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Transtornos do Sono e da Vigilia e seu Tratamento Neurobiologia do ono edavigtia Especto de ativacio Interruptor de sono/vigia Histamina Insénia ehipnéticos 0 que éinsénia? Tratamento crénico da insénia crénica? Hipnéticos benzodiazepiicos Modiladores alostéricos psitivos (PAM) de GABA, como hipnéticos Insénia psiquistrica e PAM de GABA, Hipnéticos melatoninérgicos Hipndticos seratoningrgicos Antagonists de histamina H; como hipnéticos Agonistas da dopamina ¢ligantes a6 par ainsGnia associada a sindrome das permas inquietas Tratamentos comportamentais da ins6nia (Quem se importa com o sono de ondas lentas? Antagonista da orexina coma novas hipnticos Sonoléncia diuma excessiva(hipersonia) eagentes promotores de vig O que é sonoléncia? O que hi de errado na sonoléncia? Mecanismo de ago dos agentes promatores da vigiia Resumo Este capitulo oferece uma visdo geral e sucinta da psicofarmacologia dos transtornos do sono e da vigilia. Esto incluidas aqui discussdes breves sobre os sintomas, os critérios diagnésticos ¢ os tratamentos dos transtornos que causam insénia, sonoléncia diurna excessiva ou ambas. As descrigdes clinicas e os critérios formais para os diagnésticos dos transtornos do sono sao apenas abordados brevemente. O leitor deve consultar fontes de referéncia padrao sobre esse material. Nossa discussao ira ressaltar as ligagdes de varios circuitos cerebrais e seus neurotransmissores com 0s transtornos que provocam insénia ou sonoléncia. O presente capitulo tem por objetivo levar ao conhecimento do leitor ideias a respeito dos aspectos clinicos e biolégicos do sono e da vigilia; de como varios transtornos podem alterar 0 sono e a vigilia; e de como muitos tratamentos novos e em fase de desenvolvimento podem aliviar os sintomas insénia e sonoléncia. Cada vez mais, a detecg’o, a avaliagaio e o tratamento dos transtornos do sono/vigilia tornam-se partes padronizadas da avaliagdo psiquidtrica. Por isso, os psicofarmacologistas modernos tém considerado 0 sono como um “sinal vital” psiquidtrico, exigindo avaliagao de rotina e tratamento sintomdtico sempre que forem detectados transtornos do sono. Isso lembra a situagdo da dor (Capitulo 10), que também esta sendo considerada outro “sinal vital” psiquidtrico. Isto é, os transtornos do sono (e da dor) sao téo importantes, tio difusos, ¢ atravessam tantos transtornos psiquiatricos que a eliminagao desses sintomas — qualquer que seja o problema presente — esta sendo cada vez mais reconhecida como medida necessdria para se obter a remissdo sintomatica do paciente. Muitos dos tratamentos discutidos neste capitulo foram abordados em capitulos anteriores. O leitor deve consultar 0 Capitulo 7 para mais detalhes sobre os mecanismos do tratamento da insénia que também sao usados para a depresso. Para os tratamentos da insénia que consistem em benzodiazepinicos e que tm o mesmo mecanismo de ag&o dos varios ansioliticos benzodiazepinicos, 0 leitor deve consultar 0 Capitulo 9. Para os varios tratamentos da hipersonia, particularmente os estimulantes, convém ler 0 Capitulo 12 (sobre TDAH) e 0 Capitulo 14 (sobre uso abusivo de substncias), os quais também discutem 0 uso € 0 uso abusivo de estimulantes. Neste capitulo, a discusséo ocorre em nivel conceitual, ¢ ndo pragmatico. O leitor deve consultar manuais de farmacologia padrao (como o Stahl ’s Essential Psychopharmacology: the Prescriber s Guide) para mais detalhes acerca de doses, efeitos colaterais, interagdes medicamentosas ¢ outras questdes relevantes para a prescrigdo desses farmacos na pratica clinica. Neurobiologia do sono e da vigilia Espectro de ativacdo Embora muitos especialistas tratem a insénia e a sonoléncia como distirbios enfatizando ¢ separando os diferentes transtornos que os causam, diversos psicofarmacologistas pragmaticos téma insénia ou a sonoléncia diurna excessiva como sintomas importantes que atravessam muitas condigdes. As duas ocorreriam ao longo de um espectro e se estenderiam desde a ativagdo deficiente até a excessiva (Figura 11.1). Nessa conceituagao, um individuo vigil, alerta, criativo e com capacidade de resolugao de problemas encontra-se no equilibrio correto entre ativagdo excessiva e insuficiente (funcionamento cerebral basal em cinza no centro do espectro na Figura 11.1). A medida que a ativagdo aumenta além do normal, durante o dia, ocorre hipervigilancia (Figura 11.1). Se esse aumento de ativagdo ocorre A noite, ha ins6nia (Figura 11.1; hiperativagao do cérebro em vermelho no lado direito do espectro na Figura 11.2). Dentro de uma perspectiva terapéutica, a insénia pode ser conceituada como transtorno de ativagao noturna excessiva. Nele, os hipnéticos fazem com que 0 paciente passe da ativacdo