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11/25/21, 5:39 AM Movimentos socioambientais - Empório do Direito

Movimentos socioambientais
Wagner Carmo 29/09/2019

[1]

A cortina de fumaça envolvendo as relações entre governo e movimentos sociais nunca esteve tão densa, após a Constituição de 1988, quanto nos tempos atuais.
Fortalecidos pela Constituição cidadã e social, o Brasil, pouco a pouco, caminhava para a instrumentalização do terceiro setor; em processo histórico que reunia,
incialmente, a luta pelas liberdades individuais (direito de primeira geração), passando pelos direitos de segunda geração (direitos sociais), chegando aos modernos direitos e
garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito e aos direitos de terceira geração.  

Escoimados em um Estado de Bem-Estar Social e com um ativismo legislativo que regulamentou os principais direitos e garantias fundamentais, a sociedade brasileira
chegou em 2019 com um alto índice de cidadãos instrumentalizados em democracia, direitos, liberdades e política. Concomitante, a sociedade brasileira, em todas as áreas,
foi alcançada pelo “vírus” da revolução tecnológica na comunicação; uma mudança abruta, impactante e de efeitos deletério. A nova comunicação “quebrou” o monopólio
da informação e transformou o “diálogo” em uma moderna forma de monologo; usando as redes sociais, a sociedade passou a fazer comunicação por um “dialogo às
avessas”, caracterizado pelo fato de que embora as pessoas possam realizar uma certa interação por meio da troca de informações, o diálogo não se consolida por falta de
racionalidade.

Partindo do recorte histórico, é possível afirmar que os movimentos sociais estiveram presentes nas manifestações sociopolíticas das lutas pelas “diretas já” até os protestos
de 2013, realizado nas ruas de todo o Brasil e, ainda, que o Brasil sempre esteve em ebulição social para superar as velhas práticas sociais e alcançar as estruturas de poder.

A pulsação social do Brasil ao longo do tempo expôs o Poder invisível do Estado (e a luta pelo poder), descortinou a ordem econômica e anunciou uma nova forma de
comunicar, por meio de uma linguagem capaz de transcender o apalavrar cultural, o gesto corporal e o universo subjetivo. A erupção cutânea do tecido social brasileiro
acabou por gerar a relativização dos conceitos de Estado, de sociedade civil, de Poder, de Democracia e de público e privado. As inadequações ou a impossibilidade de
enquadramento da sociedade em fórmulas ou modais alcançou uma aceleração de “zero a cem”, fazendo com que o mundo fosse explicado por meio de sua volatilidade.

Toda transformação social do Brasil é, antes de tudo, uma complexa transformação dos atores sociais. É nesse contexto que os movimentos socioambientais se inserem na
dinâmica do exercício e da efetivação dos direitos ambientais.

Movimentos Ambientais e Manifestações Ambientais: um conjunto de diferentes atores sob a mesma perspectiva

Não é incomum encontrar a sociedade civil, organizada ou não, entorno de temas relacionados com a defesa da qualidade ambiental. No Brasil, o mês de setembro de 2019 é
um típico exemplo de que a bandeira ambiental pode reunir pessoas de diferentes matizes (social, religiosa e econômica); geralmente concorrentes sob o aspecto moral e
ideológico, para realizar protestos e manifestações ou para constituírem movimentos sociais.

Daí não ser adequado falar em classe dos ambientalistas, mas em manifestantes/protestantes ambientalistas ou em movimento ambientalista; constituído por um grupo de
pessoas com diferentes origens socioeconômica, porém, convergentes quanto a necessidade de garantir um ambiente sustentável. Trata-se de um grupo de Seres Humanos
unido por laços (redes) de solidariedade, com linguagem própria e características que destoam das velhas estruturas organizacionais político partidária.

Contemporaneamente, a ação coletiva não decorre, necessariamente, de uma aglutinação envolvendo uma luta em defesa de uma certa ou determinada classe social. A ação
coletiva é multifacetária, possuindo alta carga de variação quanto aos níveis e aos sistemas socais; praticamente desmantelando a ideia de organização da sociedade por meio
de classes sociais. Hodiernamente, a ação coletiva possui raiz no conflito, e é a sua capacidade de ser traduzido para o campo hegemônico que pode determinar ou não a
reunião dos diversos atores da sociedade para, sob o mesmo campo ou causa de ação, desenvolverem protestos ou estruturarem movimentos organizados.

A ciência, na tentativa de construir uma ideia (um conceito) de movimento geralmente acaba por ser reduzida em[2]:

Fenômeno coletivo, apresentado com certa unidade externa, mas que, no seu interior, contem significados, formas de ação, modos de organização diferentes e,
frequentemente investe uma parte importante das energias para manter unidas as diferenças. Assim, tende-se muitas vezes a representar os movimentos socioambientais

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como personagens com estrutura definida e homogênea; enquanto, na grande parte dos casos, trata-se de fenômeno heterogêneos e fragmentados, que devem destinar
muitos de seus recursos para gerir a complexidade e a diferenciação que os constitui.

