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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E TECNOLÓGICAS

DISCIPLINA DE TCC I
Prof.ª ANDRÉA HEIDRICH

FRANCINE MARQUES

CAPÍTULO TEXTUAL DO TCC:

PROJETO COMUNIDADE EM REDE DA COLÔNIA Z3: CARTOGRAFANDO A


ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL COMO MEDIADORA DE UMA PROPOSTA
EMANCIPATÓRIA

PELOTAS
JULHO, 2017
I. Contextualizando escolhas

Na vida tudo é aprendizado, constituímos nosso pensamento e nossa ação


a partir de toda nossa bagagem de experiências e elas influem no modo de entender
o mundo a nossa volta, na forma de explicar esse nosso entendimento também. Nesse
sentido ficaria desconexo para mim tentar registrar minha leitura das experiências
vividas em minha formação acadêmica de uma forma somente descritiva-analítica,
pois minha vivência me leva para outro tipo de leitura, outro tipo de escrita. Norteada
pelos sentimentos que me movem, pelas emoções que os usuários e suas demandas
despertam em mim e por todo referencial teórico que trago comigo, de Antoine de
Saint-Exupéry e J. K. Rowling a Karl Marx, Paulo Freire, Michel Foucault, Felix Gattari
e Gilles Deleuze, e outros tantos.
Considerando tudo que penso, que sinto e que acredito, decidi fazer deste
último instrumento de aprendizado, o Trabalho de Conclusão de Curso, um retrato da
minha leitura mais íntima dessa rica experiência acadêmica, transformando ele em
um Diário de Bordo, onde irei descrever minha viagem aos encantos e desencantos
do Serviço Social. Trazendo um retrospecto da minha vivência como estudante, das
experiências do campo de estágio e culminando com a pesquisa realizada junto à
comunidade da Colônia Z3 . Tentando cartografar todas as nuances dessa vivência e
relacionar, da forma mais técnica que posso, com as tecnologias e teorias sociais que
nos foram ensinadas ao longo desse percurso.
Entendo os limites institucionais e a normativa exigida pela academia para
os trabalhos acadêmicos, pretendo tentar segui-las ao máximo, e contraditoriamente
transgredi-las ao máximo também, utilizando do conceito dialético para contemplar o
todo, só assim me parece ser possível dizer o que tenho a dizer. Portanto, já explico
de antemão para o leitor que espera uma linguagem mais normativa e as regras
engessadas de produção acadêmica que este não será um trabalho dedicado para
atender estes requisitos, minha pretensão é escrever de uma forma contra
hegemônica e questionadora, quase, ou totalmente, subversiva. Utilizando as
ferramentas teóricas, a materialidade existente, para sustentar meu posicionamento e
também, muitas vezes, para questionar o que está institucionalizado. Não seria isso
parte fundamental do pensamento dialético?

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II. Relacionando referencial teórico com o campo

