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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP

ANA KARINE MARTINS GARCIA

A CIÊNCIA NA SAÚDE E NA DOENÇA:


Atuação e prática dos médicos em Fortaleza
(1900-1935)

DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP

ANA KARINE MARTINS GARCIA

A CIÊNCIA NA SAÚDE E NA DOENÇA:


Atuação e prática dos médicos em Fortaleza
(1900-1935)

DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em História
Social sob a orientação da Prof.(a), Dra.
Denise Bernuzzi de Sant´Anna.

SÃO PAULO
2011
BANCA EXAMINADORA
____________________________
____________________________
____________________________
____________________________
____________________________
A Deus por ter me proporcionado
tão valioso aprendizado e aos
meus pais, Clodoaldo e Rosiane,
e minha irmã Tatiane por todo
apoio, presença e amor nessa
caminhada.
AGRADECIMENTOS

“A gratidão é a memória do coração.”


Antístenes

Eis que chegou um dos momentos mais felizes e de grande satisfação, pois
nesse espaço quero deixar registrada minha sincera gratidão aos que contribuíram
direta e indiretamente para a realização desse trabalho.
À minha família por toda confiança e carinho dedicado.
À minha orientadora Profª Drª Denise Bernuzzi de Sant´Anna pela confiança,
apoio, generosidade, paciência e pelos incentivos que me conduziram de forma
segura e prudente do mestrado ao doutorado.
Aos professores da Pós-Graduação em História da PUC-SP, que
contribuíram para o desenvolvimento dessa tese direta e indiretamente e sempre
foram muito atenciosos comigo.
Aos amigos do NEAJ - Núcleo Espírita de Educação e Apoio à Juventude
que sempre me incentivaram e estiveram presentes nos momentos difíceis e
desafiadores dessa tese e que continuam presentes em minha vida.
À amiga Kênia Rios que sempre me apoiou e com palavras sábias e
sinceras me ajudou durante o caminho do mestrado e do doutorado.
À amiga Raquel Alves pela amizade e auxílio em vários momentos da
pesquisa das fontes.
À amiga Larissa Gifoni pela amizade e ajuda na correção ortográfica dessa
tese.
Ao amigo Jennyson Oliveira por tão generosamente ter me ajudado com o
abstract.
A Tibério Campos e à Aline Medeiros pela grande ajuda com as pesquisas
das principais fontes que utilizei nessa tese.
Ao casal de amigos Angeliza e Lacy pela amizade e acolhida tão generosa
em sua casa.
À família Freitas que sempre me acolheu com tanto carinho e me ajudou nos
momentos em que mais precisei.
À amiga Betinha pelo carinho e paciência que sempre teve comigo.
Ao amigo Antônio Alves que sempre me dedicou atenção e ajuda em várias
ocasiões da vida em São Paulo e compartilhou comigo aprendizados inesquecíveis
em Portugal.
Aos amigos do doutorado Luiz Blume, Bianca Souza, Eduardo Assis, Bebel
Nepomuceno, Patrícia Silva, Denaldo Alchorne, Valéria Alves e Anthoula Fyskatoris
pelos valiosos momentos que passamos juntos e que nunca saíram da minha
memória.
Aos amigos Jiani Langaro, Fernanda Galve, Sandra Soares, Ailton Siqueira,
Leno Barata, Simei Torres e Elizabete Espindola pela oportunidade de conviver e
aprender com vocês, pois são pessoas importantes em minha vida.
As amigas Dulce Pereira, Lilian Vidal, Arianna Lambertini e Mércia Diniz que
me receberam tão solicitamente em Évora - PT e com quem tive grandes
aprendizados.
Ao Profº. Dr. Luis Soares e à Profª Drª Carla Longhi pela importante
contribuição que me deram durante a banca de qualificação e que me ajudou no
melhoramento de algumas das questões centrais da tese.
À Profª. Drª. Laurinda de Abreu pela atenção e orientação durante o estágio
na Universidade de Évora em Portugal.
Aos funcionários da Biblioteca Nacional de Portugal pelo acesso as edições
do jornal A Medicina Contemporânea.
À Fundação Biblioteca Nacional- RJ pela disponibilização do microfilme da
Revista Norte Médico do ano de 1913.
Aos funcionários da Academia Cearense de Medicina por possibilitarem o
acesso às revistas do Centro Médico Cearense.
À Stephanie Godiva que realizou a pesquisa dos relatórios da Comissão
Rockefeller no Brasil e que estão nos arquivos da Fiocruz-RJ.
À Instituição financiadora CAPES, pela bolsa do estágio em Portugal.
À instituição financiadora CNPq, pela bolsa de pesquisa concedida e que
contribuiu para a concretização dessa tese.
RESUMO

Este trabalho tem como proposta analisar os discursos e ações referentes às


práticas dos médicos na cidade de Fortaleza no começo do século XX. E
especialmente, perceber as estratégias e medidas empregadas para a participação
mais ativa desse grupo na cidade. Dentre as questões principais analisadas nesse
estudo estão: a atuação dos médicos nas ações de melhoramento da salubridade, a
busca por um espaço de trabalho mais efetivo no campo da saúde pública, a
formação e participação do Centro Médico Cearense em Fortaleza e as intervenções
dos médicos cearenses e da Comissão Rockefeller na prevenção e combate da
febre amarela. As diversificadas fontes contribuíram para entender como os médicos
neste momento conquistaram um lugar no direcionamento e organização do
cotidiano de Fortaleza (1900-1935).

Palavras-Chave: Médicos, História da Medicina, Comissão Rockefeller, Fortaleza


ABSTRACT

This work proposes to analyze the speeches and actions concerning to doctors’
practices at Fortaleza city in the early twentieth century. And, specially, understand
the strategies and measures employed for more active participation of this group in
the city. Among the main issues examined in this work, there are: the role of the
doctors in actions to improve the health, the search for a more effectively workspace
in the field of public health, training and participation of the Centro Médico Cearense
(Medical Center from Ceará), in Fortaleza, and the interventions of doctors from
Ceara and the Rockefeller Commission in preventing and fighting yellow fever. The
diversified research sources contributed to understand how doctors earned at that
time a place in directing and organizing the daily life of Fortaleza (1900-1935).

Keywords: Medical, History of Medicine, Rockefeller Commission, Fortaleza


LISTA DE FIGURAS

FIGURA1 - MERCADO DE FERRO (1897).............................................................. 24


FIGURA 2 - PRAÇA DO FERREIRA (1902)............................................................. 24
FIGURA 3 - CENTRO DE SAÚDE DE FORTALEZA ............................................... 68
FIGURA 4 - CAPA DA REVISTA NORTE MÉDICO ............................................... 104
FIGURA 5 - ESPAÇO DE PUBLICIDADE DA REVISTA CEARÁ MÉDICO............ 106
FIGURA 6 - PROPAGANDA DE SERVIÇOS MÉDICOS ........................................ 108
FIGURA 7 - SUMÁRIO DA REVISTA CEARÁ MÉDICO ....................................... 112
FIGURA 8 - SUMÁRIO DA REVISTA CEARÁ MÉDICO ........................................ 112
FIGURA 9 - CAPA DO JORNAL A MEDICINA CONTEMPORÂNEA .................... 115
FIGURA 10 - PROPAGANDA DE MEDICAMENTO .............................................. 116
FIGURA 11 - ILUSTRAÇÃO DA REVISTA CEARÁ MÉDICO ............................... 120
FIGURA 12 - PARTICIPANTES DO 1º CONGRESSO MÉDICO CEARENSE ...... 141

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - HISTÓRICO POPULACIONAL DE FORTALEZA ................................. 32


TABELA 2 - FUNCIONÁRIOS DA SAÚDE PÚBLICA DE FORTALEZA ................. 54
TABELA 3 - LOCAIS DE FORMAÇÃO E O NÚMERO DE MÉDICOS CEARENSES
FORMADOS ENTRE OS ANOS DE 1900 A 1937.................................................. 75
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 - INTINERÁRIOS DA MEDICINA EM FORTALEZA ........................... 19


1.1- NOS CAMINHOS DA CIDADE ................................................................... 20
1.2- NOS CAMINHOS DA SAÚDE PÚBLICA .................................................... 34
1.3- NOS CAMINHOS DOS ESCULÁPIOS ...................................................... 72

CAPÍTULO 2 - O CENTRO MÉDICO CEARENSE ........................................... 85


2.1- A FORMAÇÃO .......................................................................................... 86
2.2 - A REVISTA ............................................................................................ 103
2.3 - A AÇÃO NA CIDADE .............................................................................. 123
2.4 - O 1º CONGRESSO MÉDICO CEARENSE ........................................... 134

CAPÍTULO 3 - A BATALHA AOS MOSQUITOS ..................................................... 143


3.1 - AÇÕES MÉDICAS CONTRA OS MOSQUITOS .................................... 144
3.2 - SALVAÇÃO OU EMPECILHO? ............................................................. 159

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 178

ANEXOS ................................................................................................................ 181


1 - ESTATUTO DO CENTRO MÉDICO CEARENSE .................................... 182
2 - DIRETORIA DO CENTRO MÉDICO CEARENSE ................................... 188
3 - TEMAS APRESENTADOS NO 1º CONGRESSO MÉDICO CEARENSE
(1935) ....................................................................................................... 189

FONTES ................................................................................................................. 190

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 193


11

INTRODUÇÃO

Este trabalho foi organizado e projetado a partir do desejo de entender as


trajetórias dos médicos, no início do século XX, em Fortaleza. Buscou-se através
das fontes possíveis respostas para analisar as formas de atuação e participação
dos médicos pelos espaços da urbe e sua relação com a população local.1
Nos primeiros momentos acreditava-se que a ausência de fontes seria um
dos motivos para existência de poucas pesquisas2 e publicações desse tema no
Ceará; no entanto, as pesquisas apontaram o contrário e encontrou-se uma
diversidade de fontes pouco preservadas e cuja existência era desconhecida. Tal
fato instigou ao desenvolvimento dessa tese e possibilitou ver uma diversidade de
caminhos que levou a analisar a construção da medicina acadêmica e da saúde
pública no Ceará, percebendo que a constituição do campo médico em Fortaleza
não ocorreu sem embates.
As fontes pesquisadas foram importantes guias desse processo de análise
das ações médicas em Fortaleza. Obteve-se uma documentação diversificada e
repleta de questões que mostraram um campo de estudo bastante rico para a
história local.3 Isso permitiu ter outro olhar sobre a cidade e seus moradores e
também entender o papel e a atuação dos médicos nesse contexto.
A escolha da periodização, a princípio, abrangeu o final do século XIX e
início do XX; no entanto, percebeu-se que tal escolha proporcionaria certo desvio e
prejuízo quanto aos objetivos delimitados para este trabalho, já que se pretendeu
analisar e compreender como os médicos ganharam espaço e confiança dos

1
Durante as investigações das obras publicadas sobre a história da medicina e saúde pública em
Fortaleza somente encontraram-se autores médicos, já que são ainda muito poucas as publicações
de pesquisas históricas nessa área no Ceará. Espera-se que possam aparecer mais publicações de
trabalhos de historiadores, uma vez que esse é um campo bastante rico de análises e fatos para a
História do Ceará. Dentre os livros publicados encontrados estão: BARBOSA, José Policarpo de
Araujo. História da Saúde Pública do Ceará: da colônia a Vargas. Fortaleza; Edições UFC, 1994 e
LEAL, Vinicius Barros. História da Medicina no Ceará. Fortaleza; SECULT, 1979.
2
Esta realidade fazia parte dos primeiros momentos da minha pesquisa em 2006, atualmente, isso
foi alterado e já se observa que esse campo de investigação no Ceará foi ampliado e que existem
vários pesquisadores em busca de analisar a História da medicina acadêmica e da saúde pública no
Ceará.
3
Dentre as fontes principais usadas nessa tese encontram-se: jornais da época, relatórios dos
presidentes de estado, relatórios dos inspetores da saúde pública do Ceará, regulamentos da
diretoria de higiene pública do Ceará, memorialistas e médicos que escreveram sobre Fortaleza
nesse período, revistas e jornais médicos, almanaques e anuários do Ceara e algumas imagens.
12

moradores para agirem mais efetivamente nas questões de saúde pública da cidade
e que somente o estudo mais aprofundado do século XX ajudaria nessa
compreensão. Assim, direcionou-se toda a pesquisa para os anos de 1900 a 1935
por acreditar que esse período marcou as principais transformações na área da
saúde pública no Ceará e isso possibilitou perceber a trajetória das ações médicas
em Fortaleza.
Foram diversos os caminhos apontados para a trajetória desses
personagens, que tiveram sua ascensão no Brasil, sobretudo, no começo do século
XX e que lutaram por um espaço físico e imaginário junto à população citadina.
Na atualidade o médico desempenha seu papel cercado de fatores que
acompanham essa profissão, desde os fins do século XIX, e que coloca em xeque o
seu desempenho e a sua credibilidade. Apesar das circunstâncias e contextos
serem diferentes no século XXI, se percebeu a existência de questões que ainda
perduram e fazem parte da definição do papel do médico na sociedade brasileira.
Dentre essas estão a experiência, prestígio, arsenal tecnológico, especializações,
confiança e formação profissional.
No final do século XIX e início do XX, Fortaleza passou por significativas
transformações na organização da saúde pública. Observou-se que, apesar da
intensa divulgação dos novos conceitos médicos de tratamento desenvolvidos na
Europa, houve a permanência de alguns preceitos da ciência que vinham sendo
usados ao longo do século XVIII e XIX, assim também os da medicina popular e da
Igreja Católica que também influenciavam no modo de ver e tratar as doenças.
Deve-se mencionar que os estudos da microbiologia, desenvolvidos por Louis
Pasteur a partir da segunda metade do século XIX, possibilitaram o aparecimento de
novas formas de tratamentos para as doenças e, sobretudo, um aprofundamento
dos estudos científicos sobre o contágio e a transmissão das moléstias, uma vez
que o desconhecimento dos modos de contaminação levava a explicações
relacionadas ao castigo divino e à crença das alterações climáticas.
Para compreender como se processaram algumas das conquistas e até
atuações desses médicos em Fortaleza entre os anos de 1900 a 1935, escolheu-se
direcionar essa tese para analisar a participação deles nos cargos da saúde pública,
suas estratégias para obter a confiança da população e das autoridades locais para
os novos conceitos da medicina, a formação do Centro Médico Cearense como
13

instrumento de organização dessa classe que até então agia individualmente e sem
um ideal coletivo de defesa aos seus interesses profissionais e, por fim, observar as
práticas médicas trazidas pela Comissão Rockefeller e que entraram em choque
com os métodos já aplicados pelos médicos cearenses.
Fortaleza, no começo do século XX, não possuía uma significativa
organização em sua saúde pública; o que havia era um setor responsável pelos
cuidados da higiene pública cujas ações limitavam-se aos períodos de epidemias
enfrentadas pela cidade. Nesse momento grande parte dos médicos atuava em
consultórios particulares, prestavam serviços gratuitos à Santa Casa de Misericórdia
e alguns chegavam a assumir o cargo de inspetores de higiene pública, como foi o
caso do médico e membro do Centro Médico Cearense Carlos Ribeiro.

Distinguindo-se poucos dias depois da minha chegada ao Estado com o


convite de S. Exc.ª o Snr. C.el Presidente para assumir a direcção da
repartição de hygiene publica...cheguei mesmo a ter a pretensiosa
velleidade de me imaginar um homem útil, dedicando todos os meus
esforços a nobre causa, e de antever ao fim um simulacro de cidade
4
hygienica ou hygienizada no meu estado natal.

Percebe-se no relato de Carlos Ribeiro que assumir um cargo público ligado


à saúde era de alguma forma tornam-se mais útil e participativo para a manutenção
e melhoramento da higiene na cidade, contudo, serão esses somente os interesses
dos médicos em assumir tais cargos? No decorrer desse trabalho pode-se notar que
um dos principais motivadores vai ser a busca por espaços para legitimar o discurso
da medicina acadêmica e assim adequar a cidade aos conceitos e práticas médicas,
tornando sua atuação mais visível diante da população.
A busca por um espaço de atuação e de confiança em seu trabalho e os
novos conhecimentos da medicina acadêmica possivelmente forçaram a classe
médica de Fortaleza a organizar-se e assim agir coletivamente com a finalidade de
obter seus propósitos. Não se pode deixar de mencionar as disputas com outros
profissionais que também desempenhavam funções no tratamento das doenças
como os curandeiros5.

4
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1915, p. 6.
5
Os estudos e pesquisas com relação ao curandeirismo são bastante significativos para a análise da
História da medicina acadêmica e da saúde pública, contudo, não se priorizou aprofundar as
discussões referentes ao curandeirismo como também a visão da Igreja Católica sobre as questões
da saúde.
14

Desse modo, surgiu em 1913 o Centro Médico Cearense, que tinha entre
suas metas unir os médicos, os farmacêuticos e os odontólogos com o objetivo de
desenvolver suas pesquisas, divulgar seus projetos e buscar aproximar-se mais da
população local. Mas não se pode deixar de mencionar que essa associação teve
duas fases distintas e que em suas atividades já demonstrava seus interesses e
objetivos.
A formação desta associação possibilitou à classe médica uma maior
participação e visibilidade dentro da cidade e também permitiu que aos poucos
esses profissionais tivessem uma participação mais direta nos assuntos ligados à
saúde pública. Entre os instrumentos de divulgação e ação usados pelo Centro
Médico Cearense tem destaque a publicação da Revista Norte Médico, que mais
adiante assumia o nome de revista Ceará Médico.

Uma revista modestamente feita pode alias realisar um programma assaz


utilitario e, para os que vivem no tirocínio clinico, o mais interessante e
proveitoso sem sempre é a dissertação erudita, que tantas veses falseia a
lição dos factos, porem o conselho pratico insinuante e intuitivo com a
6
própria verdade.

Essa revista foi uma das principais responsáveis pela propagação das
atividades do Centro Médico e sua pretensão era atingir aos profissionais ligados à
área da saúde através de um texto simples, mas ―interessante e proveitoso‖ como
apontou o médico e diretor da revista o Dr. Aurélio Lavor.
A preocupação inicial era direcionar e delimitar mais a problemática do
trabalho e para isso buscou-se o apoio teórico de alguns autores que também
trabalhavam na temática e que apesar das diferenças de contextos possibilitaram
perceber questões presentes na documentação pesquisada. Desse modo, esses
textos foram base para o entendimento de questões como os interesses médicos e
suas atuações na saúde pública, os meios usados para obtenção de espaços de
trabalho dentro da cidade e a busca por uma confiança junto à população menos
abastada, uma vez que desconheciam seus métodos e também desconfiavam de
seus resultados.

6
Revista Norte Médico de 15 de abril de 1913, p. 1.
15

André Pereira Neto, através do livro Ser Médico no Brasil7, trouxe


importantes reflexões, no decorrer da construção desse trabalho, pois mostrou como
os médicos no começo do século XX, sobretudo no Rio de Janeiro foram se
adaptando aos novos conceitos da medicina e, com o aparecimento das
especializações, buscaram-se novos espaços de trabalho para, assim, obter um
maior respeito e presença no cotidiano dos moradores da cidade. Assim, o
entendimento do que era a profissão médica neste momento conseguiu com que
nas fontes houvesse um novo olhar e entendimento sobre a forma de agir e os
interesses dos médicos em Fortaleza neste período.
Na questão da saúde pública buscou-se o filósofo George Rosen, que em
seu livro Uma História da Saúde Pública8 apontou caminhos que mostraram os
debates e as ações da saúde no século XX como reflexos de medidas e
pensamentos gerados nos séculos anteriores. E entender esse passado ajuda a
observar melhor os interesses desses médicos no começo do século XX. Um dos
pontos analisados pelo autor e que contribuiu também para o encaminhamento
dessa tese foram as ações individuais de alguns médicos para o melhoramento da
saúde pública sem que com isso tivessem o apoio do governo. De acordo com
Rosen, essas ações também ficaram conhecidas como ações voluntárias e
estiveram presentes tanto no início do século XX como em outros períodos.
A promoção da saúde e a prevenção da doença em Fortaleza eram vistos,
no começo do século XX, como de exclusiva responsabilidade do governo. No
entanto, em muitas ocasiões a ação voluntária precedeu, e até estimulou, a
presença do governo no campo da saúde. Assim, notou-se que a ação de grupos
privados ou indivíduos assentou-se, amiúde, em uma organização criada com o
propósito de solucionar certos problemas da saúde pública. E como abordou Rosen
a ação voluntária em Saúde Pública não é fenômeno novo e em períodos anteriores,
em especial nos séculos XVIII e XIX, se manifestou.9
No decorrer deste trabalho, pode-se perceber que as ações individuais
estiveram bastante presentes nas transformações da saúde pública em Fortaleza,

7
NETO, André de Faria Pereira. Ser médico no Brasil: o presente no passado. Rio de Janeiro-RJ;
Editora Fiocruz, 2001.
8
ROSEN, George. Uma História da Saúde Pública. São Paulo-SP; Editora Hucitec, 1994.
9
ROSEN, George. Op.cit., p. 278, nota 8.
16

uma vez que essa era precária e contava com a ação desses médicos e
profissionais da saúde que tinham interesse em participar mais ativamente das
questões relacionadas ao melhoramento das condições higiênicas urbanas.
Para entender o processo de desenvolvimento de Fortaleza e sua
organização higiênica, buscou-se no livro Fortaleza Belle Époque10 os indicativos
para a compreensão do contexto político, econômico e social. Em seu texto, o
historiador Ponte mostrou como os caminhos da saúde pública entrecruzavam-se
com as questões sociais e estruturais da cidade e também as lutas desses médicos
por uma maior participação e aplicação de suas práticas junto à população local.
Apesar de lento esse processo, pode-se visualizar como esse profissionais
tornaram-se mais presentes no cotidiano da cidade e, sobretudo, como eles
pensaram e atuaram para as transformações desta saúde que estava em processo
de desenvolvimento. Observar essa perspectiva foi fundamental para encontrar
algumas das problemáticas desta tese e tentar perceber a contribuição e
participação dessa classe vigente que passava a direcionar e a influenciar a
população e a organização da saúde em Fortaleza.
Para perceber a participação e os objetivos da Fundação Rockefeller no
Ceará, utilizou-se das ideias da historiadora Maria Gabriela M. da Cunha Marinho
através do livro Elites em Negociação11, em que são mostrados os acordos e ações
da Fundação Rockefeller na formação da Faculdade de Medicina de São Paulo.
Apesar dos contextos serem diferentes de atuação, pode-se observar que a intenção
dessa Fundação no Ceará quanto aos métodos eram os mesmos empregados no
combate às doenças como febre amarela, ancilostomose e malária em outros
estados brasileiros. Desse modo, perceber o processo desenvolvido pela Comissão
Rockefeller em São Paulo fez entender alguns de seus interesses ao manter e firmar
contatos com o Ceará. Assim, buscou-se entender como os médicos cearenses
reagiram e viram a participação e intervenção dessa Comissão em Fortaleza.
No primeiro capítulo ―Itinerários da Medicina em Fortaleza‖, procurou-se uma
divisão em três momentos. O entendimento e análise da cidade no início do século

10
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reforma urbana e controle social (1860-1930),
Fortaleza-CE; Edições Demócrito Rocha, 2001.
11
MARINHO, Maria Gabriela da Cunha. Elites em Negociação: breve história dos acordos entre a
Fundação Rockefeller e a Faculdade de Medicina de São Paulo. Bragança Paulista-SP; EDUSF,
2003.
17

XX; os saberes e ações aplicadas na organização da saúde pública e como os


médicos prepararam e agiram para o melhoramento da saúde pública e da sua
atuação em Fortaleza. Para a compreensão dessas questões usou-se como fonte os
memorialistas, os almanaques de Fortaleza (publicados a partir de 1920), os
médicos e os historiadores que abordaram o assunto na cidade relacionado à saúde.
Infelizmente entre os anos de1900 a 1928 não se encontrou jornais que pudessem
contribuir com a análise proposta nesse primeiro capítulo.
No segundo capítulo, ―O Centro Médico Cearense‖, procurou-se entender
como os médicos que atuavam individualmente construíram essa associação com o
objetivo de se unir, a princípio, aos farmacêuticos e odontólogos, para se
consolidarem e se tornarem mais presentes nas discussões de saúde pública. No
entanto, foi visto que esse grupo passou por duas importantes etapas e conquistou
um espaço mais efetivo na cidade a partir de 1928. O grupo contou para a
divulgação de suas atividades através da revista Ceará Médico que foi fundada com
o objetivo de servir aos interesses do Centro Médico. A consolidação dos seus
objetivos veio com a organização e realização do Primeiro Congresso Médico
Cearense, em 1935, o que possibilitou a essa associação obter mais visibilidade e
atuação nas questões da saúde pública da cidade.
No terceiro capítulo, ―A batalha aos mosquitos‖, buscou-se analisar como os
médicos locais enfrentaram os mosquitos e moscas, causadores de algumas das
principais doenças existentes em Fortaleza e como a visão da Fundação Rockefeller
influiu nos métodos de combates a serem aplicados contra a febre amarela no Ceará
e também entender os conflitos ocasionados a partir da aplicação de alguns
métodos preventivos junto à população, uma vez que ela reagia à imposição e ao
cumprimento das determinações da Comissão Rockefeller. Desse modo, as fontes
como jornais, relatórios e memorialistas foram úteis para o entendimento e análise
sobre os métodos empregados por essa Comissão e os embates ocasionados entre
a população e os funcionários da Rockefeller, os chamados “mata-mosquitos”.
A realização deste trabalho trouxe em destaque a atuação dos médicos, no
direcionamento e influência nas principais ações de saúde na cidade. No entanto,
essa espécie de intervenção médica, com inspiração higienista não era
evidentemente uma especificidade local. E conforme a historiografia brasileira vem
mostrando ao longo das últimas décadas, a saúde e a salubridade urbana tornaram-
18

se peças fundamentais no jogo de poder rumo à conquista do progresso em


diferentes capitais do país, especialmente na virada do século XIX para o XX.
19

CAPÍTULO 1

INTINERÁRIOS DA MEDICINA EM FORTALEZA


20

1.1 – NOS CAMINHOS DA CIDADE...

A cidade é, portanto, o ponto de convergência de uma


multiplicidade de olhares que irão fundamentar a constituição
de uma forma de dominação apoiada no conhecimento
científico, na intervenção espacial e na disciplinarização de
mentes e corpos.

12
Robert M. Pechman

Pensar o papel dos médicos na cidade exige, antes de qualquer ação,


observar a estruturação urbana e as relações sociais, a partir das novas práticas da
medicina. Exige também perceber como os hábitos e costumes desses habitantes
divergiram e adaptaram-se às ideias e ações da ciência médica em Fortaleza no
início do século XX.
Atualmente muitos pesquisadores estudam a temática da cidade no Brasil
durante o século XIX e XX. E, principalmente, são muitos os que procuram fazer
uma análise histórica a partir da perspectiva da medicina.13 No entanto, ainda são
poucas as publicações de historiadores que trabalham especificamente com as
práticas e atuações dos médicos, pois em geral os estudos estão voltados ao corpo,
à saúde pública e à medicina de uma forma mais ampla.
O historiador Pechman, em seus estudos sobre cidade, vem trazer reflexões
e olhares sobre esse espaço, que tem sua grande ascensão no século XX. Ele
mostra que o conhecimento científico foi um dos fatores significativos para se definir
e para se intervir nesses locais que vão tendo visibilidade no final do século XIX e
início do séc. XX.
A leitura dessa tese possibilitará aos leitores e estudiosos da cidade uma
caminhada pela Fortaleza do começo do século XX e, sobretudo, uma compreensão

12
PECHMAN, Robert Moses. Olhares sobre a cidade. Rio de Janeiro-RJ; Ed. UFRJ, 1994, p.6.
13
Ver, por exemplo, SANT´ANNA. Denise Bernuzzi de. Cidade das águas: usos de rios, córregos,
bicas e chafarizes em São Paulo (1822-1901). São Paulo-SP; SENAC, 2007; BRESCIANI, Maria
Stella M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo-SP; Editora Brasiliense,
2004; CHALOUB, Sidney. Cidade Febril: Cortiços e epidemias na corte Imperial. São Paulo-SP;
Companhia das Letras, 1996; PENSAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: O mundo dos
excluídos no final do século XIX. São Paulo-SP; Companhia Editora Nacional, 2001; PECHMAN,
Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. Rio de Janeiro-RJ; Casa da
Palavra, 2002; SILVA FILHO, Antônio Luiz de Macedo. Fortaleza: Imagens da cidade. Fortaleza-CE;
Museu do Ceará/Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 2001; PONTE, Sebastião
Rogério. Op. cit., nota 10; BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Cidade na contramão: Fortaleza nas
primeiras décadas do século XX. São Paulo-SP; Dissertação de Mestrado em História Social pela
PUC-SP, 1996.
21

de como as preocupações com a saúde pública nesse local tornaram-se um campo


fértil para os médicos legitimarem sua profissão e também intervirem na organização
urbana a partir das suas práticas.
A cidade de Fortaleza, nos meados do século XIX, constituiu-se um
importante centro comercial de entrada e saída de produtos para a Europa e outras
cidades brasileiras, sobretudo após a ascensão do algodão nos anos de 1870. De
certa forma, esse desenvolvimento comercial contribuiu para algumas das
mudanças ocorridas na estrutura física e social de Fortaleza no início do século XX.
O advento da República não trouxe grandes alterações entre os
representantes administrativos da cidade, já que se observou que os antigos grupos
políticos da monarquia adaptaram-se rapidamente à vida republicana e logo
estavam de volta ao poder, como foi o caso do bacharel Nogueira Acioly. 14 No
entanto, é importante destacar que Fortaleza passou a sofrer algumas mudanças no
campo das políticas públicas, principalmente em sua estrutura física, com as
tentativas de reformas urbanísticas de praças e prédios comerciais, que já vinham
sendo almejadas desde a década de 70 do século XIX.
Outro ponto relevante nesse momento são as problemáticas sociais como a
pobreza, a violência, a prostituição e os hábitos considerados nocivos, já que esses
estavam presentes apesar de serem escondidos. As reformas urbanas foram uma
das formas de controle encontradas para tentar deter essas questões, como apontou
a pesquisadora Marta Emisia Barbosa em sua dissertação ―Fortaleza na
Contramão‖.

As reformas urbanas, traduzidas no processo de remodelação da cidade,


extensivo aos habitantes, constituíram-se no esforço de ordená-la. De
acordo com técnicas de planejamento do espaço físico e social,
desenharam-se correções, coações, normatizações, que agiram mapeando
Fortaleza. Resultou numa ação ampla de perseguir habitações
consideradas insalubres, extinguindo-as, ou afastando para os limites da
cidade aqueles moradores que se enquadravam no roteiro de insalubridade
15
vigente.

14
Nogueira Acioly ocupou a presidência da província em 1878, porém esse cargo durou poucos dias.
Em 1889 foi eleito senador do Império, porém não chegou a assumir devido à Proclamação da
Republica e logo aderiu ao novo regime, fundando a União Republicana, que contava com a
participação dos antigos liberais e também de ex-conservadores. No entanto, sua grande ascensão
veio com a ocupação da Presidência do Estado durante 1896-1912, consolidando sua oligarquia. Ver,
por exemplo, PONTE, Sebastião Rogério. Op. cit., nota 10.
15
BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Op. cit., p. 30, nota 13.
22

Os objetivos desse trabalho não estão ligados diretamente às ações


políticas, à modernização e à organização social e estrutural de Fortaleza nesse
período, posto que se pretende analisar centralmente os olhares médicos sobre a
cidade e suas atuações no campo da saúde pública. Desse modo, é imprescindível
entender como os ideais de “progresso” e “civilização”, presentes desde o século
XIX e mais intensamente no início do século XX, tornam-se visíveis nos discursos e
ações dos médicos e profissionais da saúde na capital cearense.
O desejo por uma modernização16 era característica de uma elite, na qual
fazia parte tantos os médicos como os advogados e engenheiros. E suas intenções
estavam presentes nos discursos e nas tentativas de reformas urbanas realizadas
na Fortaleza do final do século XIX e início do XX, uma vez que um dos objetivos
dessas estruturações era a adaptação urbana aos modelos e padrões civilizatórios
que vinham ocorrendo na Europa. Assim, como exemplo destaca-se a atuação do
Intendente Guilherme Rocha, responsável pelas transformações urbanas no
Governo Accioly, que promoveu várias obras de reforma urbana e embelezamento
na cidade. E todas as medidas estavam associadas às questões higiênicas.
Dentre seus empreendimentos para a remodelação e ajustamento de
Fortaleza aos padrões de modernização destaca-se o Mercado de Ferro e as
principais praças daquele período: Ferreira, Marquês do Herval (atual José de
Alencar) e da Sé. É importante destacar que todas essas mudanças tinham como
base as recomendações médicas e dos higienistas, posto que esses lugares
deveriam ser salutares e proporcionar aos citadinos um ambiente mais arejado e
ventilado, permitindo o desenvolvimento de algumas atividades físicas e de uma
moral mais equilibrada e controlada.
Os jornais na época acompanhavam e publicavam essas realizações
urbanísticas. Dessa fonte conseguiu-se perceber os interesses predominantes em
tais empreendimentos.

Os grandes monumentos de um povo são escolas de virtude cívica e têm


missão civilizadora. Neles se aprende a amar o progresso que se afirma

16
Dentro das análises feitas nessa tese usou-se o termo modernização para caracterizar as atuações
médicas e governamentais realizadas na cidade e que estavam relacionadas ao melhoramento da
saúde pública. Desse modo, modernizar significa equipar a cidade com instrumentos de salubridade e
também a substituição das práticas de cura tradicionais pelas ações médicas.
23

pela solidariedade social e pela pacificação dos espíritos e dos corações...


17
Prova documental de quanto merece o conceito universal de progresso.

Nota-se nesse trecho, que fez parte do discurso do intendente Guilherme


Rocha no dia da inauguração do Mercado de Ferro, que suas intenções eram
ampliar cada vez mais essas obras, já que ele acreditava que a modernização e o
progresso eram conquistados através da construção de grandes obras e que tudo
seria alcançado a partir dessas reformas urbanas.
O Mercado de Ferro (Figura 1) foi concluído no ano de 1897, durante o
Governo Acioly, e foi um dos primeiros grandes empreendimentos do Intendente
Guilherme Rocha nas primeiras reformas urbanas do início do século XX. O
historiador Ponte afirma que essa obra reunia vários signos alinhados com as idéias
de progresso, salubridade e beleza...18 É importante destacar que o material de sua
estrutura foi produzido na França, e essa construção teve como objetivo organizar
melhor a venda de carnes, peixes e outros gêneros alimentícios de acordo com
padrões de salubridade e higiene que já vinham sendo recomendados pelos
médicos e higienistas.
Outras significativas reformas realizadas durante o Governo Acioly com a
finalidade de modernizar a cidade foram as das construções e melhorias realizadas
na Praça do Ferreira (Figura 2). O historiador Girão, diante dessas transformações,
chega à conclusão de que ―A frescura e a beleza ornamental do jardim, aliando-se à
alacridade dos Cafés e, agora, às sinfonias das retretas noturnas, espiritualizando
mais e mais o ambiente, concorreram para transformar a Praça no mais pulsátil
19
coração urbano‖ . Resumindo um pouco de sua visão sobre a Praça do Ferreira,
em 1902, percebe-se que esse local tornou-se uma área fundamental para a vida da
cidade, uma vez que essa estrutura resplandece intuitos e projetos de progresso
alimentados pelo Intendente Guilherme Rocha.

17
Jornal A República de 19.04.1897 transcrito por CASTRO, José Liberal em ―Arquitetura Eclética no
Ceará‖ In: Fabris, Annateresa (Org.) Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo-SP; Nobel/Edusp,
1987, p. 218.
18
PONTE, Sebastião Rogério. Op.cit., p. 1, nota 10.
19
GIRÃO, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza-CE; Casa de José de Alencar, 1997,
p.130.
24

FIGURA 1- MERCADO DE FERRO (1897)

(Foto retirada do índice analítico e iconográfico da cronologia ilustrada de Fortaleza)

FIGURA 2- PRAÇA DO FERREIRA (1902)

Avenida 7 de setembro construída e inaugurada pelo intendente Guilherme Rocha e, que atualmente
é chamada de Praça do Ferreira. (Foto retirada do índice analítico e iconográfico da cronologia
ilustrada de Fortaleza)
25

No entanto, é necessário perceber que muitas dessas tentativas de reformas


urbanas tão almejadas pelos representantes do governo estadual e do município
não saíram do papel e os planos, envoltos em ideais modernizadores, poucos
efeitos causaram à cidade. Basta observar as ações no campo da saúde pública,
que tiveram mais participação e atuação dos médicos do que governamental. Como
exemplo, pode-se observar as realizações de alguns médicos ao fundarem
instituições destinadas à organização da saúde pública de Fortaleza no início do
século XX, e que apesar de contarem com apoio Estadual e Federal partiam de
ideais e ações individuais de alguns médicos.20 Deve-se destacar que a ideia sobre
saúde passava por transformações em Fortaleza, nesse período, já que as práticas
médicas advindas com a medicina acadêmica21 estavam predominando e
acentuando mais ainda a distância e a rejeição às práticas populares de cura.
No final do século XIX e começo do XX os métodos de prevenção eram
ainda poucos conhecidos e utilizados e talvez os fatores estejam todos centrados na
forma com que a doença e a cura eram vistas e tratadas, pois enquanto o governo,
possivelmente, via a doença como ameaça ao progresso da cidade, os médicos
tentavam deter sua proliferação a partir do conhecimento científico. Já a população
acabava, muitas vezes, atribuindo as doenças ao castigo divino e a única saída era
a resignação ou a cura através da medicina popular.22
Em seus estudos sobre os projetos e metamorfoses, o antropólogo Gilberto
Velho afirmou que o projeto:

20
Quando se afirmou que em sua maioria as ações realizadas, sobretudo, no campo da saúde foram
de cunho individualista é para demonstrar que a participação do governo na área da saúde pública
em vários momentos foi secundária e que as atuações de particulares predominaram na construção
dessa organização da saúde pública em Fortaleza.
21
É importante diferenciar história da saúde e história da medicina acadêmica, pois uma não
representa a outra e atuam em campos diferenciados, apesar de terem objetivos próximos. A história
da saúde abrange as diversas práticas de curas tanto ligadas à atuação dos médicos como as
utilizadas pela população a partir de suas crenças e estava voltada ao doente e já a história da
medicina acadêmica limita-se ao âmbito das pesquisas, construção de teoria e práticas médicas
voltadas para o melhoramento da saúde da cidade.
22
Não tive como aprofundar essas questões, mas acredito que esse assunto é bastante importante
para entender como os fatores políticos, religiosos e científicos atuaram nas questões da saúde em
Fortaleza. Para estudar e pesquisar essas questões ver, por exemplo, CHALHOUB, Sidney (Org.).
Artes e ofícios de curar no Brasil. Campinas-SP; Unicamp, 2003; COSTA, Nilson do Rosário. Lutas
sanitárias e controle urbano. Rio de Janeiro-RJ; Vozes, 1985; PIMENTA, Tânia Salgado.
Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade dos
Oitocentos. Rio de Janeiro-RJ; In: História, Ciência, Sáude – Manguinhos, vol. 11, 2004.
26

...é instrumento básico de negociação da realidade como outros atores,


indivíduos, ou coletivos. Assim ele existe, fundamentalmente, como meio de
comunicação, como maneira de expressar, articular interesses, objetivos,
23
sentimentos, aspirações para o mundo.

Observa-se que entre os pontos abordados pelo autor para a efetivação de


projetos estão os interesses e desejos individuais e coletivos. E pensando Fortaleza
nesse contexto e também na área da saúde pública, compreende-se que nesse
processo essas aspirações foram mais individuais do que coletivas. Desse modo,
entende-se que as tentativas de reformas modernizadoras estiveram mais presentes
nos discursos e planejamentos do que nas ações.
É interessante observar que os projetos urbanísticos aplicados, através de
deliberações do Governo Provincial do Ceará, a partir de meados do século XIX,
apresentados através das plantas urbanas do engenheiro Adolfo Herbster em 1875
e 188824, e, também nos códigos de posturas a partir de 1870, estiveram
efetivamente mais presentes do que no início do século XX. Apesar das poucas
mudanças e realizações do poder público nas reformas urbanas.
Provavelmente esse fato explique a falta de alguns mapas e outras
documentações sobre a cidade de Fortaleza nas primeiras décadas do século XX. É
importante ressaltar que o trabalho com mapas possibilita a ampliação das questões
estudadas no campo da História.

...quase nada foi realizado em Fortaleza que favorecesse de uma moderna


estrutura urbana, apesar do crescimento do seu espaço, que se deu muito
mais à iniciativa privada do que à concretização de um plano orientador, a
25
cargo do poder municipal.

Através das colocações do historiador Jucá, notou-se que o crescimento e a


organização da cidade não seguiram em sua história a prática e os parâmetros
determinados como modernizadores, o que faz pensar que em geral faziam parte
dos discursos de ideais e não algo concreto. A remodelação de praças, com a
criação de novos jardins, a edificação e reformas nos prédios públicos, a ampliação

23
VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro-
RJ; Editora Zahar, 2003, p.163.
24
A esse respeito ver: CASTRO, José Liberal de. Contribuições de Adolfo Herbster à forma urbana
da cidade de Fortaleza. Fortaleza-CE; Separata da Revista do Instituto do Ceará, 1994.
25
JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza. São Paulo-SP;
Editora Annablume, 2003, p.39.
27

das áreas de lazer como o Passeio Público26 e a construção do Teatro José de


Alencar27 não serviram apenas para embelezar, mas também para facilitar a
circulação e a possível “cura” da cidade. E as tentativas de reestruturação e reforma
das habitações de palha, da população mais pobre, o abastecimento de água, a
construção de esgotos, a educação básica e superior, e, sobretudo a organização da
saúde pública. Seriam esses possíveis meios de obter uma cidade civilizada?

...Mas já se habituara a essa aquarela macilenta a cidade distinta como um


governo imposto pelo destino a sua pobreza, à sua simplicidade provinciana
de praças ainda sem jardins, antes monótonos quadros de pastagem do
gado à solta de rua pavimentadas de capim-de-burro, quase bocejando
numa inexistência morna, meio sonolenta, acomodados os governantes as
bonanças de uma oligarquia que, por sinal, era apenas o retrato, a
expressão de um regime político de trancado afilhadissimo a estagnar, em
todo o norte do País, as administrações e a sufocar ânsias e os impulsos de
28
um progresso mais rápido...

Diferentemente da visão de alguns memorialistas e cronistas que enxergam


a cidade como um desabrochar da modernidade, o historiador Raimundo Girão
olhava para a Fortaleza do início do século XX de uma forma crítica e de certa forma
desiludida. Suas questões apontavam determinadas barreiras que acreditava serem
as causas do entrave do progresso para o alcance da cidade “sonhada”.
Primeiramente, Girão afirmou que a cidade criou hábitos que a impediam de
mudar e desse modo continuava presa ao provincianismo, no qual o meio urbano e
rural coexistem em um espaço comum e que sob os olhares do moderno é algo
impróprio e determina atraso. De certa forma, através de sua censura, percebem-se
os ideais de uma cidade civilizada, posto que as praças com jardins e sem a
presença de animais soltos indicavam a vivência desse progresso.

26
O Passeio Público passou a funcionar em novembro de 1879, segundo o cronista João Nogueira.
No entanto pode-se observar pelas bibliografias sobre esse espaço que seu auge foi no início do
século XX, quando esse local era usado mais frequentemente pelos fortalezenses como um local de
lazer e diversão. Ver, por exemplo, NOGUEIRA, João. Fortaleza Velha: crônicas. Fortaleza-CE;
Edições UFC/PMF, pp15-26 e NOGUEIRA, Carlos Eduardo Vasconcelos. Tempo, Progresso,
Memória. Fortaleza-CE; Dissertação de Mestrado em História Social pela UFC, 2006.
27
Em 1904 é que foi oficialmente autorizada a construção do Theatro José de Alencar, através da lei
768, de 20 de agosto. Em 6 de junho de 1908 as obras oficialmente tiveram início, e as peças de ferro
fundido que compõem a estrutura do teatro foram importadas de Glasgow, na Escócia. Foi
inaugurado em 17 de junho de 1910. De acordo com Ponte ―a contrução do Teatro José de Alencar
significou importante triunfo para os adeptos locais da afirmação civilizatória. Ver, por exemplo,
PONTE, Sebastião Rogério. Op.cit., p. 42, nota 10.
28
GIRÃO, Op.cit., p. 225, nota 19.
28

Depois aponta como outro entrave as mudanças do contexto político no qual


se encontrava a cidade. Girão criticava indiretamente a oligarquia de Acioly e
considerava esse governo como acomodado e vivendo de uma “bonança” que se
travava do desenvolvimento de Fortaleza e que também estava presente em outros
estados da região norte do país.
Mas, as transformações urbanas foram lentas e o que se percebe com os
escritos dos memorialistas e historiadores é que as dificuldades com a organização
e estruturação física eram enormes e as questões como a pobreza, a falta de
abastecimento de água, de sistema de esgoto e as doenças eram vistas como
entraves ao progresso da cidade.
É interessante perceber que nos primeiros anos do século XX a atenção
para a saúde em Fortaleza foi preocupação dos médicos e governantes, uma vez
que se tinha entre os interesses desses grupos o desejo de evitar a eclosão das
epidemias. Já a população, sobretudo os mais pobres, lidavam com essa situação
somente durante os momentos das doenças e utilizavam-se dos conhecimentos da
medicina popular para aliviar os efeitos das enfermidades e evitar a morte.
As questões ligadas ao abastecimento de água em Fortaleza foram um
problema recorrente e estiveram presentes nas discussões políticas e
organizacionais urbanas anteriores ao século XX. “...continuava a cidade a suprir-se
do precioso líquido retirando-o de cacimbas escavadas nos quintaes das casas e
elevada por moinhos de vento a rodarem desesperadamente dia e noite...‖29. O
serviço estruturado de abastecimento de água e esgoto somente foi efetivado no
ano de 1926, no governo do Des. José Moreira da Rocha. No entanto, é importante
destacar que alguns projetos foram iniciados anteriormente, como o projeto
realizado pelo engenheiro João Felipe Pereira, mas não foram efetivados e nem
tiveram continuidade.

...Quanto ao serviço de esgoto, o processo era por demais grosseiro e


inconveniente. A maioria das casas mantinham, no quintal, cloacas fixas, às
vezes simples buracos aberto no chão, outras um barril ou um caixão
30
enterrado, servindo de depósito às dejeções domésticas.

O sistema de esgoto foi tão precário quanto o abastecimento de água e


também começou a ser organizado em 1926. Anteriormente, não se dava
29
GIRÃO, Op.cit., p. 227, nota 19.
30
Idem.
29

prosseguimento às obras, que ficaram apenas nos projetos. Através do texto do


historiador Girão, pode-se observar as dificuldades que a cidade enfrentava nesse
período com relação a não continuidade de obras consideradas como fundamentais
para uma cidade civilizada.
É relevante notar como essa estrutura de abastecimento e esgoto, ainda em
processo de construção, mas vista como necessária pelos médicos e higienistas
brasileiros para evitar as doenças, teve dificuldades de ser organizada e concluída
pela administração de Fortaleza. Possivelmente, pela falta de recursos financeiros
para tais empreendimentos e também porque os médicos, representantes da
medicina acadêmica, não tinham naquele momento tanta visibilidade e
representatividade política para fazer com que suas teorias fossem aceitas e
aplicadas na cidade.
Mas, além das dificuldades com o sistema de esgoto e água, a cidade
enfrentava o problema do transporte desse material para fora das casas e, por
conseguinte, para fora da área urbana de Fortaleza. Nas descrições de Girão pode-
se ter uma noção de como funcionava o cotidiano e também o tipo de trabalhadores
selecionados para esse serviço.

...os condutores dos barris, recrutados na escória da ínfima classe dos


jornaleiros, pela natureza repugnante do serviço são outros tantos agentes
de infecção da cidade. Imundos, asquerosos, mostram nas suas vestes os
traços do oficio. Não raro, por embriaguez ou pelo mau estado dos vasos
despejam os excrementos nas ruas, nas quais permanecem dias e dias,
apenas cobertos por tênue camada de areia sem que a autoridade sanitária
31
mande proceder à desinfecção delas.

Deve-se ressaltar que os problemas enfrentados na cidade por esse tipo de


serviço não eram inéditos, mas já estavam presentes desde o século XIX. O
diferencial estava nos condutores, pois anteriormente essa mão de obra era de
escravos. No entanto, pelas descrições observa-se que esse tipo de serviço era
reprovado, os trabalhadores eram vistos de uma forma repugnante e traziam perigo
à cidade, uma vez que foram considerados, através de um discurso autoritário, como
―agentes de infecção‖. Esse tipo de serviço demonstra o quanto na prática Fortaleza,
no começo do século XX, ainda enfrentava problemas em sua estrutura e o quanto
isso ia de encontro aos ideais de progresso daquele momento.

31
GIRÃO, Op.cit., p. 229, nota 19.
30

A iluminação pública em Fortaleza também esteve entre as questões


centrais dos discursos e ideais de estruturamento e melhoramentos urbanos,
durante o século XIX e início do XX, no entanto, também enfrentou dificuldades no
seu funcionamento. De acordo com o memorialista e escritor João Nogueira, a
cidade passou por três fases de iluminação. A primeira foi a era do azeite (1848-
1866), a segunda foi a do gás carbônico (1866-1933) e por fim a era da eletricidade,
que só passou a vigorar em 1934 de uma forma mais ampla.32
A iluminação pública restringiu-se às áreas mais centrais, uma vez que a
cidade nesse período ainda não era tão extensa. E desse modo, é importante notar
que nem mesmo nos lugares centrais essa iluminação era abrangente e limitava-se
a algumas ruas e praças.

Brevemente pelo contrato celebrado pela Câmara Municipal em 5 de


novembro 1893 com Pamplona, Irmão e Cia em virtude da lei nº 72 de 16 de
agosto do mesmo ano, começará a iluminação à luz elétrica nos
33
estabelecimentos e aposentos particulares.

Os anseios por uma energia elétrica estavam entre os interesses das


cidades brasileiras que almejavam uma modernização, inclusive de Fortaleza. No
entanto, o contrato descrito pelo memorialista Bezerra de Menezes não se realizou,
pois essa iluminação elétrica somente passou a vigorar, de forma restrita, em
algumas propriedades particulares a partir de 1913. E as praças e ruas continuaram
sendo responsabilidade da Ceará Gás Co. Ltda34.

Aos 10 de outubro de 1933 foram instaladas, a título de experiência, quatro


lâmpadas de cem velas na Rua Formosa, entre a Municipal e a das Hortas;
e por fim, aos 8 de dezembro de 1934, inaugurou-se a iluminação geral,
começando-se pela colocação de algumas lâmpadas na Praça do
35
Ferreira.