Manifestações históricas ou produto de uma certa conjuntura, reconhecendo os fatores históricos ou conjunturais para formação, porém, desconsiderando as
motivações, o sentido, os componentes da ação coletiva e as variáveis estruturais.         

Os movimentos, sejam compreendidos como um fenômeno coletivo ou como uma manifestação histórica, acabam por retirar a discussão política de um único centro de
Poder, levando o debate para o cotidiano da vida, obrigando as estruturas do Estado a alterar a chave metodológica de interpretação da sociedade. Se antes o Estado tratava a
dissolução de um conflito com o sindicado, agora pode não ser suficiente. Se antes a linguagem era marxista e a luta era por melhores condições de trabalho, por emprego e
renda; agora o debate e a luta podem estar centralizados em questões de raça e de gênero. 

A sociedade está viva e em constante mutação; uma mutação marcada pela ebulição, traduzida pelo protesto diário. É uma ebulição que nasce da morte do grande leviatã, no
Estado de Bem-Estar Social, que deixou inúmeras e tantas questões essenciais à dignidade da pessoa humana em aberto.

A visão conservadora e os movimentos ambientais do Brasil em 2019

Em que medida o movimento ou o protesto incomoda o sistema? A visão conservadora vigente nas estruturas do Estado brasileiro dá conta de que os movimentos
socioambientais representam um risco para as pretensões econômicas defendidas na gestão ambiental que vem sendo implementada no Brasil.

Os sinais estão explicitados em declarações públicas, realizadas desde o Ministro do Meio Ambiente até o Presidente da República[3] e, sobretudo, pelo desmantelamento
das políticas públicas socioambientais, com cortes orçamentários, revisão das atribuições dos órgãos ambientais, abandono do fundo Amazônia, supressão de repasse
financeiro para as Organizações Sociais que possuem objetivos ambientais, dentre outras medidas de ordem administrativa e ou legislativa.

A visão conservadora do Governo brasileiro, no que toca a luta pela hegemonia, não é estranha, pois, os movimentos socioambientais pretendem a ruptura com o sistema e a
política ambiental vigente, em que as boas práticas da agricultura familiar estão sendo solapadas e a legislação alterada, paulatinamente, para favorecer os grandes
agricultores ligados ao agronegócio e a bancada ruralista. O Governo Brasileiro sufoca, antes mesmo dos movimentos socioambientais, os protestos ambientais;
relativizando dados científicos e espalhando desinformação sobre meio ambiente e sustentabilidade nas redes sociais.   

A questão, entretanto, é que o Governo do Brasil não compreendeu que movimento socioambiental não é classista; apresentando-se em um formato que se distingue da
tradicional luta de classe capitalismo versus socialismo, trabalhador versus empregador.  

O novo do movimento socioambiental é o rompimento com o sistema desenvolvimentista de apropriação da natureza pelo homem, responsável por expor as vísceras da
degradação da natureza, da cultura e do Ser Humano.

Aliais, o Governo do Brasil, em sua gestão ambiental, não compreende que o centro da luta da sociedade não está nos ideais socialistas históricos, mas nas inovações
valorativas da sociedade, atualmente atreladas aos direitos de terceira geração – um direito de titularidade coletiva que reconhece o meio ambiente como um direito humano,
influenciado por valores de solidariedade, com vista a harmonizar a convivência dos indivíduos em sociedade; ultrapassando o escopo antropocêntrico para revisar o modo
de vida e de desenvolvimento econômico do Ser Humano na Terra.      

Os movimentos sociais, o que inclui os socioambientais, desafiam o padrão de dominação social vigente para a gestão dos recursos naturais, explicitando uma perspectiva
econômica de matriz ecológica, que inversamente da economia ambiental, estabelece limites ao crescimento e compreende que a escala da economia tem sido capaz de
ultrapassar o crescimento sustentável, afetando a resiliência do ambiente natural. Para os movimentos socioambientais a natureza é o suporte vital da humanidade e, ainda,
que a natureza tem um valor por si mesma, independentemente do seu uso ou utilidade para os Seres Humanos.

Conclusão

Os movimentos socioambientais representam um feixe de correntes de pensamentos que tem na defesa do meio ambiente a principal preocupação. Na luta pela hegemonia
do desenvolvimento socioambiental, os movimentos socioambientais exercem um importante papel na luta pela mudança de hábitos e valores da sociedade e na proteção dos
ambiental (natural, urbano, cultural e do trabalho).

