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Rev. Inst. Latic. “Cândido Tostes”, Mar/Jun, nº 367/368, 64: 19-25, 2009 Pág.

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PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FABRICAÇÃO DE QUEIJO: DO


HISTÓRICO À SALGA

Basic principles of cheese production: from historical to salting

Junio César Jacinto de Paula 1


Antônio Fernandes de Carvalho 2
Mauro Mansur Furtado 3

SUMÁRIO

A arte de transformação do leite em queijo é muito antiga e se constitui basicamente em um


processo de concentração do leite no qual parte dos componentes sólidos, principalmente proteína
e gordura, são concentrados na coalhada enquanto as proteínas do soro, lactose e sólidos solúveis,
são removidos no soro. O rendimento da fabricação e sua composição centesimal são determinados
pelas propriedades do leite empregado, especialmente pela composição e pelas etapas do processo
de fabricação. A importância da composição do leite está ligada à coagulação enzimática, firmeza
da coalhada, sinérese e textura do queijo. Várias etapas ou grupos de etapas estão envolvidos na
conversão do leite em queijo, das quais as principais são: coagulação, acidificação, sinérese,
enformagem e salga. Intervindo nessas etapas, o queijeiro pode controlar a composição do queijo
que vai influenciar diretamente na sua maturação e na qualidade final do produto. Assim este artigo
apresenta uma curta revisão dos princípios básicos de tecnologia de queijos.
Termos para indexação: queijos; processamento; tecnologia.

1 INTRODUÇÃO energia produzindo ácido lático. Essas bactérias são


denominadas Bactérias Láticas e crescem bem à
No Brasil, o Regulamento Técnico de Identidade temperatura ambiente. Quando uma quantidade
e Qualidade dos Queijos, regulamentado pela Portaria suficiente de ácido é produzida, a principal proteína do
146 de 1996 define queijo como sendo o produto fresco leite (caseína) coagula no seu ponto isoelétrico (pH
ou maturado que se obtém por separação parcial do 4,6), dando origem a um gel que prende a gordura e a
soro do leite ou leite reconstituído (integral, parcial ou fase aquosa. A teoria mais provável do seu surgimento
totalmente desnatado), ou de soros lácteos coagulados coincide com a domesticação de cabras e ovelhas,
pela ação física do coalho, de enzimas específicas, de quando pastores observaram que, acidentalmente, o
bactéria específica, de ácidos orgânicos, isolados ou leite acidificava e separava-se em massa e soro, sendo
combinados, com ou sem agregação de substâncias que essa massa moldada e mais seca resultava em um
alimentícias e, ou especiarias e, ou condimentos, alimento nutritivo e de fácil obtenção. Foi observado
aditivos especificamente indicados, substâncias que a coalhada ácida gerada possuía alguma estabilidade
aromatizantes e matérias corantes (BRASIL, 1996). ao armazenamento e que, quando desidratada e salgada,
Queijo é um produto lácteo produzido em essa estabilidade era aumentada consideravelmente.
grande variedade tanto de sabor quanto de forma Outra teoria muito comentada baseia-se no fato de
em todo o mundo. É comumente aceito que o que, antes da utilização das cerâmicas (aproxima-
queijo surgiu no crescente fértil entre os rios damente 5.000 anos a.C.), a estocagem de leite em
Tigres e Eu frates, no Iraque, há 8.000 anos, bolsas feitas de peles ou estômagos de animais era
durante a chamada revolução agrícola, ocorrida possivelmente comum e, ao ser estocado em tal
com a domesticação de plantas e animais. recipiente, o leite entraria em contato com enzimas
O leite constitui uma excelente fonte de coagulantes do tecido animal e se coagularia durante a
nutrientes para as bactérias que o contaminam, algumas estocagem, liberando o soro (FOX et. al., 2000). A
delas utilizam o seu açúcar (lactose) como fonte de fabricação de queijo acompanha a expansão da