excessiva para o sono (Figura 11.2). Por outro lado, quando a ativagdo diminui, os sintomas vao crescendo da simples falta de atengao a formas mais graves de prejuizo cognitivo, até o ponto em que o paciente apresenta sonoléncia diurna excessiva, com ataques de sono (Figura 11.1; hipoativagao do cérebro em azul do lado esquerdo do espectro na Figura 11.3). Em uma perspectiva terapéutica, a sonoléncia pode ser conceituada como transtorno de ativagao diurna deficiente. Assim, os farmacos promotores de vigilia fazem 0 paciente passar de uma ativagao deficiente para o estado de vigilia, com lucidez normal (Figura 11.3). Espectro da atlvacdo do sono e da vigilia a9) Regrdade alena Desatanto _ Criativo a7 ra peiiatve, Hipervgilarte? problemas ineoaie: Distungao AP Disfunc2o cognii / cognitiva yy (hiperestimula 2 (estimulagao 125 /_insutictente) Sonoiéncia diuma excessival sonoléncia! sedacao +| Adotmecido AlucinagSesipsicose Estar basal Hiperativagae Ativagao deficionta Namal Ativagao axcessiva Hpoativagso Figura 11.1 Espectro da ativacao do sono e da vigilia. O estado de ativacdo de um individuo é algo mais complicado do que simplesmente estar “acordado” ou “dormindo”. Com efeito, a ativagao existe como se fosse um interruptor com redutor de intensidade, apresentando muitas fases ao longo do espectro, O ponto do espectro onde o individuo se encontra & influenciado, em grande parte, por cinco neurotransmissores essenciais: a histamina (HA), a dopamina (DA), a noradrenalina (NA), a serotonina (SHT) ¢ a acetiicolina (ACh). Quando hé um bom equilloio entre ativagao excessiva e ativagao insuficiente (representado pela cor cinza [basal] do cérebro), 0 individuo est acordado, alerta e capaz de funcionar bem. Conforme o botdo gira para a direita, ocorre ativagao excessiva, 0 que pode causar hipervigilancia e, consequentemente, insGnia & noite. Se a ativago aumentar ainda mais, isso pode causar disfuncéo cognitiva, pénico e, nos casos extremos, até alucinagées. Por outro lado, se houver diminuig&o da ativagao, o individuo pode apresentar desatenco, disfungao cognitiva, sonoléncia e, por fim, sono. Insénla: ativagao noturna excessiva? Insinia PAM de GABA, (farmaces Benzodiazepinicos ‘Antagoniatas de H, Artagonistas do SHTssoc Adormecico @ Atvaglo oxessva [= Estado basal Hipoativacao Figura 11.2 Insénia: ativago noturna excessiva? A insénia relaciona-se com a hiperativagao & noite. Esta representada aqui pelo cérebro vermelho (hiperativo). Os agentes que reduzem a ativagéo cerebral, como os moduladores alostéricos Positives dos receptores de GABA, (p. ex., benzodiazepinicos, “farmacos Z’), antagonistas de histamina 1 e antagonistas de serotonina 2A/2C podem fazer com que o estado de ativacao do individuo passe de hiperatividade para o sono. Sonoléncla diurna excessiva: ativagao dlurna deficiente? Vigil Alerta Criativo Resolvendo problemas Soneléncia. diuma 4 our Ativagéo delicionte NA Ativagio excessive irraivagao Nona Sette basal Hipoativagao Figura 11.3 Sonoléncia diurna excessiva: ativagao diurna deficiente. A sonoléncia excessiva relaciona-se com a hipoativagao durante o dia. E representada aqui como o cérebro azul (hipoativo). Os agentes que aumentam a ativagao cerebral, como os estimulantes modafinila ¢ cafeina, podem fazer com que o estado de ativacao do individuo passe de hipoativo a acordado, com estado de alerta normal Observe na Figura 11.1 que o prejuizo cognitivo representa o produto da ativagdo tanto insuficiente quanto excessiva, compativel com a necessidade de os neurénios corticais piramidais serem otimamente “sintonizados”. Desse modo, tanto a atividade excessiva quanto a atividade insuficiente fazem com que eles fiquem fora de sintonia. Observe também nas Figuras 11.1 a 11.3 que © espectro de ativagao esta ligado as agdes dos cinco neurotransmissores mostrados nos cérebros representados nessas ilustragdes (i. e., histamina, dopamina, noradrenalina, serotonina ¢ acetilcolina). Esses circuitos neurotransmissores, como um grupo, so designados sistema reticular ativador ascendente. Isso porque atuam comprovadamente juntos para regular a ativagdo. Esse mesmo sistema neurotransmissor ascendente é bloqueado em varios pontos por numerosos agentes que causam seda¢ao. As agdes dos agentes sedativos sobre esses neurotransmissores so discutidas no Capitulo 5 sobre antipsicéticos e estdo ilustradas na Figura 5.38. A Figura 11.1 também mostra que a ativagéio excessiva pode se estender além da ins6nia e, em todo percurso, a psicose franca (lado da extrema direita do espectro), passando pelo panico e pelas alucinagées. Interruptor de sono/vigilia Conforme foi discutido, os sistemas neurotransmissores ascendentes do tronco encefélico regulam o sistema de ativagao cortical em um continuum