar;  além  de 
Resoluções  e  Declarações  também  de  alcance  internacional,  observando 
temáticas particulares.  

O Brasil é signatário da Carta de Veneza (1964), mas sua discussão sistemática 
só teve início uma década depois de ter sido elaborada, ainda persistindo, “[...] 
apesar de algumas honrosas exceções, [...] uma enorme dificuldade de leitura 
fundamentada do documento de Veneza157.” Um equívoco recorrente na prática 
da intervenção, em relação à Carta, é que esta é válida para guiar ações em todo 
e qualquer “monumento histórico”. Outra “inconsistência teórica” comum é o 
entendimento de que a restauração visa retornar a edificação à sua configuração 
original (repristinação). (KÜHL, 2010, p. 298)158. 

Em  âmbito  nacional,  também  existe  oposição  à  Carta  de  Veneza,  baseada  no 
argumento de que esta seria um registro “eurocêntrico” e desatualizado. Nesse 
contexto, a Declaração de São Paulo (1989, p. 1‐2), um documento de alcance 
nacional elaborado  em  comemoração  ao  25º  aniversário  da  Carta  de  Veneza, 
registra que o texto desta, “[...] embora conciso e claro, apresenta insuficiências 

 
                                                             
 
156
 Deontologia: “Conjunto de deveres de qualquer profissional, com regras específicas.” 
<http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=deontologia>.  
157
 Para Kühl (2010, p. 298), um marco no processo de discussão da Carta de Veneza na 
prática  nacional  é  o  “[...]  curso  de  restauração  e  conservação  de  monumentos 
arquitetônicos  de  1974,  organizado  pela  FAU‐USP,  em  cooperação  com  o  IPHAN  e  o 
Condephaat.”  
158
 O entendimento equivocado, de que o restauro de patrimônio arquitetônico implica 
o  retorno  a  uma  conformação  original,  também  é  pontuado  na  normativa  n.  80  do 
Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura, Urbanismo e Agronomia (Confea), de 2007. 
(KÜHL, 2010, p. 298). 
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172 
 

decorrentes  do  avanço  das  ciências,  que  ampliaram  o  campo  de  trabalho  em 
preservação e restauro, tornando necessária uma revisão de conceitos [...].”  

Nesse caso, Kühl (2010, p. 301) defende que “[...] não se trata de eurocentrismo, 
ou  de  mera  oposição  ocidente‐oriente,  mas  de  distintas  relações  de  variados 
grupos  culturais  com  a  noção  de  temporalidade.”  Ou  seja,  a  Carta  de  Veneza 
precisa  ser  contextualizada  ao  lugar  e  ao  tempo,  mas  isto  não  invalida  seus 
princípios  orientadores.  Conceitos  como  autenticidade,  valores  históricos  e 
estéticos,  na  contemporaneidade,  devem  ser  relacionados  com  a  significação 
conferida pelos respectivos grupos sociais. Portanto, sugerem reflexões acerca 
do  “Restauro  Crítico”,  em  seu  cerne,  atentas  à  compreensão  que  fazemos  do 
bem.  

Por outro lado, como já foi discutido, a própria dinâmica da prática nacional da 
intervenção  pode  conformar  interferências  à  compreensão  do  referencial 
teórico  e  de  orientações  nesse  sentido,  além  da  sua  contextualização.  Assim, 
ainda que se reconheça que a Carta Veneza se mantém como um instrumento 
de base teórica, ela, por si só, mesmo que associada a outras Cartas, não supre 
a demanda por fundamentação teórica para a intervenção, até porque esta não 
é  sua  função.  As  Cartas  são  documentos  orientadores  da  prática,  são  de 
assimilação mais simples do que as intensas discussões propostas pelos teóricos 
do campo disciplinar. 

Não obstante, Kühl (2006, p. 30) afirma que os fundamentos teóricos do campo 
disciplinar da preservação, “[...] que deveriam reger a atuação prática em bens 
culturais  –  nunca  foram  incorporados  em  nossa  legislação.  Existem  algumas 
indicações nas leis de tombamento, mas que, na verdade, são lacônicas sobre 
esse problema159.” A autora considera que há necessidade de referências legais 
específicas  para  a  prática  da  intervenção  no  Brasil  que  traduzam  a  teoria  de 
forma adequada e particular aos agentes, interesses e interferências envolvidas 
nesse processo.  

Em  verdade,  orientações  legais  mais  claras  para  a  prática  da  intervenção 
auxiliam o processo, todavia estas têm em seu cerne um caráter mais regulador 
do que teórico. O que é útil, no sentido de evitar discrepâncias acentuadas na 
prática, protegendo o patrimônio. Por sua vez, a Política do Patrimônio Cultural 
Material, com seu caráter mais normativa, é um importante passo nessa direção, 
embora diversos documentos complementares ainda devam ser elaborados.  

 
                                                             
 
159
 Natália Vieira‐de‐Araújo (2017) destaca outras duas frentes de trabalho do IPHAN no 
sentido de elaborar normatização para o processo de intervenção: a Normatização das 
Poligonais de Entorno e Parâmetros Construtivos do  IPHAN‐PE e a Norma de Preservação 
do Centro Histórico de Natal – IPHAN‐RN. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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173 
 

Vale  enfatizar  que  normativas,  leis  ou  cartas  patrimoniais  não  são  suficientes 
para  garantir  a  qualidade  e  a  coerência  teórica  da  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico. É o referencial da restauração que fundamenta tal ação, inclusive 
como subsídio para novos alinhamentos e posturas frente a essa mesma teoria. 

3.4 C ONSIDERAÇÕES PARCIAIS


Quanto à teoria contemporânea básica do campo disciplinar para a intervenção 
no  patrimônio  arquitetônico,  é  oportuno  pontuar  comparativamente  os 
principais postulados das correntes teóricas da restauração atuais assumidos na 
presente pesquisa. 

Q UADRO  1   ‐   P REMISSAS BÁSICAS DAS CORRENTES TEÓRICAS ITALIANAS MODERNA E 
CONTEMPORÂNEAS DE RESTAURAÇÃO DO PATRIMÔNIO . 

RESTAURO CRÍTICO‐ MANUTENÇÃO‐
RESTAURO CRÍTICO  CONSERVAÇÃO PURA 
CONSERVATIVO  RESTAURAÇÃO  
TENDE À AÇÃO  Tende à ação  Manutenção  Conservação/inovação. 
CONSERVATIVA.  conservativa.  conservativa. 
INSTÂNCIA  Instância histórica e 
HISTÓRICA OU  estética.  Instância estética.  Instância histórica. 
ESTÉTICA. 
MATÉRIA OU  Matéria e imagem  Imagem.  Matéria. 
IMAGEM.  associados. 
NÃO ADMITE  Pode admitir  Não admite superfícies 
SUPERFÍCIES DE  superfície de  Superfície de  de sacrifício – valor 
SACRIFÍCIO.  sacrifício.  sacrifício.  documental das 
superfícies. 
Não admite pátina – 
PÁTINA.  Pátina.  rejuvenescimento  Pátina. 
das superfícies. 
REMOÇÃO DE  Remoção pontual de  Não admite remoção 
ADIÇÕES ESPÚRIAS –  adição – valor  Remoção de adição –  de adição – valor 
VALOR  documental das  privilegia a  documental das várias 
DOCUMENTAL DAS  várias fases para a  legibilidade.  fases. 
VÁRIAS FASES.  imagem. 
Não admite 
REINTEGRAÇÃO DE  Reintegração de  Reintegração de  reintegração de 
LACUNAS.  lacunas.  lacunas.  lacunas – sana as 
patologias. 
REPRODUÇÃO DE  Reprodução de  Reprodução de  Não admite 
ELEMENTOS  elementos  elementos não  reprodução de 
MODERADAMENTE  moderadamente  distinguíveis.  elementos. 
DISTINGUÍVEIS.  distinguíveis. 
ADIÇÃO  Adição  Adição 
DISTINGUÍVEL –  moderadamente  moderadamente  Adição autônoma – 
NOVO DEVE SER  distinguível – novo  distinguível – novo  novo livre e 
RESPEITOSO.  deve ser  deve ser criativo.  conciliador. 
condicionado. 
LÓGICA DEDUTIVA E  Crítica e analogia.  Lógica indutiva.  Pragmatismo e 
CRÍTICA.  semelhança analogia. 
 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
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Objetivamente,  o  referencial  teórico  contemporâneo  de  restauração  para  a 


intervenção no patrimônio arquitetônico pode apresentar divergências quanto 
às recriações “indulgentes”  (indistinguíveis) ou reproduções distinguíveis (por 
vezes, pouco harmoniosas). Quanto às criações “eloquentes” (persuasivas) ou 
evidentes (impositivas), porém, há premissas comuns consagradas, como o juízo 
crítico  calcado  em  orientações  metodológicas  definidas  por  Brandi  e  a 
sensibilização  quanto  ao  que  o  patrimônio  expressa,  defendida  por  Baldini. 
Ainda  que  a  compreensão  contemporânea  do  patrimônio  tenha  se  ampliado, 
tais preceitos se mantêm consistentes.  

No  panorama  nacional,  os  referenciais  teóricos  apontados  mais 


frequentemente,  na  prática  contemporânea  de  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico,  são  Brandi  e  a  Carta  de  Veneza.  No  entanto,  essa  prática  se 
mostre continuamente empírica, superficial e desarticulada, em relação à teoria 
que  é  o  meio  pelo  qual  o  autor  fundamenta  a  intervenção,  resguardando  a 
edificação histórica e os processos socioculturais que a envolvem, além de sua 
funcionalidade.    

Nesse contexto, é oportuno retomar posturas identificadas como recorrentes na 
prática  da  intervenção  em  nossa  realidade:  o  fachadismo  (que  implica 
demolições de características formais e estéticas do bem), o rejuvenescimento 
das  superfícies  (que  compreende  os  tons  fortes  de  impacto)  e  o  uso  da 
distinguibilidade para justificar o novo. Este novo é enfaticamente reconhecível, 
atrelado  ao  discurso  imagético  de  consumo,  sendo  um  atrativo  no  âmbito  da 
indústria cultural. Ele se insere no interior das edificações ou adicionado a elas, 
trazendo  a  marca  do  arquiteto  como  contraste  e  impacto,  ou  ainda  como 
linguagem individual, ambas assumidas como estratégias de marketing. Por sua 
vez, a ênfase à distinguibilidade também pode ser uma evidência da carência de 
aprofundamento  teórico  dos  agentes  responsáveis  pela  definição  da 
intervenção, à medida que é um tópico de assimilação mais imediato, porém de 
complexidade subestimada. 

De fato, a prática nacional se mostra deveras experimental, em função de fatores 
como  a  baixa  capacitação,  a  carência  de  sensibilização  dos  profissionais 
envolvidos, a desvalorização do Projeto de Intervenção, bem como pressões e 
interferências externas. Alguns desses fatores são alinhados com os interesses 
da indústria e se tornam “lugar comum” no exercício profissional. 

Cabe  ressaltar  que  o  novo  não  é  incompatível  com  a  preservação 


contemporânea.  A  restauração  não  prescinde  do  novo  na  funcionalidade  da 
arquitetura histórica, ele é parte da intervenção. O novo pode ser o reforço para 
a imagem do patrimônio que é consumida, em uma forma de experimentação 
menos representacional. Desde que a criação e o novo “sirvam” ao patrimônio e 
que a intervenção privilegie o discurso da preexistência, de modo a preservá‐la 
como referência histórica e identitária, além de resguardar sua diversidade. A 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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intervenção não pressupõe a segregação entre a criação e o restauro, mas sim a 
aliança  entre  a  criação  harmoniosa  e,  particularmente  tratando‐se  da  prática 
nacional, as reproduções idênticas ou moderadamente reconhecíveis.  

No  âmbito  dessas  reproduções,  vale  frisar  que  o  rejuvenescimento  das 


superfícies  e  a  demolição  de  adições  para  repristinação,  comuns  na  prática 
nacional  da  intervenção,  podem  ser  associadas  à  valorização  da  imagem  em 
detrimento do documento histórico, inclusive, sendo justificada pela legibilidade 
do  bem.  Embora  as  intervenções  não  se  justifiquem  na  “Manutenção‐
restauração”,  tais  posturas  encontram  consonância  nessa  corrente  teórica 
contemporânea.  

O  valor  de  novidade  nesse  contexto  é  oposto  à  abordagem  conservadora  da 


“Conservação‐Pura”,  de  ênfase  ao  aspecto  histórico  documental  do  bem, 
convergindo para os valores de antiguidade. É também um contrassenso para o 
“Restauro Crítico‐Conservativo”, que tende à conservação, em uma atitude mais 
ponderada em relação ao documento histórico. Com efeito, o “Restauro Crítico‐
Conservativo” demonstra ser a corrente teórica italiana contemporânea menos 
“doutrinária” e, portanto, mais baseada na reflexão a respeito de cada caso. Em 
face  disso,  essa  pode  ser  uma  orientação  mais  condizente  com  a  necessária 
atitude reflexiva e sensível que a restauro demanda na contemporaneidade. 

Objetivamente, em relação às correntes teóricas contemporâneas, mesmo que 
a associação com os valores de antiguidade e de novidade possa ser feita, ela 
não  resume  a  dialética  teórica  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico 
brasileiro.  De  fato,  tampouco  a  valoração  para  a  intervenção  se  atém 
exclusivamente a esses valores. Na atualidade, tal processo deve ter em conta, 
principalmente, a identificação da significação conferida ao bem pelos grupos 
sociais  que  lhe  conferem  sua  condição  de  referência  para  a  preservação. 
Segundo  Carbonara  (1998),  o  tema  emblemático  entre  as  tendências 
contemporâneas para intervenção no patrimônio é, justamente, as possíveis e 
ainda divergentes interpretações quanto à sua significação e, por conseguinte, 
sua  relação  com  as  construções  identitárias.  Ou  seja,  ela  é  a  condutora  da 
intervenção  que  alinha  postulados  e  tópicos  operacionais  da  teoria  da 
restauração.  

Todavia, como no âmbito nacional a prática da intervenção tem se revelado uma 
ação empírica em relação aos preceitos teóricos, a intervenção pode ocorrer em 
detrimento da apuração de significações e valores atribuídos ao bem. Haja vista 
que essa etapa da atribuição do valor ao patrimônio costuma ser afetada pela 
carência  de  estruturas  para  sua  viabilização,  pela  insuficiência  de 
reconhecimento  da  importância  da  participação  popular,  etc.  Em  meio  a  essa 
dinâmica,  não  causa  surpresa  que  a  valorização  do  estético,  no  contexto  da 
visibilidade  e  da  imagem  fragmentada  e  impactante  do  patrimônio 
arquitetônico,  assim  como  a  imposição  de  usos  ao  bem,  como  finalidade  da 
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intervenção, sejam comuns. Ou mesmo, que a significação local possa, por vezes, 
ser empregada como justificativa para a repristinação, que é uma ação muito 
mais próxima de uma significação “tecnicista”, do que necessariamente atrelada 
aos grupos sociais locais vinculados ao bem.  

Intervenções mobilizadas pela indústria cultural têm características comuns que 
são resultado da promoção de seus interesses. Elas normalmente são orientadas 
para  a  assimilação  rápida  e  superficial  do  patrimônio  arquitetônico  e  para  a 
conformação de identidades culturais globais/interculturais. Ações que podem 
ter  o  respaldo  de  postulados  teóricos,  mas  que  costumam  ser  contraditórias, 
porque  estes  são  abordados  isoladamente  ou  de  forma  descontextualizada. 
Ações  nas  quais  o  novo  e  a  imagem  para  o  impacto  têm  ditado  as  regras  e 
conferido  outro  sentido  à  preexistência,  subvertendo  sua  precedência  e 
relevância.  

Como  discutido  no  primeiro  capítulo,  a  cultura  de  massa  é  construída  com  a 
imagem,  fragmento  do  presente,  mercadoria  para  o  consumo,  assumindo 
gradativamente o lugar do produto. Neste caso, o novo conforma a imagem do 
bem  como  um  “pastiche”  de  sua  significação  diversa,  substituindo 
progressivamente a fundamentação teórica para a intervenção, ou pelo menos 
o rigor teórico que essa demanda. 

Essas são condições comuns na prática nacional da intervenção no patrimônio 
arquitetônico  que,  associadas  à  conjuntura  de  desvinculação  do  “projeto  do 
novo” do bojo do projeto de restauro, conforme discutido no segundo capítulo, 
acentuam a dicotomia entre as ações que deveriam compor um único projeto 
capitaneado  pela  expertise  do  arquiteto/restaurador.  Essa  desvinculação 
também  acentua  a  dificuldade  de  promover  maior  sensibilização  quanto  à 
significação,  às  práticas  memoriais  e  às  construções  identitárias  dos  grupos 
sociais que se relacionam com o bem.  

A  sensibilização  para  a  significação  pode,  por  exemplo,  ser  a  chave 


argumentativa para o pleito, junto a órgãos de preservação, de intervenções que 
têm como premissa ressignificar a preexistência, conferindo visibilidade ao seu 
discurso  (não  ao  discurso  da  intervenção).  Não  se  pode  negar  que  intervir  na 
preexistência  também  é  um  processo  criativo.  Tolhê‐lo  sumariamente  por 
restrições  conservadoras  e  tecnicistas,  cuja  origem  está  em  processos  de 
tombamento e valoração muito vinculados às características materiais do bem e 
pouco  associados  à  sua  significação,  é  negar  a  longevidade  do  patrimônio  na 
condição de processo sociocultural vivo e dinâmico. 

De fato, há na atualidade novas formas multidimensionais e multiculturais de 
apreensão  do  patrimônio  cultural  que  se  consolidam  com  a  globalização  e  a 
industrialização  da  cultura,  mais  do  que  “vulgarizando”  a  preservação.  Essas 
novas percepções, além de reforçarem sua vertente econômica na condição de 
objeto  de  consumo,  implicam  novas  construções  sociais  do  patrimônio,  como 
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meio para viabilização e legitimação de aspirações políticas e econômicas. Nesse 
sentido, legitimar na intervenção a prática social desse grupo, que é um discurso 
político “de” e “por” representatividade, igualmente à legitima do ponto de vista 
político. Em suma, o patrimônio cultural é capital social. 

Outrossim, também há vários agentes e interesses envolvidos no processo de 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico.  Em  razão  disso,  a  teoria  de 
restauração  deve  ter  amplo  alcance,  para  além  do  ambiente  acadêmico,  de 
modo a ser o cerne da prática da intervenção. Por sua vez, a sensibilização para 
a preservação também deve abranger mais dos que os arquitetos especialistas. 

Ademais,  a  teoria  do  campo  disciplinar  da  restauração  não  se  restringe  à 
arquitetura  de  valor  patrimonial  de  notório  registro  historiográfico 
(patrimoniável). Ela cabe também à arquitetura histórica modesta, à medida que 
se  observam  os  processos  de  significação  que  envolvem  o  patrimônio 
arquitetônico,  o  qual  se  pretende  plural,  legitimado  pelo  Estado  e  pelos 
intelectuais que conformam a política de preservação nacional. 

Com base nessa discussão a respeito do referencial teórico contemporâneo do 
campo  disciplinar,  essencial  para  a  prática  da  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico, mais uma vez se atesta que este é um problema teórico e técnico, 
social,  político  e  econômico  complexo.  As  decisões  necessárias  à  intervenção 
não dependem exclusivamente da orientação teórica adotada, contudo devem 
ser  coerentes  entre  si,  relacionando‐se  com  uma  diretriz  teórica,  de  modo  a 
adquirir consistência. Uma decisão pode ser coerente em relação a um aspecto 
da  teoria  e  incoerente  em  relação  a  outro,  todavia  ainda  resultando  em  uma 
intervenção inapropriada, porque pode fragilizar algum aspecto da preservação 
do patrimônio.  

Por sua vez, a intervenção apropriada justifica‐se assertiva e profundamente no 
referencial teórico contextualizado à nossa realidade; fundamenta‐se no valor 
patrimonial  que  é  o  somatório  do  que  confere  significação  àquele  bem,  de 
acordo  com  o  discurso  contemporâneo  do  patrimônio  por  representação 
cultural  e  prática  social;  e  ainda  é  coerente  com  as  demais  decisões  que 
conferem  funcionalidade  à  edificação.  Desse  modo,  a  intervenção  legitima‐se 
frente  às  demandas  que  a  restauração  postula  em  suas  recomendações 
disciplinares, apropriadas à realidade política, econômica e social da preservação 
daquele lugar e para aquele grupo social local.   

O discurso da preservação do patrimônio arquitetônico é construído por várias 
narrativas:  de  perpetuação  da  memória,  de  prática  social,  de  identificação  e 
construção de identidade cultural, de representação cultural, etc. Entretanto, o 
discurso estabelecido com uma intervenção deve ser coeso, pois o ruído dificulta 
sua compreensão e pode até torná‐lo ininteligível. Nesse caso, ele virá a perder 
seu foco, que é a preservação do bem, não apenas sua perpetuação, mas sua 
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continuidade  na  qualidade  de  referência  histórica  e  identitária,  conforme 


estabelece a Constituição em sua concepção do patrimônio cultural.  

Sendo assim, o discurso promovido com a intervenção deve, segundo defende 
Baldini (1997), basear‐se no equilíbrio entre o nascimento do bem, o que este 
adquiriu  ao  longo  de  existência  e  o  novo,  pertinente  ao  momento  da 
intervenção.  Por  essa  análise,  têm‐se  de  fato  duas  narrativas,  uma  relativa  à 
preexistência e outra relativa à intencionalidade da intervenção. Se o discurso 
que prevalece na intervenção é o do novo, pretere‐se o preexistente e constrói‐
se  uma  nova  arquitetura,  como  afirma  Carbonara  (2013),  podendo  até 
resguardar o bem, mas não sua condição como referência para a preservação no 
Brasil.  

   
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4. A TEORIA NA PRÁTICA DA
INTERVENÇÃO NO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO NOS MEGAEVENTOS
 

Neste capítulo, a discussão sobre a relação ente a teoria do campo disciplinar da 
restauração  e  a  prática  contemporânea  da  intervenção,  no  patrimônio 
arquitetônico  em  âmbito  nacional,  trata  particularmente  da  intervenção  no 
contexto  dos  megaeventos,  um  ambiente  característico  da  influência  da 
indústria cultural.  

   
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Conforme  verificado  no  segundo  capítulo  desta  pesquisa,  um  ambiente 


característico da influência da indústria cultural, em âmbito nacional, é aquele 
no qual a intervenção no patrimônio arquitetônico apresenta:  

 significação  primordialmente  material,  conferida  pela  valorização 


acentuada das características estéticas e técnicas;  
 experimentação de caráter mais superficial, típica do consumo visual e 
global;    
 identificação com narrativas construídas para o consumo, conformando 
identidade intercultural;  
 rejuvenescimento  das  superfícies,  fachadismo,  museificação  e 
prevalência  do  novo  sobre  a  preexistência  como  recursos  imagéticos, 
linguagem de um discurso que visa ao impacto e ao consumo rápido;  
 homogeneização como resultado do processo produtivo; 
 prevalência de usos correlatos ao consumo cultural complementares à 
experiência  de  turismo  cultural  e  de  usos  culturais  de  grande 
visibilidade, como equipamentos culturais de maior porte; 
 desenvolvimento econômico e social, com o incremento das atividades 
turísticas; 
 enobrecimento com alto custo social e cultural. 
 

Essas  características  são  igualmente  observadas  na  preservação  em  meio  às 
operações  de  produção  de  megaeventos.  Neste  momento,  faz‐se  necessário 
pontuar tais procedimentos.  

Michael Hall (2006a) afirma que os megaeventos são acontecimentos marcantes 
e  de  grande  porte  que  envolvem  ampla  cobertura  midiática  e  ações  de 
marketing  para  atrair  capital  e  pessoas.  Eles  são  justificados  por  um  discurso 
nacionalista  do  poder  público  que  também  se  ampara  na  perspectiva  de 
desenvolvimento  social  e  econômico  acelerado.  Os  megaeventos  são 
viabilizados por meio de parcerias entre o público e o privado, contemplando 
interesses  locais  e  transnacionais,  principalmente  dos  setores  turístico, 
imobiliário e de infraestrutura urbana.  

Todavia, mesmo que sediar megaeventos possa ser considerado um indicador 
de  desempenho  da  cidade  ou  da  região,  “[...]  há  poucas  evidências  sobre  os 
efeitos econômicos de médio e longo prazo dos megaeventos, como estratégias 
de regeneração econômica [...]” (COALTER, et al 2000, p. 6‐7, apud HALL, 2006a, 
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p. 62, tradução nossa)160. O parâmetro que realmente costuma definir o sucesso 
de  um  megaevento  é  seu  impacto  econômico  e  midiático.  Para  os  interesses 
coorporativos,  os  megaeventos  representam  ganhos  de  curto  prazo;  para  os 
interesses  públicos,  os  megaeventos  significam  popularidade  política,  embora 
possam ter consequências indesejáveis a longo prazo. (HALL, 2006a).  

Hall (2006a) acrescenta que os megaeventos mobilizam somas impressionantes 
de recursos públicos e privados, por múltiplas camadas de governança e poder, 
com  ingerências,  por  vezes,  temporárias,  lançando  mão  de  dispositivos 
extraordinários  justificados  pela  celeridade  necessária  às  ações.  O  autor 
acrescenta que isso favorece outra mazela do processo: a corrupção. 

Do ponto de vista urbano e arquitetônico, os megaeventos mobilizam um legado 
resultante de investimos em infraestrutura e revitalização urbana, construção de 
equipamentos requerido pelo evento, além de equipamentos para o consumo 
de produtos e serviços. Isso abrange museus, centros de convenções e centros 
culturais,  entre  outros,  atraindo  um  público  global  em  grandes  contingentes 
populacionais. (HALL, 2006a).  

Portanto,  os  megaeventos  estão  intimamente  vinculados  com  a  indústria 


cultural por sua vez, seus processos produtivos são midiáticos e explicitamente 
sistematizados para o consumo. O patrimônio cultural é absorvido como um dos 
recursos  de  atração,  de  modo  que  a  intervenção  na  arquitetura  de  valor 
patrimonial é influenciada em alguma proporção.  

Nesse  contexto,  cabe  retomar  Gerard  Monnier  (2006,  2009),  pois,  em  sua 
abordagem sobre o “edifício‐evento”, o autor reflete sobre o limite do “vigor” 
do evento na intervenção na arquitetura preexistente. Nessa conjuntura, a mídia 
tem  um  papel  fundamental  na  criação/percepção  da  arquitetura,  inclusive  da 
histórica, conformando o que chama de “edifício‐evento” – “[...] aquele que o 
emprego  maciço  das  técnicas  de  informação  o  insere  de  forma  importante  e 
súbita no espaço público [...].” A quantidade de informação antecipada passa a 
representar  parte  do  evento  arquitetônico,  impactando  qualitativamente  na 
percepção  dessa  arquitetura  e  na  história  do  edifício.  Tal  condição  impõe  ao 

 
                                                             
 
160
 Obra não consultada: COALTER, F., Allison, M. & Taylor, J. (2000) The Role of Sport in 
Regenerating Deprived Urban Areas. Edinburgh: Centre for Leisure Research, University 
of Edinburgh, The Scottish Executive Central Research Unit. 
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“edifício‐evento” tornar‐se “objeto da história”, constituindo‐se em um registro 
histórico cultural. (MONNIER, 2006, p. 12‐13) 161. 

Outrossim, o espetáculo midiático que é o edifício‐evento torna‐se normalmente 
um  evento  oficial  do  Estado  e  das  instituições  vinculadas  a  essa  edificação. 
Consequentemente, converte‐se também um registro da história político social 
oficial (MONNIER, 2006). Um processo, enfim, similar àquele que ocorre com os 
megaeventos esportivos, construídos em meio a um discurso oficial de exaltação 
na nacionalidade.  

Sendo assim, Monnier (2006, p. 15‐17) afirma que a intencionalidade criadora 
do edifício‐evento pode ser compreendida como um obstáculo “à construção da 
narrativa histórica”. Em razão disso, o autor questiona: quanto o evento “faz a 
obra?” Ou seja, o quanto a mídia constrói essa arquitetura? Especificamente no 
contexto  do  patrimônio  cultural,  o  autor  provoca:  “[...]  como  impedir  que  se 
estabeleça uma relação entre o vigor do evento e a decisão de proteção?” De 
fato,  especificamente  nessa  conjuntura,  a  relação  entre  o  evento  e  a 
prerrogativa da preservação do patrimônio arquitetônico pode ser vista como 
inevitável. Desse modo, a questão poderia ser apropriada para o objeto desta 
pesquisa da seguinte forma: qual o limite do “vigor” do evento na intervenção 
na  arquitetura  preexistente,  de  modo  que  não  comprometa  o  bem  como 
referência histórica e identitária para a preservação?   

Para responder a seu questionamento, Monnier (2006, p. 15‐17) orienta que se 
deva “[...] interpretar o evento, avaliar sua amplitude no espaço e no tempo e 
dar a ele, ou não, um lugar na construção da narrativa.” Em relação à presente 
pesquisa,  isso  significa  interpretar  o  evento  e  dar  a  ele,  ou  não,  um  lugar  no 

 
                                                             
 
161
 Monnier  (2006,  p.  13)  cita  como  exemplo  de  edifícios‐eventos  com  uso  cultural  na 
França o Centro Georges Pompidou, projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard 
Rogers e construído em 1977. A proposta para o centro cultural foi selecionada por meio 
de  concurso,  cujo  edital  demandava  explicitamente  que  fosse  um  “evento 
arquitetônico”. O Pompidou é uma arquitetura arrojada de aspecto industrial cujo “[...] 
sucesso  popular  dos  conteúdos  e  sua  difusão  pela  mídia  se  dão  sem  nenhum 
reconhecimento pelo valor arquitetônico de um edifício do qual não se menciona jamais 
o nome dos arquitetos e raramente o pioneirismo na metamorfose histórica da paisagem 
do  leste  parisiense.  Ora,  foi  nesse  edifício  que  se  realizou  pela  primeira  vez  um  dos 
objetivos  seculares  do  racionalismo  e  do  funcionalismo  [...].”  (MONNIER,  2009,  p.15). 
Monnier (2006)  ainda destaca outros dois exemplos de edifícios‐eventos nesse mesmo 
contexto:  o  Centre  National  des  Industries  et  Techniques,  construído  em  1956  e 
modernizado em 1989 pelos arquitetos Michel Andrault, Pierre Parat, Ennio Torrieri et 
Bernard  Lamy,  que  é  um  complexo  para  congressos  e  exposições  com  cobertura  em 
membrana  de  concreto;  e  o  Ginásio  Omnisports  de  Paris‐Bercy  Palais  Omnisports  de 
Paris‐Bercy (POPB), construído em 1983, com projeto de autoria dos arquitetos Michel 
Andrault,  Pierre  Parat  e  modernizado  em  2015,  trata‐se  de  uma  arena  em  forma 
piramidal, com paredes inclinadas cobertas por gramado que abriga eventos culturais e 
também esportivos.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
183 
 

discurso  promovido  com  a  intervenção  no  patrimônio.  Por  sua  vez,  para 
interpretar o evento, o autor esclarece que é preciso “[...] o estudo da recepção 
que  permite  estabelecer  o  valor  do  evento  no  tempo  e  no  espaço.”  Afinal,  o 
desenvolvimento da indústria cultural abre um novo capítulo para a arquitetura, 
no  qual  o  edifício  se  torna  “[...]  um  instrumento  cujo  desempenho  e  gestão 
mobilizam fatores novos no espaço e no tempo.”  