1 Doutorando em Ciência e Tecnologia de Alimentos (UFV). Pesquisador e Professor da EPAMIG-CEPE/ILCT.


Rua Tenente Freitas, 116, Juiz de Fora – MG. Tel: 32-3224-3116. E-mail: junio@epamig.br.
2 Pós-Doutor em Ciência e Tecnologia de Alimentos (UFV). Professor Adjunto do DTA/UFV. DTA, Campus
Universitário – Viçosa – MG. 31-3899-1800. E-mail: antoniofernandes@ufv.br.
3 PhD. Professor Adjunto do DTA/UFV. Campus Universitário Tel. 31-3899-1843 Viçosa – MG. Email: mmansur@ufv.br
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civilização pelo leste mediterrâneo, Egito, pela Grécia WALSTRA et. al., 1999). O rendimento da fabricação
e por Roma. Existem várias referências sobre queijos e a composição centesimal do queijo são determinados
no Velho Testamento, na parede de tumbas egípcias pelas propriedades do leite, especialmente pela
antigas e na literatura clássica grega. A fabricação de composição e pelas etapas do processo de fabricação.
queijos foi realmente estabelecida com o advento dos Os queijos produzidos pelo processo de coagulação
estados feudais e mosteiros de onde os conhecimentos ácida e por coagulação das proteínas a quente,
adquiridos eram passados para as gerações sucessoras. normalmente são consumidos frescos, porém, a grande
Como eram comunidades essencialmente auto- maioria dos queijos coagulados enzimaticamente com
suficientes com poucas viagens entre elas e pouca uso de coalhos ou coagulantes são maturados ou curados
troca de informações, isso explicaria o fato de existirem por um período de tempo que varia de três semanas a
centenas de variedades de queijos com características até mais de dois anos. A maturação é uma etapa em que
bem definidas, obtidos da mesma matéria-prima. o queijo é mantido sob determinadas condições de
Tradicionalmente, as variedades de queijos eram temperatura e umidade relativa controladas, quando
produzidas em uma determinada região, delimitada ocorrem numerosas modificações microbiológicas,
geograficamente, especialmente em áreas monta- bioquímicas, físicas e químicas. O objetivo da fabricação
nhosas. Essa produção local de algumas variedades é de queijo é produzir um produto atrativo e durável,
ainda preservada através da Denominação de Origem com determinadas características de sabor, aroma e
Protegida. A maioria das variedades de queijos surgiu textura que são adquiridas quando o queijo é deixado
de algum acidente por causa de determinada maturar sob condições apropriadas. Durante a matu-
circunstância local (composição do leite, microbiota ração, ocorrem diversas modificações bioquímicas que
endógena, espécie e raça do animal) ou por causa de ainda não são completamente compreendidas, nas quais
um único evento acontecido durante a tentativa de os principais constituintes: proteínas, lipídeos e lactose
produção ou estocagem do queijo (crescimento de residual são degradados a produtos primários e
mofos ou outros microrganismos). Presumidamente, posteriormente a produtos secundários (FOX e
os acidentes que provocaram tais mudanças desejadas MCSWEENEY, 1998; FOX 2004a; MCSWEENEY,
na qualidade do queijo foram incorporados ao protocolo 2004). A Figura 1 mostra as etapas básicas de fabricação
de fabricação e vêm sofrendo adaptações evolutivas de queijo coagulado enzimaticamente.
ao longo dos anos (FOX et. al., 2000).
Aproximadamente 30% da produção mundial de leite PREPARAÇÃO DO LEITE; .
destinam-se à fabricação de queijos e existem pelo Seleção
Filtração
menos 1.000 variedades diferentes do produto, sendo Clarificação
Padronização
que as principais famílias são representadas pelos queijos Pasteurização
Holandeses, Suíços, de massa filada, Cheddar e RESFRIAMENTO PARA A TEMPERATURA DE COAGULAÇÃO
(32° A 35°C);
Parmesão, os quais representam mais de 80% da
produção mundial. Todas as variedades podem ser ADIÇÃO DE INGREDIENTES;
classificadas em três superfamílias, com base no Fermento lácteo
Outros ingredientes
(opcionais):
método de coagulação do leite: coagulação enzimática, Cloreto de cálcio
Corantes
Coalho ou coagulante
que representa aproximadamente 75% do total dos Nitrato
Lipase
queijos produzidos; coagulação ácida ou lática do leite; COAGULAÇÃO 32 A 35°C;
Lisozima
Ác. Lático
e a coagulação pela combinação de aquecimento com Sal
Condimentos
a adição de um ácido ou um sal (FOX et. al., 2000;
CORTE;
FOX e MCSWEENEY, 1998).
.