Considerando que o presente trabalho é fruto da análise do desenvolvimento


do Projeto Comunidade em Rede, experiência vivida no Estágio Supervisionado em
Serviço Social, requisito para a graduação em Serviço Social da Universidade Católica
de Pelotas. Estágio realizado entre 2016 e 2017, na Unidade Básica de Saúde da
Colônia Z3, comunidade de pescadores artesanais, situada no 2º distrito da cidade de
Pelotas/RS, às margens da Laguna dos Patos.
Cabe aqui enfatizar que as manifestações da questão social que cortam a vida
dos moradores da localidade são muitas, entre elas cabe ressaltar: as constantes
cheias da Laguna dos Patos que alagam a região e desabrigam os moradores; difícil
acesso aos serviços públicos disponíveis apenas no centro da cidade, ocasionado
pelas más condições da estrada não pavimentada e pela limitação dos horários do
transporte público; e a vulnerabilidade socioeconômica que os pescadores enfrentam
pela escassez do peixe e a proibição de pesca de determinadas espécies, o que
inviabiliza o sustento das famílias e abre brechas para atividades ilícitas como o tráfico
de drogas e a prostituição. Ao contextualizar a situação socioeconômica da
comunidade é relevante mencionar que a subsistência está diretamente relacionada
a fatores ambientais, em especial da Lagoa, por este fato não poucas vezes é
necessário acessar recursos governamentais como o chamado Seguro Defeso. Estes
fatores vão contribuindo para uma realidade marcada por uma instabilidade constante,
que gera inseguranças e contribui para situações de vulnerabilidade social como a
grande incidência de drogas lícitas e ilícitas, degradação da sexualidade inclusive com
alguma perversidade quando do envolvimento de crianças e adolescente em
atividades ilícitas. Isso acaba acontecendo como se fosse algo natural da “cultura
local”. Além disso, as dificuldades de acessibilidade, ou seja, o fato da comunidade
estar parcialmente isolada contribui com dificuldades relativas ao acesso sistemático
e pleno à saúde, educação, assistência social, lazer e cultura.
A realidade social da comunidade aponta desafios complexos gerando a
necessidade de uma articulação de forças para o enfrentamento das questões sociais
ali manifestadas. Neste sentido surge o Projeto Comunidade em Rede, fruto de uma
articulação entre moradores da comunidade, entidades governamentais (Ministério
Público/Promotoria da Infância e Juventude, EMATER/ASCAR, 5ª CRE, Conselho
tutelar, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria

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Municipal de Assistência Social, Universidade Católica de Pelotas e Universidade
Federal de Pelotas) e não governamentais (Cáritas, Sindicato dos Pescadores).
Para que consigamos analisar a atuação do assistente social como uma
proposta emancipatória junto a grupos, torna-se pertinente relaciona-lo com o conceito
de autoanálise e autogestão, defendendo a autonomia da população em definir
políticas que oportunizem a gestão dos projetos sociais desenvolvidos na
comunidade.
A produção da desigualdade social, manifestada na questão social é
reconhecida como produto da sociedade pautada nas relações de força:

(...) a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe


em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado
e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os
imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que
promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões
tramadas na dinâmica das relações de poder e dominação. (Teles,
1986, p.85)

Portanto, a questão social apresenta-se numa perspectiva de análise da


sociedade que ressalta as diferenças econômicas, sociais e políticas da nação, bem
como, as condições de vida da mesma, pautadas no mundo do trabalho e todos os
aspectos que o envolve.
No entanto, existem políticas sociais que tentam materializar o acesso aos
direitos por intermédios de programas e leis na tentativa de forçar transformações
capazes de alterar a qualidade de vida da população.
A vulnerabilidade socioeconômica que os pescadores artesanais enfrentam
pela escassez do peixe e a proibição de pesca de determinadas espécies, inviabiliza
o sustento das famílias e abre brechas para atividades ilícitas como o tráfico de drogas
e a prostituição.
Simultaneamente, a crise do emprego faz emergir modalidades
de economia paralela em que as crianças são precocemente
envolvidas, acabando por abandonar a escola muito antes de
terem cumprido o seu percurso académico, condicionando,
desse modo, o seu futuro profissional, quer devido ao facto de
possuírem baixas qualificações escolares e profissionais, quer
pela dificuldade de abandonarem os percursos que iniciaram tão
cedo e à volta dos quais criam uma rede de relações difícil de
romper. (RUA, 2008, p. 206)

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Para além dos problemas sociais, as manifestações da questão social se
tornam objeto de atuação do Serviço Social, nesse sentido a presente pesquisa
considera que a que as relações capitalistas determinam as multifaces das condições
de vida da população em vulnerabilidade social e econômica.

As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção


social são desdobramentos e até mesmo respostas e
formas de enfrentamento – em geral setorializadas e
fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão
social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas
relações de exploração do capital sobre o trabalho. (BEHING
E BOSCHETTI, 2011, p. 51)

Assim, o esperado é que ao utilizar a questão social como categoria de análise


seja possível alcançar uma maior compreensão da situação vulnerabilidade na
Colônia Z3, auxiliando desta forma que o presente estudo possa proporcionar um
olhar crítico sobre a situação socioeconômica dos moradores da comunidade.