Para isso, Monnier (2009, p. 9) lança mão da reflexão de Alois Riegl (2014) sobre 
a valoração dos monumentos e afirma que, sob essa ótica, os edifícios‐eventos 
são “[...], por um lado, os edifícios‐manifesto, que são intencionais e, por outro, 
as  obras  pioneiras  (por  uma  ou  várias  razões)  sobre  as  quais  os  historiadores 
afirmam a importância absoluta ou relativa.” Logo, essas edificações são “arte”, 
celebradas e conservadas na história da arquitetura. 

Sendo assim, ao interpretar o evento, observa‐se que “[...] o reconhecimento do 
valor  histórico‐artístico  é  parcialmente  desconectado  do  valor  de  uso,  numa 
espécie de desvio que reduz a importância da prática social do edifício‐evento.” 
Portanto, o evento assume um papel determinante no valor que é conferido à 
essa  arquitetura  que  é  imposta  à  história,  em  parte,  independentemente  das 
possibilidades de esta ser “praticada” socialmente. (MONNIER, 2009, p. 10). 

Tal dualidade do evento pode ser ainda mais nítida tratando‐se do patrimônio, 
haja  vista  que  este  já  possui  seu  lugar  na  história,  pelos  valores  que  lhe  são 
atribuídos e que conferem a demanda por sua preservação. Sob essa dinâmica, 
Monnier  (2009,  p.  13)  afirma  que  o  prestígio  do  edifício,  quer  seja  pela 
valorização  de  sua  arquitetura,  pela  sua  restauração,  pela  acumulação  de 
eventos,  etc.,  é  decisivo  para  que  a  força  do  evento  não  o  sobrepuje.  “Esses 
valores maiores levam à minoração das lacunas no conforto e no valor de uso.” 
Logo,  são  os  processos  de  prática  social  dessa  arquitetura  preexistente, 
vinculados  à  identificação  e  às  identidades  culturais  mais  próximas  ao  bem 
(locais/regionais) que o resguardam.  

Com  efeito,  a  assimilação  do  patrimônio  arquitetônico  pela  lógica  midiática  e 


imagética  da  indústria  cultural  construída  pelo  edifício‐evento  é  deveras 
contundente. Da mesma forma em relação aos megaeventos, em que o “vigor” 
do evento mobiliza ações em uma escala mais ampla. Sendo assim, a orientação 
do  autor  de  interpretá‐lo  de  modo  a  definir  seu  papel  na  narrativa  da 
arquitetura, logo no discurso da intervenção, é pertinente; mesmo guardando‐
se  as  devidas  proporções  entre  esses  dois  acontecimentos  (evento  e 
megaevento).  

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
184 
 

4.1 M EGAEVENTOS E PATRIMÔNIO NO R IO DE


J ANEIRO
As  intervenções  contemporâneas  no  patrimônio  arquitetônico  são  debatidas 
neste capítulo, por meio de um instrumento de pesquisa: o estudo de caso. O 
seu  universo  desse  estudo  é  o  das  intervenções  contemporâneas  em  bens 
arquitetônicos,  sendo  o  objeto  propriamente  dito  a  arquitetura  (edificação) 
protegida 162 .  O  objetivo  é  discutir  o  impacto  da  indústria  cultural  na  prática 
nacional  contemporânea  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico, 
observando intervenções em um ambiente característico de sua influência – os 
megaeventos  –,  pois  se  assume  o  pressuposto  de  que  neste  panorama  a 
intervenção tende a distanciar‐se da teoria do campo disciplinar de restauração.  

Para isso, o recorte geográfico definido para os estudos de caso é a cidade do 
Rio de Janeiro, por esta ser um ambiente característico da atuação da indústria 
cultural, à medida que se torna o palco de megaeventos163. O Rio, nos últimos 
anos,  abrigou  os  Jogos  Pan‐americanos  (2007),  os  Jogos  Mundiais  Militares 
(2011), a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 
(Rio+20) (2012), a Copa do Mundo de futebol (2014) e os Jogos Olímpicos (2016). 
Contudo, a inserção da cidade no “circuito de consumo” turístico internacional 
já era uma estratégia política iniciada na segunda metade da década de 1990, 
pela  esfera  municipal  de  governo,  baseada  no  exemplo  da  cidade  de 
Barcelona164. Segundo Glauco Bienenstein (2011), a pauta era a requalificação 
urbana de áreas degradadas, o incremento da mobilidade urbana, a promoção 
do uso misto e investimentos em espaços públicos.  

Lia Motta (2000) afirma que tal estratégia era baseada na construção de uma 
imagem da cidade, apoiada no patrimônio cultural, empregado como símbolo de 
identidade  nacional.  A  autora  assinala  que  a  mobilização  da  ação  pelo  “novo 

 
                                                             
 
162
 O patrimônio arquitetônico – edificação – em questão é, segundo o art. 18 do PPCM, 
o bem cultural imóvel, do ponto de vista territorial e relacional, o “bem isolado”; “[...] 
quanto à sua materialidade, compreende um componente em uma unidade territorial 
[...]” (IPHAN, 2018, p. 36).  
163
 O Rio de Janeiro é o estado brasileiro com maior concentração de patrimônio material 
tombado pela esfera federal de proteção, segundo o PPCM (IPHAN, 2018). 
164
 A estratégia dos megaeventos na cidade do Rio de Janeiro é bastante antiga. Já no 
início do século XX, ocorre a Exposição Nacional de 1908 e a Exposição Internacional de 
1922, além da Copa do Mundo de 1950. À semelhança dos megaeventos mais recentes, 
os dois primeiros tinham forte apelo nacionalista, um celebrava o centenário da Abertura 
dos Portos às Nações Amigas (1808); outro, a Independência do Brasil (1822). Envolveram 
grandes  intervenções  urbanas,  implicaram  gastos  vultuosos  e  divulgação.  Todavia,  no 
contexto  da  globalização,  os  megaeventos  têm  o  alcance  incrementado  pelo 
desenvolvimento das comunicações e do transporte. (MOLINA, 2013).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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185 
 

valor simbólico” era de fácil assimilação e direcionada para o consumo global. 
No caso da reurbanização da região da Praça XV, uma das áreas de ocupação 
mais antigas no Centro, que apresentava distintas configurações, promoveu‐se 
um  processo  de  embelezamento  patrimonial  que  empregou  a  demolição  de 
prédios contemporâneos ou tidos como “feios”. Uma preservação cenográfica 
que não levou em conta a cidade como “[...] objeto socialmente construído e seu 
patrimônio como fonte de conhecimento.” (MOTTA, 2000, p. 258).  

Esse  modelo  globalizado  de  preservação  do  patrimônio  edificado  constrói  um 
cenário  homogêneo  que  elimina  marcas  da  ocupação  do  território,  que 
esclarecem quanto às apropriações dos grupos sociais e estabelecem referências 
para memórias e identidades. Sendo assim, a “integração dos indivíduos como 
sujeito e objeto da história” vem a ser impedida ou dificultada. (MOTTA, 2000, 
p. 284).  

As citadas ações ocorreram em detrimento da noção do valor documental do 
patrimônio,  construída  na  década  anterior,  que  favorecia  a  leitura  das 
informações no território da cidade. Além disso, contribuía para a redução da 
especulação imobiliária, consequentemente desestimulando o “deslocamento” 
da  população  local  mais  carente,  em  função  do  enobrecimento  da  área.  A 
“cidade  documento”  de  antes  não  encontra  viabilidade  na  lógica  da 
industrializada  da  cultura  contemporânea 165 .  “São  negados  os  prazos 
necessários para o desenvolvimento de estudos adequados à complexidade dos 
sítios  como  fontes  da  história  e  de  identidades.”  Esse  fato  ocorre,  sobretudo, 
porque não interessam ao mercado “[...] as possíveis restrições ou limitações ao 
uso  ou  à  adaptação  dos  sítios,  que  muitas  vezes  resultam  das  conclusões  dos 
estudos.”  (MOTTA,  2000,  p.  263‐269).  Sendo  assim,  tanto  os  órgãos  de 
preservação quanto os grupos sociais que se relacionam mais intimamente com 
o bem são apartados desse modelo de ação.  

Por outro lado, o modelo globalizado implementado na Praça XV nos anos 90, 
por vezes, é julgado como uma fórmula eficiente, no sentido da sustentabilidade 
do  patrimônio  subutilizado  e  degradado  (MOTTA,  2000).  Entretanto,  a 
sustentabilidade desse modelo é discutível.  

 
                                                             
 
165
 Motta (2000) afirma que essa imagem do patrimônio construído não é a promovida 
no Decreto‐Lei 25 de 1937 do Estado Novo, baseada numa pretensa identidade nacional, 
nem  a  imagem  que  pretendia  a  diversidade  da  década  de  1970,  no  prenúncio  da 
redemocratização. Esse modelo globalizado de preservação do patrimônio construído é 
um  retrocesso  na  prática  que  ocorre  entre  os  anos  de  1970  a  1990,  de  valorização 
documental do patrimônio construído (o valor das leituras de informações do território 
e que a materialidade dos objetos pode conter). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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186 
 

Conforme  debatido  antes,  Marcia  Sant’Anna  (2004)  também  analisa  as 


intervenções que ocorreram nesse período na região central da cidade do Rio de 
Janeiro. Convém, aliás, salientar que a região de seu estudo é mais ampla do que 
a de Motta (2000). A autora registra que foram promovidos usos diversificados 
como  os  comerciais,  de  serviço  e  mesmo  os  residenciais,  que  ocorreram  na 
região periférica ao Centro, além dos recorrentes usos culturais.  

O patrimônio edilício, em seus agenciamentos internos, 
foi  intensamente  adaptado  a  essas  atividades,  sem 
maiores  considerações  ou  preocupações  pelas  perdas 
de  documentação  arquitetônica  que  as  adaptações 
pudessem causar. (SANT’ANNA, 2004a, p. 334).  

Sant’Anna  (2004),  tal  como  Motta,  assegura  que  o  patrimônio  foi  empregado 
“como  veículo  de  marketing”  na  produção  de  uma  imagem  cenográfica  da 
cidade.  Houve  uma  “[...]  ênfase  obsessiva  na  reconstituição  ou  reinvenção  de 
elementos  vistos  como  de  especial  valor  patrimonial,  o  que  implicou  numa 
produção, acima da média, de pastiches.”  (SANT’ANNA, 2004a, p. 334). 

Por  meio  das  análises  dessas  duas  autoras,  reafirmam‐se  dissonâncias  nas 
intervenções no patrimônio arquitetônico, já arroladas como características da 
influência da indústria cultural. A primeira delas é a demolição de arquiteturas 
de  diferentes  épocas  para  criar  uma  composição  mais  homogênea.  Outra  é  a 
ação próxima à musealização e ao fachadismo, que também isola o patrimônio 
de  seu  sítio,  à  medida  que  desconstrói  relações  sociais.  Além  do 
rejuvenescimento  das  fachadas,  que  emprega  cores  vibrantes  e  tons  fortes, 
compondo um cenário. Somado ainda ao custo social que, embora tenha sido 
minimizado pelo uso residencial nos arredores da região, implica a expulsão dos 
grupos sociais locais, em função do enobrecimento da área reurbanizada e da 
inexistência  de  subsídios  para  a  conservação  dos  bens  e  a  permanência  dos 
grupos sociais locais.  

Ainda que essas observações sejam relativas ao tratamento do patrimônio em 
uma  conjuntura  anterior  à  preparação  da  cidade  para  megaeventos,  que 
efetivamente sediou, elas são pertinentes à estratégia globalizada que visava à 
sua candidatura aos mesmos. Em suma, uma estratégia de inserção do Rio de 
Janeiro no mercado mundial dos megaeventos, iniciada na década de 1990, que 
foi  continuada  pelos  governos  seguintes.  Nesse  período,  a  cidade  teve 
candidaturas  oficializadas  a  vários  megaeventos,  algumas  frustradas  e  outras 
bem‐sucedidas.  “Desde  então,  um  novo  padrão  de  gestão  e  planejamento 
urbano foi adotado, [...] (BIENENSTEIN, 2011, p. 2). Padrão esse que influencia a 
intervenção no patrimônio arquitetônico. 

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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De modo geral, a preparação da cidade do Rio de Janeiro para os megaeventos, 
já na condição de sede, foi sistematizada principalmente em três aspectos. (1) 
Uma “estratégia territorial” baseada em um “suposto equilíbrio social e espacial 
do tecido urbano.” Haja vista que verifica‐se a recorrente “[...] concentração da 
maioria  dos  equipamentos  na  área  da  Barra  da  Tijuca,  um  setor  residencial 
seletivo, bem servido de infraestrutura.” (2) O “papel e a participação do setor 
público e da iniciativa privada”, com a articulação entre os três níveis de governo 
para  a  viabilização  das  ações  empreendidas.  (3)  “Processos  decisórios  e  de 
controle  social”  cuja  “[...]  emergência  de  estruturas  de  gerência  e  decisão 
fugazes  e/ou  transitórias  têm  tomado  o  lugar  dos  tradicionais  setores  da 
administração pública, afetando (às vezes até impedindo) processos decisórios 
mais  coletivos  e  democráticos.”  (BIENENSTEIN,  2011,  p.  8‐14).  Esse  último 
aspecto também  é destacado por Hall (2006a), quando aborda os megaeventos 
em geral. 

Em  face  desse  “longo”  processo  de  preparação  da  cidade  para  megaeventos 
definiu‐se um recorte temporal para os estudos de casos. Este foi de 2009 até 
2016, compreendendo a mobilização para os últimos megaeventos: a Copa do 
Mundo de futebol (2014) e os Jogos Olímpicos (2016), que também foram os de 
maior porte.  

Para  seleção  dos  estudos  de  caso,  realizou‐se  o  levantamento  preliminar  dos 
patrimônios  edificados  cujas  intervenções  foram  restringidas  pelos  recortes 
geográfico e temporal, além de serem protegidos e possuírem médio e grande 
porte,  com  uso  original  ou  estabelecido  com  a  intervenção,  de  equipamento 
cultural,  porque  este  é  o  uso  recorrente  da  indústria  cultural.  Portanto,  uma 
arquitetura  prestigiada  e  urbana.  Ademais,  para  a  criação  de  um  grupo  com 
características coesas, que possibilitasse a compreensão da intervenção baseada 
no  edifício,  foram  também  excluídas  edificações  exclusivamente  conformadas 
como galpões e armazéns.  

Do  conjunto  resultante,  foram  selecionados  dois  casos  particulares  de  estudo 
considerados representativos nas dinâmicas de influência da indústria cultural. 
O Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), composto pelos antigos Palacete D. 
João  VI,  o  Terminal  Rodoviário  Mariano  Procópio  e  o  prédio  construído  para 
abrigar a sede da Polícia Marítima; e a Praça do Trem, composta pelos prédios 
remanescentes  da  antiga  Oficina  de  Trens  do  Engenho  de  Dentro  (abrigando 
então  a  Nave  do  Conhecimento  e  o  Museu  Cidade  Olímpica).  Intervenções 
finalizadas  respectivamente  em  2013  e  2016  e  hoje  consolidadas  em  suas 
relações com o espaço e com os grupos sociais. (Ver figura 12.) 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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F IGURA  12   –   L OCALIZAÇÃO DOS ESTUDOS DE CASO .    

PRAÇA DO TREM 

MAR 

Fonte: Mapa digital de cartografia. Prefeitura da cidade do Rio 
 

A intervenção na Praça do Trem foi selecionada por ser bastante característica 
de ações mobilizadas pelos interesses da indústria cultural, pois o tratamento 
conferido  ao  patrimônio  cultural  foi  intimamente  vinculado  à  preparação  da 
cidade para os megaeventos esportivos. A edificação localizada na Zona Norte 
da cidade, Região Méier, no bairro residencial do Engenho de Dentro, é contigua 
ao hoje denominado Estádio Olímpico Nilton Santos, antes João Havelange, mais 
conhecido  como  “Engenhão”.    O  estádio  foi  construído  em  2007,  ocupando 
grande parte de um terreno da antiga rede ferroviária federal, onde havia dois 
conjuntos de patrimônio tombado: o da Praça do Trem (sem uso e em processo 
de arruinamento) e o Museu do Trem (ativo).  

As  obras  provocaram  grande  impacto  no  sistema  viário  local,  assim  como  na 
ocupação do solo, em função do adensamento e da verticalização. Em 2012, toda 
a região, inclusive o estádio, foi submetida a novas obras para adequação aos 
jogos olímpicos. O Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2009‐2012) 
previa a expansão do saneamento e da pavimentação (PREFEITURA DO RIO DE 
JANEIRO,  2013).  As  ações,  em  sua  maioria,  foram  de  requalificação  urbana, 
atendendo ao principal equipamento esportivo existente na região, o estádio, 
mas ainda contemplaram o patrimônio local, no caso, o Museu do Trem e a Praça 
do Trem. 

A intervenção no MAR, localizado na Praça Mauá, foi selecionada por encontrar‐
se no epicentro das medidas de preparação da cidade para os megaeventos. Elas 
consistiam na construção do emblemático Museu do Amanhã, um equipamento 
cultural  espetacular  de  atração  das  massas,  e  o  desmonte  do  Elevado  da 
Perimetral limítrofe ao bem, entre outras.  

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
189 
 

Essas  ações  constavam  do  Plano  Estratégico  da  Prefeitura  do  Rio  de  Janeiro 
(2009‐2012),  que  estabeleceu  cerca  de  sessenta  “iniciativas  estratégicas” 
divididas em dez “áreas de resultado”. Entre os projetos diretamente vinculados 
à produção da “Cidade Olímpica” e com repercussão na área de preservação do 
patrimônio  cultural,  podem  ser  citados:  no  setor  de  transporte,  o  “VLT  do 
Centro”, um sistema de veículos leves sobre trilhos (VLT) que integra diversos 
modais  de  transporte  da  região  central  da  cidade;  no  setor  de  habitação  e 
urbanização, o Porto Maravilha; e, no setor de desenvolvimento econômico, o 
Rio Capital do Turismo. (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2013, p. 42). 

Outras iniciativas que se relacionam com a preservação são da área cultural, mas 
não  estão  diretamente  conjugadas  no  Plano  à  produção  do  evento  esportivo. 
Entre elas, cabe destacar a revisão da rede de equipamentos culturais, o Polo 
cultural da Região Portuária e o Rio Patrimônio – Centro (PREFEITURA DO RIO DE 
JANEIRO, 2013). 

A iniciativa “Porto Maravilha” (2009), empreendida na Região Portuária do Rio 
de Janeiro, onde se localiza o MAR, é uma das áreas de ocupação mais antiga da 
cidade e, portanto, de relevante importância histórica166.   

A  iniciativa  consiste  na  implantação  de  um  amplo 


Programa  de  Requalificação  Urbana  [...]  (melhoria  dos 
serviços  urbanos  e  nova  infraestrutura  urbana);  um 
Programa  de  Desenvolvimento  Imobiliário,  que  visa 
promover empreendimentos residenciais e comerciais; 
e  um  Programa  de  Desenvolvimento  Social,  que  visa 
valorizar  o  patrimônio  histórico  e  cultural  [...]. 
(PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2013). 

O “Programa Porto Cultural” é parte dessa iniciativa e estabelece as linhas de 
ação para o tratamento do patrimônio cultural:  

[...] recuperação e restauração material do patrimônio 
artístico e/ou arquitetônico; valorização do Patrimônio 
Cultural Imaterial; preservação, valorização da memória 
e das manifestações culturais; exploração econômica do 
patrimônio  material  e  imaterial,  respeitados  os 
princípios  de  integridade  e  sustentabilidade  do 
patrimônio,  inclusão  e  desenvolvimento  social; 
produção de conhecimento sobre a memória da região 
e  inovação  na  sua  exploração  sustentável;  formação  e 
pesquisa, incluindo a produção de publicações sobre o 
patrimônio  material  e  imaterial  da  Região  Portuária. 
(IPP, 2011, p. 5). 

 
                                                             
 
166
 O “Porto Maravilha” foi instituído pela Lei Complementar Municipal nº 101, de 23 de 
novembro de 2009.  
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
190 
 

Nas  ações  promovidas  pelo  “Porto  Maravilha”  são  observados  sinais 


característicos  das  práticas  da  indústria  cultural,  entre  eles  a  gentrificação 
comum às cidades globais, identificada pela reabilitação de áreas “obsoletas”, 
empregando o “bota abaixo” como meio de alteração do espaço construído, o 
que  implica  um  processo  de  “ressignificação”,  também  pela  destruição  das 
relações  sociais.  A  gentrificação  é  documentada  no  Dossiê  a  respeito  dos 
megaeventos, preparado por uma equipe técnica multidisciplinar e por vários 
representantes da sociedade organizada que integravam o Comitê Popular da 
Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro (2014, p. 40‐42).  

O  documento  registra  que  a  realidade  da  Região  Portuária,  antes 


predominantemente  residencial  e  com  alto  índice  de  moradias  populares,  foi 
alterada “novamente por uma política higienista”. “Para os imóveis vendidos, a 
valorização do metro quadrado na cidade do Rio de Janeiro foi de 65,2% entre 
os anos de 2011 e 2014. Para os imóveis alugados, a valorização foi de 43,3% no 
mesmo  período 167 .”  (COMITÊ  POPULAR...,  2014,  p.  40‐42).  Esse  é  o  mesmo 
fenômeno  de  enobrecimento  urbano  higienista  vinculado  a  eventos  e  usos 
temporários,  já  discutidos  por  Silvana  Rubino  (2009),  que,  por  sua  vez,  tem 
profunda  relação  com  o  consumo  cultural  da  paisagem  da  pós‐modernidade 
discutido por Sharon Zukin (2000).   

Outro sinal característico da mobilização pela indústria cultural é o tratamento 
do  patrimônio  como  objeto  de  consumo  visual  global,  gerando  identificação 
cultural global e/ou intercultural168. O mesmo Dossiê (2014, p. 84) aponta dois 
casos. O primeiro é relativo ao Estádio Mário Filho (“Maracanã”), tombado em 
2000 pelo município. O conjunto foi parcialmente destombado para que fosse 
viabilizada  a  demolição  do  Parque  Aquático  Júlio  Delamare  e  da  pista  de 
atletismo Célio de Barros. “O decreto da Prefeitura (decreto nº 36349, de 19 de 
outubro  de  2012)  descaracteriza  totalmente  o  projeto  arquitetônico  original, 

 
                                                             
 
167
 A remoção da população também é documentada no Dossiê do Comitê Popular da 
Copa  e  Olimpíadas  do  Rio  de  Janeiro  (2014,  p.  19).  As  ações  ocorreram  na  Região 
Portuária, no Morro da Providência (uma antiga comunidade da região) onde foram feitas 
mais  de  sete  desocupações  de  edificações,  junto  a  bens  como  o  Maracanã  e  o 
Sambódromo,  entre  outros.  “Trata‐se  de  uma  política  de  relocalização  dos  pobres  na 
cidade a serviço de interesses imobiliários e oportunidades de negócios, acompanhada 
de ações violentas e ilegais.”  
168
 A  influência  de  outros  interesses  na  preservação  do  patrimônio  fica  flagrante  em 
vários casos de arbitrariedades envolvendo, por exemplo, o patrimônio ambiental. Isto 
em  detrimento  do  título  de  Patrimônio  Mundial  como  Paisagem  Cultural  Urbana 
conferido ao Rio de Janeiro, em 2012, pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
191 
 

com base na justificativa da realização da Copa do Mundo169.” O segundo caso é 
relativo ao casarão vizinho ao Maracanã,  

[...]  onde  funcionou  o  primeiro  instituto  no  país  de 


pesquisa  da  cultura  indígena,  abrigando  em  1910  o 
primeiro  órgão  de  proteção  indígena,  fundado  pelo 
Marechal Rondon, e transformado, em 1953, em Museu 
do Índio, por Darcy Ribeiro [...]. Com a transferência do 
museu para o bairro de Botafogo, o prédio ficou por um 
longo período abandonado, até ser ocupado, em 2006, 
por  cerca  de  20  indígenas  de  diferentes  etnias, 
desenvolvendo atividades artísticas e culturais no local, 
que ficou conhecido como “Aldeia Maracanã”. (COMITÊ 
POPULAR DA COPA...,  2014, p. 40‐42).  

Outra característica de ações mobilizadas pelos interesses da indústria cultural, 
já discutida anteriormente, é a celeridade com essas ocorrem, o que pode ser 
associado à carência de transparência para evitar limitações e restrições.  

A  velocidade  exigida  das  obras  roubou  dos  cariocas  a 


oportunidade de visitar, discutir e registrar o passado da 
cidade,  perdendo‐se  um  momento  único  de  contato 
com  a  história  e  reflexão  sobre  o  futuro.  Por  alguns 
meses,  as  entranhas  do  Rio  de  Janeiro  estiveram  à 
mostra,  revelando  antigos  calçamentos,  traçados 
viários,  trilhos  e  vestígios  da  cidade  colonial  mas, 
infelizmente, estes resquícios não chegaram a figurar no 
cenário  da  cidade,  tendo  voltado  rapidamente  ao 
subsolo, [...]. (FONSECA; DRAGO, 2016, p. 4)170. 

 
                                                             
 
169
 Outro caso envolvendo um equipamento esportivo é o do Estádio de Remo da Lagoa, 
inaugurado  em  1951,  um  exemplar  de  arquitetura  moderna  tombado  pelo  município. 
Este sofreu diversas intervenções para os Jogos Pan‐americanos de 2007 “que em muito 
o descaracterizaram”, incluindo a “[...] demolição de uma das arquibancadas e o aterro 
dos poços de treinamento e da área de lavagem de barcos para gerar estacionamentos.” 
(FONSECA; DRAGO, 2016, p. 14). 
170
 Vestígios da base de uma construção, provavelmente um chafariz, foram encontrados 
próximos  à  coluna  monumental  do  Cais  do  Valongo  e  Cais  da  Imperatriz,  também  na 
Região Portuária da cidade, mas o chafariz foi novamente enterrado.  Embora o Projeto 
de  Intervenção  para  o  agenciamento  externo  do  sítio  do  Cais,  contrato  à  empresa 
especializada no segmento de restauração, contemplasse sua exposição. Cabe registrar 
que a maioria absoluta das ações previstas nesse projeto aprovado não foi executada, 
mesmo após o Cais ter sido declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.  
Outro exemplo semelhante, em outra região da cidade, “[...] é o caso do antigo chafariz 
do Largo do Moura. Construído em 1794 pelo Conde de Rezende no largo localizado ao 
pé  do  Morro  do  Castelo,  o  chafariz  e  o  antigo  quebra‐mar  foram  alcançados  pelas 
escavações, mas não despertaram o interesse das autoridades, preocupadas em dar por 
finalizadas as obras na região da Praça XV”. (FONSECA; DRAGO, 2016, p. 4). 
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192 
 

4.2 I NTERVENÇÕES NOS MEGAEVENTOS DO R IO


O cerne dos estudos de caso que se seguem é a verificação da assertividade, em 
relação  ao  referencial  do  campo  disciplinar  teórico  da  restauração,  de 
intervenções no patrimônio arquitetônico que ocorreram no panorama típico de 
influência da indústria cultural no Brasil. Isso porque a hipótese aventada nesta 
discussão  é  que  as  práticas  contemporâneas  de  intervenção  no  patrimônio, 
condicionadas  pela  indústria  cultural,  são  justificadas  por  um  discurso  que 
fomenta  e  reitera  o  distanciamento  em  relação  ao  campo  disciplinar  teórico, 
podendo comprometer o patrimônio como referência histórica e identitária. Um 
afastamento que é causado pela: 

 imposição de interesses político‐econômicos;  
 ainda frequente prevalência da valoração dos aspectos tecnicistas do 
patrimônio arquitetônico (subestimando sua significação);  
 formação  inadequada  ou  insuficiente  dos  profissionais  envolvidos 
nesse processo (que implica a superficialidade do conhecimento acerca 
do  referencial  teórico  de  restauração,  a  respeito  da  história  da 
arquitetura e a respeito do bem);  
 desarticulação  entre  os  vários  organismos  envolvidos  com  a 
preservação do patrimônio (em seus diversos níveis);  
 minimização da ação dos órgãos públicos de preservação (no panorama 
de  influência  da  indústria  cultural);  a  “desvalorização”  do  Projeto  de 
Intervenção (por vezes entendido como uma ação burocrática); 
 carência  da  participação  popular  (o  que,  inclusive,  favorece  o 
desconhecimento ou a insensibilidade quanto à significação do bem); 
etc.   

Suas consequências vão desde os “danos” diretamente infligidos à matéria do 
patrimônio cultural e à recorrência a práticas empíricas e/ou omissas e mesmo 
tendenciosas, que subvertem a prevalência da preexistência, até aos impactos 
nos processos de identificação com o patrimônio.  

Quanto  à  metodologia  empregada  para  estudo  das  duas  intervenções  no 


patrimônio arquitetônico, as informações observadas na coleta de dados são as 
que  caracterizam  a  prática  de  intervenção  em  cada  bem,  detalhadas  e 
suficientes para considerar os critérios definidos a seguir. Elas são obtidas por 
meio da observação direta das intervenções e também por fontes documentais. 
As fontes primárias de informação documental são os registros dos acervos das 
empresas envolvidas nas iniciativas e dos pertinentes órgãos de fiscalização do 
patrimônio,  que  em  relação  aos  estudos  de  caso  é  o  acervo  do  Instituto  Rio 
Patrimônio  da  Humanidade  (IRPH).  As  fontes  secundárias  são  informações 
técnicas de divulgação das intervenções, tais como revistas técnicas, etc.  
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193 
 

Os  dados  são  compilados,  ordenados  e  estudados  pelo  método  de  análise  de 
conteúdo,  abarcando  tanto  a  intervenção  projetada,  quanto  a  intervenção 
efetivamente  executada,  para  que  sejam  observados  os  pontos  de 
distanciamento teórico, de forma mais ampla possível.  

A  análise  crítica  das  intervenções  é  ordenada  conforme  dois  parâmetros,  de 


modo a facilitá‐la. O primeiro é identificado como “postural”, sendo baseado na 
revisão  bibliográfica  do  campo  disciplinar  da  restauração,  desenvolvida  no 
terceiro  capítulo  da  presente  pesquisa.  Este  parâmetro  se  presta  à  análise  da 
assertividade, ou seja, da coerência, da intervenção em relação aos postulados 
e premissas teóricas que a orientam.  

Para  isso,  um  critério  de  observação  é  a  qualidade  dos  produtos/serviços 


embasada  nas  normas  presentes  no  Manual  de  Elaboração  de  Projetos  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  do  IPHAN  (2005),  que  estabelece  os 
produtos que compõem o Projeto de Intervenção, bem como seu conteúdo. (Ver 
quadro 2.)  