A produção de queijo é basicamente um processo MEXEDURA E SINÉRESE:


de concentração do leite no qual parte dos componentes AQUECIMENTO LENTO E ACIDIFICAÇÃO;

sólidos, principalmente proteína e gordura, são Lavagem 1a Mexedura


(delactosagem) 2a Mexedura
concentrados na coalhada enquanto as proteínas do Aquecimento

soro, lactose e sólidos solúveis, são removidos no soro. PONTO E DESSORAGEM;

O soro de leite é a porção aquosa que se separa da Pré-prensagem Repouso


Fermentação
massa durante a fabricação convencional de queijos, e
que retém cerca de 55% dos nutrientes do leite. ENFORMAGEM, MOLDAGEM E PRENSAGEM;

Aproximadamente de 85 a 90% do volume de leite Prensagem


Fermentação até
utilizado na fabricação de queijos resulta em soro, que pH desejado
SALGA; .
contém grande parte dos sólidos representados por
proteínas, sais minerais, vitaminas e, principalmente,
lactose. Aproximadamente 75% das proteínas do leite Fonte: adaptado de FOX et. al., 2000.
são aproveitadas em queijos obtidos por coagulação
enzimática, o restante é perdido no soro Figura 1 – Etapas básicas de fabricação de queijo
(KOSIKOWSKI, 1982; FOX e MCSWEENEY, 1998; coagulado enzimaticamente.
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2 SELEÇÃO E PRÉ-TRATAMENTO DO uma coalhada mais fraca, o que pode aumentar as