uniforme, como um reostato em um sistema de iluminagao ou o botdo de volume de um radio. Existe outro conjunto de circuitos no hipotélamo que regula o sono e a vigilia de modo descontinuo, como um interruptor de liga/desliga. Nao & surpreendente que este circuito seja denominado interruptor de sono/vigilia (Figura 11.4). O interruptor que “liga” & conhecido como promotor da vigilia e localiza-se dentro do niicleo tuberomamilar (NTM) dentro do hipotalamo (Figura 11.4). O interruptor que “desliga” & conhecido como promotor do sono ¢ locali: hipotalamo (Figura 11.4B). se dentro do niicleo pré-6ptico ventrolateral (POVL) do Dois outros conjuntos de neurénios sdo mostrados na Figura 11.4 como reguladores do interruptor de sono/vigilia. Um é de neurénios contendo orexina do hipotilamo lateral (LAT); 0 outro, de neurénios sensiveis A melatonina do niicleo supraquiasmatico (NSQ). O hipotélamo lateral serve para estabilizar © promover a vigilia por meio de um neurotransmissor peptidico, conhecido por dois nomes diferentes: orexina e hipocretina. Esses neurénios hipotalamicos laterais e sua orexina so perdidos na narcolepsia, particularmente a narcolepsia com cataplexia. Novos hipnoticos em desenvolvimento (antagonistas da orexina) bloqueiam os receptores desses neurotransmissores ¢ so discutidos mais adiante, neste capitulo. O NSQ € o relégio interno ou marca-passo de cérebro e regula o impulso circadiano para o interruptor de sono/vigilia em resposta A sua programagiio por horménios, como a melatonina, e pelo ciclo de luz/escuro. Os ritmos circadianos ¢ 0 NSQ sao discutidos no Capitulo 7 sobre antidepressivos ¢ estio ilustrados nas Figuras 7.39 a 7.42. O impulso circadiano da vigilia é mostrado na Figura 11.5, cobrindo dois ciclos completos em 24h. A Figura 11.5 também mostra o ciclo de sono ultradiano (ciclo menor do que um dia, mostrando a ciclagem de entrada e saida do REM e do sono de ondas lentas varias vezes durante a noite). O impulso homeostatico para o sono, também ilustrado na Figura 11.5, aumenta 0 estimulo para 0 sono com o transcorrer do dia, presumivelmente pela fadiga, ¢ diminui a noite com o repouso. Um novo neurotransmissor, a adenosina, esta ligado ao impulso homeostitico e parece acumular-se 4 medida gue esse impulso aumenta durante o dia, diminuindo a noite. Hoje em dia, sabe-se que a cafeina ¢ um antagonista da adenosina, 0 que pode explicar, em parte, sua capacidade de promover a vigilia e de diminuir a fadiga, isto é de se opor 4 regulagao do impulso do sono homeostitico pela adenosina endégena, Dois neurotransmissores essenciais regulam o interruptor de sono/vigilia: a histamina do NTM e © GABA (dcido y-aminobutirico) do POVL. Assim, quando 0 interruptor de sono/vigilia esté ligado, © promotor de vigilia NTM esta ativo, ¢ hd liberago de histamina (Figura 11.4), Isso ocorre tanto no cértex, para facilitar a ativagaio, quanto no POVL, para inibir 0 promotor do sono. No transcorrer do dia, 0 impulso circadiano de vigilia diminui, enquanto aumenta 0 impulso homeostitico do sono (Figura 11.5). Por fim, alcanga-se um ponto de mudanga, deflagra-se 0 promotor do sono POVL, 0 interruptor de sono/vigilia é desligado e ocorre liberagao de GABA no NTM para inibir 0 estado de vigilia (Figura 11.4). Os transtornos caracterizados por sonoléncia diurna excessiva podem ser descritos como 0 interruptor de sono/vigilia desligado durante o dia. Os tratamentos promotores de vigilia, como a modafinila administrada durante 0 dia, deslocam equilibrio de volta ao estado de vigilia ao proporcionar a liberago de histamina dos neurénios do NMT. O mecanismo exato dessa potencializagdo da liberago de histamina pela modafinila ou por estimulantes nao € conhecido. Todavia, hoje em dia, foi formulada a hipstese de que esse mecanismo deve estar relacionado, em parte, com uma consequéncia distal das agdes dos agentes promotores de vigilia sobre os neurdnios dopaminérgicos, particularmente por meio do bloqueio do transportador de dopamina, o DAT. Interruptor de sono/vigilla ligade e acordado Promotor *®. da vigiia °.. A Interruptor de sonowvigtia Interruptor de sono/vigilla desligado e adormecido Neurénio gabaéigico nest cand] B Interruptor de sono/igilia Figura 11.4 Interruptor de sonolvigilia. © hipotalamo ¢ 0 principal centro de controle do sono e da vigiia. Assim, o Circuito espectfico que os regula (i. ., se o interruptor com redutor de intensidade esta regulado todo a esquerda para o sono ou se est em algum ponto ao longo do continuum para 0 estado de vigiia) ¢ denominado interruptor de sono/vigilia. O Ponto "desligado” ou promotor de sono localiza-se no niicleo pré-éptico ventrolateral (POVL) do hipotélamo, enquanto o Ponto “ligado” — promotor de vigiia — esta localizado no niicleo