III. A política de saúde

Com já referido anteriormente o presente trabalho é resultado de um estudo


sobre a atuação do Assistente Social na Atenção Básica de Saúde, enfoque na
observação realizada na Unidade Básica de Saúde - UBS da Colônia de Pescadores
Z3.
“Na medida em que a saúde tem sido reconhecida como o
completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a
ausência de doença, o proposito almejado é que as pessoas
possam ter uma vida com qualidade.” (PAIM, p. 11)

Nesse sentido entendemos que a atenção básica ou atenção primária em


saúde é compreendido como o atendimento inicial da população, a porta de entrada
dos usuários nos sistemas de saúde. Preconizando a orientação sobre prevenção de
doenças, solucionar possíveis casos de agravos e direcionar os mais graves para
níveis de atendimento superiores em complexidade. A atenção básica funciona como
um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples
aos mais complexos.

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A assistente social da unidade realiza atendimentos individuais, visitas
domiciliares e coordena diversos grupos, alguns permanentes, como é caso dos
grupos de hipertensos e saúde mental, onde são realizadas oficinas de artesanato e
rodas de conversa sobre assuntos diversos, e outros temporários, como é o caso do
grupo de tabagistas, que cicla a cada dois com 15 usuários que recebem orientações
e medicação para parar de fumar e o do bolsa família que acontece duas vezes ao
ano.
“A confiança e o vínculo estabelecidos entre os que prestam
serviços de saúde e as pessoas que precisam do cuidado
são fundamentais para a garantia da qualidade e do sucesso
desse encontro entre seres humanos, que não se reduz à
técnica nem a carência.” (PAIM, p. 15).

A Estratégia Saúde da Família prevê o cuidado com a atenção básica,


incidindo a prevenção e tratamento das enfermidades. Dentro de suas atribuições a
equipe atua na identificação de grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e
vulnerabilidades, nesse sentido a inserção dos Agentes Comunitários de Saúde é
fundamental para o funcionamento de processo. Cabe aos AGCs o acompanhamento
das famílias por meio de visita domiciliar e é por intermédio desse serviço de busca
ativa que muitas demandas que a priori não chegariam até a UBS são atendidas.
Esta dinâmica possibilita ter mais contato com as famílias da comunidade,
permite um olhar mais íntimo, que apesar de ser um olhar domesticado pelas teorias
e disciplinas que perpassam a formação acadêmica e de vivência do profissional
envolvido, coloca o mesmo diretamente em contato com as vidas das famílias ao
possibilitar o contato diretamente em seus lares.
A partir da demanda apresentada pela população a assistente social da UBS
realiza diversos encaminhamentos em rede, tanto para outros serviços de saúde,
como no caso da necessidade de atendimento em média e alta complexidade, como
no caso de atendimentos psicossociais, CAPS, CRAS, NACA, entre outros. Estes
encaminhamentos são realizados pela assistente social via secretaria de saúde, nos
casos de atendimentos em saúde e com a própria rede socioassistencial.
No Brasil, há diversos programas governamentais relacionados à atenção
básica, sendo um deles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços
multidisciplinares às comunidades por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs),