LEITE PARA A FABRICAÇÃO DE perdas de sólidos do leite no soro. A adição de cloreto
QUEI J OS de cálcio (0,02%) no leite pasteurizado, para a
fabricação de queijos, é utilizada para repor o cálcio
A fabricação d e qu eijo co meça com a insolubilizado durante a pasteurização, aumentando
seleção microbiológica e química do leite. É a firmeza da coalhada e reduzindo o tempo de
essencial que o leite seja livre de antibióticos e coagulação. O queijo, quando fabricado com leite
quanto melhor a qualidade microbiológica, maior pasteurizado, apresenta sabor e aroma menos
será a chance de sucesso na fabricação do queijo; intensos e matura mais lentamente do que aqueles
portanto, um leite de qualidade superior deve ser fabricados com leite cru, dadas as várias modificações
usado. Particu lar atenção com relação à que são provocadas pelo calor como: inativação de
contaminação com Clostridium tyrobutyricium enzimas naturais do leite (lipases e proteases),
no leite destin ado à fabricação de queijos inativação de grande parte da microbiota endógena,
maturados deve ser tomada. Esse grupo de bactérias desnaturação de proteínas, dentre outras. Outro
esporuladas causa estufamento tardio em vários processo muito utilizado, principalmente em
tipos de q ueijos d uros maturad os, e essa pequenas fábricas do sul de Minas Gerais, é a
contaminação pode ser controlada ou mantida termização do leite com o uso de ejetor de vapor. O
baixa com boas práticas higiênicas ou com o uso processo consiste em injetar vapor diretamente no
de nitrato de sódio (NaNO 3 ), Lisozima ou leite, e aquecê-lo a temperaturas que variam entre
bactofugação (centrifugação) do leite, prevenindo, 68 oC e 70 oC por um tempo que varia de 2 a 10 min.
assim, o seu crescimento e o aparecimento do Esse tratamento necessita de permissão do serviço
defeito. A importância da composição do leite de inspeção federal e normalmente é utilizado por
está ligada à coagulação enzimática, firmeza da pequenas fábricas somente para fabricação de queijos
coalhada, sinérese (saída de soro do grão) e textura maturados. A injeção de vapor diretamente ao leite
do queijo (FOX e MCSWEENEY, 1998). provoca modificações e proporciona características
Atualmente, o leite para a fabricação de queijo particulares como: aumento de 10% no volume de
é normalmente refrigerado a 4º C imediatamente leite pela condensação de água do vapor, coalhada
após a ordenha e pode ser mantido nessa temperatura mais branda, dispensa cloreto de cálcio, o vapor
por vários dias na fazenda ou na indústria. Esse tem que ser purificado, e existem relatos de que o
processo ocasiona o desenvolvimento de uma sistema atrapalha a etapa de filagem em queijos de
microbiota psicrotrófica indesejada e provoca massa filada. A utilização do ejetor de vapor é um
diversas mudanças físico-químicas que são prejudiciais método prático e econômico para tratamento
ao processo de fabricação do queijo. A refrigeração térmico do leite. Contudo, esse processo não substitui
do leite e dos produtos lácteos produz condições que a pasteurização clássica do leite e o queijo obtido
são seletivas para bactérias psicrotróficas, matura mais rápido, possui sabor mais suave e massa
principalmente Pseudomonas ssp. Este grupo de mais macia devido à condensação de água proveniente
microrganismo tem sido implicado na deterioração do vapor em contato com o leite, o que provocaria
de leite e produtos de laticínios por causa da sua uma diminuição no teor de lactose residual do queijo
habilidade de produzir enzimas termorresistentes (FURTADO, 2005).
(proteases e lipases) que afetam a eficiência de A composição do leite para a fabricação de
utilização do leite e a qualidade dos produtos queijos é muito importante para a uniformidade
fabricados (CARDOSO, 2006). do produto final e pode ser padronizada pela
A fabricação de queijo a partir de leite cru é utilização de centrífugas desnatadeiras padroni-
permitida somente quando o mesmo é maturado zadoras ou pela mistura de leite integral com leite
por um período mínimo de 60 dias a temperaturas desnatado ou creme na proporção necessária para
superiores a 5 o C. A pasteurização do leite para a obtenção de uma relação caseína/gordura desejada.
fabricação de queijos pode ser realizada pelo processo
rápido em trocadores de calor a placas, HTST (72 a 3 TRANSFORMAÇÃO DO LEITE EM
75 o C por 15 segundos), ou pelo processo lento, QUEIJ O
LTLT (65 o C por 30 min). O objetivo da pasteu-
rização é aumentar a segurança alimentar do queijo Várias etapas ou grupos de etapas estão
pela eliminação de bactérias patogênicas e envolvidos na conversão do leite em queijo, das
diminuição do número de bactérias deterioradoras quais as principais são: coagulação, acidificação,
do leite. Esse tratamento térmico modifica a dessoramento do grão (sinérese), enformagem e
microbiota do queijo facilitando a fabricação com salga. Intervindo nessas etapas, o queijeiro pode
maior uniformidade, no entanto, pode prejudicar a co ntro lar a co mposição do queijo q ue v ai
aptidão do leite para a coagulação, uma vez que influenciar diretamente na sua maturação e na
insolubiliza parte do cálcio solúvel, resultando em qualidade final do produto.
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3.1 Coagulação enzimática do leite e quimosina pura de microrganismos geneticamente