tuberomamilar (NTM) do hipotlamo. Dois neurotransmissores essenciais regulam o interruptor de sono/vigiia: a histamina do NTM e 0 GABA do niicleo POVL. A. Quando 0 NTM esté ativo e a histamina é liberada no cértex e no POVL, 0 promotor de vigilia esté ligado, enquanto o promotor do sono esta inibido. B. Quando o POVL esté ativo e o GABA¢ liberado no NMT, 0 promotor de sono esté ligado, enquanto o promotor de viglia ¢ inibido, O interruptor de sono/viglia também & regulado pelos neurénios orexina/hipocretina no hipotélamo lateral (LAT), o qual estabiliza o estado de viglia, e pelo nticleo supraquiasmético (NSQ) do hipotalamo. Este 6 0 relégio interno do corpo e é ativado pela melatonina, pela luz e pela atividade, a fim de promover sono ou vigilia. Processos que regulam 0 sono ‘Acordado7] REM. Uitadiano Esta 1 TET pr om (ciclo do sono) Eggo 3 LT Estagio’ Imputso do sono (homeostatico) Impulso da vigilia (circadiano) Sono ‘Sono 7h 2h 7h 2h 7h Figura 11.5 Processos que regulam o sono. S4o mostrados aqui varios processos que regulam 0 sonolvigiia. © impulso circadiano de viglia resulta de impulsos (luz, melatonina, atividade) para 0 niicleo supraquiasmatico, O impulso homeostatico do sono aumenta & medida que o individuo permanece acordado e diminui com 0 sono. No decorrer do dia, 0 impulso citcadiano de viglia diminui e o homeostatico do sono aumenta até alcangar um ponto de mudanga. Desse modo, © promotor do sono pré-éptico ventrolateral (POVL) é deflagrado, liberando GABA no nticleo tuberomamilar (NTM) e inibindo © estado de vigiia. © sono propriamente dito consiste em mtittiplas fases que se repetem de maneira ciclica, Esse processo é conhecido como ciclo ultradiano e esta ilustrado na parte superior desta figura, Por outro lado, os transtornos caracterizados por insdnia podem ser o interruptor de sono/vigilia na posi¢do ligada a noite. Trata-se a insdnia com agentes que potencializam as agdes do GABA e, portanto, inibem 0 promotor de vigilia ou com firmacos bloqueadores da agao da histamina liberada pelo promotor de vigilia, os quais atuam nos receptores H; pés-sinépticos. Os transtornos caracterizados por distirbio do ritmo circadiano podem ser conceituados como “atraso de fase”, com o promotor de vigilia ¢ o interruptor de sono/vigilia ligados muito tarde no ciclo normal de 24 h, ou como “avango de fase”, com o promotor de vigilia e o interruptor de sono/vigilia ligados muito cedo em um ciclo normal de 24 h. Isto é, os individuos que apresentam retardo de fase, como diversos pacientes deprimidos ¢ adolescentes normais, ainda apresentam 0 interruptor de sono/vigilia desligado no momento de despertar (ver discussdo no Capitulo 7 e Figura 7.39). A exposigao desses individuos 4 luz pela manha e 4 melatonina a noite pode reajustar o relégio circadiano no NSQ, de modo a despertar 0 individuo mais cedo, Outros individuos podem apresentar avango de fase, como muitas pessoas idosas normais. A exposigao desses individuos a luz & noite e & melatonina pela manha pode reajustar o NSQ, de modo que o interruptor de sono/vigilia permanece desligado por mais tempo, restabelecendo o ritmo normal do paciente. Histamina A histamina € um dos neurotransmissores essenciais na regulacio da vigilia. Desse modo, esta consiste no alvo final de muitos farmacos promotores de vigilia (por meio da liberagao de histamina corrente abaixo) e de agentes promotores do sono (anti-histaminicos). A histamina € produzida a partir do aminoacido histidina, captado pelos neur6nios histaminérgicos e convertido em histamina pela enzima histidina descarboxilase (Figura 11.6). A ado da histamina termina em razio de duas enzimas que atuam em sequéncia: a histamina N-metiltransferase, que converte a histamina em N- metil-histamina, e a MAO-B, que converte a N-metil-histamina em N-MIAA (acido N-metil- indolacético), uma substéncia inativa (Figura 11.7). Outras enzimas, como a diamino-oxidase, também podem interromper a agdo da histamina fora do cérebro. Convém assinalar que, aparentemente, ndo existe nenhuma bomba de recaptacdo de histamina. Por isso, a histamina tende a se difundir para bem longe de sua sinapse, como faz.a dopamina no cértex pré-frontal. Produgao de histamina Transportador eunars \ - \B Se wv i GB HA (histamine) Figura 11.6 Produgao de histamina, A histidina (HIS), precursora da histamina, & captada pelos terminais nervosos histaminérgicos por um transportador de histidina e convertida em histamina pela enzima histidina carboxilase (HDC). Uma vez sintetizada, a histamina € acondicionada em vesiculas sinapticas e armazenada até sua liberagao da sinapse durante a neurotransmissao. Término da ago da histamina N-MIAA inatvo) \ WE aig N-meti- «ate Me Figura 11.7 Término da agao da histamina. A histamina pode