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21 A 27 DE JULHO DE 2011 O ESTADO DE S. PAULO

NO BRASIL, On Food and Cooking, de Harold McGee, é obra de referência gastronômica. A versão brasileira Comida & Cozinha
O AUTOR E chega hoje às livrarias. O autor chega na semana que vem ao País: vem para o Paladar – Cozinha do Brasil
SEU LIVRO
KARL PETZKE/DIVULGAÇÃO

Ciência da
cozinha.
Ou cozinha
Comida & Cozinha
Autor: Harold McGee
Editora: WMF Martins Fontes
(990 págs., R$ 125)

Quem é

com ciência? Harold McGee é o típico garoto


americano do baby boom, obce-
cado com histórias de ficção
científica e astronautas viajando
pelo espaço. Quis ser astrôno-
extensa e índice remissivo igual- mo desde criança. Deixou Chica-
mente perturbadores (queijos go e rumou para a Califórnia
indianos, pães asiáticos, frutas nos anos 70, onde estudou físi-
africanas, uma viagem pela culi- ca na Caltech. O entusiasmo
náriadomundoemtermosedefi- durou três anos: logo sentiu que
nições) devem ter mantido lon- estava mais interessado em
gedolivro muitoleitoresnospri- emoções e livros que em cálcu-
meiros anos. Tão logo captura- los. Formou-se em literatura
dos para o texto do escritor, os inglesa em 1978, na Universida-
leitoresdescobrem oqueéComi- de Yale, onde lecionou até o iní-
da & Cozinha: investigação pro- cio dos anos 80. Era o cozinhei-
funda sobre os fundamentos da ro oficial da turma e a pergunta
Olívia Fraga cozinha, resposta clara às cente- divertida de um amigo sobre os
nas de dúvidas que cozinheiros “nefastos efeitos do feijão”, du-
Chega hoje às livrarias o essen- têm ao lidar com técnicas, pro- rante um jantar, levou McGee à
cial Comida & Cozinha, edição cessos, ingredientes, equipa- biblioteca da universidade, onde
em português de On Food and mentos, dos processos básicos constatou a completa inexistên-
Cooking – The Science and Lore of aos mais sofisticados. Isso já em cia de títulos que estivessem a
the Kitchen, obra de Harold Mc- 1984, época em que ciência dos meio caminho entre o saber aca-
Gee escrita em 1984 e revisada e alimentos e alta gastronomia se dêmico e o público leigo. Em
ampliada 20 anos depois. encaravam à distância, cientis- 1984 publica On Food And Coo-
O lançamento tira um atraso tas e chefs quase caminhando de king, uma “pequena obra prima”
quase indesculpável, mas ocorre lados opostos, lidando com a Cozinheiro curioso. De literato, McGee tornou-se um dos maiores cientistas da cozinha segundo a revista Time.
em boa hora. Harold McGee, em “mágica” culinária de pontos de
pessoa, visitará o Brasil na sema- vista diferentes. sões e cozinheiros amadores. diar debates, frequentar labora- quemconfirmava nomenclatura ingredientes como os polvilhos
na que vem. Ele fez coincidir o Em20 anos,olivro ganhouno- Passaram-se alguns anos até que tóriosecozinhas(elaboratórios- e técnicas. doce e azedo, crustáceos (siris e
lançamento do livro com Pala- toriedade e em 2004 ficou ainda ele fosse procurado pelos peixes cozinha, surgidos aos montes no “O que me fascinou no livro é caranguejos) e algo sobre a ca-
dar – Cozinha do Brasil, onde fará melhor, com o capítulo adicio- graúdos. “Eu era muito ingênuo. final dos anos 1990). De “cozi- quanto ele é fácil de ler. É um chaça, mas bem pouco foi acres-
palestraseguidadenoitedeautó- nal sobre peixes e adendos sobre Achava que os cozinheiros pro- nheiro oficial da família”, como livrodeculináriaque falade ‘por- centado ao capítulo da mandio-
grafoscom entradafranca, nosá- azeite extravirgem, vinagre bal- fissionais já soubessem tudo eledeclara,McGeeviroureferên- quês’ e ‘comos’, e ainda te dá ca – há uma entrada à parte ape-
bado, dia 30, às 19h (ingressos sâmico, comida coreana, guaca- aquilo.Mesmoquenãodominas- cia na gastronomia mundial. In- ideia para testar as explicações, nas para o sagu. “No final dos
devem ser retirados com 1 hora mole, reflexos da popularização sem o tema em detalhes, não era cansável, promete revisar a obra criar receitas”, acredita Vieira anos90 estivena Venezuela e as-
de antecedência). Depois, viaja da culinária nos Estados Unidos. importanteparaeles, já queesta- em 2014, no aniversário de 30 Pinto. As notas de tradução e re- simcomeceiabrincarcomingre-
pelo Brasil. A obra vendeu mais de 300 mil vam produzindo ótima comida. anos. visãoadicionamcomentáriosso- dientes sul-americanos”, conta
Comida & Cozinha tem cara exemplares em todo o mundo. Eu sinceramente achava que es- brealegislação brasileira,produ- McGee. “Fico feliz em poder en-
meio de enciclopédia, meio de Comida & Cozinha é, além de tava escrevendo para amado- Tradução. Verter as ideias de tos e ingredientes similares aos contrar frutas e legumes exóti-
artigo científico – diagramação tudo, bastante divertido. Seus res”, conta McGee. McGeeparao portuguêsfoitare- citados na obra original, e deta- cosnos mercadosda Califórnia e
em quatro colunas, notas de ro- primeiros leitores, conta McGee Semdiploma de chef, logo Mc- fa abraçada por Marcelo Bran- lha as farinhas de trigo, que no Nova Y0rk, mas espero apren-
dapé, tabelas, gráficos. São remi- em entrevista exclusiva ao Pala- gee começou a ser convocado a dão Cipolla, que dedicou 16 me- Brasil se dividem em comum e der muito enquanto estiver no
niscências dos tempos acadêmi- dar,eramdonosdepequenosres- participar de círculos de discus- ses à missão. Cipolla teve ajuda especial e lá fora têm classifica- Brasil, um dos países mais ricos
cos de McGee. Uma bibliografia taurantes sem grandes preten- sãodegastronomiaeciência,me- do chef Celso Vieira Pinto, com ção complexa. Foram incluídos do mundo para a gastronomia.”

