Você está na página 1de 7

Hipótese

Bart era vizinho de Simpson há cerca de 4 anos, quando se mudou para o Bairro.

Logo que avistou Margie, Bart instantaneamente gostou dela e desde então, sempre
que podia a abordava, propondo-lhe uma relação amorosa secreta, de modo a que o
marido de Margie não suspeitasse de nada.

Entretanto, Margie não só repelia os avanços de Bart como ameaçava contar ao seu
marido.

Inconformado, e pretendendo afastar de uma vez por todas Simpson do seu caminho,
Bart abordou Carl, vizinho e garantiu -lhe que viu Simpson a entrar numa pensão com a
filha daquele, Lisa, de 15 anos de idade, onde saíram passadas cerca de 2 horas depois.

Absolutamente fora de si, Carl foi ao encontro de Simpson e sem sequer trocar uma
palavra que seja, desferiu um soco que atingiu-o no olho direito, tendo este caído.
Estando Simpson no chão, Carl pontapeou-o atingindo-o no tórax, tendo este perdido
os sentidos.

Vieram em socorro de Simpson alguns vizinhos que o transportaram para o hospital.


Porém alguns minutos depois o médico deu a notícia de que Simpson sofria de
complicações cardíacas não diagnosticadas e a violência que sofreu, associada a referida
condição acabou sendo fatal.

Quid Juris?
Época normal 2008
IV. A esconde-se na esquina de certa rua, disposto a assaltar qualquer transeunte. Surge
a senhora B, A aborda-a, de seringa na mão, intimando-a a entregar-lhe as jóias que
ostenta. B prepara-se para obedecer quando A descobre que, num relance, que aquela
era a pessoa que, no passado, o livrara de apuros. Deixa então B, sem tocar em nada do
que lhe pertence, e volta a esconder-se na esquina da rua, esperando a próxima vítima.
Deve A ser punido pela sua conduta relativamente a B?

Estamos perante um caso de desistência da tentativa. Todo o facto doloso tem um


trajecto que pode ir desde a mera cogitação até à consumação do tipo legal, passando
pela tentativa. Nos termos do art. 22º/1/2 são elementos da tentativa, por um lado, a
decisão de cometer um crime e, por outro lado, a prática de actos de execução de um
crime que não chega a consumar-se. A verificação de uma tentativa não determina de
per si a sua punibilidade, pode acontecer que aquela deixe de ser punível. Por isso é
necessário, como refere o art. 24º/1, que o agente desista voluntariamente de
prosseguir na execução do crime, ou impeça a sua consumação ou, ao obstante a
consumação, impeça a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime. A
atitude exigida ao agente é uma simples omissão das restantes actividades no caso da
tentativa propriamente dita, como é o caso. A característica mais relevante da
desistência é a sua voluntariedade. A voluntariedade deve circunscrever-se ao facto da
não produção do evento ou da não consumação estarem na esfera do poder do agente.
Deste modo, qualquer elemento extrínseco (p.ex. o aparecimento da polícia) que
subtraia ao agente a capacidade de decisão, retira igualmente a uma hipotética
desistência o carácter voluntário, o que torna aquela desistência irrelevante. Importa
referir ainda que a natureza ou o carácter das motivações do agente não têm qualquer
relevância. Mesmo que as motivações do agente não sejam meritórias, a desistência (se
voluntária) continua a ser relevante e, consequentemente, a tentativa não é punível.
Isto porque a compreensão da impunabilidade da tentativa quando há desistência
traduz-se fundamentalmente em razões de política criminal: desde que o bem jurídico
tenha sido preservado a ordem jurídica não se importa, neste sentido, com a forma
como aquela preservação foi alcançada. Tem de haver a ponderação entre o desvalor de
acção e o valor da desistência efectiva. Neste caso, A não deve ser punido pela sua
conduta por ter desistido voluntariamente de prosseguir a execução do crime.

Época normal 2009


III. A é tesoureiro da associação desportiva X, exercendo o cargo contra uma
remuneração
mensal “n”. Como não lhe pagassem há quatro meses, A foi depositando o dinheiro de
quotas que recebia dos sócios na sua conta bancária pessoal, até perfazer o montante
do
salário em atraso. Em tribunal, A diz que se limitou a proceder a um acerto de contas,
convicto de estar a actuar em legítima defesa do seu património. Quid iuris?
Temos aqui em questão um erro sobre os limites ou existência de uma causa de
justificação, mais concretamente, da legítima defesa. Nestas situações o erro não exclui
o dolo mas pode excluir a culpa, segundo as regras gerais do erro sobre a ilicitude (art.
17º). O agente incorre neste erro quando a representação equivocada da realidade se
projecta não sobre um pressuposto fáctico, mas sobre o próprio regime ou desenho
normativo do tipo justificador. É o que acontece quando (como no nosso caso) o agente
supõe erroneamente que a figura da legítima defesa permite a intervenção no bem
jurídico do agressor mesmo que a agressão não seja actual (excesso extensivo). Segundo
as regras gerais do erro sobre a ilicitude age sem culpa quem actuar sem consciência da
ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável. Não temos dados suficientes para
averiguar a conduta do agente tendo em conta o critério da censurabilidade, mas em
princípio o erro do tesoureiro seria censurável, visto que um tesoureiro médio (a
censurabilidade do erro tem de ser verificada pelo parâmetro do comum das pessoas,
isto é, o critério do homem médio) deveria saber que não é assim que se resolvem os
problemas do salário em atraso. Sendo o erro censurável o agente é punido com a pena
aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada (art.
17º/2).
IV. A passeia, à noite, o seu cão. De repente, uma bala perfura-lhe o peito e A cai, ferido
de morte. O autor do disparo fora B, que agira com o propósito de matar o cão de A.
Qual a responsabilidade penal de B?