Observando esse trecho, percebe-se quanto tardio foi esse processo da


iluminação elétrica e, diante disso, é interessante pensar como uma cidade que
32
NOGUEIRA, João. Op. cit., pp 27-31, nota 26.
33
BEZERRA DE MENEZES, Antônio. Descrição da cidade de Fortaleza. Fortaleza-CE; Edições UFC,
1992, p. 38.
34
É interessante abordar que a Ceará Gás já vinha sendo responsável pela Iluminação Pública desde
1866 e somente em 1934 com um novo contrato a energia elétrica passa a vigorar nas ruas e praças
e fica sob a responsabilidade da Ceará Tramway Light and Power Co. Ltd.
35
NOGUEIRA, João. Op.cit., p. 32, nota 26.
31

ansiava por um modo de vida de qualidade e civilizado vai estar distante desses
ideais em seu cotidiano. Assim, analisar a saúde pública de Fortaleza, nesse
momento, é tentar entender as condições estruturais urbanas existentes e como os
profissionais da saúde agiram para tentar organizar a saúde e a higiene da cidade.
As ações governamentais, nos primeiros anos do XX, com relação à saúde
pública em Fortaleza, foram processuais. Possivelmente, a falta de experiência
desses administradores na área da saúde tenha contribuído para essa situação.
Assim, observou-se que os médicos foram os mais assíduos colaboradores na
construção dessa cidade almejada. Os métodos preventivos nesse momento eram
ainda muito precários e a possível falta de materiais e recursos financeiros tenha
limitado as atuações desses dois grupos. No entanto, deve-se observar que
somente nos períodos das epidemias era que ações passavam a ser mais efetivas,
já que a situação se tomava emergencial. Num segundo momento, observou-se que
medidas foram tomadas e se direcionaram as construções de locais próprios para o
tratamento e atendimento aos doentes, como hospitais e casas de saúde, e também
foram realizadas campanhas preventivas das doenças entre citadinos.
Inicialmente as questões ligadas à saúde urbana de Fortaleza estavam
associadas aos períodos epidêmicos e como esses, em geral, apareciam mais
intensamente durante os períodos de seca36, ficavam restritos a tratamentos e a

36
As secas são um tema recorrente nos estudos e pesquisas da historiografia cearense, uma vez que
ao longo da trajetória histórica esteve constantemente presente. Desse modo é necessário para os
estudos e análises sobre a cidade de Fortaleza sempre fazer uma reflexão sobre esses momentos
que influenciaram o cotidiano de seus moradores. No início do século XX o Ceará passou por quatro
períodos centrais de seca -1900, 1915, 1919 e 1932. Estudos mais recentes sobre a questão da
seca; GARCIA, Ana Karine Martins. A sombra da pobreza na cidade do sol: o ordenamento dos
retirantes em Fortaleza na segunda metade XIX. São Paulo-SP; Dissertação de Mestrado em História
Social pela PUC-SP, 2006; NEVES, Frederico de Castro. A Multidão e a História: saques e outras
ações de massas no Ceará. Rio de Janeiro-RJ; Relume Dumará, 2000; RIOS, Kênia Sousa. Campos
de concentração no Ceará: Isolamento e poder na seca de 1932. Fortaleza-CE: Museu do Ceará e
Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, 2001; BEZERRA, José Tanísio Vieira. Quando a ambição
vira projeto: Fortaleza, entre o progresso e o caos. São Paulo-SP; Dissertação de Mestrado em
História Social pela PUC- SP, 2000; MOTA, Felipe Ronner Pinheiro Imalau. Progresso, calamidade e
trabalho: confrontos entre cidade e sertão em fins dos oitocentos. (Fortaleza/1850-1880). Dissertação
de Mestrado em História Social pela PUC-SP 2008; MORAIS, Viviane Lima de. Razões e destinos da
migração: trabalhadores e emigrantes cearenses pelo Brasil no final do século XIX. São Paulo-SP;
Dissertação de Mestrado em História Social pela PUC-SP, 2003; CÂNDIDO, Tyrone Apollo Pontes.
Trem da seca: sertanejos, retirante, operários (1877-1880). Fortaleza-CE; Museu do Ceará e
Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, 2005; CHAVES, Olivenor Sousa. Fortaleza e os retirantes
da seca de 1877-1879: o real de um imaginário dominante. Fortaleza-CE; Editora Demócrito Rocha,
1995; BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Famintos do Ceará: imprensa e fotografia entre o final do
século XIX e o início do século XX. São Paulo-SP; Tese de Doutorado em História Social pela PUC-
SP, 2004; SILVA, Jeovah Lucas da Silva. As bênçãos de Deus: a seca como elemento educador para
o trabalho (1877-1880). Fortaleza-CE; Dissertação de Mestrado em História pela UFC-CE, 2003.
32

soluções momentâneas. No entanto, não se pode pensar que fora dessas crises as
ações médicas estivessem paradas, mas ficavam menos visíveis, posto que os atos
individuais tinham mais destaque, uma vez que as ações caritativas predominavam
e a atuação Governamental em prol da organização e melhoramento da saúde
pública era menos visível.
Percebe-se que os períodos de secas sempre estiveram presentes no
decorrer da história do Ceará, no entanto, no início do século XX, em Fortaleza, os
dirigentes e influentes já se utilizavam mais frequentemente do discurso da tragédia
para justificar os atrasos e problemas estruturais da cidade. Evidentemente que não
se pode negar que nesses períodos tinha-se um agravamento de várias questões
sociais e estruturais, mas apontar isso como o causador de atrasos e barreiras do
crescimento da cidade é equivocado, pois fora desses momentos a cidade
enfrentava os mesmos problemas: as epidemias, a falta de abastecimento de água e
esgoto, as precárias moradias para a população pobre e a iluminação precária.
Desse modo, percebe-se que a seca tornou-se no discurso o problema central para
o impedimento de muitas das realizações no campo da saúde pública em Fortaleza.
A capital cearense contava com 48.369 habitantes37 no ano de 1900 e
observou-se que no decorrer das décadas de 10, 20 e 30 do século XX esse
crescimento apresentou significativas variações. (Tabela 1) Provavelmente, esses
números variavam com os fluxos migratórios que ocorriam tanto nos períodos de
seca, como fora deles e através dos atrativos urbanos proporcionados pelos novos
aparatos tecnológicos, uma vez que morar numa grande cidade significava para
muitos ter uma melhor qualidade de vida.

TABELA 1
HISTÓRICO POPULACIONAL DE FORTALEZA

1900 48.369
1910 65.816
1920 78.500
1930 126.666

(Dados retirados dos históricos do IBGE do Ceará)

37
GIRÃO, Raimundo. Op. cit., p. 225, nota 19.
33

Analisando Fortaleza nas diferentes fases do início do século XX, consegue-


se observar momentos bem distintos e significativas mudanças, sobretudo no campo
político, estrutural e da saúde pública da cidade. Podem-se separar esses períodos
para uma melhor análise em quatro fases: os primeiros anos do século XX, em que
poucas foram as mudanças; a década de 10, que já apresentou transformações
como o aparecimento dos carros, instituições de saúde pública e grande quantidade
de obras com o objetivo de ampliar as áreas de lazer, como a inauguração do Teatro
José de Alencar em 1910; a década de 20, com a presença do Governo Federal nas
campanhas contra a febre amarela, e reestruturação da cidade através da criação
de um sistema de esgoto e abastecimento de água e, por fim, a década de 30, que
passou a vigorar com um maior número de organizações ligadas à saúde, à
ampliação na área da educação e às reformas nacionais realizadas pelo Presidente
Getúlio Vagas, que trouxeram mudanças no campo trabalhista e da saúde pública.
No geral, observou-se que na cidade de Fortaleza foram construídos ideais
que na prática não se efetivaram da maneira planejada, mas que durante os
primeiros anos do século XX ações individuais de alguns médicos contribuíram para
tornar a saúde pública mais visível e relevante. Desse modo, compreender a cidade
sonhada, naquele período, requer antes de tudo um olhar para as práticas médicas,
posto que essa visão possibilitou entender as transformações e influências na saúde
para as tentativas de concretização de uma cidade modernizada.
34

1.2 - NOS CAMINHOS DA SAÚDE PÚBLICA...

Na virada do século o mundo da medicina e da saúde pública


ainda se ajustava as descobertas revolucionárias de Pasteur,
Koch, e outros microbiologistas...
38
George Rosen

Na passagem do século XIX para o XX houve significativas mudanças no


campo da saúde pública. Como apontou Rosen em seus estudos, esse ajuste e
também adaptação aos novos conceitos não se deu de forma brusca e levou um
determinado tempo para que a população e os médicos abandonassem o conceito
dos miasmas e visualizassem as questões das doenças e da organização da saúde
pública através do olhar da microbiologia.
É necessário lembrar que esses momentos de transição no campo da saúde
foram de intensas divergências, uma vez que a medicina acadêmica disputava
espaço com as práticas populares de cura e enfrentava em seu próprio meio uma
disputa entre a teoria dos miasmas e a dos micróbios.
O processo de desenvolvimento da saúde pública no Brasil foi mais lento e
diferenciado do ocorrido na França, Inglaterra, Alemanha e Estado Unidos, uma vez
que o contexto social, político e econômico desses países estavam mais adiantados,
propiciando medidas e reformas mais efetivas na organização da saúde pública.39
Assim, nesse período, falar sobre saúde pública no Brasil estava associado
a implantar ações imediatas para tentar controlar as epidemias e doenças como a
varíola, febre amarela, peste, sífilis, ancislotomose e outras. É interessante
mencionar que a atuação do Governo Federal tornou-se mais presente em alguns
estados brasileiros a partir dos anos de 1910, com a aplicação de algumas
campanhas de prevenção das doenças e de incentivos às reformas sanitárias.
No Ceará, especificamente em Fortaleza, nos primeiros anos do século XX,
a situação da saúde e higiene pública era bastante precária. Pode-se atribuir esse

38
ROSEN, George. George. Op. cit., p. 294, nota 8.
39
Para aprofundar mais sobre essas questões ver, por exemplo, ROSEN, George. Op.cit., nota 8; Ver
PORTER, Roy. Cambridge - História da Medicina. Rio de Janeiro-RJ; Revinter, 2006; FOUCAULT,
Michel. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro-RJ; Forense Universitária, 2006 e VIGARELLO,
George. Histoire des pratiques de santé: Le sain et le malsain depuis le Moyen Âge. Paris-France;
Editions du Seuil, 1999.
35

fator à ausência de um investimento governamental na organização da saúde


pública e ao agravamento das doenças nos períodos de seca40.
De certa forma pode-se ter como ponto de partida para uma preocupação e
estruturação da saúde pública, no âmbito nacional, as medidas tomadas a partir do
decreto Federal de 30/XII/1891, em que foi declarada a seguinte determinação: II —
Passarão para os Estados as despesas com os governadores ou presidentes e
secretários e com o serviço de higiene terrestre nos respectivos territórios.41
O decreto-lei de 1891 tirou das mãos do Governo Federal a
responsabilidade com os serviços de saúde pública de todo o país, seguindo um
modelo administrativo em que a autonomia de alguns setores da União fosse
prioridade. No entanto, essa descentralização apontava alguns problemas como a
falta de recursos estaduais, de medicamentos, de médicos e da fiscalização da
União quanto ao cumprimento dessa lei. O investimento Federal e Estadual na
saúde era mínimo e insuficiente em todo Brasil, com exceção dos Estados do Rio de
Janeiro e São Paulo,42 uma vez que esses locais tinham um adiantado processo
econômico, social e político e também eram estados cujas práticas sanitárias já
vinham sendo desenvolvidas efetivamente desde o final do século XIX.
Diante desse contexto é necessário analisar as dificuldades encontradas a
partir dessa descentralização dos serviços de saúde pública e como o Governo
Estadual pensava e atuava sobre as questões sanitárias em Fortaleza. Traçando um
caminho do desenvolvimento das questões ligadas à saúde pode-se afirmar que no
início do século XX, em Fortaleza, existiram organizações e ações de melhoramento
da saúde pública, uma vez que já se apontava nos relatórios do Governo Estadual

40
Deve-se ressaltar que não se defende a ideia de que a seca era a responsável ou ocasionadora da
pobreza na cidade, mas que essa agravava as precariedades já presentes no espaço urbano,
sobretudo, a proliferação das doenças. Ver; por exemplo, GARCIA, Op.cit., nota 36.
41
MASCARENHAS, Rodolfo dos Santos. História da saúde pública no Estado de São Paulo. São
Paulo-SP; Rev. Saúde Pública, v. 7, n. 4, dez. de 1973, p.435.
42
Para a análise sobre o processo de desenvolvimento da saúde pública no Rio de Janeiro e São
Paulo. Ver, por exemplo, HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. São Paulo-SP; HUCITEC,
1998; SANTOS, Luiz Antonio de Castro. O pensamento sanitarista na Primeira República: Uma
ideologia de construção da nacionalidade. Rio de Janeiro-RJ; Dados. Revista de Ciências Sociais,
v.28, n.2, p.193-210, 1985; TELOROLLI JUNIOR, Rodolpho. Poder e Saúde: as epidemias e a
formação dos serviços de saúde em São Paulo. São Paulo-SP; UNESP, 1996; ALMEIDA, Marta de.
República dos invisíveis: Emilio Ribas, microbiologia e saúde pública em São Paulo (1898- 1917).
Bragança Paulista-SP, EDUSF, 2003; DANTES, Maria Amélia (Org.). Espaços da Ciência no Brasil
(1800-1930). Rio de Janeiro-RJ; FIOCRUZ, 2001.
36

os projetos das reformas urbanísticas? Os médicos tiveram uma atuação mais


efetiva nessa estruturação?
Antes de iniciar as análises sobre a trajetória da saúde pública e a
participação dos médicos é necessário ressaltar que o decreto- lei de 1891 teve uma
grande importância para as mudanças da saúde pública no Brasil, pois instituiu, de
certa forma, um início de preparo para um ordenamento da saúde e higiene pública
brasileira, posto que se observou que nas ações anteriores à República, os serviços
eram realizados mediante as leis provinciais ou nos momentos das grandes
epidemias.43
Contudo, é relevante analisar que essa lei não motivou de imediato uma
organização de uma área específica da saúde pública, já que ela ainda apresentava
variações entre os momentos com e sem epidemias.

Em momentos “normais”, a saúde não se caracterizava por ser uma área


especifica, tanto que os recursos a ela destinados encontram-se
englobados em “Socorros Públicos”, mostrando ainda seu caráter
44
filantrópico e emergencial...

Apesar de seus estudos estarem centrados na cidade de São Paulo,


Massako Lyda apontou duas situações que predominavam antes da lei de 1891 e
que permaneceram até a estruturação de um campo mais efetivo da saúde pública
no Brasil. Observando a construção desse processo em Fortaleza percebeu-se que
de certa forma houve, nos primeiros momentos, um desconhecimento de como lidar
com as questões da saúde, contudo, a experiência e as novas medidas
apresentadas pela medicina acadêmica apresentaram modelos a serem seguidos
pelo médicos em suas atuações na cidade.

Constata-se, portanto, que, mesmo na República, apesar do quadro de


morbidade e de alta mortalidade, as questões de saúde pública eram
tratadas como área não especifica, e seus recursos, destinados à
45
assistência médico-hospitalar ou outras.

43
Deve-se ressaltar que predominava entre o final do século XIX e início do XX os ideais do
liberalismo no país e a administração do governo no Ceará já demonstrava que não tinha interesse
em ações centralizadoras e assistencialista, sobretudo, na área da saúde. E que sua participação era
mais presente para subsidiar instituições particulares. Ver; por exemplo, CARVALHO, José Murilo. A
construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro-RJ; Civilização Brasileira, 2003.
44
LYDA, Massako. Cem anos de Saúde Pública: a cidadania negada. São Paulo-SP; UNESP, 1994,
p.34.
45
Ibid. p. 35, nota 44.
37

Diante desse quadro, pode-se observar que as primeiras medidas tomadas


pelo Governo Federal para a formação de uma área específica da saúde pública
estavam relacionadas à prevenção das doenças. E dentre as soluções mais eficazes
e imediatas tinha destaque a vacinação, já que as questões ligadas à higiene pública
não foram organizadas e planejadas tão rapidamente e somente passaram a vigorar
mais efetivamente na década de 10 do século XX. No entanto, deve-se mencionar
que mesmo existindo uma lei voltada à obrigatoriedade da vacina, não significa dizer
que na prática ela era cumprida e aceita pela população.
A determinação Federal para a obrigatoriedade da vacinação ficou sob a
organização e o encargo de cada estado brasileiro, que recebeu como apoio do
Governo Federal as vacinas a serem aplicadas. Contudo, esse apoio dado era
muitas vezes insuficiente, pois as condições com que eram enviadas essas vacinas
para os estados que a solicitavam eram precárias e o seu transporte era demorado e
o material acabava danificado.
Deve-se abordar que a decretação de vacinação obrigatória somente foi
implantada no Ceará no ano de 1892 e voltou a ser efetivada novamente entre os
anos de 1897 a 1900. Mas, o processo de aceitação dessa vacina sempre foi difícil,
uma vez que a população desconhecia essas técnicas e desconfiava das ações do
governo quanto à aplicação dos mecanismos profiláticos.
A princípio esse serviço era realizado pela Inspetoria de Higiene Pública do
Ceará que recebia o fornecimento da linfa animal46, vinda do Rio de Janeiro, e que
mais adiante passaria a ser fabricado em Fortaleza pela iniciativa do farmacêutico
Rodolfo Teófilo.47

46
A vacinação com a linfa animal teve início com as investigações do médico inglês Edward Jenner
em 1798 e que demonstrou que os trabalhadores que lidavam com as vacas contaminadas pela
varíola, a chamada “cowpox”, desenvolviam-se pústulas semelhantes às dos animais numa condição
benigna e não eram contagiados com a varíola. Assim, a linfa animal passou a ser retirada das vacas
e usada como vacina para prevenir e proteger a população contra a varíola. Ver; CAMPOS, André
Luiz Vieira de. A história e o conhecimento envolvido na produção da vacina antivariólica. Rio de
Janeiro-RJ; História, Ciência e Saúde - Manguinhos, 2000.
47
Filho de pais cearenses, Rodolfo Teófilo (1853-1932), eventualmente nasceu em Salvador, mas
logo em seguida retornou ao Ceará. Somente voltou a sair do Ceará em 1872 quando foi ao Recife
fazer os exames preparatórios para o ingresso no curso de Farmácia da Escola de Medicina da
Bahia. Ele retorna ao Ceará em 1876 e instala uma pequena farmácia em Pacatuba. Foi testemunha
da epidemia de varíola que atingiu o Ceará na seca de 1877 e diante desse quadro fundou um
instituto de vacinação em 1901 e começou a desenvolver ações para vacinar a população e prevenir
novos aparecimentos da doença durante os anos de 1901 a 1904. Deixou inúmeras obras escritas
que relatam momentos significativos do século XIX e XX, considerado por muitos; como um jornalista,
memorialista, cronista, literário que teve participação na segunda fase da Padaria Espiritual
38

Mesmo com as deliberações determinadas pelo Governo Federal, a situação


do Ceará permaneceu inalterada, diferentemente de outros estados, como já foi
abordado. Esse processo de estruturação, em Fortaleza, foi bastante lento e
precário, e observa-se que nesse momento o Governo do Ceará deu continuidade
às Inspetorias de higiene,48 que passaram a ter ações mais efetivas, uma vez que
não atuavam somente durante os períodos de secas e epidemias, mas passaram a
ter uma participação mais frequente, contudo, limitada a ações emergenciais e não
medidas preventivas contra as doenças.
Desse modo, as inspetorias eram responsáveis por realizar relatórios anuais
sobre as doenças vigentes, tomar medidas sanitárias durante as grandes
calamidades, fazer as vigilâncias sanitárias dos portos e aplicar vacinas
antivariólicas. Na prática muitas dessas medidas eram precárias e tinham
determinados efeitos a partir de realizações individuais, como foi o caso do combate
e prevenção da varíola, realizado pelo farmacêutico Rodolfo Teófilo a partir de 1901.

Registro com satisfação e louvor o inestimável serviço prestado pelo


distincto pharmaceutico Rodolfo Marcos Theophilo que, por amor do bem
publico, se prestou a vaccinar gratuitamente a centenares (sic) de pessoas,
49
no periodo agudo de epidemia.

Pode-se dizer que pela primeira vez o Ceará experimentou ações mais
efetivas na área da prevenção de doenças, posto que nos períodos anteriores não
houve resultados tão significativos como os alcançados pela campanha de
vacinação contra a varíola. E nas palavras e elogios do Presidente do Estado, o
médico Pedro Borges, ficou registrado quem foi o responsável por tal feito.
A campanha de vacinação contra a varíola implantada por Teófilo teve seu
diferencial, primeiramente, por ter sido esta vacina fabricada pelo próprio

(agremiação de rapazes e letras, fundado em 30 de maio de 1892, em Fortaleza e que contou com a
participação de escritores como Adolfo Caminha, Antônio Bezerra, Antônio Sales, Juvenal Galeno e
outros). Ver; PONTE, Sebastião Rogério. Op.cit., pp. 107-110, nota 10; TEÓFILO, Rodolfo. Variola e
Vacinação no Ceará. Fortaleza-CE; Ed. fac-sim, Fundação Waldemar Alcântara, 1997 e BARBOSA,
José Policarpo de Araujo. Op. cit., pp. 70-80, nota 1.
48
Deve-se ressaltar que a Inspetoria de higiene teve um funcionamento, dentro das novas medidas
republicanas, entre os anos de 1893 a 1918, contudo, acredita-se que até o Governo Vagas, com as
reformas da saúde, ela esteve ligada à Secretária de Educação do Ceará, apesar de aparecerem
departamentos e instituições anteriores aos anos 30.
49
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado Dr. Pedro
Augusto Borges, 1º de julho de 1901, p.60.
39

farmacêutico, em seu Instituto Vacinogênico em Fortaleza, e não importada do Rio


de Janeiro como era de costume. E segundo, os métodos aplicados por ele para
conseguir a aceitação da população foram diferentes daqueles aplicados pelo
médico Oswaldo Cruz, na capital federal no começo do século XX, e tiveram
resultados mais efetivos e menos violentos.
No início de seus trabalhos de vacinação, Rodolfo Teófilo utilizou-se do
jornal como principal meio de divulgação, contudo, percebeu que somente as
pessoas de classe média e alta o procuravam para ser inoculados, porque
possivelmente o restante da população não tinha acesso aos jornais, uma que vez
que o número de analfabetos era alto entre a classe pobre.
Rodolfo Teófilo observou que a varíola atingia mais facilmente e em maior
quantidade as pessoas menos abastadas, uma vez que elas viviam em condições
precárias e de fácil contaminação da doença. Assim, a partir dessas análises ele
teve a iniciativa de realizar um plano de vacinação doméstica e, desse modo, saiu a
vacinar nos bairros mais pobres de Fortaleza, mesmo sob as críticas e a falta de
apoio do governo estadual.

Logo que entrei no arraial e os habitantes souberam quem eu era e o que


me levava ali, abandonaram os casebres e ganharam o matto. Com que
desprazer via aquela pobre gente aterrada, fugindo de mim de taboleiro a
fóra, levando os filhos, os menores no collo e os mais crescidos
50
acompanhando-a ou vencendo mesmo na carreira em que ia!

Não foi uma tarefa tão simples a vacinação doméstica e Teófilo não achou
uma população tão acessível e consciente da importância de seus métodos, mas
encontrou pessoas que desconheciam, temiam as vacinas, e fugiam das represálias
usadas em alguns momentos pelo governo para a manutenção da ordem e do
controle da cidade. Para obter um resultado favorável o farmacêutico usou de
variadas metodologias para persuadir aquela ―pobre gente‖ a aceitar a vacinação.
Desse modo, adaptou a linguagem científica ao contexto e vivência das pessoas que
se encontravam nas áreas visitadas e para isso usou histórias ligadas às crenças
populares, mostrando que as doenças estavam ligadas à cólera de Deus para com
os homens e que com as preces e outros ritos conseguia-se o Seu perdão e Ele
enviava anjos para apaziguar esse mal.

50
TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit., p.107, nota 47.
40

Contei-lhe a história de Jenner em que este figura de um santo anachoreta


que vivia nas brenhas a fazer penitencias e a obrar milagres. Ja comia o
manná do céo que lhe trazia uma pomba, alva como a neve, e que todas as
tardes descia das alturas á caverna onde morava. Perto havia uma cidade
assolada pela varíola. O povo della, muito devoto viu que se acabava todo
apodrecendo em vida, fez preces e romarias para aplacar aplacava a cólera
51
de Deus...

Ele também usou do dinheiro para convencer e ter a permissão para


aplicação das vacinas. Em seus relatos no livro Variola e Vacinação no Ceará
contou: ―Logo que prometti dar com que comprar a dieta a mulher se humanisou e
entregou-me os filhos. Mil réis bastaram para comprar os escrúpulos todos daquella
consciência. Não cabe a esse trabalho abordar pontos mais profundos sobre a
relação do farmacêutico Rodolfo Teófilo com a população, uma vez que o interesse
são as ações e relações dos médicos em Fortaleza, mas percebe-se em suas
descrições que ele tinha conceitos e expressões ligados ao campo médico e que
Ponte mostrou que essa proximidade entre Teófilo e a medicina existiu “pela leitura
preconceituosa que o olhar cientifico – civilizado faz do universo popular‖ 52.
Deve-se mencionar que Teófilo sofreu críticas e rejeições, principalmente
por ter sido forte opositor da Oligarquia Acioly. Entre suas censuras ao governo, o
farmacêutico, chamava atenção para o descaso e falta de compromisso com a
saúde pública e a prioridade dada pela administração ao embelezamento das ruas e
praças de Fortaleza.53

É com sincero prazer que registro o facto de se achar por completo extincto
no Ceará a varíola, que, por muito tempo grassou entre nós como
verdadeira endemia, fazendo avultado numero de victimas, sobretudo nas
classes menos favorecidas da fortuna. Passe esse resultado, muito têm
concorrido os esforços perseverantes do Governo do Estado,
fellizmente(sic) auxiliado, nessa obra meritoria por aquelles a quem incumbe
54
a defeza da saúde pública.

51
TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit., p.107, nota 47.
52
PONTE, Sebastião Rogério. Op.cit., p. 108, nota 10.
53
Deve-se mencionar que Teófilo também desejava mudanças estruturais na cidade e que suas
críticas eram para as ações de Acioly durante o seu governo. Para os pesquisadores que desejarem
obter mais informação sobre essas desavenças ver, por exemplo, TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit., nota 47
e o Jornal A República, ligado ao Governo Acioly.
54
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado o Dr.
Antonio Pinto Nogueira Acioly, 1º de julho de 1906, pp.10-11.
41

Em seu relatório Acioly evidenciou que foi o responsável pela eliminação da


varíola durante seu governo e, analisando o contexto histórico, percebe-se a sua
rivalidade e discordância em aceitar como legítima a participação de Rodolfo Teófilo,
diferentemente do presidente anterior, o Dr. Pedro Borges, que atestou o sucesso
dessa façanha ao farmacêutico.
Em seu trabalho, Ponte mostrou que Rodolfo Teófilo deu uma significativa
contribuição para a História do Ceará, pois ―tomou uma decisão inédita na história
da medicina: resolveu fabricar, às próprias expensas, a vacina e aplicá-la, sozinho,
na população fortalezense, em domicilio e gratuitamente entre 1900 e 1904‖. 55 É
importante relatar que apesar da precariedade, essa vacina fabricada pelo
farmacêutico também chegou ao interior, já que ele conseguiu o apoio de alguns
profissionais e políticos para a disseminação da prática da vacinação nas cidades
interioranas do Ceará.
As medidas tomadas pelo governo para o melhoramento da saúde pública
em Fortaleza foram vistas, muitas vezes, como insuficientes. Assim, ações como as
tomadas por Rodolfo Teófilo e também por alguns médicos foram mais visíveis e
frequentes do que as realizadas pela administração pública. Contudo, é relevante
abordar que a saúde estava envolta de um complexo campo de atuação, já que
além dessas limitadas ações governamentais tinha-se também a participação de
dois importantes grupos de atuação: os médicos, seguidores das teorias e práticas
da medicina acadêmica e os curandeiros, defensores das tradições e ideias da
medicina popular56. É importante ressaltar que esses dois seguimentos agiam mais
individualmente do que em conjunto e as fontes mostraram que somente houve uma
atuação mais organizada em grupo a partir dos anos 10 do século XX.
Entre as fontes encontradas e que apontam direcionamentos para a
compreensão dessa participação médica em Fortaleza, estão às mensagens dos
presidentes de estado à Assembleia Legislativa do Ceará, já que esses presidentes
tinham que anualmente fazer relatórios gerais sobre as mais diversas questões que
envolviam a organização pública como segurança, saúde, obras públicas e outros.

55
PONTE, Sebastião Rogério. Op.cit., p. 107, nota 10.
56
Sabe-se o quanto os estudos e pesquisas da medicina popular são importantes para a
compreensão de muitas questões que envolveram a história da saúde e da medicina acadêmica. No
entanto, optou-se por observar e analisar a visão dos médicos, representantes da medicina
acadêmica, e suas relações com a cidade de Fortaleza no começo do século XX.
42

Através dessa documentação conseguiu-se entender e até observar quais


foram as principais preocupações da administração pública quanto às problemáticas
da saúde publica e como ela foi planejada e organizada para atender às
necessidades de uma cidade que almejava os ares de civilização e progresso.
Assim, para compreender melhor todo esse processo é necessário analisar
passagens desses relatórios da saúde pública de Fortaleza.

A saúde pública exige na capital medidas de superior alcance, que ainda


não foram adoptados, com relação a um perfeito systema de esgoto e
fornecimento de agua. Deve ser essa uma preocupação constante dos
governos de hoje e amanhã, quando os orçamentos do Estado derem
margem a encarar com animo resoluto esses problemas, cuja solução não
57
pode ser mais adiada indefinidamente.

No texto do Presidente Borges, percebeu-se que uma das centrais


preocupações da época estavam relacionadas diretamente com os melhoramentos
da higiene pública de Fortaleza, como a organização do abastecimento e de água,
que já se abordou nessa tese. Esse debate esteve presente em vários dos discursos
governamentais e também nos discursos médicos ligados à prevenção das doenças
tanto do Brasil como de outros países.
Observando a documentação entre os primeiros anos do século XX, notou-
se que em geral os relatórios apresentados pelos presidentes de Estado do Ceará
ao Governo Federal não foram muito detalhados e que priorizavam relatar as
estatísticas das doenças predominantes, as medidas tomadas para combater as
epidemias vigentes e até mesmo para descrever as boas condições da saúde.

Não podem ser mais lisonjeiras as condições sanitárias do Estado, tanto


n’esta capital como nas localidades do interior. Não tivemos de lutar com
epidemia de natureza alguma, que sobresaltasse o animo da população e
exigisse a acção diligente e activa de nossa modesta repartição de
58
hygiene.

É interessante notar que nesse momento da saúde pública no Ceará atestar


uma excelente qualidade sanitária estava relacionado à ausência de epidemias e
não a uma organização higiênica da cidade, já que a ideia predominante, até as
mudanças realizadas na década de 10 do século XX, foi tentar deter os efeitos e não

57
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado o Dr. Pedro
Augusto Borges, 1º de julho de 1901, p. 60.
58
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado o Dr. Pedro
Augusto Borges, 1º de julho 1902, p.16.
43

prevenir as causas. Este quadro também foi observado em outros estados


brasileiros.
Dentre a documentação analisada encontrou-se também, em um dos
relatórios dos presidentes do Estado do Ceará, a menção de que estavam precários
e ultrapassados alguns dos materiais usados pela Repartição de Higiene Pública
para desinfecção das doenças e o governo apresentou a necessidade das
substituições dos aparelhos para que houvesse um melhoramento das ações dessa
repartição. Contudo, é possível que tais justificativas estivessem relacionadas as
cobranças do Governo Federal quanto ao seu funcionamento.

O material de desenfecção pertencente à mesma repartição, sobre ser


antiquado, acha-se em condições pouco lisongeiras, convindo ser
substituído por apparelhos modernos, cuja perfeição e vantagens tenha a
59
experiência demonstrado.

Os primeiros anos do século XX não tiveram a organização e o apoio


financeiro necessário do governo estadual e federal para que houvesse mudanças
mais significativas no quadro da saúde pública no Ceará e notou-se que as ações
estavam limitadas a evitar a proliferação das doenças, como foi o caso da varíola e
outras doenças menos vigentes como a febre amarela, a tuberculose, o impaludismo
e outras. Assim, deve-se considerar esse período como uma adaptação e
aprendizagem aos novos métodos e ideias sobre saúde como foi o caso da
microbiologia que passou a predominar mais efetivamente nos discursos e ações
médicas em Fortaleza a partir do século XX.
Na década de 10 observaram-se algumas mudanças, sobretudo, nas ações
ligadas à saúde pública e à participação médica, que se tornou mais visível dentro
da cidade. Nesse momento a cidade deparou-se com choques de ideias, pois
apesar da divulgação dos novos conceitos da medicina acadêmica entre os
profissionais da saúde, continuava-se usando medidas de combate às doenças
aplicadas desde o século XIX.
As dificuldades ocasionadas pela ausência de locais de tratamentos das
doenças como hospitais e o número reduzido de profissionais da saúde, neste
período, podem ser apontados como questões que atrapalharam a prática dessas

59
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado o Dr.
Antônio Pinto Nogueira Acioly, 1º de julho de 1909, p. 16.
44

novas técnicas da medicina acadêmica e, como mostrou o relatório do Presidente do


Estado Nogueira Acioly, a saída para deter as doenças continuou sendo os
isolamentos fora da cidade. ―Logo que o facto chegou ao conhecimento da
inspectoria de hygiene, foi estabelecido, fora da área urbana, um isolamento
provisório, onde foram recolhidos os doentes e convenientemente tratados‖.60
Observando e analisando algumas das mensagens, pode-se notar que em
seus relatórios os presidentes de Estado do Ceará justificavam as dificuldades de
cumprir com as determinações pela falta de equipamentos técnicos para o
tratamento das doenças, a ausência de profissionais de saúde e locais de
tratamento, mas principalmente a falta de dinheiro para o investimento na saúde
pública.

A verba que tem sido votada para o serviço a cargo da Inspectoria de


hygiene é mui insufficiente comprehendeis perfeitamente que um dos mais
importantes ramos da administração é justamente aquele que entende com
a saúde publica. E como serem realizados os serviços que o mau estado
hygienico de nossa capital reclama, sem meios sufficientes para isto?
Invoco, pois vossa attenção para o assumpto, contando que habilitareis o
governo a agir na altura das circunstancias, concedendo-lhe no orçamento
os meios sufficientes para organização de um serviço de resultados seguros
61
em beneficio da saúde publica.

De certa forma é importante mencionar que esse discurso, feito pelo


Presidente do Estado do Ceará Carvalho Mota, estava destinado aos membros da
Assembleia Legislativa e tinha de certa forma a pretensão de obter o apoio desses
políticos para dar continuidade aos seus planos e também o discurso mostrou que o
governo tirava sua parcela de responsabilidade pelo não cumprimento de alguns dos
serviços públicos, voltados ao melhoramento da saúde, uma vez que apontava a
falta de recursos como motivo central para as realizações das obras necessárias ao
bom funcionamento sanitário da cidade. Notou-se também que de alguma forma
nesse texto tinha subtendido um pedido de ajuda, principalmente, ao Governo
Federal.
Deve-se destacar que essa problemática despertou o interesse de alguns
médicos para fundar algumas instituições de saúde voltadas ao atendimento da

60
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente de Estado o Dr.
Antonio Pinto Nogueira, 1º de julho de 1910, p.15.
61
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado o Cel.
Antonio Frederico de Carvalho Motta, 1º de julho de 1912, pp.18-19.
45

população de Fortaleza e observou-se a ocorrência de algumas mudanças no


pensar e agir sobre a saúde entre os anos de 1913 a 1935.62
Analisando os relatórios posteriores à década de 10, percebe-se que as
questões da saúde pública em Fortaleza ainda não tinham prioridades, mesmo
ficando evidente nas palavras do Presidente Carvalho Mota a importância e os
cuidados que o Estado tinha a cumprir para obter uma condição sanitária de
qualidade.63 Pela descrição da fonte a Inspetoria de Higiene Pública não recebia
recursos suficientes para desempenhar seu papel e possivelmente não apresentava
uma organização e atuação mais efetiva na cidade.
Observou-se que a cada nova mudança de presidente de estado, algumas
dificuldades na organização e funcionamento da saúde pública permaneceram
inalteradas, possivelmente devido a não priorização e valorização do Estado com
relação a esse campo de trabalho. E as problemáticas das verbas, a falta de
funcionários capacitados e outras questões são fatores apontados como barreiras
para as práticas de melhoramento e organização dos serviços de saúde em
Fortaleza.
Outro fato observado nos relatórios foram as divergências políticas.
Evidentemente, não apareceram de forma explícita, mas encontrava-se nas palavras
de acusações e justificativas usadas pelo Presidente de Estado, o Cel. Franco
Rabelo, para explicar a falta de organização da repartição e dos serviços de saúde
pública do Estado do Ceará.

Encontrei essa repartição com uma verba de 10:298$000 para o pessoal,


composto de um inspector, um ajudante, um secretario e um servente, e
mais 2:400$000 para expediente, material e serviço de vaccinação. É uma
irrisão. É preciso organizar convenientemente o serviço com pessoal apto e
verba sufficiente para atender aos múltiplos encargos. Apezar de
desorganizada a repartição, o Snr. Inspector de Hygiene não se tem
descurado de attender ao que surge de mais urgente, reclamando os seus

62
Dentre essas Instituições destaca-se o Centro Médico Cearense, o Instituto de Proteção e
Assistência a Infância (IPAI), a Maternidade João Moreira, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, o
Instituto Pasteur, o Serviço de Profilaxia Rural, O Leprosário Antônio Diogo e outros. No segundo
capítulo desse trabalho abordaremos mais sobre essas instituições.
63
Deve-se destacar que nesse momento todas as ações relacionadas à saúde estavam mais
centradas em Fortaleza e as demais cidades ficavam limitadas aos poucos recursos recebidos do
Governo do Estado e as medidas de seus administradores. Com a criação em 1919 dos serviços de
saneamento rural, pelo Governo Federal, na intenção dos combates às endemias, essa situação foi
mudando e passam a ser criados postos de saúde no interior. Ver, por exemplo, BARBOSA, José
Policarpo de Araujo. Op.cit., pp.67-68, nota 1.
46

cuidados e providencias. E tenho lhe fornecido os recursos indispensaveis,


64
quando se trata de medidas de salvação pública.

As dificuldades apresentadas nesses relatórios do governo do estado,


relacionadas à organização da saúde durante as décadas de 10, 20 e 30 em
Fortaleza, detiveram-se mais nas questões ligadas às doenças vigentes, às
escassas verbas da repartição, às medidas e reformas ligadas às instituições de
higiene pública e, sobretudo, na análise do governo sobre a saúde pública. E apesar
das questões do funcionamento, da estrutura e ações do governo estadual, quase
não aparecerem relatadas nessa documentação. Encontrou-se em outros relatórios
realizados pelos inspetores de higiene pública um maior detalhamento e também
críticas sobre a organização da saúde na cidade de Fortaleza. Infelizmente,
encontraram-se somente os relatórios dos inspetores a partir dos anos de 1913 e
isso dificultou a ampliação das análises e debates desse capítulo, uma vez que
nesse período de 1900 a 1912 somente se pode contar com os registros do governo
do estado.65 Deve-se mencionar também que além dessa documentação analisou-
se o Regulamento da Diretoria Geral de Higiene de 1919, os relatórios da Diretoria
Geral de Higiene de 1920 a 1924 e os almanaques publicados no Ceará entre os
anos de 1921 e 1934. Esse material trouxe valiosas informações para as
problemáticas desse trabalho.
Não se conseguiu de forma precisa a data em que a repartição da higiene
pública passou para as mãos administrativas da Secretaria dos Negócios do Interior
e da Justiça, no entanto, percebeu-se que esse setor apresentou mais visibilidade e
organização a partir dos anos de 1913, uma vez que as análises dos relatórios
mostraram o processo de mudança e atuação desse setor na cidade.
Observando os escritos desses Inspetores, evidenciaram-se três questões
que são significativas para entender o funcionamento da saúde pública em
Fortaleza. Primeiramente, os inspetores de higiene pública realizavam esses

64
Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do Ceará pelo Presidente do Estado o Tenente
Cel. Marcos Franco Rabelo, 1º de julho de 1913, pp.14-15.
65
Infelizmente não se conseguiu encontrar jornais desse período em Fortaleza para que se pudesse
realizar comparativos e apresentar pontos diferenciados dos apresentados pelo Governo do Estado
do Ceará e dos inspetores responsáveis pela saúde pública. A falta de conservação e senso de
preservação histórica fez chegar a tão infeliz situação. Mas, apesar disso, acredita-se que tal
documentação quando analisada mais amplamente pode trazer pontos de discussão pertinentes para
o entendimento do assunto.
47

balanços, que tinham como objetivo o cumprimento da lei criada em 1892, e que
determinava a prestação de contas e detalhamento de suas ações durante seus
mandatos. Segundo, apresentavam as dificuldades e atuações que a princípio
estavam somente voltadas ao combate das doenças, mas que posteriormente
tinham a prevenção como meta de suas obras. E terceiro, como essa repartição
estava sendo organizada e sua relação com a cidade.
É importante notar que algumas das partes dos relatórios da Inspetoria de
Higiene Pública ao Governo do Estado do Ceará66 continham relatos sobre a
prestação de contas da saúde pública e que analisando a estrutura dessa
documentação encontraram-se pontos que possivelmente indicavam alguma das
ações dos inspetores e a forma como estavam organizando a repartição de higiene,
contudo, percebeu-se que eram informações limitadas, já que a falta de alguns
relatórios, sobretudo aqueles dos primeiros anos do século XX impossibilitou a
realização de alguns comparativos sobre as medidas que eram tomadas no combate
a doenças e como estavam atuando os inspetores da higiene junto à população
local.
Escolheu-se analisar entre os relatos desses inspetores pontos que
possibilitassem observar melhor as questões da estrutura dessa repartição, as
ações de seus funcionários, conflitos, descontentamentos e mudanças efetivadas
durante seus mandatos. Porém, em alguns momentos essa análise foi limitada pelas
fontes, já que a ausência de alguns dados dificultou a análise de assuntos
relevantes para as questões apontadas nessa tese. Observando-se a
documentação, percebeu-se que nos cargos de inspetores encontravam-se
médicos67 que já vinham tendo destaque e participação efetiva em trabalhos no
campo da saúde pública de Fortaleza. Essa documentação permitiu a observação

66
Os relatórios dos Inspetores de higiene pública do Ceará são extremamente significativos para os
pesquisadores que desejam trilhar seus caminhos no campo da história da medicina, da saúde
pública e das doenças, pois trazem descrições e referências das principais moléstias e ações
médicas na área da saúde no Ceará no início do século XX. Atualmente, alguns desses relatórios
podem ser encontrados na Biblioteca Pública Menezes Pimentel, no Arquivo Público do Estado do
Ceará e na Academia Cearense de Medicina.
67
Entre os relatórios analisados dos médicos responsáveis pela saúde pública do Estado do Ceará
nos anos 10, 20 e 30 estão os inspetores: o Dr. Abdenago da Rocha Lima em 1913, o Dr. Aurélio de
Lavor em 1914, o Dr. Carlos da Costa Ribeiro entre 1915 a 1918. Com a criação da Diretoria Geral de
Higiene o Dr. Carlos da Costa Ribeiro de 1919 a 1920, o Dr. Paracampos de 1921 a 1922, o Dr.Clovis
Barbosa de Moura de 1924 a 1925, o Dr. Francisco do Amaral Machado de 1926 a 1927. E com a
criação do Serviço Sanitário do Estado do Ceará o Dr. Samuel Uchôa em 1931, o Dr. Antônio Alfredo
da Justa em 1932 e o Dr. Amilcar Barca Pelon entre os anos de 1933 a 1939.
48

dos profissionais envolvidos e as mudanças ocorridas no quadro da saúde em cada


nova direção da repartição de higiene. Não se pode deixar de mencionar que essas
mudanças também seguiam um contexto nacional, por exemplo, a oficialização da
criação da Diretoria Geral de Higiene em 1919, posto que as fontes já apontavam a
existência dessas mudanças iniciadas em 1916 e também a criação do Ministério da
Educação e Saúde em 1930, que também repercutiu em alterações no campo da
saúde pública do Ceará.
Dentre as ações mais frequentes desses inspetores-médicos na cidade
destaca-se: o apoio e a construção de instituições públicas de saúde, a organização
de alguns dos serviços de higiene como limpeza de ruas, avenidas e lagoas,
fiscalizações domiciliares, controle de mortalidade, fiscalização das licenças de
médicos, farmacêuticos e odontólogos e medidas de prevenção e tratamento das
doenças reinantes.
Nos relatos do Inspetor Abdenago da Rocha Lima percebeu-se algumas
questões, das quais ele discordava, uma vez que criticava a lei que determinava a
prestação de contas anual durante sua administração na saúde pública do Estado
do Ceará.

...a repartição de higiene presa nos estreitos recursos de uma lei velha, e do
outro uma população desacostumada aos hábitos de uma higiene
regulamentar, tudo ignorando, fugindo assim ao cumprimento de suas
determinações, população que timbra em conservar todas as suas praticas
embora condemnaveis, população que resiste tenazmente ao bem que se
68
lhe procure fazer simplesmente por ter formado na ignorancia deste bem.

Nesse trecho o Inspetor Rocha Lima faz referências à falta de priorização de


importantes responsabilidades com relação à situação da saúde, durante o seu
mandato em 1913. E apesar de mencionar as dificuldades financeiras e de criticar a
lei ele não deixou de apontar sua maior dificuldade nessa administração, quando
apontou a ignorância da população como um dos grandes entraves para o
melhoramento da saúde pública e para ele a falta de costume aos hábitos de higiene
ocasionava essa rejeição, que nas palavras do inspetor era um ―bem‖ que a
população fortalezense deixava de receber. No entanto, deve-se levar em conta que
a população, a que o médico se refere, tinha uma opinião de saúde diferentes

68
Relatório da Inspetoria de Higiene do Estado do Ceará, 30 de abril de 1913, pp. 99-100.
49

daquelas apresentadas pela classe médica e não se submeter a essas práticas era
também uma forma de resistência para a manutenção de suas crenças e tradições.
Em sua administração houve diversas ocorrências que demonstraram as
dificuldades em organizar a saúde. Talvez, anteriormente isso era mais intenso, já
que a década de 10 marcava mudanças significativas em várias áreas, inclusive, nas
reformas na saúde pública e na atuação médica. Desse modo, analisar essa
documentação é indispensável para o entendimento de todo esse processo.
Dentre os pontos que preocupava o Dr. Rocha Lima encontrava-se a falta de
hospitais e lugares apropriados ao tratamento das epidemias. Até aquele momento e
nos períodos de crise epidêmica, a cidade somente contava com a Santa Casa de
Misericórdia já que os lazaretos encontravam-se desativados desde 1913. E pela
insuficiência de locais apropriados foram reabertos naquele momento.

Não temos um hospital de isolamento nem um desinfectorio. É de extrema


urgencia que presteis a vossa attenção a assumpto de tanta importancia. É
necessario que reclameis do Congresso Estadual a verba precisa para a
construcção de um isolamento de variolosos. Não será preciso um hospital
modelo, bastará uma simples casa, de archirectura das mais singelas, de
edificação barata, para 20 leitos somente. É quanto basta emquanto o
nosso povo acaba de se convencer de que a vaccina é a única segurança
contra a varíola. A vaccinação domiciliaria tem sido sustentada
constantemente, sobretudo os subúrbios desta capital chegando a 838 o
69
numero de pessoas vaccinadas.

É interessante notar que nas colocações do inspetor, além das


preocupações com a construção de instituições de saúde para o atendimento aos
doentes, também existiu uma efetiva crítica à rejeição da população a vacina. No
entanto, seu relatório mostrou que uma das medidas tomadas pela repartição de
higiene pública foi a continuação da prática da vacinação em domicílio instituída por
Rodolfo Teófilo em 1903, como já abordado nesse capítulo.
Outro ponto mencionado pelo Dr. Rocha Lima foi a dificuldade de implantar
determinadas medidas para o melhoramento higiênico da cidade, já que na parte
correspondente as ações do município não podiam interferir.

A repartição de hygiene não tem ingerencia nenhuma directa no governo


municipal, e este não mantem serviço nenhum organisado em proveito da
saúde publica. Disto resulta um conflicto enorme de queixas e
desattenções, uma troca intermina e improfícua de officios dentro de cujos

69
Relatório da Inspetoria de Higiene do Estado do Ceará, 30 de abril de 1913, p.103.
50

dizeres ficam as exigencias e os compromissos, continuando os erros e os


70
abusos nas mesmas condições.

A partir dessa fonte surgiram diversas proposições sobre a participação mais


ativa do município, sobre a organização dos seus serviços e suas atuações na
cidade. De acordo com as críticas do inspetor de higiene pública do estado, este
departamento encontrava-se desorganizado e esse fato gerou problemas para a
Inspetoria, uma vez que se percebeu pelas descrições do Dr. Rocha Lima que as
cobranças feitas pela população de Fortaleza a respeito dos serviços de saúde
pública acabavam direcionadas para o estado e não para o município.
É relevante abordar que até então nos documentos pesquisados não havia
referências sobre a participação mais direta do Município de Fortaleza nessas
ações, evidentemente, existia o conhecimento de seu funcionamento, já que as leis
instituídas pelo Governo Federal no final do século XIX deliberavam que cada
estado organizasse a saúde pública de suas cidades e isso somente era possível
com a participação do município. Porém, na prática observou-se que a organização
foi lenta e que a princípio a Inspetoria de Higiene Pública estava mais ativa.

Mais do que ninguem que mais soffra e se queixe destes descuidos em


relação ao asseio da cidade sinto eu a dupla influencia do mal e da
responsabilidade que me emprestam. A imprensa leiga desta capital não
comprehendeu ainda como não esteja directa e immediantamente sob a
direcção da repartição que dirijo, tudo que affecta de qualquer maneira a
saúde publica. Um chronista de pouco juízo e menos escrúpulo já chegou a
71
mensurar por não estar pintado de novo um barracão do mercado público.

Além das cobranças da população, observou-se que a repartição de


higiene também sofreu ataques e exigências da imprensa local. Contudo, analisando
as censuras do Inspetor é relevante abordar que naquele período a atuação desse
setor era muito restrito e, como já se apontou, não existiu uma estruturação que
suprisse as ações e o desejo de ter uma qualidade na saúde pública e isso estava
associado às questões da reforma urbana e do tratamento das doenças vigentes.
Assim, para muitos, a Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará tinha como
principal função cuidar da organização e estruturação física da cidade. Desse modo,
para o Dr. Rocha Lima, tais cobranças eram incompreensíveis, já que na sua visão

70
Relatório da Inspetoria de Higiene do Estado do Ceará, 30 de abril de 1913, p.108.
71
Ibid, pp. 108-109.
51

as dificuldades quanto à quantidade de funcionários, às medidas de profiláticas, às


fiscalizações nas moradias e outros fatores eram mais importantes do que tais
exigências.
Através da análise desse relatório também percebeu-se que, entre as ações
do Dr. Rocha Lima, estava o uso constante de uma fiscalização que era realizada
por uma polícia sanitária72. No entanto, em alguns dos trechos dessa fonte notou-se
que nem todos aprovavam uso de tal prática pela repartição de higiene pública.

A outra parte da policia sanitária cuja iniciativa é propriamente desta


Inspetoria, a que se refere aos domicílios, as habitações collectivas, as
construcções etc., tenho esboçado na medida de meus recursos
burocráticos e com as tentativas e complacencias indispensaveis a
inauguração destas práticas em um meio tão conservador como nosso.
Oxalá que eu seja attendido e minhas primeiras palavras deste relatorio
dotando o Governo á hygiene de um regulamento amplo e preciso e nestas
condições terei mais elementos para com o auxilio da bromatologia de um
laboratorio bem munido, manter em a necessaria vigilancia uma activa e
73
severa policia sanitaria.