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por exemplo. Consultas, exames, vacinas, radiografias e outros procedimentos são
disponibilizados aos usuários nas UBSs.
A atenção básica também envolve outras iniciativas, como: as Equipes de
Consultórios de Rua, que atendem pessoas em situação de rua; o Programa Melhor
em Casa, de atendimento domiciliar; o Programa Brasil Sorridente, de saúde bucal; o
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que busca alternativas para
melhorar as condições de saúde de suas comunidades etc.
A Política Nacional de Atenção Básica - PNAB é resultado da experiência
acumulada de vários atores envolvidos historicamente com o desenvolvimento e a
consolidação do Sistema Único de Saúde – SUS. No Brasil, a atenção básica é
desenvolvida para operar com alto grau de descentralização e próxima das
comunidades. As UBSs instaladas no local onde as pessoas vivem desempenham um
papel central na garantia à população de acesso à saúde.
Cabe ressaltar que o Brasil é único país do mundo com mais de 100 milhões
de habitantes que conta com um sistema de saúde público, universal, integral e
gratuito. Em 2012 a nova PNAB mudou o desenho do financiamento federal para a
atenção básica, diferenciando o valor per capita por município, beneficiando o
município mais pobre, menor, com maior percentual de população pobre e
extremamente pobre e com as menores densidades demográficas. A mudança de
modelo proposta pela política da Estratégia Saúde da Família, criou um componente
de qualidade que avalia e premia equipes e municípios, garantindo aumento do
repasse de recursos em função da contratualização de compromissos e do alcance
de resultados, a partir da referência de padrões de acesso e qualidade pactuados de
maneira tripartite. Nesse sentido cabe à toda a equipe e também ao Assistente Social
a realização da parte burocrática, com preenchimento dos relatórios de atendimentos,
que é o que garante novos investimento para o município e a distribuição de recursos
frente a demanda de atendimentos apontadas na documentação.
A PNAB atualizou conceitos na política de saúde e introduziu elementos ligados
ao papel desejado para a Atenção Básica na ordenação das Redes de Atenção.
Avançou no reconhecimento de um leque maior de modelagens de equipes para as
diferentes populações e realidades sociais. Para além das equipes de Saúde da
Família, houve a inclusão de equipes de Atenção Básica para a população de rua,
ampliação do número de municípios que podem ter Núcleos de Apoio à Saúde da
Família e a criação UBS Fluviais e eSF para as Populações Ribeirinhas.

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Contudo, essa realidade de avanço na criação e ampliação de políticas públicas
voltadas para o atendimento em Atenção Básica de Saúde, bem como todos os
investimento realizados na área da saúde encontram-se nesse momento ameaçados
pela proposta da emenda constitucional 55/241, que institui um novo regime fiscal,
limitando as despesas primárias do governo com o congelamento do investimentos
públicos por 20 anos. Considerando que, entre a crise econômica que o país enfrenta,
que desencadeou o aumento do desemprego da população e a migração desse
contingente de trabalhadores dos sistemas privados de saúde para o público, e o
aumento vegetativo da população brasileira, cerca de 2 milhões de pessoas por ano,
é de fácil compreensão que se essa medida entrar em vigor o sistema atual de saúde
entrará em colapso em alguns anos, por falta de investimento público.
Os avanços conquistados pela profissão no exercício profissional na área da
saúde podem serem considerados insuficientes, pois o poder público requisita ao
assistente social, entre outras demandas, a seleção socioeconômica dos usuários,
atuação psicossocial por meio de aconselhamento e ação fiscalizatória dos usuários.
O Código de Ética da profissão apresenta ferramentas imprescindíveis para o trabalho
dos assistentes sociais na saúde em todas as suas dimensões: na prestação de
serviços diretos à população, no planejamento, na assessoria, na gestão e na
mobilização e participação social.

[...] o perfil do assistente social para atuar nas diferentes políticas


sociais deve afastar-se das abordagens tradicionais
funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas
conservadoras que tratam as situações sociais como problemas
pessoais que devem ser resolvidos individualmente.
(CFESS - PARÂMETROS AS SAÚDE. p. 34)

As atividades desenvolvidas pelo profissional de Serviço Social na saúde


pública, implica no trabalho em diversas dimensões, reconhecendo a questão social
como objeto de intervenção, para tanto exige-se uma atuação profissional em uma
perspectiva totalizante, baseada na identificação das determinações sociais,
econômicas e culturais das desigualdades sociais. O desafio é articular junto aos
demais profissionais de área da saúde, a população e os movimentos sociais um
trabalho que seja para além da tarefa executora das políticas públicas, mas que tenha
ação direta na defesa do direito a saúde pública, estruturada no conhecimento da
realidade e dos sujeitos para os quais são destinadas essas políticas.