ser decomposta intracelularmente por duas enzimas. A histamina N-metitransferase (histamina NMT) transforma a histamina em N-metithistamina que, em seguida, 6 convertida ela monoamina oxidase B (MAO-B) em uma substancia inativa, 0 écido N-meti-indolacético (N-MIAA), Receptores de histamina Neuronio histamingigico Neuronio ‘glutametérgico Autorraceptor Silla cliaminico Receptor Receptor Pe a =e Receptor (citio maduladen\, 1 bs NMDA _alostérico) Figura 11.8 Receptores de histamina. Sdo mostrados aqui os receptores de histamina que regulam sua neurotransmissdo. Os receptores de histamina 1 © 2 so pés-sindpticos, enquanto os receptores de histamina 3 sao autorreceptores pré-singpticos. Hé também um sitio de ligaco para a histamina nos receptores NMDA — que pode atuar como sitio poliaminico, um sitio modulador alostérico, Existem diversos receptores de histamina (Figuras 11.8 a 11.11). O mais conhecido é 0 receptor de histamina 1 (H,) pés-sindptico (Figura 11.9A), visto que constitui 0 alvo dos “anti-histaminicos” (i. e., agonistas de H,) (Figura 11.9B). Quando a prépria histamina atua nos receptores H,, ela ativa um sistema de segundos mensageiros ligados 4s proteinas G, que acionam o fosfatidilinositol e 0 fator de transcrigio cFOS, resultando em vigilia, estado de alerta normal e agdes pré-cognitivas (Figura 11.9A). Quando esses receptores H, so bloqueados no eérebro, eles interferem nas agdes de histamina promotoras de vigilia e, portanto, podem causar sedagdo, sonoléncia ou sono (Figura 11.9B). Existem também no cérebro receptores de histamina 2 (H,), mais conhecidos por suas agdes sobre a secrecdo de Acido gastrico e por serem alvos de diversos férmacos antitilcera (Figura 11.10). Esses receptores pés-sindpticos também ativam um sistema de segundos mensageiros ligados as proteinas G, com cAMP, fosfoquinase A e 0 produto génico CREB. A fungio dos receptores H, no cérebro ainda esta sendo esclarecida, mas aparentemente nao est relacionada de modo direto com a vigilia. HA um terceiro receptor de histamina no cérebro, o H; (Figuras 11.8 e 11.11). Os receptores H; so pré-sindpticos (Figura 11.11A) ¢ atuam como autorreceptores (Figura 11.11B). Isto é, quando a histamina liga-se a esses receptores, ela inibe sua prOpria liberagao subsequente (Figura 11.11B). Uma nova abordagem com novos firmacos promotores da vigilia e pré-cognitivos consiste em bloquear esses receptores, facilitando, assim, a liberagao de histamina e possibilitando que ela atue nos receptores H,, de modo a produzir os efeitos desejados (Figura 11.11C). Varios antagonistas de H, estiio em fase de desenvolvimento clinico. Neurénio | | Neutério histaminergico ‘histaminérgico ! HN at BRA Receptor ~ © ig Acordado: Adormecido: A Pré-cognitivo B Aleta Figura 11.9 Receptores de histamina 1, A. Quando a histamina se liga aos receptores de histamina 1 pés-sinapticos, ela ativa um sistema de segundos mensageiros ligados as proteinas G que aciona o fosfatidilinositol e o fator de transcrigao CFOS. Isso resulta em estado de vigtia e de alerta normal. B. Os antagonistas de histamina 1 impedem a ativagéo do segundo mensageiro e, portanto, induzem sono. Neurénio histaminérgico Outras acdes no SNC Figura 11.10 Receptores de histamina 2. Os receptores de histamina 2 esto tanto no corpo quanto no cérebro. Quando se liga aos receptores de histamina 2 pés-sinapticos, a histamina ativa um sistema de segundos mensageiros ligados as proteinas G, com cAMP e fosfoquinase A, além do produto génico CREB. A fungao dos receptores de histamina 2 no cérebro ainda néo foi elucidada, mas parece estar diretamente ligada ao estado de viglia. Existe um quarto tipo de receptor de histamina, H,, que, pelo que se sabe, nao ocorre no cérebro. Por fim, a histamina também atua nos receptores NMDA (N-metil-p-aspartato) (Figura 11.8). E interessante observar que, quando se difunde para fora de sua sinapse até uma sinapse glutamatérgica contendo receptores NMDA, a histamina pode atuar em um sitio modulador alostérico, denominado sitio poliaminico, alterando as ages do glutamato nos receptores NMDA (Figura 11.8). O papel da histamina e a fungiio dessa ago nao esto bem esclarecidos. Todos os neurénios histaminérgicos surgem de uma pequena drea do hipotdlamo conhecida como niicleo tuberomamilar (NTM), que faz parte do interruptor de sono/vigilia ilustrado na Figura 11.4. Desse modo, a histamina desempenha um importante papel na ativagio, no estado de vigilia e no sono. O NTM é um pequeno nucleo bilateral que oferece estimulagao histaminérgica para a maior parte das regides cerebrais ¢ para a medula espinal (Figura 11.12). Neurénio histamindtgico| Autorteceptor A ligagéia de H, pela HA ine FR ertagonista sua propria FRB i ceoribea Ieragao lseragae de HA B c