Em geral observou-se que nesses relatórios os inspetores de higiene


desejavam mostrar a eficiência e a aplicação de seus planos e conceitos para a
organização da saúde pública, e mesmo apresentando dificuldades em sua
execução eles continuavam a apontar saídas e soluções para superar essas
barreiras. Como exemplo, basta notar nas palavras do Dr. Rocha Lima a defesa da
importância da participação da polícia sanitária no Ceará.
É relevante explicar que apesar das riquezas de informações trazidas por
esses relatórios, não se pode trabalhar detalhadamente cada um, já que são amplos
os assuntos tratados nessa documentação. Desse modo, selecionou-se passagens
que se aproximavam mais dos interesses da tese, e que permitiram observar e
comparar os contextos de estruturação da saúde pública em Fortaleza.
Ao analisar essa documentação notou-se pontos de extrema importância
quanto à sua exposição e detalhamento das colocações apresentadas pelos
inspetores de saúde pública. No relatório de 1913 observou-se que as abordagens

72
Deve-se lembrar que o uso de uma polícia sanitária já era prática utilizada desde o século XIX e
outras localidades do Brasil. No Ceará ela esteve mais presente a partir da organização dos serviços
de saúde. Ver: Rosen, George. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da
assistência médica. Rio de Janeiro-RJ; Edições Graal, 1979; PONTE, Sebastião Rogério. Op. cit.,
nota 10.
73
Relatório da Inspetoria de Higiene do Estado do Ceará, 30 de abril de 1913, p.109.
52

eram mais gerais, apesar de apontar questões novas como medidas de prevenção
das doenças vigentes, uma vez que se tinha o costume de esperar o aparecimento
das enfermidades para depois realizar o tratamento. Mas, avaliando os anos
seguintes percebeu-se que os relatórios estavam mais organizados e descreviam
mais especificamente as funções desempenhas pela Inspetoria de Higiene Pública e
suas atuações.74
Devido à imensa quantidade de questões apresentadas pelos relatórios da
saúde pública de Fortaleza entre os anos de 1900 a 1935, decidiu-se centrar as
análises dessa documentação nos anos de 1913, 1919, 1920 e 1934, uma vez que a
partir desses anos ocorreram profundas transformações no campo da saúde. Nos
estudos realizados pelo médico José Policarpo Barbosa sobre história da saúde
pública no Ceará e na documentação apresentada pelos presidentes de Estado do
Ceará, encontrou-se importantes referências que permitiram escolher o
direcionamento desse capítulo.
Entre as questões apresentadas por Barbosa está a criação nacional da
Diretoria Geral de Higiene em 1918, mas que no Ceará vigorou mais efetivamente a
partir dos anos de 1919, junto com o aparecimento da Liga Pró Saneamento Rural,
que também foi criada pelo Governo Federal, e cujo objetivo foi desenvolver um
serviço de assistência ao meio rural, a partir de recursos enviados pela União. No
Ceará, a Liga Pró-Saneamento vai passar a funcionar em 1920 e sua ação a
princípio atingiu as cidades cearenses de Juazeiro do Norte, Sobral e Quixadá.
Para analisar essa reforma na teoria e na prática da saúde pública do Ceará,
e, por conseguinte de Fortaleza, encontrou-se durante as pesquisas o Regulamento
da Diretoria Geral de Higiene que foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1643 no
dia 8 de novembro de 1918. Contudo, é necessário ressaltar que sua publicação foi
feita no ano 1919, mas o processo de mudança já era observado desde 1916.
Um dos pontos que permitiu olhar esse processo foi o aparecimento e o
aumento de funções na Inspetoria de Higiene Pública do Ceará e através do
relatório do Dr. Carlos da Costa Ribeiro notou-se os registros dos seguintes cargos:

74
Observou-se uma padronização em geral nesses relatórios e mesmo não tendo acesso aos anos
de 1916, 1917 e 1918 notou-se que nos anos de 1914 e 1915 tinham o mesmo padrão,
diferentemente dos posteriores a 1918 que vão apresentar mudanças mais efetivas, uma vez que
nesse ano deu-se uma das grandes reformas da saúde pública e no ano de 1919 existiu uma nova
organização da saúde. Nas décadas de 20 e 30 os relatórios vão apresentar outras características,
mas é importante perceber que a cada novo relatório notou-se relevantes processos de mudança no
campo da saúde pública no Ceará.
53

inspetor, secretário, fiscal de higiene, zelador do isolamento de variolosos, vacinador


dos subúrbios, vacinador do interior, serventes e auxiliares cedidos pela Diretoria de
Obras Públicas.75
Através desse regulamento houve uma compreensão sobre a atuação dessa
diretoria e encontrou-se mais detalhadamente informações sobre a sua organização
e funcionamento. Como exemplo das atribuições dos funcionários destaca-se: suas
nomeações e demissões, a fiscalização do exercício da medicina e, principalmente,
a divisão dos serviços desempenhados pelo estado e pelo município, uma vez que
anteriormente não havia uma separação muito evidente de suas funções e isso
ocasionou alguns conflitos, como já mencionado nesse capítulo.
Assim, ficou definido que ―O serviço sanitário do Estado divide-se em geral e
especial, ficando o primeiro a cargo da Diretoria Geral de Hygiene, e o segundo a
76
cargo das autoridades municipaes‖ . E entre as ações que esse departamento
estava responsável estava a questão das condições de construção e condições de
higiene das habitações e prédios da cidade.

Uma vez verificados pela Hygiene as boas condicções de uma casa, o que
ella attestará pelo “habite-se”, essa repartição enviará todos os esforços
possíveis para fazer com que o inquilino repare os damnos causados, a
juízo do inspector sanitário que houver procedido á anterior visita do referido
77
prédio.

A fiscalização da Diretoria Geral de Higiene passou a vigorar não somente


nas questões ligadas diretamente à saúde, como nos atendimentos aos doentes,
mas também na manutenção e construção de obras públicas como prédios,
logradouros públicos, matadouros, já que também nesse momento sobressaíam-se
as ideias das prevenções antes das eclosões das doenças. E os serviços sanitários
do Estado do Ceará, como mencionado, estavam vinculados diretamente à
Secretaria do Estado e dos Negócios do Interior e da Justiça e eram coordenados
pela Diretoria Geral de Higiene e pelo Conselho de Saúde Pública.

75
Fazendo um comparativo com os anos anteriores percebe-se que a partir dos anos de 1916 a
organização e o aumento do número de funções dessa repartição tornam-se mais freqüentes, como
nota-se nos anos de 1916 e posteriormente aos anos de 1918 conforme se analisará nesse capítulo.
Ver: Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1916, p.1.
76
Regulamento da Diretoria Geral de Higiene do Ceará, 08 de novembro de 1918, p.3.
77
Idem.
54

O Conselho de Saúde Pública funcionava quando convocado pelo Secretário


do Interior ou pelo Diretor Geral e desse Conselho faziam parte funcionários da
Diretoria Geral, dois médicos convidados pelo Secretário do Interior, o diretor das
obras públicas, quando houvesse questões de engenharia sanitária, um advogado e
um procurador geral do estado para os casos que necessitassem de demolição de
prédios.

TABELA 2
FUNCIONÁRIOS DA SAÚDE PÚBLICA DE FORTALEZA

FUNCIONÁRIOS NOMEAÇÃO FUNÇÃO CENTRAL


Diretor Geral Presidente do Cumprir com uma boa execução dos
Estado serviços de saúde pública no Estado
e na capital.
Conselho de Saúde Diretor Geral e Decidir as medidas extraordinárias de
pública Secretário do higiene quanto aos casos de multas,
Interior deontologia e engenharia sanitária.

Inspetores de Presidente do Fiscalizar e executar os serviços


Higiene Estado ordenados pelo Diretor Geral.
Secretário da Presidente do Dirigir e fiscalizar todos os trabalhos
Diretoria Geral Estado da secretaria da Diretoria Geral de
Higiene.
Conservador de Secretário do Conservar-se no laboratório durante
Gabinete Interior indicado o expediente e executar os trabalhos
pela Diretoria que são exigidos pelo regulamento
interno do laboratório.
Químico Presidente do Fazer todas as análises químicas que
Estado interessam à saúde pública.
Porteiro Arquivista Secretário do Manter a ordem e o respeito na
Interior indicado portaria e organizar o arquivo
pela Diretoria classificando por ordem cronológica.

Amanuense Secretário do Cumprir todas as ordens de serviço


Datilógrafo Interior indicado da repartição que forem passadas
pela Diretoria pelo secretario.
Oficial Secretário do Colher todos os dados necessários
Demografista Interior indicado para a confecção do boletim
pela Diretoria demográfico sanitário.
55

Delegados Diretor Geral Organizar e fiscalizar as execuções


dos serviços de saúde pública nas
cidades interioranas.
(Dados retirados do Regulamento da Diretoria Geral de Higiene do Ceará, 08 de novembro de 1918)

Desse modo, a partir de 1918 a saúde foi estruturada pelo Estado do Ceará
com os seguintes cargos públicos: Diretor Geral de Higiene, Conselho de Saúde
Pública, Secretário da Diretoria Geral de Higiene, Conservador do Gabinete,
Químico, Inspetores de Higiene e Delegados de Higiene. (Tabela 2)
Essa tabela foi construída a partir de informações apresentadas pelo
Regulamento da Diretoria Geral de Higiene e, evidentemente, não se detalhou
aprofundadamente as funções desempenhadas por esses funcionários, uma vez que
interessava mostrar apenas o processo das transformações e a organização desse
departamento no decorrer das décadas de 10 e 20 do século XX.
Dentre as questões que também se percebeu nessa tabela, foram as
deliberações de cargos e os novos serviços desse setor. As nomeações em sua
maioria foram realizadas pelo presidente do estado, o que mostrou que ele não
deixou de participar diretamente dessa estruturação e obteve controle sobre
medidas tomadas na saúde pública. Observou-se também que houve um aumento e
aparecimento de novos cargos e funções que anteriormente não eram
desempenhadas nos serviços de saúde do Estado do Ceará, demonstrando que
esse setor tornava-se a cada ano mais complexo e que necessitava de mais
funcionários para a sua organização.
É importante mencionar que ao analisar as fontes notou-se que não houve
referências mais específicas sobre as funções desempenhadas por essa repartição
nos anos anteriores a 1913. Isso permitiu pensar que talvez as preocupações e
ações no campo da saúde foram sendo encaminhadas à medida que ocorreram
mudanças locais, nacionais e internacionais quanto às atuações na área da saúde
pública.

Um aspecto peculiar da saúde pública do Ceará, neste período é que as


práticas sanitárias em voga, no sul do país chegavam ao estado por
iniciativas individuais ou da própria comunidade. A participação do governo
78
tem o caráter complementar e secundário...

78
BARBOSA, José Policarpo de Araujo. Op.cit., p.68, nota 1.
56

Nas palavras de Barbosa encontram-se duas questões pertinentes que


ajudaram a entender como foram possíveis tais mudanças na organização da saúde
pública no Ceará. Primeiramente, deve-se observar que no Ceará e, em especial,
Fortaleza, muitos dos planos e ações na área da saúde partiram de iniciativas
individuais de alguns médicos e profissionais da saúde, em geral, o governo
participava como apoiador ou incentivador e às vezes também como opositor, como
se observou no caso das campanhas de vacina do farmacêutico Rodolfo Teófilo em
1903.79 Segundo, é interessante abordar que, naquele período, todos os
profissionais da área da saúde eram formados nos estados do Rio de Janeiro ou
Bahia e tinham também vivências e experiências internacionais. Isso possibilitou que
houvesse sucessivas mudanças na forma de olhar a questão da saúde e que os
modelos e projetos aplicados em outros locais fossem adaptados e trazidos também
para o Ceará.
Entender essa estruturação é algo complexo e não somente pela ausência
de fontes, mas também por ser este um assunto que envolveu várias problemáticas.
Deve-se enfatizar que não se tem a pretensão nesse capítulo de abordar e analisar
o todo de uma forma detalhada, mas, apontar caminhos que mostrem como a saúde
pública passou a ter uma maior visibilidade dentro da cidade e como essas
alterações mexeram e deram novos rumos para uma área que em geral era
lembrada, pelos governantes e moradores, no auge das epidemias.
Na década 20 do século XX, além das estruturações e reformas locais na
saúde pública do Ceará, também ocorreram intensas mudanças nos métodos e leis
de aplicação e participação do Governo Federal dentro dos estados brasileiros,
posto que até então o combate às doenças endêmicas eram somente de
responsabilidade de cada estado. Mas, com o aumento diário dessas endemias e o
possível perigo de proliferação de epidemias por todo o país, sobretudo, aquelas
que apareciam no meio rural, gerou medidas urgentes como o acordo realizado
entre a União e os estados para execução de serviços de profilaxia rural através de
uma Comissão Sanitária Federal e também da participação e apoio da Fundação

79
Deve-se lembrar que essa forma de ação do governo em apoiar indiretamente a construção de
instituições de saúde pública estava relacionada à visão de administração com base nos ideais
liberais. Para os que desejam estudar essa questão se sugere pesquisar as seguintes instituições de
saúde: o Instituto de Proteção a Infância em 1913, a Maternidade João Moreira em 1915, o Instituto
Pasteur em 1918 e o Leprosário Antônio Diogo em 1928.
57

Rockefeller80 em alguns dos serviços de prevenção e combate a doenças como


febre amarela e malária.
É relevante mencionar que a Comissão Sanitária Federal veio ao Ceará a
partir da solicitação do Presidente de Estado o Dr. João Thomé de Sabóia e Silva
em 1919, antes do acordo dos serviços da Liga Pro – Saneamento em 1920. Essa
Comissão sanitária foi chefiada pelo Dr. Ignácio de Oliveira Borges e tinha como
objetivo a realização de ações de combate e profilaxia da febre amarela.
Nesse primeiro contato observou-se pontos conflitantes na relação da
Comissão Sanitária Federal e da Diretoria Geral de Higiene.

Ao meu regresso do Rio estava ainda a repartição a disposição da C.S.F.;


mas apenas alguns funccionarios e parte do material. Havia uma como que
desordem na organisação interna da Directoria de Hygiene, pois que os
funccionarios a serviço da C.S.F. não tinham ponto nem lá nem cá, e
nenhuma noticia tinha a Directoria sobre se trabalhavam na Commissão ou
não; por outro lado na propria séde da Directoria vivia uma multidão de
empregados da C.S.F. que não estavam subordinados a Directoria nem á
sua disciplina, e cujas funcções eram mesmo por nós ignoradas. Serviço
que eu deixara mais ou menos organisado estavam paralysados á falta dos
funccionarios destacados na C.S.F. Enfim, desconheci o meu enorme
trabalho anterior e, acovardado, solicitei verbalmente do Sr. Presidente do
Estado me dispensasse de Director Geral, pois eu mesmo nem podia saber
81
o que me cabia dirigir.

Ao chegar ao Ceará, a Comissão Sanitária Federal foi instalada no mesmo


prédio da Diretoria Geral de Higiene, o que ocasionou problemas na organização da
estrutura desses dois departamentos, como foi mencionado no relatório do diretor de
higiene. O Dr. Carlos Ribeiro, no início, não sentiu esses conflitos, pois logo que a
Comissão chegou a Fortaleza ele partiu para o Rio de Janeiro para participar de um
curso de quatro meses na área de bacteriologia e deixou em seu cargo o inspetor
sanitário Dr. Nelson Catunda. Mas, pela sua descrição ao retornar, ficou evidente o
seu descontentamento ao encontrar a Diretoria Geral de Higiene em completa
desorganização, sobretudo, os seus funcionários, posto que nesse momento a
Comissão não agisse somente no combate à febre amarela, mas participava de
ações de combate a outras doenças como a peste e a varíola. Desse modo, sua
discordância por tal situação o motivou ao pedido de demissão junto ao presidente

80
No 3º capítulo desta tese será analisada a atuação da Fundação Rockefeller no Ceará.
81
Relatório da Diretoria de Higiene do Estado do Ceará, 17 de julho de 1920, p.8.
58

do estado, que o fez voltar atrás quando prometeu ao médico a separação das áreas
de atuação desses dois setores.
Contudo, logo após esse início de conflito a Comissão Sanitária Federal
recebeu ordens da Diretoria Geral de Higiene do Rio de Janeiro para cessar todo e
qualquer serviço que não fosse o de profilaxia da febre amarela. É interessante que
de acordo com os relatórios quase não existiu casos de febre amarela no Ceará e
muitos foram os questionamentos sobre a importância da presença de tal Comissão
para o Ceará.
Com a assinatura do contrato entre o Estado do Ceará e o Governo Federal
para as campanhas e medidas contra as endemias reinantes no meio rural foi
implantado os serviços de saneamento e profilaxia rural em 1920 e o Presidente
Justiniano de Serpa nomeou como encarregado da direção desse setor o Dr. A.
Gavião Gonzaga.

Realizando uma inspecção em nosso território, com o intuito de conhecer,


de visu, as localidades mais visitadas pelas verminoses e pelo Impaludismo,
e que, por este motivo assim como por sua importancia economica,
industrial e agrícola, fôssem as mais indicadas, deliberou o chefe da
commissão precitada escolher para sedes dos postos em que se subdividiu
82
o serviço a seu cargo as cidades de Aquiraz, Redempção, Crato e Sobral.

Nas palavras do diretor de higiene o Dr. José Paracampos observou-se uma


questão de discordância com relação às primeiras medidas tomada pela Comissão
Federal no Ceará, pois na opinião do Dr. Paracampos a escolha de Aquiraz,
Redenção, Crato e Sobral como postos de apoio aos trabalhos da Comissão foi
―precipitada”, uma vez que para ele esta seleção não levou em conta dois critérios:
os locais com um maior número de casos das doenças endêmicas e a importância
―economica, industrial e agrícola‖ dessas cidades para o Ceará.
A princípio as responsabilidades da Comissão Federal estavam centradas
no atendimento as cidades interioranas, uma vez que na capital a Diretoria Geral de
Higiene estava mais presente e ativa. Porém, na documentação analisada apareceu
constantemente a preocupação com a divisão dos espaços e áreas de atuação
desses dois departamentos.

A Hygiene do Estado ficou com a incubemcia da prophylaxia das doenças


transmissiveis, que escapava á competencia da commissão federal, ex-vi do

82
Relatório da Diretoria de Higiene do Estado do Ceará, 30 de abril de 1922, p. 5.
59

contracto feito com o Departamento Nacional de Saúde Pública e com o


serviço de inspecção medico-escolar, de alcance extraordinário para a
83
saúde e regular desenvolvimento da criança.

É importante ressaltar que as ações da Comissão Sanitária Federal em


princípio estavam direcionadas aos serviços de saneamento e profilaxia rural, no
entanto com o aparecimento de algumas doenças como a febre amarela e a peste,
ela passou a ocupar alguns dos papéis que já eram desempenhados pela Diretoria
Geral de Higiene.

Em data de 12 de abril, foi publicado pela imprensa o seguinte aviso- A


Directoria de Hygiene avisa que, para maior efficiência do serviço da
prophylaxia da peste, resolveu que as desinfecções das habitações e o seu
respectivo “habite-se” sejam feitos pela Commissão Sanitaria Federal, a
cuja sede deverão ser encaminhados os pedidos concernentes a este
84
assumpto.

Assim, tanto a Comissão Sanitária Federal quanto a Diretoria de Higiene


Geral passaram novamente a conviver e dividir algumas das atividades e funções
destinadas ao melhoramento da saúde pública em Fortaleza. No começo a
Comissão Federal ficou instalada no prédio da Diretoria Geral de Higiene e depois
foi transferida para um dos compartimentos da Secretaria dos Negócios do Interior e
da Justiça no dia 20 de setembro de1921.
Na documentação analisada observou-se que as divisões das ocupações e
cargos desses dois setores que eram responsáveis pela organização da saúde
pública, não foram vistas como favoráveis pelo Diretor Geral da Higiene em 1923, o
Dr. Clovis Barbosa de Moura.

Os diversos serviços de hygiene, no Estado se acham de tal maneira


divididos, que os benefícios, que actualmente prestam, estão muito aquem
dos que poderiam prestar, si agissem de conjuncto, ficando nitidamente
especificadas as attribuições de cada um. Assim é que a Directoria Geral de
Hygiene Publica, reduzida ao mínimo possível, teve as suas attribuições
divididas. A cargo dos médicos da Prefeitura ficaram as attribuições
contidas na Parte Segunda – Salubridade Publica – do Codigo de Posturas
da Prefeitura Municipal. A inspecção medico-escolar, deligada da Hygiene
do Estado ficou anexada a Repartição de Instrucção Publica. A cargo do
Serviço de Saneamento e Prophylaxia Rural, além das obrigações
especificadas no contracto celebrado com o governo do Estado, ficaram o
<habite-se>, em abril de 1921, a higiene das habitações e quaesquer outras
medidas sanitárias, de accordo com o decreto n.268, de 12 de maio do
mesmo anno e das doenças venereas. Alem disso, temos ainda a

83
Relatório da Diretoria de Higiene do Estado do Ceará, 30 de abril de 1922, pp. 5-6.
84
Ibid, p.8.
60

Commissão Rockfeller, annexa ao Serviço de Prophylaxia e Saneamento


85
Rural, trabalhando na extincção da febre amarella.

Analisando essa fonte percebeu-se pontos significativos, que podem ajudar


ainda mais na compreensão do funcionamento das instituições de saúde pública
nesse período. Primeiramente fica implícito que não havia uma delimitação
específica quanto aos espaços de atuação e às atribuições dessas repartições, o
que possivelmente ocasionou conflitos na convivência entre esses setores e também
certa concorrência. Também não se pode deixar de notar que nesse relatório o
diretor de higiene apontou a Diretoria Geral de Higiene como a mais prejudicada
com essas separações de funções, pois, como ele afirmou, a diretoria foi “reduzida
ao mínimo possível‖ e também ―teve as suas attribuições divididas‖. Possivelmente
esteja nesse ponto a sua discordância a respeito dessas várias divisões dos setores
públicos de saúde.
No entanto, é importante perceber que além das questões conflitantes
observadas a partir da descrição do Dr. Barbosa também se encontrou nessa
documentação outros pontos relevantes para o entendimento da saúde pública: o
aumento de instituições voltadas ao atendimento de doentes como hospitais e
institutos, a participação mais direta do Governo Federal e também a atuação mais
efetiva do governo estadual através da criação de setores destinados às prevenções
de doenças e uma organização da cidade direcionada pelas intervenções médicas.
No decorrer na década de 20, a saúde pública em Fortaleza tornou-se mais
visível para a população e também para o governo, não somente pelo aparecimento
recorrente das doenças, mas também pela participação da União e da Fundação
Rockefeller. No entanto, é importante ressaltar que nesse período a saúde tem uma
nova fase, já que no âmbito nacional e internacional as cidades passavam por
transformações econômicas, políticas, sociais e tecnológicas que exigiam da saúde
pública um novo modelo de funcionamento.
Ao chegar aos anos 30, novas mudanças no quadro da organização da
saúde pública no Ceará foram observados, posto que no contexto nacional o país
passou por transformações políticas que ocasionaram a ruptura com as ideias e
ações descentralizadoras aplicadas, sobretudo, nas administrações da saúde
pública.

85
Relatório da Diretoria de Higiene do Estado do Ceará, 25 de maio de 1924, pp. 9-10.
61

No Ceará observou-se o crescimento no número de profissionais na área da


saúde, possivelmente devido ao funcionamento da faculdade de odontologia e
farmácia e também à ampliação de locais voltados às ações da saúde pública. No
decorrer dessa tese, outros pontos serão abordados com relação à trajetória da
saúde nesse período.
A década de 30 foi marcada pelas ações de centralização do governo de
Getúlio Vargas, e que também tiveram efeitos na saúde pública através da criação
do Ministério da Educação e Saúde. Na política getulista observou-se o cargo dos
interventores dentro de cada estado brasileiro. Eles tinham a função de implantar e
aplicar as políticas federais através dos poderes legislativos, judiciários e executivos,
uma vez que as assembleias estaduais foram dissolvidas. Na área da saúde de
cada estado, algo semelhante ocorreu a partir da criação dos postos de assistentes
técnicos do Governo Federal, que de certa forma agiam como interventores, e
tinham como função atuar no melhoramento da saúde seguindo uma política
centralizadora e normatizadora determinada pelo Departamento Nacional de Saúde
e Assistência Médico-Social.86
É relevante apontar que além dos problemas gerados pela precariedade no
funcionamento dos serviços de saúde pública durante a década de 30, esse
momento também foi marcado por outra seca no Ceará no ano de 1932 e que
também trouxe agravamento para essas questões,87 uma vez que nos momentos de
crise as problemáticas tornavam-se visíveis.
Dentre os fatos que marcaram as mudanças nesse período é importante
citar a revolução de 30, já que ela ocasionou alterações na estrutura administrativa
do Governo do Ceará,88 pois a partir desse fato o Governador Matos Peixoto foi
deposto e em seu lugar assumiu o médico Manoel Fernandes Távora, representante

86
Não faz parte dos objetivos estudar detalhadamente o Governo Vagas, uma vez que interessa a
compreensão das mudanças ocasionadas na área da saúde pública nesse período, mas é oportuno
indicar algumas obras que ajudam nas reflexões acerca desse governo. Ver: FERREIRA, Jorge e
Lucília de Almeida Neves Delgado (Orgs). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da
República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro-RJ; Civilização Brasileira, 2006; GOMES, Ângela de
Castro (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro-RJ, Editora FGV, 2000;
GOMES, Ângela Maria de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro-RJ; Editora FGV, 2005.
87
Não faz parte dos objetivos dessa tese aprofundar-se nas questões ligadas à seca, mas sugere-se
aos interessados que vejam a seguinte bibliografia: RIOS, Kênia Sousa. Op. cit., nota 36.
88
Ver, por exemplo, SOUSA, Simone de (Org.). Uma nova história do Ceará. Fortaleza-CE; Edições
Demócrito Rocha, 2000.
62

das oligarquias que estavam fora do poder. Essa indicação causou conflitos e não
agradou aos tenentes revolucionários que acreditavam que somente um militar
comprometido com os ideais revolucionários poderia realizar as reformas políticas
desejadas por eles. Desse modo, o médico Fernando Távora permaneceu no cargo
durante oito meses e foi substituído pelo capitão Roberto Carneiro de Mendonça.

Dentre os varios serviços do Estado nenhum de certo soffreu tão profunda


influencia da actual administração revolucionaria quanto o attinente aos
negocios da saude publica. O que restava de antigos e defeituosas
organizações que haviam se revesado sem norte e sem bussola, aos
impulsos quotidianos de impressões individualisticas, não satisfazia as
necessidades da protecção collectiva, nem se condicionava a qualquer
criterio tecnico defensavel. A responsabilidade do Estado neste particular,
diluira-se por completo nos accordos mantidos com a União para o Serviço
de Saneamento e Prophylaxia Rural, ao qual cabia de facto, o commando e
89
execução das actividades de hygiene publica.

Nessa fonte observaram-se alguns pontos que permitiram a análise da


situação da saúde pública em Fortaleza durante a década de 30 e, através das
palavras do Interventor Carneiro de Mendonça, notou-se a defesa e a crítica de
questões relacionadas à organização da saúde nos governos anteriores.
Primeiramente, é importante perceber que no relatório do Interventor Mendonça é
relatado que os ―negócios da saude publica‖ sofreram uma forte influência nas ações
do governo revolucionário de 30. Contudo, é interessante pensar que possivelmente
as ações e reformas desse governo alteraram a visão da população no tratar e olhar
a saúde pública. Segundo, no decorrer de suas explicações, Carneiro de Mendonça
fez severas censuras as formas de tratamento aplicadas anteriormente,
principalmente às ações individuais de alguns profissionais da saúde, já que ele
defendia que as atuações deveriam partir do governo, ou seja, de um estado
centralizador. A partir dessas afirmações e acusações de Mendonça, é interessante
refletir que as ações centralizadoras e os novos ideais aplicados pelo Governo
Federal de 1930 favoreceram e influenciaram esse tipo de pensamento e permitiu
que houvesse essas modificações na organização do setor da saúde pública no
Ceará.90

89
Relatório do Interventor do Estado do Ceará Roberto Carneiro de Mendonça, 22 de setembro de
1931 a 5 de setembro de 1934, p.107.
90
Como já abordado no texto, muitas foram às ações individualistas no campo da saúde pública no
Ceará. E evidentemente as causas estavam ligadas à valorização das questões de saúde. Como
exemplo pode-se observar que no início do século XX ainda não havia a prática das prevenções e os
63

Entre as mudanças centrais desse período é importante mencionar a junção


do setor de Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural a Diretoria de Saúde Pública
mediante a aprovação do decreto n.78, de 5 de janeiro de 1931 pelo Interventor
Carneiro de Mendonça. É importante mencionar que essas modificações foram
gradativas e alguns dos cargos e serviços desse departamento foram extintos e
substituídos por outros.
Durante os anos de 1930 e 1935, período que faz parte da análise desta
tese, destaca-se os seguintes fatos que marcaram e influíram para as principais
mudanças da saúde pública em Fortaleza: as reformas implantadas pelo Diretor de
Saúde Pública, o sanitarista Amilcar Barca Pelon, a partir de 1933, a fundação do
Centro de Saúde em Fortaleza no ano de 1933, e o Primeiro Congresso Médico
Cearense em 1935.
Barca Pelon foi nomeado Diretor da Saúde Pública pelo interventor Carneiro
de Mendonça e seu mandato esteve ligado a grandes reformas na saúde pública
tanto de Fortaleza como do Estado do Ceará. De acordo com o médico José
Policarpo Barbosa, a Reforma Pelon ficou marcada por um “sistema de divisão
91
distrital” no qual as cidades e municípios do Ceará foram divididos em distritos
sanitários e que apesar dessa distribuição tiveram uma administração central. Criou
também um sistema de vigilância epidemiológica, um sistema permanente de
vacinação contra varíola, difteria e tifo-difteria e um serviço de inspeção médico-
escolar.

Nada do que é urbano lhe pode ser estranho, sob pena de sua intervenção
se tornar precária ou ineficaz. Todos os componentes urbanos, todos os
seus lugares, objetos e elementos devem estar sob controle e sob seu
92
controle...

tratamentos eram realizados no auge das doenças. Desse modo, é relevante dizer que as instituições
de saúde pública fundadas entre os anos de 1900 a 1930 receberam uma determinada ajuda
financeira e apoio do governo, no entanto suas bases são formadas e administradas por iniciativas
particulares. Para analisar melhor essas questões, é interessante realizar pesquisas das seguintes
instituições: Vacinogênio Rodolfo Teófilo, Instituto de Proteção e Assistência a Infância, Maternidade
João Moreira, o Instituto Pasteur, o Leprosário Antônio Diogo.
91
BARBOSA, José Policarpo de Araujo. Op.cit., p. 111, nota 1.
92
MACHADO, Roberto. Danação da norma: a medicina social e a constituição da psiquiatria no
Brasil. Rio de Janeiro-RJ; Edições Graal, 1978, p. 260.
64

Roberto Machado mostrou em suas análises que a cidade em meados do


século XIX passou por importantes transformações, sobretudo, na forma de pensar e
organizar seus espaços. O controle e o olhar da medicina tornaram-se o grande
direcionador, já que essa intervenção era necessária para a manutenção da ordem.
Apesar dos períodos e contextos estudados pelo autor serem outros, isso não
impediu de observar como essa visão vai estar presente no século XX e também de
entender que o processo enfrentado pela cidade de Fortaleza teve também as ações
e as proposições médicas como direcionadores. Desse modo, ao observar as
medidas tomadas por Pelon, percebe-se que os objetivos de controle, a partir das
práticas médicas, continuaram presentes, uma vez que as teorias da medicina
acadêmica estavam mostrando a necessidade de dividir, esquadrinhar, conhecer e
atuar para obter resultados favoráveis para o controle das doenças.
É interessante ressaltar que esse tipo de organização teve os norte-
americanos como influenciadores, contudo, deve-se mencionar que esse modelo era
europeu. E, como mostrou Barbosa, a criação de postos de higiene, centros de
saúde e outros setores tinham também como objetivo descentralizar a execução dos
serviços de saúde, mas manter centralizada a direção.
Ao analisar algumas fontes, percebeu-se que, além daqueles que apoiaram
essas reformas, existiram os que se colocaram contra. E através de artigos
publicados em um dos jornais da década de 30, conseguiu-se ter outros olhares
sobre a administração e atuação do Diretor de Saúde Barca Pelon.
93
No dia 06 de fevereiro de 1934, o jornal “A Rua‖ publicou um artigo
intitulado ―Higiene de fachada‖, que fez as seguintes considerações:

Toda pessôa no Ceará sabe mais ou menos quanto custa aos cofres
estaduais a encenação faustosa do Departamento de Saúde Pública. Com a
inovação da moderna higiene do Sr. Barca Pelon, o nosso Estado vem
passando por uma serie de reformas estapafurdias e inócuas. Em primeiro
logar tentou o esculapio adventício instalar um Centro de Saude, a exemplo
do que se ensaia ha seis meses mais ou menos no Estado de São Paulo e

93
De acordo com alguma das fontes pesquisadas notou-se que o jornal ―A Rua‖ teve publicação
diária durante os anos de 1933 a 1935. Esse jornal se colocava como independente e matutino e
tinha como diretor Paes de Castro e redator – secretario Gastão Justa. Analisando esse jornal
observou-se que alguns dos artigos não têm a assinatura e outros têm. Isto permite pensar que os
textos não assinados podem ser de autoria do redator – secretário Gastão Justa ou do diretor Paes
de Castro. Não se conseguiu informações mais detalhadas sobre esse jornal, já que também não
foram encontrados todos os seus exemplares durante a pesquisa na Biblioteca Pública do Estado
Menezes Pimentel em Fortaleza.
65

ha já algum tempo no Distrito Federal. A eficiencia de tal Centro entre nós é


94
de todo nula, porquanto a sua ação se limita a uma zona central.

Fica evidente que existiu um processo de rejeição dos métodos de atuação


de Barca Pelon pela imprensa, e notou-se que esse artigo tendencioso e crítico põe
em xeque a credibilidade do diretor da Saúde Pública, já que afirmava através do
texto que suas reformas eram ―estapafurdias‖. É interessante apontar que para dar
confiabilidade a suas críticas o jornal traz dois importantes argumentos: como
pensar o funcionamento em Fortaleza de um centro de saúde eficiente, se nas
capitais como São Paulo e no Distrito Federal, locais em que o desenvolvimento da
saúde pública estava mais avançado, ainda não possuíam tais obras? E como
centralizar e limitar as ações de um local voltado à saúde pública em uma faixa
restrita da cidade? Não há como saber a repercussão de tais acusações, mas é
possível que esses fatos ocasionassem suspeitas sobre os empreendimentos da
Diretoria de Saúde Pública do Ceará.95
Analisando as fontes que se colocavam contrárias à administração de Pelon,
percebeu-se que o jornal “A Rua‖ foi um dos mais presentes. Em outro artigo desse
periódico houve menções mais diretas sobre a forma como estavam administrando o
Centro de Saúde e a precariedade dessa instituição pública.

Com a inovação do Sr Barca Pelon na higiene do Estado, o pobre perdeu


tudo. Começou pelo Leprosario Antonio Diogo, que foi abandonado pela
Diretoria de Higiene. Hoje toda assistencia é feita no Centro de Saúde. Mas,
de que modo? Ate higienicamente. Parece um paradoxo, mas é verdade. O
cidadão é fichado. Muito bem. Pensa o leitor que o doente é tratado
convenientemente, de acordo com a terapêutica moderna? Pois não é.
Vejamos. Cada dia é reservado para uma classe de tratamento ou um sexo.
O paciente, por exemplo, de uma molestia que precisa ser asseiada
diariamente, não recebe no Centro de Saúde um conveniente tratamento,
de vez que só lhe chega, durante a semana, um dia para o respectivo
curativo... É o cumulo! Nunca se viu pratica de enfermagem tão exquisita ou
96
anti cientifica...

Os ataques eram constantes e estavam dirigidos aos métodos e formas


aplicados para o melhoramento da saúde na cidade e que para os redatores desse
periódico eram precários e falíveis. É também relevante mencionar que o jornal ―A

94
Jornal A Rua, ―Higiene de Fachada‖, 06 de fevereiro de 1934, p.3.
95
Deve-se mencionar que o jornal A Rua fez forte oposição à administração de Barca Pelon e por
isso deve-se tomar cuidado ao analisar suas críticas para não usar de juízo de valor.
96
Jornal A Rua, “O tratamento do Centro de Saúde‖, 25 de fevereiro de 1934, p.3.
66

Rua‖, durante suas publicações, dedicou-se a recriminações sobre as deficiências


dos tratamentos e dos serviços públicos de saúde de Fortaleza, porém suas
censuras em geral estavam centradas na administração do Diretor Barca Pelon.
Entre as fontes pesquisadas encontrou-se um jornal intitulado ―Governo
Provisório do Ceará‖.97 A análise desse documento permitiu a observação de alguns
dos decretos aprovados pelo Interventor Carneiro de Mendonça e que contribuíram
efetivamente para as reformas da saúde pública do Estado do Ceará.
Em um dos exemplares analisados desse jornal encontrou-se referências
sobre o Decreto nº 78, de 5 de janeiro de 1931. Esse decreto tem uma significativa
importância para a compreensão do processo da saúde naquele instante, uma vez
que se observou que já havia um planejamento mais detalhado sobre o papel e a
funcionalidade do Centro de Saúde de Fortaleza e, pela descrição do 5º artigo, esse
Centro de Saúde deveria ter uma abrangência maior e não ser somente local
designado ao tratamento das doenças.

Art. 5º. O Centro de Saúde da Capital será o orgão diretor de todos os


serviços de saúde pública inerentes ao municipio de Fortaleza, cabendo aos
encarregados de serviços técnicos a aplicação das medidas regulamentares
que se relacionem com os mesmos, so a imediata fiscalização do chefe do
98
Centro.

Esse empreendimento passou a seguir os objetivos desejados a partir do


ano 1933, com a consolidação do Decreto nº 1.013, já que através das reformas de
Pelon foram centradas as atividades da saúde pública de Fortaleza em um só local.
Além de considerado como o primeiro Centro de Saúde do Ceará, também foi o
primeiro do nordeste e durante sua implantação e funcionamento gerou
repercussões variadas, já que uns aprovavam suas atividades e outros se
colocavam contra o seu funcionamento. De qualquer forma é interessante destacar a
ideia de que o Centro de Saúde não era mais um isolamento, lazareto ou mesmo
hospital em que se aguardava a morte, mas um lugar da saúde, ou seja, onde

97
Sobre o Jornal do Governo Provisório do Ceará encontrou-se apenas dois exemplares do ano de
1933. Sabe-se que é insuficiente para analisar questões como a duração de suas publicações, o
público alvo e os seus objetivos, contudo, permite observar as ações que foram deliberadas pelo
Interventor Carneiro de Mendonça para a saúde pública do Ceará. Esse material foi encontrado no
setor de microfilmagem da Biblioteca Pública do Estado Menezes Pimentel em Fortaleza.
98
Jornal Governo Provisório do Ceará, 09 de maio de 1933.
67

deveriam ser realizados as prevenções e tratamentos das doenças. Assim, o foco


não é mais a doença ou a morte, mas a saúde.99
O Centro de Saúde foi construído no local do antigo prédio da Escola de
Aprendizes Artífices, ao lado da Praça José de Alencar, e também passou a
funcionar como sede da Diretoria de Saúde Pública. Seu edifício ficou dividido entre
as atividades administrativas da Diretoria de Saúde Pública e as alas destinadas ao
funcionamento do Centro de Saúde. (Figura 3)
Na análise do relatório do Interventor Carneiro de Mendonça, observou-se
que ele considerou importante a centralização administrativa da saúde pública
através do Centro de Saúde, já que a experiência desse empreendimento em outras
capitais do país para ele era bem sucedida.

Sendo Fortaleza, cidade de cerca de 120.000 habitantes prestou-se


admiravelmente a este novo systema de divisão districtal de trabalho, já
levado avante com sucesso em outros pontos do paiz, de modo “a
centralizar num mesmo edificio, sob direcção administrativa local, todas as
atividades sanitarias, embora orientadas no ponto de vista technico por
especialistas, reunidos em um núcleo central verdadeiro estado maior de
saúde publica”. Ampliado por mais largos horizontes o primitivo movimento
sentimental de assistencia medicamentosa que imperava nos campos das
antigas organizações de saúde publica, criou-se esta nova expressão
social, a focalizar o conceito positivo da saúde, na relação harmonica e
logica do particular para o geral, do singelo para o complexo, do individuo
100
para a familia e para a sociedade;

Através dessas considerações, percebeu-se que as medidas tomadas pelo


diretor Pelon tinham o apoio do interventor. Entre as ações mais destacadas desse
governo encontrava-se a divisão de áreas de trabalho em distritos sanitários. Na
capital cearense foi fundado o Centro de Saúde, e nas demais cidades foram
construídos postos de saúde que cobriam quatro regiões do Estado do Ceará cujas
sedes eram as cidades de Aracati, Quixadá, Juazeiro do Norte e Sobral. Todos
esses distritos eram subordinados e administrados pela Diretoria de Saúde Pública.

99
Para o médico José Policarpo Barbosa esses outros locais foram precursores do Centro de Saúde
de Fortaleza e que apesar de sua precariedade atuaram significativamente na cidade. Dentre esses
locais destaca-se: o Vacinogênio Rodolfo Teófilo, Inspeção Médico-Escolar, Dispensário Oswaldo
Cruz, Posto de Saúde da Prainha e Dispensário dos Pobres. Ver: BARBOSA, José Policarpo de
Araujo. Op.cit., pp. 112-118, nota 1.
100
Relatório do Interventor do Estado do Ceará Roberto Carneiro de Mendonça, 22 de setembro de
1931 a 05 de setembro de 1934, pp.113-114.
68

FIGURA 3 - CENTRO DE SAÚDE DE FORTALEZA

(Foto retirada do Relatório do Interventor do Estado do Ceará Roberto Carneiro de Mendonça, 22 de


setembro de 1931)

Pela análise de alguns jornais percebeu-se que somente o jornal ―A Rua‖ foi
um dos fortes opositores à administração do Diretor Barca Pelon. Através dos seus
artigos foi possível analisar as ações do governo nesse momento. O uso dos demais
jornais nesse capítulo não foi possível, já que poucos foram os artigos sobre Barca
Pelon e os que se encontrou fazem apenas menções sobre os eventos sociais
presenciados pelo diretor da saúde pública.

Ontem por volta das duas horas da tarde, uma criancinha, filha do Sr.
Francisco de Assis, motorneiro da Light, e de sua esposa d. Maria Alves,
brincava despreocupadamente junto a uma maquina de capim, quando
aconteceu esta lhe pegar e lhe esmagar, incontinente, os dedos de uma
mão. Aflita, sem saber o que fazer, vendo o filhinho esvair-se em sangue,
que jorrava da vasta ferida, d. Maria Alves, que reside no Tauape, valeu-se
do carreteiro de nome Henrique Costa, conhecido da família, que
transportou a criança para a cidade, levando-a ao <Centro de Saúde>, afim
de receber curativos. Em lá chegando teve porem, o pobre homem o
dissabor de sofrer uma formal recusa por parte dos funcionários daquela
repartição, tendo um deles lhe gritado, arrogantemente: - Aqui não se pode
atender. Não tem doutor. Veja o publico aonde chega a caridosa serventia e
101
prestabilidade da repartição que é a obra prima da gestão do Sr. Pelon!

101
Jornal A Rua, ―Flagrantes do Centro de Saúde‖, 15 de outubro de 1933, p.3.
69

Essa fonte traz algo bastante significativo, pois até o ano de 1933 a
referência de saúde era o hospital, contudo, como visto no artigo, o local escolhido
para atender às necessidades de saúde da população era o Centro de Saúde,
mesmo cercado das dificuldades apresentas pelo jornal. E novamente pode-se
também observar nessa circunstância que continuava a existir conflitos na
organização da saúde pública de Fortaleza durante a década de 30, mas que tal
fonte permite pensar sobre as mudanças na forma de ver e buscar a saúde por parte
da população.
O Centro de Saúde foi construído a partir do desejo e ideal de um local
moderno e eficiente para o suprimento das necessidades de atendimento e
tratamento da saúde da população, no entanto, na prática não deixou de apresentar
as dificuldades recorrentes da situação limitada e precária que ainda vivenciava
Fortaleza com relação à organização da saúde pública. No fato relatado no artigo do
jornal “A Rua‖ chama atenção a seguinte passagem: ―Aqui não se pode atender.
Não tem doutor‖. Será que entre as dificuldades observadas naquele período, a
insuficiência de médicos para o atendimento nas repartições públicas de saúde foi
um dos graves problemas daquela época? Afinal havia outros locais de atendimento
público como a Santa Casa de Misericórdia. Ou será que esses profissionais
passaram a deter-se mais ao atendimento privado? De qualquer forma não se pode
afirmar que essa problemática foi consequência das reformas e medidas da Diretoria
de Saúde Pública, mas que já era uma questão presente e ligada ao processo de
desenvolvimento da saúde pública em Fortaleza. Mais adiante, ao tratar da ação dos
médicos, essa análise será retomada.
Não se pretende deter aprofundadamente sobre esse período, uma vez que
o objetivo desse capítulo é analisar a trajetória da saúde pública em Fortaleza
durante o início do século XX. Desse modo, ao pesquisar a documentação do
Governo do Estado do Ceará da década de 30, observou-se que poucas foram as
informações mais específicas sobre a administração de Pelon, e que suas reformas
marcaram sua passagem na Diretoria de Saúde Pública. Mesmo com as críticas
realizadas pelo jornal “A Rua‖ não se pode deixar de apontar como significativas as
transformações no campo da saúde do Ceará, já que ela teve uma maior visibilidade
e presença no cotidiano da população cearense.
70

Por fim, é de grande significado para esse período a realização do primeiro


congresso médico cearense em Fortaleza, no ano de 1935. Esse evento reuniu os
médicos do Ceará e também estendeu convites para participantes do Piauí,
Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. O evento teve uma
grande importância para o processo de desenvolvimento das ações no campo da
saúde, uma vez que deu visibilidade aos trabalhos e pesquisas (Anexo 3) que eram
desempenhados pelos médicos não somente do Ceará, mas de outros estados das
regiões norte e nordeste. O jornal O Povo102 publicou a seguinte matéria:

Cumprindo fielmente todos os itens de seu bem elaborado programa, o 1º


Congresso Medico Cearense abre um longo e alviçareiro parentesis no
pessimismo atávico de nossa gente. Felizmente, temos mais uma bela lição
de energia e de fé para aqueles que não acreditam nas nossas vastas
possibilidades materiais e morais, quando nos lançamos a aventura
temerária das audaciosas realizações. A verdade pura e mediana é que
pouca gente acreditava na vitoria plena e cabal de um certamen cientifico,
fechado aos limites estreitos do nosso Estado, dentro da modesta visão dos
nossos próprios conhecimentos. “Ninguem é profeta em sua terra”. Bem
repete a sabedoria popular. Só por um golpe heroico os médicos cearenses
poderiam demonstrar aos maldizentes, como ora demonstram, que os
santos de casa tambem fazem milagres e milagres quase sempre mais
justos e melhores que dos santos de fora, porque os de casa conhecem
103
bem os devotos.

Através da apresentação feita pelo jornal é interessante perceber que


possivelmente a realização desse congresso104 foi cercada de desconfianças que
apontavam a classe médica cearense como incapaz de tal êxito. Não é difícil pensar
dessa maneira, uma vez que se acreditava que a atuação médica em Fortaleza
estava restrita às práticas de saúde dentro dos consultórios e repartições públicas.
Por isso, para o Centro Médico Cearense105, era de grande importância a efetivação

102
O jornal O Povo foi fundado em 7 de janeiro por Demócrito Rocha e tinha como objetivo “defender
os interesses da sociedade contra as oligarquias dominantes". Demócrito Rocha contou com a ajuda
de seu genro, Paulo Sarasate, que além de participar da construção desse periódico, assumiu o
cargo de redator chefe do jornal.
103
Jornal O Povo, 1º Congresso Médico Cearense, 25 de outubro de 1935, p.1.
104
Outras questões referentes ao primeiro congresso médico no Ceará estarão contidas no segundo
capítulo dessa tese, em que será tratado o tema do Centro Médico Cearense.
105
O Centro Médico Cearense foi uma associação criada a partir da reunião de médicos, odontólogos
e farmacêuticos em 1913 e teve como objetivo inicial a união desses profissionais da saúde no Ceará
para que houvesse uma troca de experiências a partir das pesquisas científicas desenvolvidas e uma
maior participação nas questões ligadas à saúde da cidade. A discussão e o debate sobre o Centro
Médico Cearense estão contidos no segundo capítulo dessa tese, uma vez que entender seu
funcionamento permite compreender as ações desses médicos em Fortaleza no início do século XX.
71

desse congresso no Ceará, já que os médicos desejavam que as pesquisas e os


trabalhos científicos desses profissionais tivessem um reconhecimento nacional e
que a população local tivesse mais confiança em seus trabalhos.
Observou-se que em cada década as questões da saúde pública marcaram
e transformaram o cotidiano da população. A temática da saúde no começo do
século XX passou a vigorar e a estar mais presente nos discursos e nas ações
governamentais e, evidentemente, dentro de um processo gerado principalmente
pelas atuações individuais e coletivas desses médicos, que aliaram as condições da
saúde pública à obtenção do progresso e a modernização de Fortaleza.
72

1.3 – NOS CAMINHOS DOS ESCULÁPIOS...

Fortaleza crescera: os seus confins estenderam-se pelas


areias frouxas dos subúrbios; os meios de locomoção eram,
porém, poucos e difíceis. Para atender á cliente-la,
disseminada em área tão vasta, o médico passou a fazer a
cavalo as suas visitas domiciliares. A primeira despesa de
quem se iniciava na clinica não era, como agora, a montagem
custosa do consultorio, enfeitado de vistosas vitrinas e de
complicados aparelhos elétricos. Era a aquisição de um cavalo
bem ajaezado e luzido.
106
Dr. Pedro Sampaio

O dia parecia tranquilo e calmo em Fortaleza! No centro da cidade as


pessoas já partiam para suas rotinas e caminhavam em várias direções com destino
ao cumprimento de seus deveres. Dentre esses personagens uma figura masculina
tem destaque e parece não chamar tanta atenção dos transeuntes, uma vez que
fazia parte do cotidiano da cidade. De andar apressado e compenetrado, o médico
passava carregando uma pequena maleta contendo provavelmente seus objetos de
trabalho. E dependendo do dia, muitos o viam passar montado em um cavalo.
Talvez essa fosse a rotina de alguns dos médicos de Fortaleza no início do século
XX.
Aproveitando as descrições do médico Pedro Sampaio, observou-se
preciosos exemplos do cotidiano desses médicos, que passavam por momentos de
transição e adaptação, uma vez que os costumes oriundos do século XIX e a nova
convivência e atuação médica na urbe entravam em choque com as teorias e
práticas da medicina acadêmica desenvolvidas no século XX. Entre os pontos de
mudanças notou-se o espaço de atuação desses profissionais, já que em sua
maioria realizavam seus atendimentos em domicílios e poucos eram os que atuavam
em outros locais de trabalho.107 Assim, é interessante refletir que as mudanças
foram processuais e o deslocamento do atendimento aos doentes de suas casas
para locais próprios para tais funções somente foi possível com o aumento do

106
GIRÃO, Raimundo e Antônio Martins Filho (Orgs.). SAMPAIO, Pedro. A medicina no Ceará.
Fortaleza-CE; Editora Fortaleza, 1945, p.471.
107
Em meados do século XIX o psiquiatra francês Jean Martin Charcot promoveu mudanças no
atendimento aos doentes ao promover a ideia de que os pacientes não poderiam ser atendidos em
seus domicílios, mas em clínicas ou hospitais designados para essas funções. Essa ideia foi bastante
divulgada no Brasil e notou-se que no começo do século XX começa aparecer mais locais para
tratamentos das doenças e os atendimentos domiciliares têm uma diminuição.
73

número de médicos e da valorização da importância das ações na área da saúde


pelo governo e pelos habitantes de Fortaleza.
Sob os olhares atentos da população, a medicina acadêmica tomava novos
rumos em Fortaleza no início do século XX. A figura do médico deixava de estar
somente associada aos momentos das doenças e passava a fazer parte nas
decisões e participações em projetos e cargos públicos ligados aos melhoramentos
higiênicos da cidade. Mas, quem eram esses médicos? Quais os seus anseios?
Como era a relação com os outros profissionais da saúde?
Analisando algumas das biografias de médicos contidas na revista Ceará
Médico108, observou-se que em sua maioria aqueles que desejavam ser médicos
saíam de famílias de classe média alta, uma vez que para realizar os estudos
gastavam grande soma de dinheiro. Evidentemente, que não se pode generalizar,
pois houve casos de médicos, farmacêuticos ou odontólogos que não tinham uma
situação financeira que os permitia a realização de suas formações acadêmicas e
muitos tinham que desistir de seus objetivos ou contar com ajuda de amigos e
familiares, como foi o caso do farmacêutico Rodolfo Teófilo e de outros profissionais
da área da saúde.