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A atuação do Assistente Social na atenção básica de saúde possibilita contato
com demandas diversas, da área da saúde e da assistência também. Em particular a
UBS da Colônia Z3 trata-se de um campo rico para o assistente social no que diz
respeito ao contato direto com a população, por se tratar da zona rural, a comunidade
acessa seguidamente os serviços da unidade, muito por falta de acesso a outros
serviços da cidade, facilitando para acompanhar desenrolar dos atendimentos e atuar
de forma mais pontual nas demandas trazidas pela população. Contudo, também por
se tratar de uma localidade na zona rural, a dificuldade de acesso inviabiliza muitas
vezes o acesso da população aos demais serviços da rede, enfraquecendo o
atendimento multidisciplinar preconizado pelo SUS.
A realidade social da zona rural deveria ser considerada pelo poder público
como critério para implementação de serviços socioassitenciais na comunidade, para
que com essa aproximação da população a mesma conseguisse acessar os serviços
que são teoricamente um direito, mas que na prática são negados para as populações
não tem acesso.

IV. Trabalho com Grupos

A atuação do assistente social na execução das políticas sociais exige a


construção e aperfeiçoado de instrumentos técnico-operativos para uma atuação
competente, voltada para a garantia dos direitos e da cidadania da população.
As diversas expressões da questão social, que são apresentadas no cotidiano
profissional do assistente social, demandam respostas concretas, principalmente no
que se refere à intervenção profissional.
O trabalho com grupos possibilita vivenciar a cooperação, fortalecendo
vínculos entre os membros, podendo se transformar em um dispositivo para despertar
a potência dos envolvidos na busca pela garantia e conquista de direitos. Para que
isso ocorra é fundamental que o profissional conheça e domine como se dá o processo
grupal e não somente discuta temas de interesse do grupo. Através do trabalho com
grupos pode-se intervir a um grupo maior de pessoas possibilitando aos participantes
do grupo de reflexões identificarem se as questões que afligem os indivíduos são
semelhantes às demais. Existe uma troca de experiência entre os integrantes.
Para que o Assistente Social desenvolva suas atividades em harmonia com as
práticas pedagógicas compromissadas com a emancipação do ser humano, esse

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profissional precisa ter consciência desse compromisso e ter claro o porquê dessa
ação; ela deve ser pensada a partir do processo institucional. Acredita-se que o
trabalho com grupos realizado em uma determinada instituição permite nortear o
processo de trabalho para estes que estão inseridos. Sozinho fica muito mais difícil
enfrentar uma situação. É uma forma de enfrentar a individualização e
compartimentalização, que são características do capitalismo.
O trabalho com grupos sempre esteve presente na atuação do assistente
social, hoje é uma estratégia de intervenção que vem sendo utilizada e repensada
frente às demandas da população.

A abordagem grupal como um instrumento técnico-


operativo do assistente social deve ser considerada não
somente em seus aspectos técnicos – referentes ao ‘fazer’
– mas também em suas implicações sócio-políticas da
prática da qual ele potencializa as ações, viabilizando uma
intervenção que tem uma direção social situada no
movimento contraditório da sociedade.
(TRINDADE, 2004, p. 39)

É de fundamental importância que, independente da formação teórica ou


técnica do profissional envolvido com o trabalho com grupos, ele esteja capacitado a
reconhecer a variedade e diversidade de situações que se apresentam na abordagem
grupal, bem como que ele possua a capacidade crítica e reflexiva para não se deixar
influenciar por aspectos superficiais, analisando com clareza a trama de relações
inerentes à vivência de grupo.
Nos trabalhos com grupos precisa-se considerar que existe uma
interdependência entre o movimento inter relacional (aspectos conscientes do grupo),
movimento intra-psíquico (aspectos inconscientes do grupo) e os meio externo no
grupo (aspectos socioculturais). Os seres humanos são seres sociais que participam
de grupos desde seu nascimento (família, escola, trabalho, etc.)
Há uma interdependência nas relações entre os membros de um grupo, é
fundamental o fortalecimento de vínculos entre seus membros. Superar a perspectiva
de treinamento de relações humanas, como hipótese para o ajustamento na
sociedade e enfatizar a capacitação do indivíduo, de modo que ele possa se colocar
crítica e autonomamente na relação com o meio social, talvez seja a tarefa primordial
daqueles que pretendem uma abordagem de grupo. (GOMES, 1996, p. 33)