TESES DE HAROLD McGEE


FOTOS: ALEX SILVA/AE

2 Cozinhar o molho de tomate deva-


gar não o engrossa. Ao contrário.
Quando maduro, o tomate possui enzimas
4 Massa sem sova também é pão.
Harold McGee sempre volta ao tema
em seu site www.curiouscook.com e, em
“muito ativas” que decompõem as paredes 2010, publicou extenso artigo no New York
celulares do fruto e atingem alta perfor- Times sobre pão sem sova (receitas repu-
FELIPE RAU/AE

mance até 80˚C. Se o purê for aquecido blicadas várias vezes por Mark Bittman),
até essa temperatura, as enzimas destrui- mas foi em Comida & Cozinha que testou
rão essas moléculas estruturais, e a pasta todo seu conhecimento sobre a importante
precisará “ser ainda mais reduzida para relação entre glúten, gordura e água nas

1 Selar a carne não concentra


nem preserva seus sucos.
O autor derrubou o mito na primeira
alcançar a densidade pretendida”. Entre-
tanto, se o purê for levado ao fogo próximo
a 100˚C, as enzimas perdem sua função e
3 Descongelar a carne em temperatu-
ra ambiente é ineficaz e perigoso.
Em capítulo memorável sobre estocagem
diferentes massas encontradas pelo mun-
do. A tabela com as porcentagens e a ação
de fermentos condensa a técnica e a exper-
5 Gosto por sal é gosto pessoal.
Hoje é mais ou menos consenso,
mas em 1984 não era. Harold McGee
edição do livro, em 1984. Selar, segun- a pectina e a celulose permanecem ínte- de carnes, em que fala dos instantes ini- tise acumuladas pelos povos, e recorre ao desfez a crença de que a salinidade dos
do McGee, seca a carne. É fácil verificar gras por mais tempo. “O resultado será ciais pós-morte – importantes para con- nível molecular para mostrar a expansão alimentos é percebida de modo seme-
a diferença de umidade entre uma car- um molho mais espesso, que pouco preci- servação, maturação e ganho de sabor –, dessas substâncias em função do tempo e lhante por todos. “A sensibilidade ao sal
ne de superfície queimada e uma não sará de redução subsequente.” McGee afirma que o método mais simples da temperatura. (...) depende de vários fatores, entre os
queimada, cozidas à mesma temperatu- de descongelamento só beneficia bacté- quais diferenças hereditárias no núme-
ra interna. A carne cauterizada é me- rias e micro-organismos. Em contato com ro e na eficácia das papilas gustativas, a
nos úmida – o chiado na panela denun- o ar, a carne está ameaçada. Ele sugere saúde em geral, a idade e o costume.”
cia a perda rápida de líquidos. Mas se- mergulhá-la num banho de água gelada, O gosto para sal é inato nos seres hu-
lar tem uma função. A crosta marrom “que mantém a superfície fria, mas mes- manos (tanto quanto açúcar) e se perde
desenvolve sabores graças à reação de mo assim transfere calor com eficiência”. com a idade. A exposição a diferentes
Maillard: em contato com o fogo, açúca- O método é 20 vezes mais eficaz. Se a pe- quantidades de sal pode modificar a
res e proteínas reagem e dão origem a ça de carne for muito grande, descongelar percepção se o indivíduo “treinar” o pala-
subprodutos aromáticos. na geladeira é o procedimento ideal. dar por dois a quatro meses.
MARCELO BARABANI/AE SABRA KROCK/THE NEW YORK TIMES

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