Q UADRO  2‐   P RODUTOS DO  P ROJETO DE  I NTERVENÇÃO . 

PRODUTOS DE PROJETO DE INTERVENÇÃO 
Pesquisa Histórica           
Levantamento Físico           
IDENTIFICAÇÃO E  Documentação Fotográfica 
CONHECIMENTO  Análise Tipológica, Identificação de Materiais e Sistema Construtivo      
DO BEM  Prospecções: arquitetônica, estrutural, do sistema construtivo e arqueológica 
Estudos Geotécnicos    
Ensaios e Testes            
Mapeamento de Danos          
DIAGNÓSTICO 
Análises do Estado de Conservação        
Memorial Descrito e Especificações Técnicas de Materiais e Serviços 
PROPOSTA DE  Peças Gráficas 
INTERVENÇÃO  Orçamento  
Projetos Complementares. 
Fonte: Baseado no Manual de projetos (IPHAN, 2005). 
 

Nesse caso, analisam‐se as informações quanto aos produtos de projeto, como 
Pesquisas  Históricas,  Análises  Tipológicas,  etc.,  e  avalia‐se  a  qualidade  de  seu 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
194 
 

detalhamento 171 .  (Portanto,  não  se  tem  o  objetivo  de  reproduzir  essas 
informações em nenhuma monta.)  

Outro critério de observação é composto pelos postulados da Carta de Veneza e 
dos tópicos operacionais brandianos, que são frequentemente referenciados na 
prática nacional de intervenção. (Ver quadro 3.) Esses também estão presentes 
em  premissas  destacadas  no  citado  Manual  (IPHAN,  2005) 172 .  Nesse  caso, 
analisam‐se as informações que compõem os produtos de projeto e avalia‐se a 
coerência  de  seu  conteúdo.  (De  mesmo  modo,  não  se  tem  o  objetivo  de 
reproduzir as informações em nenhuma monta.) 

 
                                                             
 
171
 Esses  são  critérios  de  observação  da  intervenção  que  podem  ser  tomados  como 
“interpretativos”  “abertos”,  à  medida  que  “estabelecem  um  intervalo  dentro  do  qual 
soluções  aceitáveis  podem  ser  encontradas”,  e  também  de  aplicação  geral,  “[...]  mais 
objetivas  e  flexíveis,  menos  dependentes  de  medidas  quantitativas  e  mais  adaptáveis 
[...].” Dois padrões combinados que auxiliam o julgamento sobre a qualidade/coerência 
da intervenção. (KHALAF, 2015, tradução nossa). Cabe ressaltar que as normas edilícias 
são aspectos legislativos e reguladores que são considerados inerentes ao processo de 
projeto e obra e por isto não são analisados nos estudos de caso. 
172
 “3.1. Premissas: Os projetos deverão ser elaborados respeitando os valores estéticos 
e  culturais  do  Bem,  com  o  mínimo  de  interferência  na  autenticidade  do  mesmo,  seja 
autenticidade  estética,  histórica,  dos  materiais,  dos  processos  construtivos,  do  espaço 
envolvente ou outras. 3.1.1. Garantir a autenticidade dos materiais implica a manutenção 
da maior quantidade possível  de materiais  originais, de  modo a evitar falsificações de 
caráter  artístico  e  histórico.  3.1.1.1.  Na  impossibilidade  da  manutenção  dos  materiais 
originais,  deverão  ser  utilizados  outros  compatíveis  com  os  existentes,  em  suas 
características físicas, químicas e mecânicas e aspectos de cor e textura sem, no entanto, 
serem  confundidos  entre  si.  3.1.1.2.  Assim  também,  como  a  utilização  de  materiais 
reversíveis, que possam ser substituídos no futuro e no final de sua vida útil, sem danos 
ao Bem. 3.1.2. A autenticidade histórica permeia todos os aspectos associados ao Bem, 
não  sendo  permitida  qualquer  intervenção  que  possa  alterar  ou  falsificar  os  valores 
históricos contidos nos materiais, técnicas construtivas, aspectos estéticos e espaciais. 
3.1.3. A autenticidade estética corresponde ao respeito às ideias originais que orientaram 
a  concepção  inicial  do  Bem  e  das  alterações  introduzidas  em  todas  as  épocas,  que 
agregando valores, resultaram em uma outra ambiência, também reconhecida pelos seus 
valores estéticos e históricos. 3.1.4. Tão importante quanto à manutenção dos materiais 
e  dos  aspectos  estéticos  do  Bem  é  a  garantia  da  preservação  da  autenticidade  dos 
processos  construtivos  e  suas  peculiaridades,  evitando  o  uso  de  técnica  que  seja 
incompatível e descaracterize o sistema existente. 3.1.5. A preservação da autenticidade 
do  espaço  envolvente  não  implica  o  entendimento  do  Bem  isoladamente  e  sim  no 
contexto no qual está inserido, considerando os aspectos natural, histórico, quer urbano 
ou rural. 3.1.5.1. As propostas relativas ao resgate de determinados aspectos estéticos 
do  Bem  devem  estar  baseadas  e  fundamentadas  em  análises  e  argumentos 
inquestionáveis  sobre  a  autenticidade  do  espaço  envolvente.    3.1.6.  É  fundamental  o 
conhecimento  dos  documentos  internacionais  e  dos  princípios  enunciados  nas  cartas 
patrimoniais para elaboração de Projetos de Preservação.  3.1.7. Por fim, é premissa para 
a preservação de um Bem, usos compatíveis com a vocação do mesmo.” (IPHAN, 2005, 
p. 15‐16). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
195 
 

Q UADRO  3   ‐   P OSTULADOS E TÓPICOS OPERACIONAIS  

  CARTA DE VENEZA   RESTAURO CRÍTICO  

Edifício como documento  Tende à ação conservativa. 
– inseparável de sua  Instância histórica ou estética. 
história.  Matéria ou imagem. 
Respeito à matéria  Não admite superfícies de sacrifício. 
POSTULADOS  original.  Pátina. 
Adição com a marca do  Remoção de adições espúrias – valor documental das 
PRINCÍPIOS  várias fases. 
tempo e respeitando a  Reintegração de lacunas. 
preexistência.  Reprodução de elementos moderadamente distinguíveis. 
Reintegração harmoniosa  Adição distinguível – novo deve ser respeitoso. 
e distinguível.  Lógica dedutiva e crítica. 
Mínima intervenção. 
Distinguibilidade. 
Retrabalhabilidade. 
TÓPICOS  Compatibilidade dos materiais. 
 
OPERACIONAIS  Documentação e metodologia científica. 
Uso como um meio. 
Ruptura harmoniosa entre passado e presente. 
Autenticidade. 
 

O  último  critério  de  observação  desse  parâmetro  é  correlato  aos  aspectos  da 
gestão do projeto e da obra que têm potencial de comprometer a coerência da 
intervenção. Essa é uma abordagem pontual, não se tem o objetivo de analisar 
metodologias  de  gestão,  sobretudo  tendo‐se  em  vista  que  estas  não  foram 
precisamente tópicos de abordados aqui. A intenção é analisar as informações 
quanto  aos  agentes,  interesses  e  interferências  envolvidos  na  prática  da 
intervenção, oportunos para identificar os distanciamentos em relação à teoria.  

O  segundo  parâmetro  de  análise  crítica  das  intervenções  é  identificado  como 


“conceitual”. Ele é correlato à análise da coerência teórica da intervenção, em 
relação  aos  conceitos  e  entendimentos  essenciais  à  intervenção 
contemporânea,  sendo  estes  os  de  patrimônio,  de  identidade,  de  valor 
patrimonial e de intervenção presentes no primeiro e segundo capítulos desta 
pesquisa. Desses, são gerados os seguintes critérios de observação173: 

 A intervenção é coerente em relação ao entendimento contemporâneo 
de  patrimônio  arquitetônico,  quando  reconhece  e  promove  seus 
significados tangíveis e intangíveis. Outrossim, levando‐se em conta que 
a  significação  é  dinâmica  e  pode  ser  múltipla,  a  intervenção  como 
processo criativo pode ressignificar o bem. Em contrapartida, ela torna‐
se incoerente se essa ressignificação ignora ou minimiza os significados 
memoriais  locais  que  asseguram  a  diversidade  cultural,  pois  deve 

 
                                                             
 
173
 Esses são critérios de observação “prescritivos” (“definem resultados desejados em 
termos precisos” é uma norma porque enfatiza um indicador específico e mensurável). 
(KHALAF, 2015, tradução nossa). 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
196 
 

pretender‐se  a  preservação  do  bem  também  na  sua  qualidade  de 


referência histórica. 
 A intervenção é coerente em relação às identidades culturais, quando 
reconhece  e  promove  laços  de  identificação  com  o  bem,  inclusive, 
levando‐se  em  conta  possíveis  identidades  interculturais.  Em 
contrapartida,  ela  é  incoerente  se  as  práticas  sociais  e políticas  locais 
são ignoradas, minimizadas ou inviabilizadas, pois deve pretender‐se a 
preservação do bem também na sua qualidade de referência identitária 
local. 
 A intervenção é coerente em relação ao valor patrimonial, quando se 
norteia por ele, sendo este atribuído àquele bem, confirmado ou aferido 
para tal intervenção e claramente definido. Outrossim, levando‐se em 
conta que a valoração é uma interpretação feita por meio de pesquisas 
e análises dos significados correlatos ao tangível (formal) e ao intangível 
do bem. Em contrapartida, ela é incoerente se ignora, ou assume um 
valor  genérico,  superficial  ou  anacrônico,  pois  deve  pretender‐se  a 
preservação  do  bem  na  sua  qualidade  de  referência  histórica  e 
identitária. 
 A  intervenção  é  coerente  quando  promove  preponderantemente  o 
discurso  da  preexistência174.  Outrossim,  levando‐se  em  conta  que  ela 
pode produzir um novo discurso, haja vista que é um processo criativo 
e à medida que a ressignificação do patrimônio é um discurso cultural 
da  atual  maneira  de  ver  o  passado  e  atuar  em  sua  preservação.  Em 
contrapartida, a intervenção é incoerente se o discurso que prevalece é 
o de um novo projeto, pois deve pretender‐se a preservação do bem na 
sua qualidade de referência histórica e identitária. 
 

Por fim, os estudos de caso são comparados por semelhança ou por contraste, 
de modo a estabelecer possíveis generalizações. Vale salientar que não se ignora 
que  essa  tática  de  análise  apresenta  limitações  para  que  se  produziam 
generalizações  científicas.  Um  exemplo  concreto  é  a  dificuldade  de  obter 
documentos que registrem a responsabilidade das decisões tomadas acerca dos 
projetos e, sobretudo, quanto às obras. Entretanto, entende‐se que o resultado 
da intervenção prevalece sobre a responsabilidade da decisão, no que se refere 
ao impacto no que o bem representa para a preservação. Mesmo em detrimento 
disso, é possível tecer observações que, em função de sua natureza complexa, 
são pertinentes o suficiente para reflexões aqui propostas.  

 
                                                             
 
174
 Essa abordagem não emprega métodos de análise de discurso das intervenções.  
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
197 
 

Tal estratégia de análise é um recurso didático, não se tem a pretensão de propor 
uma  metodologia  de  análise  quanto  à  coerência  teórica  disciplinar  de 
intervenções no patrimônio arquitetônico. Os parâmetros podem ser aplicáveis 
a outros casos, mas os resultados não podem ser replicáveis, pois a análise é em 
grande parte subjetiva.  

4.2.1 M USEU DE A RTE DO R IO DE J ANEIRO

A intervenção no conjunto do Museu de Arte do Rio de Janeiro foi uma iniciativa 
capitaneada pela Fundação Roberto Marinho em parceria com a Prefeitura da 
cidade do Rio de Janeiro. (Ver figura 13.) O Museu é composto pelo Palacete D. 
João VI, localizado na Praça Mauá, nº 10, e destinado ao espaço de exposição; 
pelo  Terminal  Rodoviário  Mariano 
Procópio,  localizado  na  Praça  Mauá, 
F IGURA  13   –   M USEU DE  A RTE DO  R IO . 
nº  5,  ou  na  rua  Américo  Rangel,  e 
adaptado  para  as  áreas  técnicas  de 
apoio;  e  também  pelo  prédio 
construído  para  ser  a  sede  da  Polícia 
Marítima e reformado para receber a 
Escola  do  Olhar.  (Ver  figuras  14‐15.) 
Todas essas edificações são limítrofes 
ao  antigo  edifício  da  Imprensa 
Nacional  (tombado  pela  esfera 
estadual  de  proteção),  hoje  ocupado 
pela  Superintendência  Regional  da  Fonte: ORTIZ, Mário R. D. (2015). 
https://bityli.com/e3EiY 
Polícia Federal175.  

  

 
                                                             
 
175
 O  conjunto  do  MAR  localiza‐se  no  pequeno  bairro  da  Saúde,  Região  Portuária  da 
cidade, sendo limítrofe aos bairros Centro e Gamboa. A Saúde é predominantemente não 
residencial,  existem  252  bens  preservados  e  12  tombados  pelo  município  no  bairro, 
segundo dados do IPP de 2017.  
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198 
 

 
F IGURA  14   –   L OCALIZAÇÃO DO CONJUNTO DO  MAR.    
MUSEU 
DO 
AMANHà
MAR

SAÚDE 
GAMBOA 
CENTRO 

Fonte: GOOGLE EARTH (2020) 
 
F IGURA  15   –   E DIFÍCIOS  P ROTEGIDOS .    

TERMINAL RODOVIÁRIO 
PALACETE S. JOÃO VI 
MARIANO PROCÓPIO 

PRAÇA MAUÁ 

SUPERINTENDÊNCIA  POLÍCIA MARÍTIMA 
FEDERAL DA POLÍCIA 
FEDERAL 

Fonte: GOOGLE EARTH (2009) 
 

O Palacete D. João VI teve sua proteção orientada pelo Conselho Municipal de 
Proteção  ao  Patrimônio  Cultural  (CMPC),  sendo  o  tombamento  definitivo 
deferido  no  Decreto  nº  19.002  de  5  de  outubro  de  2000,  justificado,  entre 
outros, por seu testemunho para a “compreensão do processo de ocupação da 
área”, como “marco referencial na paisagem da Cidade” e ainda frente aos “[...] 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
199 
 

atuais  projetos  para  reaproveitamento  destas  áreas  para  novos  usos,  visando 
sua revitalização; [...]” (RIO DE JANEIRO..., 2000). 

Art.  2º  Ficam  incluídos  no  referido  tombamento  os 


seguintes elementos: – exterior – volumetria, cobertura 
(morfologia  e  entelhamento),  revestimento,  balcões, 
gradis,  cercaduras  de  vãos,  esquadrias  de  madeira  e 
ferro,  escadas,  vitrais,  beirais,  balaustradas,  colunas, 
sobrevergas  e  demais  elementos  arquitetônicos  e 
decorativos  característicos  da  tipologia  estilística  das 
fachadas; – interior – escadas principais (revestimentos 
e  corrimão),  elevadores,  luminárias,  pisos  e  demais 
revestimentos e elementos; decorativos característicos 
da tipologia estilística. (RIO DE JANEIRO..., 2000).  

O Terminal Rodoviário Mariano Procópio foi preservado no âmbito da Área de 
Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do Mosteiro de São Bento, estabelecida 
no  Decreto  nº  24.420  de  julho  de  2004,  considerando  a  importância  de 
“exemplares representativos da história da ocupação do Centro;” sendo listado 
em seu anexo entre os bens preservados (RIO DE JANEIRO..., 2004b).  

Art.  4.º  As  edificações  preservadas  não  poderão  ser 


demolidas, podendo sofrer pequenas intervenções para 
adaptações  ou  reciclagem,  desde  que  obedecidos  os 
critérios  de  preservação  estabelecidos  pelo  órgão  de 
tutela e pelo qual deverão ser previamente aprovadas.  
§ 1.º As intervenções nos bens preservados, referidas no 
caput  deste  artigo,  deverão  respeitar  a  concepção 
original  da  linguagem,  da  tendência  estilística,  dos 
elementos  decorativos,  dos  materiais  da  cobertura, 
esquadrias e revestimento, da volumetria e a proporção 
dos vãos. (RIO DE JANEIRO..., 2004a). 

O Terminal era composto principalmente pela marquise, mas também ocupava 
o  pilotis  e  a  sobreloja  do  prédio  da  Polícia  Marítima.  Contudo,  isso  não  é 
diretamente  mencionado  como  parte  do  Terminal,  no  citado  Decreto.  Já  a 
edificação destinada a inicialmente ser a sede da Polícia Marítima foi tutelada na 
área de abrangência da APAC. Sobre ela se destaca o art. 6º, que menciona: “Os 
bens tutelados poderão ser demolidos ou modificados, desde que a alteração 
seja  previamente  aprovada  pelo  órgão  de  tutela,  [...]”  (RIO  DE  JANEIRO..., 
2004b).  

 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
200 
 

PALACETE DOM JOÃO VI – identificação  F IGURA  16   –  DATAÇÃO DA 


OBRA VERIFICADA NA 
O Palacete Dom João VI foi projetado em 1912 para abrigar a sede da  ESTRUTURA DO TORREÃO . 
Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais. Foi construído em 1916, 
em estilo eclético e com a proposta formal de um grande sólido com 
vértices  chanfrados,  voltado  para  a  Praça  Mauá.  (Ver  figura  16.)  
Possuía quatro pavimentos no “segmento frontal” (composto por toda 
a fachada frontal e trechos contíguos das fachadas laterais). O corpo 
central do edifício foi marcado na fachada frontal por um torreão. (Ver 
figura  17.) No  interior,  o  corpo  central  foi  Fonte: ÓPERA PRIMA (2010). 
evidenciado por alvenarias robustas paralelas 
F IGURA  17   –   F ACHADA FRONTAL .    
que  se  estendiam  alinhadas  da  fachada 
frontal  à  posterior.  Nesse  corpo  central, 
localizava‐se  a  circulação  vertical  com  uma 
escada  em  madeira  e  um  elevador,  além  de 
áreas  molhadas  da  edificação.  A  planta  foi 
fracionada a partir desse corpo central, com 
ambientes  menores  no  segmento  frontal  e 
um  grande  salão  em  cada  lateral  do  prédio. 
(Ver  figura  18.)  Os  pavimentos  foram 
construídos  com  pé  direito  acentuadamente 
elevado, à exceção do último.  

  Fonte: MALTA, Augusto (1921). 
Instituto Moreira Sales, Rio de Janeiro. Inv. 013RJ001005. 
 
F IGURA  18   –   P LANTAS BAIXAS DO PROJETO ORIGINAL DIGITALIZADAS . 

Fonte: ALHORA (200?).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
201 
 

O embasamento (em “porão alto”) foi executado em cantaria. As fachadas em 
argamassa foram adornadas com ornatos, frisos e numerosas esquadrias que lhe 
conferiam  ritmo.  As  fachadas  frontal  e  lateral  (voltada  para  o  mar)  foram 
desenvolvidas  com  uma  proposta  semelhante  entre  si  e  distintas  das  outras 
duas, que também formaram um par. Na primeira proposta, o nível do térreo foi 
rusticado com almofadas, vãos em arco abatido e esquadrias em madeira com 
gradis  adornados.  No  nível  acima,  com  vãos  em  arco  pleno  e  sem  gradil.  No 
superior a esse e acima, com vãos em verga reta. Na segunda proposta, os panos 
de fachada foram executados lisos acima do nível térreo.  

Além  disso,  na  projeção  do  corpo  central  na 


F IGURA  19   –   F ACHADA LATERAL  ( VOLTADA PARA O MAR )  
fachada posterior não foram feitas esquadrias  E FACHADA POSTERIOR ;  DESTAQUE PARA O TERRAÇO 
no  térreo  e,  nos  demais  níveis,  elas  essas  COLATERAL . 
foram  executadas  com  dimensões  mais 
estreitas  do  que  as  outras  dos  respectivos 
pavimentos.  O  coroamento  das  fachadas  foi 
executado  em  platibanda,  com  gradis 
adornados  no  segmento  frontal.  A  cobertura 
do penúltimo andar conformava dois terraços 
colaterais, a do último foi feita com telheiros 
cerâmicos. (Ver figura 19.) 

Alguns aspectos da evolução da edificação são 
demarcados  de  modo  a  auxiliar  a 
compreensão  das  intervenções  projetadas  e  Fonte: KFOURI (1916/18).  
executadas.  A  primeira  modificação 
contundente  da  edificação  foi  a  ampliação,  na  década  de  1950,  do  último 
pavimento,  que  passou  a  ocupar  os  terraços.  Demoliram‐se  os  telheiros  e  foi 
executada  laje  com  cobertura  plana  de  telhas  metálicas  em  duas  águas.  Nas 
fachadas  laterais,  os  acréscimos  seguiram  a  proposta  dos  trechos  que  já 
existiam,  exceto  na  lateral  voltada  para  o  mar,  cujo  número  de  esquadrias 
executado  foi  menor,  modificando  o  ritmo  das  fenestrações.  Na  fachada 
posterior,  o  acréscimo  foi  realizado  com  o  mesmo  número  de  esquadrias  dos 
níveis inferiores, mas não se reproduziu o desenho e os ornatos destas. O mesmo 
foi  feito  em  relação  aos  gradis  da  platibanda,  que  nessa  fachada  foram 
executados com desenho simplificado.  

Em  1990,  o  Palacete  passou  a  pertencer  à  Cia  Portus  Instituto  de  Seguridade 
Social. Em 2004 foi ocupado, sendo mais tarde desapropriado e abandonado. As 
fachadas exibiam diversos danos, vãos e esquadrias descaracterizados; todo o 
gradil  da  platibanda  da  fachada  contígua  à  rodoviária  estava  ausente.  A 
cobertura também se encontrava bastante deteriorada e o torreão havia quase 
se perdido completamente. (Ver figura 20.) 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
202 
 

Muitos  acréscimos  sem  respeito  à 


preexistência  foram  feitos  no  interior  da 
F IGURA  20   –   F ACHADA FRONTAL E LATERAL DEGRADADAS . 
edificação: áreas molhadas, lajes sobre estas, 
escadas  metálicas  e  em  concreto,  etc.  Um 
mezanino  em  laje  foi  executado,  dividindo  o 
1º pavimento, além de forros baixos no 2º e 
3º pavimentos, todos secionando esquadrias. 
(Ver  figura  21.)  Várias  camadas  de 
revestimentos  de  piso  espúrios  foram 
sobrepostas ou substituíram os assoalhos com 
tabeira  em  dois  tons  de  madeira  (Ver  figura 
22.)  Estes  ainda  existiam  na  metade  do  2º 
pavimento  e  em  parte  do  4º  pavimento,  Fonte: s/a. (2010).  
embora  danificados;  somente  nos  halls  de  https://sergionobre.wordpress.com/tag/palacete‐d‐joao‐vi/ 

circulação  vertical  tais  revestimentos  se 


encontravam  em  bom  estado.  Ainda,  havia 
F IGURA  21   –V ISTA DO INTERIOR DO  3 º PAVIMENTO .    
também um segmento em ladrilho hidráulico 
decorado,  no  térreo  abaixo  da  escada.  (Ver 
figura  23.)  Outros  revestimentos,  como 
boiseries em madeira, podiam ser verificados 
em  algumas  poucas  paredes,  mas  seus 
vestígios  também  eram  vistos  em  várias 
outras.  (Ver  figuras  24‐25.)  Os  forros  em 
estuque estruturados com tela tipo deployée 
e sancas com frisos existiam nos halls, nos 2º 
e 3º pavimentos e metade do 1º pavimento, 
inclusive  neste  último  em  bom  estado  de 
Fonte: ÓPERA PRIMA (2010). 
conservação. (Ver figura 26.) 

F IGURA  22   –   A SSOALHO .   F IGURA  23   –   P ISO EM LADRILHO HIDRÁULICO DECORADO .    

Fonte: VELATURA (2010). 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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203 
 

 
F IGURAS  24  E  25   –   À  ESQUERDA ,  BOISERIES REMANESCENTES ;  À DIREITA ,  VESTÍGIOS DOS ELEMENTOS PERDIDOS .    

Fonte: ÓPERA PRIMA (2010). 

F IGURA  26   –   F ORRO E SANCAS .    

Fonte: ÓPERA PRIMA (2010). 
 

PALACETE DOM JOÃO VI – propostas de intervenção 

Conforme citado antes, o objetivo de intervenção no Palacete D. João VI foi de 
conferir‐lhe  o  uso  museal.  Inicialmente,  a  iniciativa  foi  intitulada  como 
Pinacoteca do Rio de Janeiro; mais tarde, recebeu o nome de Museu de Arte do 
Rio. Os projetos e obras foram gerenciados pela empresa Engineering, do grupo 
Hill  International.  Os  projetos  foram  fracionados  em  várias  especialidades.  O 
escritório ALHORA Alcides Horácio Azevedo Arquitetos Associados, que não era 
especializado em restauração, desenvolveu o Levantamento Físico e a Pesquisa 
Histórica.  Ambos  os  produtos  compõem  a  etapa  de  Identificação  e 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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204 
 

Conhecimento do Bem do Projeto de Intervenção. O conjunto era formado por 
aproximadamente de 25 pranchas176.  

A  empresa  Velatura  Restaurações  foi  contratada  em  2009  para  o 


desenvolvimento do Projeto Executivo de Intervenção, abarcando as fachadas 
(inclusive  esquadrias)  e  a  cobertura  do  Palacete.  Quanto  à  Identificação  e 
Conhecimento  do  Bem,  os  produtos  apresentados  foram  os  relativos  à 
Documentação Fotográfica, a Análise Tipológica, a Identificação de Materiais e 
Sistema Construtivo, Ensaios e Testes (prospecções estratigráficas e análises de 
argamassas).  Quanto  ao  Diagnóstico,  foram  desenvolvidos  o  Mapeamento  de 
Danos e a Análise do Estado de Conservação (exceto das esquadrias). Quanto à 
proposta  de  intervenção,  os  produtos  foram  o  Memorial  Descritivo  e  as 
Especificações  Técnicas  de  Materiais  e  Serviços,  Peças  gráficas  e  orçamento; 
além  do  projeto  complementar  de  estrutura  para  cobertura.  No  decurso  dos 
serviços de limpeza das obras, também foram desenvolvidos produtos acerca do 
interior  da  edificação,  como  a  Documentação  Fotográfica  e  o  Levantamento 
Físico de pisos e forros. O conjunto era composto por cinco cadernos e cerca de 
trinta plantas.  

Não foi identificado, no material acessado, o claro registro de uma diretriz ou 
partido de intervenção. O projeto previu o restauro das fachadas, mantendo o 
acréscimo do último pavimento e sem complementar os trechos executados sem 
ornamentação.  Também  indicou  o  resgate  dos  vãos  descaracterizados  e  o 
restauro  das  esquadrias.  A  proposta  cromática  para  os  panos  de  fachada  e 
esquadrias  foi  o  resgate  das  “cores  originais”  verificadas  em  prospecções 
executadas  nos  segmentos  mais  antigos  da  edificação.  Ainda  especificou  o 
restauro dos gradis decorados remanescentes nas platibandas, o descarte dos 
gradis executados com desenho simplificado (localizados na fachada posterior), 
considerados no projeto como espúrios, e a reprodução dos gradis decorados 
para esta fachada e para a lateral.  

Na  cobertura,  foram  projetados  os  serviços  de  reforço  da  laje,  restauro  do 
torreão e resgate da volumetria dos telheiros do segmento frontal da edificação, 
executados  com  estrutura  metálica,  engradamento  em  madeira  e  telhas 
cerâmicas. Cabe ressaltar que o Projeto de Arquitetura (desenvolvido por outra 
empresa)  interferiria  nessa  cobertura  com  um  novo  conjunto  de  casa  de 
máquinas  e  áreas  técnicas  necessárias  à  nova  funcionalidade  do  edifício 
histórico. 

 
                                                             
 
176
 Não foi encontrado registro de data nos documentos, nem mesmo em seus créditos e 
nos carimbos das plantas. A contratação deve ter sido anterior a 2009, pois a empresa 
seguinte a desenvolver projetos fez referências a esses levantamentos. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
205 
 

Em 2010, o escritório Bernardes Jacobsen Arquitetura foi contratado a fim de 
desenvolver o Projeto de Arquitetura para o interior do Palacete, contemplando 
as  fases  anteprojeto,  projeto  pré‐executivo  e  projeto  executivo,  inclusive  os 
projetos  complementares.  A  proposta  reservou  ao  prédio  os  ambientes  de 
exposição do museu, já as áreas técnicas ficaram alocadas em parte do Terminal 
Rodoviário contíguo, conforme é descrito mais a seguir177. 

O  acesso  original  na  fachada  frontal  foi  preservado,  mas  não  foi  indicada  sua 
utilização.  Os  acessos  à  edificação  foram  definidos  somente  pela  fachada 
posterior. O percurso de visitação do público ao museu foi concebido de cima 
para  baixo,  iniciando‐se  no  prédio  contiguo  (destinado  à  Escola  do  Olhar, 
também  descrito  mais  a  seguir),  chegando‐se  ao  novo  hall  no  penúltimo 
pavimento  por  meio  de  passarela  paralela  à  fachada  posterior.  A  saída  foi 
proposta  por  uma  rampa  fechada  que  desemboca  no  eixo  central  entre  os 
prédios,  onde  antes  era  uma  rua.  Assim,  a  experiência  do  edifício  começa  e 
termina em “túneis” (passarela suspensa e a rampa de saída).  

O Projeto de Arquitetura manteve a posição da circulação vertical e das áreas 
molhadas  no  corpo  central  da  edificação  em  todos  os  pavimentos.  Indicou  a 
preservação do hall da escada original, com o restauro da escada e a atualização 
do elevador remanescente, além do restauro do forro (executado somente no 
térreo e no ultimo pavimento), mas modificou os vãos de acesso ao ambiente 
(exceto no térreo) e não especificou o restauro do piso. Foi ainda projetado um 
novo conjunto de escada e elevadores, somado de áreas molhadas (sanitários) 
e,  sobre  estas,  áreas  técnicas,  ampliando  lateralmente  os  limites  do  corpo 
central  do  prédio.  Inclusive,  o  projeto  demoliu  alvenarias  estruturais  originais 
que delimitavam o terço final do corpo central da edificação, junto à fachada 
posterior, para localizar aí o novo hall de circulação.  

Outro  ponto  importante  da  proposta  foi  a  ampliação  dos  salões  colaterais, 
abarcando os ambientes menores que existiam no segmento frontal do edifício, 
para instalação das salas de exposição. Foi especificado o restauro dos pilares 
em  ferro  decorados,  localizados  nessas  salas.  O  Projeto  de  Arquitetura  ainda 
definiu  novo  piso  em  madeira  e  novo  forro  em  gesso,  além  de  painéis 
“museográficos”  em  gesso  acartonado,  contíguos  às  esquadrias  das  fachadas 
(exceto  nos  segmentos  chanfrados  da  edificação,  no  hall  original  térreo  e  em 
uma parede da sala de exposição/reserva também no térreo).  