modificados, que tem sido usada com muito sucesso
A coagulação enzimática do leite envolve na fabricação de queijos, embora não seja permitida
modificação da micela de caseína pela proteólise a sua utilização em alguns países. O aquecimento
limitada (quebra da ligação peptídica Phe105 – Met106) prolongado do leite a temperaturas acima de 70 oC
provocada pelas enzimas do coalho ou de coagulantes, retarda a sua coagulação devido às interações da
seguida pela agregação, induzida pelo cálcio, dessas proteína do soro, â-lactoglobulina, que se desnatura
micelas alteradas. A coalhada formada tem a aparência e forma interações com a kappa-caseína, o que
de um gel que ocupa o mesmo volume de leite dificulta a ação da enzima coagulante, tornando o
empregado no processo. O coalho ou coagulante é tempo de coagulação prolongado e proporcionando
adicionado ao leite normalmente a 32-35 o C em um queijo com maior teor de umidade, podendo
quantidade suficiente para haver a coagulação em 30 provocar problemas na etapa de maturação e em
a 40 minutos. A dose de coalho ou coagulante varia propriedades como o fatiamento (FOX e
de acordo com o fabricante, podendo ser usado na MCSWEENEY, 1998).
forma líquida ou em pó, desde que diluído em água Alguns fatores influenciam fortemente a
não-clorada e adicionado lentamente ao leite sob coagulação do leite:
agitação (FOX e MCSWEENEY, 1998); WALSTRA • A coagulação e formação do gel não
et. al., 1999; FOX et. al., 2000). ocorre abaixo de 18 oC e acima de 55-60
A temperatura de coagulação depende do o
C o coalho é inativado;
fermento e das enzimas do coalho. O fermento lácteo • Temperaturas próximas a 40 o C
mais usado na fabricação de queijos é o mesofílico, estimulam a ação do coalho e diminuem
ou seja, desenvolve-se bem a uma temperatura de o tempo de coagulação;
20 a 25 o C, enquanto as enzimas do coalho, • Quanto mais próximo do pH ótimo de
responsáveis pela coagulação do leite, atuam bem a ação da enzima (aproximadamente pH
uma temperatura de 40 a 42 o C. Assim, como 6,0) melhor a ação do coalho e maior a
necessitamos tanto da ação dos microrganismos força da coalhada;
como das enzimas do coalho, a temperatura de • Quanto maior a quantidade de cálcio
coagulação deve ser regulada entre 32 e 35 oC. solúvel presente no meio mais rápido
O coalho normalmente utilizado na fabricação será a formação do coágulo e maior a
de queijos é obtido do quarto estômago do bovino sua firmeza;
adulto ou de bezerros, no caso de coalho de vitelo. • Quanto maior a porcentagem de
O coalho é composto principalmente de duas proteínas do leite melhor será a sua
proteinases, a quimosina que é a enzima de interesse coagulabilidade; e,
para a indústria queijeira, dada a sua especificidade • Quanto maior a concentração de enzimas,
pela ligação entre os aminoácidos 105-106 da kappa- menor o tempo de coagulação do leite.
caseína e a pepsina que é uma enzima menos Após a coagulação a rede de coalhada continua
específica, mais proteolítica, que está muito sua formação por um tempo considerável após a
relacionada ao gosto amargo em queijos. Quando o obtenção de um gel visível, mesmo após o corte. A
animal envelhece, a secreção de quimosina diminui, força do gel formado é muito importante do ponto
enquanto a de pepsina aumenta, dada a modificação de vista de sinérese e, conseqüentemente, para o
da alimentação do animal que pára de consumir o controle de umidade e rendimento da fabricação (FOX
leite e tem acesso a outros alimentos. Com o e MCSWEENEY, 1998; WALSTRA et. al., 1999).
aumento da produção mundial de queijos e a
diminuição do suprimento de estômagos bovinos 3.2 Sinérese
para produção comercial de coalho, várias pesquisas
vêm sendo realizadas para o desenvolvimento e O gel de coalh ada formado é bastan te
produção de um substituto adequado para coagular o estável, mas apresenta sinérese (saída do soro)
leite na produção de queijos. Muitas proteinases são quando é cortada ou quebrada. Pelo controle da
capazes de coagular o leite, mas a maioria é muito sinérese, o queijeiro pode facilmente controlar o
proteolítica podendo provocar diminuição do conteúdo de umidade da massa do queijo e também
rendimento da fabricação pela perda de peptídeos o grau e a extensão da maturação e a estabilidade
no soro além de sérios defeitos de sabor e textura do queijo. Quanto maior a umidade do queijo, mais
nos queijos maturados, em conseqüência da rápida será a sua maturação, porém, menor será a
proteólise excessiva e descontrolada. Seis proteinases sua estabilidade. A sinérese é promovida pelos
são usadas comercialmente e estão citadas em ordem seguintes fatores:
decrescente de atividade proteolítica: pepsina de • Menor espessura do corte;
frango, pepsina suína, coagulantes de fungos (R. • pH baixo;
miehei e R. pusillus), coalho bovino, coalho de vitelo • Presença de íons cálcio;
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• Aumento da temperatura de cozimento; • Os mesofílicos homofermentativos