Figura 11.11 Receptores de histamina 3. Os receptores de histamina 3 so autorreceptores pré-sinapticos (A), o que significa que, quando a histamina se liga a esses receptores, ela desativa sua liberagao adicional (B). Os antagonistas desses receptores, que estdo em fase de desenvolvimento, desinibem a liberagao de histamina (C) e podem intensificar 0 estado de alerta e a cognigéo. Projecées histaminérgicas que partem do hipotélamo © cento histaminéraico lacaliza-se no hipetalamo (NTH, nicleo tuberomaril), ‘que froduz impulsos para.a maiaria das regdes oarebrais @ para a medula espinal Figura 11.12 Projegées histaminérgicas do hipotalamo. No cérebro, a histamina (HA) & produzida exclusivamente pelas células do niicleo tuberomamilar (NTM) do hipotdlamo (Hi). Apartir do NTM, os neurénios histaminérgicos projetam-se para varias regides do cérebro, como o cértex pré-frontal (CPF), a parte basal do prosencéfalo (BP), 0 estriado (E) e 0 nucleus accumbens (NAc), a amigdala (A) ¢ 0 hipocampo (H), 08 centros neurotransmissores (NT) do tronco encefélico e a medula espinal (ME) Insénia e hipnoticos O que éinsénia? A insénia tem muitas causas, como os transtornos do sono e os psiquidtricos. Ela também pode contribuir para o inicio, a exacerbagao ou a recaida de muitos transtornos psiquidtricos e est ligada a varias disfungdes em muitas doengas médicas. A insénia primaria pode ser uma condigao com excesso de ativagdo tanto a noite quanto durante o dia. Assim, pode ser um tipo de insénia em que 0 paciente no fica sonolento durante o dia, apesar de ter dormido mal A noite. A insOnia primaria também pode evoluir para um primeiro episddio depressivo maior. Assim, a ins6nia é um sintoma ou transtorno? A resposta parece ser: s dois.” Tratamento crénico da ins6nia crénica? Recentemente, houve uma importante reconceituagdo da insdnia entre os especialistas, com um consenso recém-formado de que a insGnia pode ser crénica e necessitar de tratamento continuo. Isso se afasta da posig¢do defendida antigamente por muitos especialistas em sono — de que a insOnia era tratada atacando-se sua causa subjacente, ndo administrando um tratamento continuo com hipnéticos e “mascarando” os sintomas. As orientagdes antigas que recomendavam 0 uso de hipnéticos para a insénia por um curto perfodo de tempo eram decorrentes de preocupagdes com a seguranga com relagdo aos hipnoticos, identificadas inicialmente durante a era dos barbitiricos e, em seguida, a dos benzodiazepinicos. Outros problemas associados ao uso prolongado de hipndticos sao relacionados com 0 uso de firmacos cujas meias-vidas néio sejam ideais para uso como hipnéticos (Figura 11.13A, B e C). Isto é, muitos agentes usados como hipnéticos tm meias-vidas demasiado longas (Figura 11.13A e B). Isso pode levar ao actimulo do férmaco ¢ a fraturas de quadril em consequéncia de quedas, particularmente no individuo idoso, quando esses agentes so usados todas as noites (Figura 11.13A). A meia-vida longa também pode causar efeitos residuais no dia seguinte, bem como sedagao e problemas de meméria decorrentes dos niveis residuais do farmaco durante o dia (Figura 11.13A e B). Outros agentes usados como hipnéticos apresentam meias-vidas demasiado curtas. Por isso, seus efeitos podem desaparecer antes da hora de acordar, resultando em sono insuficiente e despertares noturnos, bem como sono inquieto e perturbado em alguns pacientes (Figura 11.13C). Todavia, mais recentemente, os hipnéticos administrados com mais frequéncia para uso crénico sao aqueles com meia-vida otimizada visando a um rapido inicio de agdo, com niveis plasmaticos do farmaco acima da concentracéo efetiva minima, porém somente até a hora de despertar (Figura 11.13D). Talvez nenhuma rea terapéutica da psicofarmacologia dependa tanto dos niveis plasmaticos do farmaco e de sua farmacocinética quanto o uso de hipnéticos. Esse fato pode estar relacionado com a natureza do sistema de ativagao ¢ do interruptor de sono/vigilia, que exigem ago farmacolégica em grau suficiente para alcangar o ponto de mudanga fundamental para ajustar o interruptor na posigao “desligada”, a fim de ocorrer o sono, porém apenas a noite. Outras razBes para as restrig6es feitas no passado sobre os hipnéticos benzodiazepinicos (F 11.14) para que seu uso fosse a curto prazo estavam relacionadas com seus efeitos a longo prazo, como perda da eficdcia com o passar do tempo (tolerancia) ¢ efeitos de abstinéncia, como insénia de rebote em alguns pacientes — pior do que a insdnia original (Figura 11.15A). Pesquisas recentes mostraram que alguns hipnéticos nao benzodiazepinicos podem nao apresentar este problema (Figura 11.15B). Esses hipnéticos so os moduladores alostéricos positivos (PAM) de GABA,, também designados “farmacos Z” (porque