 
                                                             
 
177
 Ver plantas do projeto divulgadas pela empresa Bernardes Jacobsen Arquitetura no 
Anexo II. Optou‐se por empregar somente fotografias para a descrição dos serviços que 
foram executados. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
206 
 

Em relação à cobertura, foi projetada a demolição da laje intermediária dentro 
do  torreão  e  a  remoção  da  escada  helicoidal  em  ferro.  O  acesso  à  cobertura 
passou a ser feito por meio da nova escada projetada para circulação vertical.  

Vale  salientar  que  os  reforços  detalhados  para  a  cobertura  do  Palacete,  no 
Projeto  de  Intervenção  das  fachadas  e  da  cobertura,  não  atendiam  às  novas 
exigências estruturais decorrentes da proposta para nova cobertura do prédio 
da Escola do Olhar, que se estendeu sobre parte do Palacete. Sendo assim, todo 
o segmento da laje sob a projeção dessa cobertura foi demolido e reconstruído, 
de  acordo  com  as  novas  especificações  do  Projeto  de  Arquitetura  (do 
interior/cobertura). 

PALACETE D. JOÃO VI – execução 

A fiscalização do patrimônio às obras coube ao IRPH. A empresa a inicialmente 
desenvolver as obras foi a Ópera Prima Arquitetura e Restauro, contratada em 
2010 para executar a restauração das fachadas e cobertura do Palacete. A firma, 
por  sua  vez,  subcontratou  alguns  serviços.  Conforme  as  especificações  do 
Projeto  de  Intervenção  para  as  fachadas  e  cobertura,  foram  executadas,  nas 
fachadas, a restauração das cantarias, argamassas e ornatos, além do resgate de 
vãos  das  esquadrias  descaracterizados,  bem  como  a  restauração  destas  e  de 
seus gradis (Ver figura 27.) 

Na cobertura, foram restaurados os gradis das 
platibandas do segmento frontal da edificação 
F IGURA  27   –   F ACHADAS LATERAL E FRONTAL 
e da fachada lateral voltada para o mar. Não 
RESTAURADAS .    
foram  executadas  as  reproduções  desses 
gradis  nas  fachadas  posterior  e  lateral, 
especificadas  no  citado  Projeto  de 
Intervenção. Contudo, o restauro do torreão 
seguiu  o  projeto,  com  a  conservação  da 
estrutura  metálica,  o  refazimento  do 
fechamento e das mansardas perdidos. 

Conforme definido no Projeto de Arquitetura, 
foi  vedado  o  antigo  acesso  à  cobertura,  por 
meio do torreão, e também foram executados 
os  serviços  de  demolição  e  remoção  do  Fonte: s/a. (s/d).  
https://bityli.com/4t4oY 
telhado metálico e da casa de máquinas.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
207 
 

No  interior  da  edificação,  a  empresa  ainda  F IGURA  28   –   V ISTA DO INTERIOR DO  2 º PAVIMENTO APÓS 


procedeu  as  demolições  e  remoções  dos  DEMOLIÇÕES .    

diversos acréscimos espúrios já mencionados 
(mezanino,  lajes,  alvenarias,  escadas, 
mobiliários,  elevador,  etc.).  Além  da 
demolição  dos  boiseries,  dos  forros,  das 
sancas  decoradas  e  dos  pisos  em  assoalho  e 
ladrilho hidráulico remanescentes. (Ver figura 
28.)  Foram  ainda  executados  reforços  e  a 
recuperação  do  revestimento  das  lajes  dos 
pavimentos.  Outro  serviço  realizado  pela 
empresa foi a investigação das fundações do 
Fonte: FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. (2011).  
Palacete,  por  meio  de  prospecções,  com 
acompanhamento arqueológico. 

A firma seguinte a executar as obras no Palacete foi a Concrejato Engenharia, 
que  desempenha  atividades  nos  setores  de  restauração  e  retrofit.  Ela  iniciou 
seus serviços em 2011 e, conforme definido no Projeto de Arquitetura, demoliu 
as  alvenarias  originais  do  segmento  posterior  do  corpo  central  da  edificação, 
além do prisma para alocação da nova escada; procedeu também aos reforços 
estruturais,  bem  como  às  demais  obras  civis.  (Ver  figuras  29‐30.)  Executou  o 
restauro dos pilares, do conjunto da escada original e a reabilitação do elevador. 
(Ver  figuras  31‐32.)  Vale  pontuar  que  ainda  executou  a  vedação  dos  vãos  de 

F IGURAS  29  E  30   –   À  ESQUERDA ,  DEMOLIÇÃO DAS ALVENARIAS E LAJES DO SEGMENTO 


POSTERIOR DO CORPO CENTRAL ;  À DIREITA ,  HALL CONSTRUÍDO .    

Fonte: FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO.  Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019). 
(2011).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
208 
 

esquadrias em seus intradorsos, na parede de um dos salões do térreo, onde não 
foi  projetado  o  painel  “museográfico”.  (Ver  figura  33.)  Já  de  acordo  com  o 
Projeto de Intervenção para as fachadas e cobertura a empresa reconstruiu os 
telheiros na cobertura. (Ver figura 34.) 

 
F IGURA  31   –   H ALL NO TÉRREO PRESERVADO .   F IGURA  32   –  PILAR RESTAURADO .    

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019). 
 
F IGURA  33   –   R ESERVA TÉCNICA NO TÉRREO ;  AO FUNDO VEDAÇÃO DAS ESQUADRIAS NO INTRADORSO DOS VÃOS .  
F IGURA  34   –   R ECONSTRUÇÃO DE TELHEIRO FRONTAL NA COBERTURA .    

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019). 

Outro ponto a ser ressaltado é que, após a obra terminada, foram executados 
painéis museográficos também vedando as esquadrias nas alvenarias chanfradas 
das salas de exposição, antes tampadas com material translúcido (Ver figuras 35‐
36.)  
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
209 
 

 
F IGURAS  35  E  36   –   À  ESQUERDA ,  VEDAÇÃO TRANSLÚCIDA NO SEGMENTO CHANFRADO DA SALA DE EXPOSIÇÃO ;  À 
DIREITA ,  POSTERIOR ACRÉSCIMO DE PAINEL ACARTONADO . 

Fonte: s/a. (s/d)  Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019). 
https://bityli.com/zI8NS 

Com efeito, a única folha de esquadria remanescente do Palacete que pode ser 
observada pelo público no interior da edificação é a do antigo acesso principal 
que fica localizado no hall térreo preservado. Neste mesmo espaço também são 
vistas guarnições de vãos com bandeiras. (Ver figuras 37‐38.) O acesso e a saída 
do  público  foram  executados  na  fachada  posterior,  conforme  projetado.  (Ver 
figuras 39‐42.) 

 
F IGURAS  37  E  38   –   E SQUADRIAS NO HALL PRESERVADO NO TÉRREO .    

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019). 
 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
210 
 

 
F IGURAS  39  E  40   –   À  ESQUERDA ,  VISTA DO INTERIOR DA PASSARELA DE SAÍDA ;  À 
DIREITA E DESTACADA ,  SUA VISTA EXTERNA . 

Fonte: TCMRJ (2013). 
Fonte: ALMEIDA, Karine (2013). 
https://www.tcm.rj.gov.br/Noticias/5326/V
isita4.pdf 
 
F IGURAS  41  E  42   –   À  ESQUERDA ,  INTERIOR DA PASSARELA DE ACESSO AO NOVO HALL ;  À 
DIREITA ,  SUA VISTA EXTERNA NA FACHADA POSTERIOR . 
 

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019) 

TERMINAL RODOVIÁRIO MARIANO PROCÓPIO – identificação 

O  Terminal  Rodoviário  Mariano  Procópio  foi  construído  em  1950,  paralelo  à 


fachada posterior do Palacete, avançando até o limite lateral do prédio da Polícia 
Marítima. A plataforma de embarque principal foi executada com uma marquise 
suportada por pilares adornados com mísulas, posicionados em seu eixo central. 
(Ver  figuras  43‐44.)  Duas  abóbodas  cobriam  os  espaços  de  ligação  entre  a 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
211 
 

marquise e o edifício da Polícia. Neste último, a rodoviária ocupava o pilotis com 
bilheterias  e  a  sobreloja  com  sua  administração  e  um  restaurante.  No  pilotis, 
existiam painéis com temas rodoviários. (Ver figuras 45‐46.) 

 
F IGURAS  43  E  44   –   À  ESQUERDA ,  PLATAFORMA DE EMBARQUE ;  À DIREITA A MARQUISE . 

Fonte: s/a. (195?).   Fonte: s/a. (195?).  
https://bityli.com/br63h  https://bityli.com/LbqSe 
 
F IGURAS  45  E  46   –   À  ESQUERDA ,  PAINÉIS DECORATIVOS JUNTO ÀS ABÓBODAS ;  À DIREITA ,  PAINÉIS 
POSTERIORMENTE REMOVIDOS . 

Fonte: s/a. (195?).  Fonte: CONCREJATO (2011) 

Outro  segmento  de  marquise  foi  executado  perpendicular  ao  segmento 


principal, entre as fachadas laterais do Palacete e do prédio da Polícia, sendo 
justaposto a este último. Além de um segmento isolado de marquise acrescido à 
outra fachada lateral do mesmo prédio da Polícia que, posteriormente, recebeu 
uma  platibanda.  (Ver  figuras  47‐48.)  Com  o  passar  do  tempo,  as  mísulas  da 
marquise principal foram retificadas; os seus ornatos se perderam e sua borda 
recebeu revestimento cerâmico. (Ver figura 49.) 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
212 
 

 
F IGURAS  47  E  48   –   S EGMENTOS DA MARQUISE CONTÍGUOS ÀS FACHADAS LATERAIS DO EDIFÍCIO DA  P OLÍCIA . 

Fonte: GOOGLE (2010).  
 
F IGURA  49   –  MARQUISE CONTÍGUA À FACHADA POSTERIOR 
DO PRÉDIO DA POLÍCIA . 

Fonte: s/a. (2010). 
 http://masaokamita.blogspot.com/2013/05/ 

TERMINAL  RODOVIÁRIO  MARIANO  PROCÓPIO  –  propostas  de  intervenção  e 


execução 

A Pesquisa Histórica sobre o Terminal e o contíguo prédio da Polícia Marítima foi 
solicitada pela Fundação Roberto Marinho, em 2010, à historiadora Lúcia Garcia. 
O Levantamento Físico de ambas as edificações foi desenvolvido pela empresa 
Velatura  Restaurações,  também  no  mesmo  ano,  sendo  composto  por  um 
conjunto de cerca de vinte plantas.   

A intervenção projetada para a rodoviária foi desenvolvida integrada ao Projeto 
de  Arquitetura  do  museu  (interior  do  Palacete).  Como  mencionado  antes,  o 
escritório Bernardes Jacobsen Arquitetura destinou basicamente à edificação as 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
213 
 

áreas técnicas de apoio ao museu e também os espaços de apoio à Escola do 
Olhar instalada no prédio da Polícia178. 

A Empresa Concrejato executou igualmente as obras nessa edificação. Conforme 
projetado,  demoliu  os  dois  segmentos  da  marquise  justapostos  às  fachadas 
laterais do prédio da Polícia, restando somente a marquise principal. Sob esta, 
foram  construídos  três  volumes  em  alvenaria,  liberando  seus  extremos.  No 
volume  central,  foi  posicionada  a  bilheteria  e  o  guarda‐volumes,  nos  demais 
foram alocadas áreas técnicas e de serviço. (Ver figuras 50 e 51.) 

 
F IGURAS  50  E  51   –   À  ESQUERDA ,  EXTREMIDADE DA MARQUISE JUNTO AO  P ALACETE E ,  À DIREITA ,  CONTÍGUA À 
E SCOLA DO  O LHAR . 

Fonte: GIROTO, Ivo (2018) 
https://bityli.com/cf8jV 

O setor coberto por abóbodas que fazia a ligação entre a marquise e o pilotis do 
prédio da Polícia foi ampliado, prolongando‐se para além de sua fachada lateral. 
Nesse espaço foram localizados loja, depósitos e mais áreas técnicas.  

Vale salientar que, conforme relatório produzido pela Arqueóloga Guadalupe do 
Nascimento  Campos  em  2011,  foram  realizadas  escavações  para  o 
posicionamento de reservatório na área próxima à projeção das abóbodas, onde 
foram  encontrados  vestígios  de  um  possível  estaleiro  de  pequeno  porte.  Tais 
achados arqueológicos não foram expostos no local. (Ver figuras 52‐53.)  

 
                                                             
 
178
 Ver projeto no anexo II. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
214 
 

 
F IGURAS  52  E  53   –   V ESTÍGIOS DO POSSÍVEL ESTALEIRO DO SÉC .   VIII. 
 

Fonte: CAMPOS, Guadalupe (2011).  

PRÉDIO DA POLÍCIA MARÍTIMA (HOSPITAL DA POLÍCIA CIVIL) – Identificação, 
propostas de intervenção e execução 

O edifício modernista destinado a ser a sede da Polícia Marítima foi projetado 
pelo arquiteto Fernando Saturnino de Brito e construído na década de 1940. A 
edificação  foi  dotada  de  pilotis,  janelas  em  fita  executadas  em  madeira  com 
acabamento  na  mesma  cor  do  revestimento  dos  pilares  do  pilotis,  além  de 
empenas laterais cegas. Como já citado, com a construção do Terminal, fez‐se 
uma ligação entre o prédio e a marquise principal coberta por duas abóbodas. 
Mais  tarde,  esse  espaço  foi  ampliado  e  o  pilotis  do  prédio  foi  fechado  com 
esquadrias  reticuladas  em  ferro.  (Ver  figura  54.)  Além  disso,  o  prédio  foi 
adaptado  para  receber  o  Hospital  da  Polícia  Civil  José  da  Costa  Moreira,  que 
permaneceu em uso até pouco tempo antes das obras de intervenção. Em seu 
interior,  já  não  havia  elementos  compositivos  de  valor  histórico  ou  estético, 
exceto pelos painéis decorados no pilotis. 

O prédio foi destinado à Escola do Olhar, um  F IGURA  54   –   P ILOTIS DA FACHADA FRONTAL DO ANTIGO 


PRÉDIO DA POLÍCIA . 
espaço  pedagógico  voltado  para  atividades 
complementares  à  formação  dos  professores 
da  rede  municipal.  O  programa  conta  com 
salas  multimídia,  auditório,  restaurante  e 
áreas administrativas. A proposta definida no 
Projeto  de  Arquitetura  desenvolvido  pela 
Jacobsen reduziu a edificação à sua estrutura. 
O  último  pavimento,  inclusive,  veio  a  ser 
completamente  demolido,  de  modo  que  o 
prédio  da  Escola  do  Olhar  tivesse  a  mesma 
altura  do  Palacete.  No  pilotis  foi  projetado 
somente o conjunto de circulação vertical. Os 
Fonte: GOOGLE (2010).  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
215 
 

fechamentos das fachadas frontal, posterior e  F IGURA  55   –   F ACHADA FRONTAL DA  E SCOLA DO  O LHAR . 


lateral  contígua  ao  Palacete  foram 
especificados em lâminas verticais de vidro. A 
passarela suspensa e fechada de interligação 
entre  a  Escola  do  Olhar  e  o  Palacete  foi 
definida  no  penúltimo  pavimento.  Ainda  foi 
projetada  a,  já  referida,  cobertura  ondulada 
em  casca  sobre  a  Escola,  cobrindo  parte  do 
Palacete.  Em  função  desse  elemento,  ambas 
as edificações receberam reforços estruturais. 
(Ver figura 55.).  
Fonte: GOOGLE (2016).  
O  projeto  e,  por  sua  vez,  as  obras 
apresentaram  atrasos  consideráveis 
decorrentes  da  complexidade  dessa  cobertura.  As  obras  nessa  edificação 
também ficaram a cargo da empresa Concrejato.  

Vale  ainda  pontuar  que  outros  achados  arqueológicos,  como  dormentes  de 
trens,  foram  encontrados  no  lugar  da  fundação  dos  novos  elevadores,  sendo 
removidos do local.  

MAR – análise 

O  empreendimento  –  MAR  –  é  uma  estratégia  cujo  cerne  é  a  emblemática 


mobilização por meio dos grandes equipamentos culturais da indústria cultural 
e, neste caso, das ações do Porto Maravilha de 
preparação da cidade para os megaeventos. A  F IGURA  56   –   P RAÇA  M AUÁ COM VISTA DO  MAR  AO 
intervenção  no  conjunto  do  MAR  é  FUNDO E À ESQUERDA . 
direcionada  primordialmente  pela 
centralidade  imposta  à  Praça  Mauá.  A 
proposta se vale de uma suposta “integração” 
entre os dois edifícios (o eclético e o novo) e 
acaba por “aglutinar” a terceira (a rodoviária). 
Tal integração seria promovida pela cobertura, 
que  é  a  marca  do  novo  e  do  arquiteto  na 
iniciativa,  e  pelo  percurso  de  visitação,  que 
acaba por ser um artifício para a valorização da 
Fonte: Porto Novo (2016). 
vista  da  Praça  Mauá,  além  de  destaque  da 
https://catracalivre.com.br/viagem‐livre/startup‐tem‐
própria cobertura. (Ver figuras 56‐58.)  passagens‐de‐onibus‐entre‐sp‐rj‐a‐partir‐de‐r‐29/ 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
216 
 

 
F IGURA  57   –   V ISTA DA  P RAÇA  M AUÁ E DO  M USEU DO  A MANHàA PARTIR DA COBERTURA DA  E SCOLA DO  O LHAR .  
F IGURA  58   –   V ISTA DA  P RAÇA ENTRE OS PRÉDIOS DO MAR . 

Fonte: s/a. (s/d).  Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2019). 
https://www.cariocahotel.com.br/visite‐o‐mar/ 

No que se refere a análise da  assertividade da intervenção no conjunto do MAR, 
em relação ao referencial teórico do campo disciplinar da restauração, de acordo 
com o parâmetro “postural”, que se atém aos princípios orientadores da ação, 
são feitas observações acerca de cada edificação, quanto ao projeto e ao que foi 
efetivamente executado nas obras.  

No  caso  do  Palacete  D.  João  VI  e  em  relação  ao  critério  de  qualidade  dos 
produtos de projeto, avalia‐se que estes são, de modo geral, qualitativamente 
adequados  e,  portanto,  coerentes;  apesar  de  apresentarem  uma  Pesquisa 
Histórica relativamente superficial e parte dos registros de Levantamento Físico 
imprecisos. As obras nessa edificação também têm qualidade adequada, sendo, 
portanto, coerentes sob esse aspecto. 

Em  relação  ao  critério  que  observa  os  postulados  e  tópicos  operacionais 
adotados  na  intervenção  no  Palacete,  é  necessário  analisar  o  Projeto  de 
Intervenção  para  as  fachadas  e  cobertura  juntamente  com  as  do  Projeto  de 
Arquitetura, pois eles têm áreas de abrangência comuns, como as fachadas e a 
cobertura. 

A intervenção nas fachadas do Palacete reconhece o postulado teórico do bem 
como documento, à medida que restaura as fachadas e que mantém o acréscimo 
que ampliou o último pavimento (que, por sua vez, respeita a preexistência e é 
um momento da evolução da edificação). Por outro lado, a intervenção contraria 
esse  mesmo  postulado,  na  medida  em  que  resgata  as  cores  “originais”  da 
edificação,  no  lugar  da  proposta  cromática  referente  a  essa  conformação 
ampliada da edificação. Ademais, essa poderia ser confirmada com a execução 
de prospecções nos segmentos das fachadas acrescidos no último pavimento. 
Outro  postulado  que  pode  ser  verificado  nessa  intervenção  é  o  do  respeito  à 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
217 
 

matéria original do bem e à sua história, conferindo a marca do tempo. Todavia, 
admite‐se  que  a  execução  do  novo  acesso  do  público  à  edificação  implica  a 
“perda” da matéria da fachada posterior, mas esta não é deveras representativa 
frente  à  escala  da  edificação.  Quanto  aos  tópicos  operacionais  teóricos,  a 
passarela de acesso, assim como a de saída, são rupturas enfáticas entre passado 
e presente e impactam na imagem do bem. Sendo assim, os tópicos operacionais 
acabam  por  ficar  mais  restritos  à  metodologia  científica  e  a  compatibilidade 
entre  os  materiais.  Diante  disso,  avalia‐se  que  a  intervenção  nas  fachadas  do 
Palacete  é,  de  modo  geral,  coerente  em  relação  a  esse  critério  de  análise  da 
assertividade teórico‐disciplinar. 

Já  a  intervenção  na  cobertura  desrespeita  o  postulado  que  afirma  o  bem 


inseparável de sua história, à medida que emprega a reconstrução dos telheiros 
originais  e  adota  os  terraços,  que  compõem  configurações  anteriores  da 
edificação que se perderam. Isso é um contrassenso, haja vista que se mantém 
a ampliação do pavimento, mas não a conformação de cobertura relativa a esse 
momento da existência do bem.  

Outro  ponto,  neste  caso,  do  Projeto  de  Intervenção,  que  também  nega  esse 
postulado é a especificação da reprodução de gradis originais nas platibandas, 
onde  estes  eram  simplificados  ou  não  existiam.  Uma  proposta  balizada  pela 
concepção do bem como documento restauraria também o gradil simplificado. 
Além do mais, ele é relativo à conformação ampliada do prédio, que é a mantida 
na intervenção. Aqui, os serviços executados na cobertura têm uma orientação 
mais acertada do que a projetada, pois não se reproduzem os gradis originais nas 
platibandas das fachadas posterior e lateral. Em contrapartida, também não se 
“restaura” o gradil simplificado da fachada posterior.  

Destaca‐se que as demais ações na cobertura que implicam a mudança do acesso 
e a construção de novas áreas técnicas não impactam de maneira expressiva a 
conformação  da  cobertura.  Logo,  avalia‐se  que  a  intervenção  executada  na 
cobertura  do  Palacete  é  incoerente  em  relação  a  esse  critério  de  análise  da 
assertividade teórico‐disciplinar. 

A  intervenção  no  interior  do  Palacete,  quanto  aos  postulados  e  tópicos 


operacionais,  apresenta  várias  incoerências.  Pode‐se  especular  que  há  uma 
parcial  compreensão  do  postulado  do  edifício  histórico  como  documento,  no 
que tange à preservação da estrutura formal do eixo central e do conjunto de 
circulação  vertical,  tão  marcante  no  bem.  Todavia,  o  projeto  especifica  a 
demolição de alvenarias estruturais originais que delimitam o terço final desse 
corpo central junto à fachada posterior. A leitura de um corpo central no interior 
do bem ainda é mantida, mas se incorre em perdas importantes em sua matéria. 
O mesmo ocorre no que tange ao descarte dos assoalhos (bastante degradados, 
mas passíveis de restauro com o remanejamento e concentração de peças) e dos 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
218 
 

forros (em razoável estado de conservação), sobretudo no hall original que se 
localiza no corpo central da edificação.  

Nesse  sentido,  vale  salientar  que  a  demolição  das  alvenarias  internas  do 
segmento  frontal  da  edificação  que  o  compartimentava  pode  não  impactar, 
sobremaneira,  na  leitura  do  bem,  haja  vista  que  já  existiam  grandes  salões 
colaterais em cada pavimento. No entanto, o registro dessa modificação seria 
mais  legível  se  tivesse  sido  proposta  a  restauração  dos  forros  evidenciando  o 
fracionamento  anterior,  ou  mesmo  a  marcação  desses  ambientes  com  forros 
novos, levando‐se em conta a necessidade de recomposição dos revestimentos 
de lajes. Outra possibilidade ainda seria a marcação desses ambientes com o piso 
novo.  

Mais  um  tipo  de  ação  que  nega  o  postulado  do  bem  como  documento  é  o 
emprego generalizado dos painéis “museográficos”, vedando as esquadrias das 
fachadas no interior do bem. Mesmo as esquadrias das alvenarias chanfradas, 
nos  vértices  da  edificação,  não  podem  mais  ser  observadas,  haja  vista  sua 
vedação  posterior  às  obras.  Estes  painéis  são  reversíveis/retrabalháveis,  mas 
constituem  um  acréscimo  que  não  respeita  a  preexistência  em  todas  as  suas 
características, visto que dificultam enfaticamente a percepção da arquitetura 
histórica. Tampar as esquadrias dentro dos respectivos vãos é uma solução que 
pode ser adotada também como recurso expositivo. É limitada, se comparado 
aos recursos disponíveis no painel “museográfico”, porém permite a percepção 
da posição e das dimensões das esquadrias, ou seja, do ritmo estabelecido na 
construção original. Ademais, isso foi feito em uma das paredes dos salões do 
térreo.  

O tópico operacional que é observado de maneira mais evidente nesse setor da 
intervenção  é  a  distinguibilidade.  Ela  é  empregada  de  forma  razoavelmente 
harmoniosa na nova escada e no novo piso.  

Sendo  assim,  considera‐se  que  a  intervenção  no  interior  do  Palacete  é 


incoerente  em  relação  a  esse  critério  de  análise  da  assertividade  teórico‐
disciplinar.  Com  efeito, tal  intervenção  aproxima‐se  de  um  fachadismo,  que  é 
uma  das  dissonâncias  recorrentes  da  prática  da  intervenção  influenciada  pela 
indústria  cultural.  Afinal,  suas  características  formais  e  composição  interna 
foram em sua maioria subvertidas. 

No caso do Terminal Rodoviário Mariano Procópio, verifica‐se que os produtos 
de projeto: Pesquisa Histórica e Levantamento Físico são desenvolvidos com o 
devido rigor técnico e, portanto, avaliados como qualitativamente coerentes. Da 
mesma  forma,  os  serviços  executados  detêm  qualidade  adequada;  logo,  são 
coerentes quanto a esse critério de análise. 

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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Em relação aos postulados e tópicos operacionais adotados na intervenção no 
Terminal,  pode‐se  considerar  que,  embora  haja  alguma  preocupação  com  a 
matéria original do bem, a preservação de sua historicidade não é determinante. 
O segmento isolado da marquise demolido pode ser tomado como o acréscimo 
espúrio, mas o outro, que era articulado com a marquise principal, não deveria, 
pois sua demolição afeta o documento. Por outro lado, isso não desfavorece a 
imagem do bem.  

Ademais,  os  acréscimos  construídos  sob  a  projeção  da  marquise,  mesmo  que 
harmoniosamente distinguíveis, não respeitam a preexistência em todas às suas 
características. Os extremos da marquise que são “liberados” (desocupados) são 
proporcionalmente  “tímidos”,  em  comparação  aos  volumes  construídos.  Tal 
condição é ainda agravada pela edificação do espaço entre a marquise e o pilotis 
do edifício da Polícia, inclusive estendendo‐se além de sua fachada lateral. Se 
reconhece que a ocupação da marquise e também das abóbadas é uma proposta 
oportuna  às  demandas  de  programa  do  museu  e  da  Escola  do  Olhar,  mas,  à 
proporção que os acréscimos se avolumam, dificulta‐se a percepção do contorno 
da marquise da rodoviária, o que impede sua compreensão formal e a própria 
“leitura” do uso original.  

Uma marquise é um espaço coberto e aberto,  F IGURA  59   –   E M DESTAQUE ,  VISTA DA MARQUISE DO 


e  esta  passou  a  ser  um  espaço  fechado  e  T ERMINAL ENTRE OS PRÉDIOS DO CONJUNTO DO  MAR. 
também descontínuo. Tal resultado é piorado 
com  os  fechamentos  cegos  dos  acessos  à  via 
“de  serviço”  contígua  ao  edifício  da  Polícia 
Federal. Ou seja, o uso do Terminal como área 
técnica prevalece sobre sua própria condição 
de referência para a preservação. Ademais, a 
imagem  da  marquise  que  “poderia”  ter  sido 
privilegiada  com  a  citada  demolição  de  seus 
segmentos  menores  acaba  por  ser  preterida 
quando não se tem a percepção da circulação 
ao seu redor. (Ver figura 59.) 
Fonte: TAYÃO, Patricia (2014). 
Cabe  ainda  ponderar  que  a  intervenção  no  https://bityli.com/Ux3Eq 
Terminal  não  deveria  ter  se  limitado  à 
marquise  da  edificação,  pois  parte  da  rodoviária  foi  projetada  e  construída 
ocupando  os  pilotis  e  a  sobreloja  do  prédio  da  Polícia.  Entretanto,  qualquer 
referência  disso  é  apagada  com  a  redução  da  edificação  à  sua  estrutura.  Da 
mesma forma, também não é desenvolvido nada que informe o público acerca 
dos achados arqueológicos. Logo, a intervenção é considerada incoerente, em 
relação a esse critério de análise da assertividade teórico‐disciplinar.  

 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
220 
 

No caso do prédio da Polícia, o empreendimento é a construção de uma nova 
arquitetura, logo, de acordo com a legislação de proteção dos bens tutelados 
que autorizou sua demolição. Todavia, conforme questionado antes, isso pode 
ser  controverso,  já  que  o  Terminal,  que  é  preservado,  tinha  parte  de  suas 
dependências nessa edificação. João Kamita (2013) afirma que as demolições no 
prédio da Polícia são estilísticas, pois ocorrem para “[...] explicitar os elementos 
de linguagem que marcam a gramática de nossa arquitetura moderna.” 

Entretanto, mesmo essas “citações estilísticas” não são coesas, à medida que um 
elemento comum à arquitetura modernista, que é a janela em fita, importante 
para  o  ritmo  de  cheios  e  vazios  das  fachadas  frontal  e  posterior,  também  é 
eliminado com a demolição dos peitoris. De fato, essa ação não tem a motivação 
repristinadora  de  demolição  para  o  “restauro”  estilístico,  ainda  observada  na 
prática  nacional.  Ela  é  a  proposição  de  uma  nova  arquitetura,  uma  “releitura 
moderna”.  Essa  nova  arquitetura  pretende  ser  “leve”,  sendo  vista  somente  a 
lâmina da laje, e comunga com a cobertura fluída e dramática apoiada em pilares 
esbeltos. É uma arquitetura de espetáculo que o arquiteto e os empreendedores 
desejam construir para o turismo cultural, sobretudo nesse lugar.  

Com  efeito,  a  intervenção  no  conjunto  MAR 


cria um palco para o espetáculo. Um cenário  F IGURA  60   –   V ISTA DA FACHADA POSTERIOR DO 
voltado para a Praça Mauá, cujos “fundos” são  CONJUNTO DO  MAR. 

“relegados”.  Isso  se  observa  no  tratamento 


conferido à marquise, à via entre os bens e o 
prédio  da  Polícia  Federal  e,  por  que  não, 
também à fachada posterior do Palacete, cuja 
vista é preterida por passarelas e túneis. (Ver 
figura 60.) 

Diante  dessa  análise,  afirma‐se  que  a 


intervenção  projetada  e  executada  no 
conjunto do MAR é parcialmente coerente em 
relação aos princípios orientadores do campo  Fonte: COELHO, Maíra (2013). 
disciplinar da restauração adotados na prática  https://bityli.com/HTNhm 
nacional.  Embora  tenha  respaldo  de  alguns 
postulados  teóricos,  a  intervenção  é 
inconsistente. (Ver quadro 4.)  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
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Q UADRO  4   ‐   I NTERVENÇÕES NO  MAR  QUANTO À COERÊNCIA TEÓRICA ,  EM RELAÇÃO 


AO PARÂMETRO  “ POSTURAL ”. 