A profissão que mais apetecia era a de médico. Seu pai e avô o haviam
sido. Esse curso era longo e talvez não pudesse vencê-lo. Assim,
contentou-se com o curso de Farmácia. Mesmo assim, com que meios
sairia para uma terra estranha? Estava pronto para seguir, mas faltava-lhe o
essencial. Cinco anos no comércio não lhe deram para economias; os
ordenados foram péssimo. O pequeno saldo que tinha na casa mal lhe daria
para a passagem até o Recife, onde pretendia fazer os preparatórios.
Estava sem esperança de ir estudar, quando apareceu o seu bom anjo na
109
pessoa de seu grande e devotado amigo Henrique Gonçalves da Justa.

As dificuldades aumentavam também pela questão das distâncias e dos


deslocamentos para a realização desses cursos. No Ceará, a faculdade de medicina
somente foi inaugurada no ano de 1952 e muitos que desejavam essa profissão
buscaram como solução os cursos de medicina das cidades de Salvador, Rio de

108
Essa revista foi organizada pelo Centro Médico Cearense e serviu de órgão de divulgação de suas
ações e pesquisas. Teve duas importantes fases de publicação: 1ª fase (1913 a 1918) e 2ª fase (1928
a 1960) no 2º capítulo essa revista será analisada mais detalhadamente.
109
Trecho tirado do jornal Tribuna dos dias 19, 20 e 23 de julho de 1917 do Rio de Janeiro. O artigo
completo pode ser encontrado no prefácio da obra de TEÓFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Fortaleza-
CE; Edições UFC, 1980, p.8.
74

Janeiro, Minas Gerais, Recife e Porto Alegre.110 A ausência de uma faculdade de


medicina é uma das causas prováveis da existência de poucos médicos, contudo é
possível que a falta de procura da população por seus atendimentos tenha causado
a impressão de existir um número reduzido desses profissionais em Fortaleza nesse
começo do século XX.
A partir de alguns dados obtidos no livro “História da Medicina no Ceará”, do
médico Vinícius Barros Leal, conseguiu-se observar estatisticamente a trajetória de
formação acadêmica desses médicos e, apesar de algumas referências estarem
incompletas, pode-se de uma forma geral analisar pontos importantes, como o
número de médicos cearenses formados entre os anos de 1900 a 1935 e os locais
mais procurados para a realização do curso de medicina. (Tabela 3)
Ao analisar a formação dos médicos cearenses, surgem algumas
problemáticas que possibilitam apontar caminhos para o entendimento das relações
e práticas médicas desempenhadas em Fortaleza naquele período. A partir desses
dados estatísticos é possível pensar uma importante questão: como as teorias que
influenciaram esses profissionais durante sua formação contribuíram para as
transformações nas práticas médicas em Fortaleza?
Os dados estatísticos permitem observar que no ano de 1900 a busca pelo
curso de medicina era pequena e, como mostra a tabela 3, somente um cearense
formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia. Posteriormente a média de
cearenses aumentou, mas ainda não apresentou um crescimento muito acentuado,
uma vez que analisando os intervalos de nove anos entre os anos de 1901 a 1910,
1911 a 1920 e 1921 a 1930 percebeu-se que a média de médicos formados por ano
variava entre 7 e 8 cearenses. Diferentemente dos anos de 1931 a 1937, que já
demonstraram um relevante aumento, pois num período de seis anos a média
passou para 19 médicos formados por ano.

110
Deve-se destacar que as faculdades de medicina das cidades mencionadas foram inauguradas
nos decorrer do século XIX e início do XX. Rio de janeiro e Salvador em 1808, Porto Alegre em 1898,
Minas Gerais em 1911, Recife em 1920. E apesar da ausência de referências que apontassem
médicos cearenses formados em São Paulo deve-se destacar que desde o século XIX as atividades
de ensino médico em SP já vêm ocorrendo e culminam com a inauguração da Faculdade de Medicina
e Cirurgia de São em 1912. Ver, por exemplo, MARINHO, Maria Gabriela S.M da Cunha. Op.cit., nota
11.
75

TABELA 3
LOCAIS DE FORMAÇÃO E O NÚMERO DE MÉDICOS CEARENSES FORMADOS
ENTRE OS ANOS DE 1900 A 1937.

LOCAIS DE FORMAÇÃO E TOTAL DE MÉDICOS FORMADOS


Nº DE MÉDICOS NO ANO
1900
Bahia – 1 1 médico formado

1901 a 1910
Rio de Janeiro – 46
Bahia – 17 63 médicos formados

1911 a 1920
Rio de Janeiro – 45
Bahia – 25 71 médicos formados
Minas Gerais – 1
1921 a 1930
Rio de Janeiro – 37
Bahia – 34 72 médicos formados
Rio Grande do Sul – 1
1931 a 1937
Rio de Janeiro – 49
Bahia – 55 118 médicos formados
Minas Gerais – 1
Pernambuco – 11
Sem identificação – 2
(Dados retirados do Livro “A História da Medicina no Ceará‖ de Vinicius Barros Leal, pp.192-209)

Outro ponto relevante que é demonstrado é a variação do número de


médicos cearenses que são formados em outros estados brasileiros. Percebeu-se
que em sua maioria os estudantes buscavam os cursos oferecidos pelas faculdades
de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, contudo com o processual aparecimento
de outras faculdades no início do século XX esses dados sofreram uma pequena
variação, mas que não foi tão significativa, e como apontou Barros Leal, as duas
mais antigas faculdades de medicina continuavam sendo as mais procuradas do
país.
Ao analisar as referências numéricas, considerou-se dois pontos relevantes:
primeiramente que de uma forma geral, no decorrer dos anos de 1900 a 1935,
houve entre os cearenses um aumento de profissionais que se formaram em
medicina, mas isso não representou na prática o crescimento no número de médicos
na cidade, uma vez que nem todos esses médicos atuaram em Fortaleza após as
76

conclusões de seus cursos e alguns permaneceram trabalhando nas cidades em


que estudaram. Possivelmente, esse motivo esteja ligado à insuficiência de espaços
de trabalho para os médicos recém formados no início do XX na capital cearense. E
a segunda questão foi a escolha mais frequente do Rio de Janeiro para a realização
do curso de medicina, uma vez que tradicionalmente foi um dos centros mais
desenvolvidos nas experiências e práticas médicas no Brasil.111
Através da análise da tabela 3 também se conseguiu pensar que a formação
acadêmica desses médicos, durante os anos de 1900 a 1935, somente foi realizado
no Brasil, ou seja, não houve nesse período referências da existência de estudantes
cearenses de medicina em outros países. Assim, acredita-se que, possivelmente, as
inovações e práticas médicas que vinham do exterior chegavam aos jovens
estudantes através da influência de médicos estrangeiros, presentes
constantemente no país ou através de médicos brasileiros que participavam de
congressos e cursos em outros países e que traziam as novas ideias. Como
exemplo, pode-se citar a presença da Fundação Rockfeller no Brasil, que além do
desempenho no combate a endemias como febre amarela e malária, também esteve
presente no ensino médico brasileiro, ao participar da construção da faculdade de
medicina de São Paulo112.

Faziam-se as intervenções cirúrgicas nas casas dos doentes. O


instrumental para as operações era fervido e refervido em latas de
querosene ou em chaleiras. Servia de mesa de operações a própria mesa
de jantar coberta de lençóis passados a ferro. Com essa rudimentar
assepsia e em meio impróprio, praticavam-se com êxito as mais ousadas
113
intervenções de alta cirurgia.

Em seu levantamento Barros Leal, além de apontar os locais de formação,


também faz citação dos nomes dos médicos cearenses. Contudo escolheu-se nesse
trabalho apenas mencionar essas informações através de dados estatísticos e assim
fazer uma análise geral para obter o entendimento do processo de consolidação
dessa profissão em Fortaleza. Mas, ao observar os nomes desses médicos, também

111
Para estudar mais sobre esse assunto ver, por exemplo, HOCHMAN, Gilberto. Op.cit., nota 42;
FERNANDES, Tania Maria. Vacina antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens (1808 -1902).
Rio de Janeiro-RJ; Editora Fiocruz, 1999 e CUKIERMAN, Henrique Luiz. Yes, nós temos Pasteur:
Manguinhos, Oswaldo Cruz e a história da ciência no Brasil. Rio de Janeiro-RJ, Relume Dumará:
FAPFERJ, 2007.
112
A esse respeito ver MARINHO, Maria Gabriela da Cunha. Op.cit., nota 11.
113
GIRÃO, Raimundo e Antônio Martins Filho (Orgs). SAMPAIO, Pedro. Op. cit., p.471, nota 106.
77

foi possível, de forma geral, a percepção das divisões e restrições que havia para
fazer parte desse meio profissional em Fortaleza e, para isso, basta notar a ausência
das mulheres nessa profissão. Evidente que naquele período as profissões,
sobretudo no campo da saúde, tinham em sua maioria a atuação masculina e a
participação das mulheres era pequena e limitada aos espaços da enfermagem114 e
da função de parteira115. No entanto, encontra-se entre o final do século XIX e início
do XX os nomes de duas médicas cearenses: Amélia Pedroso B. Perouse, formada
na Bahia, em 1889, e Adalgisa Teixeira Chaves, formada em 1936, mas cujo local
de formação não se encontrou referência.
A referência da falta de lugares apropriados para o atendimento aos
doentes no começo do século XX apareceu nos discursos de médicos que relataram
suas vivências. E como apontou o Dr. Pedro Sampaio as dificuldades enfrentadas
para a realização de uma cirurgia eram grandes, já que na maioria das vezes elas
eram realizadas nas casas dos pacientes. Deve-se abordar que em tempos em que
se falava sobre modernidade, esses e outros fatos acabavam gerando
questionamentos: como se adaptar às mudanças e deixar para trás costumes que
vigoraram de geração a geração? Como deixar de ser um médico de conhecimento
geral e passar a ser um especialista? Como passar a atuar em grupos que
defendam os interesses de sua profissão? Foram períodos de transição que tiveram
um papel muito importante para a consolidação e a construção da medicina
acadêmica em Fortaleza no decorrer do século XX.

114
No Brasil essa profissão somente foi oficializada em 1922, com a criação do Serviço de
Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública e em seguida com a fundação da Escola
de Enfermeiras D. Anna Nery. Ver, por exemplo, MOREIRA, Martha Cristina Nunes. A Fundação
Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República.
Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro-RJ, v. 5, n. 3, fev. 1999 e PEREIRA NETO, A. F.
Interfaces da História da Enfermagem: Uma potencial agenda de pesquisa. Escola Anna Nery.
Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro-RJ, v. 10, pp. 515-522, 2006.
115
É importante destacar que as parteiras, a princípio, não eram consideradas profissionais e
somente se passou a ter esse valor quando a função começou a ser organizada pelos médicos
através de cursos voltados a ela, ou quando ela foi às mãos dos médicos através da especialidade da
obstetrícia. Antes, não estava ligada ao campo da medicina, mas sim às práticas populares. A esse
respeito ver MOTT, Maria Lucia. Parto. Florianópolis-SC; Rev. Estud. Fem., v. 10, n. 2, July de 2002;
ZÁRATE, Maria Soledad. Dar a Luz em Chile, siglo XIX: De La ―Ciencia de hembra‖ a La ciência
obstétrica. Santiago- Chile; Centro de Investigaciones Diego Barros Arana de La Dirección de
Bibliotecas. Archivos y Museos y Universidad Alberto Hurtado, 2007 e MARQUES, Rita de Cássia.
Imagem social do médico de senhoras no século XX. Belo Horizonte-MG; Coopmed, 2005;
MEDEIROS, Aline da Silva. Trabalhos do parto: a Maternidade Dr. Joao da Rocha Moreira e o corpo
feminino em Fortaleza (1915-1933). São Paulo-SP; Dissertação de Mestrado em História Social pela
PUC-SP, 2010.
78

Nos primeiros anos do século XX não havia em Fortaleza muitos hospitais


ou postos públicos destinados ao tratamento de doentes. Abordou-se que a cidade
contava para o atendimento aos doentes com a Santa Casa de Misericórdia, o asilo
de loucos da Parangaba, o lazareto da Lagoa Funda, que funcionava nos períodos
de seca, e os consultórios particulares. Esses últimos tornaram-se mais numerosos
à medida que as práticas preventivas foram mais aplicadas e que os médicos
passaram a ter uma maior visibilidade nos espaços da cidade e também passaram a
ser vistos como profissionais, uma questão que vai fazer parte dos debates
nacionais e internacionais no começo do século XX. 116

Os consultórios ajeitados em fundos de farmácias tinham como mobília


meia dúzia de cadeiras para os clientes, uma mesinha com o bloco do
receituário e um sofá ou divã para os exames. E alguns havia, pregada à
parede da salêta de espera uma cópia do quadro “uma lição de Charcot na
Salpetriere” e, bem á vista do cliente, que nunca o enxergava, um pequeno
quadro com o seguinte aviso: - “Consultas 5$000. Pagas
117
adiantadamente”.

Não se encontrou entre a documentação maiores detalhes sobre esses


consultórios e somente as descrições feitas pelo médico Pedro Sampaio mostraram
mais especificamente a organização desses espaços. Isso permitiu que entre os
fatos mencionados se analisasse como era realizado o pagamento das consultas. A
presença da placa com o aviso de cobrança adiantada já apontava duas questões:
primeiro, que o consultório era um espaço privativo e não filantrópico, e segundo,
que o médico já deixava claro que o seu serviço tinha um valor e que tal informação
determinava que o atendimento fosse feito mediante o pagamento.
Deve-se destacar que naquele período os consultórios e as visitas
domiciliares eram os únicos espaços remunerados dos médicos entre o final do
século XIX e início do XX, pois seus atendimentos na Santa Casa de Misericórdia e
nas outras instituições públicas não eram a princípio pagos e foram vistos como um

116
Apesar de alguns dos debates sobre a profissão dos médicos já estarem presentes no final do
século XIX no Brasil, foi somente no século XX que essa questão passou a estar mais recorrente nos
debates e isso acabou por promover diversos trabalhos, congressos e também por criar associações
médicas para em conjunto apontarem as necessidades, ações e posturas que deveriam assumir em
sua profissão. A esse respeito ver PEREIRA-NETO, A. F. A Profissão Médica em Questão (1922):
Dimensão Histórica e Sociológica. Rio de Janeiro-RJ; Cad. Saúde Pública, pp. 600-615, out/dez de
1995 e PEREIRA-NETO, A. F. Identidades profissionais médicas em disputa: Congresso Nacional de
Práticos, Brasil (1922). Rio de Janeiro-RJ; Cad. Saúde Pública, pp. 399-409, abr-jun de 2000.
117
GIRÃO, Raimundo e Antônio Martins Filho (Orgs.). SAMPAIO, Pedro. Op. cit., p.471, nota 106.
79

trabalho filantrópico.118 Mas, as transformações começam a ter visibilidade na


década de 10 com o aparecimento do Centro Médico Cearense, com a participação
de médicos na organização da saúde pública, e com o aparecimento de Instituições
de saúde a partir da ação individual de alguns médicos, como foi o caso do Instituto
de Proteção à Infância e à Maternidade João Moreira. Todas essas questões
contribuíram para que o debate sobre a profissão médica estivesse mais visível
dentro da cidade.
Entre as notas publicadas pela Revista Ceará Médica, uma tratava de um
assunto em especial, que foi a relação médico paciente no que diz respeito aos
pagamentos. Esse debate fez parte dos anseios de muitos médicos, sobretudo do
Rio de Janeiro e acabou por ser um tema discutido também no Ceará, uma vez que
com a consolidação dos espaços de trabalho desses profissionais, as novas
relações com a cidade e com os pacientes sofrem mudanças.

Todas as vezes que um doente que ali vejo pela primeira vez faz grande
reclamo da sua riqueza, e da prosperidade de seus negócios, não me paga
o meu trabalho quando se queixa elle de difficuldades e da crise, ou paga
muito mal ou também não paga nada; mas ha uma classe delles que
reclamam os nossos serviços sem regatear, mas também sem espalhafatos,
com uma indiferença que não nos deixa perceber si são bons ou maus
clientes, e, com a mesma indiferença...desaparecem depois sem nos dar a
119
menor satisfação.

O autor dessa pequena nota foi o médico Oscar Elly e pelo que se observou
não pertencia à classe médica cearense, contudo essas linhas têm uma importância
significativa, pois esse assunto representava aos interesses de muitos médicos, que
desejavam mudanças nas organizações de seus serviços. Uma delas era o
rompimento da ideia de que sua profissão era filantrópica. Assim, notou-se que em
1916 os novos debates chegavam ao Ceará por intermédio da revista publicada pelo
Centro Médico Cearense, a partir de 1913 e que defendia e apontava as mudanças
na prática da medicina nacional e internacional.
As preocupações com o ganho com os serviços prestados gerou grandes
polêmicas na época. Uma delas foi o desejo de alguns médicos de fixar preços às
consultas, ou seja, que obtivessem um salário fixo, assim como as outras profissões.

118
PEREIRA NETO, André de Faria. Op. cit., p.29, nota 7.
119
Revista Norte Médico (depois conhecida como Ceará Médico) ―Canhenho de um pratico‖.
Fortaleza, julho, agosto e setembro de 1916, p.12.
80

Contudo, nem todos defendiam essa ideia e nas linhas da Revista Norte Médico, de
1916, encontrou-se a seguinte afirmação:

Uma lei que impuzesse um preço só, ou que estabelecesse uma tabella
obrigatória, seria iníqua e inefficaz. Assim, o remedio contra os abusos esta
no arbitramento, podendo ainda nos tribunais reduzir o preço quando
120
exorbitante.

Nesse momento as práticas médicas passavam por significativas


transformações e entre elas estavam a questão salarial, os espaços de atuação na
cidade, a absorção das novas teorias e o aparecimento das especialidades médicas.
Esse último tema causou muitos conflitos, pois o médico que detinha o
conhecimento geral de todo o corpo humano passou a atuar por áreas específicas.
Em seus estudos André Pereira mostrou que no congresso dos práticos em 1922, no
Rio de Janeiro, o tema das especialidades médicas foi um dos mais discutidos, já
que não eram todos os médicos que concordavam com essa divisão.
No Ceará esse processo também não foi tão rápido, como mostrou o médico
Pedro Sampaio, que afirmou que ―o médico continuava sendo o mesmo policlínico
121
da era passada. Atendia a tudo, a todos e tinha que entender de tudo‖ . E o
primeiro especialista segundo Sampaio foi o Dr. Francisco de Paula Rodrigues.
Em seus estudos o historiador André Pereira também chamou atenção para
como os médicos, no começo do século XX, relacionavam a profissão com os
valores próximos do sacerdócio e do altruísmo e aliavam suas ações às questões
morais, já que ―sua conduta, orientada ou não por um código de ética formalmente
122
instituído pela categoria, apresenta estar sendo orientada pela moral.‖ Basta
lembrar que os atendimentos em instituições públicas como na Santa Casa de
Misericórdia tinham um caráter filantrópico e os médicos que lá trabalhavam
realizavam consultas gratuitas e sua renda era suprida pelas consultas domiciliares
ou nos consultórios particulares.
Em geral, suas ações eram individuais e o processo de reconhecimento
dessa atividade, enquanto profissão, ainda estava em construção em Fortaleza nos
primeiros anos do século XX. Não existia ainda uma associação voltada aos debates

120
Revista Norte Médico. ―Honorários Médicos‖, Fortaleza, julho, agosto e setembro de 1916, p.13.
121
GIRÃO, Raimundo e Antônio Martins Filho (Orgs.). SAMPAIO, Pedro. Op. cit., p.472, nota 106.
122
PEREIRA NETO, André de Faria, Op. cit., p.21, nota 7.
81

e defesas dos interesses desses profissionais, diferentemente do que ocorreu em


outras cidades brasileiras.123 Somente em 1913124, com a reunião de médicos,
farmacêuticos e odontólogos foi possível a efetivação desses objetivos através da
criação do Centro Médico Cearense. Desse modo, a atuação médica encontrou um
campo de pesquisa e debate sobre os assuntos ligados a sua profissão, ao seu
trabalho junto aos serviços públicos de saúde. E a sua participação política em
alguns cargos públicos foi também usada como estratégia de propagação de seus
ideais e práticas.
No relacionamento dos médicos com outros profissionais e pessoas comuns
que desempenhavam as práticas de saúde observaram-se alguns conflitos, não só,
no que diz respeito às atuações desses grupos dentro da cidade, como também no
exercício legal da medicina. Entre as fontes encontraram-se referências de embates
entre médicos e aqueles ligados às práticas populares de curas, como as parteiras,
os curandeiros e também os práticos de farmácia e os farmacêuticos125.
Deve-se mencionar que no decorrer do século XX as fiscalizações se
efetivaram e todos os anos tanto os médicos como outros profissionais de saúde
tinham seus diplomas e licenças registrados pelo órgão responsável pela saúde
pública do governo, contudo, isso não impediu as tentativas de fraudes.

Apareceu nessa Repartição, em dias de Janeiro, o Snr, Alexandre Main


Auad, de nacionalidade turca, requerendo registro de seu diploma de
cirurgião-dentista pela Escola de Pharmacia e Odontologia de São Paulo,
assignado por Dr. Carlos Santos – Director – Parecendo suspeito o referido
diploma, telegraphei ao seu signatario naquella Escola; 4 dias depois recebi
um aviso da repartição dos telegraphos de S. Paulo, comunicando que se
achava retido o seu telegramma, visto a referida Escola recusar recebel-o,

123
Observou-se que em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo a preocupação com a atuação
profissional e a formação de associações médicas já estavam presentes desde o final do século XIX,
diferentemente do que ocorreu com o Ceará. A esse respeito ver COELHO, Edmundo Campos. As
profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro (1822-1930). Rio de
Janeiro-RJ; Recorde, 1999 e SÁ, Dominichi Miranda. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e
cientistas no Brasil (1895-1935). Rio de Janeiro-RJ; Editora Fiocruz, 2006.
124
No capítulo seguinte serão analisadas as tentativas de formação dessas associações e a fundação
do Centro Médico Cearense que surgiu dos anseios e desejos desses profissionais.
125
Observou-se com relação aos práticos de farmácia que, para a sua atuação era necessária uma
licença da inspetoria de higiene pública acompanhada de uma supervisão de um farmacêutico, já que
esses práticos não tinham a formação acadêmica. Esse controle nem sempre era efetivo e isso acaba
gerando problemas, pois algumas pessoas burlavam essas licenças e tomavam conta de farmácias
no interior e na capital sem as devidas fiscalizações das inspetorias de higiene pública. Ver, por
exemplo, os relatórios da Inspetoria de Higiene Pública do Ceará entre os anos de 1913 e 1918.
82

allegando não alli funcionário algum com citado nome. Enquanto isto
126
desappareceu da cidade o – cirurgião.

Esta fonte permitiu observar que existiu fiscalização e combate aos que
praticavam ilegalmente a medicina, contudo isso não impediu que esses atos
continuassem e notou-se que estavam imperceptíveis, muitas vezes, aos olhares
daqueles que os vigiavam.
Nesse caso também se observou que as tentativas de fraude eram
realizadas também por estrangeiros residentes no Brasil. E, infelizmente, não se
encontrou outra documentação que apontasse práticas parecidas, contudo acredita-
se que essas ações de charlatães127 foram frequentes e estiveram presentes em
Fortaleza, uma vez que é mencionado nos relatórios e regulamentos é porque isso
de alguma forma era uma questão problemática para aqueles que administravam a
saúde pública da cidade.

Há na capital práticos não formados, licenciados pela Inspectoria de


Hygiene, com phamarcias abertas ha annos com sophisma de uma
responsabilidade de pharmaceutico diplomado. Pharmacias ha que não
têem um livro para registro das formulas aviadas, e poucas o têem
rubricado pela Hygiene; nenhuma talvez tenha sortimento exigido pela lei
para funcionar. Pharmaceuticos diplomados, dão o nome á pharmacias de
práticos, com o consentimento da Hygiene, quando isto é taxativamente
128
prohibido pelo art.48, 6º do defficinete Regulamento em vigor.

O médico Carlos da Costa Ribeiro, inspetor da higiene pública entre os anos


de 1915 a 1920 em Fortaleza, fez importantes referências sobre como alguns
práticos acabaram exercendo ilegalmente suas funções, mesmo possuindo licença
da Inspetoria. Desse modo é importante relatar que segundo os regulamentos da
saúde pública que vigoravam em Fortaleza na década 10 do século XX, cada
farmácia podia ser dirigida por um prático, desde que os registros e fórmulas
fabricadas fossem de procedência de um farmacêutico, já que o prático não possuía
uma formação acadêmica, não tinha autorização pela lei para abrir e administrar
sozinho uma farmácia.

126
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1915, p. 15.
127
Não foi possível investigar mais sobre essa questão, mas se deve ressaltar que esse assunto é
muito interessante para as análises sobre a História da Saúde Pública e da medicina no Brasil. Ver;
MACHADO, Op. cit., pp.193-213, nota 92 e CHALHOUB, Sidney. Op. cit., nota 13.
128
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1915, pp. 15-16.
83

Observou-se também que uma das formas de fiscalização contra os abusos


dos práticos e farmacêuticos era a assinatura da Inspetoria de Higiene Pública nos
livros de registros de fórmulas de medicamentos fabricados e vendidos na farmácia.
No entanto, isso não impediu que houvesse casos de fraude e outros inspetores já
vinham apontando em seus relatórios esses problemas, como foi o caso do médico
Aurélio Lavor, que mostrou que o aumento do número de práticos em farmácia e a
ineficácia do regulamento vinham promovendo essas questões conflitantes.

O número de práticos é avultado, devido somente ao nosso defeituoso


regulamento em vigor. Já é tempo de supprimir a classe dos práticos, pelo
menos estabelecer condições severas e restrictas, afim de limitar o mais
possível taes licenças, que muitos concorrem para desprestigiar e
amesquinhar a classe dos diplomados, alem do grande perigo a que fica
exposta a população entregue a taes pharmaceuticos improvisados, que por
via de regras, saiu de indivíduos ignorantes, desconhecedores da arte de
129
manipular.

O interessante dessa fonte é que o inspetor de saúde pública mencionou a


existência de vários casos de práticos que agiam contra as normas, no entanto, não
faz referências a quem foram ou quais foram suas infrações. De qualquer forma já
se notou que suas afirmações eram determinantes e que mesmo não sabendo dos
crimes cometidos essa situação já era apontada como um problema e precisava de
soluções.
Possivelmente essa questão tenha ocasionado também grandes discussões
entre o meio dos práticos e farmacêuticos, contudo a falta de descrições dos casos
nessas e em outras fontes impossibilitou que se observasse a visão desses
profissionais diante das acusações médicas. Não se pode deixar de mencionar que
também houve problemas na relação entre os médicos, principalmente, quando um
desses era o responsável pela organização da saúde pública da cidade e exigia dos
demais determinadas mudanças em suas práticas.

Solicitando do muito illustre corpo clinico da capital a notificação (aliás


compulsoria por lei) dos casos de molestia contagiosas e a gentileza de só
passar attestados de óbiito nos impressos que para este fim mandei fazer
distribuir largamente, não obtiveram taes pedidos a menor attenção por
130
parte de grande numero dos meus distinctissimos collegas.

129
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 15 de maio de 1914, p.7.
130
Ibid, 1º de maio de 1915, p. 7.
84

Essa foi uma das questões mais recorrentes entre as cobranças feitas pelo
médico e inspetor da higiene pública Carlos Ribeiro. Ele, como membro do Centro
Médico Cearense também se utilizou do espaço da revista Ceará Médico para
relatar suas insatisfações e dificuldades no relacionamento com os outros médicos.
E entre os profissionais da saúde que também lhe causavam desconforto em sua
administração encontravam-se os farmacêuticos.

Outra barreira e de não pequena monta está no pouco caso e quiçá má


vontade que descubro em pessôas que, por suas posições sociais, bem
poderiam, se quisessem, e sem o menor incommodo pessoal, auxiliar a
causa publica, ou, pelo menos não entravar. Para citar apenas alguns
exemplos direi que tentando organizar um plantão nocturno para
pharmacias, a má vontade dos Snrs. Pharmaceuticos (com raras e
honrosas exceções) de braços com a carencia de meios regulamentares
131
que os forçassem o bem servir, impediu por completo a sua realização.

O inspetor apontava como ato de má vontade a atitude de alguns


farmacêuticos de se recusarem aos plantões noturnos e acreditava que a solução
estava nas leis, uma vez que ele acreditava que forçaria esses profissionais ao
cumprimento dessa determinação. Não foram fáceis essas relações, principalmente
quando entre eles estavam envolvidos as questões administrativas e políticas. Não
se analisou mais detalhadamente, por não encontrar descrições nas fontes sobre a
participação dos médicos no exercício político, mas observou-se que foi frequente a
atuação desses profissionais nos cargos de deputado, prefeito e governador. E isso
favoreceu a implantação de algumas práticas médicas vigentes na época e também
que o espaço da política fosse um dos meios dos médicos obterem uma maior
visibilidade e ação na cidade.
Entender o processo de atuação dos médicos em Fortaleza no começo do
século XX não é uma tarefa tão simples, mas requer observação das diversas
questões que envolvem a participação desses profissionais em um período em que
ocorreram mudanças no seu campo de pensamento e ação. Desse modo, percebeu-
se que para analisar o caminho dos esculápios em Fortaleza é necessária a
compreensão do funcionamento e da atuação do Centro Médico Cearense, uma vez
que essa associação permitiu à classe médica um espaço mais ativo e visível dentro
dos espaços da cidade.

131
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública, 1º de maio de 1914, p.6.
85

CAPÍTULO 2

O CENTRO MÉDICO CEARENSE


86

2.1 – A FORMAÇÃO

...auscultando os desejos e aspirações das classes médica,


farmacêutica e odontologica de Fortaleza, apresentou em uma
sessão realizada á rua General Sampaio, na residência do Dr.
Manuel Teófilo Gaspar de Oliveira, as bases de uma sociedade
que tinha por fim unir três classes, estabelecer um estreito
intercambio cultural entre as mesmas e propugnar pela defesa
e amparo de seus interesses morais e materiais.
132
Dr. Pedro Sampaio

As tentativas de formar associações ou grupos destinados à defesa e aos


interesses dos profissionais de saúde em Fortaleza tiveram início antes da década
de 10 do século XX. Contudo, não teve êxito o projeto do médico Manoel Duarte
Pimentel e o seu plano de construir uma sociedade de seguros de vida com a
denominação de Associação Médica e Farmacêutica, e que teve curta duração.
Como se observou no primeiro capítulo, Fortaleza viveu nos anos
posteriores a 1910 um processo de grandes mudanças políticas, sociais e
econômicas, como a construção de prédios que atenderam aos fins públicos de
lazer, o Teatro José de Alencar, a deposição do governo do oligarca Nogueira Acioly
e a nomeação do Tenente Coronel Franco Rabelo e o apareceram novas
tecnologias, principalmente, o bonde elétrico e o carro.

A cidade já exigia que seus esculápios se reunissem, para debater os casos


mais interessantes, discutir as novas terapêuticas, estreitar os laços de
amizade, como também prepararem para a defesa contra os detratores da
classe e os gravames fiscais que começavam a incidir pesadamente sobre
133
os profissionais da Medicina nas grandes cidades.

De acordo com a descrição do médico Barros Leal, os profissionais da área


da saúde em Fortaleza ansiavam por transformações nos métodos de tratamento
das enfermidades e também por uma oportunidade de melhoramento de seu espaço
de trabalho. E em meio a todas essas efervescências e transformações vivenciadas
na cidade foi que o médico Manuel Duarte Pimentel retoma seus planos, agora com
outros objetivos. Reunindo-se no dia 20 de fevereiro de 1913 na residência do Dr.
Manoel Teófilo Gaspar de Oliveira na rua General Sampaio nº 78 com os médicos
Aurélio Lavor, Eduardo da Rocha Salgado, Ignácio Dias, Virgílio de Aguiar, Eliezer
Studart da Fonseca, Amâncio Filomeno, José Frota, Manoel Teófilo Gaspar de
132
GIRÃO, Raimundo e Antônio Martins Filho (Orgs.). SAMPAIO, Pedro. Op. cit., p.472, nota 106.
133
LEAL, Vinicius Barros. Op. cit., p. 137, nota 1.
87

Oliveira, e os farmacêuticos Joaquim Holanda, Perdigão Nogueira, Raul Teófilo e


Alberto Eloy da Costa fundaram a “Associação Médica e Farmacêutica”.134 Não se
observou entre o período analisado nessa tese a presença de mulheres nessa
associação.
Na segunda sessão dessa associação, no dia 25 de fevereiro de 1913,
houve a preocupação de definir o estatuto de funcionamento da associação, o que
ocasionou mudanças que fizeram com que essa entidade tomasse rumos diferentes
dos objetivos iniciais. Dentre essas modificações destacou-se: a inclusão da classe
de odontólogos nessa associação, a alteração do nome para Centro Médico
Cearense, aproximação com as práticas das pesquisas científicas e o melhoramento
das condições e locais de trabalho para a classe médica. Essas foram algumas das
sugestões do médico Aurélio Lavor, cujo desejo era que o Centro Médico Cearense
possibilitasse a esses profissionais uma maior visibilidade nos espaços da cidade.
Dentre as propostas principais do Centro Médico, estava a criação de uma
revista profissional voltada a apresentar os trabalhos realizados no campo da saúde
no Ceará e as pesquisas científicas que eram desenvolvidas no Brasil e em outros
países. Assim, para o Dr. Lavor, a Revista Norte Médico, como foi intitulada
inicialmente, era ―o órgão de nossa defeza e a affirmação segura de que existimos e
pensamos‖ 135.
O Centro Médico Cearense teve duas importantes fases: a 1ª fase entre os
anos de 1913 a 1919 e a 2ª fase nos anos de 1928 a 1979. Costuma-se fazer essa
divisão devido ao período de suspensão da publicação de sua revista (1919 a 1927).
E como também foi um importante instrumento de divulgação das atividades e
trabalhos realizados pelos seus membros, a sua parada nas publicações significou
para alguns pesquisadores a desativação do Centro Médico. No entanto, é
importante lembrar que mesmo na segunda fase essa associação manteve seu
funcionamento até os anos de 1979 e sua revista somente funcionou até o ano de
1963.

134
Para uma melhor compreensão ver o artigo ―História da sua fundação‖ da revista Norte Médico,
15 de abril de 1913, pp.2-4. Durante as pesquisas realizadas somente encontrei um exemplar da
primeira revista no setor de microfilmagem da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Infelizmente, no
Ceará, nas instituições públicas de pesquisas não exista mais exemplares dos primeiros anos dessa
coleção.
135
Revista Norte Médico, 15 de abril de 1913, pp.2-4.
88

Para uma melhor estruturação foi inicialmente escolhida uma Comissão


compostas pelos médicos Duarte Pimentel, Virgílio Aguiar, Teófilo de Oliveira e o
farmacêutico Joaquim Holanda, para que fizessem uma revisão no estatuto e
modificassem o que fosse necessário. Um ponto bastante significativo e que se
percebeu no decorrer do funcionamento do Centro Médico é que pouco se notou a
participação de odontólogos e até mesmo de farmacêuticos nas atividades
administrativas e nos artigos publicados na revista. Possivelmente, esse espaço, na
teoria dedicado às três diferentes classes de profissionais da saúde, na prática tinha
a figura do médico como central e se observou que na segunda fase de
funcionamento do Centro, a partir de 1928, não tinha mais efetivamente a presença
de farmacêuticos e odontólogos como no início.
Nesses primeiros momentos, a convite do Dr. Duarte Pimentel, assumiu o
cargo de presidente do Centro Médico o Dr. Eduardo Salgado, tendo como
secretários os médicos Virgílio de Aguiar e Teófilo de Oliveira. Mas, a 2 de março de
1913 ocorreu a primeira eleição da Diretoria. (Anexo 2)
Oficialmente a inauguração foi realizada no dia 25 de março de 1913, no
edifício da Assembleia Legislativa do Estado, com a presença de políticos e pessoas
de grande representação na cidade. Nessa primeira fase não teve uma sede fixa e
suas reuniões eram realizadas nas residências de seus membros. Os discursos
iniciais ficaram a encargo do Barão de Studart136, eleito primeiro presidente do
Centro Médico Cearense, onde permaneceu no cargo até o ano de 1919 e do
médico José Lino da Justa, nomeado um dos oradores do Centro. De acordo com o
médico Policarpo Barbosa, nesse primeiro momento fizeram parte do Centro Médico
29 médicos, 18 farmacêuticos e 8 cirurgiões-dentistas.137

A creação do Centro Médico Cearense obdeceu a Idêa de collectivismo que


hoje se affirmado como elemento vital e de defeza diante da anarchia dos
espíritos e da pertubação que avassala a sociedade. Architectou-a, julgando

136
Guilherme Chambly Studart, o Barão de Studart (1856-1938) foi um médico, historiador e vice-
cônsul do Reino Unido no Ceará. Filho de John William Studart, comerciante e primeiro vice-cônsul
britânico no Ceará, e de Leonísia de Castro Studart. Fez os primeiros estudos no Ateneu Cearense,
transferindo-se, posteriormente, para o Ginásio Bahiano. Matriculou-se, em 1872, na Faculdade de
Medicina da Bahia, onde doutorou-se em 1877. Exerceu, durante muitos anos, a atividade médica,
principalmente no Hospital de Caridade de Fortaleza e foi membro de várias instituições, entre essas
o Centro Médico Cearense. Ver; Revista do Instituto do Ceará (Comemorativa do primeiro centenário
de nascimento do Barão de Studart).
137
BARBOSA, José Policarpo de Araujo. Op. cit., p.81, nota 1.
89

azado o momento para firmal-a em solida base, o Dr. Manoel Duarte


Pimentel. Era pensamento seu unir as classes medica, pharmaceutica e
odontologica na defesa de seus interesses, na affirmação de seus direitos,
sendo o escopo de sua Idêa o mutualismo, como elo primeiro de tal
138
tentamen.

Nesse artigo publicado no mês seguinte à inauguração, notou-se que alguns


dos objetivos dessa associação já estavam mais especificados. E um dos intensos
motivos apresentados pelo Dr. Pimentel para a fundação do Centro Médico
Cearense foi possibilitar uma união entre os profissionais da saúde, uma vez que
entre os médicos o individualismo estava muito presente. E de acordo com o médico
Pedro Sampaio, nos primeiros anos do século XX, “A feição individualista da
medicina no Ceará ainda não passara. Raramente tinham os médicos oportunidade
para trocar opinião sobre os casos de suas clínicas. Cada um vivia para si, por si e
139
só contava consigo‖ . Possivelmente, essa tenha sido uma das causas para que a
organização da saúde pública e até o surgimento de mais instituições voltadas ao
tratamento das doenças tenha sido mais tardia em Fortaleza.
Outro ponto de grande relevância mencionado na fonte foi a ideia
mutualista140. A princípio, foi colocada no estatuto como um dos objetivos do Centro
Médico e causou entre os membros intensas discussões, já que propôs que essa
associação recebesse uma colaboração financeira de seus associados, com a
finalidade de no futuro serem assistidos em suas necessidades. Um dos membros
que se colocou contra foi o médico Aurélio Lavor, já que acreditava que o Centro
atenderia a outros objetivos.

O Dr. Aurelio Lavôr que estudando a situação actual da classe medica,


pharmaceutica e odontologica entre nós disse que a seu ver o mutualismo
não é o melhor êlo da nossa cadeia e que a nossa sociedade deve ter um
fim antes scientifico, mantendo um centro para reunião de seus membros e
creando uma revista profissional, que faça conhecido nossos trabalhos não
141
só entre nós mesmos, mas também fora do Ceará.

Essa ideia que já estava vigente na Europa foi uma das bases que deu
incentivo à criação do sistema de previdência social no Brasil. Porém, não teve
138
Revista Norte Médico, 15 de abril de 1913, p.2
139
GIRÃO, Raimundo. Op.cit., p. 471, nota 19.
140
O mutualismo, corrente ideológica que defende que as instituições devam fazer fundos de
contribuição entre seus membros para que mais adiante quando eles não estivessem mais
trabalhando fossem assistidos.
141
Revista Norte Médico, 15 de abril de 1913, p.2.
90

aceitação entre alguns dos associados, uma vez que uma das grandes pretensões
era à pesquisa e os estudos científicos da medicina. Assim, foi retirado do estatuto
qualquer tipo de ação de assistência financeira, com exceção aos auxílios nos casos
de falecimento dos membros efetivos que não contassem de uma boa situação
financeira, mas as homenagens abrangeriam a todos.

Art. 54º - No caso de falecimento de um de seus membros effetivos serão


os funeraes feitos a expensas do Centro, logo que o permittir o seu estado
financeiro, cabendo em qualquer caso ao mesmo Centro concorrer para as
homenagens á memória do morto, na medida de suas forças.

É relevante notar que o Centro Médico teve uma importância para a


consolidação e ampliação das atividades dos médicos em Fortaleza. E, sobretudo
permitiu que essa classe ocupasse um espaço de visibilidade na cidade, já que
esses passaram a se relacionar com os demais profissionais da área da saúde,
como os farmacêuticos e odontólogos, e com os médicos de outros estados
brasileiros e de países estrangeiros, através da troca de informação sobre as
pesquisas científicas publicadas nas revistas médicas e de saúde.
Em seu primeiro estatuto publicado na primeira edição da Revista Norte
Médico, em abril de 1913, apresentou alguns pontos que permitiram compreender
melhor o funcionamento dessa associação. Evidentemente que algumas medidas
ficaram no papel e no desejo de seus membros. (Anexo 1)
Dentre alguns dos artigos contidos no estatuto do Centro Médico,
observaram-se os Art. 3 e 4, os quais apontam pontos significativos para entender
seus fins.

Art 3º O estudo dos problemas medico-sociaes constituirá objecto de


particular cogitação e a si tornará o Centro o patrocínio moral dos Institutos
de Assistencia Pública do Estado e, quando possível, creará um Instituto de
Assistencia a infancia nesta cidade. Art. 4º O Centro, em vista de seu
programma, prohibido terminantemente que em seu seio haja discussões
142
políticas em qualquer Idea dessa natureza.

Através desses artigos consegue-se perceber dois pontos importantes para


a compreensão da funcionalidade do Centro Médico. Primeiramente, deve-se
apontar que alguns de seus membros participaram e fundaram instituições voltadas

142
Revista Norte Médico, “Estatuto do Centro Médico Cearense‖, 30 de abril de 1913, pp.13-16.
91

à saúde pública.143 Assim, ficou demonstrado que um dos objetivos dessa


associação era promover o auxílio a essas instituições de saúde que eram
administradas por alguns de seus membros e também promover o ―patrocínio
moral‖, ou seja, efetivar o funcionamento desses locais com o apoio financeiro do
estado e de pessoas mais abastadas. No segundo artigo, observou-se que não
havia pretensão dessa associação em tomar partido nas discussões políticas, uma
vez que nesses momentos alguns de seus membros tinham uma forte participação
política e aprofundar esses assuntos poderia gerar conflitos e até causar sérios
danos ao Centro Médico.
Com relação à participação no Centro Médico, havia algumas regras e uma
das principais era ―ser diplomado em medicina, pharmacia ou odontologia, mediante
curso regular feito em qualquer das Faculdades da Republica e a Juizo da
144
Directoria‖ Também existiram categorias de participação no Centro Médico, em
que os membros poderiam ser efetivos, beneméritos, honorários e correspondentes.
De acordo com o estatuto, os sócios efetivos tinham como obrigação pagar a
mensalidade de cinco mil reis e dar uma joia no valor de cinquenta mil reis no prazo
de dez meses a partir de sua entrada no Centro. Os beneméritos eram os membros
efetivos que faziam doações superiores a um conto de réis e que prestavam
serviços em prol do Centro de acordo com a avaliação da assembleia geral145. Os
honorários eram os membros da classe médica, farmacêutica ou odontológica que
realizaram trabalhos notáveis e os profissionais de outras áreas que prestaram
relevantes serviços ao centro de acordo também com a avaliação da assembleia
geral. Os correspondentes eram os membros designados pela diretoria para
transmitir informações para o Centro sobre a medicina no Brasil e em outros países.

143
Dentre as Instituições fundadas por alguns dos membros do Centro Médico estão: O Instituto de
Proteção e Assistência à Infância, fundada pelo médico Rocha Lima em maio de 1913, a Maternidade
João Moreira, fundada pelo médico Manuelito Moreira em março de 1915, O Instituto Pasteur,
fundado pelo farmacêutico Afonso de Pontes Medeiros e pelo médico Carlos Ribeiro em 1919 e o
leprosário de Antônio Diogo, fundado pelo médico Antônio Justa em 1928.
144
Revista Norte Médico, “Estatuto do Centro Médico Cearense‖, 30 de abril de 1913, pp.13-16.
145
A Assembleia Geral do Centro Médico era a reunião em que o poder e o direcionamento das
atividades do Centro Médico eram debatidos. Era reunida extraordinariamente e também convocada
para resolver casos de imprevisto. Participavam dessas reuniões a diretoria, o conselho fiscal,
redatores da revista e os membros efetivos.
92

É notado também nessa documentação alguns dos deveres que esses


membros cumpririam ao se associarem ao Centro Médico Cearense. Dentre essas
obrigações se destaca:

Trabalhar para a união e solidariedade entre os membros das classes


médica, pharmaceutica e odontologica; Cumpre o disposto neste Estatuto e
não se afastar dos são princípios de deontologia; Comparecer as sessões
quando convocado ás palestras sobre casos clínicos e questões scientificas
de prática e actualidade que se realizarão pelo menos uma vez por mez;
Participar á Directoria, quando mudar de domicilio, sua nova residência;
Levar o conhecimento da Directoria tudo que se possa concorrer para o
bem do Centro ou de algum dos seus membros; Votar para o cargo do
Centro; Exercer gratuitamente os cargos para que for eleito; Levar ao
conhecimento da Directoria a provocação, censura ou accusação, motivada
pelo exercício profissional, que lhe houveram feito; Pagar pontualmente o
146
que dever ao Centro.

Nessa parte do regulamento são evidenciados os deveres dos associados


para com o Centro Médico Cearense, mas, além disso, são mostrados os desejos e
objetivos que melhor representassem essa associação. Como havia uma
preocupação com a união e a solidariedade entre esses profissionais da saúde, esse
assunto apareceu mencionado constantemente entre os artigos e discursos
promovidos no Centro. Assim, desejava-se que se apresentasse e direcionasse seus
membros ao cumprimento dos princípios de deontologia, ou seja, de um conjunto de
regras de conduta que deveriam ter para com o Centro Médico.
Dentre os deveres apresentados, estavam o pagamento da mensalidade e
também o comparecimento às atividades desenvolvidas na associação. É
interessante mencionar que nessa primeira fase o Centro não tinha uma sede fixa e
as reuniões eram realizadas por meio de um rodízio nas casas de seus membros.
Assim, eles tinham sempre de informar qualquer mudança de endereço, como
também sempre manter a diretoria informada sobre as ações executadas pelos
associados.
Quanto aos direitos, percebeu-se que o Centro não beneficiou seus
associados com auxílios financeiros, uma vez que esse objetivo não fazia parte
dessa associação, mas possivelmente pretendeu-se que esses médicos,
farmacêuticos e odontólogos tivessem uma participação mais ativa nas decisões do
Centro e tivessem sempre um local que os defendesse. Assim, entre os direitos
estavam:

146
Revista Norte Médico, “Estatuto do Centro Médico Cearense‖, 30 de abril de 1913, p.13.
93

Votar e ser votado para os cargos a prover por eleição; Frequentar a


biblioteca e museu; Colaborar e receber gratuitamente a Revista; Pedir o
apoio ao Centro quando delle carecer em legitima defeza de seus
interesses, nas questões inherentes ao exercício de sua profissão e os
147
sócios honorários não poderão votar e nem ser votado.

A presença durante as eleições internas do Centro é sempre lembrada pelo


estatuto e constitui um dever e direito de seus membros, contudo, são cargos não
remunerados. As eleições eram anuais e havia reeleição. Quanto ao uso da
biblioteca e do museu, descobriu-se nas fontes que somente foi fundada na segunda
fase do Centro Médico, em 1928, e nesse momento apenas era uma referência
teórica. Mas, diante de tudo isso, esse regulamento permitiu pensar como na prática
essas regras foram executadas e se elas possibilitaram a intervenção dos médicos
nas principais questões da saúde pública de Fortaleza.
Na documentação pesquisada, observou-se que somente em uma pequena
parte do estatuto apareceram mencionadas possíveis pretensões do Centro Médico
em realizar ações de apoio e auxílio à saúde pública da população de Fortaleza,
pois em geral suas atividades detinham-se às pesquisas, palestras, publicações de
artigos na revista e reuniões internas. Provavelmente, tais objetivos tenham feito
parte dos anseios de muitos de seus associados, contudo as condições iniciais de
funcionamento e outros fatores tenham impedido que o Centro participasse mais
diretamente das medidas de melhoramento da saúde local. Porém, isso não impediu
que alguns de seus membros estivessem mais presentes e atuantes nos assuntos
referentes à saúde pública de Fortaleza.
Dentre os planos iniciais do Centro Médico Cearense também estava a
construção de uma instituição destinada à assistência à infância em Fortaleza, logo
que as condições financeiras fossem permitidas. Contudo, é relevante abordar que
esse plano era anseio do associado e médico Abdenago da Rocha Lima e
possivelmente esse fato tenha sido o motivador para a realização desse
empreendimento e de depois o tornar responsável principal dessa obra.
Esse projeto foi concretizado em 19 de maio de 1913 e além da participação
do Centro Médico, teve também o apoio do Governo do Estado, que contribuiu para
a manutenção dessa instituição, cedendo uma sala do departamento de higiene do

147
Revista Norte Médico, “Estatuto do Centro Médico Cearense‖, 30 de abril de 1913, p.14.
94

estado para a sede do Instituto de Proteção e Assistência à Infância.148 E de acordo


com o médico Policarpo Barbosa, o objetivo central para a fundação dessa
instituição era a diminuição da mortalidade infantil em Fortaleza.149
Em 1928, com a reestruturação do Centro Médico, o estatuto é reorganizado
e novos itens são acrescentados. Deve-se levar em conta que a experiência anterior
contribuiu para que alguns artigos fossem substituídos e outros representassem
melhor os anseios dessa nova fase. Desse modo, a partir da análise desse
documento observou-se entre os objetivos uma nova visão e atuação dessa
associação.

Art.3 – Para a cosecução de seus ideaes o C.M.C promoverá e amparará a


fundação de:a) Institutos ou estabelecimentos destinados ao estudo da
medicina em qualquer de seus rumos e, principalmente, medicina e hygiene
tropicaes, cancer, lepra, etc. b) instituições e estabelecimentos de
assistencia a enfermos, mulheres gravidas e puerperas, crianças, inválidos
e desprotegidos de qualquer natureza (sanatorios, polyclinicas, hospitaes,
enfermarias especializadas, azylos, “gotas de leite’, creches, etc).
c)Instituições ou obras quaesquer capazes de, directa ou indirectamente,
favoreceram a hygiene, puericultura e eugenia. d) O C.M.C., em vista de
seu programma, prohibe terminantemente que em seu seio tenham logar
150
discussões políticas ou religiosas.