todos comegam com a letra Z: zaleplona, zolpidem, zopiclona) (Figura 11.16). Talvez os melhores estudos a longo prazo tenham sido realizados com a eszopiclona, que demonstra pouca ou nenhuma tolerdncia, dependéncia ou abstinéncia com seu uso durante muitos meses (Figura 11.15B). Provavelmente, este também é 0 caso para a utilizagdo prolongada do zolpidem, do zolpidem CR e do agente melatoninérgico, o ramelteon, bem como do uso indicagaéo na bula” do antidepressivo sedativo trazodona. Vale lembrar que nenhum deles tem quaisquer restrigées quanto ao uso continuo. Por esses motivos, j4 se reconhece hoje em dia que a ins6nia crénica pode necessitar de tratamento crénico com determinados hipnoticos. ‘sem Hipndticos benzodiazepinicos Existem, pelo menos, cinco benzodiazepinicos aprovados especificamente para a ins6nia nos EUA (Figura 11.14), embora se disponha de varios outros em diferentes paises. Diversos benzodiazepinicos desenvolvidos para o tratamento dos transtornos de ansiedade também so usados com frequéncia para a ins6nia. Os ansioliticos benzodiazepinicos so discutidos no Capitulo 9, e seu mecanismo de ago esté ilustrado na Figura 9.23. Como os benzodiazepinicos néo apresentam meias- vidas ideais para muitos pacientes (Figu s 11.13A, B e C) e podem causar problemas com 0 uso prolongado (Figura 11.15A), so geralmente considerados agentes de segunda linha para uso como hipnoticos. Todavia, quando os firmacos de primeira linha nao funcionam, os benzodiazepinicos ainda participam do tratamento da insénia, principalmente da insOnia associada a varios transtornos psiquidtricos e doengas médicas. Hipnéticos de mela-vida ultralonga resultam em acumulo do férmaco (toxicidade) Noite Dia 44 Toxicidade Concentragéo do férmaco J Concentracao é minima ofetiva 1 a 0 4 48 72 96 120 14d Horas (tomada & note) Meia-vida: 24 a 150h Exemplos:flurazepam A quazepam Os efeltos dos hipnéticos de mela-vida moderadamente longa nao se dissipam até depols da hora de despertar (tessaca) Concentragao Ressaca, niveis elevados dotammaco | 3~ apésa hora de despertar / Concentragao x minima efetiva a 0 24 4 72 96 120 144 Horas (tomada & noite) Meia-vida: 15 20h Exemplos: estazolam temazepam amaiotia dos ACT mirtazapina B olanzapina Os efeltos dos hipnoticos de mela-vida ultracurta se dissipam antes da hora de despertar (perda de manutengao do sono) Concentracio Perda de manutengéio do famaco 3 do sono, baixos nives antes da hora de desperter Concentragio minima efetiva 0 2 48 72 (08120144 Horas (fomada 4 noite) Meia-vida:1 2 3h Exemples:triazclam zaleplona Zolpidem melatonina c ramelteon Duragao de agao otimizada Manutengao do sono Concentragao do Farmaco Auséncia de ressaca Concentiagae minima efetiva i 0 24 4 72 98 120 144 Horas (tomada a noite) Meia-vida/duragao de agao: 6 h Exemplos: eszopiciona trazodona em dose baixa? dexepina em dose baixa? quatiapina (Seroquel) em dose baiva? D difenidramina (Benadri’) em dose baixa? Figura 11.13 Meia-vida dos hipnéticos. A meia-vida dos hipnéticos pode ter importante impacto sobre seus perfis de tolerabilidade e de eficécia. A. Os hipnéticos com meia-vida uttralonga (mais de 24 h, por exemplo, o flurazepam e 0 quazepam) podem estar associados a actimulo do farmaco com o uso continuo. Isso pode resultar em prejuizos, como 0 aumento do risco de quedas, particularmente em idosos. B. Os hipnéticos com meia-vida moderada (15 a 30 h; por exemplo, estazolam, temazepam, a maioria dos antidepressivos triciclicos, mirtazapina, olanzapina) podem nao ter o efeito dissipado até depois da hora em que o individuo precisa acordar e, portanto, talvez causem “ressaca’ (seda¢do, problemas de meméria). C. Os hipnéticos com meia-vida ultracurta (1 a 3 h: triazolam, zaleplona, zolpidem, melatonina, ramelteon) podem ter o efeito dissipado antes da hora em que o individuo precisa acordar e, portanto, causam perda da manutengdo do sono D. Os hipnéticos com meia-vida curta, mas néo ultracurta (aproximadamente 6 h: zolpidem CR e, talvez, doses baixas de trazodona ou doxepina) podem proporcionar inicio répido de ago e niveis plasmaticos acima da concentragao efetiva minima apenas durante o tempo normal de uma noite de sono. Hipnéticos benzodiazepinicos oS Poe el « oe x oO OB Flurazepam Quazepam gj Nios on oo Triazolam oS ot al « oo XS oo Estazolam Termazepam Figura 11.14 Hipnéticos benzodiazepinicos. S40 mostrados aqui cinco benzodiazepinicos aprovados para a insénia nos EUA Trata-se do flurazepam e do quazepam, que apresentam meia-vida ultralonga; do triazolam, que tem meia-vida ultracurta; e 0 estazolam e 0 temazepam, com meia-vida moderada, Efeltes a longo prazo dos hipnoticos benzodiazepinicos ] Agées hipndticas efetivas Tolaréncia Recuperagao XC da insénia Fungéo -—_+—_»——__+“4 de