  PROJETADO   EXECUTADO 
Palacete D. João VI 
QUALIDADE DOS 
coerente   coerente  
PRODUTOS/SERVIÇOS 
Incoerente 
POSTULADOS E TÓPICOS 
(coerente – fachadas, incoerente – interior,  
OPERACIONAIS 
 incoerente – cobertura) 
Terminal Rodoviário Mariano Procópio 
QUALIDADE DOS 
coerente 
PRODUTOS/SERVIÇOS 
POSTULADOS E TÓPICOS 
incoerente 
OPERACIONAIS 
INTERVENÇÃO NO 
PARCIALMENTE COERENTE 
CONJUNTO 
 

As  interferências  no  processo  de  intervenção  no  conjunto  do  MAR,  que 
impactam  a  sua  assertividade,  podem  ser  observadas  nas  propostas  para  o 
interior do Palacete e para o Terminal. Elas são típicas da imposição do uso ao 
bem  que  ocorre  na  prática  nacional,  sobretudo  no  âmbito  da  influência  da 
indústria  cultural,  resultando,  inclusive,  na  homogeneização  do  repertório  de 
intervenção nos equipamentos culturais. Da mesma forma, o destaque ao novo 
no  conjunto  é  uma  criação  evidente  de  “autorreferência”  como  marca  de 
impacto, que, nesse caso, aponta para uma carência de sensibilidade quanto ao 
valor cultural do bem.  

Ademais,  as  decisões  relativas  à  cobertura  do  Palacete  apresentam 


descontinuidades  de  conhecimento  técnico  quanto  à  teoria  da  restauração. 
Todavia, essa é uma iniciativa de grande visibilidade e teve acompanhamento da 
fiscalização  do  patrimônio.  Sendo  assim,  tais  interferências  têm  profunda 
relação  com  os  processos  decisórios  fugazes  e  transitórios  identificados  na 
preparação da cidade do Rio para os megaeventos.  

Além  desses  aspectos,  a  intervenção  no  conjunto  do  MAR  apresenta 


interferências em seu processo produtivo que acabam por ser comuns na prática 
nacional,  como  a  desvalorização  e  a  descontextualizacão  do  Projeto  de 
Intervenção. Essas interferências se relacionam com outro critério de análise da 
assertividade da intervenção quanto ao campo disciplinar teórico, a gestão do 
empreendimento.  

No que concerne à gestão dos projetos, a decisão de não empregar mão de obra 
especializada  do  setor  da  restauração,  acompanhando  sistematicamente  o 
desenvolvimento do projeto do interior do Palacete e a intervenção no Terminal, 
evidencia  a  carência  de  interlocução  multidisciplinar  dessa  iniciativa  e,  por 
extensão,  de  sensibilização  quanto  ao  valor  cultural  do  bem.  Ainda  no  que 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
222 
 

concerne à gestão dos projetos, a antecipação do Projeto de Intervenção para a 
cobertura  do  Palacete  implicou  retrabalho  decorrente  da  modificação  da 
proposta.  Por  sua  vez,  a  complexa  cobertura  da  Escola  do  Olhar  e  sua 
repercussão  no  Palacete  redundaram  em  atrasos  de  projeto  e  prolongados 
prazos  de  obra.  Isso  sem  se  mencionar  a  decisão  de  não  expor  os  vestígios 
arqueológicos que contam a história da ocupação da cidade, motivo pelo qual as 
edificações são protegidas. 

Por outro lado, a iniciativa de antecipar a restauração das fachadas do Palacete, 
enquanto o Projeto de Arquitetura para o interior era desenvolvido, pode ter 
sido uma estratégia positiva, tendo‐se em conta que o restauro das esquadrias, 
existentes em grande quantidade nas fachadas, costuma ser uma tarefa crítica, 
em se tratando da gestão do tempo em uma obra de restauração. Contudo, essa 
não  é  uma  estratégia  adequada  para  qualquer  intervenção,  pois  costuma 
implicar retrabalho e custos adicionais, sobretudo com infraestrutura e, claro, 
no que concerne à matéria original do bem.

Sendo  assim,  considera‐se  que  a  gestão  global  do  empreendimento  trouxe 


impactos  à  coerência  teórico  disciplinar  da  intervenção  e  ao  bem  como 
referência para a preservação. Riscos decorrentes do fracionamento de projetos 
(correlatos à gestão do escopo) e do emprego de mão de obra não especializada 
(correlatos  à  gestão  da  aquisição).  Eles  implicam  a  carência  de  sensibilização 
quanto ao bem e ao seu entorno imediato e, por sua vez, o desconhecimento 
técnico  a  respeito  do  referencial  teórico  da  intervenção.  O  resultado  é  uma 
intervenção mais alinhada pela imagem de impacto e pelo novo, e menos pela 
articulação entre os pressupostos teóricos que deveriam orientá‐la. Entretanto, 
entende‐se  que  esse  alinhamento  é  também  uma  estratégia  que  é  anterior  à 
própria gestão da iniciativa.  

Por meio da análise da intervenção no MAR, ainda é possível promover outra 
abordagem quanto ao referencial teórico disciplinar, que é a correlação com as 
correntes teóricas contemporâneas. Pode‐se ponderar que, no caso do Palacete, 
o Projeto de Intervenção para as fachadas e para a cobertura é mais próxima da 
vertente  da  “Manutenção‐restauração”,  que  admite,  além  das  superfícies  de 
sacrifício  e  da  reintegração  de  lacunas,  a  reprodução  de  elementos  não 
distinguíveis (como proposto para o gradil da platibanda das fachadas posterior 
e lateral).  

Já a intervenção executada nas fachadas e cobertura diferencia‐se um pouco da 
projetada por não adotar a reprodução indistinguível, sendo assim poderia ser 
mais  inclinada  para  um  “Restauro  Crítico‐Conservativo”.  No  entanto,  a 
reconstrução  dos  telheiros  originais  contraria  isto.  No  caso  do  Projeto  de 
Arquitetura  para  o  interior  do  bem,  a  intervenção  pode  ser  mais  próxima  da 
“Manutenção‐restauração”, porque privilegia a imagem e o novo como adição 
insere‐se de forma criativa e não condicionada ao respeito da preexistência. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
223 
 

No  caso  do  Terminal,  as  ações  na  marquise  também  se  assemelham  à 
“Manutenção‐restauração”, pelo rejuvenescimento das superfícies e pela adição 
do novo modernamente distinguível e não condicionado a ser respeitoso, mas, 
principalmente, pela remoção da adição para a legibilidade. (Ver quadro 5.) 

Q UADRO  5   ‐   I NTERVENÇÃO NO  MAR,  EM RELAÇÃO ÀS CORRENTES  T EÓRICAS 


CONTEMPORÂNEAS  

  PROJETADO  EXECUTADO 
Manutenção‐restauração 
 
(fachada e cobertura) 
Palacete D. João VI  Manutenção‐restauração 
Manutenção‐restauração 
(interior) 
(interior)  
Terminal 
Rodoviário  Manutenção‐restauração 
Mariano Procópio 
 

Logo, guardando‐se as devidas proporções deste exercício de reflexão, a análise 
das intervenções no conjunto do MAR, em relação às possíveis orientações por 
correntes  teóricas  contemporâneas,  aponta  para  uma  dicotomia  entre  o 
preservar  e  o  produzir  uma  nova  arquitetura.  Isso  implica  repercussões  na 
preservação do bem como referência para preservação. 

Para analisar a assertividade das intervenções do MAR em relação ao referencial 
teórico  do  campo  disciplinar  da  restauração,  no  que  tange  ao  parâmetro 
“conceitual”,  que  se  refere  aos  conceitos  e  entendimentos  de  patrimônio,  de 
identidade cultural, de valor patrimonial e de intervenção, são feitas reflexões a 
respeito da intervenção como um todo. 

No Projeto de Intervenção das fachadas do Palacete não é identificado o claro 
registro do valor patrimonial que orienta as diretrizes/partido de intervenção. 
Também não há menções ao valor do bem, citado no decreto de tombamento. 
Observar‐se que a intervenção é encaminhada no sentido de preservar o valor 
histórico do bem. No caso do Projeto de Arquitetura para o interior do Palacete 
e  para  o  Terminal,  como  seria  de  se  esperar  tratando‐se  de  firma  não 
especializada, não é feita nos documentos disponibilizados qualquer referência 
ao valor dos bens. 

Também não são promovidas ações de pesquisa junto aos grupos sociais locais, 
a respeito das significações conferidas aos bens, por conseguinte não se observa 
qualquer alusão a elas nos projetos. Conforme já se defendeu anteriormente, a 
atribuição  da  valoração  é  específica  do  bem,  em  seu  tempo  e  em  seu  lugar, 
constitui  parte  do  processo  metodológico  de  intervenção  e  a  legitima.  A 
valoração deve ser um processo de sensibilidade, interpretação e investigação 
do material e do imaterial.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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224 
 

Não identificar a significação conferida pelos grupos sociais mais próximos ao 
patrimônio e ignorar suas práticas vinculadas ao bem aumenta a possibilidade 
da  ocorrência  de  uma  valoração  anacrônica,  superficial  ou  mesmo  técnico‐
científica. O Terminal Rodoviário, por exemplo, atraiu grande concentração de 
usuários  durante  décadas,  não  sendo  difícil  encontrar  relatos  de  memórias 
associados  a  ele.  Entretanto,  não  são  observadas  referências  à  valoração  das 
significações  memoriais  e  de  práticas  sociais  para  justificar  as  ações  nessa 
iniciativa.  

Pode‐se dizer que a valoração patrimonial atribuída no tombamento e adotada 
na preservação desses dois bens veio a ser apropriada de maneira superficial e 
generalista.  Os  aspectos  estéticos  em  uma  construção imagética  fragmentada 
são  privilegiados  para  uma  leitura  fácil,  o  que  pode  prejudicar  o  valor  do 
documento,  assim  como  ocorre  com  o  entorno  imediato  do  Terminal.  Até 
mesmo os aspectos formais, materiais e, portanto, documentais, normalmente 
destacados  nas  abordagens  tecnicistas  da  prática  nacional  de  intervenção  no 
patrimônio arquitetônico, são pouco considerados, como ocorre com o interior 
do Palacete e com os vestígios arqueológicos.  

Ou seja, os suportes materiais que confeririam diversidade a esses “exemplares 
representativos da história da ocupação do Centro” são pouco valorados. Diante 
disso,  considera‐se  que  a  intervenção  no  conjunto  do  MAR  é  parcialmente 
coerente em relação ao critério de análise acerca da valoração do patrimônio 
arquitetônico, pois não privilegia o bem como referência para a preservação.  

A  proposta  da  Escola  do  Olhar  tem  uma  orientação  baseada  em  uma  nova 
“arquitetura‐evento”,  peculiar,  atrativa,  midiática  e  espetacular,  ao  gosto  do 
“marketing  cultural”  que  se  destina  ao  consumo  da  mercadoria  cultura, 
promovendo  uma  experiência  rápida  e  superficial,  de  acordo  com  o  modelo 
empregado  pela  indústria  cultural.  Com  isso,  ela  contribui,  inclusive,  para  a 
construção  da  imagem  da  cidade  de  então.  Um  edifício  “arte”,  como  afirma 
Monnier  (2009,  p.  9‐10),  sobre  qual  Kamita  (2013)  particularmente  opina: 
“Parece‐me, para ser franco, uma posição conservadora e elitista, que deposita 
no artístico da arquitetura – no caso, na forma e na composição (típicos valores 
acadêmicos) – o suporte para a afirmação de uma imagem de impacto.”  

Tal  conduta  também  pode  ser  vislumbrada  no  museu  com  o  emprego  dos 
“painéis  museográficos”,  que  só  permitem  uma  experiência  superficial  da 
edificação  histórica.  Isso  é  um  tratamento  de  “invólucro”,  desligado  das 
características  morfológicas  do  bem  e  de  seu  território.  Nessa  imagem 
fragmentada da arquitetura histórica, o uso prevalece e torna‐se a finalidade da 
intervenção.  O  que  é  uma  prática  recorrente  da  indústria  cultural,  sobretudo 
tratando‐se de usos culturais e também de grande visibilidade.  

Entende‐se que são necessárias adaptações para o uso e que o Palacete possui 
uma  conformação  favorável  ao  uso  expositivo,  como  o  próprio  Decreto  nº 
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225 
 

19.002  de  tombamento  estabelece:  “[...]  as  características  construtivas  e 


morfológicos destas edificações lhes conferem grande versatilidade e, portanto, 
são perfeitamente adequadas à reciclagem e adaptação de diversos usos; [...]” 
(RIO  DE  JANEIRO...,  2000).  No  entanto,  isso  não  significa  atenuar  essas 
características morfológicas. 

Por  certo,  a  narrativa  que  constrói  o  evento,  ou  os  megaeventos,  é  parte  do 
processo  de  intervenção  nesses  patrimônios  arquitetônicos.  O  seu  valor  do 
evento nesse espaço é determinado pela lógica do espetáculo da indústria do 
entretenimento e se impõe além dos bens até seu espaço social. Se no MAR a 
iniciativa  não  é  estruturada  essencialmente  nos  significados  locais,  é  pouco 
provável  que  se  observem  práticas  sociais  ativas  vinculadas  às  significações 
anteriores à intervenção. De maneira geral, os grupos sociais experimentam e 
consomem esse patrimônio cultural e podem progressivamente ressignificar o 
conjunto, atribuindo‐lhe novas memórias. Entretanto, o vigor do evento no MAR 
é  uma  estratégia  de  turismo  cultural  para  o  Brasil  e  para  a  cidade  do  Rio  de 
Janeiro. Sendo assim, o seu valor do evento no tempo não se limita à finitude 
dos megaeventos.  

Com efeito, a compreensão contemporânea do patrimônio arquitetônico abarca 
múltiplas  e  dinâmicas  significações.  Essa  interpretação  dualista  dos  objetos 
históricos  verificada  no  MAR,  contudo,  é  incongruente  com  a  compreensão 
contemporânea  do  patrimônio  material  formalizada  no  PPCM  –  atenta  à 
significação  imaterial  do  bem  conferida  pelos  grupos  sociais  e  também 
concentrada  no  objeto  físico.  Vale  enfatizar  isso,  ainda  que  se  considere  a 
“hierarquia”  de  preservação  de  cada  bem  nessa  intervenção.  A  preexistência 
detém  os  significados  memoriais  que  devem  ser  preservados  (tangíveis  e 
intangíveis) e que lhe conferem diversidade.  

Sendo assim, a intervenção é parcialmente coerente em relação ao critério de 
análise  acerca  da  compreensão  contemporânea  do  patrimônio  arquitetônico, 
pois a limitação para a ressignificação é a minimização ou a desconsideração de 
significados  memoriais  locais  da  preexistência.  Tal  construção  é  parte  do 
entendimento de patrimônio como referência histórica para preservação.  

Outro  critério  de  análise  da  intervenção  é  em  relação  aos  processos  de 
identificação. No MAR, o novo da Escola do Olhar, a valoração da novidade e a 
proposta  homogeneizada  do  museu  promovem  identidades  culturais 
globais/interculturais que são características das práticas da indústria cultural. 
Como  se  ponderou  antes,  os  megaeventos  foram  a  força  motriz  do 
empreendimento, mas eles se colocam em um contexto anterior de inserção da 
cidade do Rio em um “circuito de consumo” turístico internacional. Uma imagem 
da “cidade empreendimento” também construída com grandes equipamentos 
culturais, que são “símbolo de identidade nacional” nos megaeventos; mas são 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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226 
 

primordialmente  símbolos  da  indústria  cultural  para  o  consumo  global  da 


“cidade‐empresa‐cultural”.  

O  MAR,  na  condição  de  um  “cenário”,  é  um  empreendimento  construído  de 
costas para o local, mirando o global. Sob essa dinâmica, a população local foi 
alijada do processo de intervenção. Em verdade, tal iniciativa alardeia benefícios 
a  grupos  sociais,  mas  imputa  altos  custos  sociais  aos  grupos  locais,  como  a 
gentrificação já apontada no âmbito do Porto Maravilha.  

Vale  reiterar  que  a  identidade  cultural  local  que  já  existia  vinculada  ao  bem, 
mesmo  na  ausência  da  participação  dos  grupos  sociais  locais  no  processo  de 
intervenção,  não  se  extingue  completamente  com  processos  de  hibridação 
cultural,  que  não  são  uniformes  nem  lineares.  Todavia,  estes  podem  afetar  a 
identidade cultural local, caso ela não seja um processo sólido de prática social 
e  caso  não  haja  condições  estruturais  sociopolíticas  de  negociação  da 
“diferença”, de modo a assegurar a diversidade cultural.  

Sobre esse processo de negociação, pode‐se ponderar que hoje, com as ações 
do Porto Maravilha consolidadas, os grupos sociais locais estão bem organizados 
no  que  se  refere  à  autoexpressão  e  à  representação  cultural.  Eles,  inclusive, 
vinculam práticas sociais ativas e políticas a bens, como ocorre com o Cais do 
Valongo  e  da  Imperatriz,  o  Cemitério  dos  Pretos  Novos  e  a  Pedra  do  Sal, 
localizados nas proximidades do MAR.  

Por outro lado, isso não ocorre na mesma proporção no MAR, ainda que se tenha 
em  conta  seu  uso.  Entende‐se  que  o  conjunto  não  foi  concebido  para  uma 
ressignificação do patrimônio como equipamento cultural vocacionado para a 
ocupação e autoexpressão popular. Nesse contexto, um tema complexo que não 
é objeto desta discussão, é que parte disso envolve um projeto museográfico 
atento  à  produção  local,  ainda  que  mais  recentemente  o  MAR  tenha  se 
mobilizado nesse sentido. 

Em  razão  disso,  considera‐se  que  a  intervenção  é  parcialmente  coerente  em 


relação aos entendimentos contemporâneos de identidade cultural. Afinal, em 
vários  momentos  ela  se  distancia  das  identidades  culturais  locais  que  se 
relacionam com práticas sociais e políticas. Tal construção é essencial para sua 
preservação como referência identitária.  

Ainda  se  faz  necessário  analisar  o  discurso  promovido  com  a  intervenção  no 
conjunto do MAR. Como citado antes, a narrativa que constrói o megaevento é 
parte  dessa  intervenção;  além  disso,  ela  representa  uma  maneira  de  atuar 
criativamente no passado, “presentificando” o patrimônio.  

Com  efeito,  a  intervenção  deve  legitimar  os  processos  de  significação  e  pode 
também  observar  novas  experimentações  que  compõem  parte  dessa 
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significação contemporânea intangível, desde que, ao pretender a preservação 
do bem com referência histórica e identitária, o discurso a prevalecer seja o da 
preexistência.  Ou  seja,  o  lugar  do  evento  não  deve  ser  o  de  protagonista,  a 
preexistência  é  anterior  a  ele  e  detém  os  significados  que  lhe  conferem  a 
condição de referência para a preservação. 

Entretanto, verifica‐se que nesse empreendimento parte da preservação não é 
restauração  e  não  é  reabilitação,  é  o  novo,  que  é  basicamente  uma  nova 
narrativa  estruturada  pela  preexistência  transformada  em  um  conjunto  de 
referências revisitadas. Desse modo, o discurso da preexistência é o “pano de 
fundo”  para  os  interesses  da  indústria  cultural,  que  se  sobressaem  com  os 
megaeventos.  A  precedência  e  a  relevância  do  histórico  são  subvertidas  pelo 
impactante  discurso  do  novo  projeto.  A  intervenção  no  MAR  não  promove 
preponderantemente o discurso da preexistência, que legitima sua condição de 
referência  histórica  e  identitária  para  preservação.  Em  face  disso,  entende‐se 
que é incoerente, sob este critério de análise. 

Com  base  nisso,  considera‐se  que  a  intervenção  executada  no  MAR  é 


parcialmente  coerente  em  relação  ao  referencial  teórico  disciplinar  da 
restauração,  no  que  tange  aos  conceitos  e  entendimentos  contemporâneos 
essenciais para esse processo. (Ver quadro 6.)  

Q UADRO  6   ‐   I NTERVENÇÃO NO  MAR,  QUANTO À COERÊNCIA TEÓRICA ,  EM RELAÇÃO AO 


PARÂMETRO  “ CONCEITUAL ”. 

COERÊNCIA DA INTERVENÇÃO NO 
 CONCEITOS E ENTENDIMENTOS 
CONJUNTO  
VALOR PATRIMONIAL  Parcialmente coerente 
PATRIMÔNIO / SIGNIFICAÇÃO  Parcialmente coerente 
IDENTIDADE CULTURAL  Parcialmente coerente 
DISCURSO DA INTERVENÇÃO   incoerente 
INTERVENÇÃO   PARCIALMENTE COERENTE 
 

Além  disso,  como  já  constatado,  a  intervenção  é  parcialmente  coerente  em 


relação  ao  referencial  teórico  disciplinar  da  restauração,  no  que  tange  aos 
princípios  orientadores  comuns  à  prática  nacional.  Portanto,  ela  é,  de  modo 
geral,  parcialmente  coerente  em  relação  ao  referencial  teórico  disciplinar  da 
restauração. Desse modo, não adota o rigor teórico requerido pelo patrimônio 
cultural, que independe da hierarquia de proteção dos bens conforme entendido 
nesta  pesquisa.  Logo,  ameaça  sua  condição  como  referência  histórica  e 
identitária para preservação. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
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4.2.2 P RAÇA DO T REM

A  Praça  do  Trem,  hoje  denominada 


como Praça Carlos Alberto Torres, fica 
F IGURA  61   –   V ISTA FRONTAL  P RÉDIO  2,  À DIREITA ,  E  G ALPÃO  3,  
localizada  na  Avenida  Amaro  À ESQUERDA . 
Cavalcanti  s/n°,  XIII  RA,  Engenho  de 
Dentro179. (Ver figuras 61 e 62.) É um 
conjunto  composto  pelo  Prédio  2  e 
pelos  galpões  3  e  4  (identificados 
assim  no  Decreto  nº  24.029  da 
prefeitura  do  Rio  de  Janeiro).  Essas 
edificações  são  remanescentes  das 
edificações  construídas  para  abrigar 
as Oficinas do Engenho de Dentro ou, 
conforme o decreto de tombamento, 
Estação  Ferroviária  do  Engenho  de 
Dentro. (Ver figura 63.)  Fonte: GOOGLE (2019).  

PIEDADE 
  
F IGURA  62   –   L OCALIZAÇÃO DO CONJUNTO DA  P RAÇA DO  T REM .    

CACHAMBI 
ABOLIÇÃO  

PRAÇA DO TREM 

ENGENHO 
PIEDADE  DE DENTRO 

MÉIER 

Fonte: GOOGLE EARTH (2020) 

 
                                                             
 
179
 O conjunto da Praça do Trem localiza‐se no bairro do Engenho de Dentro, região do 
Méier. É predominantemente residencial, dotado de uma estação de trem e cruzado pela 
Linha Amarela, que é uma importante via de ligação entre o subúrbio e a Barra da Tijuca, 
O bairro concentra seis bens tombados pelo município, segundo dados do IPP de 2017. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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F IGURA  63   –   E DIFÍCIOS PROTEGIDOS .    

ESTÁDIO NILTON SANTOS 

GALPÃO 3 

GALPÃO 4 

PRÉDIO 2  MUSEU DO TREM 

ESTAÇÃO DE TREM 
Fonte: GOOGLE EARTH (2010) 

A  Estação  Ferroviária  do  Engenho  de  Dentro  era  composta  por  diversas 
edificações e foi protegida pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio 
Cultural (CMPC), com o tombamento definitivo deferido no Decreto n° 14.741 
de 22 de abril de 1996, justificado pela “[...] importância histórica das estações 
ferroviárias, ramal do Rio de Janeiro, na memória urbana de nossa Cidade180.”  

Art.  2°  Estão  incluídos  no  tombamento  dos  referidos 


imóveis  os  elementos  arquitetônicos  e  decorativos 
característicos da tipologia estilística original, tais como: 
volumetria,  cobertura,  revestimentos,  serralherias, 
esquadrias,  colunas,  ornatos,  relógios,  etc.  (RIO  DE 
JANEIRO..., 1996, grifo nosso). 

 
                                                             
 
180
 A Praça do Trem não tem tombamento federal, todavia cabe destacar que o PPCM 
registra  a  criação  de  instrumentos  de  reconhecimento  para  categorias  específicas  de 
bens  culturais  materiais,  entre  eles  a  de  Patrimônio  Cultural  Ferroviário.  Um  desses 
instrumentos é a criação de uma Lista desse tipo de patrimônio que visa estabelecer bens 
que gozam dessa proteção específica, com vistas a promover a preservação e difusão da 
memória ferroviária. (IPHAN, 2018). Isso acentua a relevância deste tipo de patrimônio 
material.   
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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230 
 

Todavia, o tombamento foi parcialmente revogado pelo Decreto nº 24.029 de 
16  de  março  de  2004,  permitindo  a  demolição  e/ou  o  desmonte  seguido  do 
remonte  em  outra  localização,  de  vários  dos  galpões  remanescentes  do 
conjunto, sob as seguintes justificativas: 

CONSIDERANDO a existência de outras edificações sem 
valor arquitetônico e cultural na área citada no “caput” 
deste  Decreto;  CONSIDERANDO  o  caráter  construtivo 
das edificações tombadas de uso industrial situadas no 
interior  da  área  citada  no  “caput”  deste  Decreto; 
CONSIDERANDO a necessária revitalização da área que, 
atualmente,  se  encontra  subutilizada;  CONSIDERANDO 
os  benefícios  socioeconômicos  que  a  construção  do 
Estádio Olímpico gerará para a Região e a Cidade do Rio 
de  Janeiro;  CONSIDERANDO  que  o  Estádio  Olímpico  é 
equipamento imprescindível à realização dos Jogos Pan‐
Americanos na Cidade do Rio de Janeiro em 2007; [...] 
(RIO DE JANEIRO..., 2004). 

PRÉDIO 2 – identificação 

O Prédio 2 foi construído para abrigar a administração das oficinas de trens do 
Engenho de Dentro. Não foram identificados dados sobre o projeto original ou 
autor deste. Por sua vez, a obra data de 1871, seu responsável foi o Engenheiro 
José Carlos de Bulhões Ribeiro e o proprietário era a, então, Estrada de Ferro D. 
Pedro II.  

A  edificação  original  era  uma  construção 


longilínea  e  térrea,  com  dois  pavimentos  F IGURA  64   –   F ACHADA FRONTAL ORIGINAL .  
somente no segmento central. Dotada de um 
amplo  vão  executado  em  arco  abatido  e 
adornado com cercadura em pedra, no corpo 
central  do  edifício,  que  permitia  o  acesso  de 
pessoas  ao  interior  do  conjunto.  Os  demais 
vãos  do  pavimento  térreo  também  foram 
executados  em  arco  abatido,  mas  adornados 
com  cercaduras  em  argamassa.  Os  vãos  do 
pavimento  superior,  em  arco  pleno  e 
esquadrias  de  duas  folhas  em  madeira.  O 
coroamento do prédio foi feito em platibanda  Fonte: s/a. (18??).  
com frontão triangular e mastro. A cobertura  https://encurtador.com.br/fzM26 
foi executada em telhas cerâmicas. (Ver figura 
64.) 

A respeito da evolução da edificação alguns, aspectos são demarcados, de modo 
a auxiliar a compreensão das intervenções projetadas e executadas. O Prédio 2 
sofreu um incêndio, em função disso foram executadas obras em 1905, a cargo 
do  Engenheiro  Carlos  Possi.  Por  essa  ocasião,  a  edificação  foi  ampliada, 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
231 
 

prolongando‐se o segundo pavimento nos dois segmentos divididos pelo corpo 
central  da  edificação,  que  receberam  cobertura  em  telhas  francesas  e 
coroamento  em  platibanda.  O  desenho  do  frontão  no  coroamento  do  corpo 
central foi modificado. Também foram acrescidos ornamentos em argamassa às 
fachadas, compostos por frisos e pilastras.  

O  Prédio  2  tornou‐se  a  “porta  de  entrada”  de  um  complexo  pertencente  à 


Estrada de Ferro Central do Brasil, que contava à época com diversas oficinas, 
vilas  operárias,  escola,  etc.,  conformando  um  total  de quase  200 mil  m².  (Ver 
figuras 65‐66.) 

 
F IGURA  65   –   P LANTA DO COMPLEXO .   F IGURA  66   F ACHADA FRONTAL APÓS AMPLIAÇÃO .  

Fonte: s/a. (1907).   Fonte: ARQUIVO NACIONAL (1933). 
https://encurtador.com.br/fzM26  https://www.flickr.com/photos/arquivonacionalbrasil/36885630246 
 
F IGURA  67   –   D ESTAQUE DO ACRÉSCIMO EM UMA 
Um  acréscimo  posterior,  sem  data  LATERAL NO PAVIMENTO SUPERIOR .  
identificada,  foi  executado  em  uma  das 
laterais  do  segundo  pavimento,  ampliando‐o 
até o limite do pavimento térreo. A cobertura 
dessa  ampliação  se  apoiou  na  cimalha  da  C 
fachada  lateral,  modificando  vãos  e 
secionando vergas e ornatos. (Ver figura 67.)  

Já  no  final  da  década  de  1990,  as  Oficinas 


Estrada  de  Ferro  Central  do  Brasil,  como  se 
denominava  o  conjunto  à  época, 
encontravam‐se  sem  uso  e  em  processo  de  Fonte: IRPH (2000). 
arruinamento. A edificação já havia perdido a 
totalidade de sua cobertura, a estrutura e o assoalho  do segundo pavimento, 
assim como a escada em madeira e os boiseries contíguos, dos quais só restavam 
vestígios.  Além  disso,  notavam‐se  danos  às  argamassas  das  fachadas, 
modificações  espúrias  de  vãos  e  a  perda  da  maioria  das  esquadrias.  Ainda 
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existiam no prédio pinturas artísticas e pavimentos em ladrilho hidráulico. (Ver 
figuras 68‐69.) 

 
F IGURAS  68  E  69   –   F ACHADA FRONTAL E INTERIOR DO PRÉDIO EM ARRUINAMENTO .  

Fonte: VELATURA (2014).  

PRÉDIO 2 – propostas de intervenção 

Um Projeto de Intervenção, em fase de estudo preliminar, foi desenvolvido em 
2013 pelo IRPH. Seus produtos compreendiam: o Levantamento Físico (na etapa 
de Identificação e Conhecimento do Bem), o Mapeamento de Danos (na etapa 
de  Diagnóstico)  e  as  plantas  de  demolir  e  construir  (na  etapa  da  Proposta  de 
Intervenção). Foram identificadas sete pranchas no total. 

A  proposta  de  intervenção  previa  a  manutenção  do  acréscimo  no  segundo 


pavimento de uma das laterais da edificação; a construção de laje com estrutura 
metálica para o pavimento perdido; a construção de coberturas com estrutura 
metálica e telhas cerâmicas no lugar das perdidas; a conservação da localização 
da circulação vertical inexistente, a construção de escada em estrutura metálica 
com a disposição anterior e com o acréscimo de um elevador; a demolição de 
algumas  alvenarias  internas  e  o  restauro  de  pisos  em  ladrilhos.  Não  foi 
identificada proposta para as esquadrias em madeira remanescentes. 