Através da análise do Art.3 do tópico ―Dos fins do Centro Médico Cearense‖,


percebeu-se que um dos objetivos centrais dessa associação nessa nova fase foi à
ampliação dos locais de tratamento das doenças como hospitais e policlínicas, ou
seja, instituições que contribuíssem com o melhoramento da saúde e atendessem as
necessidades da população de Fortaleza. No entanto, ao observar a participação do
governo nessas obras e sua relação com a população, pouco é mencionado na
documentação e somente é apresentada a colaboração financeira do governo junto
a essas instituições. Possivelmente, como já analisado, esse fato estava ligado ao
modo liberal de administração.

148
O projeto era bastante amplo, no entanto, as dificuldades impediram o Dr. Rocha Lima de executar
rapidamente seus ideais. Essa instituição também contou com a ajuda da população de Fortaleza,
representada pelas mulheres da sociedade conhecidas como “damas protetoras da infância”. Sua
sede foi transferida em 1915 para a Rua Tristão Gonçalves, onde também funcionou uma enfermaria
destinada às crianças.
149
BARBOSA, José Policarpo de Araujo. Op. cit., p.84, nota 1.
150
Revista Ceará Médico, dezembro de 1928, p.16.
95

Um ponto que também chamou atenção nesse artigo foi o apoio concedido
pelo Centro às obras que tivessem por base a eugenia151. Não se encontrou nas
fontes indícios ou textos mais diretos que apontassem essa ideia.152 Mas, pode-se
pensar que tal conceito tenha recebido adesão de seus membros.
Todo o regulamento foi moldado dentro noção de um Centro Médico
participativo nas questões da saúde. Desse modo, no início dos artigos, já constava
o objetivo do Centro Médico Cearense que era o de “Promover o estudo e trabalhar,
por todos os meios, pela solução de todos os problemas medicos-sociais de
interesse local‖153, mostrando que as práticas e teorias defendidas por essa
associação deveriam abranger os espaços fora do Centro e não mais apenas os
interesses internos e restritos desse grupo, como nos primeiros anos de sua
existência.
Outros pontos relevantes alterados e acrescentados nesse estatuto foram
com relação à forma de pagamento dos membros efetivos, pois se observou que
não era mais exigida uma joia de seus membros como antes e a mensalidade
passou ao valor de dez mil réis (10$000). O comparecimento mínimo dos sócios às
reuniões, que antes era uma vez por mês, nessa nova fase passou para duas vezes
por mês e, por fim, a participação na formação de comissões especiais.

O C.M.C. terá as seguintes commissões technicas especiaes: I- Medicina


geral; II- Cirurgia geral e Obstetricia; III- Medicina e Cirurgia especializada;
IV- Higyene e sciencias afins da medicina; V- Pharmacia; Odontologia. 1º -
Estas commissões incumbir-se-hão de estudar as questões que lhes forem
propostas pelo Centro e de dar parecer sobre os trabalhos que lhes forem
154
apresentados.

151
Nos artigos da revista Ceará Médico, entre os anos pesquisados, não se encontrou nenhum artigo
que mostrasse qualquer tipo de apoio ou defesa à eugenia, contudo, não se pode negar que o fato de
constar no estatuto demonstrava certo apoio a essa ideia. Não faz parte dos objetivos desse trabalho
estudar a eugenia, mas para os pesquisadores interessados sugere-se a leitura dos seguintes
trabalhos: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil (1870-1930). São Paulo-SP; Companhia das Letras, 2003; MOTA, André. Quem é nasce
feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro-RJ; DP&A, 2003 e MARQUES, Vera Regina
Beltrão. A Medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas-SP; Editora
da Unicamp, 1994.
152
Entre as fontes observadas estavam as atas das reuniões do Centro Médico que eram publicadas
dentro da revista Ceará Médico e na década de 30 também eram publicadas nos jornais locais.
153
Revista Ceará Médico, dezembro de 1928, p.16.
154
Idem.
96

Analisando essas comissões especiais, notou-se que elas tiveram um papel


importante nessa segunda fase do Centro Médico, pois passaram a ser as
responsáveis por organizar as atividades desempenhadas por essa associação
dentro da cidade, proporcionando uma maior divulgação de seus métodos e teorias
no campo da saúde.
O Centro Médico Cearense em sua 1ª fase (1913-1919) apresentou algumas
práticas que mostraram um processo de interação dessa associação com a cidade.
Contudo, a partir das pesquisas na Revista Norte Médico, notou-se que essa
participação mais direta no campo da saúde pública não foi tão intensa nessa fase
inicial e em algumas passagens dos artigos da revista encontrou-se relatos de
cobranças recebidas pelos membros do Centro para terem uma presença mais
efetiva nas questões urbanas de saúde. Um exemplo disso foi à acusação feita ao
Centro Médico por não agir no combate às epidemias de febres intestinais que
reinavam no final do ano de 1915.

Por causa de recruscederem nestes tempos as “infecções intestinaes” que


de longa data victimam a nossa população, surgem os defensores (ilegível)
da saúde pública, em ataques repetidos ao “Centro Medico” como se fôra
esta associação do corpo clinico de Fortaleza responsável pelo estado
155
sanitário.

Para o Centro Médico não era parte dos seus propósitos, enquanto
associação, assumir sozinho a responsabilidade de realizar preventivos e
tratamentos das doenças predominantes em Fortaleza, ou até mesmo interferir
diretamente na organização da saúde pública, já que acreditavam que o governo era
quem deveria cuidar dessas questões. Assim, notou-se que nessa primeira fase
suas ações foram direcionadas para dois pontos: o primeiro era a publicação dos
artigos de pesquisas médicas na revista Norte Médico e o segundo era o apoio a
alguns dos membros que assumiram cargos públicos na área da saúde e que em
sua maioria eram médicos que tentavam delimitar um campo de atuação na capital
cearense.
O Centro defendeu por várias vezes em reuniões e publicações de sua
revista que o responsável direto pela manutenção e melhoramento da saúde de

155
Revista Norte Médico, novembro e dezembro de 1915, p. 2.
97

Fortaleza era o governo, através do Departamento de Higiene Pública do Estado do


Ceará.

Assim, pois, pensamos ter bem patenteado que as medidas necessárias


contra esse flagello que impressiona actualmente a nossa população, como
contra todas as doenças evitáveis que encontram tão bôa acolhida e nosso
meio, não dependem do corpo clinico, estão acima de suas forças,
reclamam soberanamente a attenção do Estado, a adopção de uma efficaz
156
organisação sanitária.

Na continuação do artigo “A saúde pública e a classe médica de Fortaleza” é


evidenciado que os médicos e, por conseguinte o Centro Médico Cearense, não
poderia atender às necessidades clamadas pelos “flagelados” presentes pela
circunstância da seca de 1915, e também os doentes existentes na cidade. De
acordo com a redação da revista, faltava em Fortaleza uma melhor organização
sanitária e que tinha na Inspetoria de Higiene Pública o seu responsável e não o
Centro Médico, que era apenas conhecedor desses problemas.

Não é, pois, a nós do Centro Médico que se deve dirigir qualquer appello,
não é diante de nós que se devem fazer quaesquer considerações sobre
salubridade de Fortaleza: nós somos apenas melhores conhecedores de
nossas miserias, e mais do que quem quer que seja nos condoemos da
sorte que possa ter a nossa desprotegida população. A arte de curar em
que se resume a clinica, applica-se ao individuo, á collectividade destina-se
157
a arte de preservar a saúde e prevenir as doenças affecta ao Estado.

No entanto, observando algumas das fontes referentes ao Centro Médico,


notou-se que essa associação não foi tão imparcial nas ações quanto os assuntos
estavam ligados à saúde pública de Fortaleza, como tentou aparentar em vários
textos publicados na revista Norte Médico. E mais adiante esse capítulo apresentará
alguns fatos em que mostra a participação desses profissionais mais ativamente nas
questões de saúde da cidade.
Encontrou-se em uma das atas das reuniões do dia 17 de abril de 1916 uma
passagem que demonstra que esses médicos, farmacêuticos e odontólogos
desejavam participar e interferir junto aos órgãos responsáveis pela saúde pública.

156
Revista Norte Médico, novembro e dezembro de 1915, p. 5.
157
Ibid, p.4.
98

...tomando a palavra o Sr. Dr. Cesar Cals apresentou a seguinte proposta:


Proponho que o Sr. Presidente ou uma comissão de membros do Centro
intervenha junto ao nosso Governo e lhe peça para escolher o Inspetor de
Hygiene dentre os sócios do Centro. Assim, como os inspetores
158
escolares...

Esse trecho permite observar um ponto importante que foi a participação de


alguns dos associados do Centro na administração da Inspetoria de Higiene Pública,
em que desde 1913 os indicados a inspetores eram membros do Centro Médico.
Assim, nesse pedido deve-se perceber o objetivo da manutenção das nomeações de
associados do Centro para o cargo da Inspetoria.159 O Dr. Carlos Ribeiro foi, entre
os membros, o que ficou mais tempo nessa função, permanecendo entre os anos de
1915 a 1920 e em vários momentos aproveitou de sua participação no Centro
Médico Cearense para a obtenção de mais espaço e apoio junto aos profissionais de
saúde para aplicação de suas medidas na saúde pública de Fortaleza.

O nosso confrade Dr. Carlos da Costa Ribeiro, digno Inspector de Hygiene


pública, pede-nos façamos em nossas columnas um appello a todos os
clínicos desta capital, afim de que só passem attestados de óbito nos
impressos em duas vias para este fim distribuidos pela Inspectoria. Pede
também que sejam minuciosos nas causas da morte, evitando os
diagnósticos vagos e mal definidos como: dentição, febre, lesão cardíaca,
160
coma, cachexia, hemorrhagia...

Em diversos momentos o Dr. Ribeiro utilizou-se do espaço da revista e


também das reuniões para divulgar e solicitar, sobretudo aos médicos o
cumprimento de algumas determinações da Inspetoria. Nessa documentação
percebeu-se que não foi tão fácil o relacionamento entre os inspetores e esses
profissionais, no entanto, sua participação no Centro Médico amenizava mais esses
atritos e provavelmente favorecia a realização das normas exigidas por esse órgão
da saúde pública.

O Centro Médico, nessa primeira fase de sua existência, sob a presidência


do Barão de Studart, nos seis anos decorridos entre 1913 e 19, fez muitas
reuniões, congraçou os médicos cearenses, recepcionou os visitantes,

158
Revista Norte Médico, março e abril de 1916, p. 20.
159
Dentre os associados do Centro Médico Cearense que assumiram essa função destaca-se: em
1913 o Dr. Abdenago da Rocha Lima, em 1914 Dr. Aurélio Lavor, de 1915 a 1920 o Dr. Carlos da
Costa Ribeiro.
160
Revista Norte Médico, outubro de 1915, p. 14.
99

colaborou na fundação da secção local da Cruz Vermelha Brasileira,


promovendo festival beneficente e ajudou a fundação da Sociedade
161
Osvaldo Cruz, destinada a manter o Instituto Pasteur.

Nessa passagem o Dr. Barros Leal aproveitou a referência feita na revista do


Instituto Histórico do Ceará para resumir como foi o processo de atividades do
Centro Médico durante essa primeira fase. Observou-se que foi um período de
apresentações sociais dessa associação e de adaptações às novas mudanças
recorrentes na medicina acadêmica nacional e internacional. Também mostrou uma
grande preocupação de seus membros em dar um enfoque mais científico às suas
publicações e, assim, nesse período poucos foram os artigos que trataram
diretamente dos problemas de saúde em Fortaleza. E, em geral, as descobertas no
campo da medicina, os eventos realizados em outros estados brasileiros, os novos
tratamentos e medicamentos apresentados no meio médico foram às prioridades.
No ano de 1919 ocorreu a suspensão das publicações da revista, então
chamada como Ceará Médico162, e alguns dos autores pesquisados defendem que
houve também a paralisação das atividades do Centro Médico. Apesar da ausência
de fontes que afirmem mais diretamente essa ideia, acredita-se que essa parada
ocorreu, pois além da falta das publicações notou-se também que já não havia
referências em outras fontes, como relatórios e jornais, do funcionamento dessa
associação e observou-se no artigo publicado na Ceará Médico no ano de 1928,
cujo título era ―Voltando à arena,‖ que estava retomando o funcionamento de suas
atividades suspensas.

Reconstituido o “Centro Medico Cearense” era fatal que revivesse o órgão


da classe, instrumento imprescindível de uma agremiação de homens cultos
que estudam, aprendem, meditam e teem a obrigação moral de ensinar aos
seus contemporaneos os fragmentos da verdade que vão lenta e
163
penosamente arrancando ao grande mysterio da vida.

Ao ler esse artigo percebe-se que a existência do Centro Médico esteve


muito ligada ao funcionamento da revista e que para a retomada das atividades
dessa associação era fundamental a utilização desse instrumento, que permaneceu
ligado ao Centro até a finalização de suas atividades no ano de 1963.
161
LEAL, Op. cit., p. 139 apud “Efemérides”, RIC T. XXXIII (1919) p.15, nota 1.
162
A revista passou a assumir esse nome a partir do ano de 1917 e permaneceu com esse nome até
o fechamento das atividades do Centro Médico Cearense. Mais adiante esse capítulo voltará a
abordar essa questão de forma mais detalhada.
163
Revista Ceará Médico, setembro de 1928, p.1.
100

Na segunda fase (1928-1963), o Centro Médico Cearense recebeu uma


doação de um salão para suas reuniões na Faculdade de Farmácia e Odontologia.
O retorno das atividades do Centro foi realizado no dia 30 de março de 1928, com a
presença de 42 médicos, que escolheram o Dr. Álvaro Fernandes como presidente,
porém ele veio a renunciar ao cargo mais adiante devido aos inúmeros trabalhos de
sua clínica, e que o impediam de dirigir o Centro Médico. Desse modo, assume a
função de presidente o médico Antônio Justa.164
Analisou-se nesse momento um Centro Médico mais voltado aos enfoques
sociais da cidade e até mais próximo da população e das questões ligadas à saúde
pública de Fortaleza. Segundo o médico Barros Leal, o Centro Médico esteve mais
ativo nessa fase e desenvolveu campanhas e divulgações das normas de higiene
baseadas nos conceitos da medicina acadêmica, sobretudo orientou a população
acerca do uso da água e dos alimentos e também patrocinou junto com o Serviço de
Saneamento e Profilaxia Rural a realização da “Semana Anti-alcoólica” e outras
atividades.
Apesar de constar no estatuto a possibilidade de exclusão, eliminação e
expulsão de membros do Centro Médico, não foram encontrados em nenhuma fonte
casos tão extremos; possivelmente apenas ocorreram afastamentos espontâneos
desses associados.
Quanto à questão da exclusão, observou-se no regulamento que somente
aconteceria quando um dos membros promovesse tal ação:

Será excluído do Centro o membro que deixar de pagar três mensalidades


consecutivas; A exclusão será executada pela Directoria, um mez depois de
aviso feito por carta registrada, a menos que prove o membro em atrazo
165
haver incorrido em falta por circunstancia independente de sua vontade. .

Essa fonte permitiu também pensar se na prática tal fato ocorreu e se foi
cumprida a expulsão. Evidentemente que seriam necessários elementos mais
detalhados sobre o funcionamento do Centro, o que infelizmente não se obteve, pois
sobre tal associação somente se conta com informações obtidas na revista Ceará

164
Para observar mais essa segunda fase do Centro Médico Cearense indica-se o trabalho de
SALES, Tibério Campos. Medicina, associativismo e repressão: O Centro Médico Cearense e a
formação do campo profissional em Fortaleza (1928-1938). Fortaleza-CE; Dissertação de Mestrado
em História pela UFC-CE, 2010.
165
Revista Norte Médico, “Estatuto do Centro Médico Cearense‖, 30 de abril de 1913, p.14.
101

Médico. Contudo, mesmo com a ausência de casos específicos pode-se pensar que
na prática essa associação enfrentou dificuldades e conflitos, afinal, havia reunido
três grupos de profissionais que tinham interesses e objetivos específicos e que
possivelmente as disputas e discordâncias estavam presentes.
No caso da eliminação, a situação era mais extrema e para a execução de
tal ação o associado infringiria os seguintes pontos:

O membro que cometer grave falta de deontologia; O que voluntariamente


causar ao Centro grave prejuízo, devidamente verificado; Em todos os
casos de eliminação, o membro possível desta pena será convidado com
um mez de antecedência, por carta registrada, a apresentar-se á Diretoria
para ser ouvido sobre os factos que motivarem a sua accusação; Si o
membro eliminar não comparecer para ser ouvido, sera julgado, pela
Directoria, cabendo-lhe, no entanto, ainda justificar-se perante a Assemblea
geral quando reunida para referendar o julgamento:si comparecer podera
166
appellar da decisão para Assemblea Geral.

No caso de eliminação do associado as causas apontadas são


generalizantes e não há um fato específico do qual seja acusado. Sua infração
envolve uma falta de deontologia ou danos ao Centro. Desse modo, mostra que a
decisão e julgamento ficavam ao encargo da diretoria do Centro Médico e que de
certa forma os acusados tinham a possibilidade de serem ouvidos e até apelar da
decisão final da assembleia geral dessa associação.
Por fim, o caso mais extremo apresentado no estatuto foi a expulsão, pois o
membro que fosse condenado pelo poder judiciário sob a acusação de crime
desonroso seria expulso do Centro Médico e não poderia ser readmitido. Aliás,
somente nos casos de exclusão e eliminação é que esse associado teria a
oportunidade de participar novamente das atividades do Centro. O excluso teria que
quitar a dívida e o eliminado seria readmitido depois de um prazo de dois anos e
avaliação da assembleia geral.
Assim, observou-se que a criação de tal associação na cidade de Fortaleza
beneficiou profundamente aos médicos, farmacêuticos e odontólogos e permitiu que
eles estivessem mais presentes nos espaços da cidade e apresentassem mais suas
ideias entre a população. O Centro Médico Cearense trouxe resultados em longo
prazo, uma vez que nos primeiros anos do século XX pouco se valorizava as ações
médicas ligadas à saúde. E nos primeiros momentos notou-se que a preocupação

166
Revista Norte Médico, “Estatuto do Centro Médico Cearense‖, 30 de abril de 1913, p.14.
102

desses profissionais era mostrar que no Ceará também se desenvolvia pesquisas e


tratamentos eficientes nos combates às principais doenças e, fornecida a base, esse
centro passou a estar mais presente no cotidiano de seus moradores.
Muitas pesquisas necessitam ser feitas para se tentar entender esse
processo de transformações que Fortaleza passou no campo da saúde pública e da
medicina e também observar como o Centro Médico tornou-se um dos
impulsionadores desses novos conceitos e planos nas atividades médicas. No
entanto, o principal é entender que essa associação deu visibilidade à ação médica
em Fortaleza e proporcionou a esses vários profissionais um campo de trabalho
mais receptivo e atuante nas questões da saúde pública no começo do século XX.
103

2.2 – A REVISTA

Nos amplos domínios da sciencia de Hypocrates teem sido


cultivadas a clinica medica e a cirurgia, porem a imprensa
medica, que é o expoente maximo da solidariedade mundial da
classe, por facilitar a permuta de noções theoricas e praticas
entre profissionaes habitando as mais remotas regiões do
globo, não tem sido até hoje considerada cousa viável no
Ceará, apesar do que vai de humano e sympathico nesse
tentamem.Por certo não contamos em nosso meio professores
eminente, scientistas de alto renome que illustrem as paginas
de uma revista com trabalhos originaes que façam escola, ou
sabias lições professadas ex-cathedra.
167
Dr. Aurélio de Lavor

Nas palavras do Dr. Lavor é ressaltada a falta que faz ao Ceará não possuir
no meio médico uma imprensa dedicada a noticiar suas pesquisas e feitos. Para ele
é provável que a causa esteja na crença de que no Ceará não há profissionais
capacitados para desenvolver um trabalho dedicado à divulgação dos preceitos
médicos através de um periódico.
Diante desses anseios e debates é que surge a revista, que representou o
Centro Médico Cearense e foi o instrumento de divulgação usado para relatar e
apresentar aos profissionais da saúde os trabalhos que vinham sendo realizados
pelos médicos, farmacêuticos e odontólogos de Fortaleza. E permitiu também a
troca de experiências sobre as novas teorias da medicina implantadas pelos demais
estados brasileiros e de outros países.

Assim, no dia 15 de abril de 1913 é publicado o primeiro número da revista,


que ficou conhecida inicialmente como ―Norte Médico‖ e teve publicação bimestral.
Foram seus primeiros redatores os médicos Aurélio Lavor, César Cals e Virgílio de
Aguiar. Apesar de não haver na equipe responsável pela revista nenhum
farmacêutico e odontólogo, pode-se notar que esses profissionais também
participaram das publicações, no entanto, é oportuno afirmar que não foram tão
ativos quanto a classe médica. Todos os artigos publicados eram aprovados durante
as reuniões dos membros do Centro. Esses textos eram trazidos por cada sócio ou
retirados das palestras que ali eram realizadas. Após a aprovação eram entregues
aos redatores que, junto com o material escrito enviado de outros estados,
organizavam a revista para ser lançada.

167
Revista Norte Médico, 15 de abril de 1913, p.1.
104

FIGURA 4 – CAPA DA REVISTA NORTE MÉDICO

(Revista Norte Médico, 15 de abril de 1913 - Setor de microfilmagem da Biblioteca Nacional - RJ)
105

Em março de 1917, o nome da revista “Norte Médico” sofreu alteração para


“Ceará Médico” por sugestão do médico Carlos Ribeiro, que acreditava que essa
mudança não alterava a essência e os seus objetivos.

A mudança ou modificação do nome não accarreta a menor alteração na


vida e no modo de ser do nosso jornalsinho. É simplesmente um dever que
se nos impunha a menos que nos quizessemos pretenciosamente arvorar
em representantes de quem para tanto, não nos delegou poderes. O norte é
muito vasto e já possue muito illustres collegas que tão bem, ou melhor do
168
que nos representam na imprensa medica.

O Dr. Ribeiro observou que a alteração do nome ocasionava uma


modificação importante na revista, pois se tirava a obrigação de publicar artigos e
dar noticias que abrangeriam não somente o Ceará mais os demais estados do
norte brasileiro. Desse modo, essa mudança possibilitou que as notícias e textos
divulgados ficassem mais restritos e voltados às necessidades do Ceará e não mais
do Norte como um todo.

Orgão do Centro Medico Cearense, acolherá no entanto com prazer em


suas columnas os trabalhos que lhe forem enviados por médicos,
pharmaceuticos ou cirurgiões dentista, em uma palavra por todos os
169
scientistas, de aquém e de além das fronteiras do Estado.

Além da participação dos membros do Centro nas publicações da revista,


também era permitida a outros profissionais, ligados à área da saúde, tanto do
Ceará como de outros estados, a publicação de seus artigos. Outro ponto bastante
relevante era saber a quem esse periódico estava destinado. No princípio das
pesquisas acreditou-se que a população tinha acesso a essa revista devido aos
tipos de propagandas encontradas. No entanto, ao observar os anúncios de
propaganda de medicamentos publicados na revista, notou-se que existiu uma
determinada associação do conhecimento científico e do popular. Evidentemente, a
intenção do texto era atingir os médicos e profissionais da saúde e, por conseguinte,
o público em geral.

Pílulas purgativas do Cirurgião Mattos


O preparado mais popular e mais antigo do Norte e Nordeste.
Mais de 60 annos no emprego no tratamento nas:
Prisões de ventre, enxaquecas, indigestões, fastios, dyspepsias, gripes,
febres reminittentes e intermittentes, (sezões) doenças do fígado... Enfim,

168
Revista Ceará Médico, março de 1917, p.15.
169
Ibid, setembro de 1915, p.2.
106

em todos os casos em que se faz preciso preliminarmente, uma medicação


purgativa...Todos os médicos aconselham as Pílulas Purgativas do
170
Cirurgião Mattos.Todas as pharmacias vendem essas prodigiosas pílulas.

Entre os objetivos da presença desses anúncios na revista estava a questão


financeira, pois eram publicadas mediante algumas taxas, o que contribuiu para a
continuidade do periódico e também gerou interesse dos profissionais da saúde,
uma vez que seus medicamentos ou consultórios estariam divulgados nas páginas
da revista do Centro Médico Cearense. Esse fato dava aos médicos credibilidade e
os promoviam diante dos demais médicos, farmacêuticos, odontólogos e também da
população local. Contudo, é relevante abordar que em sua primeira fase a revista
não contou com muitas propagandas e sua renda era adquirida mediante as vendas
e assinaturas obtidas, sobretudo com os membros do Centro Médico. Assim, notou-
se em alguns dos exemplares da revista Ceará Médico a presença de espaços em
branco destinados à publicação de propagandas de produtos e medicamentos.
Nessas páginas eram apontados os locais onde seriam colocados os anúncios e os
preços cobrados para utilização dessas páginas.

FIGURA 5- ESPAÇO DE PUBLICIDADE DA REVISTA CEARÁ MÉDICO

(Foto retirada da revista Ceará Médico, março de 1917)

170
Revista Ceará Médico, outubro de 1928, p. 26.
107

A primeira fase (1913-1919) foi um momento de adaptação e divulgação da


Ceará Médico. Como se observou na pesquisa, poucos eram os espaços dedicados
a esse tipo de propaganda destinado a difusão de medicamentos e serviços
particulares de saúde. Possivelmente, esse fato tenha contribuído para a suspensão
de suas publicações, já que é possível que o número de assinantes era insuficiente
para a manutenção da revista. Porém, na segunda fase (1928-1963) notou-se que
houve uma diferenciação nos tipos de artigos e também no aumento do número de
páginas dedicadas aos anúncios de medicamentos e consultórios particulares.

Srs. Médicos
Auxiliae a combater a tuberculose preconisando largamente a vaccinação
preventiva com as vaccinas de Friedmann.
Especificas, efficazzes, idolores, absolutamente sem nenhum perigo.
Aprovados pelo Departamento Nacional de Saúde Pública.
SO PODEM SER VENDIDOS SOB RECEITA MÉDICA, NA QUAL DEVE
171
SER INDICADA A CONCENTRAÇÃO DESEJADA.

Entre os anúncios publicados existiram aqueles dedicados a mostrar alguns


dos consultórios médicos existentes em Fortaleza e aqueles de caráter informativo
que foram frequentemente publicados nas páginas da Ceará Médico, principalmente,
de remédios trazidos de outros países. Na propaganda publicada na revista de 1928
observaram-se dois pontos importantes: primeiro que a divulgação da vacina de
Friedman tinha como público alvo os médicos, e que o medicamento proposto para o
tratamento da tuberculose deveria ser indicado e prescrito por esses profissionais;
segundo que essa vacina tinha a aprovação do Departamento Nacional de Saúde, e
isso possivelmente dava mais credibilidade para o uso desse medicamento no
tratamento da tuberculose.
É interessante apontar que houve um diferencial dos tipos de anúncios
nessas duas fases. Evidentemente, como já foi colocado, os objetivos principais
dessas publicações foi a manutenção financeira da revista, cujos espaços
reservados em branco eram usados pelos profissionais de saúde mediante o
pagamento de uma taxa. Assim, mesmo para esses fins os anúncios também
serviram como meio de divulgação das atividades profissionais na área da saúde. E
já na segunda fase a revista estava mais comercial e eram numerosas as
propagandas de remédios existentes em suas páginas. Deve-se também destacar

171
Revista Ceará Médico, outubro de 1928, p. 26.
108

que entre os anúncios mais frequentes nos anos de 1913 a 1919 estavam os
serviços clínicos particulares.
Foram poucos esses anúncios, provavelmente, não só por que a revista
precisou de um determinado tempo para obter credibilidade, como também pôde
não ter tido a princípio o objetivo de conter em suas páginas esse material. De
qualquer forma, na segunda fase, a partir de 1928, houve uma retomada mais ativa
para essas propagandas e isso possibilitou que não somente os locais de
atendimento desses profissionais fossem conhecidos, mas os medicamentos recém
lançados chegassem mais rapidamente ao conhecimento da população.

FIGURA 6- PROPAGANDA DE SERVIÇOS MÉDICOS

(Foto retirada da revista Ceará Médico, outubro a dezembro de 1917)

A distribuição e divulgação da Ceará Médico era realizada através do envio


dos exemplares para as diversas localidades do Brasil e não se obteve o
109

conhecimento de que essas revistas também fossem encaminhadas para outros


países, no entanto, devido às relações e intercâmbios de informações entre esses
profissionais, não se duvida de tal possibilidade. No final de um dos exemplares foi
encontrado por escrito o seguinte texto: “Pede-se a devolução deste número caso o
destinatário não queira ficar com a assignatura. A não devolução sera interpretada
como significando a aceitação de assignatura, o que muito penhoará a Redação‖. 172
Essa foi uma das estratégias utilizadas para a divulgação desses exemplares.
Para conhecer mais a revista Ceará Médico é necessário a análise de sua
estrutura durante a 1ª e a 2ª fase de funcionamento. Como já abordado, a revista foi
suspensa em 1919 e somente retornou suas publicações em 1928, juntamente com
o Centro Médico Cearense.
A partir do sumário da revista consegue-se visualizar as temáticas e estudos
propostos pelos associados do Centro Médico. Dentre os tópicos publicados entre
os anos de 1913 a 1919, temos dois que eram fixos: Varias e o Centro Médico e
outros que apareciam de forma aleatória na revista como: Notas práticas, Análises,
Formulários, Páginas Antigas e Publicações. E nos anos a partir de 1928 destacam-
se “Os Nossos Médicos, Trabalhos Originais, Crônicas-Variedades-Informações,
Notas Clínicas e Terapêuticas, Atas da Sociedade, Expediente e Bibliografia”. É
importante destacar que entre essas duas fases esses tópicos sofreram em vários
momentos alterações e acréscimos em suas publicações. Como por exemplo,
observou-se que o item “Bibliografia‖ passou a fazer parte da revista somente na
edição de outubro de 1928 e tinha como objetivo apresentar obras que foram
ofertadas ao Centro Médico e também o registro de publicações mensais recebidas
de vários estados brasileiros e de outros países.
No espaço ―Varias‖, foram publicados assuntos em geral sobre medicina
acadêmica tanto no Brasil como em outros países; no ―Centro Médico‖ os redatores
publicavam atas das reuniões do Centro. Em ―Notas práticas‖ eram colocados
relatos de casos estudados e observados pelos médicos no Ceará sobre
determinadas doenças. O ―Análises‖ era um espaço para relatos de casos
analisados em outros estados ou países. Em ―Formularios‖ apresentavam-se
fórmulas de remédios destinados ao tratamento de algumas doenças recorrentes.
―Páginas antigas‖ são relatos de alguns médicos do Centro com relação aos

172
Revista Ceará Médico, março de 1917, p.20.
110

tratamentos antigos que apresentaram êxitos e em ―Publicações‖ eram


apresentados livros, artigos e materiais de pesquisa lançados recentemente no
Brasil e em outros países.
Na segunda fase a revista foi reformulada e passou para uma publicação
mensal, apresentando os seguintes tópicos: ―Os Nossos Médicos‖ em que, os
redatores detiveram-se a escrever e a homenagear a atuação política e social dos
principais médicos cearenses, sobretudo, os associados. Em ―Trabalhos Originais‖,
encontram-se as pesquisas e tratamentos empregados no Ceará, em outros estados
e países. As ―Crônicas-Variedades e Informações‖ eram o espaço reservado aos
principais anúncios de pesquisas nacionais e de relatos e histórias de diferentes
casos e formas de tratamentos que estavam sendo aplicados no Brasil e na Europa.
―Notas Clínicas e Terapêuticas‖ continham a descrição dos medicamentos e
anúncios farmacêuticos que demonstravam a eficiência do uso de tais remédios no
combate às diferentes doenças presentes no Estado do Ceará e em outros estados
brasileiros. As ―atas da sociedade‖ eram destinadas a apresentar os assuntos
discutidos nas reuniões do Centro Médico Cearense. ―Esculapeana‖ foi uma parte
acrescida à revista a partir do ano de 1930 e tinha o objetivo de criticar algumas
ações médicas também ligadas à saúde pública tanto de Fortaleza como de outras
localidades. E por fim, os ―Expedientes‖ mostravam as condições necessárias para
os médicos, farmacêuticos e odontólogos de se tornarem assinantes da revista
Ceará Médico.
Deve-se chamar atenção novamente para a pouca participação dos
farmacêuticos e odontólogos, pois se percebeu que em sua maioria os artigos eram
de médicos. Isso é algo relevante, e quando se observa os primeiros redatores da
Ceará Médico, já se nota que não há nenhum desses profissionais participando da
construção da revista. Nos cargos assumidos na primeira diretoria do Centro Médico
eles aparecem em funções gerais como conselho fiscal e também nos postos de 1º
e 2º secretário. Assim, acredita-se que tal fato gerou conflitos e descontentamentos,
porém não aparecem abertamente mencionados nas documentações pesquisadas e
na segunda fase de funcionamento do Centro já se observou um maior afastamento
dessas duas classes de profissionais da saúde.
Analisando as fases da revista, de uma forma geral percebeu-se que
existiram dois contrastes. Numa primeira fase apresentava-se uma revista mais
111

voltada às necessidades internas do Centro Médico na qual eram divulgadas suas


atividades; num segundo momento, observou-se uma revista preocupada com o
exterior, e que apresentava uma associação mais participativa nos assuntos
relacionados à saúde em Fortaleza.
Através de uma análise comparativa entre os dois sumários da revista Ceará
Médico de 1915 e de 1928, percebeu-se um diferencial entre as atividades e
também entre os objetivos predominantes no Centro Médico. O primeiro é mais
restrito e voltado às atividades do Centro Médico e o segundo mais abrangente e
participativo quanto aos interesses da cidade.
No primeiro sumário (Figura 7) os assuntos são mais reduzidos e limitam-se
à explicação de doenças como a matéria intitulada ―Etio Pathogenia do Beri-Beri‖ e
às análises de alguns médicos e não demonstram qualquer atuação dos médicos na
cidade. E já no segundo (Figura 8), além dos estudos sobre as doenças, percebe-se
uma participação maior dessa associação nos assuntos da cidade quando em um
desses tópicos há a referência da realização da “Semana anti-alcoolica”. Deve-se
mencionar que foram analisados outros sumários e também se observou essa
mesma diferenciação de interesses do Centro Médico nessas duas fases.
Desse modo, entende-se como relevante também a realização de pesquisas
sobre os tipos de temáticas publicadas nesses artigos, uma vez que favoreceu a
análise e compreensão das ações do Centro Médico, como também a escolha e a
centralização de assuntos mais direcionados aos interesses e atividades do Centro,
às publicações de textos referentes a doenças mais recorrentes no Ceará e às atas
das reuniões efetuadas por essa associação.
É importante notar que todas essas fontes apontam os caminhos das
trajetórias médicas e sua análise permite que se consiga entender melhor as lutas e
conflitos que esses profissionais enfrentaram para ter suas ideias aceitas e para
também obter a confiança da população quanto a seus métodos de tratamento.
No entanto, não se encontrou referência na documentação que apontasse a
repercussão dessa revista em outras localidades do Brasil e até de outros países, no
entanto, pelos textos publicados notou-se que possivelmente houve uma circulação
fora também do Ceará.
112

FIGURA 7- SUMÁRIO DA REVISTA CEARÁ MÉDICO

(Foto retirada do sumário da revista Norte Médico, outubro de 1915)

FIGURA 8- SUMÁRIO DA REVISTA CEARÁ MÉDICO

(Foto retirada do sumário da revista Ceará Médico, novembro de 1928)


113

Na tentativa de entender a divulgação da Ceará Médico fora do Ceará e


procurou-se informações sobre sua circulação e também observou-se o
funcionamento de outras revistas médicas e até mesmo jornais que permitissem
notar as ligações e o uso desses materiais escritos pelas associações de médicos,
farmacêuticos e odontólogos.
É interessante destacar que se notou com essa documentação a existência
de modelos próximos aos da revista Ceará Médico e, principalmente entre as
revistas médicas de alguns estados brasileiros. Essas também estavam ligadas a
uma determinada associação e em sua estrutura interna tinham pontos em comum
com a revista do Centro Médico Cearense. Portanto, buscando referências de
revistas médicas estrangeiras se encontrou na Biblioteca Nacional de Portugal em
Lisboa periódicos médicos que demonstraram que Portugal fugia a essa lógica, uma
vez que essas revistas não defendiam os interesses somente de uma associação
médica, mas que lutavam pelo benefício e pelos direitos da classe médica no geral.
Apesar dos diferentes contextos históricos entre Portugal e Brasil no início
do século XX, sobretudo entre as distintas formas de organização da saúde pública
nas cidades portuguesas e nas cidades brasileiras, resolveu-se fazer uma ilustração
e análise sobre os aspectos estruturais e abordagens de um dos periódicos médicos
portugueses173, no intuito de compreender os diferentes usos desse material escrito
nesses dois países e também entender como a revista Ceará Médico, contribuiu
para a consolidação dos espaços de trabalho dos médicos em Fortaleza.
Em geral, notou-se que nenhum dos jornais ou revistas médicas
pesquisadas notou-se uma ligação dessas com as associações de médicos,
farmacêuticos e odontólogos, como ocorreu com a Ceará Médico, que representou e
foi órgão de divulgação das atividades do Centro Médico Cearense. No entanto, é
importante ressaltar que esses jornais e revistas portugueses não deixavam de
servir aos interesses dos profissionais da área da saúde de uma forma geral, uma

173
Dentre as fontes pesquisadas em Portugal destacam-se os seguintes jornais: A Medicina
Contemporânea, Porto Medico, Portugal Medico, o Jornal dos Médicos e Farmacêuticos Portugueses.
É importante afirmar que se encontrou referências sobre a existência de revistas e outros jornais de
medicina, mas infelizmente nos locais de pesquisa não foram encontrados. Para os pesquisadores
que desejam estudar esses jornais é importante destacar que alguns dos exemplares das revistas
Porto Medico, Portugal Medico, o Jornal dos Médicos e Farmacêuticos Portugueses foram
encontrados em sebos ou alfarrábios (conhecidos por esse nome em Portugal) na cidade do Porto e
infelizmente somente o jornal A Medicina Contemporânea estava disponível para pesquisa nas
bibliotecas portuguesas da Universidade do Porto e da Biblioteca Nacional de Portugal.
114

vez que apontavam e sugeriam modelos de ações para o melhoramento dos


tratamentos de saúde.
Dentre os periódicos pesquisados em Lisboa escolheu-se analisar nessa
tese o jornal A Medicina Contemporânea174, que iniciou suas publicações em 1883.
Dentre os anos encontrados destacam-se os anos de 1913, 1915, 1920, 1930, 1935
e 1938. Buscou-se esses periódicos na tentativa de perceber alguns dos diferenciais
dessa fonte com a revista do Centro Médico Cearense e, desse modo, observar as
publicações que estivessem mais próximas da periodização da ―Ceará Médico‖
(1913-1935). É também relevante enfatizar que alguns dos números estão em falta
na Biblioteca Nacional de Lisboa e isso também influenciou na escolha dessas
datas.
Notou-se, ao analisar as edições, que as assinaturas do jornal A Medicina
Contemporanea foram oferecidas tanto aos profissionais da saúde de Portugal como
aos estrangeiros, mas o público alvo eram os médicos. O preço de venda desses
periódicos variava de acordo com os tipos de assinaturas, ou seja, poderiam ser
anuais, semestrais ou trimestrais, diferentemente do que ocorreu com a revista
Ceará Médico, que tinha apenas disponíveis assinaturas anuais.
Primeiramente, observaram-se as estruturas (capa, sumário, artigos...) e
percebeu-se que em cada ano o jornal modificava sua estrutura, provavelmente
devido à mudança de seus redatores. Assim, na tentativa de analisar essas
mudanças buscou-se avaliar o sumário do jornal, pois ora tinha três itens centrais
em um dos anos, ora mais de cinco itens em outro período. E nesse ponto há
semelhanças com a estrutura da Ceará Médico, pois como foi visto ela também
apresentou diversas alterações.
No geral o sumário apresentava os seguintes itens: textos centrais,
sociedade cientificas portuguesas, análises, bibliografia, atualidades, movimento
médico português, variedades. Esses tópicos pelo material escrito analisado
variavam de edição para edição, pois se observou que nos jornais posteriores,

174
Esse jornal foi fundado pelos médicos Manoel Bento de Sousa e Miguel Bombarda e Sousa
Martins e nele vão colaborar os principais médicos da época e nomeadamente os de Lisboa. Dirigido
durante anos por Miguel Bombarda, esse jornal se transformou em espaço privilegiado para as suas
conhecidas polêmicas intelectuais no laboratório de histologia do Hospital de Rilhafoles para o qual
convidou Marck Athias, tendo também um papel protagonista na criação da Liga Nacional contra a
Tuberculose.
115

sobretudo, após os anos 1920 outros pontos apareciam para dar ênfase às outras
questões.
Para avaliar a estrutura de todo periódico, priorizou-se definir e destacar os
tópicos centrais apresentados no sumário. Primeiramente, percebeu-se que esses,
em geral, vinham na capa do jornal e que estavam acompanhados de diversas
propagandas de medicamentos. Na primeira parte, o periódico destacava os
trabalhos que eram estudados no meio médico. Assim, esses artigos destacavam
doenças e casos clínicos de Portugal e de outros países.

FIGURA 9- CAPA DO JORNAL A MEDICINA CONTEMPORÂNEA

(Foto retirada da capa do jornal A Medicina Contemporânea, 12 de janeiro de 1913)


116

É importante ressaltar que na maioria dos textos os médicos enfatizavam


mais os diagnósticos e não tratavam diretamente de apresentar os preventivos. É
algo também recorrente com os artigos da Ceará Médico, que somente vão tratar
das ações preventivas ou nos períodos de epidemias ou nos anos posteriores a
1928, na segunda fase da revista, já que no primeiro capítulo desta observou-se que
os médicos e os demais profissionais nos primeiros anos do século XX efetuavam
suas medidas preventivas juntamente com o aparecimento das doenças.
Outro ponto significativo foram as propagandas existentes nesse jornal e
através da análise delas percebeu-se que assim como a revista Ceará Médico, esse
periódico circulou exclusivamente no meio médico e entre os profissionais ligados às
áreas da saúde, como farmacêuticos e odontólogos. Para compreender os
propósitos desses anúncios observou-se os vários tipos de propagandas publicadas
nesse jornal e a quem estavam sendo direcionadas.

FIGURA 10- PROPAGANDA DE MEDICAMENTO

.
(Foto retirada do jornal A Medicina Contemporânea, 19 de janeiro de 1913)
117

Nesse anúncio, possivelmente enviado por um farmacêutico, notou-se pela


frase ―SENHOR DOUTOR‖ a que público alvo estavam direcionadas as
propagandas e os textos do Jornal A Medicina Contemporânea. É importante
enfatizar que no decorrer de outras edições essa mesma propaganda vai repetir-se,
uma vez que esse espaço teve como finalidade a divulgação e a venda de
medicamentos. Também não se pode deixar de abordar que nos diversos anúncios
de medicamentos os termos e palavras médicas são bastante utilizados, deixando
mais evidente que a classe médica foi um dos leitores centrais a quem esse
periódico desejava atingir.
Os anúncios e propagandas de medicamentos e dos consultórios também
eram utilizados como meio de obter renda para o jornal e assim como a revista
Ceará Médico, esse periódico também permitiu aos médicos, farmacêuticos,
odontólogos e demais profissionais da área da saúde ter suas atividades conhecidas
e aprovadas pela população, a partir da credibilidade alcançada por esses
instrumentos de divulgação.
A partir dos jornais do ano de 1915 em Portugal percebeu-se que ocorreram
algumas alterações nesse periódico. Primeiramente as propagandas aumentaram e
isso possivelmente tem ligação com o aumento das vendas e circulação desse
jornal. Segundo que as questões e problemáticas relacionadas à saúde e à medicina
acadêmica passavam por mudanças em seus conceitos, pesquisas e resultados e
desse modo teve-se uma nova aparência nos textos do periódico A Medicina
Contemporanea. Em Fortaleza o processo foi parecido somente quanto aos novos
conceitos surgidos no meio médico, pois com relação aos anúncios observou-se que
não cresceram tão rapidamente e somente apresentaram um aumentou na segunda
fase da Ceará Médico.
Na matéria intitulada “Código deontologico‖ o médico Antônio de Azevedo
mostrou algumas das regras e normas éticas que deveriam ser cumpridas pelos
médicos sócios, ou não, da Associação Médica Lusitana.

...Certamente que não é intenção da Associação Medica Lusitana julgar e


condemnar clínicos extranhos ao seu grêmio, todavia e para este ponto não
podemos deixar de chamar attenção... parece dedurzir-se que póde ser
175
castigado, mesmo o medico não sócio.

175
Jornal A Medicina Contemporânea, 17 de janeiro de 1915, p. 24.
118

Nessa fonte percebeu-se que Portugal teve também a presença ativa de


uma associação médica, que também tinha uma preocupação com as ações e
posturas médicas de seus membros e daqueles que não pertenciam a esse grêmio.
Olhando para as ações do Centro Médico Cearense, em nenhum momento notou-se
que os médicos ou profissionais da saúde não-sócios eram apontados e controlados
por essa associação quando fugiam às regras e aos cumprimentos éticos exigidos
para os sócios. Contudo, é importante ressaltar que apesar de serem associações
diferentes quanto aos seus objetivos e interesses, tinham nas ações éticas dos
médicos um ponto de convergência.
Não se desejou fazer um comparativo somente para perceber os pontos
comuns e divergentes dessas duas fontes, mas tentou-se analisar e explicar a sua
importância para os interesses médicos vigentes no início do século XX. A busca por
um espaço de divulgação de suas ações era algo que estava tanto ligado aos
anseios das associações, como foi o caso do Centro Médico Cearense, como
também fora desse espaço, como foram os objetivos do jornal A Medicina
Contemporânea, mas que em geral todos esses instrumentos tinham no médico e
em suas ações o foco principal.
Retomando a análise da revista Ceará Médico notou-se que apesar de ela
ter representado os ideais dos médicos, farmacêuticos e odontólogos, já foi visto que
somente os médicos estiveram mais participativos na produção dos artigos e isso
possivelmente tenha contribuído para que houvesse o afastamento dos
farmacêuticos e odontólogos na segunda fase do Centro. Mas, de qualquer forma já
se notou na 1ª fase que tanto o espaço do Centro Médico quanto das publicações na
revista eram centrados na classe médica.
Observando as duas fases quanto aos tipos de artigos, notou-se que a partir
de 1928 a revista toma um rumo diferente e bem mais visível dentro da cidade, pois
além de os artigos conterem informações sobre a participação do Centro nas
atividades ligadas à saúde pública, também passaram os médicos a escrever em
artigos mais críticos, expressando mais frequentemente o que pensavam. Esse foi o
caso da criação do tópico ―Esculapeanas‖ pelo médico Virgílio de Aguiar em 1930.

Custa-me convencer que deontologia é materia que se apprenda e se


discuta, porque tenho para mim que é simplesmente ethica, cousa muito de
se conceber que tenha o medico creatura de maior edade, homem de
educação superior. A moral é disciplina que apprendemos na lição e pratica
119

da educação paterna, (esta que nos dá a maior e melhor base) podendo


176
depois com a cultura ser mais perfeita e senhoril.

Uma das fortes marcas do Dr. Virgílio em seus artigos foi sempre abordar de
forma enfática como a classe médica atuava no Brasil e, sobretudo, como os
médicos vinham desempenhando suas funções nos espaços de Fortaleza.
Analisando esse tópico da revista percebeu-se que ele seguia sempre uma
característica crítica na escrita de seus vários textos, inclusive nesse trecho notou-se
que ele faz referências à deontologia177, em que deixa claro que não considerava tal
assunto como algo que deveria ser aprendido durante os cursos e carreiras
médicas, mas sim algo que já fazia parte da educação trazida dos lares desses
médicos.
Além dos textos mais críticos e reflexivos, observou-se que apareceu o uso
de imagens que não tinham apenas o interesse da propaganda, mas que pretendia
mostrar os assuntos que causavam discordâncias aos interesses da classe médica
em Fortaleza no decorrer da década de 30 do século XX.
Dentre os assuntos considerados mais problemáticos, citados pelo Centro
Médico Cearense nessa fase, estavam também à questão das prevenções das
doenças, do melhoramento das condições higiênicas da cidade e, sobretudo as
práticas populares de cura. É interessante mencionar que os médicos tinham essa
associação médica como instrumento de alcance de seus interesses e que o Centro
deveria lutar para possibilitar a esse grupo um espaço mais efetivo dentro da cidade
e que obtivesse o apoio da população.
Assim, para que esse objetivo tivesse resultados favoráveis, algumas ações
precisavam ser adotadas. Uma das formas usadas foi a publicação de artigos e de
propagandas na Ceará Médico e possivelmente em jornais e algumas ações
médicas que mostravam que as medidas profiláticas defendidas pela medicina
acadêmica eram eficazes e traziam resultados satisfatórios para a saúde da
população local.