Neste caso é perceptível a ocorrência de um erro na execução que é um dos corolários


do erro sobre a factualidade típica (afecta desde logo o momento cognitivo do dolo).
Quando o agente incorre em aberratio ictus ele falha no processo de execução do facto
e atinge um objecto diverso do originalmente pretendido. Há um “desvio da
trajectória”. Neste erro, o resultado inicialmente pretendido pelo agente não se realiza
e a sua conduta acaba por produzir outro resultado, de espécie diversa (como no nosso
caso) ou da mesma espécie (por o agente ser atabalhoado na execução, por exemplo
por ter fraca pontaria). Este erro está directamente relacionado com as qualidades ou
condições do agente que está a tentar alcançar o resultado.

A solução para estes casos também depende do exame acerca da igualdade ou


equivalência típica entre os objectos envolvidos. Havendo identidade típica entre o
objecto concretamente atingido e o projectado vale a máxima da irrelevância do erro,
isto é, ao agente deve ser imputado como doloso o crime inicialmente previsto como se
de facto se tivesse consumado.
Quando o erro se projectar sobre objectos tipicamente diferentes, o erro é relevante.
Aqui entra o critério da vencibilidade. Se o erro for inevitável/invencível não haverá
nenhum juízo de censura. Se for vencível o agente é punido pelas regras normais do
concurso. No caso sub judice, B seria punido por tentativa de dano quanto a A (quem
mata um cão comete um crime de dano pois está a atacar a propriedade do seu dono)
em concurso com o crime de homicídio negligente consumado. Assim temos um erro
que cabe no art. 16º, aqui exclui-se o dolo e no máximo pune-se o agente por
negligência.

Resposta tipo (erro sobre o processo causal):


Estamos perante um caso em que o agente incorre em erro sobre o processo causal, um
subtipo do erro sobre a factualidade típica (afecta desde logo o momento cognitivo do
dolo).
Neste erro o agente representa equivocadamente o desenrolar causal da sua conduta
criminosa. Pensa que vai atingir o objecto e de facto atinge, mas de maneira diferente
daquela que achava que ia atingir. A solução dos casos de erro sobre o processo causal
depende da análise quanto ao carácter essencial ou não essencial do desvio causal,
averiguado por um critério de previsibilidade. Se o desvio causal for previsível, o erro
não é essencial e portanto é irrelevante, sendo assim o agente punido a título doloso. O
erro é sempre irrelevante quando se trata de crimes de execução livre. Isto porque o
processo causal nestes crimes não está punido no tipo. Diversamente, estaremos
perante um erro essencial se o desvio causal for imprevisível, neste caso o erro será
relevante e o desvio causal não pode ser imputado ao dolo do agente. Quando se trata
de crimes de acção vinculada o erro é sempre relevante porque o processo causal faz
parte do crime, visto que o legislador descreve também a forma como o crime é
executado. Nestes casos então exclui-se o dolo e no máximo pune-se o agente por
negligência (art.16º).

Exame recurso 2012


III. A, jogador de futebol, comprou acções da empresa pública X, no processo de
privatização da mesma. Passados 2 anos, numa altura em que as acções estavam em
alta, A vendeu-as directamente ao seu colega de equipa B. suponha que a venda de
acções nessas circunstâncias é proibida: a lei só permite tais operações quando levadas
a cabo por intermédio de uma instituição autorizada pela CMVM. A e B incorrem, por
isso, em pena de multa. No julgamento, alegam que desconheciam por completo que
essas transacções fossem proibidas. Quid iuris?

No caso em apreço, estamos perante um erro sobre as proibições legais (art. 16º/1/in
fine). O legislador trata como um erro excludente do dolo o erro sobre proibições cujo
conhecimento é razoavelmente necessário para que o agente possa tomar consciência
da ilicitude do facto.
Assim, para efeitos legais, age sem dolo quem pratica um facto ilícito-típico sem
conhecer a sua ilicitude pois o conteúdo de desvalor ético-social do facto é tão frágil ou
controverso que a existência da simples proibição constitui um elemento essencial para
a definição e a compreensão do seu conteúdo desvalioso. Deste modo, o erro sobre as
proibições legais deve ser percebido como um erro no terreno dos crimes de mala
prohibita, isto é, como um erro relevante no seio das condutas puníveis que não
carregam nenhuma carga de desvalor ético-social intrínseca ou imanente e cujo
conteúdo de desaprovação resulta da mera existência de uma proibição legal (delicta
mere prohibita).

Portanto, para sabermos como é que o agente vai ser punido temos de averiguar se o
erro é ou não relevante. Se for irrelevante o agente é punido a título doloso. Por outro
lado, se o erro for relevante, exclui-se o dolo e o agente pode ser punido no máximo por
negligência segundo o art.16º (sendo que a culpa negligente corresponde a uma falta de
cuidado na tomada de conhecimento da lei, é uma censura deste tipo), isto se o erro for
vencível (evitável). Caso o erro seja invencível, não há qualquer juízo de censura, sendo
o agente absolvido.

Você também pode gostar