Cabe  neste  ponto  registrar  que  o  citado  destombamento  parcial  do  conjunto 
suscita dúvidas quanto à conservação das características “da tipologia estilística 
original”  do  Prédio  2,  instituídas  pelo  art.  2º  do  decreto  de  tombamento,  à 
medida  que  registra  no  art.  1º:  “Ficam  preservados,  em  sua  volumetria  e 
fachadas, os prédios 01, 02 e 05 (Centro de Preservação da História Ferroviária) 
[...]” (RIO DE JANEIRO..., 2004).  

 
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Isso gera uma ambiguidade, pois não fica claro o descarte das demais demandas 
de preservação estabelecidas para a edificação no decreto de tombamento. Vale 
frisar  que  o  destombamento  parcial  tratava,  em  particular,  dos  galpões  que 
compunham o conjunto até então. Entende‐se, à semelhança do que pode ser 
verificado  na  proposta  do  projeto  do  IRPH,  que  não  se  excluem  as  demais 
características “da tipologia estilística” dos bens arroladas no tombamento.  

Não foi possível identificar no material disponível desse projeto o claro registro 
de uma diretriz ou partido de intervenção. Contudo, observa‐se que a proposta 
foi  orientada  como  uma  intervenção  mais  conservativa,  evidenciada  nas 
definições que visavam a preservação de características da edificação, como as 
relativas  aos  fluxos,  à  conservação  do  posicionamento  da  circulação  vertical 
perdida e à conservação do acréscimo feito em uma das laterais da edificação.  

Em 2014, a empresa Mascarenhas Barbosa Roscoe, responsável pelos serviços 
de  urbanização  e  revitalização  no  bairro  do  Engenho  de  Dentro,  contratou  a 
Velatura Restaurações para o desenvolvimento do Projeto de Intervenção. Seu 
escopo  contemplava  as  fases  de  estudo  preliminar,  anteprojeto  e  projeto 
executivo e incluía os projetos complementares. Contudo, excluía os produtos 
relativos à Pesquisa Histórica (no conjunto de Identificação e Conhecimento do 
Bem)  e  o  conjunto  de  Diagnóstico.  Além  disso,  no  conjunto  de  Proposta  de 
Intervenção,  também  desconsiderava  os  projetos  pertinentes  à  Nave  do 
Conhecimento (projeto‐modelo da Prefeitura que promove a democratização do 
acesso ao universo digital) e ao Museu Cidade Olímpica (dedicado ao esporte 
com  proposta  interativa  e  multimídia)  a  serem  instalados  em  espaços  da 
edificação e as propostas para o entorno imediato do prédio. 

Os  produtos  de  Projeto  de  Intervenção  apresentados  foram:  Levantamento 


Físico, Documentação Fotográfica associada à Análise Tipológica, Identificação 
de Materiais e Sistema Construtivo, Ensaios e Testes (prospecções estratigráficas 
e análises de argamassas), Memoriais e Especificações Técnicas de Materiais e 
Serviços, Peças gráficas e projetos complementares. O conjunto era composto 
de mais de cem plantas e mais de dez cadernos adicionais.  

A diretriz de intervenção citada no projeto foi o restabelecimento da integridade 
do bem e da unidade do conjunto. A intervenção proposta previa: a demolição 
do acréscimo lateral; a construção de lajes com estrutura metálica no pavimento 
e no segmento lateral, que antes era coberto com telheiro/platibanda, de modo 
a  instalar  equipamentos  de  ar  condicionado;  a  construção  de  cobertura  com 
estrutura  metálica  e  telhas  cerâmicas,  incluindo  proposta  de  nova  claraboia 
sobre o hall (para ventilação natural deste espaço). Nesse hall, no eixo central 
do  edifício,  foi  alocada  a  principal  circulação  vertical  composta  de  elevador  e 
escada em estrutura metálica. Uma nova circulação vertical de apoio foi indicada 
em  uma  das  extremidades  laterais  da  edificação.  Também  nas  extremidades 
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234 
 

laterais  foram  propostas  conjuntos  de  áreas  molhadas  para  o  público  e 


funcionários e áreas técnicas sobre estas181. (Ver figuras 70‐71.)  

Foram  especificados  os  serviços  de  F IGURA  70   –   P ROPOSTA PARA CIRCULAÇÃO VERTICAL NO 


restauração das fachadas, incluindo o resgate  TÉRREO .  
dos  vãos  de  esquadrias  descaracterizados;  a 
reconstrução  de  elementos  decorativos  das 
fachadas  em  serralheria;  e  a  reprodução  da 
proposta  cromática,  conforme  prospecções 
(executadas nos elementos construídos após o 
incêndio, que conformaram a feição ampliada 
da  edificação).  Esses,  somam‐se  ainda  a 
execução  de  novas  esquadrias  em  alumínio 
anodizado  maximar,  reproduzindo  o 
fracionamento das esquadrias em madeira, em  Fonte: VELATURA (2014).  

substituição tanto àquelas perdidas, quanto às 
F IGURA  71   –   P ROPOSTA PARA CIRCULAÇÃO VERTICAL NO 
poucas  remanescentes  ainda  passíveis  de  PAVIMENTO SUPERIOR .  
restauração;  justificando‐se  na  exiguidade  de 
tempo e verba para sua restauração. 

No  interior  da  edificação,  foi  indicada  a 


restauração  das  alvenarias  internas 
remanescentes  e  de  pisos  em  ladrilhos 
hidráulicos, além da execução de novos pisos 
no térreo em ladrilho hidráulico liso e do piso 
do pavimento superior em madeira. Além da 
restauração  de  testemunhos  das  pinturas 
artísticas182.   Fonte: VELATURA (2014).  

  

PRÉDIO 2 – execução 

A fiscalização do patrimônio às obras coube ao IRPH e se deu com a participação 
em reuniões em conjunto com a Secretaria Municipal de Obras (SMO), outros 
departamentos municipais e as empresas contratadas.  

Ainda em 2014, a empresa Ópera Prima Arquitetura e Restauro foi contratada 
também pela Mascarenhas para a execução das obras na edificação. Todavia, em 
função  de  sucessivos  atrasos,  o  serviço  foi  descontratado  antes  do  término, 
 
                                                             
 
181
 Ver plantas do projeto da empresa Velatura Restaurações no Anexo III. Optou‐se por 
empregar somente fotografias na descrição dos serviços. 
182
 Não se teve acesso aos projetos elaborados para o Museu Cidade Olímpica e a Nave 
do Conhecimento, que couberam à prefeitura. 
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235 
 

tendo  sido  desenvolvidos  o  restauro  das  fachadas  (sem  a  colocação  das 


esquadrias),  a  estrutura  do  piso  do  pavimento  superior  e  do  elevador  e  a 
estrutura da cobertura, inclusive da claraboia. (Ver figura 72.) 

Com  a  saída  da  Ópera  Prima,  a  própria 


Mascarenhas Barbosa Roscoe assumiu em  F IGURA  72   –   F ACHADA FRONTAL APÓS INTERVENÇÃO .  
2015  a  continuidade  dos  serviços.  Cabe 
aqui  enfatizar  que  esta  empresa  não 
desenvolvia  atividades  no  setor  de 
patrimônio. Os serviços executados foram: 
a  construção  das  novas  circulações 
verticais;  a  execução  de  serviços 
necessários à Nave do Conhecimento e ao 
Museu;  a  colocação  das  esquadrias  das 
fachadas  e  os  serviços  de  instalações 
prediais e de ar condicionado, inclusive no 
hall  central,  onde  não  foi  projetada 
Fonte:  Secretaria  Municipal  de  Urbanismo,  Infraestrutura  e 
climatização,  empregando‐se  sistema  Habitação. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (2016).  
diverso  do  projetado  para  o  restante  da 
edificação.  

Somente  um  dos  conjuntos  de  áreas  molhadas  projetadas  foi  executado.  As 
esquadrias  internas  foram  feitas  com  material  e  desenho  diferentes  dos 
projetados, que remetiam aos remanescentes, e vãos foram vedados parcial ou 
totalmente. Os revestimentos dos pisos dos dois pavimentos foram efetuados 
com materiais diferentes dos especificados. (Ver figuras 73‐79.) Isso também se 
aplicou aos forros e à cobertura, executada com telhas metálicas. (Ver figura 80.) 
Não  foram  restaurados  os  pisos  em  ladrilho  hidráulico  e  não  foram  feitas  as 
“janelas de observação” das pinturas artísticas. (Ver figuras 81‐83.) Além disso, 
não  se  reconstruíram  os  adornos  em  serralheria  projetados  para  a  fachada 
frontal.  

F IGURAS  73  E  74   –   H ALL NO TÉRREO E NO PAVIMENTO SUPERIOR ,  CLIMATIZADO  ( À PARTE )  E COM REVESTIMENTO 


CERÂMICO .  

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2018).  
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F IGURAS  75  E  76   –   N AVE DO  C ONHECIMENTO .  

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2018). 
 

F IGURAS  77  E  78   –   M USEU  C IDADE  O LÍMPICA .  

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2018). 
 

F IGURA  79   –  VEDAÇÃO DO VÃO E EXECUÇÃO DE ESQUADRIA DIVERSOS DOS PROJETADOS .    
F IGURA  80   –   V ISTA DA COBERTURA EM TELHAS METÁLICAS ,  A PARTIR DA PASSARELA DA ESTAÇÃO DE TREM .    

Fonte: COELHO, Ana (2018).  
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F IGURA  81   –   P ISO NÃO RESTAURADO .    
F IGURAS  82  E  83   –   P INTURAS DECORATIVAS NÃO RESTAURADAS .    

Fonte: VELATURA (2014).  

GALPÕES 3 E 4 – identificação 

No conjunto da Praça do Trem, os Galpões 3 e 4 eram destinados às oficinas. 
(Ver  figura  84.)  Estes  possuíam  fachadas  somente  frontais  e  posteriores;  nas 
laterais, existiam pilares metálicos. A cobertura era conformada por tesouras em 
treliça metálica, duas águas e lanternins com 
telhas francesas. O Galpão 3, mais comprido e 
F IGURA  84   –   P LANTA DO COMPLEXO .    
estreito  do  que  o  4,  tinha  um  segmento  de 
pilares com perfis diferentes dos outros, muito 
provavelmente  decorrentes  de  uma 
ampliação;  também  possuía  brises  em 
venezianas  metálicas  junto  à  cobertura.  Já  o 
Galpão  4  tinha  na  mesma  posição  brises  em 
requadros  com  vidro.  A  fachada  frontal  do 
Galpão  3  possuía  uma  proposta  distinta  das 
demais:  era  composta  por  tijolos  maciços  e 
estrutura  metálica,  pilastras  de  fuste  liso 
alternadas com vãos em arco abatido e dotada 
de arquitrave com cantoneiras, conformando 
um  reticulado  fechado  em  vidro;  além  disso, 
era adornada com frisos argamassados. (Essa 
fachada  tem  vista  à  esquerda  da  fachada 
Fonte: s/a. (1907).  
frontal do Prédio 2. O Galpão 4 não é visto em  https://encurtador.com.br/fzM26 
uma tomada de vista frontal do Prédio 2.)  

 
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As  demais  fachadas  foram  construídas  com  estrutura  metálica  reticulada  e 


placas  de  argamassa  sustentadas  por  tela  deployé  até  a  cumeeira,  arquitrave 
adornado  com  relevos  em  argamassa  e  a  típica  esquadria  em  arco  pleno 
fracionada,  da  arquitetura  industrial,  além  de  vãos  em  arco  abatido  no  nível 
térreo. Registra‐se ainda que a fachada posterior do Galpão 3 era diferente das 
outras duas do Galpão 4. 

Antes  da  intervenção,  os  galpões  se  encontravam  sem  uso  e  em  processo  de 
arruinamento,  as  argamassas  e  estruturas  estavam  degradas,  os  vãos 
emparedados, as esquadrias e os vidros perdidos. Além disso, existiam várias 
esquadrias espúrias. (Ver figuras 85‐88.) 

F IGURAS  85  E  86   –   F ACHADAS FRONTAL E POSTERIOR DO  G ALPÃO  3.  

Fonte: VELATURA (2014).  

F IGURAS  87  E  88   –   F ACHADAS FRONTAL E POSTERIOR DO  G ALPÃO  4.  

Fonte: VELATURA (2014)


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GALPÕES 3 E 4 – proposta de intervenção 

A  empresa  que  desenvolveu  o  Projeto  de  Intervenção  para  os  galpões  foi  a 
mesma que elaborou a proposta para o Prédio 2. Seu escopo abarcava o projeto 
em  fase  de  executivo  para  as  fachadas  frontais  e  posteriores,  incluindo  o 
Levantamento Físico destas e o projeto complementar de restauro da estrutura. 
Ele  excluía  o  Diagnóstico  e  a  Pesquisa  Histórica,  assim  como  foi  feito  para  o 
Prédio  2.  Também  não  foi  incluído  o  projeto  para  o  entorno  imediato  das 
edificações.  

Os  produtos  apresentados  incluíram  o  Levantamento  Físico,  Documentação 


Fotográfica associada à Análise Tipológica e Identificação de Materiais e Sistema 
Construtivo,  Ensaios  e  Testes  (prospecções  estratigráficas  e  análises  de 
argamassas), Memoriais, Peças gráficas, Especificações Técnicas de Materiais e 
Serviços.  Esses  itens  compunham  um  conjunto  com  mais  de  vinte  plantas  e 
quatro cadernos adicionais.  

A intervenção projetada citava como diretriz da intervenção a manutenção da 
unidade do conjunto, que é a mesma definida para o prédio 2. O Projeto definia 
o  restauro  da  fachada  frontal  do  Galpão  3,  com  a  abertura  dos  vãos 
emparedados, o resgate das cores verificadas em prospecções e a reconstrução 
do fechamento perdido da arquitrave. Para as demais fachadas, a proposta era 
a  demolição,  em  função  do  avançado  estado  de  degradação  da  estrutura  de 
suporte  e  da  tela,  atestado  em  laudo,  seguida  da  reconstrução  completa 
dessas183.  

Vale enfatizar, como já mencionado, que o Decreto nº 24.029 de 16 de março de 
2004 revogou o tombamento de alguns galpões, permitindo sua demolição e/ou 
o  desmonte  e  o  remonte  em  outra  localização,  de  acordo  com  definições 
posteriores. 

Art. 2º Os galpões de número 03, 10, 12, 13 e 14 poderão 
ser  desmontados  e  posteriormente  remontados  em 
local  de  maior  conveniência  da  Administração  Pública 
Municipal,  a  ser  definido  oportunamente  e  aprovado 
pelo  Conselho  Municipal  de  Proteção  do  Patrimônio 
Cultural – CMPC. (RIO DE JANEIRO..., 2004b). 

Sequencialmente a esse decreto, o IRPH registrou em estudos a preservação do 
Galpão 3, que era passível de ser remanejado, e a preservação do Galpão 4, que 
se manteve tombado, sendo os demais demolidos.  

 
                                                             
 
183
 Idem nota 181. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
240 
 

GALPÕES 3 E 4 – execução 

A fiscalização do órgão de preservação às obras dos galpões deu‐se em conjunto 
com as ações do Prédio 2. As obras das fachadas também foram contratadas à 
Ópera  Prima  e,  do  mesmo  modo,  foram  interrompidas  com  o  descontrato, 
cabendo‐lhe somente a obra de restauro da fachada frontal do Galpão 3, que foi 
desenvolvida conforme as especificações do Projeto de Intervenção. (Ver figuras 
89‐90.) 

F IGURAS  89  E  90   –   F ACHADA FRONTAL DO  G ALPÃO  3  E VISTA INTERNA .  

Fonte: COELHO, Ana (2018). 
Da mesma forma que ocorreu com o Prédio 2, a empresa Mascarenhas assumiu 
a continuidade dos serviços das fachadas e das demais obras que já eram seu 
escopo  inicial,  ações  civis  de  maior  porte  relativas  às  estruturas,  elementos 
contíguos à cobertura e as próprias coberturas. Quanto às fachadas, a empresa 
procedeu  à  demolição  e  executou  reconstruções  sumariamente  simplificadas, 
contrariando o projeto.  

Também  foi  executado  o  tratamento  do  entorno  imediato  das  edificações 


históricas, conforme as ações de infraestrutura urbana que estavam em curso 
na região. (Ver figuras 91‐92.)  

F IGURA  91   –   F ACHADAS POSTERIORES DOS  G ALPÕES  3  E  4  EXECUTADAS .    


F IGURA  92   –   F ECHAMENTO LATERAL CONTÍGUO AO BEIRAL DO  G ALPÃO  4.  
 

Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2018). 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
241 
 

PRAÇA DO TREM – análise 

A  intervenção  praticada  no  conjunto  da  Praça  do  Trem  tem  como  cerne  a 
mobilização  por  meio  dos  grandes  equipamentos,  no  contexto  da 
industrialização da cultura e, neste caso, das ações de revitalização urbana do 
bairro do Engenho de Dentro, como parte do processo de preparação da cidade 
para  os  megaeventos.  Ela  é  direcionada  primordialmente  pela  centralidade 
imposta pelo estádio do “Engenhão” a toda região, que, por sua vez, desmantela 
a leitura da conformação do antigo complexo ferroviário e constrói uma nova 
ambiência “árida” para as edificações remanescentes.  

A  urbanização  projetada  e  executada  pela  prefeitura  não  confere  à  Praça  um 


tratamento que reforce os laços entre esses edifícios ou informe o uso original. 
O  “desprestigio”  do  espaço  envolvente  da  arquitetura  histórica  redunda  na 
sensação de que os prédios “flutuam” em um vazio que poderia ser qualquer 
lugar.  Um  exemplo  de  “museificação  contemporânea”,  no  qual  se  ignoram  as 
relações  da  edificação  com  seu  entorno,  transformando‐a  em  uma  imagem 
isolada, fragmentada, reduzindo sua significação.  

Não  foi  proposta,  por  exemplo,  nenhuma 


F IGURA  93   –   P RAÇA DO  T REM E O ESTÁDIO  “E NGENHÃO ”.  
paginação  de  piso  que  remetesse  aos  trilhos 
de  trem  que  existiam  entre  os  galpões, 
paralelamente  a  estes,  e  também  entre  os 
galpões  e  o  prédio  2;  ou  aos  trilhos 
transversais  dentro  dos  galpões,  onde  as 
locomotivas  dos  trens  eram  reparadas.  Esse 
elemento,  tão  característico  do  patrimônio 
industrial ferroviário, é ignorado na proposta 
de urbanização do entorno imediato dos bens, 
sendo  empregada  uma  paginação  abstrata 
Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e 
que  não  traduz  fluxos  antigos,  tampouco  faz  Habitação. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (2016).  
alusão a novos fluxos. (Ver figura 93.) 

No que se refere à análise da  assertividade da intervenção no conjunto da Praça 
do Trem, em relação ao referencial teórico do campo disciplinar da restauração, 
de acordo com o parâmetro “postural”, que se atém aos princípios orientadores 
da ação, são feitas observações acerca de cada edificação, quanto ao projeto e 
ao que foi efetivamente executado nas obras.  

No  caso  do  Prédio  2  e  em  relação  ao  critério  de  qualidade  dos  produtos,  o 
Projeto  Preliminar  de  intervenção  apresenta  produtos  que  são  avaliados 
qualitativamente como insuficientes; portanto, incoerentes, mesmo tratando‐se 
de  uma  proposta  inicial.  Isso  porque  o  Levantamento  Físico  é  escasso  e 
inadequado  (haja  vista  diversas  incompatibilidades  observadas  por  meio  do 
projeto  posterior);  há  ainda  a  ausência  de  Documentação  Fotográfica,  de 
registro das pinturas artísticas, dos pisos e das esquadrias. Além de que, não são 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
242 
 

identificados  produtos  que  conformam  uma  efetiva  Pesquisa  Histórica,  no 


conjunto  de  projeto.  Todavia,  essa  pode  ter  sido  desenvolvida  como  parte 
integrante de outro conjunto de documentos aos quais não se teve acesso.  

Em relação ao critério que observa os postulados e tópicos operacionais teóricos 
dessa  proposta,  avalia‐se  que  há  uma  orientação  pelo  postulado  do  edifício 
como documento, respeitando a matéria original e sua história e conferindo a 
marca de seu tempo. Para isso, empregando os tópicos operacionais da mínima 
intervenção e da distinguibilidade. Por outro lado, o projeto também indica a 
remoção de alvenarias internas importantes e recomenda a manutenção de um 
acréscimo desrespeitoso em relação à arquitetura preexistente.  

Vale  neste  momento  mais  uma  ressalva,  a  de  que  as  informações  quanto  ao 
conhecimento  do  bem  que  poderiam  balizar  melhor  essas  definições  não 
existiam no projeto. Ou seja, o conhecimento e o reconhecimento da estrutura 
formal e também da historicidade do bem, imprescindíveis para sua preservação 
e para sua nova funcionalidade, praticamente não existiam. Sendo assim, esse 
projeto é considerado parcialmente coerente em relação a tal critério de análise 
da assertividade teórico‐disciplinar.  

Entretanto,  sabe‐se  que  na prática  é  comum  que  os  produtos  dessa  etapa  de 
projeto sejam tratados de forma incipiente, sendo desenvolvidos a contento em 
Projetos  Executivos  contratados  posteriormente.  Não  obstante,  também  é 
frequente que na prática esse mesmo escopo seja eliminado da fase seguinte de 
projeto com a justificativa da duplicidade de produtos, ainda que estes sejam 
superficiais  e  anacrônicos.  Isso  prejudica  a  qualidade  e  a  coerência  teórico‐
disciplinar  do  projeto,  porque  as  informações  referentes  às  etapas  de 
Conhecimento  do  Bem  e  de  Diagnóstico  são  essenciais  à  definição  da 
intervenção no patrimônio cultural. 

Já no Projeto de Intervenção para o Prédio 2, mesmo em meio a tal dinâmica, 
isso não ocorre. Os produtos apresentados são minuciosamente detalhados e 
adequação; sendo assim, são coerentes no que se refere à qualidade. 

Em relação aos postulados e tópicos operacionais teóricos da proposta, avalia‐
se  que  há,  de  maneira  geral,  uma  orientação  pelo  postulado  do  bem  como 
documento,  respeitando  sua  matéria  original.  Entende‐se  que  também  se 
considera  o  preceito  teórico  que  declara  o  bem  inseparável  de  sua  história, 
apesar  de  não  se  propor  o  restauro  de  testemunhos  de  esquadrias 
remanescentes.  Esta,  sim,  seria  uma  postura  mais  adequada,  em  face  da 
impossibilidade de restaurar a totalidade delas devido à exiguidade de verbas e 
tempo.  

Vale  ainda  salientar  que  o  projeto  não  indica  a  reconstrução  das  coberturas 
perdidas dos segmentos colaterais térreos, substituindo‐as por terraços para os 
equipamentos de ar condicionado. Todavia isso não impacta a leitura do bem e 
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relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
243 
 

a  sua  imagem.  Sendo  assim,  ele  atenta  ao  postulado  que  afirma  que  os 
acréscimos  devem  respeitar  a  preexistência  em  todas  as  suas  características. 
Ademais, o acréscimo sobre um desses segmentos laterais que o projeto indica 
a demolição é “espúrio”. 

Em  contrapartida,  o  projeto  desloca  a  principal  circulação  vertical  para  eixo 


central da edificação, dotando‐o de pé direito duplo e claraboia para ventilação 
natural.  Mesmo  mantendo  as  demais  características  remanescentes  do 
ambiente (como a pavimentação, vãos e esquadrias), de modo que ainda seja 
possível  sua  leitura  como  sendo  do  espaço  de  transição,  tal  mudança  é 
impactante. Ela, contudo, respeita o postulado que afirma que o acréscimo deve 
ter a marca de seu tempo.   

A  intervenção  zela  principalmente  pelos  tópicos  operacionais  teóricos  da 


documentação  e  da  metodologia  científica;  da  compatibilidade  entre  os 
materiais e da distinguibilidade. Quanto a esta última, observa‐se que a ruptura 
entre  o  passado  e  o  presente  é  harmoniosa,  à  exceção  dos  tons  vibrantes 
adotados  nas  fachadas,  embora  as  cores  tenham  sido  definidas  por  meio  de 
prospecções.  Sendo  assim,  essa  intervenção  projetada  para  o  Prédio  2  é 
considerada  coerente  em  relação  a  esse  critério  de  análise  da  assertividade 
teórico‐disciplinar. 

Quanto à intervenção executada de restauro das fachadas do Prédio 2, verifica‐
se  que  ela  é  coerente  em  relação  à  qualidade  dos  serviços.  Além  disso,  é 
desenvolvida conforme as especificações do Projeto de Intervenção, logo detém 
a mesma coerência deste, no que tange ao critério de análise dos postulados e 
tópicos operacionais teóricos.  

Por sua vez, a descrição das demais ações executadas na intervenção no Prédio 
2 já antecipa sua avaliação qualitativa como inadequada e, portanto, incoerente. 
Os  serviços  contrariam  as  definições  projetadas  e,  sobretudo,  empregam 
materiais,  técnicas  e  equipamentos  de  qualidade  inferior  aos  especificados. 
Outrossim, vários serviços projetados de “obras civis” não foram executados.  

Em relação aos postulados e tópicos operacionais teóricos, avalia‐se que essa 
parte  da  intervenção  executada  ignora  postulados  como  a  preservação  da 
edificação  como  documento,  à  medida  que  desrespeita  a  matéria  original, 
deixando  de  executar  serviços  de  conservação/restauração  projetados  para  o 
interior da edificação. Tal conduta aproxima‐se do fachadismo, que é uma das 
dissonâncias recorrentes da prática da intervenção influenciada pela indústria 
cultural.  

No  que  concerne  aos  tópicos  operacionais  que  balizam  essa  intervenção, 
verifica‐se que a distinguibilidade é um artifício para uma enfática ruptura entre 
o passado e o presente. Ela se acentua com a mudança dos materiais projetados, 
que, mesmo sendo novos, eram compatíveis e moderadamente distinguíveis, à 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
244 
 

exemplo  do  ladrilho  hidráulico  liso  e  do  assoalho  em  madeira.  Além  disso, 
relaciona‐se com o novo na intervenção contemporânea, que é um instrumento 
da prática da indústria cultural. Sendo assim, a intervenção executada no Prédio 
2 (à exceção das fachadas) é considerada incoerente em relação a esse critério 
de análise da assertividade teórico‐disciplinar. 

No caso dos Galpões, os produtos que compõem o Projeto de Intervenção são 
qualitativamente  adequados  e  minuciosamente  detalhados,  assim,  são 
coerentes em relação a esse critério da análise. Quanto aos postulados e tópicos 
operacionais que orientam o projeto, considera‐se que a proposta de demolir e 
reconstruir  “tal  e  qual”  três  das  quatro  fachadas  pode  ser  vista  como  uma 
orientação  pelo  postulado  da  preservação  da  “história”  dos  bens,  que  se  dá 
exclusivamente  por  meio  da  preservação  da  ambiência  do  conjunto, 
fortalecendo  o  diálogo  entre  os  Galpões  e  o  Prédio  2,  com  o  resguardo  das 
características estéticas das edificações.  

Essa  abordagem  se  contrapõe  aos  postulados  da  preservação  da  matéria 
original,  de  não  falsificar  e  não  reconstruir,  assim  como  se  opõem  ao  tópico 
operacional  teórico  da  mínima  intervenção.  Contudo,  ela  emprega  em  larga 
medida outros tópicos operacionais correlatos à documentação e à metodologia 
científica, além da compatibilidade entre os materiais, verificados por meio da 
profusão e profundidade dos Levantamentos Físicos, Documentação Fotográfica 
e Especificações Técnicas, necessários à reconstrução dessas fachadas.  

Por  sua  vez,  independentemente  da  divergência  quanto  ao  Projeto  de 
Intervenção,  os  serviços  executados  nos  galpões  têm  qualidade  técnica 
adequada  e,  portanto,  são  coerentes  em  relação  a  tal  critério.  Acerca  dos 
postulados  e  tópicos  operacionais  teóricos,  avalia‐se  que  a  reconstrução 
simplificada das fachadas é orientada pelo postulado que prevê não falsificar, 
sendo  o  tópico  operacional  da  distinguibilidade  adotado  como  premissa.  Vale 
ponderar que tal condução é conveniente à exiguidade de tempo e custos a que 
a  iniciativa  foi  premida,  algo  recorrente  em  iniciativas  no  contexto  dos 
megaeventos. No entanto, essa também é uma ação que pode ser vinculada à 
carência de aprofundamento teórico característica da prática nacional.  

Com efeito, a opção pela simplificação dessas fachadas é, em parte, coerente 
com  postulados  consagrados  que,  inclusive,  são  premissas  para  a  intervenção 
definidas no Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio 
Cultural do Iphan (2005). Em contrapartida, o citado Manual também pode ser 
empregado para justificar a reconstrução idêntica dessas mesmas fachadas.  

As  propostas  relativas  ao  resgate  de  determinados 


aspectos  estéticos  do  Bem  devem  estar  baseadas  e 
fundamentadas  em  análises  e  argumentos 
inquestionáveis  sobre  a  autenticidade  do  espaço 
envolvente. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
245 
 

A  preservação  da  autenticidade  do  espaço  envolvente 


não  implica  no  entendimento  do  Bem  isoladamente  e 
sim no contexto no qual está inserido, considerando os 
aspectos  natural,  histórico,  quer  urbano  ou  rural.” 
(IPHAN, 2005, p. 15‐16, grifo nosso). 

Sob esse enfoque, a acentuada simplificação 
das fachadas implica o total despojamento de  F IGURA  94   –   F ACHADAS FRONTAIS DOS  G ALPÕES  3,   4  E 
uma das características mais marcantes desta  FACHADA LATERAL DO  P RÉDIO  2.    

tipologia  de  edificação.  Isso,  somado  ao 


tratamento  conferido  ao  entorno  dos  bens, 
dificulta  até  mesmo  a  percepção  da 
antiguidade  dessas  edificações.  Sobretudo, 
tratando‐se  das  fachadas  posteriores  dos 
galpões,  que,  sob  essa  tomada  de  vista, 
parecem  construções  industriais 
contemporâneas, sem qualquer relação com 
o Prédio 2. A preservação da ambiência dos  Fonte: CSEPCSÉNYI, Ana (2018). 
bens é prejudicada, pois o patrimônio não é 
compreendido isoladamente. (Ver figuras 94‐ F IGURA  95   –   F ACHADAS POSTERIORES DOS  B LOCOS  3  E  4.    

95.)  

Uma opção a essa simplificação extrema é a 
adoção  da  distinguibilidade  harmoniosa, 
empregando  reproduções  moderadamente 
reconhecíveis,  estratégias  de  simplificação 
dos relevos e ornatos, com formas e desenhos 
mais elementares, marcações com sulcos ou 
diferenças  de  texturas  de  argamassas,  etc. 
Fonte: GOOGLE (2018). 
São  aparatos  sutis  que  possibilitam  ao  olhar 
atento o reconhecimento e a experimentação 
dessa  arquitetura  histórica  com  maior  profundidade.  Além  de  manter 
características comuns a essas edificações, associando‐as. 