176
Revista Ceará Médico, dezembro de 1930, p. 8.
177
É interessante mencionar que Dr. Virgílio de Aguiar retoma e aponta outras problemáticas do
debate sobre deontologia que foi iniciado com a elaboração do Estatuto do Centro Médico Cearense
em 1913. (Anexo1)
120

FIGURA 11- ILUSTRAÇÃO DA REVISTA CEARÁ MÉDICO

(Imagem retirada da revista Ceará Médico, outubro de 1930)


121

Em geral o uso de imagens apareceu na revista para propagandas de


medicamentos, contudo, nessa fase da década de 30 passou a assumir outras
finalidades, como foi o caso da caricatura encontrada na revista Ceará Médico de
outubro de 1930, que buscou chamar atenção para uma das questões mais
debatidas entre a classe médica, que foram os embates entre a medicina acadêmica
e a medicina popular. (Figura 11)
Deve-se notar que constantemente os médicos buscavam espaços de
atuação entre a população. E conseguir uma credibilidade e confiança nos métodos
trazidos pela medicina acadêmica era necessário para a consolidação de seus
objetivos.
Como a figura demonstrou, era necessário desqualificar os medicamentos e
as práticas populares de cura para valorizar mais sua ação e para isso as
propagandas e os artigos em revistas e jornais eram um forte meio de tentar abolir
essas ideias.
Também é interessante mencionar que esse tipo de imagem em forma de
caricatura já era usado pelas revistas médicas e jornais da época para criticar tantos
os usos de medicamentos populares como a situação da saúde no Brasil nos finais
do século XIX e início do XX.178
Nessa imagem (Figura 11) observou-se que a crítica estava direcionada à
continuação dos costumes e usos de determinados medicamentos ligados às
crenças populares e, sobretudo, nas formas de tratamento que ainda predominavam
no Ceará. Assim, o uso da metáfora do paciente doente pelo uso excessivo de “água
179
de maravilha” e que tinha nesse doente a representação do Estado do Ceará,
preso às práticas populares de curas, necessitando dos conhecimentos da medicina
acadêmica para encontrar o caminho da tão desejada “liberdade” das doenças. Os
médicos representados na imagem como guias ou direcionadores desse trajeto
seriam os responsáveis por libertar essa terra dessas doenças. Assim, essa
caricatura mostrou o quanto à população continuava presa às antigas tradições de
cura e a classe médica era a grande solução para esses que viviam a busca de

178
Para ver mais imagens usadas nesse sentido ver; CHALHOUB, Sidney. Op. cit., nota 13.
179
O uso de água de maravilha era muito comum e a população tratava desde queimaduras a picada
de insetos com esse medicamento. Nessa imagem os autores a usam no intuito de mostrar os
diversos medicamentos populares que ainda predominavam mesmo com a ascensão dos tratamentos
médicos.
122

soluções para os seus males. No entanto, analisando as fontes, notou-se que a


estratégia usada pela medicina acadêmica foi colocar as práticas populares como
sendo erradas e prejudiciais e aquelas realizadas pelos médicos como as
qualificadas e certas.
Os médicos cearenses encontraram na Ceará Médico um forte aliado para o
alcance de seus ideais e durante essas duas fases distintas a revista passou por
diversas mudanças, uma vez que ela representava o Centro Médico Cearense e
moldava-se também diante de suas mudanças. Para a atuação médica no começo
do século XX essa fonte nos permitiu valiosas descobertas e também possibilitou
encontrar os pontos de dificuldades enfrentados por essa associação, que buscava
legitimar entre a população o conhecimento da medicina acadêmica e também obter
mais espaços de atuação em Fortaleza no início do século XX.
123

2.3 – A AÇÃO NA CIDADE

O Centro e sua revista tornaram-se mais um instrumento de


discussão e propagação dos saberes médicos e de suas idéias
e práticas voltada à medicalização da cidade...Segundo a
historiografia médica cearense, a associação não só reforçou o
prestigio científico da medicina local como também contribuiu
largamente para que o serviço de saúde pública da Capital
conhecesse fase inédita de progresso e realizações.
180
Sebastião R. Ponte

Fortaleza, como já foi apresentada, não tinha passado por grandes


transformações no campo da saúde e seus médicos tinham pouca participação nas
principais atividades da saúde pública, pois em geral estavam mais centrados nos
atendimentos em domicílio ou em seus consultórios. Isso contribuiu para que a
população local no começo do século XX não tivesse tanta confiança em sua
atuação e assim procurasse nas práticas populares de cura a solução para seus
problemas.
O aparecimento do Centro Médico possibilitou que essas e outras questões
fossem modificadas e que o médico que estava atuando individualmente obtivesse
nessa associação respaldo e credibilidade entre os moradores da cidade para as
suas ações, uma vez que suas intenções não estavam somente relacionadas ao
campo da teoria, mas também ao da prática.
Como se observou nas palavras do historiador Ponte, os ideais de progresso
também permaneciam presentes quanto às questões da saúde pública. Os médicos
desejavam obter um espaço maior dentro da cidade para utilização de seus
preceitos e isso foi possibilitado com o aparecimento do Centro Médico Cearense e
de suas ações em Fortaleza. Evidentemente que na primeira fase as práticas vão
foram mais individuais do que coletivas, ou seja, seus membros estavam mais
presentes e ativos em algumas das mudanças e medidas ligadas à saúde pública. E
nesse momento, a associação serviu como um apoio a essas instituições que tinha
como atividades mais frequentes as palestras e recepções aos visitantes. Na
segunda fase notou-se que o Centro Médico esteve mais ativo e participativo na
organização da saúde pública em Fortaleza seja nas matérias publicadas na Ceará
Médico seja nas atuações individuais e coletivas.

180
PONTE, Sebastião Rogério. Op. cit., p. 121, nota 10.
124

Dentre as principais instituições que tiveram o apoio do Centro Médico


Cearense nessa primeira fase (1913-1919) destacam-se: O Instituto de Proteção e
Assistência à Infância, A Maternidade João Moreira, Faculdade de Farmácia e
Odontologia, O Instituto Pasteur. Na segunda fase, a partir de 1928, houve mais
atividades junto à população, como a divulgação das normas de higiene, a visita às
escolas para realização de palestras, o patrocínio da semana antialcoólica, os
debates e ações sobre o tratamento da água do rio Acarape, e também o apoio à
fundação do Leprosário Antônio Diogo, da Casa de Saúde São Lucas e o Centro de
Saúde de Fortaleza.
Dentre as fortes características observadas na atuação do Centro Médico na
cidade, sobretudo nessa primeira fase, destacam-se duas importantes práticas:
aquelas realizadas a partir dos sonhos e anseios individuais, ou seja, cada membro
realizava seus projetos e tinha o apoio de todos os outros associados e as medidas
tomadas pela associação no intuito de beneficiar o melhoramento da saúde pública
em Fortaleza. Nessa última questão notou-se que não houve muitas ações, pois é
provável que o pensamento de que os cuidados com a saúde pública eram de
responsabilidade do governo contribuiu para que não houvesse nesse momento
realizações mais diretas e participativas dessa associação dentro da cidade. Mas,
analisando as fontes notou-se que mesmo nas pequenas medidas existiu a
participação e o interesse do Centro nas questões ligadas à saúde pública da
cidade.

Em seguida o Snr. Presidente communicou que havendo-se entendido


pessoalmente com o Dr. Marinho de Andrade no sentido do Centro poder
enviar as enfermarias da Santa Casa uma commissão do seu seio para o
estudo das entidades mórbidas reinantes ficava a dita commissão composta
dos Snr. Dr. Carlos Ribeiro, Manuelito Moreira, Thomaz Pompeu e Cesar
181
Cals.

Nessa reunião realizada pelo Centro Médico no dia 6 de fevereiro ficou


evidenciado que essa associação não esteve tão passiva às ações em prol da saúde
pública na cidade e mesmo que em geral essas medidas não tenham sido tão
constantes são ainda relevantes, pois apontam a crescente confiabilidade que foi
consolidando a cada ano em relação ao Centro Médico Cearense ao ponto de serem
solicitados os seus préstimos para o combate e prevenção das doenças.

181
Revista Norte Médico, janeiro e fevereiro de 1916, p.18.
125

As atas das reuniões contidas na revista Ceará Médico, nessa primeira fase,
foram uma importante documentação para analisar a atuação dessa associação nas
questões relacionadas à saúde da cidade. Nessa fonte encontraram-se indicações
tanto das práticas individuais de seus membros como atividades e propostas de
trabalhos a serem executadas para o melhoramento da saúde pública de Fortaleza.
Outro meio em que se notaram as ações médicas na cidade foram nas
reclamações e críticas publicadas na Ceará Médico, onde determinados atos e
medidas tomados com relação à saúde pública traziam prejuízos para a higiene e
controle das doenças na cidade.

Levamos d´aqui o nosso appello ao digníssimo Prefeito para que tome em


consideração os escrúpulos naturaes do nosso collega da Prefeitura, sobre
quem incide directamente de parte do público a responsabilidade dos
damnos causados pela carne verde e patenteamos, com o exemplo, que as
contravenções da saúde pública, não vingam da incapacidade da
autoridade sanitária senão pouco caso por que são encarados pela
182
administração publica, os problemas à saúde geral.

Nesse artigo intitulado ―Attestados da carne verde‖ são feitas denúncias e


protestos pelos membros do Centro Médico em relação ao modo como eram
tratados a venda de carnes verdes na cidade, e como a população recusava-se a
cumprir a lei em que a venda da carne somente era autorizada mediante um exame
sanitário realizado por um médico ou profissional da área. Desse modo, através
desse artigo o Centro Médico tentou alertar as autoridades administrativas quanto à
fiscalização do cumprimento dessa lei e também a verificação dos profissionais que
eram escolhidos pelo matadouro para a realização do exame sanitário. E mesmo
indiretamente percebeu-se que através dessas denúncias o Centro se mostrava
presente e atuante ao apontar e criticar as problemáticas da higiene pública em
Fortaleza.
A construção da confiança nas atuações uns dos outros também foi um dos
pontos observados nessas fontes. E isso é algo que transpareceu na atitude do Dr.
Carlos Ribeiro quando na reunião do dia 18 de setembro levou o regulamento
organizado por ele na Inspetoria de Higiene Pública para apresentação e aprovação
de seus colegas do Centro. Desse modo ―iniciou a leitura do novo regulamento de

182
Revista Norte Médico, agosto e setembro de 1916, p.11.
126

183
sua repartição que vai ser apresentado ao Sr. Presidente do Estado‖ . Esse fato
mostrou o quanto essa associação uniu interesses e compartilhava suas decisões e
procedimentos.
O Dr. Ribeiro compartilhou com os demais membros do Centro Médico
várias de suas medidas e determinações enquanto esteve no cargo de inspetor de
higiene e também se utilizou do espaço da revista e das reuniões do Centro para
solicitar dos médicos algumas mudanças em suas práticas. Dentre os pedidos
estava o cumprimento de algumas normas e o atendimento ao pedido da Inspetoria
como, por exemplo, quando na reunião do Centro Médico de junho de 1917 ele
―communicou que estava organizando a lista dos profissionais diplomados e por isso
pedia a todos os membros do Centro que não tivesse seus títulos registrados que
tratassem de registra-los.184 Dentre os inspetores da higiene pública ele foi um dos
que mais aproximou os membros do Centro Médico Cearense às questões da saúde
pública na cidade. Ele também promoveu diversas modificações na Inspetoria de
Higiene Pública e através da sua participação ativa no Centro conseguiu uma maior
proximidade com os médicos de Fortaleza.
Como já mencionado não foi tão intensa a participação em conjunto do
Centro Médico entre os anos de 1913 a 1919 com relação às atividades de saúde
pública da cidade Provavelmente essa associação seguiu aos poucos as
transformações e os espaços conquistados pela medicina acadêmica e assim
adquiriu experiências que na segunda fase lhe proporcionaram mais autonomia e
participação nos assuntos de saúde local. Deve-se mencionar que as ações do
Centro Médico na cidade favoreceram aos médicos a construção do seu
conhecimento e a credibilidade em suas ações junto à população.
Além das práticas relacionadas à saúde, observou-se que alguns médicos
também aderiram ao campo político. Possivelmente, esse foi um forte aliado na
conquista de espaços para a aplicação de seus métodos e também para legitimar
seus conceitos e ideais, aproximando-os da população local. Não se conseguiu
documentos que apontassem as intenções desses médicos ao buscarem os cargos
políticos, mas acredita-se que dois motivos tenham sido impulsionadores para tal
escolha: o prestígio obtido com esses cargos e uma maior participação nos assuntos

183
Revista Norte Médico, agosto e setembro de 1916, p.15.
184
Revista Ceará Médico, junho de 1917, p.36.
127

administrativos da cidade.185 Em geral, a busca por uma aceitação de seus


conceitos e de seus métodos era o mais almejado por esses profissionais.
Além de artigos, críticas, palestras e outras atividades, também ocorreram
outras formas de intervenção desses médicos na cidade, que foi o envio de ofícios
para os demais profissionais da saúde e também para a presidência no intuito de
intervirem em assuntos que afetavam a saúde dos moradores e da cidade.

O Dr. Manuelito Moreira propôs que o Centro dirigisse um appello aos Snr.
Pharmaceuticos afim de que não aluguem seus nomes como responsáveis
de pharmacias como fazem vários até muitas vezes por preços
insignificantes, o que é, além de contrario a disposição da lei, deprimente
para a classe e prejudicial á saúde publica. Approvada as propostas, foi
deliberado que o Centro por intermedio do secretario dirigisse uma circular
186
neste sentido aos Snr. Pharmaceuticos.

É interessante nessa fonte observar primeiramente a presença ativa do


Centro Médico e, principalmente, notar novamente a insuficiente participação dos
farmacêuticos nessa associação, não somente por que tal sugestão de apelo tenha
partido de um médico, mas também como em nenhuma fonte foi notada a
intervenção de um farmacêutico nessa circunstância, uma vez que o assunto atingia
diretamente suas atividades. Mas, uma vez percebeu-se o quanto essas duas outras
categorias tinham pouca participação e como o Centro Médico estava mais centrado
ao atendimento das necessidades da classe médica cearense.
Na segunda fase observou-se além de tudo uma associação mais integrada
e mais presente na cidade. Os anos de experiência e o período de paralisação de
suas atividades possivelmente contribuíram para que o Centro Médico Cearense a
partir de 1928 assumisse uma nova postura diante dos seus objetivos. Nesse
momento é interessante lembrar que o contexto da saúde nacional passou a tomar
novos rumos e a tornar-se mais prioritária entre as ações direcionadas pelo Governo
Federal, uma vez que os desígnios e conceitos da medicina acadêmica vigoravam e
determinavam as direções a serem tomadas. Pode-se pensar que a provável
consequência desse fato foi o aumento do número de instituições voltadas ao

185
Dentre os médicos que assumiram o cargo de presidente do estado do Ceará durante os anos de
1900 a 1935 estavam o Dr. João Moreira da Rocha em 1925 e o Dr. Manuel Fernandes Távora como
interventor em 1930. Evidentemente, que os médicos participaram também de outros cargos públicos
como foi caso do Dr. Cesar Cals que foi prefeito de Fortaleza no ano de 1930 e outros cargos
políticos.
186
Revista Ceará Médico, junho de 1917, p. 36.
128

atendimento e tratamento dos doentes em Fortaleza e isso permitiu aos médicos um


campo maior de trabalho e participação na cidade.
Entre as primeiras medidas tomadas pelo Centro Médico para aproximar-se
da população estava o aumento das palestras nas escolas e também os eventos
fora do ambiente da associação. É importante destacar que nesse momento o
Centro passou a funcionar em uma das salas do prédio da Faculdade de Farmácia e
Odontologia e assim pôde implantar sua biblioteca, que até então somente constava
da sua referência nos registros do estatuto de 1913. No entanto, pelo que apontaram
as fontes isso foi temporário e logo as reuniões voltaram a ser realizadas nas casas
de seus membros.
Dentre as realizações mais efetivas pode-se citar a organização da semana
anti-alcóolica juntamente com o Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural. Tal
acontecimento marcou o início de uma série de atividades que passariam a fazer
parte dos planos do Centro Médico Cearense e somente teriam fim com a
dissolução dessa associação no ano de 1963.

O programa que adoptamos foi dos mais simples, sem prejuízo da sua
eficciencia. Fizemos realizar todos os dias uma conferência ou palestra de
propaganda anti-alcoolica, procurando para ellas auditorios numerosos de
operarios, de estudantes, de pequenos negociantes, de soldados, em cujo
187
seio as idéias anti-ethylicas pudessem ser propagadas com real proveito.

A intenção era buscar na população aqueles que estivessem mais


propensos ao alcoolismo, para que através dessas conferências trouxesse o
melhoramento para a vida dessas pessoas e também para a ordem da cidade, já
que constantemente em seus discursos o Centro Médico Cearense deixou evidente
que suas ações tinham o interesse de beneficiar a saúde da cidade.

A exigüidade de tempo e carencia de meios, não nos permittiram dar esse


certame de educação sanitária, um desenvolvimento que impressionasse
pelo fulgor do espetáculo. Procuramos, ao invés, semear mansamente a
semente da persuasão para que ella germine, seja arvore que floresça e
188
nos possa, em futuro próximo ou remoto, dar os fructos que deve dar.

Observou-se também nessa fonte que a preocupação com o controle das


doenças impulsionou as diversas ações médicas. Era evidente o pensamento de

187
Revista Ceará Médico, novembro de 1928, p.3.
188
Idem.
129

que a falta de cuidados com essa questão prejudicava os ideais de normatização


social e acabava causando danos ao desejo de progresso para a cidade.
De certa forma esperava-se que com essas palestras ocorressem mudanças
que contribuíssem para a alteração desse quadro que vinha ocasionando
dificuldades aos administradores da saúde pública em Fortaleza, uma vez que para
os médicos o alcoolismo estimulava o aparecimento da criminalidade, do desgaste
da saúde física, da loucura, do surgimento de outras doenças como a sífilis, a
indisposição para o trabalho e assim prejuízos ao funcionamento da ordem e da
disciplina no espaço público.
Entre as intervenções ocorridas destacam-se também as discussões e as
visitas realizadas por uma comissão de médicos do Centro Médico Cearense a fim
de tomarem conhecimento sobre uma possível contaminação de chumbo que atingia
o açude Acarape, principal responsável pelo abastecimento de água da capital
cearense. Esse assunto foi levado às sessões do Centro através do sócio e médico
José de Almeida, indicado pelo governo para resolver a situação do processo de
purificação e limpeza desse rio, e diante das resoluções e debates ―O Centro Medico
resolveu mandar proceder exame chimico nas águas previamente purificadas, dos
reservatórios de distribuição para Fortaleza, e das torneiras em Fortaleza‖. 189 Como
apontou a matéria do jornal O Nordeste190 de agosto de 1928, foi organizada uma
comissão do Centro Médico para realizar pesquisas e tentar agir no intuito de evitar
uma contaminação e prejuízo na saúde pública da cidade.
A Lepra também esteve entre as doenças que trouxeram grandes debates
ao Centro Médico. Inclusive, medidas foram pensadas e executadas para melhor
resolver essa situação. Entre os médicos mais empenhados na resolução desse
problema estava o Dr. Antônio Justa, fundador do Leprosário de Antônio Diogo, e
que apresentou em uma das reuniões do Centro Médico as dificuldades encontradas
por essa instituição.

189
Jornal O Nordeste, 13 de agosto de 1928, p.5.
190
O Nordeste foi um jornal vespertino e órgão católico que iniciou suas publicações no dia 29 de
junho de 1922, estava amparado pela Arquidiocese de Fortaleza e tinha como diretor o Padre José
de Lima e como redator chefe Dr. Andrade Furtado. Aos pesquisadores que têm o interesse em
realizar pesquisas nesse periódico, atualmente, há alguns exemplares na Biblioteca Pública do
Estado do Ceará Governador Menezes Pimentel e no Seminário da Prainha.
130

Em anteriores edições nos ocupamos da situação em que se encontra a


nossa gafaria, assinalando ter sido agitado o assunto em sessão do Centro
Médico, que nomeando uma comissão para estudá-la, e propor medidas a
respeito, dispoz-se a mais uma vez interferir em prol daquela caridosa
instituição. A comissão acima referida que é composta dos Drs. Antonio
Justa, César Cals e Pedro Sampaio, está empenhada na elaboração de um
memorial a ser apresentado na próxima sessão da douta sociedade. Como
introdução a esse trabalho, ou melhor para servir de base ao mesmo,
devotado clínico Dr. Antonio Justa, leu em sessão realizada na noite de 9,
191
algumas notas...

Assim, percebeu-se no decorrer da década de 30 que o Centro passou a


estar mais ativo e presente nas questões da saúde pública de Fortaleza, inclusive,
agindo mais diretamente do que o próprio Governo. Em um dos artigos do jornal O
Nordeste verificou-se o quanto a participação do Centro Médico Cearense teve uma
significativa importância para a população local.

Não são raros os gestos altruísticos e os movimentos humanitarios partidos


dos cultores da bella sciencia e, neste caso, está a atitude que acaba de
tomar o Centro Medico Cearense que, ultimamente, resolveu emprehender
uma campanha no sentido de facilitar ao povo a acquisição de
conhecimentos úteis, necessários ao combate das endemias que nos
assolam e das molestias outras, de caráter grave ou indeccioso, que
192
atacavam continuamente a população.

Essa fonte permitiu notar o quanto o Centro Médico esteve ativo e ligado às
ações na cidade e também no empenho de combater as doenças através de
campanhas preventivas entre a população. Isso possivelmente fez com que a
credibilidade das suas ações e práticas no campo da saúde recebesse aprovação
dos moradores de Fortaleza e também o apoio governamental.
Através da pesquisa em alguns dos jornais publicados no período da
segunda fase do Centro, observou-se que o uso desse espaço na imprensa local
passou a ser mais utilizado pelos membros do Centro Médico e além da revista
Ceará Médico tinha-se nesses periódicos outros meios de divulgação de suas ações
e atividades para toda a população, diferentemente da primeira fase, em que se
notou uma associação menos ativa nos assuntos da saúde pública. Assim,
encontrou-se nas páginas desses jornais as chamadas dos associados para as
palestras e também as atas das reuniões do Centro realizadas nas semanas
anteriores.

191
Jornal A Rua, 13 de março de 1934, p. 3.
192
Jornal O Nordeste, 13 de maio de 1928, p.1.
131

O Centro Medico Cearense realizará amanhã, dia 6 do corrente, as 19 ½


horas na Santa Casa de Misericordia, a sua sexta sessão ordinaria, para a
qual encarece o comparecimento dos seus associados. Acham-se inscriptos
para falar na ordem do dia: Dr. José de Almeida – A água de Acarape,
Dr.Alvaro Fernandes – O charlatanismo leigo e o Dr. Amaral Machado – A
193
prophylaxia da lepra.

Tal fato possibilitou que a população de Fortaleza tomasse conhecimento


sobre as atividades do Centro e isso possivelmente dava a esses médicos a chance
de estarem mais presentes e participativos nos assuntos da saúde urbana. Não se
pode deixar de pensar que essa atitude descentralizou mais o Centro quanto às
questões de divulgação das suas práticas e também permitiu que suas ideias não se
restringissem aos sócios assinantes da revista Ceará Médico.

A requerimento de 10 socios do Centro Medico, presentes á ultima sessão


ordinaria realizada a 14 de fevereiro, o Dr. Presidente convoca os socios do
Centro Medico para se reunirem em “Assembleia Geral” no dia 22 deste
mez, sexta-feira próxima, na residencia do Dr. Virgilio de Aguiar, a avenida
do Imperado nº336, afim de tratar da “sindicalização” da mesma
194
sociedade.

É interessante citar que a ideia da fundação de um sindicato médico no


Ceará surgiu no dia 26 de junho de 1931 na residência do Dr. Menton de Alencar
durante uma das reuniões do Centro Médico Cearense e pela descrição noticiada no
jornal tinha-se o desejo de que os médicos não sócios do Centro pudessem aderir à
tal ideia. No entanto, ocorreram algumas dificuldades e de acordo com o médico
Vinicius Barros Leal:

...desconhecia-se o verdadeiro sentido da sindicalização. Sendo uma


associação com a finalidade da defesa permanente de empregados, não se
justificava a sua presença, ou a sua existência numa classe, que até então,
195
não tinha patrão, não eram considerados empregados.

Essa falta de objetividade e desconhecimento com relação às funções do


sindicato foi um dos pontos que enfraqueceu e desestimulou o seu funcionamento.
Contudo, alguns médicos defenderam que a função desta nova associação era,

193
Jornal O Nordeste, 06 de julho de 1928, p.8.
194
Jornal Correio do Ceará, 18 de fevereiro de 1935, p.7. Jornal vespertino, político, independente
que foi fundado no dia 2 de março de 1915 pelo jornalista Álvaro da Cunha Mendes e tinha como
objetivo de trazer ao Ceará um verdadeiro jornalismo, de cunho informativo e que estivesse cercado
de técnicas avançadas e inspiradas nos jornais do sul do país.
195
LEAL, Vinicius Barros. Op. cit., p. 157, nota 1.
132

principalmente, tentar lutar contra o exercício ilegal da medicina, o curandeirismo, o


charlatanismo e todas as práticas que infringissem os códigos de deontologia da
medicina acadêmica.
O Dr. Barros Leal em seu texto afirmou que outro fator que impediu tal
realização foi ―a pacatez do exercício da profissão no provinciano burgo, o diminuto
número de colegas e a falta de qualquer um que tivesse os vínculos empregatícios
que demonstrasse a necessidade de uma defesa perante um empregador.‖ 196.
Apesar dessas barreiras desejava-se que essa ideia fosse consolidada e dentre
seus idealizadores mais entusiasmados estava o Dr. Virgílio de Aguiar, que lançou
vários artigos da ―esculapeanas‖, na revista Ceará Médico, relatando sobre a
importância do sindicato no Ceará.

E porque cêdo apercebi que os collegas não se preocupam com coisas da


classe, haja visto o vazio da sessão de posse da 1º Diretoria do Syndicato
Medico Cearense, que seria o seu órgão creditado e culminante para sua
honra e defeza, declínio de leval-o para ao diante...porque eu não tenho
mais coragem de passar pela vergonha que passei quando d´aquela sessão
197
de posse.

Nas palavras do Dr. Virgílio notou-se sua decepção com a classe médica de
Fortaleza, uma vez que esperava que todos pudessem participar mais ativamente
desse ideal, no entanto, ao ver na inauguração do sindicato apenas 11 colegas, um
jornalista e um representante do interventor do Ceará compreendeu que essa era
uma tarefa solitária.
Observando também as constantes de publicações das convocações para
as reuniões do Centro Médico nos jornais notou-se uma maior aproximação dessa
associação com a imprensa local. E tal fato foi importante para a ampliação das
divulgações de suas ações. Isso, possivelmente, estava relacionado com os novos
objetivos almejados nessa segunda fase do Centro Médico Cearense.
A proximidade com a imprensa local também favoreceu que esses médicos
estimulassem seus membros a participarem mais das reuniões, além de tornar
públicas suas atividades. Em alguns jornais encontrou-se várias chamadas e
convites para os médicos locais, mesmo aqueles que não eram sócios, para
assistirem as palestras promovidas pelo Centro Médico.

196
LEAL, Vinicius Barros. Op. cit., p. 158, nota 1.
197
Revista Ceará Médico, janeiro de 1932, p.7.
133

O illustre medico de Amadeu Fialho, que veiu ao Ceará effetuar pesquisas


tendentes a elucidar a existencia da bubônica no Estado, fará hoje as 20
horas, no auditorio do Centro de Saúde, á praça José de Alencar, uma
conferencia sobre o thema “molestia de Nicola – Favre”. A conferencia de
hoje do illustre medico, que é patrocinada pelo Centro Medico Cearense,
198
encare-se o comparecimento de toda a classe medica.

O convite foi designado para todos os médicos, como especificou o jornal


Correio do Ceará e, provavelmente esse foi outro significativo meio de ação do
Centro Médico Cearense na cidade, uma vez que a realização de tais eventos
contribuiu para que a classe médica de Fortaleza participasse mais dos debates
sobre a saúde e tomasse conhecimento também sobre as novas formas de
tratamento e conceitos da medicina acadêmica que eram aplicados em outros
estados brasileiros. Esse acontecimento possivelmente também proporcionou uma
aproximação maior com a população, já que ela podia acompanhar pelo jornal as
práticas defendidas por essa associação.
Analisando a trajetória do Centro Médico Cearense notou-se que ele não
esteve tão passivo e indiferente às questões da saúde pública como a análise de
seu estatuto pôde levar a acreditar. E mesmo na primeira fase, quando suas
atividades eram em sua maioria internas e direcionadas a atender os interesses
pessoais de seus sócios observou-se que houve uma participação mais individual de
seus membros nos assuntos da saúde em Fortaleza. Evidentemente que seu lado
mais ativo veio aparecer na segunda fase dessa associação e isso permitiu aos
médicos alcançarem uma maior confiança e aceitabilidade da população e tornar
suas práticas mais coletivas e menos individuais.

198
Jornal Correio do Ceará, 18 de janeiro de 1935, p.1.
134

2.4 – O 1º CONGRESSO MÉDICO CEARENSE

Tentame ousado, sem duvida, este, que o Centro Médico


Cearense tomou aos hombros, de realizar um congresso
medico em Fortaleza, mas os atuais médicos do Ceará não são
de molde de a esmorecer diante das dificuldades. “Não
esmorecer para não desmerecer, o lema da pertinacia e do
valor de Oswaldo Cruz, facina-os e os ilumina. E a 18 de
outubro proximo, o Centro Medico Cearense, marcará, estamos
certos, a primeira grande vitoria do seu labor e a maior até
então.
199
Redação da revista Ceará Médico

A visão de que os médicos cearenses eram guerreiros e que não desistiam


diante das dificuldades foi uma definição que marcou muitos dos discursos nesse
período. Assim, não é por acaso que a realização desse congresso foi possível, pois
nas pequenas ações do Centro Médico Cearense já se observava uma classe mais
integrada e atuante.
Desse modo, numa sessão ordinária do Centro Médico Cearense apareceu
a ideia da construção e execução de um congresso médico em terras cearenses. O
idealizador de tal intuito foi o Dr. Jurandir Picanço, presidente do Centro naquele
momento, que durante a reunião, com seu discurso entusiasmado, despertou seus
companheiros para a realização deste projeto que tinha na palavra ousadia o grande
estímulo para esse empreendimento.

Não houve um médico cearense que não vibrasse em uníssono com a onda
de entusiasmo dos que assinam a sessão. E a população, e os poderes
públicos, tudo foi envolvido na avalanche de amor ao Ceará que, sempre
aumentado, sempre se avolumando irá dar na realização do projetado
200
congresso.

Nesse artigo publicado, em junho de 1935, notou-se que o Centro Médico


não envolveu somente a classe médica, mas toda a cidade. Isso demonstrou
também o quanto os médicos nesse momento participavam e eram ativos na cidade,
uma vez que conseguiram congregar a todos para a realização de seus planos.
Desse modo, acreditava-se que tal evento seria ―uma festa intima da familia medica,

199
Revista Ceará Médico, junho de 1935, p. 3.
200
Idem.
135

uma assembléa cientifica, um inquerito social, de alcance Politico (Com P Maiusculo)


e uma projeção do Ceará no senario Brasileiro‖.201
Escolheu-se delimitar a periodização dessa tese tendo como final a
realização do primeiro congresso médico cearense, pois se defendeu que tal evento
marcou intensamente a atuação dos médicos e demonstrou o quanto sua
participação na saúde pública de Fortaleza foi significativa nessa década de 30.
Para execução e planejamento do congresso foi formada e escolhida, em
junho de 1935, uma comissão composta pelos seguintes médicos: Jurandir Picanço
(presidente), Francisco Moreira dos Santos (secretário), Carlos Ribeiro (tesoureiro),
Virgílio de Aguiar, Pedro Sampaio, Mucio Elery e Carvalho Lima. (conselheiros).
Contudo, devido à ausência do Dr. Mucio Elery, que viajou para o Rio de Janeiro, foi
indicado para substituí-lo o Dr. Florival Seraine.
O segundo passo foi escolher as teses e assim definir a temática central
desse congresso e logo depois os palestrantes responsáveis por apresentar essas
teses. Dentre os primeiros temas selecionados estavam: o problema da bouba no
Ceará, as infecções do coli-tifico, o problema do tracoma e o problema médico social
da lepra no nordeste brasileiro.202 Ao observar a programação do congresso já se
notou algumas alterações e outras questões também foram acrescentadas aos
debates. (Anexo 3)
De 18 a 25 de outubro de 1935 foi realizado o primeiro congresso médico
cearense com a presença de médicos do interior, de Fortaleza e dos estados da
Bahia, Pará, Paraíba e Pernambuco.

E, assim, pôde, o 1º Congresso Medico Cearense reunir com o maior


brilhantismo as legitimas expressões da Classe Medica patrícia com
significado numero de 104 congressistas alem das distintas representações
203
do Pará, Paraíba e Pernambuco...

Dentre os objetivos desse congresso estavam o desejo de que outros


estados pudessem participar e assim houvesse uma maior troca de experiências e
informações, permitindo também que o evento tivesse uma aceitação e credibilidade
nacional. No entanto, poucos foram os estados convidados que efetivamente

201
Revista Ceará Médico, junho de 1935, p. 4.
202
Idem.
203
Revista Ceará Médico, outubro e novembro de 1935, p.20.
136

participaram e em sua maioria estiveram presentes os médicos da capital e interior


do Ceará.
Para a divulgação do evento, o Centro Médico contou com o auxílio da
imprensa local204, que publicou diversas matérias sobre o assunto e também prestou
importantes informações sobre a sua programação. Num dos artigos publicados pelo
jornal “A Rua‖ observou-se este apoio.

Este jornal, que vê na iniciativa mais do que o desejo de um avanço nos


domínios da ciencia de curar, porque ela é antes de tudo, obra de são
patriotismo e de insofismavel utilidade publica, põe-se ao inteiro dispôr dos
seus executores, franqueando as suas colunas, gratuitamente, a todas as
publicações referentes, mesmo as de carater permanente. Associando-se
205
ao meritorio empeendimento.

Como já citado nesse capítulo a imprensa e o Centro Médico Cearense


estiveram mais próximos, no decorrer da década de 30, e isso colaborou para que
as atividades e realizações desta associação fossem conhecidas pela população
como foi o caso da divulgação do primeiro congresso médico no Ceará. Então,
pode-se dizer que esse foi um dos fatores que permitiu analisar melhor as
intervenções do Centro na cidade.
Durante o período de inscrições houve também uma grande ajuda dos
jornais, pois anunciavam em suas páginas as orientações transmitidas pela
comissão executiva.

Os Srs. Congressistas ao enviarem a importancia de sua inscrição (30$000)


deverão informar se precisam da passagem da Rede Viação Cearense, qual
a estação de origem, se pretendem apresentar teses, quais os assuntos e
qual o hotel em que pretendem hospedar-se e com quantas pessoas da
206
família.

Nas explicações passadas pela comissão conseguiu-se observar algumas


questões relevantes. Primeiro que os médicos que participariam deveriam avisar
sobre a necessidade de passagens para o seu deslocamento, a apresentação de
teses, o local de suas hospedagens e quantas pessoas o estariam acompanhando

204
Foram vários os jornais que publicaram matérias e divulgaram o primeiro congresso médico
cearense. Nos jornais A Rua, O Povo, Unitário, Correio do Ceará e O Nordeste encontraram-se a
programação completa do evento e artigos abordando as atividades do congresso.
205
Jornal A Rua, 04 de agosto de 1935, p. 3.
206
Ibid, 27 de agosto de 1935, p.1
137

na vinda ao evento. É interessante mencionar que possivelmente esses avisos eram


direcionados aos médicos cearenses, uma vez que esse jornal somente tinha
circularidade neste estado. Apesar de não encontrar nenhum indicativo nas fontes
sobre como foram realizadas as inscrições dos congressistas vindos de outros
estados, acredita-se que outras informações e meios tenham sido empregados.
Outro ponto importante foi a presença de familiares e acompanhantes junto
aos médicos participantes. Na inscrição já se deixava evidente essa possibilidade e
ao observar a programação do congresso é certo que foi organizada contando com
a presença dessas demais pessoas. É interessante lembrar que Fortaleza, durante
os anos 30, já estimulava e propagava o turismo e um evento como esse acabava
por atingir também a esses propósitos.207
No entanto, ao analisar a documentação foi visto que somente em alguns
momentos foi permitido que esses acompanhantes estivessem presentes e dentre
as atividades abertas a sua participação estavam os bailes e jantares, a exposição,
as visitas às instituições e os filmes, quando não tinham censuras, ―No Majestic-
Cinema com filmes scientificos (improprios para menores e senhoritas) os
congressistas terão lugares reservados‖ 208.
Dentre os espaços usados para a realização do congresso destacam-se: os
salões da Faculdade de Farmácia e Odontologia, o auditório da Escola Normal, o
cinema Majestic, o Ideal Clube, o Clube dos Diários e para os momentos de visita
foram selecionadas as principais instituições de saúde pública: a Casa de Saúde
São Lucas, a Casa de Saúde Cesar Cals, a Maternidade João Moreira, o Instituto de
Proteção e Assistência à Infância, o Sanatório de Messejana, a Diretoria de Saúde
Pública, o Centro de Saúde de Fortaleza, o Instituto Pasteur, a Santa Casa de
Misericórdia, o Asilo de Alienados, a Casa de Saúde São Gerardo, o Abrigo Juvenal

207
É importante abordar que o turismo já era estimulado em Fortaleza desde os anos 20 do século
XX, porém toma uma maior visibilidade a partir da década de 30. Muitas dessas referências podem
ser encontradas nos relatos dos jornais e um exemplo de tal fato é que no ano de 1932, durante o
período de seca, foi noticiado por um cronista que participava do “Touring Club”, no jornal “O
Nordeste” no dia 16 de junho de 1932, ―Ouvimos a bordo, da parte dos excursionistas, os mais
elogiados termos à formosura desta ―loira desposada do sol‖-Se não fosse esse porto horrível –dizia
um deles - seria ideal...‖. Para ver mais sobre essa questão RIOS, Kênia Sousa. Op. cit., pp. 19-28,
nota 36.
208
Revista Ceará Médico, outubro e novembro de 1935, p.27.
138

de Carvalho e a Enfermaria da Força Pública. Ainda realizaram uma visita ao açude


do Acarape, principal abastecedor de água de Fortaleza.
Durante o congresso foi realizada uma importante exposição Médico
cirúrgica-farmacêutica, que foi dirigida pelo Dr. Florival, tendo o auxílio do Dr. Ivan
Porto. Essa exposição foi dividida em três seções: a 1ª Higiene e Saúde Pública e
Educação Sanitária, a 2ª Produtos Farmacêuticos e aparelhos médicos-cirúrgicos e
a 3ª Sífilis, doenças venéreas e doenças exóticas. Essa exposição funcionou entre
os dias 18 e 26 de outubro de 1935, na Faculdade de Farmácia e Odontologia.
Tinha-se como intenção apresentar aos médicos congressistas e à população de
Fortaleza os mais novos medicamentos e técnicas usadas nos tratamentos de
doenças e cirurgias. Para ajudar nas explicações foram criados diversos objetos
anatômicos a fim de melhor representar os problemas e as formas de tratamento
empregados. Durante os preparativos o jornal “A Rua‖ mostrou como o artista José
Maria Sampaio estava organizando e criando os objetos para a exposição.

Esta sendo objeto dos maiores cuidados a secção de peças anatomicas,


reproduzidos em parafina, e a vista dos quais melhor se possa ter
conhecimento das mais variadas lezões de fundo sifilítico, que avultam nos
hospitais e na clinica privada. Esses delicados trabalhos de modelagem,
que sob os vistos da comissão medica estão sendo executados pelo
inteligente artista conterraneo Jose Maria Sampaio, constituirão a parte
principal da exposição em cujo recinto serão proferidas palestras medicas
instrutivas, de molde a bem esclarecer os perigos das doenças e os meios
209
praticos de evita-las.

A exposição foi vista como um dos pontos fortes do congresso, uma vez que
foi um dos instrumentos usados pela comissão executiva para fazer com que a
população de Fortaleza também participasse desse evento, a fim de que trouxesse
benefícios para a saúde pública da cidade. Em um dos convites realizados pelo
médico Ivan Porto, através do jornal O Nordeste, observou-se um dos motivos
principais da exposição médica.

Destina-se esta magnífica realização do alludido certame a ir de encontro à


necessidade de as classes populares terem contacto com assumptos de
reconhecimento social. O distinto facultativo conterraneo faz, por nosso
intermédio, intante appello aos operarios e trabalhadores da nossa terra,
afim de que visitem aquele centro de actividade, em prol da vulgarização de

209
Jornal A Rua, 08 de agosto de 1935.
139

conhecimentos da mais alta utilidade colletiva. Haverá pessoas


210
competentes á disposição do publico para dar as indicações a respeito.

Esse artigo foi publicado no dia 20 de outubro de 1935, dois dias após o
início do evento. Isso faz pensar que possivelmente essa exposição não recebeu
muitas visitas, principalmente da população em geral e desse modo não estava
atingindo seu real objetivo, que era fazer com que o público mais pobre e que
apresentava uma maior incidência nos casos de doenças reinantes em Fortaleza
comparecesse àquele lugar para obter as devidas orientações sobre como se
proteger e evitar a propagação de determinadas doenças. Assim, quando no convite
o Dr. Porto direciona o chamado para trabalhadores e operários é que
possivelmente, na opinião médica, eles eram os mais atingidos pelas moléstias e
afetavam a cidade num todo e esse fato era motivo de preocupação para os
médicos e governantes.
Observando os temas das teses na programação do congresso percebeu-se
que o objetivo principal desse evento estava voltado aos debates das doenças
reinantes, às formas de tratamentos empregadas e às questões sanitárias na
cidade, e não se encontrou na documentação debates com relação à profissão
médica em si ou sobre a ética, como houve em outros congressos no Brasil. No
entanto, o médico Policarpo Barbosa defende que os assuntos tratados neste evento
foram reflexos das problemáticas enfrentadas por esses médicos e que esses
debates contribuiriam para a construção de uma “consciência sanitária” entre os
profissionais de saúde, no entanto, todos esses discursos e ideais não passaram de
desejos que na prática tiveram outros resultados. (Anexo 3)

As teses discutidas no congresso refletem o grande interesse da classe


médica da época por temas ligados á saúde pública. As grandes
transformações do setor, ocorridas com a chamada Reforma Pelon e a
influência das idéias sanitárias norte-americanas, veiculadas no Brasil
principalmente pela Fundação Rockfeller, contribuem para formar uma
consciência sanitária entre os profissionais de saúde, a qual se reflete no
211
evento.

Nessa parte da documentação também se observou que em sua maioria os


trabalhos apresentados eram de médicos cearenses e que de outros estados
somente se encontravam as teses de alguns médicos Pernambucanos. É
210
Jornal O Nordeste, 20 de outubro de 1935.
211
BARBOSA, José Policarpo de Araujo. Op. cit., p. 119, nota 1.
140

interessante perceber ao analisar as temáticas abordadas que alguns médicos


apresentaram mais de um trabalho e isso possivelmente tenha ocorrido devido à
pequena quantidade de inscritos para essas apresentações. Apesar de não constar
nas fontes dados que mostrem como foram organizados esses grupos de debate,
notou-se que foram centrados na questão das doenças e da saúde pública e os
temas escolhidos por esse médicos faziam parte de seus estudos e ações na
cidade, como foi o caso do Dr. Antônio Justa, que abordou o tema da Lepra, e o Dr.
Rocha Lima, que falou sobre a mortalidade infantil. (Anexo 3)
Os momentos das apresentações e discussões foram durante os dias 19,
21, 22 e 23 de outubro e foram divididos em cinco sessões ordinárias, em que eram
apresentadas em média cinco teses por cada sessão. Os locais escolhidos para
esses debates foram as salas da Escola Normal e da Escola de Farmácia que de
acordo com a descrição da Ceará Médico pode contar com uma participação
assídua e ativa da classe médica.

As sessões ordinárias, com maximo de concorrencia, com assistencia


numerosa, realizaram-se com entusiasmo e inteligencia dando margem a
que cada congressista discutisse, comentasse ou ilustrasse o assunto com
experiência e estudo, em feição cordial dos verdadeiros prelios de
intelectualidade. As sessões solenes, por sua vez, foram triunfos
significativos pela seleção e o numero da assistencia constituída de
elementos da mais alta sociedade ,honradas sempre com a presença do
Exmo. Snr. Dr. Menezes Pimentel, D. D. Governador do Estado e das altas
212
autoridades.

Como se pode observar nessa fonte houve também sessões solenes e que
tinham a finalidade de tratar de assuntos mais gerais como aprovação de pareceres
e também discursos das várias autoridades de Fortaleza presentes nesse evento,
como o Governador do Estado Menezes Pimentel.
Observando a foto do encerramento de uma das sessões ordinárias do 1º
Congresso Médico em outubro de 1935 (Figura 12), permitiu notar que a presença
feminina existiu, e que mesmo de fora dos debates e apresentações do congresso,
elas participaram desse evento.213 É já fato que naquele período ainda o número de
médicas era inexpressivo, já que esse era um espaço masculino, mas o registro na

212
Revista Ceará Médico, outubro e novembro de 1935, p. 21.
213
Apesar de não aprofundar as questões referentes à participação feminina nesse espaço é
importante mencionar que as mulheres nunca estiveram ausentes totalmente, nesse espaço
masculino, e que esse relevante assunto pode trazer importantes análises para as pesquisas na área
da História da medicina e da saúde pública.
141

foto faz pensar que possivelmente havia nesse congresso médicas, enfermeiras,
parteiras, uma vez que essa década marcou uma participação intensa das mulheres
em diversas áreas de trabalho ou possivelmente as mulheres na foto estavam
somente com seus maridos, já que nas fichas de inscrições era citada a presença de
um acompanhante e que tinha durante a programação desse evento a oportunidade
de realizar passeios pela cidade e outras atividades culturais.

FIGURA 12- PARTICIPANTES DO 1º CONGRESSO MÉDICO CEARENSE (1935)

Foto retirada da revista Ceará Médico de outubro de 1935


(Grupo de congressistas que assistiram aos debates na Escola Normal e no primeiro plano e no
centro o registro da presença do Governador do Estado Dr. Menezes Pimentel.)
142

As visitas às instituições de saúde foram diárias, o que foi um fator


importante para esse congresso, pois mostrou aos vários congressistas, vindos do
interior e de outros estados, como era a atuação e as formas de tratamentos
empregadas pelos médicos dentro dessas instituições. E indiretamente queriam
fazer notar a participação e a importância do Centro Médico Cearense na realização
e no apoio a essas várias obras voltadas ao melhoramento da saúde pública.
É interessante observar que além de visitarem os espaços físicos dessas
várias instituições esses médicos também presenciaram demonstrações práticas,
como foi o caso da visita à Santa Casa de Misericórdia, que possibilitou aos médicos
congressistas observarem as técnicas empregadas pelos médicos cearenses
durante as operações cirúrgicas.
A realização desse congresso no Ceará possibilitou à classe médica de
Fortaleza uma maior visibilidade de suas práticas, sobretudo, na região nordeste do
Brasil e fez com que as atuações do Centro Médico Cearense também se tornassem
mais presentes e ativas na cidade. Deve-se pensar que o conjunto de atividades e
ideias desenvolvidas nessa segunda fase do Centro teve como resultado o
Congresso e mostrou que a classe médica, através dessa associação, construiu a
cada dia uma credibilidade tanto com as autoridades quanto com os moradores de
Fortaleza.
143

CAPÍTULO 3

A BATALHA AOS MOSQUITOS


144

3.1 – AÇÕES MÉDICAS CONTRA OS MOSQUITOS

Os mosquitos são vehiculos comprovados de grande numero


de moléstias mais ou menos graves...Exterminando o
mosquito, portanto, exterminadas seriam aquellas molestias e
muito diminuidas as probabilidades de transmissão das ultimas.
214
Dr. Carlos da Costa Ribeiro

No final do século XIX e início do século XX os discursos e ações


relacionados ao combate aos mosquitos e moscas tornaram-se mais frequentes. As
pesquisas médicas e as novas teorias construídas com a microbiologia favoreceram
para o fortalecimento dessas questões. No entanto, esse era um campo novo para
os médicos em Fortaleza, uma vez que muitos desses métodos de tratamento
estavam ainda em processo de estudo e tinha-se somente por base as pesquisas
trazidas de outros estados e países.
Para essa tese a compreensão da aceitação e aplicação dessas novas
teorias e conceitos da medicina sobre o tratamento de doenças, como a febre
amarela, permite que se possa perceber como os médicos vão lidar com a
interferência e aplicação de novos métodos como aqueles trazidos pela Comissão
Rockefeller ao Ceará a partir de 1923.
Dentro dos relatórios dos inspetores da higiene notou-se que
constantemente foram citadas as formas de lidar com os mosquitos e moscas. Esses
insetos eram considerados pelos médicos, na época, como vetores responsáveis
pela transmissão das doenças mais recorrentes e que traziam graves prejuízos à
cidade.

Entre nós os principaes fócos de mosquitos, verdadeiros viveiros nos


quintaes, são algumas cacimbas. Quando todas as cacimbas da Fortaleza
forem substituidas por um abastecimento de água encanada ou por poços
instantaneos, as condições de hygiene da cidade serão sensivelmente
215
melhores

Desse modo, analisando alguns dos documentos referentes à organização


da saúde pública da cidade, como relatórios e ofícios dos presidentes entre os anos

214
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1916, pp.19-20.
215
Ibid.
145

de 1910 a 1920, observou-se que grande parte dessas fontes atribuíam a


proliferação desses mosquitos e moscas à falta de esgotos, abastecimento de água
e à falta de higiene da população em Fortaleza.

...oito mezes de tentativas energicas e tenazes vieram por fim demonstrar


que por maior que fosse a bôa vontade era baldado todo esforço porquanto
si os mosquitos desappareciam em uns continuavam em outra ponto
vizinho, vieram demonstrar, que sem água encanada e esgoto é impossível
um tal serviço porque ou é completo extinguido de todo o mosquito ou não
se faça porque por menor que seja o numero dos restantes, não se pode
216
viver coberto da febre amarella.

Nas palavras do Dr. Abdenago da Rocha Lima, consegue-se perceber que


resolver a questão do combate aos mosquitos não era algo tão simples. E que
encontrar a solução para deter a proliferação desses mosquitos não estava somente
na construção de um sistema de esgoto e abastecimento de água para Fortaleza
como ele acreditava, mas era necessário resolver outras problemáticas que
envolviam a estruturação e organização política, econômica e social da cidade como
saneamento, habitação, trabalho, pobreza..., ou seja, atingiam outros interesses que
não estavam relacionados somente com o melhoramento da saúde e quando esse
problema não era resolvido abalava tanto a vida da população quanto os setores
econômicos responsáveis pelo desenvolvimento da cidade como foi o comércio.
No entanto, essa tarefa, como já visto, não era algo tão fácil, pois neste
momento eram poucas as ações voltadas a deter a proliferação dessas doenças,
principalmente, por ser esse um campo novo para os médicos que atuavam em
Fortaleza. Assim, acredita-se que as medidas voltadas aos tratamentos eram de
responsabilidade e geradas mais pelas iniciativas dos médicos ligados aos cargos
da saúde pública do que para os que trabalhavam nas clínicas e hospitais em geral.
A classe médica em Fortaleza, no início do século XX, estava aos poucos se
organizando e como já foi abordado nesse trabalho suas atuações no campo da
saúde pública, a princípio, foram lentas. Ao analisar as fontes observou-se
primeiramente que as ações de combate aos mosquitos vão ser mais frequentes a
partir dos anos de 1913, uma vez que os casos de febre amarela e malária
(impaludismo) passam a estar mais recorrentes e os médicos ligados à higiene
pública do Estado do Ceará e ao Centro Médico Cearense passam a falar mais

216
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 30 de abril de 1913, p.100.
146

sobre esse assunto nesse período e também a participar mais ativamente das ações
voltadas ao tratamento e prevenção das doenças transmitidas pelos mosquitos.
Vários fatores contribuíram provavelmente para que a partir da década de 10
do século XX houvesse uma maior preocupação com a prevenção e luta contra
esses mosquitos. É possível que o aumento das pesquisas e as descobertas de
novas teorias, os interesses econômicos, o aumento das doenças na cidade e
também o início das campanhas do Governo Federal e da Fundação Rockefeller
tenham sido fatores importantes para que esse assunto tivesse uma maior
repercussão entre os médicos e a administração pública de Fortaleza.
Além da apreensão com as doenças causadas pelos mosquitos, apareceu
também nos relatos dos inspetores de higiene pública a preocupação com o
excessivo aparecimento das moscas, uma vez que elas eram responsáveis por
grande parte das infecções intestinais que ocasionavam óbitos em muitos casos.

...Dar caça ás moscas por todos os meios, protegendo contra ellas os


alimentos, destruindo as existentes e evitando a sua reprodução. As larvas
das moscas, conhecidas pelo povo com os nomes de “bicho” ou “tapuru” se
desenvolvem em qualquer sitio onde haja materia organica em
decomposição, nas sentinas, no lixo, nas immundiceis, nas estrumeiras, nos
chiqueiros, nas vaccarias, nas estribarias, etc. Com a remoção destes focos
e asseio e desinfecção dos irremovíveis evita-se a reprodução das
217
moscas.