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V. Cartografia

Para além do referencial pautado nas políticas públicas existentes, utilizo a


cartografia como referencial teórico central deste trabalho. Ela surge como uma
resposta de minha alma nômade que sentia a necessidade de refletir na escrita o
processo de formação profissional, e da rica experiência de vida que foram os anos
de graduação, a conexão teórico–pratica que estabeleci durante o período de estágio,
e pesquisa. Passamos durante a formação acadêmica por um momento de busca de
um referencial teórico que contemple nosso modo de entender o mundo, sentia que
eu precisava de um “modelo” que estivesse em constante movimento, assim como a
vida.
Cartografar, aqui, é poder desenhar as relações nos seus
territórios, é dar atenção aos seus movimentos de
desterritorialização nos seus desejos de reterritorializar. É poder
envolver-se de modo delicado e não menos producente. Assim, a
própria escrita manifesta esse modo de se relacionar, pois, para
Deleuze e Guattari (2004, p. 3): “Escrever nada tem a ver com
significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam
regiões ainda por vir” (Ribeiro, 2008, p. 77)

Cartografar traz consigo o entendimento que a produção de conhecimento é


coletiva, continua e em constante movimento, para tanto é necessário que o cartografo
esteja disposto a descontruir territórios, potencializar os sentidos, para entrar em
contato com a vida que pulsa nas comunidades em que atendemos como assistentes
sociais, reinventando os vínculos de afeto, de saber e de poder, respeitando sempre
os modos de vidas da população.

Estivemos lá, percebemos os olhares dos coletivos, os


saberes, vivemos a profissão além da sala de aula e dos
livros. Desenhamos as paisagens da vida que existe e
trouxemos para a academia para tentar produzir fendas,
fissuras nas muralhas do conhecimento cientifico.
Cartografamos a vida. (Ribeiro, 2007, p. 51)

O “método” cartográfico foi desenvolvido inicialmente por Gilles Deleuze e Félix


Guattari, propõem-se ser um desenho do que está posto, do concreto, das relações
moleculares e molares de poder. Como um modo de pesquisar e intervir na realidade,
a cartografia se transforma em um método que se desenha a cada passo da
pesquisa/intervenção. Utiliza-se um roteiro aberto ao imprevisível, sem espaço para

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uma simples coleta de dados, o cartógrafo de envolve com a vida ali presente,
inexistindo portanto a neutralidade. Envolver-se em uma pesquisa, ou prática
profissional, de referencial cartográfico é ir a campo sem receitas de bolo, sem
verdades prontas e pontes intransponíveis, é trilhar o caminho em busca de pistas.

VI. Análise Institucional

Encontrei em Baremblitt o conceito de que as instituições, em geral, são


constituídas por duas forças, o instituído e o instituinte. Entende-se nesse viés o
instituído como a força que mantem as normas, o modo que está estabelecido que a
vida se comporte nas instituições, e o instituinte como a força que desperta a
mudança, que questiona o instituído, transformando-o. Nesse sentido partir para uma
análise institucional, como proposta pelo referido autor, possibilita o entendimento de
como as relações são estabelecidas, e desperta uma prática comprometida com as
subjetividades dos indivíduos.
O movimento institucionalista carrega um conjunto de saberes e de modos de
intervir, propõem que cada coletivo construa as condições para sua auto-análise e sua
autogestão. Este movimento é composto por estudos e teorias que nutrem-se da
psicanálise, da sociologia, da antropologia, da lingüística, da biologia, da física
quântica entre outros.
Ao trazer o conceito auto-análise para os coletivos sociais, Baremblitt preconiza
a produção de um saber que contemple o conhecimento de seus problemas, desafios
e das estratégias necessárias para superá-los. Criar as condições, e estratégias, para
que um saber popular se estabeleça, e reivindique as necessidades de uma
determinada comunidade, é o lugar que o assistente social ocupa utilizando este
referencial, mediando o processo que leva a autogestão. Entendemos por autogestão,
sob esta perspectiva, a auto-organização dos coletivos em práticas de resistência que
redesenham as relações de poder, transformando suas condições de existência. Cabe
enfatizar que o processo de autogestão não se realiza sem o de auto-análise, e o de
auto-análise não teria sentido sem o processo de autogestão.

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5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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