Sendo assim, entende‐se que tanto a proposta projetada para os galpões quanto 
a executada são parcialmente coerentes na observância desse critério de análise 
da  assertividade  teórico‐disciplinar.  As  duas  extrapolam  premissas  teóricas 
consagradas  do  Restauro  Crítico  e  se  encontram  no  âmbito  da  dialética  da 
prática nacional entre as recriações indulgentes (tais como as projetadas) e as 
reproduções distinguíveis (tais como as executadas).  

Diante  disso,  afirma‐se  que  a  intervenção  projetada  no  conjunto  da  Praça  do 
Trem  é,  de  modo  geral,  coerente  em  relação  aos  princípios  orientadores  do 
campo disciplinar da restauração. As descontinuidades constatadas no projeto 
entre ações de restauração que comtemplam pisos e não incluem esquadrias, 
por exemplo, são típicas das concessões que costumam ocorrer na prática, por 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
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CSEPCSÉNYI, ANA. 
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consequência dos altos custos e prazos de execução prolongados, como são os 
que envolvem o restauro de esquadrias.  

A despeito disso, vale ressaltar que o destaque ao novo da proposta para o hall 
no corpo central da edificação se esquadra menos no que é uma incongruência 
em  relação  às  demais  propostas  do  projeto  e  uma  opção  superficialmente 
teórica. Ela atém‐se mais no que é uma orientação pela “autorreferência” como 
marca do arquiteto para o impacto. Em suma, uma criação evidente, em parte 
semelhante  ao  rejuvenescimento  das  superfícies,  afeita  ao  valor  de  novidade 
para atração das massas.  

Portanto, não se pode afirmar que a intervenção projetada é superficial ou que 
há  carência  de  conhecimentos  técnicos  aprofundados  quanto  à  teoria  da 
restauração e à história da arquitetura, como ocorre com frequência na prática 
nacional.  Todavia,  existe,  de  fato,  certa  desarticulação  entre  o  cerne  das 
propostas para o Prédio 2 e para os Galpões, embora passível de ser justificada 
pela  composição  da  ambiência  dentro  do  escopo  que  cabia  ao  Projeto  de 
Intervenção. 

Por  sua  vez,  a  intervenção  executada  no  conjunto  da  Praça  do  Trem  é 
parcialmente  coerente  em  relação  aos  princípios  orientadores  do  campo 
disciplinar da restauração adotados na prática nacional.   

Diante  dessa  análise,  afirma‐se  que  a  intervenção  projetada  e  executada  no 


conjunto da Praça do Trem é parcialmente coerente em relação aos princípios 
orientadores do campo disciplinar da restauração adotados na prática nacional. 
Ainda  que  tenha  respaldo  de  alguns  postulados  teóricos,  a  intervenção  é 
inconsistente.  (Ver quadro 7.) 

  Q UADRO  7   ‐   I NTERVENÇÕES NA  P RAÇA DO  T REM ,  QUANTO À COERÊNCIA TEÓRICA ,  EM RELAÇÃO AO 


PARÂMETRO  “ POSTURAL ”. 

PROJETO  PROJETO DE 
  EXECUTADO 
PRELIMINAR  INTERVENÇÃO 
Prédio 2 
Parcialmente coerente 
QUALIDADE DOS 
Incoerente  Coerente  (coerente – restauro das fachadas e 
PRODUTOS/SERVIÇOS 
incoerente – demais ações) 
Parcialmente coerente 
POSTULADOS E TÓPICOS  Parcialmente 
Coerente   (coerente – restauro das fachadas / 
OPERACIONAIS  coerente 
incoerente – demais ações) 
Galpões 
QUALIDADE DOS 
‐  Coerente  Coerente 
PRODUTOS/SERVIÇOS 
POSTULADOS E TÓPICOS  Parcialmente  Parcialmente coerente 
‐ 
OPERACIONAIS  coerente   
INTERVENÇÃO NO 
PARCIALMENTE COERENTE 
CONJUNTO 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
247 
 

A  intervenção  na  Praça  do  Trem  apresenta  interferências  comuns  da  prática 
nacional que podem ser observadas por meio de apontamentos quanto à gestão 
do  empreendimento.  Este  é  outro  critério  de  análise  da  assertividade  da 
intervenção em relação ao campo disciplinar teórico. No que concerne à gestão 
dos  projetos  para  o  Prédio  2,  verifica‐se  que  a  supressão  de  produtos  que 
deveriam subsidiar as consecutivas fases, a exemplo do não desenvolvimento da 
Pesquisa  Histórica  e  da  etapa  de  Diagnóstico,  implicam  o  uso  de  informações 
desatualizadas e incompletas que conferem um potencial risco à qualidade da 
intervenção.  

Outro exemplo, nesse mesmo sentido, é a carência de interlocução precoce e 
multidisciplinar entre os agentes envolvidos com a intervenção e a consequente 
sensibilização  quanto  às  definições  pertinentes  ao  restauro,  nos  casos  dos 
segmentos  de  projeto  relativos  à  Nave  e  ao  Museu  e,  sobretudo,  quanto  ao 
entorno  da  edificação.  Acerca  das  obras,  fica  evidente  a  citada  falta  de 
sensibilização  quanto  ao  valor  cultural  do  bem  e  de  reconhecimento  da 
relevância do Projeto de Intervenção.  

Cabe pontuar que o atraso identificado na execução dos serviços de restauro das 
fachadas  implica  risco  à  gestão  do  tempo  da  obra  que  deve  ser  previsto  no 
âmbito da gestão com um plano de contingenciamento de risco, estabelecendo 
novas  frentes  de  trabalho  de  modo  a  antecipar  outras  tarefas,  não 
necessariamente suprimindo ações, principalmente as de restauro. Tal conduta 
é característica da gestão que não emprega mão de obra especializada do setor 
de restauração, e representa risco à qualidade da intervenção. Outro aspecto da 
gestão desprestigiado na intervenção é a qualidade dos serviços executados, que 
acarreta diretamente risco à qualidade da obra. 

No  que  concerne  à  gestão  do  projeto  para  os  Galpões,  a  supressão  do 
tratamento do entorno imediato aos bens de seu escopo, assim como foi feito 
com  o  Prédio  2,  também  evidencia  a  carência  de  sensibilização  e  de 
reconhecimento da relevância do Projeto de Intervenção, o que representa risco 
à  qualidade  dessa  intervenção.  Em  relação  à  gestão  das  obras  dos  Galpões, 
ignorar  definições  do  projeto  também  pode  ser  consequência  da  mesma 
conjuntura. 

Sendo  assim,  considera‐se  que  a  gestão  global  do  empreendimento  trouxe 


impactos  à  coerência  teórico  disciplinar  da  intervenção  e  aos  bens  como 
referência para a preservação. Riscos decorrentes do fracionamento de projetos 
(correlatos  à  gestão  do  escopo);  da  desarticulação  de  projetos  em 
desenvolvimento (correlatos à gestão da comunicação); do emprego de mão de 
obra não especializada (correlatos à gestão da aquisição). Eles implicam a falta 
de sensibilização quanto ao bem e ao seu entorno; a desvalorização do Projeto 
de  Intervenção  e,  por  sua  vez,  o  desconhecimento  técnico  a  respeito  do 
referencial teórico da intervenção.  
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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248 
 

O resultado é uma intervenção mais alinhada pelo rápido e pelo barato, e menos 
pela  articulação  entre  os  pressupostos  teóricos  que  deveriam  orientá‐la.  Isso 
condiz  com  os  processos  decisórios  fugazes  e  transitórios  apontados  como 
aspectos  sistemáticos  da  preparação  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro  para  os 
megaeventos. Tal condição é evidente nas considerações expostas e, inclusive, 
lendo‐se  em  conta  o  destombamento  de  edificações  que  compunham  o 
conjunto da Praça do Trem, à semelhança do que ocorreu com o “Maracanã”, 
citado no início do capítulo. 

Por  meio  das  análises  das  intervenções  na  Praça  no  Trem,  ainda  é  possível 
promover uma outra reflexão quanto ao referencial teórico disciplinar, que é a 
correlação com correntes teóricas contemporâneas. Pode‐se ponderar que, no 
caso  do  Prédio  2,  o  estudo  preliminar  é  inclinado  para  a  corrente  teórica 
“Conservação‐Pura”,  de  ênfase  ao  aspecto  histórico  documental  do  bem, 
convergindo para os valores de antiguidade.  

Já  o  Projeto  de  Intervenção  para  Prédio  2  denota  uma  orientação  em 
consonância  com  a  corrente  do  “Restauro  Crítico‐Conservativo”  na  qual  a 
matéria  e  a  imagem  são  associadas,  admitindo‐se  superfícies  de  sacrifício, 
reintegrações  de  lacunas  e  o  novo  condicionado  a  ser  respeitoso.  Além  da 
remoção  pontual  da  adição,  que  não  é  a  recorrente  repristinação  da  prática 
nacional, uma vez que o acréscimo demolido era espúrio. Nesse caso, embora a 
imagem do bem tenha se beneficiado com a ação, o documento não é preterido 
com  a  demolição.  Por  outro  lado,  a  intervenção  executada  pode  ser  mais 
alinhada com a corrente da “Manutenção‐restauração”, sobretudo por conta do 
privilégio  da  imagem  observado  no  Museu,  que  encontra  similaridade  com 
práticas recorrentes na prática da intervenção nacional.  

A  intervenção  projetada  para  os  galpões  é  mais  próxima  da  corrente  da 
“Manutenção‐restauração”,  pois  recorre  principalmente  à  reprodução  de 
elementos  não  distinguíveis  e  à  repristinação  (aqui,  não  justificada  pela 
legibilidade,  mas  pela  ambiência).  Uma  intervenção  orientada  pelo  “Restauro 
Crítico‐Conservativo” partiria para a distinguibilidade moderada. Desse modo, a 
intervenção  executada  nessas  edificações  também  não  seria  alinhada  com  o 
“Restauro  Crítico‐Conservativo”,  pois  usa  a  distinguibilidade  como  premissa, 
extrapolando correlações com essa corrente. (Ver quadro 8.) 

Q UADRO  8   ‐   I NTERVENÇÃO NA  P RAÇA DO  T REM ,  EM RELAÇÃO ÀS CORRENTES TEÓRICAS 


CONTEMPORÂNEAS . 

  PROJETO  PROJETO DE 
EXECUTADO 
PATRIMÔNIO  INTERVENÇÃO 
Restauro crítico‐ Manutenção‐
Prédio 2  Conservação‐Pura 
conservativo  restauração 
Manutenção‐
Galpões  Conservação‐Pura  “Distinguibilidade” 
restauração 
 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
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249 
 

Logo, a análise das intervenções na Praça do Trem, no que tange às possíveis 
orientações por correntes teóricas contemporâneas, corrobora a percepção que 
se  tem  quando  se  analisa  a  intervenção  em  relação  aos  postulados  e  tópicos 
operacionais  teóricos  disciplinares  consagrados  da  prática  nacional;  de  que  a 
intervenção  é  inconsistente  e  desarticulada,  mesmo  sob  a  perspectiva  das 
correntes teóricas contemporâneas que pudessem justificá‐las. 

Para analisar a assertividade da intervenção na Praça do Trem, no que se refere 
ao referencial teórico do campo disciplinar da restauração, acerca do parâmetro 
“conceitual” correlato aos conceitos e entendimentos de patrimônio, de valor 
patrimonial,  de  intervenção  e  de  identidade  cultural,  são  feitas  reflexões  a 
respeito da intervenção como um todo. 

No Projeto Preliminar, não se identificado o claro registro do valor patrimonial 
que orienta as diretrizes/partido de intervenção. Entretanto, observar‐se que ele 
é encaminhado no sentido de preservar o valor histórico do bem. Por sua vez, 
no  Projeto  de  Intervenção,  explicita‐se  o  valor  patrimonial,  que  é  o  mesmo 
atribuído  no  decreto  de  tombamento:  a  importância  do  conjunto  frente  à 
história da Estrada de Ferro na ocupação e evolução urbana dos subúrbios da 
cidade do Rio de Janeiro.  

Vale  pontuar  que  não  foram  promovidas  ações  de  pesquisa  junto  aos  grupos 
sociais  locais,  a  respeito  da  significação  conferida  aos  bens,  ainda  que  o 
Patrimônio  Cultural  Ferroviário  seja  consistente  na  memória  dos  subúrbios 
cariocas184.  Por sua vez, não causa surpresa que a tal investigação não tenha sido 
feita  no  projeto,  pois  isso  é  corriqueiro  na  prática  nacional.  Particularmente, 
tendo‐se  em  conta  que  vários  produtos  do  Projeto  de  Intervenção  foram 
eliminados do escopo contratado. 

Todavia,  a  valoração  deve  ser  um  processo  de  sensibilidade,  interpretação  e 


investigação  do  material  e  do  imaterial,  ou  seja,  dos  significados  memoriais 
(tangíveis e intangíveis) que conferem diversidade ao patrimônio arquitetônico. 
Sua  atribuição  específica  ao  bem  em  seu  tempo  e  em  seu  lugar  é  parte  do 
processo metodológico de intervenção e a legitima. Nesse caso, haja vista que o 
processo de tombamento é recente, isso pode não ser deveras impactante na 
valoração. Por outro lado, não identificar a significação conferida pelos grupos 

 
                                                             
 
184
 Ver: RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro: o 
resgate da sua memória. Memória do Trem, 2004.  
MATOS, Lucina Ferreira. Estação da memória: um estudo das entidades de preservação 
ferroviária do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (mestrado). CPDOC: FGV, 2010.  
Memória do Trem, 2004. MATOS, Lucina Ferreira. Memória ferroviária: da mobilização 
social à política pública de patrimônio. 2015. 2015. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado 
em História, Política e Bens Culturais)‐Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
250 
 

sociais mais próximos ao patrimônio e não tomar conhecimento a respeito de 
suas  práticas  memoriais  aumenta  a  possibilidade  da  ocorrência  de  uma 
valoração anacrônica, superficial ou mesmo técnico‐científica.  

De  fato,  observa‐se  que  o  valor  citado  no  tombamento  da  Praça  do  Trem 
efetivamente  não  estrutura  a  intervenção  executada,  considerando‐se  as 
diversas  ações  que  preterem  a  manutenção  desse  momento  da  história  da 
ocupação urbana local, tanto nas edificações quanto no entorno. Desse modo, 
avalia‐se  que  a  valoração  patrimonial  atribuída  no  tombamento  e  na 
preservação do conjunto da Praça do Trem é apropriada, de maneira superficial 
e generalista. Em função disso, considera‐se que a intervenção é parcialmente 
coerente em relação ao critério de análise acerca da valoração do patrimônio 
arquitetônico, pois não privilegia o bem como referência para a preservação.  

Outrossim,  a  intervenção  na  Praça  do  Trem  não  se  baseia  em  uma  valoração 
estética, como costuma ocorrer na prática nacional em relação ao patrimônio 
arquitetônico,  peculiar,  diversa  e  atrativa,  de  acordo  com  os  interesses  que 
mobilizam a indústria cultural. Ela prima, sim, por promover uma experiência do 
bem que é rápida e superficial, vinculada ao novo e à imagem fragmentada, ao 
gosto do modelo empregado pela indústria cultural.  

Isso  fica  mais  visível  na  proposta  do  Museu  Cidade  Olímpica  cujo  tratamento 
midiático e espetacular museográfico é destinado ao consumo cultural rápido, 
neste caso, do próprio evento que é o foco da exposição fixa. Nesse espaço, a 
edificação  histórica  é  tratada  como  um  invólucro,  desligando‐a  de  suas 
características morfológicas e do exterior, impondo um uso que prevalece sobre 
a arquitetura histórica. Ao contrário do projeto para a Nave do Conhecimento, 
cujo uso é mais adequado à edificação histórica, pois apresenta uma proposta 
menos midiática, que não pretere a leitura espacial e formal do interior do bem 
e sua relação com o entorno.  

Esse duplo uso de equipamento cultural (de museu multimídia e de espaço para 
“democratização do acesso à internet”) tem considerável visibilidade, bem ao 
gosto do “marketing cultural”, e promove uma percepção dualista do objeto. No 
museu e no entorno imediato das edificações históricas, a lógica do espetáculo 
da indústria do entretenimento é um claro instrumento do evento que se impõe 
ao espaço social. Por outro lado, a Nave do Conhecimento e a apropriação que 
os grupos sociais locais fazem deste espaço e dos galpões conformam vínculos 
com os edifícios históricos. Eles são parte de novos processos de significação que 
conferem  um  novo  sentido  à  preexistência,  ressignificando  a  arquitetura 
histórica.  Ademais,  esses  processos  ainda  terão  consequências  na  valoração 
atribuída a esses bens pós‐intervenção. 

Por  certo,  a  narrativa  que  constrói  o  evento  ou  os  megaeventos  é  parte  do 
processo  de  intervenção  na  Praça  do  Trem.  Pode‐se  ponderar  que,  de  modo 
geral, a população carioca se deu conta da existência desses bens, por ocasião 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
251 
 

de sua súbita inserção no cotidiano pela mídia dos megaeventos. Essa parte do 
processo, porém, não conforma a preservação do conjunto como um todo, uma 
vez  que  ele  já  era  uma  referência  para  a  preservação  e  por  isto  foi  tombado 
(embora prédios tenham sido destombados, já por força dos megaeventos).  

Não obstante, deve‐se reconhecer que o vigor do evento impacta as definições 
da intervenção discutida e nas futuras. Na Praça do Trem, o valor do evento no 
espaço  se  faz  no  contexto  do  turismo  cultural  para  o  Brasil,  para  o  Rio  e 
especialmente para a localidade. As ações de revitalização urbana, em um bairro 
que era carente de infraestrutura, trouxeram benefícios a esses grupos sociais, 
assim  como  possíveis  custos  sociais  decorrentes  do  enobrecimento  da  região 
(provavelmente  anteriores  ao  restauro  dos  bens,  já  com  a  construção  do 
estádio). Por conseguinte, o valor do evento no tempo é basicamente sazonal 
para os grupos sociais que consomem o patrimônio cultural, o oposto do que é 
para a população local, que pratica socialmente esses bens.  

Com  efeito,  a  experiência  midiática  para  o  consumo  do  patrimônio  não  é 


necessariamente  ilegítima,  no  conjunto  da  vivência  de  significação  do 
patrimônio arquitetônico. Sua compreensão contemporânea abarca múltiplas e 
dinâmicas significações, de modo que a intervenção vem a ser uma ação criativa 
que pode ressignificar o bem. Todavia, se a intervenção ignora os significados 
anteriores  da  preexistência  conferida  pelos  grupos  sociais  locais,  ela  torna‐se 
incongruente com o entendimento atual do patrimônio formalizada na recente 
Política do Patrimônio Cultural Material, concentrada na significação imaterial 
do  bem  conferida  pelos  grupos  sociais  de  maneira  ampla,  além  de  atenta  ao 
objeto físico propriamente dito. (IPHAN, 2018). O mesmo ocorre, caso ela ignore 
a relação de significância do patrimônio arquitetônico vinculada ao lugar e ao 
entorno. Tais condições são observadas na intervenção, à medida que o evento 
estrutura  a  composição  de  uma  nova  narrativa  –  a  do  estádio  e  de  sua 
centralidade.  

Sendo assim, a intervenção é parcialmente coerente em relação ao critério de 
análise acerca da compreensão contemporânea do patrimônio arquitetônico, já 
que a limitação para a ressignificação é a minimização ou a desconsideração dos 
significados  memoriais  locais  da  preexistência.  Tal  construção  é  parte  do 
entendimento de patrimônio como referência histórica para preservação.  

Outro critério de análise da intervenção se refere aos processos de identificação.
Na  Praça  do  Trem,  a  valoração  da  novidade  e  a  proposta  homogeneizada  do 
Museu  promovem  identidades  culturais  globais/interculturais,  características 
das práticas da indústria cultural que se impõem com os megaeventos. Há ainda 
outro  tipo  de  identidade  cultural  que  se  estabelece  nessa  conjuntura,  a 
identidade cultural oficial, ratificada no próprio uso do Museu Cidade Olímpica, 
que  agencia  um  registro  da  história  sociopolítico  que  perdura  com  o  turismo 
cultural pós‐evento. 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
252 
 

Vale  ressaltar  que  a  identidade  cultural local  que  já  existia  vinculada  ao  bem, 
mesmo  na  ausência  da  participação  dos  grupos  sociais  locais  no  processo  de 
intervenção,  não  se  extingue  completamente  com  processos  de  hibridação 
cultural,  que  não  são  nem  uniformes  nem  lineares.  Todavia,  podem  afetar  a 
identidade cultural local se esta não representa um processo sólido de prática 
social  e  se  não  há  condições  estruturais  sociopolíticas  de  negociação  da 
“diferença”, de modo a assegurar a diversidade cultural.

Pode‐se  ponderar  que,  no  caso  da  Praça  do  Trem,  o  arruinamento  dificultava 
práticas diretas e ativas dos grupos sociais locais, mas a preservação dos bens 
incrementou amplamente as práticas sociais e políticas. Isso se deve, em parte, 
a  um  processo  peculiar,  que  está  menos  associado  à  identificação  com  o 
patrimônio em si e mais vinculado ao reconhecimento de grupos sociais locais 
(carentes  e  ávidos  por  representação  cultural)  e  à  identificação  com  um 
equipamento cultural (que permite a ocupação e autoexpressão).  

A preservação do conjunto, o contínuo uso da 
Nave do Conhecimento e a intensa ocupação 
F IGURA  96   –   S HOW NA  P RAÇA DO  T REM .  
desse lugar – praça/galpões – propiciam uma 
identificação  que  vai  além  da  comumente 
atrelada  aos  megaeventos.  Ela  possibilita, 
sobretudo aos grupos sociais locais, a prática 
sociopolítica  ativa  da  identidade  cultural 
local/regional.  Esse  é  um  exemplo  do 
desenvolvimento social que a preservação do 
patrimônio  cultural  tem  o  potencial  de 
promover. (Ver figuras 96‐97.) 

Em  razão  disso,  considera‐se  que  a 


intervenção  é  coerente  em  relação  aos  Fonte: s/a. (2019). 
https:// encurtador.com.br/lpOP7 
entendimentos  contemporâneos  de 
identidade  cultural,  porquanto  promove 
F IGURA  97   –   M ARATONA DE GAMES NA  N AVE DO 
primordialmente  identidades  culturais  locais  C ONHECIMENTO . 
relacionadas com práticas sociais e políticas, de 
modo que se resguarda o bem na qualidade de 
referência identitária local para preservação.   

 Ainda  se  faz  necessário  analisar  o  discurso 


difundido  com  a  intervenção  no  conjunto  da 
Praça  do  Trem.  Como  já  se  citou  antes,  a 
narrativa  que  constrói  o  megaevento  integra 
essa intervenção. Entretanto, existe a ressalva 
de que o seu lugar não é o de protagonista. A 
intervenção  pode  legitimar  os  processos  de  Fonte: COELHO, Ana. (2020). 
significação  e  novas  experimentações  que 
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podem ressignificar o patrimônio e são reflexo da atual maneira de ver o passado 
e  atuar  em  sua  preservação,  “presentificando‐o”;  desde  que  o  discurso  que 
prevaleça seja o da preexistência. 

Contudo,  na  intervenção  na  Praça  do  Trem,  o  discurso  da  preexistência  é  um 
“pano de fundo” para os megaeventos. A precedência e relevância do histórico 
é subvertida pelo discurso do novo projeto, que nesse caso não é uma proposta 
enfática, nem tão pouco criativa e harmoniosa, é “dissimulada”. Desse modo, a 
intervenção não promove preponderantemente o discurso da preexistência, que 
legitima sua condição de referência histórica e identitária para preservação. Em 
face disso, entende‐se que é incoerente, sob tal critério de análise.  

Com base nisso, considera‐se que a intervenção executada na Praça do Trem é 
parcialmente  coerente  em  relação  ao  referencial  teórico  disciplinar  da 
restauração, no que tange aos conceitos e entendimentos contemporâneos que 
são essenciais para esse processo. (Ver quadro 9.)  

Q UADRO  9   ‐   I NTERVENÇÃO NA  P RAÇA DO  T REM QUANTO À COERÊNCIA TEÓRICA ,  EM 


RELAÇÃO AO PARÂMETRO  “ CONCEITUAL ”. 

COERÊNCIA DA INTERVENÇÃO NO 
CONCEITOS E ENTENDIMENTOS 
CONJUNTO  
VALOR PATRIMONIAL  Parcialmente coerente 
PATRIMÔNIO / SIGNIFICAÇÃO  Parcialmente coerente 
IDENTIDADE CULTURAL  Coerente 
DISCURSO DA INTERVENÇÃO   Incoerente 
INTERVENÇÃO   PARCIALMENTE COERENTE 
 

Além disso, como já se pode constatar, a intervenção também é parcialmente 
coerente  em  relação  ao  referencial  teórico  disciplinar  da  restauração,  no  que 
tange  aos  princípios  orientadores  comuns  à  prática  nacional.  Portanto,  a 
intervenção  praticada  na  Praça  do  Trem  é,  de  modo  geral,  parcialmente 
coerente em relação ao referencial teórico disciplinar da restauração. De modo 
que  não  emprega  o  rigor  teórico  necessário  ao  patrimônio  cultural, 
independentemente do porte e importância do bem. Logo, coloca em risco sua 
condição como referência histórica e identitária para preservação.   

 
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4.3 C ONSIDERAÇÕES PARCIAIS


Ao  discutir‐se  o  impacto  da  indústria  cultural  na  prática  contemporânea  de 
intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  observando  intervenções  em  um 
ambiente característico de sua influência – os megaeventos no Rio de Janeiro –, 
é necessário, de antemão, reforçar o contexto em que os dois estudos de caso 
ocorrem.  

Ambas as iniciativas tiveram ampla cobertura midiática e ações de marketing. 
Foram mobilizadas por meio de um discurso de desenvolvimento econômico e 
social  viabilizado,  principalmente,  pela  revitalização  urbana  e  incremento  da 
mobilidade,  abrangendo  também  o  patrimônio  cultural  construído  nesse 
processo.  Bens  de  diversos  tipos  sofreram  intervenções,  principalmente  os 
equipamentos  culturais,  assim  como  os  equipamentos  esportivos.  Tais  ações 
implicaram  grandes  contingentes  de  capital,  gentrificação,  ingerências 
temporárias de poder de decisão, entre outros. 

Tratando‐se  dos  estudos  de  caso,  pode‐se  afirmar  que  a  diferença  essencial 
entre  os  dois  equipamentos  culturais  é  a  variação  de  complexidade  entre  as 
iniciativas. O MAR é um empreendimento de grande visibilidade que se efetiva 
por  meio  de  uma  parceria  público‐privada,  sendo  também  influenciado  pelos 
interesses  coorporativos.  Já  a  Praça  do  Trem  é  um  equipamento  de  menor 
visibilidade, mobilizado por interesses políticos e estratégicos. Aquele, orientado 
pela centralidade conferida à Praça Mauá, “construindo” parte do espetáculo. 
Este, orientado pela centralidade do equipamento esportivo.  

A  despeito  disso,  os  dois  equipamentos  culturais  são  voltados  para  o  turismo 
patrimonial e apresentam a mesma abordagem: a associação de propostas de 
cunho  pedagógico  e  museográfico.  A  Praça  do  Trem,  projeto  museográfico 
especifico  acerca  da  memória  dos  jogos  olímpicos;  e  o  MAR,  outro  projeto 
museográfico ainda diletante no início da iniciativa. Ambos os bens sob a mesma 
esfera de proteção – municipal.  

Outra  condição  semelhante  entre  as  duas  ações,  peculiar  ao  contexto  de 
influência  da  indústria  cultural  e  dos  megaeventos,  é  uma  certa 
“desconsideração” da proteção atribuída a esses patrimônios. No caso do MAR, 
a  preservação  de  um  dos  bens  (o  Terminal)  é  minimizada;  na  Praça  do  Trem, 
parte do conjunto originalmente tombado é parcialmente destombado. Nesse 
mesmo sentido, outra similaridade é a carência de reconhecimento do diálogo 
da  preexistência  com  seu  território.  Essa  dissociação  dos  bens  com  seu  lugar 
existe, apesar de serem iniciativas cujo contexto possibilitaria maior articulação 
entre os projetos, inclusive no âmbito do urbanismo. 

 
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Quanto  ao  parâmetro  “postural”  de  análise  da  assertividade  dos  estudos  de 
caso, em relação ao referencial teórico do campo disciplinar da restauração, são 
verificadas  ações  semelhantes,  orientadas,  em  alguns  momentos,  pelo 
reconhecimento do bem como documento e conferindo a marca de seu tempo, 
além  de  baseadas  no  tópico  operacional  da  distinguibilidade.  Contudo,  um 
resultado que se constata nessa análise é que as intervenções, de modo geral, 
não são coesas, inexistindo uma orientação teórica comum em cada uma delas. 
Essas diretrizes deveriam ser claramente citadas nos documentos e identificáveis 
na intervenção. De fato, ambas as intervenções são avaliadas como parcialmente 
coerentes em relação a esse aspecto de análise. (Ver quadros 4 e 7.)   

No que tange ao parâmetro “conceitual”, também se observam semelhanças. 
Ambas as iniciativas adotam um entendimento parcialmente coerente quanto à 
valoração  e  à  significação  contemporânea  do  patrimônio  arquitetônico.  São, 
porém, incoerentes por promoverem um discurso que não é primordialmente o 
da  preexistência.  Com  efeito,  as  duas  intervenções  também  são  entendidas 
como parcialmente coerentes sob esse parâmetro de análise. Todavia, não são 
verificados conceitos em comum que tenham sido tomados como coerentes nas 
intervenções. (Ver quadros 6 e 9.)   

Por outro lado, a principal diferença em relação às intervenções se dá quanto às 
identidades  culturais.  Na  Praça  do  Trem,  a  população  ressignifica  o  conjunto, 
ainda que o Museu Cidade Olímpica previamente não pareça fazer parte desse 
processo. Na Nave do Conhecimento e nos galpões (que efetivamente são uma 
praça coberta), observam‐se práticas sociais de familiaridade, de proximidade e 
de conexão dos grupos sociais locais com os bens.  

Pode‐se assim ponderar que a intervenção preserva uma parte importante dos 
significados  conferidos  por  esses  grupos,  vinculados  às  suas  memórias.  Além 
disso, mesmo que se reconheça a perda de parte da historicidade das edificações 
e  principalmente  do  conjunto,  ela  ainda  mantém  significados  memoriais  do 
processo de ocupação desse território e da arquitetura industrial.  

Por outro lado, ainda que a arquitetura remanescente do complexo talvez não 
represente  diretamente  grupos  sociais  normalmente  “excluídos”  na 
preservação, ela é associada às memórias das massas de operários da indústria 
férrea.  Trata‐se  de  uma  arquitetura  histórica  ressignificada  por  grupos  sociais 
que  são  estruturalmente  desfavorecidos.  Apropriada  com  a  identificação  e  a 
construção de identidades culturais das memórias de novas gerações, em uma 
nova  camada  da  história  acrescida  com  a  intervenção,  que  passa  a  sustentar 
significados locais. 