Nessa descrição observam-se pontos bastante relevantes tanto das


questões higiênicas para a prevenção de doenças como também da estrutura da
cidade. Nas palavras do Inspetor e médico Carlos da Costa Ribeiro é mostrado o
quanto era preocupante para a saúde pública a presença desses insetos e que as
medidas necessárias para ―caçar‖ as moscas dependiam também das ações dos
moradores, uma vez que os meios apontados por ele para a reprodução dessas
moscas faziam parte do convívio desses habitantes e que as práticas higiênicas
eram a solução para esse problema.
Outro ponto que se observou nos relatos do inspetor foi a questão da
contribuição da estrutura para o agravamento do aumento dessas moscas. É
interessante analisar que nesse momento predominava o discurso modernizador na
cidade e que muitas vezes se encobria suas problemáticas, mas através dessas
fontes e dos relatos médicos pode-se desconstruir essa ideia e ver que Fortaleza
ainda enfrentava problemas em sua organização e estrutura e que isso contribuiu
217
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º maio de 1916, p.11.
147

para o aumento das doenças provocadas, sobretudo, pelos mosquitos. Desse modo,
é importante notar que a cidade ainda estava cercada pelas práticas do campo e
que na visão médica isso era um dos grandes empecilhos para a saúde pública.
Nas páginas do relatório, o médico Carlos Ribeiro também fez destaque aos
procedimentos que a população deveria seguir. Infelizmente, não se teve contato
com as matérias publicadas nos jornais locais e que tinham o intuito de alertar e
orientar a população para os cuidados a serem tomados contra os mosquitos, pois já
não há mais exemplares disponíveis nos locais de pesquisas referentes aos
periódicos dos primeiros anos do século XX. No entanto, se pode comprovar a
existência desses artigos também nos jornais através dos indicativos e menções
feitas em algumas das publicações dos relatórios da Inspetoria de Saúde Pública
contidos também nas páginas da revista Ceará Médico.

...Essa inspectoria sempre solicita e attenta ao bem estar da collectividade,


optando, pela supposição mais corrente, divulgava, desde cedo, das
columnas dos jornaes, conselhos e medidas de que a população se havia
218
de valer para resguardar do mal...

Nesse trecho percebe-se que a Inspetoria utilizou-se frequentemente dos


jornais locais como meio de divulgação das suas orientações e procedimentos entre
a população de Fortaleza.
Entre os principais métodos sugeridos à população para o combate às
moscas destacam-se no relatório da Inspetoria em 1916 os seguintes tópicos:

...Não tomar leite cru, salvo quando se tem certeza de ser ordenhado com o
maximo asseio previa e rigorosa lavagem das mãos e tetas; Não ingerir
grande porção dagua mesmo pura e potavel, porque dilue os succos
gástricos e lhes diminue o poder defensivo contra os micróbios; Evitar o
excesso, como a deficiencia, a ma qualidade ou mau preparo dos alimentos
que perturbando a regularidade da digestão facilitam a acção pathogena e
219
os germes.

Constantemente, aparecem nos discursos médicos as dificuldades


enfrentadas e o desejo de que as questões de higiene pública estivessem presentes
no cotidiano dos moradores de Fortaleza, contudo a documentação mostrou em
vários momentos que essa tarefa era complexa, pois ia além das questões da saúde

218
Revista Norte Médico, maio e junho de 1916, p. 8.
219
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1916, pp.11-12.
148

pública e entrava no campo das questões políticas e econômicas ligadas à


administração da cidade.

Os mosquitos (muriçocas, carapanans) são vehiculos comprovados de


grande numero de molestias mais ou menos graves. De algumas, como a
febre amarella e o impaludismo, são elles os unicos transmissores; de
outras o são juntamente com muitos insectos (as moscas, etc), os objectos
de uso, o proprio ar, a agua, os alimentos crus. Exterminando o mosquito,
portanto, exterminadas seriam aquellas molestias e muito diminuídas as
220
probabilidades de transmissão das ultimas.

Percebe-se pelas colocações do Dr. Carlos Ribeiro que os mosquitos eram


os grandes “inimigos” desse processo e que tentar “eliminá-los”, como numa guerra,
deveria ser o objetivo central dos médicos e governantes da cidade, já que o desejo
era a vitória da saúde e o extermínio das doenças. Desse modo, observar as
práticas usadas para o combate e prevenção desses insetos e mosquitos permitirá
compreender as formas de atuação e influência médica na aplicação desses
métodos junto à população de Fortaleza.
Analisando esse relatório observou-se que além das preocupações e ações
para deter a proliferação das moscas, devido às doenças digestivas, também foram
aplicadas medidas contra os focos de mosquitos causadores da febre amarela221 e
da malária. Dentre os procedimentos indicados estava a eliminação dos pontos de
reprodução desses mosquitos e que de acordo com o inspetor de higiene pública
estavam localizados nas cacimbas e águas paradas das moradias de Fortaleza.
Assim, para evitar a reprodução desses mosquitos nesses locais foram sugeridas as
seguintes ações:

a)Tenham peixes, como os chamados barrigados ou peixinhos vermelhos


que devoram as larvas. Devem ser assim os lagos artificiaes de jardins, os
tanques extensos de água não potável, etc; b) Estejam cobertos por uma
tella milimetrica ou qualquer outra matéria que impeça em absoluto a
entrada de mosquitos adultos para a postura, permittindo comtudo o
arejamento.Devem ser assim todos os depósitos de agua potavel

220
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1916, p. 19.
221
A febre amarela já se encontrava entre as doenças mais recorrentes no Brasil desde o século XIX,
no entanto, somente no começo do século XX com as novas pesquisas sobre as causas dessa
doença é que as medidas profiláticas e ações médicas se intensificaram. Não é objetivo dessa tese
estudar a febre amarela, mas atualmente já se encontra diversos estudos sobre o assunto que
permitem analisar além da doença as ações dos profissionais de saúde na busca pelo seu
tratamento. Ver, por exemplo, BECHIMOL, Jaime Larry (coord.). Febre amarela: a doença e a vacina,
uma história inacabada. Rio de Janeiro-RJ, Editora Fiocruz, 2001; FRANCO, Odair. História da febre
amarela no Brasil. Rio de Janeiro-RJ; Ministério da Saúde,1969 e LOWY, Ilana. Virus, mosquitos e
modernidade: febre amarela no Brasil entre ciência e política. Rio de Janeiro-RJ; Editora Fiocruz,
2006.
149

(cysternas, etc) caixas d´agua para banho e usos domesticos, cacimbas,


etc.c) Tenham a superfície coberta por uma camada de petróleo que sobre
nadando impede a postura do mosquito adulto e a respiração das larvas
porventura existentes antes. Pode-se fazer assim com todas as porções de
agua inutil e irremediavel e cacimbas servidas por bombas. D) Sejam
exgotadas completamente de sete em sete dias, não dando tempo assim a
evolução da larva até o nascimento do mosquito. É o que se deve fazer com
222
as jarras de agua potavel, tanques diversos, bebedouros, etc.

É relevante mencionar que essas ações não eram inéditas dentro do campo
de combate aos mosquitos, pois tanto nos demais estados brasileiros como nas
campanhas de divulgação e atuação da Fundação Rockefeller223 em outros países
no começo do século XX vinham empregando esses e outros métodos para que tais
enfermidades fossem eliminadas.224
Observando-se as diversas descrições do relatório da Inspetoria de Higiene
Pública notou-se que todas as ações sugeridas precisavam da colaboração da
população para que houvesse resultados favoráveis, uma vez que a maioria das
cacimbas e poços estavam localizados em suas moradias. Esse processo não foi
tão simples e as notícias dos jornais locais mais adiante vão mostrar que apesar dos
escritos voltados à orientação dos citadinos, os chamados “conselhos ao povo‖,
contidos nos relatórios de 1916, não tiveram o resultado esperado, e as medidas
ficarão mais fiscalizadas e obrigatórias a partir de 1923 com a contratação dos
“mata-mosquitos”225, ocasionando diversos conflitos junto aos moradores de
Fortaleza.
Desse modo, analisando a situação a partir das diversas opiniões formadas
sobre os processos de tratamentos dessas doenças transmitidas pelos mosquitos
percebeu-se que os médicos atestavam a proliferação e existência dessas doenças
à falta de cuidados da população quanto às questões de higiene e aos preventivos
contra esses insetos; o governo seguia as orientações médicas, uma vez que
desejava evitar as epidemias e o caos e sempre associava esses problemas com

222
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1916, pp. 19-20.
223
Mais adiante será abordado sobre a presença e atuação da Fundação Rockefeller no Ceará entre
os anos de 1916 a 1935 em Fortaleza.
224
Para ver mais sobre esse assunto ver: BECHIMOL, Op. cit., e LOWY, Op. cit., nota 221.
225
Eram contratados entre os populares para visitarem e fiscalizarem as casas dos moradores de
Fortaleza no intuito de tentarem eliminar as larvas dos mosquitos causadores da febre amarela. Esse
nome já era empregado desde 1902 com Oswaldo Cruz em suas campanhas preventivas no Rio de
Janeiro.
150

decorrências das crises climáticas ou econômicas da cidade e a população, de uma


maneira geral, desconhecia os procedimentos médicos e não tinham tanta confiança
nessas ações de combate aos mosquitos e assim guiava-se através das
experiências trazidas tanto pela medicina popular como pela religião, que fornecia
explicações amenizadoras para essas enfermidades.226
Houve também ações diretas da Inspetoria para deter o avanço dessas
doenças e não deixar que esses mosquitos se proliferassem ocasionando as
epidemias. Ao analisar um dos trechos do relatório de 1916, questões como a falta
de pessoas e recursos são apontadas pelo inspetor como motivos das dificuldades
enfrentadas pela Inspetoria de Higiene Pública do Ceará na eliminação dos
mosquitos transmissores da febre amarela, diferentemente do que ocorreu em
outras capitais brasileiras. Talvez, devido a essa deficiência houve tanta ênfase e
orientações do Inspetor para que a população se utilizasse de alguns métodos,
aprovados pela ciência médica, para eliminação das larvas em suas residências.

Não temos pessoal nem recursos para proceder a caça systematica do


stegomya, na qual basta resumir-se a prophilaxia de febre amarella. O
exemplo dado pela Capital Federal, por S. Paulo (Santos), pelo Pará, por
Manáos, etc. ainda não pode ser seguido pelo Ceará. Conseguimos
finalmente, em janeiro deste anno que a Santa Casa preparasse um quarto
à prova de mosquito, com portas em tambor para isolar os amarílicos que
até então eram recebidos em plena enfermaria, se siquer ter mosquiteiro,
tendo chegado a coisa a ponto de um rapaz que entrava em outubro com
227
uma ulcera na perna lá dentro contrahiu a febre amarella e morreu.

Essa fonte permite que se observem algumas questões que predominavam


no tratamento médico da febre amarela em Fortaleza. Existiu uma grande
preocupação em isolar os doentes, uma vez que se pretendia evitar que
os mosquitos picassem os "amarílicos" e depois transmitissem a doença a outros
pacientes do hospital. Desse modo, uma das soluções mais usadas no Brasil para
deter a proliferação da febre amarela foram os isolamentos e como mostrou o
inspetor houve uma precariedade na estrutura de atendimento aos doentes e

226
Não se pretende nessa tese abordar de forma mais detalhada as questões ligadas à medicina
popular e também a relação da população com a religião nesse processo de cura, sabe-se que são
relações próximas, que tiveram e têm ainda na atualidade muita influência. Mas, deseja-se destacar e
perceber como os médicos conseguiram tornar-se visíveis e mais próximos da população de
Fortaleza dando credibilidade as suas ações.
227
Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará, 1º de maio de 1916, p.22.
151

somente os chamados ―mosquiteiros‖ serviam como maior proteção naquele


momento.
Em seus estudos sobre a febre amarela no Brasil a pesquisadora Llana
Löwy analisou as diversas formas de ações aplicadas ao combate dessas doenças
na cidade do Rio de Janeiro no começo do século XX. Dentre os métodos usados
percebeu-se o grande investimento do estado para o isolamento dos doentes e para
a erradicação dos mosquitos a partir da ―fumigação de gás sulfuroso nas casas,
atividade realizada por trabalhadores recrutados para esta finalidade, os ―mata-
mosquitos‖.228 Assim, observando o relatório da Inspetoria de Higiene Pública que as
medidas empregadas pelo inspetor da saúde pública em Fortaleza não eram
inéditas, mas eram resultados de práticas já aplicadas desde as campanhas de
Oswaldo Cruz em 1903 e que influenciaram não somente a capital federal, mas
outros estados brasileiros como o Ceará no início do século XX. Basta observar que
em Fortaleza as medidas de isolamento e também a utilização de uma polícia
sanitária para a fiscalização e eliminação dos focos de mosquitos foram também
utilizadas no processo de tratamentos e profilaxias da febre amarela.
Esse relatório do Dr. Carlos Ribeiro também permitiu observar que os
médicos e profissionais da saúde envolvidos nas campanhas e ações junto à
população nas questões de combate e prevenção dos mosquitos eram os que
trabalhavam na Inspetoria de Higiene Pública do Ceará, enquanto os demais
médicos estavam envolvidos com seus atendimentos nos consultórios e hospitais.
Deve-se mencionar que a grande maioria dos inspetores de saúde pública
fez parte do Centro Médico Cearense, inclusive o Dr. Carlos Ribeiro. No entanto,
como já abordado anteriormente, essa associação médica, farmacêutica e
odontológica não teve em sua primeira fase uma atuação tão ativa nas questões da
saúde pública e os médicos que tiveram participação tanto na Inspetoria de Higiene
Pública como no Centro Médico tentavam utilizar-se dos seus cargos públicos para
envolver e obter a aprovação dos outros profissionais em suas campanhas junto à
população de Fortaleza.
―... O Dr. Carlos Ribeiro, Inspector de Hygiene, iniciou a leitura do novo
regulamento de sua repartição, que vae ser apresentado ao Sr. Presidente do

228
LOWY, Ilana. Op. cit., p. 87, nota 221.
152

Estado...‖229. Notou-se na leitura da revista Ceará Médico que em vários momentos


os inspetores da saúde pública e sócios do Centro Médico buscavam não somente
envolver os outros médicos em suas ideias, mas também em conjunto aprovar
alguns regulamentos e atuação da Inspetoria de Higiene Pública para depois serem
apresentados ao presidente de estado. Assim, percebe-se que o Centro Médico teve
uma forte influência e contribuição, mesmo não participando de forma direta dessas
campanhas e ações na cidade nessa primeira parte de seu funcionamento.
A participação do Centro Médico Cearense durante esse processo de
prevenções e combate aos mosquitos foi notada mais no campo das denúncias
escritas do que propriamente nos procedimentos, evidentemente, que sem contar
aqui com as atuações sozinhas de alguns de seus membros. E mesmo nesse meio
dedicado à escrita, muitas das vezes, somente se apontava as causas do problema
e a solução ficava sob a responsabilidade do governo.

A febre amarella, quando investe contra nós, encontra à protecção dos


estegomyas que vivem livremente em nossas habitações. Póde-se dizer
que não há casa que os não possúa mais ou menos, salvo rara excepção. A
peste encontra na edificação de nossas casas, muito proprias para ratos
que são sempre em maior numero que as pessôas, o auxílio efficaz para
230
suas devastações epidemicas.

Estudar e analisar esse processo de campanhas e atuações dos médicos


contra os mosquitos é necessário para a compreensão das relações entre esses
profissionais cearenses e aqueles que apareceram a partir dos anos de 1918, seja
os funcionários do Governo Federal ou da Comissão Rockefeller e que tinham como
proposta implantar métodos de prevenção e ações contra febre amarela, malária e
outras doenças presentes no interior e na capital cearense, a fim de impedir a
propagação dessas enfermidades em outras regiões do Brasil. Desse modo, não se
pode pensar que esses novos procedimentos trazidos ao Ceará eram
desconhecidos pela classe médica de Fortaleza, uma vez que alguns já eram
aplicados em outros estados e acabavam chegando por meio dos médicos
cearenses formados nesses estados ou através dos congressos e encontros
profissionais.

229
Revista Norte Médico de julho, agosto e setembro de 1916, p.15.
230
Ibid, novembro e dezembro de 1915, p.4.
153

Apesar da insuficiência de fontes que demonstrassem diretamente o


descontentamento médico com relação a essa interferência do Governo Federal e
da Comissão Rockefeller no Ceará a partir de 1923, pode-se pensar que não deve
ter sido tão calmo esse processo, afinal, esses grupos acabavam por demonstrar
que suas presenças eram necessárias, já que não se tinha uma organização e nem
profissionais capazes para resolver as questões mais urgentes da saúde pública.
Como então pensar que somente houve aceitação dos médicos nessas intervenções
e rejeição da população à aplicação desses métodos de prevenção e combate às
doenças mais predominantes. Será que isso não causou incômodos aos médicos
que atuavam em Fortaleza?
Quando na história atual aponta-se a atuação da Comissão Rockfeller no
Ceará lembra-se com destaque das campanhas contra a Malária no interior do
Estado em 1938 e costuma-se achar que esse foi o momento mais central e atuante
da Rockefeller no Ceará. No entanto, a análise de fontes como a revista Ceará
Médico, os Relatórios da Inspetoria de Saúde Pública, Relatórios da Comissão
Rockefeller e alguns jornais da época permitiu que se observassem outros instantes
dessa presença e intervenção. E isso possibilitou ver alguns dos conflitos existentes
entre esse grupo e a população. Esse fato motivou a pesquisar mais esse assunto e
entender os motivos que levaram as agressões aos funcionários da Rockefeller e à
rejeição a aplicação de seus métodos. Contudo, é relevante lembrar que a Comissão
Rockefeller somente começou a atuar no Ceará, oficialmente, no ano de 1923, a
partir do contrato firmado com o Governo Federal, e que entre os anos de 1918 a
1923 a interferência e ações eram mais do Governo Federal, através da criação da
Liga Pró-Saneamento e das campanhas contra a febre amarela.
Não se pode deixar de relembrar que com a República os estados ficaram
responsáveis por financiar e organizar a saúde pública, no entanto, na prática a
maioria não teve condições de assumir tal responsabilidade nos períodos de crises.

A impossibilidade de a maioria deles enfrentar problemas de saúde, sem o


apoio material e financeiro do Governo Federal, contribuiu para que este
interferisse de forma direta nos períodos de recrudescimento das crises
epidêmicas e abriu caminho para uma parceria internacional, representada
231
pela Fundação Rockefeller...

231
FARIA, Lina. Saúde e política: a Fundação Rockefeller e seus parceiros em São Paulo. Rio de
Janeiro-RJ; Editora Fiocruz, 2007, p. 55.
154

A análise de Lina Faria permite que se veja que a falta de recursos de


alguns estados impediam que mudanças na área da saúde fossem realizadas. Tal
situação favoreceu a Fundação Rockefeller a encontrar um campo aberto para
realizar suas intervenções e objetivos, uma vez que o Governo Federal tinha
limitações nas questões de auxílio aos estados brasileiros, sobretudo nos períodos
de epidemias. Desse modo, analisando o caso do Ceará, percebe-se que no
decorrer de sua História sempre houve nos auges das crises a necessidade das
ajudas externas seja por questões da falta de recursos financeiros do estado como
da falta de meios tecnológicos e de profissionais da área da saúde para atender
essas necessidades.

Membros da importante commissão que, conta da “Rockefeller Foundation”


visita todos os pontos do globo onde há ou houve febre amarella, estiveram
entre nós muitos ilustres hygienistas Henry R. Carter do “U. S. Public Health
232
Service” e Juan Guiteras, chefe do “Departamento de Sanidad de Cuba.

Em 1916 veio pela primeira vez ao Ceará representantes da Rockefeller


Foundation. Eles seguiam um plano de visitas que estavam sendo realizadas tanto
em alguns dos estados brasileiros como também em alguns dos países da América
Latina e tinham como objetivo fazer pesquisas e observar as formas de prevenção e
tratamento usadas por esses locais para as doenças mais frequentes transmitidas
pelos mosquitos e também por vermes nematódeos, como foi o caso da
ancislotomose. E por fim oferecer ajuda a esses países para que fosse realizado o
controle e a eliminação dessas enfermidades.
A visita desses membros da Rockefeller ao Ceará, em novembro de 1916,
foi registrada nas páginas da revista Norte Médico e nas atas de reunião do Centro
Médico Cearense. De acordo com as descrições encontradas nessa fonte esses
representantes compareceram à reunião do Centro Médico acompanhado pelo
Inspetor de Higiene Pública o Dr. Carlos Ribeiro membro dessa associação.

Os nossos dois notaveis visitantes acompanhados pelo nosso companheiro


da redacção, que superintende a hygiene no Estado, o dr. Carlos Ribeiro,
fizeram grande número de investigações, estudos e visitas durante os
poucos dias que aqui se hospedaram, e assistiram a sessão do Centro
Médico em que aquelle nosso collega fez a leitura do capitulo do novo

232
Revista Norte Médico, outubro, novembro e dezembro de 1916, p.16.
155

regulamento de Hygiene, referente à prophylaxia da febre amarella,


233
trabalho para o qual tiveram expressões de louvor.

Percebe-se o quanto o Centro Médico tinha um respaldo social e mesmo


indiretamente uma participação nos principais fatos ligados à saúde pública, através
da atuação de alguns de seus membros nos cargos públicos. É relevante notar que
os visitantes da Rockefeller conheceram a situação da saúde pública sob olhar
desses profissionais que demonstraram, através da apresentação do regulamento
de higiene, que o Ceará já seguia os novos métodos de combate aos mosquitos
causadores da febre amarela e que aplicavam de forma satisfatória esses
procedimentos. Sabe-se que isso fazia parte de um discurso para demonstrar que os
médicos e profissionais da saúde no Ceará já se adaptavam às inovações da
medicina e não eram atrasados. É provável que esse discurso tivesse como objetivo
demonstrar aos representantes da Rockefeller que os métodos empregados pelos
médicos cearenses na prevenção e eliminação da febre amarela também eram
eficientes. Esse tipo de discurso fez parte em outros momentos da História do
Ceará, em que se tentava demonstrar que aquilo trazido de fora não era sempre
visto como inovador.
As visitas da Comissão Rockefeller em diversos países do mundo tinham
como meta realizar pesquisas e estudos sobre as enfermidades mais recorrentes
nesses locais e assim determinar as causas e tratamentos preventivos para as
234
doenças provocadas, principalmente, por vírus e parasitas. Sabe-se que a
Fundação Rockefeller, a princípio, tinha como objetivo reunir e centralizar as ações
filantrópicas da família Rockefeller nos Estados Unidos, contudo, como demonstrou
Maria Gabriela Marinho em seu trabalho, essas ações filantrópicas tomaram

233
Revista Norte Médico, outubro, novembro e dezembro de 1916, p.16.
234
Não se pretende estudar nessa tese a construção e formação da Fundação Rockefeller e nem
aprofundar os debates quanto a suas ações filantrópicas em diversos países, mas se deseja perceber
as intervenções e teorias trazidas para o combate às doenças como a febre amarela, a malária e a
ancilostomose no Ceará e a aceitação e rejeição desses métodos pelos médicos e pela população.
Assim, para os que desejam aprofundar nesse assunto indica-se as seguintes bibliografias:
MARINHO, Maria Gabriela S. M. da Cunha. Op. cit., nota 11; MARINHO, Maria Gabriela S. M. da
Cunha. Norte – americanos no Brasil: uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São
Paulo (1934-1952). Campinas-SP, Autores Associados, 2001; FARIA, Lina. Op. cit., nota 231.
156

proporções mais amplas e em larga escala e passaram a dissociar e excluir a


imagem de uma Fundação voltada exclusivamente para a caridade. 235

As singularidades dos países atendidos (tradições médicas, diversidade


cultural, movimentos populares etc.) afetaram enormemente o modo como
as relações e interesses da Fundação norte-americana se expressaram na
institucionalização da ciência naqueles países. Os integrantes das primeiras
missões cientificas da Rockefeller foram sensíveis às marcantes diferenças
entre os países latino-americanos e à capacidade de expansão institucional
dos sistemas de produção intelectual, cientifica e acadêmica dos países
236
atendidos.

Os representantes da Fundação Rockefeller não esperavam encontrar no


Brasil ou nos outros países visitados qualquer tipo de pesquisa ou formas de
tratamentos viáveis. De certa forma predominava a ideia de que eles levavam a
salvação e a inovação nos tratamentos das principais enfermidades aos países
pobres que não tinham nenhuma forma de tratamento. No entanto, como apontou
Lina Faria, depararam-se com outra realidade e esses primeiros integrantes
buscaram adaptar-se e perceber que não poderiam descartar o conhecimento e as
ações preventivas já existentes nesses países. E que teriam que usá-las a seu favor
para obter uma relação favorável e que possibilitassem cumprir com os seus
objetivos. Assim, observando o contato inicial com os médicos cearenses percebeu-
se que se desejava conhecer o local e adquirir a confiança para a realização futura
de seus propósitos.
Na ata da reunião do Centro Médico Cearense do dia 13 de novembro de
1916 consta a referência de que os dois membros visitantes da Rockefeller também
realizaram uma palestra sobre os métodos empregados nos Estados Unidos para
deter o avanço desses mosquitos e transmissores por eles combatidos, mas antes
ouviram do Dr. Carlos Ribeiro as profilaxias empregadas no Ceará, demonstrando
que esses procedimentos tinham também eficácia e conseguiam controlar a
proliferação dos mosquitos e a propagação dessa enfermidade.

...entretiveram com os presentes uma sabia palestra de ensinamentos sobre


a verdadeira guerra aos transmissores do veneno amaril que é o extermínio
das larvas do Stegomia fasciata, e quanto ao combate aos insectos e ratos

235
MARINHO, Maria Gabriela S. M. da Cunha. Op. cit., p.38, nota 11.
236
FARIA, Lina. Op. cit., p.16, nota 231.
157

para o que aconselharam o emprego do acido cyanhidrico que tem na


237
America do Norte dado os melhores resultados.

Nesses poucos trechos que se encontrou referindo-se à presença da


Comissão Rockefeller no Ceará em 1916, conseguiu-se observar que o processo de
contato dava-se provavelmente com as seguintes intenções: primeiramente,
conhecer o funcionamento da saúde pública local e regional a partir do contato com
os responsáveis por essa organização; segundo, observar os métodos e as formas
empregadas para deter as doenças provocadas por mosquitos, insetos e parasitas;
terceiro, demonstrar os trabalhos e objetivos da Fundação Rockefeller e seus
procedimentos aplicados com sucesso e que têm eliminado essas doenças do
território norte-americano. E por fim manter um contato e realizar estudos e
estratégias de como poderão agir nesses locais para a aplicação de seus métodos.
Os médicos no Ceará nos primeiros anos do século XX depararam-se com
novas formas de tratamento e entendimento sobre as doenças cujos transmissores
eram os mosquitos, insetos e ratos. Nesse processo de adaptações e descobertas,
houve ajustamentos nas relações entre eles e os pacientes, em grande parte
conflitantes. As prevenções eram as possíveis saídas para evitar os descontroles
ocasionados pelas doenças, pois de acordo com o pensamento da classe médica
cearense essa ação contribuía de alguma forma para a manutenção da ordem e o
crescimento econômico da cidade. Contudo, para isso necessitava-se da
colaboração da população, que em geral não compreendia e nem confiava nessas
práticas médicas. Desse modo, como obter resultados favoráveis e como fazer com
que os métodos aplicados pelos médicos fossem utilizados pelos citadinos? Essa
não foi uma tarefa tão fácil e se percebeu que quando o Governo Federal e a
Comissão Rockefeller trouxeram suas práticas e tecnologias não foi algo tão inédito
para a maioria, mas o que houve foi novamente a dúvida quanto à eficiência desses
procedimentos e também a provável rejeição dos médicos que já realizavam seus
trabalhos preventivos em Fortaleza.
Entender a presença e a atuação da Comissão Rockefeller no Ceará permite
analisar como os médicos de Fortaleza vão agir e pensar com relação a esses
métodos que em grande parte já vinham sendo adotados antes mesmo da chegada
dessa Comissão, mas que a problemática nesse caso estava centrada na falta de

237
Revista Norte Médico, outubro, novembro e dezembro de 1916, p.19.
158

recursos financeiros e na adoção dos procedimentos pela população. E que isso vai
ser resolvido aparentemente pela Rockefeller a partir dos recursos aplicados nesta
área da saúde no Ceará e da obrigatoriedade no cumprimento das prevenções e
ações higiênicas, através de práticas rígidas e fiscalizadoras da população.
159

3.2 - SALVAÇÃO OU EMPECILHO?

Em 1916, a comissão da Fundação Rockefeller encarregada de


estudar o problema da febre amarela na América Latina chega
ao Brasil. Durante sua estada aqui não ocorre nenhuma
irrupção de febre amarela. Eles afirmaram, entretanto, que a
doença estava presente na costa Norte, e propuseram a ajuda
da Fundação Rockefeller para eliminação da febre amarela no
Brasil e para a organização de campanhas contra outras
doenças transmissíveis, especialmente a ancislotomose.
238
Ilana Löwy

A chegada ao Brasil da Comissão da Fundação Rockefeller teve a princípio,


como já visto, um intuito informativo e de pesquisas. Ela vinha realizando diversas
visitas e implantando em alguns países seus métodos de tratamentos, sobretudo,
contra a febre amarela. No entanto, nem todos confiavam nesses objetivos e como
apontou Löwy em seus estudos sobre a febre amarela no Brasil, a população
brasileira variava entre a benevolência e a desconfiança com relação às intenções
dessa Comissão, já que existia a suspeita de que a filantropia norte-americana
poderia abrir as portas para outros modos de intervenção dos Estados Unidos nos
assuntos internos do Brasil.239

Mas que vergonha! Eles estão nos passando atestado de incompetência.


Os recursos que estão nos propondo não são dinheiro, mas atividade e
eficiência. São os nossos ricos vizinhos, orgulhosos, bem educados e
cheios de compaixão, que batem à nossa porta para pedir licença para
limpar nossas casas das pestilências que não conseguimos eliminar. Só
temos que lhes desejar boas-vindas e aplaudi-los, mas vendo que nosso
país é obrigado a admitir sua incapacidade de resolver seus problemas
administrativos, todavia tão poucos complicados, só nos resta enrubescer
de vergonha. Sentimo-nos mal em pensar que um dia possam surgir outros
guardiões de nossos negócios, mais interessados e menos delicados, e não
motivados pela generosidade e pelo amor à ciência. Suas ações também
poderão ser justificadas por nossa negligência, nossa ignorância, nossa
240
fraqueza, nossa falta de retidão moral.

Nesse trecho do artigo intitulado ―A vergonha‖, do Dr. Plácido Barbosa,


notou-se os incômodos e suspeitas ocasionados pela presença da Fundação

238
LOWY, Ilana. Op.cit., p. 134, nota 221.
239
Idem.
240
Jornal O Imparcial, 13 de janeiro de 1916 apud LOWY, Llana. Op.cit., p. 134, nota 221.
160

Rockefeller no Brasil. Além da preocupação com os possíveis interesses com as


questões internas do país, nota-se nas palavras irônicas do Dr. Plácido que a
presença de tal Comissão era a mostra para ele da incompetência administrativa em
solucionar as questões da saúde pública. Os discursos contra e a favor estiveram
presentes no decorrer da atuação da Rockefeller no Brasil e inclusive no Ceará,
entre os anos de 1923 a 1935, percebeu-se grandes dificuldades na aceitação dos
métodos trazidos pelos norte-americanos.
A Comissão da Fundação Rockefeller teve a preocupação no período de
1916 a 1920 de conhecer mais algumas das regiões do Brasil e observar as formas
que vinham sendo tratadas as doenças como a febre amarela e a ancilostomose.
Para esses especialistas foi surpresa a aplicação de alguns métodos, sobretudo, no
combate à febre amarela, mas não deixaram de ver questões problemáticas e de
fazer críticas quanto da organização da saúde pública no país.
Outro fato bastante interessante é que apesar de a proposta inicial estar
voltada ao tratamento e à eliminação da febre amarela, isso não ocorreu na prática,
pois no Brasil a febre amarela durante os anos de 1916 a 1920 não apresentou
grandes incidências. Desse modo essa Comissão deteve-se ao combate dos vermes
da ancislotomose que afetavam mais a vida da população brasileira, sobretudo, do
meio rural.
No início os estados brasileiros escolhidos para a realização de seus
projetos e planos foram São Paulo e o Rio Grande do Sul, apesar da constatação da
Comissão da Rockefeller de que nos estados do norte havia uma maior recorrência
dessas doenças. De acordo com a pesquisadora Lina Faria, esses lugares tinham a
capacidade de melhor aproveitar os recursos investidos pela Fundação
241
Rockefeller. No entanto, posteriormente foram desenvolvidas ações que
abrangiam outros estados, principalmente, os da região Norte.
Efetivamente, somente vamos encontrar ações mais diretas da Rockefeller
no Ceará a partir de 1923 mediante acordo firmado com o Governo Federal, uma
vez que anteriormente as obras de tratamento e combate a essas doenças estavam
sob a responsabilidade direta do governo do estadual e somente a partir da criação

241
FARIA, Lina. Op. cit., p.56, nota 231.
161

do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920 ampliou suas áreas


de atuação.242

...assinado em 11 de setembro de 1923 e homologado pelo decreto nº


16.300 do governo brasileiro em 31 de dezembro de 1923, estipula que a
Fundação Rockefeller, em colaboração com o DNSP, se encarregaria da
eliminação da febre amarela no norte do Brasil por meio de destruição dos
mosquitos (...). O pessoal técnico e administrativo será recrutado pelo
243
DNSP, em acordo com a Fundação Rockefeller.

Essa foi a primeira campanha da Fundação Rockefeller no Brasil e tinha


como pretensão erradicar os mosquitos da febre amarela do nordeste 244 brasileiro,
uma vez que essa doença era ameaça para a imigração e o comércio. No Ceará, os
casos de febre amarela eram muito insignificantes comparados a outras doenças
como a varíola, gripe e malária, no entanto, o acordo permitiu que a Comissão
Rockefeller passasse a atuar mais diretamente no Ceará e em outros estados
nordestinos com a finalidade de eliminar os mosquitos responsáveis pela
transmissão da febre amarela.
Observando os passos dado por essa Comissão no Ceará, notou-se que as
visitas anteriores ao acordo com o Governo Federal em 1923 possibilitaram à
Rockefeller conhecer mais as ações e dificuldades do Estado para deter a febre
amarela. E sua presença foi percebida sob diversos aspectos, pois enquanto
agradava a alguns também era rejeitada por outros que não acreditavam e
criticavam sua atuação, principalmente, em Fortaleza. Apesar das fontes
pesquisadas não mostrarem diretamente a visão discordante de alguns dos médicos
cearenses sobre a presença da Comissão Rockefeller, encontrou-se, primeiramente,

242
A atuação mais direta nos outros estados brasileiros do Governo Federal foi motivada sobretudo
pela epidemia da gripe espanhola em 1918, que atingiu tanto a Capital Federal como outras cidades
brasileiras e que demonstrou a fragilidade e incompetência do Departamento Geral de Saúde pública.
Até aquele momento as questões de saúde pública ficavam sempre ao encargo de seus estados que
esses nos períodos de crise contavam com a determinada colaboração financeira do Governo
Federal, contudo, as propagações de epidemias fizeram com que se repensassem tais ações e assim
fossem tomadas medidas que atingissem aos estados geradores dessas epidemias mais recorrentes.
Ver, por exemplo, HOCHMAN, Gilberto. Op. cit., nota 42.
243
LOWY, Ilana. Op.cit. p.149, nota 221.
244
Oficialmente a região Norte passa ser chamada Nordeste, a partir dos anos 1922, e de acordo
com o historiador Durval Muniz ―O termo Nordeste é usado inicialmente para designar a área de
atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), criada em 1919.‖ Ou seja, a
denominação Nordeste foi dada para designar as áreas atingidas pela seca e somente a partir dos
anos de 1922 passou a definir uma determinada região que abrangia tanto as áreas secas como
outras. A esse respeito ver ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras
artes. São Paulo-SP; Editora Cortez, 2001.
162

entre a documentação discordâncias do Diretor do Serviço de Saúde do Estado do


Ceará o Dr. Clovis Barbosa de Moura com relação à eficácia das técnicas usadas
por essa Comissão e em segundo observou-se alguns artigos publicados nos jornais
locais entre os anos de 1928 a 1935 que criticavam a atuação da Comissão
Rockefeller e cujas assinaturas eram pseudônimos, possivelmente, de médicos que
não aprovavam o modo de atuação desse grupo.
Analisando as fontes percebe-se que as dificuldades e ações da Rockefeller
foram cercadas por problemas que impediam que os resultados obtidos fossem mais
duradouros e estavam ligadas à falta de organização e estruturação física de
Fortaleza.

As medidas, actualmente, executadas pela Rockfeller Foundation, parece


nos terem um caráter transitório. Uma vez cessado o serviço de policia de
focos o índice estegomyco, inevitavelmente, subirá, uma vez que as causas
primordiaes para o desenvolvimento da estegomya persistem, a não ser que
245
baixe a zero o índice estegomyco, o que não é tarefa fácil.

O Dr. Barbosa de Moura em seu relatório apresentou algumas das


dificuldades que impedia, em sua opinião, a eficácia no combate à febre amarela,
sobretudo, em Fortaleza e afirmava que todas as ações tomadas acabavam tendo
um caráter temporário, já que não resolvia o problema, somente o adormecia, e a
doença acabava por sempre atingir a cidade. Dentre as questões tratadas no
relatório destaca-se como uma das causas que atrapalhavam as ações da
Rockefeller a falta de um sistema de esgoto e de água regular.

...Sem um serviço regular de aguas e de esgotos da competencia do


Estado, e sem que se lancem mão de medidas de engenharia sanitaria, da
competencia da Rockefeller, como sejam nivelamentos de terrenos,
drenagens, retificações dos pequenos riachos que cruzam Fortaleza, como
o Pajehú, o Jacarecanga, etc. todo o serviço que se fizer de prophylaxia da
febre amarella, na capital ou no interior, terá sempre um carater
246
provisório.

Ficou visível nas palavras do diretor da saúde pública que a


responsabilidade era do Estado, ou seja, estava em suas mãos a resolução desses
fatos e não dependia em geral da Comissão Rockefeller, já que questões como
drenagens, nivelamento de terrenos, retificações de pequenos terrenos e

245
Relatório da Diretoria de Higiene do Estado do Ceará, 25 de maio de 1924, p. 26.
246
Idem.
163

regulamentação dos serviços de água e esgoto não era encargo dessa Comissão.
Assim, essas problemáticas acabavam por afetar diretamente as ações no campo da
saúde pública, uma vez que contribuíam para que as causas dessas doenças
permanecessem. Mas, mesmo diante de todo esse relato o Dr. Barbosa não deixou
de apontar também um dos grandes equívocos na atuação da Comissão Rockefeller
no Ceará.

Não nos parece medida de grande utilidade a criação de peixes, nos


reservatórios destinados á agua para beber. Os peixes, como todos os
animaes, se alimentam e, forçosamente, terão que se desfazer de seus
residuos alimentares o que não poderão fazer senão poluindo os
reservatorios que lhe derem para residencia. Não é raro também serem
encontrados mortos, putrefactos, os peixes collocados nos reservatorios,
247
tonando a agua não somente impropria, como tambem perigosa á saúde.

Um dos métodos utilizados pela Comissão Rockefeller para o combate às


larvas dos mosquitos da febre amarela era a utilização de peixes nos reservatórios
de água existentes em cada casa da cidade. Como apontou o Dr. Barbosa essa
medida era ineficaz, pois acabava trazendo prejuízos à higiene da população, uma
vez que os peixes morriam nesses reservatórios e também eliminavam seus
resíduos na água que era utilizada para cozinhar e para beber. No entanto, o chefe
da Comissão Rockefeller no Ceará Lucian Smitih rebateu as acusações afirmando
que eram raros os casos em que peixes morriam e apodreciam nesses tanques e
que as inovações técnicas que se utilizavam impediam essa poluição apontada pelo
Diretor do Serviço de Saúde do Estado do Ceará. 248

Lucian Smith, responsável pelo SFA no Ceará, relata em 1924, os


obstáculos encontrados. Inicialmente, o grande número e a
heterogeneidade dos recipientes de águas utilizados pela população: Mais
de 8.000 recipientes fixos de grande porte foram, assim, recenseado em um
bairro de 15.000 casas, todos muito diferentes. Eles redobraram esforços
para tornar tais recipientes impermeáveis aos mosquitos, e depois
convencer a população a utilizar as diversas tampas fabricadas. A presença
de diversos buracos no solo, resultado da intensa construção que se
desenvolvia no Ceará, constituiu o segundo obstáculo. Essas cavidades,
249
que retinham a água da chuva, eram difíceis de cobrir ou de examinar.

247
Relatório do Diretor do Serviço de Saúde do Estado do Ceará, 25 de maio de 1924, p. 26.
248
Relatório de Lucian Smith a Joseph White, 1 de novembro de 1924, RAC, RG 5, série 2, caixa 24,
dossiê 144 (Fiocruz) Apud LOWY, Ilana. Op.cit. p.262, nota 221.
249
LOWY, Ilana. Op.cit., p.262, nota 221.
164

De acordo com o relatório de Smith pode-se observar algumas das


dificuldades encontradas pela Comissão Rockefeller para o desenvolvimento de
suas técnicas e métodos no Ceará. Apesar da ausência de fontes mais detalhadas,
não se pode deixar de pensar que entre as oposições encontradas, possivelmente,
também estariam alguns médicos locais, uma vez que tais mudanças mexiam com
interesses e métodos diferenciados. Desse modo, ao analisar algumas fontes
observou-se que nem sempre as ações dessa Comissão foram vistas como
confiáveis.
Nota-se que a cidade enfrentava dificuldades em sua organização física,
sobretudo, como já visto, pela precariedade de seu sistema de esgoto e água. Em
seu relatório de dezembro de 1924, Lucian Smith apresentou algumas questões que
contribuíam para atrapalhar as atividades de combate aos mosquitos, realizadas
pela Comissão Rockefeller em Fortaleza.

A cidade foi uma vez mapeada por conta dos orifícios, cuja conta total
desses apresentava 32. O resultado da inspeção foi de 6 com larvas, 3 com
depósitos de casulo de larvas e cerca de 6 em que os mosquitos estavam
voando. Dois dos buracos encontrados com focos estavam situados,
respectivamente, próximo ao Hotel Bitu e ao Hotel de France, em ambos
dos quais casos de febre ocorreram na última epidemia. Estes depósitos
foram tratados com óleo. Bueiros do novo sistema de água – 73 ao todo –
250
foram então examinados e um dos focos de larva foram descobertos.

Havia-se constatado pela Comissão Rockefeller que as larvas do mosquito


da febre amarela também eram encontradas em bueiros ou buracos onde havia
acúmulo de água. E observando que na cidade havia grandes quantidades de
orifícios nas ruas logo se percebeu que ali era outro ponto de disseminação desses
mosquitos e que algumas providências precisavam ser tomadas, no entanto, eram
temporárias, já que dependiam mais dos melhoramentos públicos do que das ações
da Rockefeller. Outro ponto que chama atenção nessa fonte são as referências às
proximidades desses buracos com os hoteis Bitu e de France. Ambos deveriam
receber muitos estrangeiros, já que como apontou Smith houve diversos casos
naquela área durante a última epidemia de febre.251 Por isso para eles era de

250
Relatório de Lucian Smith a Joseph White, 31 de dezembro de 1924, RAC, RG 5, série 2, caixa 24,
dossiê 147 (Fiocruz), p. 4.
251
Deve-se mencionar que a febre amarela quando eclodia atingia, sobretudo, a população
estrangeira. Ver, por exemplo, CHALOUB, Sidney. Op. cit., nota 13.
165

extrema necessidade eliminar essas larvas, principalmente nessas localidades. O


método mais empregado era o uso do óleo (petróleo), um dos causadores de
grandes conflitos, como se observará na documentação mais adiante.
Além do uso do óleo observou-se que os peixes foram outra solução
bastante aplicada nas ações dessa Comissão. Como já visto esse recurso encontra
algumas discordâncias quanto à forma com que era utilizado para a eliminação das
larvas dos mosquitos. Mas, analisando o relatório de Lucian Smith, observou-se que
diante das reclamações e medidas tomadas para resolver essa situação destaca-se
a aplicação de uma nova tecnologia dentro das caixas d´água para evitar que essa
água de consumo da população sofresse algum dano ou poluição.

...o uso de peixes nas caixas deu origem a reclamações sem fim por parte
dos municípios que encontraram os tonéis para banho cheios de peixe
morto, transmitindo um odor horrível para a água. Muito nervosa, uma
oposição indignada ao serviço foi engendrada dessa maneira. Para atender
a essa condição, uma chapa grossa de estanho, de formato cônico e
coberta com um fio de malha larga foi planejado para ser colocado no
252
orifício das caixas de dreno.

A solução encontrada pelos responsáveis da Comissão Rockefeller foi a


construção de cones que pudessem isolar os peixes dentro dos tanques, mas ainda
permitir que continuassem a eliminar as larvas. No entanto, como apresentou Smith
em seu relatório, esse método havia sido sugestão do Dr. Antônio Peryassú quando
esteve em visita pelo Ceará e sua aplicabilidade não havia sido experienciada ainda
e desse modo não se tinha a certeza de sua eficácia.

...A determinação para empregar esse método foi alcançada após uma
conversa com o Dr. Scanell, que afirmou que o Sr. Figueroa, o diretor em
São Luiz, estava empregando um funil em tanques para o uso de se impedir
253
a saída dos peixes através do tubo de descarga.

Devido à falta de experiência com esse método precisou-se de outros


exemplos e práticas que possibilitassem o sucesso dessa técnica no Ceará. E
através do contato e ações das comissões existentes em outros estados, sobretudo
no Maranhão, obteve-se uma maior confiança nesse procedimento.

252
Relatório de Lucian Smith a Joseph White, 31 de dezembro de 1924, RAC, RG 5, série 2, caixa 24,
dossiê 147 (Fiocruz), pp. 7-8.
253
Ibid, p.8.
166

De certa forma a solução empregada trouxe resultados favoráveis e como foi


observado no relatório acabou acalmando os ânimos e críticas ao trabalho da
Rockefeller no Ceará. Um fator importante que se deve mencionar é que não se
notou durante a passagem dessa Comissão a participação mais direta dos médicos
locais, ao contrário, os únicos contratados que estiveram junto a esse grupo foram
os chamados “mata-mosquitos”, que foram selecionados entre a população. Pode-se
então pensar que possivelmente muitas das discordâncias e críticas tenham
originadas, sobretudo da classe médica de Fortaleza que vinha tendo uma
participação mais ativa na cidade e que com a chegada desses outros profissionais
passaram a perder seu espaço. Evidentemente, no geral as fontes mostram mais
elogios a esse trabalho da Rockefeller do que censuras, porém, observando a
ausências dos médicos nessas campanhas preventivas e alguns artigos de jornais
que levantam dúvidas à eficácia das ações da Comissão Rockefeller, pode-se
pensar que, mesmo indiretamente, mostravam-se contrários ao trabalho trazido e
implantado por esse grupo.

...Em Fortaleza não há enormes tanques de ferro enrugado. As estruturas


aqui classificadas como tanques são recipientes de concreto usualmente
situadas no andar térreo das construções. A fim de manter estreita vigilância
no estado das caixas d´água com referência à eficiência de proteção contra
invasão de larvas, um registro tem sido mantido mostrando a localização de
todas as caixas d´água na cidade e dando os dados das características de
seus equipamentos, se com tela ou tubo e peixe, ou, em alguns casos
254
especiais, com peixe sem tubulação.

Outra questão relatada como problemática para a Comissão foi a grande


quantidade de caixas d´águas existentes em Fortaleza e construídas sem uma
padronização. A estrutura em algumas delas era precária e favorecia o
aparecimento das larvas e dificultava também a fiscalização nos locais onde havia o
aparecimento dos mosquitos da febre amarela, uma vez que alguns desses tanques
não tinham como receber uma fiscalização mais regular devido à altura dessas
caixas d´águas. E como afirmou Smith ―...Existem dois desses na cidade que são
tão elevados e de tão difícil acesso que eles estão fora dos limites do controle, em
que a isenção não se acredita que qualquer risco foi assumido...‖ 255. De certa, forma
percebeu-se nesse relatório enviado aos Estados Unidos que a Comissão da
254
Relatório de Lucian Smith a Joseph White, 31 de dezembro de 1924, RAC, RG 5, série 2, caixa 24,
dossiê 147 (Fiocruz), p.9.
255
Idem.
167

Fundação Rockefeller no Ceará atestava constantemente as barreiras que


ocasionavam obstáculos ao sucesso de seus procedimentos. Suas justificativas
eram o tal motivo ao não cumprimento dos métodos preventivos pela população e a
precariedade estrutural da cidade.
No geral, percebeu-se que a presença da Fundação Rockefeller nos
primeiros anos foi vista pelos governantes e médicos como salvadora para o Brasil e
trouxe benefícios que o Governo Federal até então não tinha conseguido realizar
com relação ao combate de doenças como a malária, a febre amarela e a
ancilostomose. No entanto, observando o relatório do Dr. Carlos da Costa Ribeiro
notou-se certo descontentamento, pois o Ceará havia sido esquecido pelo Governo
Federal e as ações da Rockefeller entre os anos de 1918 a 1923 concentraram-se,
principalmente, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

...vergonha é dizel-o, foi preciso que a Rockfeller Foundattion se lembrasse


de vir ao Brazil dar combate á moléstia que, segundo calcula Belisario
Penna, inutilisa 70% da população brazileira, para os poderes públicos
começarem a se mover. E foram os Estados de S. Paulo e do Rio, por ora,
os unicos a receber a lição americana e a seguil-a. Não podíamos portanto
nos conservar indifferentes ao flagello, tanto mais que cremos não ser o
nosso Estado um dos menos assolados. Assim, no anno passado, nos
dirigimos ao Sr. Director Geral de Hygiene do Estado do Rio, solicitando a
fineza de nos informar si o laboratório que preparava os comprimidos
ancislotomicidas para o Estado, poderia fazer um contracto com o Governo
do Ceará, afim de lhe fornecer a quantidade necessária a começar o
combate; mas, passados mezes, como nenhuma resposta tivéssemos
daquella autoridade, pergunta analoga fizemos ao Sr. Director Geral de
256
Saude Publica de S. Paulo, cuja resposta aguardamos...

Nessa parte do relatório o Dr. Carlos Ribeiro mencionou as dificuldades e


prejuízos vivenciados no Brasil devido à proliferação dos casos de ancilostomose e
que no Ceará a falta de medicamentos e orientações como as concedidas pela
Fundação Rockefeller nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro prejudicava o
Estado do Ceará. É importante mencionar que até 1923 a Comissão da Fundação
Rockefeller somente dedicou-se a visitar em alguns dos estados brasileiros e ações
mais diretas contra a ancilostomose, somente ocorreram nos estados de São Paulo,
Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Nas palavras descritas pelo inspetor de
higiene do Ceará notou-se que nenhuma ajuda ainda tinha sido concedida ao Ceará
e percebeu-se que inicialmente a Rockefeller privilegiou as ações nos estados mais
desenvolvidos do Brasil, no entanto, notaram que os estados do Norte eram grandes
256
Relatório da Inspetoria de Higiene do Estado do Ceará, 1º de junho de 1918, pp.25-26.
168

fontes de proliferação dessas doenças e acabavam atingindo os estados do sul


através das migrações e relações comerciais. Desse modo, tiveram que iniciar
medidas e ações que foram possíveis mediante acordo com o Governo Federal.
A Comissão da Rockefeller ficou ativamente em Fortaleza de 1923 até final
do ano de 1927, uma vez que havia atingido suas metas e acreditava que o trabalho
havia sido concluído. No entanto, não foi o que ocorreu e em meados de 1928
retornaram suas atividades no Ceará e atuaram durante o final da década de 20 e
toda a década de 30 do século XX na prevenção e no tratamento da febre amarela e
também da Malária que passou a estar mais visível, sobretudo no final dos anos 30
no interior do estado.