Os movimentos socioambientais unem a sociedade a partir da difusão de que os recursos naturais são limitados e devem ser manejados com prudência e com vista a garantir
justiça social e viabilidade econômica.

No Brasil, ainda que o Governo insista na retórica do desenvolvimento a qualquer custo e na difusão de mentiras cientificas, a sociedade, aos poucos, pela repercussão dos
protestos ou pela ação dos movimentos socioambientais vem assimilando o que a Declaração de Estocolmo elevou em 1972 e o Brasil positivou na Constituição de 1988 –
“o homem tem o dever solene de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”, passando a pensar e a agir através da perspectiva de que:

a) o homem não é o centro do universo;

b) a conservação do ambiente não é em si uma inimiga do desenvolvimento, mas um fato de qualidade de vida;

c) a riqueza material sozinha não conduz à felicidade;

d) é necessário reverter os danos ambientais;

e) a manutenção do crescimento econômico, no formato que se apresenta, levará a humanidade a autodestruição.

Por outro lado, mantida a ação do Governo do Brasil em desfavor do ambiente natural, a ebulição social alcançará outros atores, além da sociedade civil organizada por
meio dos movimentos socioambientais; sinalizando certa contrariedade com as políticas públicas ambientais. É o caso do setor do agronegócio, atingido diretamente nos
interesses econômicos. O episódio mais recente remonta o discurso do Presidente da República na assembleia geral da Organização das Nações Unidas. Para o Diplomata
Rubens Ricupero, pode ter reflexo negativos em acordos comerciais, a saber[4]:

Qual a consequência de ele fazer um discurso desses na principal tribuna do mundo?

Eu considero que é o discurso mais desastroso de todos os discursos feitos pelo Brasil desde que existe o debate da Assembleia-Geral. Conheço bem os discursos feitos por
todos os antecessores porque escrevi um livro sobre a história da diplomacia brasileira.

É um discurso agressivo e belicoso no fundo, na forma e no tom. Bolsonaro estava claramente desconfortável naquele ambiente, sentia que era um auditório hostil. Não
teve amenidades. Em diplomacia, às vezes a forma é mais importante do que o conteúdo. Nesse caso, tanto o conteúdo quanto a forma são muito duros. Ele confirma o que
há de pior.

E como isso se reflete nas relações do Brasil com os países?

Os acordos que o Mercosul tinha assinado com a União Europeia e a Área de Livre Comércio Europeu já estavam praticamente mortos. Agora, ele coloca vários pregos no
caixão. Ele inviabiliza, no futuro previsível, qualquer esforço de boa vontade para apresentar esses acordos à aprovação dos diversos parlamentos europeus.

Isso vai afetar muito as perspectivas do agronegócio brasileiro, da exportação do Brasil em geral. Aquilo que o Brasil tinha, uma imagem positiva em meio ambiente, ele
jogou fora, no lixo. Ele desperdiçou o único trunfo que o Brasil tinha. Nós não temos poder militar, não temos bomba atômica, nem poder econômico.

Mas tinha aquele prestígio da sua diplomacia proativa em matéria ambiental. Agora, nós perdemos isso. Acho que isso vai alimentar essa onda contra nós. Antes de ir a
Nova York, eu achava que era difícil piorar a situação. Eu me enganei. Ele conseguiu piorar.

Notas e Referências

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[1] Disponível em https://www.google.com/search?
q=fotos+de+manifestações+em+favor+do+meio+ambiente&rlz=1C1GCEA_enBR834BR835&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=1f7yObxOmQQDjM%253A%252CLOyJcRc
kTe9sKCJwaBmHlcb5UStbmE98q-9g&sa=X&ved=2ahUKEwiqhJ3LqfTkAhUqJrkGHQEYDksQ9QEwAHoECAkQBg#imgrc=-uzhsYtjMWqgVM:&vet=1. Acesso em 27
de set. 2019.

[2] MELUCCI, Alberto. A invenção do presente. São Paulo: Ed. Vozes. 2001.

[3] Bolsonaro diz que ONGs podem estar por trás de queimadas na Amazônia para 'chamar atenção' contra o governo. Presidente não apresentou provas. Ambientalistas
classificaram fala de leviana e irresponsável. Brasil teve 72 mil focos de incêndio em 2019, 80% mais que em 2018. Metade está na Amazônia. Disponível em
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/08/21/bolsonaro-diz-que-ongs-podem-estar-por-tras-de-queimadas-na-amazonia-para-chamar-atencao-contra-o-governo.ghtml.
Acesso em 27 de set. 2019.

[4] Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/fala-de-bolsonaro-na-onu-afetara-perspectiva-do-agronegocio-diz-ricupero/ Acesso em 27 de set. 2019.

*Foto enviada pelo autor.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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