Por  outro  lado,  no  MAR,  a  monumentalidade  do  Palacete  e  o  tratamento 


arrojado  da  arquitetura  de  impacto  podem  acentuar  o  distanciamento  dos 
grupos  sociais  locais.  Isso  é  ainda  agravado  com  a  desconsideração  de 
significados relacionados ao Terminal Rodoviário, equipamento de mobilidade 
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urbana  popular  que  existia  associado  ao  cotidiano  de  grupos  sociais 
locais/regionais.  Tal  configuração  dificulta  a  sustentabilidade  de  significados 
anteriores à intervenção. Mesmo os novos significados advindos da intervenção 
no  conjunto  estão  ameaçados  hoje,  pois  o  MAR  resiste  em  meio  à  constante 
possibilidade de fechamento, em função da carência de repasse de verbas da 
Prefeitura. Tal como já mencionado, a manutenção de equipamentos culturais 
dessa escala costuma ser deveras custosa.  

No MAR, a mídia “constrói” grande parte da arquitetura. O vigor do evento se 
impõe de forma incisiva na tomada de decisão para a intervenção. Na Praça do 
Trem, isso é menos evidente. Contudo, reconhece‐se que ambas as intervenções 
são formatadas como lugares de memória instituídos por meio de um discurso 
de  identificação  e  conformação  de  identidade  cultural  nacional,  porquanto 
decorrem  de  iniciativas  pertinentes  a  megaeventos  característicos  dessas 
dinâmicas, como são as Olimpíadas. Todavia, a perenidade do “evento” no MAR 
é  maior  do  que  na  Praça  do  Trem,  pois  aquele  se  afirma  bem  mais  como  um 
objeto de identidade intercultural do que este.  

Outro  resultado  que  se  constata  dessas  análises  é  que  uma  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico  considerada  parcialmente  coerente  em  relação  aos 
postulados e princípios orientadores teóricos da restauração, comuns à prática 
nacional,  também  é  parcialmente  coerente  em  relação  aos  conceitos  e 
entendimento  essenciais  à  prática.  Embora  isso  pareça  óbvio,  uma  vez  que 
ambos  os  parâmetros  integram  um  mesmo  referencial  teórico,  uma 
consideração que se faz a partir daí é que uma decisão equivocada não é isolada. 
Falhas no embasamento teórico têm repercussões em toda a cadeia decisória. A 
intervenção  coerente  se  justifica  de  modo  assertivo  e  profundo  e,  sobretudo, 
coeso no referencial teórico do campo disciplinar da restauração.  

Conforme se enunciou antes, uma decisão pode ser coerente em relação a um 
aspecto e incoerente em relação a outro. Todavia, isso ainda resultará em uma 
intervenção inapropriada, porque fragiliza o patrimônio a ser resguardado para 
o futuro na condição de referência para preservação, que é o que caracteriza o 
patrimônio cultural. Assim, mesmo uma intervenção parcialmente coerente tem 
o potencial de comprometer o bem que se deixa para o futuro, sua significação 
e também sua matéria original, dotada de toda sorte de informações que ainda 
serão observadas e interpretadas. 

Em  última  instância,  as  duas  intervenções  analisadas  são  consideradas  como 
parcialmente coerentes em relação ao referencial teórico do campo disciplinar, 
de  acordo  com  os  parâmetros  de  observação  pré‐estabelecidos.  Em  função 
disso, ambas colocam os bens em risco como referência histórica e identitária 
para a preservação cultural.  

 
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As  interferências  comuns  nas  intervenções  estudadas,  que  implicam  a 


incoerência quanto ao referencial teórico do campo disciplinar, são da ordem da 
carência  de  sensibilização  e  capacitação  para  criar  na  preexistência.  Elas  são 
recorrentes  na  dinâmica  da  prática  nacional  de  intervenção  no  patrimônio 
arquitetônico.  Nesse  mesmo  contexto,  situa‐se  a  “desvalorização”  e  a 
descontextualizacão do Projeto de Intervenção, que leva à sua subutilização, sua 
fragmentação e à supressão de etapas que ainda não são comuns na prática da 
iniciativa  privada  nacional,  como  a  investigação  da  significação  do  bem  para 
valoração.  Como  já  citado,  a  atribuição  do  valor  patrimonial  em  ambas  as 
intervenções é considerada parcialmente coerente.  

As  causas  dessas  interferências  podem  envolver  pressões  de  ordem  política, 
sobretudo  no  contexto  das  esferas  de  decisão  provisórias  instaladas  com  os 
megaeventos,  que  se  relacionam  com  as  demandas  da  indústria  cultural  por 
autonomia e minimização das exigências e limitações. Entre as consequências 
desse processo está a prevalência do novo para o impacto e consumo, com a 
inviabilização ou desestímulo às práticas sociais anteriores do patrimônio. 

Com base nos estudos de caso realizados, pode‐se considerar que a prática da 
intervenção no patrimônio arquitetônico, nos megaeventos do Rio de Janeiro, 
favorece  a  ocorrência  de  outros  objetivos  e  impõe  os  interesses  da  indústria 
cultural, que são associados ao valor de novidade, ameaçando potencialmente 
o bem como referência para preservação. 

   
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
 

Boaventura  de  Souza  Santos  (2001),  quando  se  propõe  a  “pensar  o  pensar”, 
afirma que esta é uma premente e atual questão, pois o momento que vivemos 
é de perturbadora turbulência, de criação e de destruição concomitantes. Não 
absolutamente  um  fim  que  justifique  um  começo,  mas  uma  transição  que  é 
parte  do  processo  de  transformação.  Desse  modo,  se  a  globalização,  que 
caracteriza  parte  dessa  contemporaneidade,  não  é  padronização  global,  ela 
pode ser um caminho para alcançar a diversidade nessa mudança.  

Para o catedrático da Universidade de Coimbra, o ato de pensar não significa 
destruir conhecimentos precedentes; ele requer tolerância para enxergar‐se a 
diversidade. Por sua vez, para tolerar é essencial se sensibilizar. Contudo, vale 
salientar que tolerância não é conformismo. O discernimento demanda ser ação 
consciente  e  “maliciosa”.  Pensar  objetivamente,  mas  sem  neutralidade,  para 
permitir  a  surpresa  –  o  novo  –,  para  ser  diferente.  O  pensamento  precisa  ser 
gestado hoje, para nascer o amanhã pré‐maturo.  

Santos (2001) assegura que no processo do pensar é fundamental se perguntar. 
A despeito disso, perguntas simples não necessariamente encerram respostas 
simples. Nesta pesquisa, a questão postulada é que a prática contemporânea de 
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intervenção no patrimônio arquitetônico no Brasil, condicionada pela indústria 
cultural, é justificada por um discurso que fomenta e reitera o distanciamento 
em relação à teoria do campo disciplinar da restauração, comprometendo o bem 
como referência histórica e identitária para preservação.  

No  intuito  de  responder  tal  questão,  levam‐se  em  conta  as  considerações 
parciais  construídas  paulatinamente  e  registradas  no  final  de  cada  capítulo, 
retomando‐se  ainda  os  estudos  de  caso.  Com  base  neles,  verifica‐se  que  as 
intervenções parcialmente coerentes, ou seja, consideravelmente distantes do 
referencial teórico do campo disciplinar da restauração que deveria orientá‐las, 
implicam desde “danos” diretamente infligidos à matéria do bem, a repetição de 
práticas empíricas e/ou omissas que subvertem a prevalência da preexistência, 
até impactos nos processos de identificação com o patrimônio. Isso se traduz em 
prejuízos  ao  patrimônio  na  sua  qualidade  de  referência  histórica  e  identitária 
para a preservação.  

As  incoerências  teóricas  apuradas,  na  prática  nacional  da  intervenção  no 
patrimônio  arquitetônico,  em  relação  aos  postulados  recorrentes  e  aos 
conceitos e entendimentos contemporâneos essenciais desse campo disciplinar 
são,  sobretudo,  a  superficialidade  e  a  carência  de  coesão.  Essas  incoerências 
teóricas resultam de interferências no processo de definição da intervenção, tais 
como:  a  “desvalorização”  e  a  descontextualizacão  do  Projeto  de  Intervenção, 
que, por sua vez, envolvem a insuficiência de sensibilização quanto ao valor do 
patrimônio  e  de  capacidade  para  criar  na  preexistência,  preservando‐a  na 
qualidade de referência histórica e identitária. As causas dessas interferências 
envolvem pressões de ordem política associadas frequentemente às demandas 
da indústria cultural, por autonomia e minimização das exigências e limitações, 
mas, também incluem a deficiência de capacitação técnica profissional.  

Com efeito, a insuficiência de preparo na prática nacional para criar de forma 
eloquente na preexistência não é forçosamente uma estratégia de produção da 
indústria  cultural.  Contudo,  a  carência  de  sensibilização  quanto  ao  valor  do 
patrimônio  pode  sê‐lo,  assim  como  a  própria  desvalorização  do  Projeto  de 
Intervenção, visto que se pretende um discurso hegemônico e homogeneizado 
para  o  consumo  industrializado  da  cultura.  Por  outro  lado,  o  arranjo  desse 
discurso  promove  uma  percepção  equivocada  de  que  as  incoerências 
decorrentes dessas interferências são teoricamente justificáveis. Assim, tem‐se 
a  ideia  de  que  essa  seria,  na  contemporaneidade,  a  maneira  teoricamente 
coerente de criar na preexistência.  

A intervenção no patrimônio arquitetônico justificada de forma coerente e coesa 
no  referencial  do  campo  disciplinar  da  restauração  é  sensível  ao  que  o 
patrimônio  expressa  e  também  é  pautada  no  valor  patrimonial,  atribuído  no 
momento  (tempo)  e  ao  local  (espaço),  observando  as  significações  material, 
imaterial e em relação ao território, contando, inclusive, com a participação dos 
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grupos  sociais  locais  para  isto.  Logo,  a  intervenção  legitima  a  preservação  do 
bem do ponto de vista teórico disciplinar, à medida que sustenta as significações 
estabelecidas por esses grupos, que são práticas sociais dos lugares de memória.  

Além  disso,  a  prática  social  é  igualmente  um  discurso  político  “de”  e  “por” 
representatividade, de modo que reiterá‐la com a intervenção também a valida 
do  ponto  de  vista  político.  Por  certo,  consolidar  e  promover  processos  que 
envolvam  identificação  e  identidades  culturais  locais/regionais  legitima  a 
intervenção politicamente e respeita a diversidade cultural, mesmo que também 
se favoreçam identidades culturais globais e/ou interculturais.  

No entanto, a apuração dos significados da preexistência como rotina da prática 
da  intervenção  na  realidade  nacional,  incluindo  a  participação  da  população 
local,  é  um  desafio  ainda  por  vencer,  sobretudo  na  iniciativa  privada.  A 
investigação da significação do bem para valoração costuma ser dificultada pela 
carência  de  investimentos  e  tempo,  assim  como  de  sensibilização  quanto  à 
relevância  desse  processo.  Essa  condição  contribui  para  que  o  discurso 
promovido  com  a  intervenção  não  seja  o  da  preexistência  e  que  o  discurso 
agenciado pela indústria cultural seja assimilado como teoricamente coerente, 
ainda que preservação exija a salvaguarda do bem como referência histórica e 
identitária. 

A  intervenção  condicionada  pela  indústria  cultural  justifica‐se  de  forma 


contraditória e superficial na teoria. A valoração, que é por si só um processo 
mutável e múltiplo, por ser atribuída de acordo com o contexto espaço‐temporal 
e  com  os  respectivos  grupos  sociais,  acaba  por  se  tornar  genérica,  vinculada 
prioritariamente  à  experimentação  e  à  identificação  partilhada  por  meio  do 
consumo cultural, inclusive, de um grupo social específico.  

Outrossim, sob essa dinâmica, a valoração patrimonial também pode vir a ser 
tecnicista, à medida que a “excepcional” apreciação das características materiais 
do  patrimônio  arquitetônico  encontra  consonância  nesses  processos  de 
experimentação.  Tal  condição  pode,  inclusive,  desestimular  ou  inviabilizar 
práticas sociais anteriores, tornando‐as anacrônicas. Essa é uma incoerência que 
se  justifica  em  um  suposto  rigor  historiográfico,  mas  relaciona‐se a  condições 
estruturais da prática, como a carência de capacitação do profissional (em face 
de  formação  inadequada  ou  insuficiente,  que  implica  a  superficialidade  do 
conhecimento  acerca  do  referencial  teórico  de  restauração,  a  respeito  da 
história da arquitetura e do bem).  

Nesse contexto, a principal prerrogativa da intervenção é o valor de novidade, 
viabilizado  pelo  novo  como  um  pastiche  da  diversidade.  Uma  narrativa 
construída para uma experiência superficial, que utiliza imagens e signos para o 
instantâneo e constante impacto. Nesse caso, a intervenção pode ser pobre de 
rigor teórico, à medida que se tenciona à preservação do bem na qualidade de 
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referência histórica e identitária e, de fato, se favorece um discurso que não é 
preponderantemente o da preexistência.  

Entende‐se  aqui  que,  para  qualquer  que  seja  o  patrimônio  arquitetônico,  sua 
preservação  requer,  além  da  ética,  o  rigor  teórico.  Este  vai  estabelecer  o 
pertinente  tratamento  a  ser  conferido  a  cada  bem,  considerando  a  sua 
significação,  de  modo  a  interpretá‐lo,  entre  várias  outras  características  e 
condições. Logo, ainda que sentenças como reabilitação ou revitalização sejam 
empregadas  como  justificativa  para  se  eximir  desse  mesmo  rigor,  isso  é 
incoerente, ao passo que a intervenção se destina a preservação do bem como 
referência memorial, de prática social e de identidade cultural.  

De fato, o papel do arquiteto na preservação é um exercício criativo complexo, 
pois se intervém no preexistente, não no vazio. Intervir é diferente de “criar uma 
arquitetura nova” ou o discurso de uma. Esse processo de criação de espetáculo, 
fundamentado na imagem fragmentada do “tempo contínuo,” transformada em 
realidade de assimilação rápida e superficial, parece um exercício de liberdade 
de  escolha,  porém  é  mais  próximo  de  um  condicionamento,  porque  é  um 
discurso midiático pré‐ditado.  

No exercício da intervenção no patrimônio arquitetônico em âmbito nacional, a 
distinguibilidade tem sido invocada como justificativa teórica para o novo, criado 
mais como marca do arquiteto para o impacto (e menos como sua identidade 
autoral).  Ademais,  a  distinguibilidade  é  um  tópico  operacional  da  teoria  da 
restauração  de  assimilação  mais  imediata,  por  isso  ganha  notoriedade  em 
abordagens  superficiais,  tornando‐se  uma  figura  retórica  correlacionada  ao 
novo. Todavia, o cerne do problema é seu emprego para amparar um discurso 
que minimiza a preexistência.  

A inserção do novo para o impacto na intervenção não a faz ser bem‐sucedida, 
quando  o  objetivo  é  a  preservação  do  bem  como  referência  histórica  e 
identitária. Nos casos em que esse discurso se sobrepõe ao da preexistência, a 
intervenção  distancia‐se  da  teoria.  Pois,  ela  afasta‐se  das  significações  e  das 
identidades culturais locais e aproxima‐se das identidades culturais globais e/ou 
interculturais. Assim, imprime ao bem características menos diversas, já que seu 
repertório tende a ser reduzido e homogeneizado.  

Em  verdade,  tem‐se  em  conta  que  atualmente  são  possíveis  diversas 
interpretações  do  patrimônio  arquitetônico.  Um  bem  atrelado  às  identidades 
culturais interculturais também constrói relações. Essa é uma característica da 
contemporaneidade, a presentificação do passado na qual o patrimônio possui 
significações  multidimensionais  e  dinâmicas,  que  permitem  novas 
experimentações.  No  entanto,  construí‐las  em  detrimento  das  outras 
preexistentes,  conformando  um  patrimônio  mais  global  do  que  local,  com 
identidades culturais interculturais alheias ao espaço e às relações socioculturais 
locais,  é  equivocado.  Quando  isso  ocorre,  não  se  ressignifica  a  arquitetura  de 
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valor  histórico,  porque  o  novo,  que  deveria  ser  harmonioso,  se  sobrepõe, 
estabelecendo uma nova imagem a seu serviço. 

Vale salientar que a indústria cultura também gera desenvolvimento econômico 
e social. Por certo, o ponto nevrálgico da preservação nesse contexto é a função 
estratégica  do  patrimônio  cultural  como  potencial  promotor  de 
desenvolvimento, sem se dissociar de sua função primária, que é a proteção de 
memórias  e  significados.  Porém,  ao  utilizar  processos  industriais  seriados, 
buscando a diversidade e empregando instrumentos hegemônicos, a indústria 
cultural  promove  a  homogeneização.  Ela  não  é  global  e  absoluta,  porque  a 
assimilação cultural é fragmentada, mas existe. De modo que, para fazer frente 
à homogeneização – para ser diferente –, é preciso que haja escolha. Por sua 
vez,  para  que  se  tenha  opção  é  necessário  que  haja  igualdade  de  condições 
econômicas, políticas e sociais. Portanto, antes de ser diferente, é essencial ser 
igual. 

Conclui‐se, então corroborando a hipótese estabelecida na tese, que a prática 
contemporânea  de  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico  no  Brasil, 
condicionada pela indústria cultural, justifica‐se por um discurso que fomenta e 
reitera  o  distanciamento  entre  o  campo  disciplinar  teórico  e  a  prática, 
comprometendo  o  patrimônio  como  referência  histórica  e  identitária  para  a 
preservação.  Isso  ocorre  porque  o  discurso  da  preexistência  é  subjugado, 
tornando‐se  “pano  de  fundo”  para  o  uso,  para  o  novo  e  para  a  imagem  de 
impacto, visando ao consumo rápido e superficial do patrimônio cultural.  

Em  contrapartida,  se  a  intervenção  promove  um  discurso  que  ressignifica 


criativamente  o  patrimônio  arquitetônico,  conjugando  experiências  e 
significados  preexistentes  sem  subjugá‐los,  ela  não  compromete  o  bem  como 
referência histórica e acrescenta novas possibilidades de identificação, logo, de 
identidades  culturais  particulares  ao  presente  e  à  arquitetura  de  valor 
patrimonial. 

A  contribuição  desta  pesquisa  consiste,  sobretudo,  em  observar  as  relações 


entre  a  teoria  e  a  prática  da  intervenção  no  patrimônio  arquitetônico,  sob  a 
perspectiva  das  dinâmicas  contemporâneas  da  industrialização  da  cultura  na 
preservação nacional. Este é o início de uma discussão que tem sido abordada 
mais recentemente. Nesse sentido, são listados como prioridades para estudos 
futuros de intervenções contemporâneas no patrimônio arquitetônico: 

 A  análise  de  outras  intervenções  no  patrimônio  arquitetônico, 


replicando esses mesmos parâmetros e buscando iniciativas por meio 
das quais seja possível examinar detalhadamente as disjunturas entre 
propostas de projeto e de obra. 
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 A análise de intervenções no patrimônio arquitetônico protegidos por 
diferentes níveis de proteção. 
 A triangulação dessas análises com outro método de levantamento de 
dados,  como  entrevistas  com  agentes  envolvidos  no  processo  de 
projeto e obra de restauração. 
 

Retomando a provocação de Boaventura de Souza Santos, na abertura destas 
considerações,  por  que  pensar?  Porque  podemos.  Porque  podemos  pensar 
diferente.  Porque  esse  é  um  meio  de  assegurar  nosso  direito  de  escolher  e, 
talvez até, porque podemos fazer diferença! 

 
   
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Recomendação de Nairobi. CONFERENCIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS 
NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO), 19., 
1976, Nairobi. Anais... Nairóbi: 1976. 
ITÁLIA, M. de I. P. Carta del Restauro 1972. [S.l: s.n.].  
 
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
274 
 

Itinerarios culturales. In: ASAMBLEA GENERAL DEL ICOMOS, 16., 2008, Québec. 
Anais... Québec: 2008. Disponível em: 
<https://www.icomos.org/charters/culturalroutes_sp.pdf>. Acesso em: 
fev/2020. 
RIO DE JANEIRO (MUNICÍPIO). Decreto n° 14.741, de 22 de abril de 1996. 
Tomba definitivamente o bem que menciona e dá outras providências. Lex: 
1996.  
______. Decreto no 19002 de 5 de outubro de 2000. Tomba os bens que 
menciona na áreas potuária, I AR. Lex: 2000.  
______. Decreto no 24.420, de 21 de julho de 2004. Cria a área de proteção do 
ambiente cultural do entorno do mosteiro de São Bento, no Centro, I R. A. e dá 
outras providências. Lex: 2004 a.  
______. Decreto no 24.029, de 16 de março de 2004. Estabelece critérios de 
proteção e conservação para os imóveis tombados localizados na quadra 
determinada pelas Ruas Arquias Cordeiro, das Oficinas, José dos Reis e Dr. 
Padilha, Antigas Oficinas do Engenho de Dentro. Lex: 2004 b.  
The Declaration of San Antonio. In: INTERAMERICAN SYMPOSIUM ON 
AUTENTICITY IN THE CONSERVATION AND MANAGEMENT OF THE CULTURAL 
HERITAGETO (ICOMOS National Committees of the Americas), 1996, San 
Antonio. Anais... San Antonio: 1996. Disponível em: <https://bityli.com/cErJq>. 
Acesso em: fev/2020. 
The Florence Declaration on Heritage and Landscape as Human Values. In: 
GENERAL ASSEMBLY OF THE INTERNATIONAL COUNCIL ON MONUMENTS AND 
SITES (ICOMOS), 18., 2014, Florence. Anais... Florence: 2014. Disponível em: < 
https://bityli.com/LRD8C>. Acesso em: fev/2020. 
The Nara document on authenticity. In: CONFERENCE ON AUTHENTICITY IN 
RELATION TO THE WORLD HERITAGE CONVENTION (UNESCO, ICCROM e 
ICOMOS), 1994, Nara. Anais... Nara: 1994. Disponível em: 
<https://www.icomos.org/charters/nara‐e.pdf>. Acesso em: fev/2020. 
The Paris declaration on heritage as a driver of development. In: GENERAL 
ASSEMBLY OF THE INTERNATIONAL COUNCIL ON MONUMENTS AND SITES 
(ICOMOS), 17., 2011, Paris. Anais... Paris: 2011. Disponível em: 
<https://www.icomos.org/Paris2011/GA2011_Declaration_de_Paris_EN_20120
109.pdf>. Acesso em: fev/2020. 
 UNESCO. Declaração universal sobre a diversidade cultural, 2002. Disponível 
em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf>. 
Acesso em: fev/2020. 
______. Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage 
ConventionFrance, 2008.  
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
275 
 

APÊNDICES
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
276 
 

C ARTAS E DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS


SEGUNDO O ICOMOS.

Q UADRO  10:    C ARTAS PATRIMONIAIS INTERNACIONAIS RECONHECIDAS PELO  ICOMOS.    

  CIDADE / 
TÍTULO  TEMA  ANO 
PAÍS 
1  CARTA INTERNACIONAL SOBRE A  Patrimônio arquitetônico  Veneza / 
CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE  e sítios  1964  Itália 
MONUMENTOS E SÍTIOS 
2  Florença / 
JARDINS HISTÓRICOS  Jardins históricos  1982  Itália 
3  CARTA INTERNACIONAL PARA A  Washington 
CONSERVAÇÃO DE CIDADES HISTÓRICAS E  Patrimônio urbano  1987  / EUA 
ÁREAS URBANAS HISTÓRICAS 
4  CARTA INTERNACIONAL PARA A GESTÃO DO  Lausana / 
PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO  Patrimônio arqueológico  1990  Suíça 
5  CARTA INTERNACIONAL SOBRE A PROTEÇÃO  Sofia / 
E GESTÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL  Patrimônio subaquático  1996  Bulgária 
SUBAQUÁTICO 
6  CARTA INTERNACIONAL DO TURISMO 
CULTURAL   Turismo cultural  1999  México 
7  PRINCÍPIOS QUE DEVEM REGER A  Patrimônio arquitetônico 
PRESERVAÇÃO DAS ESTRUTURAS HISTÓRICAS  – madeira  1999  México 
EM MADEIRA 
8  CARTA SOBRE O PATRIMÔNIO VERNACULAR 
CONSTRUÍDO  Patrimônio vernacular  1999  México 
9  PRINCÍPIOS PARA A ANÁLISE, CONSERVAÇÃO  Patrimônio arquitetônico  Victoria Falls 
E RESTAURAÇÃO DE ESTRUTURAS DO  – estrutura  2003  /  
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO  Zimbabwe 
10  PRINCÍPIOS DO ICOMOS PARA A 
CONSERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE  Pinturas Murais  2003   
PINTURAS MURAIS 
11  Québec / 
CARTA DE ITINERÁRIOS CULTURAIS  Itinerários culturais  2008  Canada 
12  CARTA DO ICOMOS SOBRE INTERPRETAÇÃO E  Interpretação do  Québec / 
APRESENTAÇÃO DE SÍTIOS DE PATRIMÔNIO  patrimônio cultural  2008  Canada 
CULTURAL 
13  PRINCÍPIOS DO TICCIH‐ICOMOS PARA A 
CONSERVAÇÃO DE SÍTIOS, ESTRUTURAS,  Patrimônio industrial  2011  Dublin / 
ÁREAS E PAISAGENS DE PATRIMÔNIO  Irlanda 
INDUSTRIAL 
14  OS PRINCÍPIOS DE VALLETA PARA A  Paris / 
SALVAGUARDA E GESTÃO DE CIDADES E  Patrimônio urbano  2011  França 
CONJUNTOS URBANOS HISTÓRICOS 
15  PRINCÍPIOS DO ICOMOS‐IFLA SOBRE 
PAISAGENS RURAIS COMO PATRIMÔNIO  Patrimônio rural  2017   
16  DOCUMENTO SOBRE PARQUES PÚBLICOS  Parques urbanos  Nova Déli / 
URBANOS HISTÓRICOS  históricos  2017  Índia 
17  DIRETRIZES SALALAH PARA GESTÃO DE SÍTIOS  Salalah / 
ARQUEOLÓGICOS PÚBLICOS  Patrimônio arqueológico  2017  Omã 
18  PRINCÍPIOS PARA A CONSERVAÇÃO DO  Patrimônio arquitetônico  Nova Déli / 
PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO EM MADEIRA  – madeira  2017  Índia 
Fonte: Baseado em: https://www.icomos.org/images/DOCUMENTS/Charters/ 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
277 
 

Q UADRO  11:   D ECLARAÇÕES E RESOLUÇÕES PATRIMONIAIS INTERNACIONAIS RECONHECIDAS PELO  ICOMOS.    

  CIDADE / 
TÍTULO  TEMA  ANO 
PAÍS 
1  RESOLUÇÕES DO SIMPÓSIO SOBRE A 
INTRODUÇÃO DA ARQUITETURA  Patrimônio cultual  1972  Itália 
CONTEMPORÂNEA EM ANTIGOS GRUPOS DE 
EDIFÍCIOS 
2  RESOLUÇÕES DO SIMPÓSIO INTERNACIONAL 
SOBRE A CONSERVAÇÃO DAS CIDADES  Patrimônio urbano  1975   
HISTÓRICAS MENORES 
3  DECLARAÇÃO DE TLAXCALA SOBRE A  Tlaxcala / 
REVITALIZAÇÃO DE PEQUENOS  Patrimônio urbano  1982  México 
ASSENTAMENTOS 
4  DECLARAÇÃO DE DRESDEN SOBRE A  Dresden / 
"RECONSTRUÇÃO DE MONUMENTOS  Patrimônio arquitetônico  1982  Alemanha 
DESTRUÍDOS PELA GUERRA" 

DECLARAÇÃO DE ROMA  Teoria e prática na Itália  1983  Roma / Itália 

6  DIRETRIZES PARA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO  Colombo / 
EM CONSERVAÇÃO DE MONUMENTOS,  Formação  1993  Sri Lanka 
CONJUNTOS E SÍTIOS 
7  DOCUMENTO DE NARA SOBRE 
AUTENTICIDADE  Autenticidade  1994  Nara / Japão 
8  Autenticidade na América  San Antonio 
DECLARAÇÃO DE SAN ANTONIO  Latina  1996  / EUA 
9  PRINCÍPIOS PARA REGISTRO DE  Sofia / 
MONUMENTOS, GRUPOS DE EDIFÍCIOS E  Registro do patrimônio  1996  Bulgária 
SÍTIOS 
10  Estocolmo / 
DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO  Direitos Humanos  1998  Suécia 
11  DECLARAÇÃO DE XI'AN SOBRE A 
CONSERVAÇÃO DO ENTORNO EDIFICADO,  Entorno  2005  Xi'an / China 
SÍTIOS E ÁREAS DO PATRIMÔNIO CULTURAL 
12  DECLARAÇÃO DE QUÉBEC SOBRE A  Québec / 
PRESERVAÇÃO DO ESPÍRITO DO LUGAR  Espírito do lugar  2008  Canada 
13  DECLARAÇÃO DE LIMA SOBRE GESTÃO DO 
RISCO DE DESASTRES DO PATRIMÔNIO  Risco  2010  Lima / Peru 
CULTURAL 
14  DECLARAÇÃO DE PARIS SOBRE O  Paris / 
PATRIMÔNIO COMO IMPULSIONADOR DE  Desenvolvimento  2011  França 
DESENVOLVIMENTO 
15  DECLARAÇÃO DE FLORENÇA  Florença / 
SOBRE PATRIMÔNIO E PAISAGEM COMO  Participação popular  2014  Itália 
VALORES HUMANOS 
16  DECLARAÇÃO DE DELHI SOBRE PATRIMÔNIO  Nova Déli / 
E DEMOCRACIA  Democracia  2017  Índia 
Fonte: baseado em: https://www.icomos.org/images/DOCUMENTS/Charters/ 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
278 
 

ANEXOS
 

   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
279 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

ANEXO I – T ENDÊNCIAS DE INTERVENÇÃO


SEGUNDO N AHAS (2015).
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
280 
 

.   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
281 
 

   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
282 
 

ANEXO II – F RAGMENTO DO PROJETO DA


B ERNARDES J ACOBSEN A RQUITETURA PARA O
CONJUNTO DO MAR.
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
283 
 

   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
284 
 

   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
285 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
286 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
287 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
288 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
289 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
290 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
291 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
292 
 

ANEXO III – F RAGMENTO DO PROJETO DA


V ELATURA R ESTAURAÇÕES PARA O CONJUNTO
DA P RAÇA DO T REM .
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
293 
 

   







4 – SANITÁRIOS FUNCIONÁRIOS
5 – MUSEU CIDADE OLÍMPICA 
1 – NAVE DO CONHECIMENTO

3 – SANITÁRIOS PÚBLICO
2 – SEGURANÇA


                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
294 
 

 
   
                 A INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO NACIONAL: 
relações entre a teoria, a prática e a indústria cultural  
CSEPCSÉNYI, ANA. 
295 
 

 
FACHADA FRONTAL E POSTERIOR DO GALPÃO 3 

FACHADA FRONTAL E POSTERIOR DO GALPÃO 4 

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