Agora que estamos a braços com o copioso inverno que nos bate á porta,
alagando as praças e ruas de maneira a deixa-las intransitaveis,é que bem
avaliamos a falta dos relevantes serviços da Rockefeller na obra do
saneamento rural. As aguas estagnadas que permanecem nas sargetas e
nas depressões do calçamento, após o desencadear das chuvas
torrenciaes, tornam-se o fóco dos mosquitos e carapanãs que já são vistos
a ensamear por sobre essas poças de lama, como uma ameaça terrível ao
somno e a saúde dos habitantes desta capital. Nas ruas que não são
calçadas, esses insectos pullulam ainda com mais facilidade, por quanto ahi
se formam depressa lodaçaes que somente após alguns dias de sol veem a
seccar. Urge, portanto sr. redactor que os srs.do saneamento urbano
desenvolvam a máxima actividade a cidade nesses casos, afim de, dando
vasão ao ajuntamentos dagua nas ruas, tenhamos prevenido a saúde.
Clarmeis, pois Sr. redactor pelas columnas do “Povo” afim de que, sejamos
257
attendidos pelas autoridades competentes.

Além dos longos períodos de secas, muitas vezes os invernos também


trouxeram consequências danosas à vida dos cearenses, principalmente, àqueles
que habitavam a cidade de Fortaleza. Essa reclamação escrita ao jornal O Povo
denunciava algumas das problemáticas causadas pelas águas estagnadas das
chuvas que acabavam favorecendo ao aumento dos focos dos mosquitos que
ocasionavam tanto prejuízos ao sono como também geravam o aumento de
doenças por eles transmitidas. Esse artigo teve como título ―Terra de ninguém- A
falta que nos faz a Rockefeller‖ e o pedido do autor desconhecido era de que as
autoridades responsáveis pelos serviços tomassem as providências necessárias
para a solução dessas dificuldades. Porém, deve-se notar que de uma maneira geral
esse texto não deixa de ser uma crítica aos responsáveis pela saúde pública e

257
Jornal O Povo, “Terra de ninguém‖ – A falta que nos faz a Rockefeller, 09 de março de 1928, p. 6.
169

também um comparativo entre a situação da cidade naquele momento e


anteriormente, com quando se tinha a presença da Comissão Rockefeller.

Desde ontem que a população de Fortaleza se acha de parabéns pelo facto


da Rockfeller Foundation, a benemerita instituição, ter voltado a se instalar
novamente entre nós. O tempo em que a nossa cidade se viu desprovida
desse departamento hygienico serviu somente para uma vantagem, se tal
podemos dizer: mostrar que de facto a Rockefeller prestou um auxilio
inestimável ao bem estar e á saude do povo, evitando por meio de seu
combate constante e patriotico a implantação de micróbios pervertedores do
ambiente citadino, com o resguardo da saude do povo fortalezense. E
justamente o que prevíamos e tivemos occasião de salientar logo após a
suspensão dos trabalhos ora reencentados, podemos acrescentar hoje que
se verificou, isto é, o estado sanitário geral teve uma brusca transformação,
com características a sempre augmentar. E geral também era o pezar,
258
almejando todos que a Rockfeller voltasse a proteger-nos.

Nessa matéria publicada no jornal Diário do Ceará259, percebeu-se a


satisfação gerada pelo retorno dos profissionais da Rockefeller ao Ceará e também
o reforço da visão de “salvação” devido ao ―combate constante e patriótico‖ das
doenças que afetavam a saúde pública local. Contudo, é importante mencionar que
esse periódico era o órgão oficial do governo e com certeza suas matérias
defendiam os interesses e aprovações do Governo do Ceará. Desse modo, dar
ênfase à ausência da Comissão Rockefeller e às mudanças proporcionadas por
esse grupo no campo da saúde pública demonstrava o desejo e o apoio que o
governo direcionava para a atuação dessa Comissão em Fortaleza.
Foram várias as matérias escritas durante esse período de afastamento da
Rockefeller e todas sempre ressaltavam a importância e os resultados obtidos no
combate à proliferação da febre amarela, contudo, é válido lembrar que mesmo
antes da chegada desses profissionais já eram poucos os casos de febre amarela
no Ceará e isso possivelmente contribuiu para um resultado mais favorável nas
ações dessa Comissão.

Como a população desta capital pode testemunhar a cidade esta invadida


por carapanãs. Ninguém mais pode dormir tranqüilo sem mosqueteiros. E a

258
Jornal Diário do Ceará, 03 de julho de 1928, p. 2.
259
Este jornal iniciou suas publicações em 1º de setembro de 1920, pela fusão de dois jornais; a
“Folha do Povo” e do “Estado do Ceará” que eram órgãos do Governo de Acioli e de Franco Rabelo.
Assim, com a nomeação de Justiniano de Serpa à presidência do Estado do Ceará, este jornal
passou a ser órgão oficial do governo de Justiniano de Serpa, até que deixou de existir com a
Revolução de 1930. Ver, por exemplo, NOBRE, Geraldo da Silva. Introdução à história do jornalismo
cearense. Fortaleza-CE; NUDOC/Arquivo Público do Estado do Ceará, 2006, p. 139.
170

Fortaleza não pode mais ufana-se de garantir a vida dos estrangeiros,


contra a infecção da febre amarella. Os trabalhos da Comissão Rockefeller
deram-nos alguns annos de civilização, expurgando os nossos lares e os
nossos logradouros públicos da praga anti hygienica dos mosquitos
portadores da terrível e mortífera doença. Mas, terminada que foi a tarefa
humanitaria da Rockefeller, e demonstrada,praticamente a maneira de
extinguir-se os mosquitos, o governo abandonou o policiamento sanitario
dos fôcos domiciliares e das lagoas, ficando o trabalho da Commissão
260
inteiramente perdido.

Essa ausência da Comissão Rockfeller fez com que as acusações ao


governo aumentassem, pois se afirmava que a volta dos mosquitos era ocasionada
pelo descaso e deficiência das ações governamentais e principalmente pela falta de
policiamento, como afirmou o jornal O Povo em sua matéria ―Mosquitos e sangue
sugas‖. Essas declarações somente reforçaram o quanto a presença da Rockefeller
no Ceará foi vista como necessária tanto pelo governo como por alguns
interessados no retorno dessa Comissão. No entanto, mesmo sem fontes que
apontassem a opinião dos médicos sobre tais ações, acredita-se que nem todos
defendiam as ações desse grupo e alguns artigos, cuja assinatura era anônima e se
colocavam contrários às medidas da Rockefeller, devem ter sido escritos também
por médicos, afinal essa classe conhecia mais os métodos aplicados.
Ao retornarem ao Ceará no ano de 1928 a Comissão Rockefeller enfrentou
diversas oposições e críticas com relação a sua forma de agir, sobretudo, aos
métodos empregados na fiscalização domiciliar. Houve também certo descrédito
quanto à metodologia empregada e se essa tinha resultados favoráveis para a
saúde pública da cidade. Essas acusações ficaram mais frequentes e tiveram seu
auge no ano de 1935, quando os números de reclamantes aumentaram. É
interessante ressaltar que a análise e pesquisa desses reclames, e dos jornais de
oposição ao governo, possibilitou observar a conflitante relação de desconfiança que
existiu entre a população e os métodos empregados por esse grupo.

O Sr. Joaquim Barros, residente no Boulevar Visconde de Rio Branco nº


477, pediu reclamassemos junto ao dr. Luciano Smith contra o modo por
que a turma de mata-mosquitos que trabalha naquelle districto se portou na
sua casa de residencia. Assim é que, emquanto se estava no trabalho o Sr.
Barros foi a sua residencia visitada pelos mata-mosquitos, que intimaram as
pessoas dali a possuir uma única jara e um filtro desejando, por isso,
quebrar a outra que se achava com agua. O sr. Barros, que diz reconhecer
a necessidade da acção dos mata-mosquitos no combate as doenças
infecciosas, acha, porém que os mesmos se excederem, procurando agir

260
Jornal O Povo, ―Mosquitos e sangue-sugas‖, 02 de fevereiro de 1928, p.1.
171

draconianamente em sua residencia. Por isso, afim de que o facto não se


261
repita, appella para o dr. Luciano Smith, por nosso intermédio.

Essa fonte permite que se percebam diversas questões que ocasionaram


conflitos junto à população, que nos relatórios da Comissão esses fatos são
omitidas. Mas, é importante mencionar que esse tipo de fiscalização já era aplicada
desde o começo do século XX, conforme se observou nas ações de Osvaldo Cruz
no Rio de Janeiro, no entanto, em Fortaleza essas medidas foram mais utilizadas
pela Comissão Rockefeller, e os métodos empregados pelo governo estadual antes
da chegada dessa Comissão eram menos rigorosos, de acordo com a
documentação. De qualquer forma percebeu-se que o conflito principal estava na
forma com que os empregados da Rockefeller tratavam a população. Nos relatórios
observou-se que os culpados eram sempre os moradores que não aceitavam
receber os “mata-mosquitos” em suas residências. De acordo com as fontes eles
tinham a função de inspecionar e aplicar as substâncias necessárias ao combate
dos mosquitos nos domicílios da cidade.
Outro ponto bem interessante é que no artigo do jornal O Nordeste o redator
aponta o endereço onde o fato ocorreu, possivelmente, como um meio para que os
responsáveis por esse serviço tomem providências e evitem que outras situações
dessas ocorram. No entanto, as fontes vão mostrar que isso se tornou frequente e
que outros casos apareceram noticiados nos jornais, sobretudo na década de 30.
Como foi visto em diversos noticiários dos jornais locais, muitos foram os
argumentos usados em defesa aos serviços da Rockefeller no Ceará e o
interessante é que em alguns casos até recomendações foram passadas à
população para melhor tratar os funcionários dessa Comissão.

Mister, portanto, é que recebamos em nossas casas os seus auxiliares


sempre com boa cara, sempre com atenção e delicadeza, prestando-lhe
ainda o nosso concurso eficaz para o desempenho da sua missão.
Evitemos discutir, alterar com os “mata-mosquitos”, que si nem sempre
dispõem de uma educação requintada, melhor os poderemos encaminhar
no interior das nossas habitações, nunca, porém, embaraçando a sua ação,
maltratando-os, atirando os de porta a fora, como se há visto e sabido mais
de uma vez. Agredir e desconsiderar um desses homens, que nos visitam
como portador de saude, de cuidados fieis pela vida do nosso povo, é obra

261
Jornal O Nordeste, ―Já começaram as reclamações contra os mata-mosquitos‖, 08 de julho de
1928, p.1.
172

de louco, é o mesmo que a insânia de um doente que despeja os remédios


262
pela janela, e atira o medico de sua cabeceira, aos ponta-pés, pela rua.

É bastante interessante esse artigo publicado no jornal “A Rua‖, pois permite


que se possa observar que os conflitos existentes entre os funcionários da
Rockefeller e os habitantes de Fortaleza foi algo que gerou empecilhos na aplicação
dos métodos da Comissão. Apesar de não haver referências de quem tenha escrito
esse texto pode-se supor que essa pessoa defendia ou estava ligada diretamente
aos trabalhos desse grupo, já que em suas palavras aconselha a população a não
reagir contra os chamados “mata-mosquitos”, mas permitir que hajam da forma que
acharem melhor. Esse pedido acaba indo de encontro às diversas reclamações e
denúncias que aparecem em diversos jornais da cidade, pois para esse observador
as pessoas deveriam ficar quietas diante de atitudes de agressão e desrespeito em
seus próprios domicílios e agir sempre com ―atenção e delicadeza‖. Mas, como
atender com requinte funcionários considerados agressivos? Fica mais visível que o
interesse era abafar a situação e tentar inverter as notícias de acusação e colocar
esses funcionários como vítimas da população considerada ―louca‖ e ―doente‖.
Percebeu-se através das fontes pesquisadas que a partir de 1933 os
conflitos foram mais recorrentes e as denúncias e casos de reclamações contra a
atuação dos mata-mosquitos aumentaram. Diante dessas questões e de outros fatos
ocorreu certa descrença com relação à eficácia das ações dessa Comissão e alguns
artigos começaram a aparecer nas páginas do jornal “A Rua‖ referindo-se à
inutilidade dessa instituição estrangeira para a saúde pública do Ceará.

A proposito duma local dessa folha de ontem a respeito das notórias


arbitrariedades dos mata mosquitos, aliás, mata-cousa-alguma, ocorre-me
fazer leves apreciações – sucintas pela exigüidade de tempo disponível –
em torno dessa instituição estrangeira inutil a saude publica e, não obstante,
onerosa por demais aos cofres da pobre União. Quero me referir ao vaidoso
Serviço de Febre Amarela ou Comissão Rockefeller. Seria de embasbacar o
publico o confronto estatico da fabulosa soma de dinheiro dispendido com
os insignificantes benefícios que nos proporciona esse simpatico
263
serviço...

262
Jornal A Rua, ―O serviço de febre amarela‖, 04 de fevereiro de 1933, p.3.
263
Jornal A Rua, ―A Rockefeller‖ é uma instituição estrangeira inútil á saúde pública, 06 de outubro de
1933, p.3.
173

Esse artigo foi assinado com o pseudônimo “um observador”, e trouxe outras
críticas à atuação da Rockefeller na saúde pública do Ceará, pois dentre as suas
colocações apontou que os gastos maiores não estavam saindo dos cofres da
Rockefeller mais sim do Governo Federal. E que não via como útil a presença
desses estrangeiros junto aos órgãos de saúde pública do Brasil.

Quando alguem de certo valor vai a sede do serviço protestar contra a


insolencia dum mata-mosquito os jovens doutores aproveitam pressuroso
ensejo para ressaltar o seu aparente prestigio e fazer uma espécie de
propaganda da Comissão. Levam o reclamante a ver diversas secções da
repartição, todo o complicado mecanismo e no final não tomam em
consideração a queixa e muito menos punem o culpado. O reclamante
entra, seguido pelos moços assistentes que vão apontando tudo duma
maneira vaga; agora, a Secretaria cuidadosamente organizada; junto, a
diretoria, alguns moços de mãos esmeraldadas em suas bancas, quadros e
mapas de pendurados nas paredes; adeante, a secção de Viscerotomia,
mesas, papeis e alguns escriturários; depois, a sala dos mata-mosquitos
fardados, onde se vêm varias plantas da cidade e o mata-mosquito mor
sempre atarefado a arrumar, desarrumar e rearrumar a sua infernal
papelada; em seguida, a secção de controle, etc, etc. No fim de contas, sai
o reclamante nada tendo visto de proveitoso mas convencido, muitas vezes,
de que aquilo, dentro em breve, acabará não apenas com todas as
264
molestias que infelicitam a humanidade!

Um ponto que se pode supor dessa parte expressa por esse observador é
que possivelmente ele teve acesso a essas informações pessoalmente, sendo um
dos reclamantes ou através de outra pessoa. Mas, de qualquer forma, em suas
descrições demonstra que os problemas das ações da Rockefeller iam
provavelmente, além dos modos de tratamentos dos mata-mosquitos, mas que
adentrava também a organização desse trabalho como um todo e para esse crítico
não havia por parte dessa Comissão o interesse de resolver as questões
conflitantes, mas sempre tentar controlar para manter seus objetivos.
E as questões não pararam somente nos mata-mosquitos e na
administração desses trabalhos por parte da Comissão Rockefeller, mas como vai
apontar o secretário do jornal “A Rua‖ em 1933, a falta de água devido à seca e o
modo com que esse grupo lidava com esse problema trouxe alguns conflitos nessa
relação com os moradores de Fortaleza.

Os modernos higienistas da Rockefeller não querem ver um deposito


dagua. O mosquito condutor da febre amarela é o espantalho desta pobre
gente. Até o presente, porém, não morreu no Ceará uma so pessoa de

264
Jornal A Rua, ―A Rockefeller‖ é uma instituição estrangeira inútil á saúde pública, 06 de outubro de
1933, p.3.
174

febre amarela. Mas, a comissão não arreda o pé desta terra digna de


melhor sorte. A população de Fortaleza vive por isso, entre a cruz e a
caldeirinha si tem agua em deposito a Rockefeller manda derramar. Por
outro lado a higiene do Estado exige uma vasta profilaxia. Ora, como o povo
265
pode fazer higiene sem agua?

Uma das questões descritas pelo jornalista foi que não havia há tempos
casos de morte pela febre amarela e pelo que apresentou nesse artigo supõe-se que
ele via como desnecessária a fiscalização rígida que era aplicada por essa
Comissão. Diante dessas questões e das fontes analisadas percebeu-se que
durante a década de 30 a imagem de salvação sofreu abalos e as críticas apontadas
com relação às ações de profilaxias implantadas pela Rockefeller mostraram que
essa atuação ocasionou empecilhos para o cotidiano dos moradores de Fortaleza.
Um dos pontos ressaltados pelo secretário do jornal ―A Rua‖, o Sr. Gastão
Justa, estava relacionado à falta de água que atingia a cidade em decorrência da
seca cujo início foi o ano de 1932, mas que ainda continuou trazendo problemas
para a população naquele momento. Assim, percebe-se nas palavras desse
jornalista o quanto era contraditória a situação que se encontrava a cidade, pois
necessitava de água e não podia armazená-la, uma vez que isso ia de encontro às
ações da Comissão Rockefeller no combate aos mosquitos.
No ano de 1933 o conflito tornou-se mais acentuado e diversas foram as
reclamações com relação aos serviços de combate aos mosquitos na cidade. As
denúncias vinham tanto das pessoas menos favorecidas economicamente quanto
daqueles que detinham um determinado poder econômico. Infelizmente não se
encontrou respostas de defesa a nenhuma dessas acusações, mesmo nos jornais
do governo que apoiavam as ações desse grupo.

É sabido sr. redactor que um cidadão allemão denominado “Rockefeller


Foundation”, nome cuja a pronuncia, em portuguez, deve ser mais ou
menos Roque Felix fon Deixem-no, (este fon, ahi, escreve-se com V,
certamente, por falta de F em allemão) espalhou pelo universo inteiro uma
horte de homens sufficientemente preparados para um combate de morte a
uma legião de mulheres chamadas Stegomie, nome arrevesado que, em
linguagem matamos quitica, significa Esther Gomia (feminino de Gomes)
mas outra cousa não é senão a nossa conhecida muriçoca. Esse combate,
porem, vem sendo muito parecido com aquelles que as policias de varios
Estados, têm dado ao grupo de Lampeão, o qual, quando é atacado no sul
é porque se encontra da outra banda, e quando procurado desta, é porque
esta justamente, em posição de vice versa pelo contrario, de maneira que

265
Jornal A Rua, “Entre a cruz e a caldeirinha”, 18 de outubro de 1933, p.3.
175

nunca poderá acabar, isto é, ser acabado pelos batalhões que o


266
procuram...
267
De forma irônica e divertida o senhor “Fox” faz suas críticas à atuação da
Rockefeller no combate aos mosquitos, já que estavam motivados a fazer tal
reclame depois uma noite de insônia em consequência dos mosquitos. A princípio
compara a Fundação Rockefeller com os exércitos alemães, já que essa instituição
estava espalhada por diversos países e tinha como intenção levar seus métodos de
profilaxia para deter o aumento dos casos de doenças cujas causas eram os
mosquitos e acaba por compará-la aos alemães, que já na época tinham também
como meta expandir seus territórios. Num segundo momento a comparação passa a
ser com o grupo de Lampião e mostra que os mosquitos assim como os cangaceiros
não podem ser detidos por esses métodos.
Percebeu-se que “Fox” buscou em suas palavras demonstrar que as ações
da Rockefeller não atingiram suas metas e que os locais escolhidos para serem
aplicados seus métodos de combate aos mosquitos eram inadequados, pois os
mosquitos continuavam a trazer risco para a saúde da população.

...Assim também agem os membros daquela cohorte, os quaes só atacam a


suas inimigas em logar onde ellas nunca se encontram os potes d´agua. Por
mais que se lhes diga que, dentro das jarras d´aguas, renovada
diariamente, não existem fócos, ainda assim, elles insistem na sua teimosia,
muitas vezes irritante e sem resultado pratico, desde que permanece o-
statu-quo, por outra, continuam as muriçocas a produzir o mal insomnia.
Enquanto isto occorre, ficam immunes os charcos, as peças d´agua, as
sargetas imundas de muitas ruas centraes e os esterquillinios pavorosos de
certos bairros urbanos, das visitas sanitaristas indispensáveis. Esta “lenga
lenga” toda, sr. redactor, veio a baila, por eu ter passado, como disse,
268
“inlimine” toda a noite de hotem acordado...

Para Fox os locais de ataque aos mosquitos deveriam ser outros e foram
improdutivas as ações da Rockefeller. Mas, o interessante é que a falta de sono
devido às muriçocas foi o motivador para suas críticas e observações.
Possivelmente, se não tivesse tal “incômodo” esse artigo não existiria.
As constantes denúncias que aparecem nos jornais quanto às atitudes dos
mata-mosquitos tornaram-se constantes na década de 30 do século XX. Isso foi um
dos motivos fortes para abalar a confiança que era depositada nas mãos dessa

266
Jornal Correio do Ceará, “Campanha contra os mosquitos”, 02 de fevereiro de 1935, p.5.
267
Fox não era o seu real nome, mas apenas um pseudônimo.
268
Jornal Correio do Ceará, “Campanha contra os mosquitos”, 02 de fevereiro de 1935, p.5.
176

Comissão. Pelo que se observou das fontes foi o período de maior conflito e não se
encontrou outras referências da atuação da Rockefeller no Ceará que não fossem
essas reclamações. E possivelmente, essa credibilidade voltou a ter mais força com
a partida da Rockefeller para o interior cearense em 1939 no combate à Malária.

...Acontece que a Comissão Rockefeller tem um ódio tremendo a agua, uma


comissão verdadeiramente hidrófoba, sem alusões aleivosas...Os seus
auxiliares, os conhecidíssimos “mata-mosquitos” entendem de perseguir as
casas de família desta capital. E daí a exigencias da Rockefeller. De quando
em quando, nos chegam reclamações desses senhores. Hoje, é um guarda
sanitario que faltou com o devido respeito a uma senhora. Outro dia, é o
mesmo empregado da Repartição de Saúde que deitou petróleo na jarra
269
dagua de tal inquilino...

Observando essas fontes percebeu-se que diretamente não se encontrou


defesa ou oposição dos médicos da cidade. Os médicos que geralmente defendiam
mais abertamente eram funcionários do Governo Estadual. Mas, não se pode deixar
de pensar que alguns desses artigos de críticas a essas ações tenham também sido
escritos por alguns dos médicos que atuavam na cidade, afinal, esses métodos de
fiscalização pouco foram usados antes da chegada da Comissão Rockefeller e com
certeza a sua presença tirou um pouco do espaço de atuação da classe médica de
Fortaleza, causando certa rivalidade.
A presença da Comissão Rockefeller em Fortaleza esteve cercada de certa
dualidade, pois ora foi vista como salvação ora como empecilho. Apesar da ausência
de informações mais detalhadas sobre tal atuação, percebeu-se que esse grupo
trouxe mudanças no comportamento e estrutura da cidade. Saber se foi favorável ou
desfavorável não é o interesse dessa análise, mas perceber que a população local
e, sobretudo os médicos reagiram de diversas formas aos métodos que estavam
sendo aplicados por esse grupo. É um assunto que merece ainda muitas análises e
que ainda é pouco abordado, talvez pela ausência de fontes, mas também pelo
desconhecimento, já que quando se fala de Comissão Rockefeller no Ceará
somente se conhece sua atuação no interior em 1939 no combate à Malária.
Os médicos cearenses nesse momento não têm muita visibilidade quando
se observa as ações da Rockefeller, mas vale ressaltar que na década de 30 ocorre
a grande retomada do Centro Médico Cearense, que teve uma efetiva atuação na
cidade. Assim, pode-se pensar que ausência desses médicos junto a essa
269
Jornal A Rua, “Os mata-mosquitos em ação”, 05 de outubro de 1933, p.3
177

Comissão foi, possivelmente, devido à falta de apoio as essas medidas de combate


à febre amarela ou por não terem uma maior representatividade nesse trabalho.

.
178

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho possibilitou entender diversas questões referentes à atuação e


prática médica em Fortaleza no começo do século XX. No entanto, buscou-se
centralizar as discussões nos espaços de trabalho da classe médica na cidade, na
sua participação no Centro Médico Cearense e na sua relação com a população e
outros profissionais da saúde e também na intervenção da Comissão Rockefeller em
Fortaleza a partir do acordo com o Governo Federal para a prevenção da febre
amarela.
Escolheu-se realizar o estudo dessa tese entre os anos de 1900 a 1935, já
que esse período possibilitou ver a participação médica de forma mais ativa e
também compreender o desempenho desses profissionais na cidade. Para isso
buscou-se na análise da revista do Centro Médico e na realização do Primeiro
Congresso Médico Cearense pontos significativos para observar a consolidação dos
métodos da medicina acadêmica no cotidiano dos moradores de Fortaleza.
No começo do século XX a capital cearense passou por algumas mudanças
políticas, econômicas e sociais que produziram diversos efeitos no cotidiano da
cidade. Dentre essas transformações destacam-se as construções e reformas dos
equipamentos urbanos como prédios e praças, a deposição do Oligarca Nogueira
Acioly da Presidência do Estado e as intervenções médicas nas medidas de
combate às doenças e no direcionamento da saúde pública.
A documentação permitiu observar como os conceitos defendidos pela
medicina acadêmica tiveram uma forte presença nas principais medidas
administrativas da cidade e como os médicos se utilizaram de estratégias, como a
participação em cargos públicos e a criação da associação do Centro Médico para a
obtenção da credibilidade de seus métodos entre a população e as autoridades
locais.
Das abordagens realizadas nessa tese destacou-se o desejo de
modernização a partir dos conceitos aplicados pela medicina acadêmica, já que se
defendia o melhoramento da saúde como o caminho para uma cidade “civilizada”. O
outro fator importante foi a construção do Centro Médico Cearense, que permitiu aos
médicos uma maior visibilidade e divulgação mais frequentemente de seus métodos
seja através da revista Ceará Médico como da participação individual em hospitais e
179

consultórios particulares. E a presença e ação da Comissão Rockefeller em


Fortaleza, que tinha o apoio e o descontentamento de alguns médicos, e cujas
medidas de prevenção à febre amarela ocasionaram conflitos em Fortaleza.
No primeiro capítulo resolveu-se analisar o contexto histórico de Fortaleza
no começo do século XX a partir dos ideais de progresso aliados às questões de
salubridade. Depois se observou como estava sendo pensada e construída a saúde
pública e a participação dos médicos. E por fim tentou-se analisar um pouco da
formação dos médicos e a visão que esses profissionais defendiam para a obtenção
de uma cidade mais saudável e de acordo com os padrões da medicina acadêmica.
No segundo capítulo centralizaram-se as discussões no Centro Médico
Cearense e através da revista Ceará Médico, órgão de divulgação dessa
associação, conseguiu-se entender os objetivos e desempenhos dos médicos e
outros profissionais da saúde em vários campos de atuação da cidade. Observou-se
que durante o período estudado nessa tese o Centro Médico teve duas fases que
tiveram objetivos diferentes. Na primeira fase (1913-1919) o Centro Médico dedicou-
se às atividades internas como estudos científicos, pesquisas e palestras e na
segunda fase (1928-1935) ampliou-se seus objetivos para uma maior participação
na cidade através de campanhas preventivas. Em geral, procurou-se compreender
como essa associação interferiu e permitiu aos médicos uma maior visibilidade e
credibilidade dos seus métodos.
No terceiro capítulo analisou-se como os médicos cearenses realizaram
planos e medidas para o combate aos mosquitos e moscas transmissores das
principais doenças junto à população e a repercussão dos métodos trazidos pela
Comissão Rockefeller para o combate à febre amarela e que desencadeou uma
série de rejeições e conflitos com os habitantes de Fortaleza.
As reflexões e problemáticas levantadas nessa tese permitiram pensar
como a cidade foi organizada a partir dos ideais médicos e como a população foi
direcionada a compreender a saúde sob novas formas de agir e pensar. É
interessante perceber que, possivelmente, essas pessoas não tinham a mesma
opinião sobre a saúde e isso pode ter provocado rejeições às práticas médicas.
Assim, entender esse processo de conquista de espaços de atuação e de poder
desse grupo é fundamental para compreender como as principais mudanças feitas
na cidade estavam ligadas aos ideais e interesses da medicina acadêmica e, por
180

conseguinte à adaptação da população a essas novas práticas de tratamento


direcionadas pelo olhar do médico no começo do século XX em Fortaleza.
181

ANEXOS
182

1 - ESTATUTO DO CENTRO MÉDICO CEARENSE


(Dados transcritos da revista Norte Médico de abril de 1913)

DOS FINS DO CENTRO

Art. 1º - Fica instituído no Estado do Ceará o “Centro Medico Cearense”,


fundado no dia 20 de Fevereiro do anno de 1913, cujo fim é promover a união
entre os membros das classes medica, pharmaceutica e odontológica
estabelecendo entre elles laços de confraternidade, assistência e soccorros
mútuos, afim de proteger a sua autoridade e agir no seu interesse moral,
econômico e social.
Único – A sede do Centro será na cidade de Fortaleza, capital do Estado do
Ceará.
Art. 2º - Para a realização de seus fins a sua sede com bibliotheca e museu
annexos, constituirá o ponto de reunião de seus membros e pelo Centro será
creada uma revista profissional.
Art. 3º o estudo dos problemas medico-sociaes constituirá objecto de
particular cogitação e a si tomará o Centro o patrocínio moral dos Institutos de
Assistencia Publica do Estado e, quando possível, creará um instituto de
Assistencia a Infancia nesta Cidade.
Art. 4º - O Centro, em vista de seu programma, prohibido teminantemente
que em seu seio haja discussões políticas em qualquer idéa dessa natureza.

DOS MEMBROS DO CENTRO

Art. 5- Para ser membro do Centro é indispensável ser diplomado em


medicina, pharmacia ou odontologia, mediante curso regular feito em qualquer das
Faculdades da Republica e a juízo da Directoria.
Único – Os médicos, pharmaceuticos e cirurgiões-dentistas diplomados por
escolas medicas estrangeiras poderão fazer parte do Centro uma vez feitos os
exames de habilitação que são obrigados para exercer a sua profissão no Brasil,
sendo dispensado esse exame para os diplomados por escolas reconhecidas
pelas Faculdades de Medicina, do Rio de Janeiro e da Bahia.
Art. 6º - Haverá quatro cathegorias de membros do Centro: Effectivos,
Benemeritos, Honorarios e Correspondentes.
1º - Effectivos são os que pagarem a mensalidade de cinco mil rèis (5$000) e
uma jóia de cincoenta mil rèis (30$000), armotizavel em dez mezes.
2º - Benemeritos são os membros effectivo que doarem ao Centro não
inferiores a um conto de rèis (1:000$000) ou que prestarem relevante serviços, a
juízo da Assembléa Geral.
3º - Honorarios são os membros das classes medica, pharmaceutica ou
odontologia que se fizerem notáveis por seus trabalhos profissionaes e aquellas
pessoas que não pertencendo ás ditas classes prestarem notáveis serviços ao
Centro, tudo a juízo da Assembléa Geral.
4º - Correspondentes são os que a Directoria designar para esse fim no Paiz
ou no Estrangeiro.
Único – Serão considerados membros fundadores effectivos acceitos até a
data da posse da primeira Directoria eleita.
183

DOS DEVERES DOS MEMBROS DO CENTRO

Art. 7º - Cumpre aos membros do Centro.


1º - Trabalhar para a união e solidariedade entre os membros das classes
medica, pharmaceutica e odontoligica.
2º - Cumprir o disposto nestes Estatutos e não se afastar dos sãos princípios
de deontologia.
3º - Comparecer ás sessões quando convocado ás palestras sobre casos
clínicos e questões scientificas de pratica e actualidade que se realizarão pelo
menos uma vez por mez.
4º - Participar á Directoria, quando mudar de domicilio, sua nova residência.
5º - Levar ao conhecimento da Directoria tudo que possa concorrer para o
bem do Centro ou de algum dos seus membros.
6º - Votar para os cargos do Centro.
7º - Exercer gratuitamente os cargos para que for eleito.
8º - Levar ao conhecimento da Directoria a provocação, censura ou
accusação, motivada pelo exercício profissional, que lhe houverem feito.
9º - Pagar pontualmente o que dever ao Centro.

DOS DEVERES DOS MEMBROS DO CENTRO

Art. 8º - São direitos dos membros do Centro:


1º - Votar e ser votado para os cargos a prover por eleição.
2º - Frequentar a bibliotheca e museu.
3º - Colaborar e receber gratuitamente a Revista.
4º - Pedir o apoio ao Centro quando delle carecer em legitima defeza de seus
interesses, nas questões inhherentes ao exercício de sua profissão.
Único – Os sócios honorários não poderão votar nem ser votado.

DA EXCLUSÃO, ELIMINAÇÃO E EXPULSÃO DOS MEMBROS DO


CENTRO.

Art. 9º - Será excluído do Centro o membro que deixar de pagar três


mensalidades consecutivas.
Art. 10º - A exclusão será executada pela Directoria, um mez depois de aviso
feito por carta registrada, a menos que prove o membro em atrazo haver incorrido
em falta por circumstancia independente de sua vontade.
Art. 11º - será eliminada do Centro, por decisão da Directoria, ad referendum
da Assembléa Geral convocada para esse fim:
1º - O membro que cometter grave, falta de deontologia.
2º - O que voluntariamente causar ao Centro grave prejuízo, devidamente
verificado.
Art. 12º - Em todos os casos de eliminação, o membro possível desta pena
será convidado com um mez de antecedência, por carta registrada, a apresentar-
se á Directoria para ser ouvido sobre os factos que motivarem a sua accusação.
Art. 13º - Si o membro a eliminar não comparecer para ser ouvido, será
julgado, pela Directoria , cabendo-lhe no entanto, ainda justificar-se perante a
Assembléa geral quando reunida para referendar o julgamento: si comparecer
poderá appeelar da decisão para a Assembléa Geral.
Art. 14º - Será expulso o membro que for condemnado pelo Poder Judiciario
crime deshonroso.
184

Art. 15º - o membro que for excluído, eliminado ou expulso do Centro perde
todos os direitos nelle adquiridos, sem direito a indemnisação alguma.
1º - o excluído poderá ser readmitido mediante quitação com o Centro.
2º - o eliminado só poderá ser readmitido após um praso de dois annos e a
juízo da Assembléa Geral.
3º - o expulso não poderá ser readmitido.

ASSEMBLÊA GERAL

Art. 16º- O poder supremo do Centro é representado pela Assemblêa Geral.


Art. 17º - A Assemblêa Geral reunir-se-há ordinariamente á 1º de março para
eleger a nova Directoria, o Conselho Fiscal e o Corpo Redactorial da Revista e
depois de sua posse para a apresentação do balancete annual do Thezoureiro e
pareceres do Conselho Fiscal.
Art. 18 º - A Assemblêa Geral reuni-se-há extraordinariamente:
1º - A juízo da Directoria representada em maioria, allegando o motivo da
convocação.
2º - A requerimento de cinco membros no goso de seus direitos, allegando
motivo da convocação.
Único – Serao motivos de convocação extraordinária:
1º - Resolver sobre os casos não previstos nestes Estatutos.
2º - Tomar conhecimento das interpellações e queixas contra os socios ou
membros da Directoria e resolvel-as.
3º - Resolver sobre a demissão requerida dos cargos exercidos por qualquer
membro.
4º Resolver sobre casos imprevistos que occorrerem.
Art. 19º As Assemblêa Geraes extraordinárias occupar-se-hão sómente do
fim para que fôrem convocadas.
Art. 20º A Assembêa Geral compor-se-há da maioria dos membros effectivos
do centro que se acharem na occasião na Cidade de Fortaleza e no gozo de seus
direitos.
Único – Não se podendo conseguir a maioria metade e amis um será feita
nova convocação, funccionando então a Assemblêa com o numero de sócios
presentes.
Art. 21º As convocações para reunião das Assembléas Geraes serao feitas
pela imprensa com oito dias de antecedência ou em um livro especial, no qual,
cada membro lançará o sciente.
Único – Nos casos de urgência a convocação será sempre feita no livro
referido e com praso nunca inferior a 48 horas.
Art. 22º - O voto será nominal, não sendo admitida votação por procuração.
Único – o thezoureiro apresentará uma lista dos membros em dia com o
centro, pela qual será feita a chamada para a votação.

DAS ELEIÇÕES

Art. 23º - Terminado sempre no dia 25 de Março de cada anno o mandato da


Directoria do Centro, deverá ser empossada no memso dia com solemnidade a
nova Directoria eleita.
Art. 24º - As eleições da directoria, Conselho Fiscal e Corpo Readctorial da
Revista realizar-se-hão no dia 1º de Março de cada anno, em Assembléa Geral.
185

Art. 25º - Cada votante lançará em uma cédula os nomes dos candidatos que
haja escolhido, com especificação dos cargos, devendo esta cédula trazer a sua
assignatura.
Art. 26º - A apuração far-se-há após a votação com assistência da
Assembléa sendo logo, pelo Presidente proclamados eleitos a nova Directoria,
Conselho fiscal Redactorial da Revista.

DA DIRECTORIA

Art. 27º - o Centro será dirigido por uma Directoria composta de um


Presidente. Três Vice-Presidentes, um Secretario Geral, um 1º Secretario, um 2º,
um Thezoureiro e dois Oradores, eleitos annualmente e reelegíveis.
Art. 28º - Ao decano do Corpo medico em Frotaleza, quando membro do
Centro, será conferido o titulo de Presidente honorário.
Art. 29º - A Directoria reunir-se-há pelo menos uma vez por mez em sessão
ordinária em dia e hora marcada pela mesma e extraordinariamente quando o
julgar necessário.
Único – Ás sessões poderá assistir qualquer membro do centro sem tomar,
porém, parte das mesmas.
Art. 30º - Na primeira sessão de cada mez, o Thezoureiro apresentará o
balancete da receita e despeza mez anterior.
Art. 31º - As sessões da Directoria só poderão funccionar presentes os
membros da meza em maioria.
Art. 32º - Á Directoria compete a administração do Centro, estando os seus
actos e balancetes sujeitos a verificação pelo Conselho Fiscal.
Art. 33º - A Directoria deverá tratar das questões de geral interesse do
Centro, providenciar sobre o melhor emprego valores e bens que lhe pertencerem,
redigir o seu regulamento interno, entreter confraternaes relações com as
instituições congêneres nacionaes e estrangeiras e finalmente velar pela fiel
execução deste Estatuto.
Art. 34º - O presidente dirige os trabalhos do Centro e o representa em juízo
e nas suas relações com terceiros.
Único – annualmente apresentará relatório circumstanciado sobre os factos
ocorridos na sua administração sendo este lido ao ser empossada a nova
Directoria.
Art. 35º - Aos 1,2 e 3 Vice- Presidentes compete substituir o Presidente em
seus impedimentos, na ordem assignalada.
Art. 36º - Serao attribuições do Secretario Geral:
1º – Redigir, assignar e expedir a correspondências do Centro com o
Estrangeiro e demais Estados da União.
2º - Confeccionar o relatorio dos trabalhos e factos do Centro para as
sessões solemnes de aniversario e proceder a sua respectiva leitura.

Art. 37º- São attribuições do 1º Secretario:


1º - Proceder em sessão a chamada dos sócios, á leitura do expediente, dos
pareceres e quaesquer papeis presentes a sessão.
2º - Redigir, assignar e expedir a correspondência do Centro para dentro do
Estado.
3º Fazer regular e effectivo o serviço de acquisição de retratos e biographias
dos membros do Centro e de qualquer cathegoria que sejam.
4º - Visar os documentos de despeza que tenham de ser apresentados ao
Thezoureiro para pagamento.
186

5º - Substituir o Secretario Geral nos seus impedimentos.


38º - São attribuições do 2º Secretario:
1º- Redigir, assignar e expedir os avisos de convocações se sessões
ordinarias ou extra ordinárias e as cartas de convite as autoridades, associações e
publico em geral para as reuniões solemnes do Centro.
2º- Redigir as actas das sessões ordinárias ou extra ordinárias, transcrevel-
as ou fazel-as transcrever em livros apropriados, lel-as em sessão e assignal-as.
39º - São attribuições do Thezoureiro
1º - Arrecadar todas a receita qualquer que seja sua origem ou fim a que
tenha ser applicada.
2º Effectuar pagamentos de despeza, os quaes serao visados pelo 1º
Secretario, dispensando-se dessa obrigação os papeis de mero expediente.
3º - Assignar com o Presidente e o Secretario Geral o diploma dos sócios.
4º - Prestar contas da caixa a seu cargo trimestralmente por meio de
balancetes e apresentar no fim do anno relatado um balancete da Receita e
Despeza acompanhadas dos respectivos Documentos e mensalmente um
balancete simplesda receita e despeza.
40º - Aos oradores compete representar o Centro nos seus actos solemnes e
em todos os actos em que tiver mesmo de comparecer officialmente.

DO CONSELHO FISCAL

Art.41º - O Centro terá um Conselho Fiscal composto de tres membros,


eleitos annualmente e reelegíveis.
Unico – O Conselho Fiscal terá por encargo o exame e parecer sobre os
balancetes do Thezoureiro e assistindo ás sessões da Directoria fiscalizar os actos
desta.

DAS PALESTRAS E DOS SERVIÇOS DA BIBLIOTHECA E MUSEU

Art. 42º - A sêde do Centro Medico constituirá o ponto onde realizarão-se-hão


palestras pelo menos uma vez por mez sobre assumptos clínicos e questões
scientificas de pratica e actualidade.
Art. 43º - Annexos ao Centro haverá uma bibliotheca e museu.
1º - A bibliotheca será formada por dádivas dos membros e particulares e por
compra quando o permittir o estado financeiro do Centro. Nella deverao ser
encontradas revistas nacionaes e estrangeiras, já obtidas por assignatura, já por
permuta com a revista do Centro.
2º - O museu será formado por especimens (sic) offerecidas para tal fim.
3º - A bibliotheca e museu seram dirigidos por membros do Centro
designados pela Directoria.

DA REVISTA

Art. 44º A direcção da Revista cabe a um redactor- Chefe, a um Redactor-


Gerente e a um Redactor- Secretario, eleitos annualmente e reelegiveis.
Único – Ao redactor- gerente cabe sômente a tarefa material da Revista.
Art. 45º - O Thezoureiro da Revista será o mesmo do Centro.
Art. 46º - A elaboração da revista terá um fim unicamente pratico, devendo a
cada producção trazer a assinagnatura de seu auctor.
Art. 47º - A Revista deverá ser publicada pelo menos uma vez por mez.
187

DA ASSISTENCIA A INFANCIA

Art. 48º - Esta instituição será creada logo que o permittir o estado de
progresso do Centro.
Unico – dado o caso da fundação de tal instituição nesta Cidade, por
iniciativa outra, ao Centro cabe tomar o patrocínio de tal tentament. (sic)

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 49º - Estes Estatutos só poderao ser reformados em Assembléa Geral,


por dois terços dos votos dos membros presentes na Cidade de Fortaleza,
decorridos dois annos da fundação do Centro.
Art. 50º - O Centro poderá acceitar auxílios officiaes e particulares destinados
á manutenção da Asistencia a infância ou a qualquer estabelecimento pio (sic),
que tenha de manter.
Art. 51º - Os donativos constituídos por contas de honorarios profissionaes, a
receber, serao destinadas ao patrimônio do Centro, deduzidas as despezas com a
cobrança.
Art. 52º - A receita do Centro será constituída pela renda de seu patrimônio,
pelos saldos annuaes, legados e donativos, mensalidades dos membros e jóias de
admissão.
Art. 53º - As rendas arrecadadas deverão ser recolhidas trimestralmente,
pelo Thezoureiro, á Caixa Economica do Estado ou a Estabelecimentos bancários.
Art.54º - No caso de fallecimento de um de seus membros effectivos serao os
seus funeraes feitos a expensas do Centro, logo que o permittir o seu estado
financeiro, cabendo em qualquer caso ao mesmo Centro concorrer para as
homenagens á memória do morto, na medida de suas forças.
Art. 55º No caso de exticção do Centro, liquidado o seu passivo, reverterá o
saldo que houver em beneficio de um Instituto de Assistencia a Infancia nesta
Cidade.

A COMMISSÃO

Dr. Manoel Duarte Pimentel.


Dr. Virgilio de Aguiar.
Dr. Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira
Pharm.(co) Joaquim de Holanda Cavalcante
188

2 - DIRETORIA DO CENTRO MÉDICO CEARENSE

PRESIDENTE Dr. Barão de Stuart

1º VICE - PRESIDENTE Dr. Francisco de Paula Rodrigues


2º VICE - PRESIDENTE Dr. Marinho de Andrade

3º VICE - PRESIDENTE Dr. Eduardo da Rocha Salgado


SECRETÁRIO GERAL Dr. Manoel Teófilo Gaspar de
Oliveira
1º SECRETÁRIO O farmacêutico Afonso de Pontes
Medeiros

2º SECRETÁRIO O cirurgião-dentista Rodolfo Bezerra


de Menezes

TESOUREIRO Dr. Gentil Pedreira

ORADORES Dr. José Lino da Justa e


Dr. Álvaro Fernandes
Dr. Manuelito Moreira
CONSELHO FISCAL O farmacêutico Francisco de Assis P.
Nogueira
O cirurgião-dentista Raimundo
Gomes
REVISTA (redator chefe) - Dr. Aurélio Lavor
(redator gerente) - Dr. Cesar Cals
(redator - secretário) - Dr. Virgílio de
Aguiar
(Esses dados foram retirados da revista Norte Médico, 15 de abril de 1913)
189

3 - TEMAS APRESENTADOS NO 1º CONGRESSO MÉDICO CEARENSE


(1935)

PALESTRANTE(S) TESE(S)
Drs. Antônio Justa e Carlos Ribeiro A lepra no Ceará
Dr. Mello e Silva O grande problema da educação médico-social
Dr. Bonifacio Paranhos da Costa Saneamento e polícia sanitária
Dr.Cesar Cals Tratamento obstétrico da placenta prévia
Dr. Miguel Rodrigues de Carvalho Contribuição ao estudo sanitário do Ceará
Drs. Jurandir Picanço e Pedro As infecções do grupo coli-tifico
Sampaio
Dr. Amadeu Fialho Febre tifóide
Drs. Hugo Firmeza e Miguel Como instituir um serviço de vacinação geral no
Rodrigues de Carvalho Ceará
Dr. Virgílio de Aguiar Uma espécie de classificação para intoxicação
gravídica e correções na nomenclatura da
eclampsia
Dr. Ivan Porto Bouba e sífilis
Dr. Abdenago da Rocha Lima A mortalidade infantil em Fortaleza suas causas
e meios de atenuá-las.
Dr. Miranda Leão A mortalidade infantil em Fortaleza
Dr. Benjamin Hortencio de Considerações em torno de letalidade infantil no
Medeiros Ceará.
Dr. Cesar Cals O toque vaginal e a infecção puerperal
Dr. Severino Cabral Sombra Escolas para tracomatosos em higiene infantil
Dr. Moreira de Souza Vacinoterapia regional pélvica
Dr. Irineu Nogueira Pinheiro Abastecimento d`agua e esgoto no Crato-Ceará
Dr. José Alcântara de Oliveira O problema da bouba no Ceará
Dr. José J. de Almeida O problema da bouba no Ceará
Dr. Augusto Hyder Correia Lima O impaludismo no Ceará
Dr. Francisco Araujo O impaludismo no sertão: uma das suas causas
no Município de Sobral
Dr. Jurandir Picanço O Alastrim no Ceará
Dr. Severino Sombra Valor índices de nutrição: fórmulas de ração e
biotipologia, na alimentação infantil
Dr. Manoel Batista Leite O cálcio no tratamento das afecções
pulmonares
Dr. Hélio Goes Ferreira O problema do tracoma nas escolas
Dr. José Romagueira Contribuição do estado de tracoma em
Pernambuco
Dr. João Otavio Lobo Sobre climatoterapia
Dr. Jurandir Picanço Malário terapia no Ceará
Dr. Fernando Viana Vacinação contra difteria
Dr. J. Saraiva Leão Vacinação anti-difiteria
Dr. Ossian de Aguiar Um tratamento das hérnias estranguladas
(Dados retirados do texto de BARBOSA, José Policarpo de Araujo. História da Saúde Pública
do Ceará: da colônia a Vargas, 1994)
190

FONTES

1- ACADEMIA CEARENSE DE MEDICINA

 REVISTA NORTE MÉDICO/ CEARÁ MÉDICO

-1915 (setembro, outubro, novembro e dezembro).


-1916 (janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro,
novembro e dezembro).
-1917 (março, abril, maio, julho, setembro, outubro, dezembro).
-1918 (abril a junho).
-1928 (setembro, outubro, novembro e dezembro).
-1929 (janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro).
-1930 (maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro).
-1931 (fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, outubro, novembro,
dezembro).
-1932 (janeiro, fevereiro, março, abril maio, junho, julho, agosto, dezembro).
-1933 (janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro,
novembro, dezembro).
-1934 (janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, agosto setembro, outubro,
novembro, dezembro).
-1935 (janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, agosto setembro, outubro,
novembro, dezembro).

Obs: Durante a pesquisa não se encontrou alguns dos números dos anos de 1913,
1914, 1915, 1917, 1918, 1919, 1930, 1931 e 1932.

 RELATÓRIOS E MENSAGENS

-Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Estado do Ceará (1913 a 1919).


-Regulamento da Diretória Geral de Higiene do Estado do Ceará (1918).
-Relatório da Diretoria de Higiene do Estado do Ceará (1921 a 1924).
191

-Relatório do Interventor do Estado do Ceará Roberto Carneiro de Mendonça (1931


a 1934).
-Mensagens apresentadas a Assembleia Legislativa do Ceará pelos Presidentes do
Estado (1900-1930).

2 - BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ GOVERNADOR MENEZES


PIMENTEL

 SETOR DE MICROFILMAGEM

JORNAIS

-A República (janeiro de 1901)


-Cruzeiro do Norte (janeiro, abril, maio, junho de 1913)
-Phenix (fevereiro de 1912)
-A Rua (fevereiro, março, setembro, outubro e dezembro de 1933 e janeiro e julho
de 1935)
-Diário do Ceará (julho de 1928 e julho, novembro de 1929)
-Gazeta de Noticias (abril de 1930, janeiro de 1931, maio de 1932, maio e março de
1933)
-O Nordeste (maio, julho e agosto de 1928, fevereiro e outubro, novembro de 1935)
-O Povo (março, maio, julho, agosto de 1928 e outubro, novembro de 1935)
-Correio do Ceará (janeiro e fevereiro de 1935)
-Governo Provisório do Ceará (maio de 1933)

 SETOR DE OBRAS RARAS

LIVROS

-O Ceará no Centenário da Independência do Brasil (organizado pelo Dr. Thomaz


Pompeu de Souza Brasil, volume 1 e 2)
-Álbum de Fortaleza de 1931 (organizado Paulo Bezerra)
-O Ceará (organizado por Raimundo Girão e Antônio Martins Filho em 1945)
192

-Anais do Departamento Estadual de Saúde, novembro de 1954)


-Quatro Mezes de Actividade (Departamento Nacional de Saúde Pública)
-Saneamento de Fortaleza (F. Saturnino Rodrigues de Brito- engenheiro consultor,
1923)
-A Seca de 1915 e Varíola e vacinação no Ceará (Rodolfo Teófilo)
-Medicina Caseira (Juvenal Galeno, 1918)
-Datas e factos para a História do Ceará (Barão de Studart, 1924)

 ALMANAQUES E ANUÁRIOS

-Almanaques do Ceará (1931 a 1934)


-Anúários do Ceará (1917, 1920, 1925, 1929 e 1930)

3 - BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO

 SETOR DE MICROFILMAGEM

- Revista Norte Médico


- Ano de 1913 (abril, junho, agosto, outubro, dezembro)

4 – BIBLIOTECA DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA SAÚDE DA CASA OSWALDO


CRUZ

- Relatório de Lucian Smith a Joseph White, 1924, RAC, RG 5, série 2, caixa 24,
(dossiê 144 e 147).

5 - BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL

 SETOR DE OBRAS GERAIS

- Jornal A MEDICINA CONTEMPORANEA


- Anos de 1913, 1915, 1920, 1930 e 1935.
193

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