• Mexedura da coalhada durante o Lactococcus lactis subsp. Lactis e
cozimento; Lactococcus lactis subsp. cremoris que
• Maior teor de proteínas e menor teor de são bactérias acidificantes indicadas
gordura. para os queijos com baixa temperatura
A sinérese da coalhada é prejudicada quando de cozimento e de massa fechada e
o leite é aquecido excessivamente. Tal redução na pouco aroma (Minas Curado, Prato para
sinérese é desejável em produtos fermentados fatiar, Mussarela etc.);
como o iogurte, mas indesejável para queijos (FOX • Os mesofílicos heterofermentativos
e MCSWEENEY, 1998). Lactococcus lactis subsp. lactis biovar.
Diacetylactis e Leuconostoc
3.3 Acidificação mesenteroides subsp. cremoris que são
bactérias mesofílicas aromatizantes com
A função primária da cultura “starter” é a função de produção de CO2 e diacetil
produção de ácido que é crucial para a fabricação da (principal composto de aroma dos
maioria dos queijos. O pH da massa cai para próximo queijos e da manteiga) indicadas para
de 5,0 em um espaço de tempo entre 5 e 20 horas, queijos de massa aberta e com aroma
dependendo da variedade do queijo a ser fabricado. A mais pronunciado (Prato, Gouda,
acidificação é proporcionada pela fermentação da Cottage etc.);
lactose para ácido lático pelas bactérias láticas • Os fermentos termofílicos
adicionadas ao leite ou pela acidificação direta com Streptococcus salivarius subsp.
adição de ácido lático em alguns casos. Tradicio- thermophilus, Lactobacillus helveticus e
nalmente, os queijeiros confiavam na microbiota Lactobacillus delbrueckii subsp.
endógena presente no leite cru para a fermentação bulgaricus que são bactérias láticas
da lactose, processo que ainda é utilizado na fabricação indicadas para queijos de massa cozida,
do queijo Minas Artesanal. No entanto, essa ou semi-cozida (Mussarela, Provolone,
microbiota pode variar muito, modificando o grau de Parmesão etc.).
acidificação e, conseqüentemente, a qualidade do A produção de ácido desempenha vários papéis
queijo (FOX e MCSWEENEY, 1998; WALSTRA et. na fabricação de queijos tais como: controla e
al., 1999). O uso de soro-fermento constitui um dos previne o crescimento de bactérias deterioradoras e
meios mais tradicionais para incorporação de bactérias patogênicas; afeta retenção e a atividade do
láticas no processo de fabricação e é muito utilizado coagulante durante a coagulação; solubiliza fosfato
para a produção de queijos duros na Itália. O soro da de cálcio afetando, portanto, a textura do queijo;
própria fabricação do queijo Parmesão é retirado após promove sinérese e conseqüentemente influencia a
o processo de cozimento da massa, com temperaturas composição do queijo e também a atividade de
elevadas (entre 55 e 57°C) e deixado fermentar até o enzimas durante a maturação. A cultura “starter”
dia seguinte onde será utilizado para a fabricação do primária desempenha várias funções além da
dia, sua acidez pode atingir valores médios de 140 a produção de ácido no queijo, principalmente com
180°D sendo, portanto, um exemplo prático da relação ao abaixamento do potencial redox que passa
seleção térmica natural de bactérias láticas do próprio de +250 mV no leite, para -150 mV no queijo. Essa
leite (ROBINSON, 2002). modificação é essencial para o desenvolvimento
Atualmente os fermentos liofilizados (DVS) bioquímico da maturação de um queijo. Varias
são culturas superconcentradas, com alta atividade, espécies de bactérias láticas são capazes de produzir
para inoculação direta no tanque de fabricação. O uso bacteriocinas que controlam o crescimento de outras
dessa tecnologia elimina o preparo e a manipulação bactérias contaminantes e com isso exercem uma
do fermento, eliminando, assim, problemas e proteção muito eficiente durante e após a fabricação
inconvenientes provocados por contaminações. Esse dos queijos no tanque (WALSTRA et. al., 1999).
tipo de fermento ainda permite maior flexibilidade As culturas ou fermentos secundários são
na programação da produção. O fermento garante microrganismos adicionados que não têm a função
uma qualidade melhor e mais uniforme aos produtos específica de produção de acidez, mas com o
produzidos, sendo uma tecnologia moderna hoje objetivo de obtenção de alguma característica
empregada nas grandes indústrias e nas pequenas particular desejável para a categoria do queijo a
fábricas de lacticínios (FURTADO, 2005). Há no ser produzido, como: Propionibacterium que
mercado vários tipos de fermentos, que podem ser produz gás pro vocando o aparecimento de
empregados nos mais diversos tipos de queijos. olhaduras nos queijos Suíços; os mofos azuis e
Os fermentos mais utilizados na fabricação brancos são utilizados para a fabricação dos queijos
de queijos são normalmente compostos p or como Gorgonzola, Camembert e Brie; as bactérias
membros de três gêneros (ROBINSON, 2002): utilizadas especificamente para o tratamento da
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superfície dos queijos com maturação de casca e O teor médio de sal na maioria dos queijos varia de
as culturas aromáticas (FOX e MCSWEENEY, 0,5 a 2,5%. Em alguns casos, como nos queijos
1998; ROBINSON, 2002). crioulo e feta, esses valores podem chegar a atingir
de 5 a 8% (aproximadamente 15% de sal dissolvido
3.4 Enformagem e prensagem na umidade). Independente do tipo de salga
empregado, o sal utilizado deve sempre apresentar
Quando o ponto final da fabricação no tanque boa qualidade físico-química e microbiológica
é obtido, isto é, atinge-se o pH e o conteúdo de (COSTA, 2004).
umidade desejado, a massa é separada do soro e A salga desempenha uma série de papéis
colocada em formas de tamanho e formatos importantes na fabricação de um queijo:
específicos para que ocorra a drenagem do soro entre • Melhora e realça o sabor, além de
os grãos e se forme uma massa contínua e homogênea. mascarar sabores estranhos. A caseína e
Os queijos de alta umidade formam uma massa a gordura na massa fresca são
contínua sem a necessidade de sofrerem prensagem, praticamente insípidas. O sal atenua o
mas os queijos de baixa umidade precisam sofrer a gosto lático da coalhada fresca e
etapa de prensagem com pesos variados dependendo mascara a lipólise acentuada em queijos
da categoria. Os queijos são fabricados em formatos e mofados;
tamanhos variando de 250g até 60-80 kg. O tamanho • O sal auxilia na formação da casca do
do queijo não é somente uma questão de estética, mas queijo pela desidratação superficial;
também um requerimento para a obtenção de • O sal promove, pela modificação da
determinadas características, sendo que o Emmental pressão osmótica, a sinérese da massa,
tem de ser grande, para evitar a difusão excessiva do estimulando a expulsão de soro e a
gás CO 2 que é responsável pela formação das redução da umidade do queijo. Auxilia na
olhaduras, enquanto o Camembert deve ser pequeno, complementação da dessoragem do
para permitir a penetração das enzimas do mofo e, queijo, pois favorece a liberação da água
com isso, proporcionar uma maturação mais livre da massa. Ao penetrar na massa do
uniforme. Nos queijos de massa filada (Mussarela, queijo, o sal utiliza a água livre para a
Provolone, Cacio-cavalo, etc), após a fermentação, sua dissolução e parte dessa água é
quando a massa atinge um grau de desmineralizacão deslocada para a casca, a fim de manter
adequado (pH 4,8 a 5.2), ela é aquecida em água quente, o equilíbrio osmótico, acabando por
esticada e moldada no formato desejado. Esse perder-se externamente.
processo, denominado de filagem, dá ao queijo uma • A salga ajuda a controlar o crescimento e
estrutura fibrosa e filamentosa bem característica atividade microbiana, proporcionando
(FOX e MCSWEENEY, 1998). uma seleção da microbiota do queijo.
Bactérias propiônicas não suportam baixa
3.5 Salga dos queijos atividade de água, portanto os queijos
suíços não são deixados muito tempo na
Três métodos clássicos de preservação de salmoura. No caso de queijos azuis, como
alimentos: fermentação, desidratação e salga, o Gorgonzola, seu maior teor de sal
juntamente com refrigeração, são utilizados para a favorece o crescimento do mofo.
conservação da maioria dos queijos e para o controle • Controle bioquímico da maturação: a
de sua maturação. O uso de sal para prolongar a vida atividade enzimática nos queijos é
útil dos alimentos teve início na pré-história e é um fortemente controlada pela presença de
dos métodos mais clássicos utilizados na preservação sal. Lipases e proteases são mais ativas em
do alimento (FOX et. al. 2000). teores de 0,5 a 2,5% de sal na umidade.
Dentre as várias etapas da fabricação de Níveis mais elevados de sal retardam a
queijos, a salga destaca-se por sua grande maturação. Normalmente, os queijos são
importância, uma vez que o sal (NaCl) possui várias salgados apenas quando atingem uma
funções nos queijos, tais como: sabor, controle do fermentação adequada, pois, caso
desenvolvimento microbiano, regulagem dos contrário, haverá inibição do fermento.
processos bioquímicos (enzimas) e físico-químicos, • Mudanças físicas das proteínas do queijo
durabilidade, entre outros. A salga tem ampla influenciam a textura, solubilidade e
influência na etapa final da fabricação que é a provavelmente a conformação da proteína.
maturação, uma vez que, se não for bem conduzida, Teores de sal na umidade maiores que 5%
pode afetar seriamente a atividade microbiológica favorecem a solubilização da caseína na
e enzimática de um queijo e ser a causa de diversos maturação, devido a trocas entre cálcio e
defeitos em queijos. Os métodos mais comuns de sódio. A proteína aumenta a sua interação
salga são: no leite, na massa, em salmoura e a seco. com a água, tornando-a menos disponível
Rev. Inst. Latic. “Cândido Tostes”, Mar/Jun, nº 367/368, 64: 19-25, 2009 Pág. 25

para os processos bioquímicos provocando by Chapman e Hall, 2-6 Boundary Row. 2 nd. ed.
uma diminuição da atividade de água durante 577p. 1993
a maturação (FOX e MCSWEENEY, 1998;
WALSTRA et. al., 1999; FOX et. al., 2000; FOX, P. F.; McSWEENEY, P. L. H.; COGAN, T. M.;
COSTA et. al., 2004). GUINEE, T. P. Cheese: Chemistry, Physics and
Microbiology. Volume 1. General Aspects. Published
SUMMARY by Elsevier Academic Press. 3 nd. ed. 617p. 2004a.

The art of transforming the milk in cheese FOX, P. F.; McSWEENEY, P. L. H.; COGAN, T.
is very old and it is constituted basically in a M.; GUINEE, T. P. Cheese: Chemistry,
process of concentration of the milk in which Physics and Microbiology. Volume 2. Major
part of the solid components, mainly protein and Cheese Groups. Published by Elsevier Academic
fat, are concentrated in the curd, while the whey Press. 3 nd. ed. 434p. 2004b.
proteins, lactose and soluble solids, are removed
in the whey. The cheese yield and its centesimal FOX, P. F. Pro teolysis during cheese
composition are determined by the milk manufacturing and ripening. Journal of Dairy
properties, especially by the milk composition Science. v. 72. n. 6, p. 1379 – 1400, 1989.
and the process production steps. The importance
of the milk co mpositio n is associated to the FOX, P. F.; McSWEENEY, P. L. H. Dairy
enzymatic coagulation, firmness of the curd, Chemistry a nd Biochemistry. Pub lish ed by
syneresis and texture of the cheese. Several steps Blackie Academic & Professional, an imprint of
or groups of steps are involved in the conversion Thomson Science, 2-6 Boundary Row, London
of the milk in cheese, of which the main ones SE1 8UK. First ed. 1998. 478p.
are: coagulation, acidification, syneresis of the
curd, molding and shaping and salting. Intervening FOX, P. F.; GUINEE, T. P.; COGAN, T. M.;
in those process steps the cheesemaker can McSWEENEY, P. L. H. Fundamentals of
control the cheese composition that will have a cheese science. Aspen Pub lish ers, In c.
directly influence on its ripening and final quality. Gaithersburg, Maryland. 2000. 544 p.
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