GABA, | \\atstninda / eterno dainsénia 7 pee Insoria Me wy Normal Twaglaon, benzodazepincos \ A Tempo Efaltos a longo prazo dos PAM de GABA, (‘férmacos 2") Acoas hipnoticas efebvas da insénia Poe Fungéo rp de GABA, ~_, Retomo da insonia Normal | Recuperagio Tera cnr ‘amacce Z B Tempo Figura 11.15 Efeitos a longo prazo dos hipnéticos, A. A curto prazo, os benzodiazepinicos podem ser eficazes no tratamento da insénia. Entretanto, com seu uso a longo prazo, os benzodiazepinicos podem causar toleréncia e, quando suspensos, efeitos de abstinéncia, como insénia de rebote, B. Os moduladores alostéricos positives (PAM) nos receptores. de GABA, so eficazes para a ins6nia a curto prazo e, a longo prazo, ndo parecem causar tolerancia, nem abstinéncia Moduladores alostéricos positivos (PAM) de GABA, como hipndticos Esses hipnéticos atuam nos receptores de GABA,, potencializando a ago do GABA por meio de sua ligagdo a um sitio diferente daquele ao qual o proprio GABA se liga ao receptor. Os benzodiazepinicos sao classificados como PAM de GABA, (discutidos no Capitulo 9 e ilustrado na Figura 9.23). Os hipnéticos barbitiricos constituem outro tipo de PAM do GABA,. Entretanto, nem todos os PAM de GABA, sao iguais, visto que existem diferengas importantes nas maneiras pelas quais os varios fairmacos se ligam ao receptor de GABA,, afetando tanto a seguranga quanto a eficacia de varias classes dos PAM de GABA. Isto é, os PAM de GABA,, zaleplona, zolpidem e zopiclona (Figura 11.16), parecem ligar-se ao receptor de GABA, de modo a nao provocar alto grau de tolerancia a suas agGes terapéuticas, dependéncia ou abstinéncia com a interrupgao do tratamento prolongado. Em contrapartida, os benzodiazepinicos (Figura 11.14) ligam-se de modo a modificar a conformagao do receptor de GABAg. Dessa maneira, em geral, ocorre tolerancia, bem como algum grau de dependéncia e abstinéncia, particularmente em alguns pacientes ¢ com alguns benzodiazepinicos. Além disso, no caso de certos firmacos Z, observa-se especificidade para o subtipo a de receptor de GABA, (Figura 11.16). Os subtipos de receptores de GABA, so apresentados no Capitulo 9 ¢ ilustrados na Figura 9.21. Existem seis subtipos diferentes de subunidades a para os receptores de GABA,, ¢ os benzodiazepinicos ligam-se a quatro deles (a, a, ds € as) (Figura 11.14), assim como a zopiclona e a eszopiclona (Figura 11.16). O subtipo a, € reconhecidamente importante para a produgdo de sedagao e, portanto, serve de alvo para todos os hipnéticos PAM de GABA, efetivos. subtipo a, também estd ligado A sedagao diurna, a agdes anticonvulsivantes e, possivelmente, a amnésia. Acredita-se que as adaptagdes desse receptor aos tratamentos hipnoticos crénicos dirigidos para ele levem ao desenvolvimento de tolerancia e abstinéncia. Os subtipos de receptores a ¢ a; estio associados a agdes ansioliticas, relaxantes musculares ¢ potencializadoras do Alcool. Por fim, 0 subtipo as, principalmente no hipocampo, pode estar relacionado com cognigiio ¢ outras fungées. A zaleplona ¢ © zolpidem sao seletivos para a, (Figura 11.16). A importaneia funcional da seletividade ainda nao esté comprovada, mas talvez contribua para 0 menor risco de tolerancia e dependéncia desses agentes. PAM de GABA, - “Farmacos Z” R.S-zopiclona Eszopislona (SilInox) oe Zaleplona Zolpidem Zolpidem CR Figura 11.16 Moduladores alostéricos positivos (PAM) de GABA,, Sao mostrados aqui varios PAM de GABA, ou “farmacos Z". Trata-se da zopiclona racémica (nao disponivel nos EUA), da eszopiclona, da zaleplona, do zolpidem e do zolpidem CR. Azaleplona, 0 zolpidem e 0 zolpidem CR sao seletivos para os receptores de GABA, que contém a subuni dade a; todavia, a zopiclona e a eszopiclona ndo parecem ter essa mesma seletividade. Dispde-se de modificages de dois dos firmacos Z, zolpidem e zopiclona, para uso clinic, No caso do zolpidem, hd uma formulagao de liberacdo controlada, conhecida como CR (Figura 11.16), que amplia a duragiio de ago do zolpidem de liberagiio imediata de cerca de 2.a 4h (Figura 11.13B) para uma duragdo mais apropriada de 6 a 8 h, melhorando a manutengéio do sono (Figura 11.13D). Uma formulagao alternativa do zolpidem sublingual, de inicio mais répido, utilizada em uma fragao da dose noturna habitual, esta disponivel para administrago no meio da noite a pacientes que apresentem insénia nessa fase do sono, No caso da zopiclona, uma mistura racémica de zopiclona R e S, foi introduzido seu enantiémero S, a eszopiclona (Figura 11.16). As diferengas clinicamente significativas entre o enantiémero ativo e a mistura racémica sao controvertidas. Insénia psiquiatrica e PAM de GABA, Em muitos aspectos, a introdugao dos firmacos Z contribuiu para uma revisdo do tratamento da insénia crénica. Isto é, a duragéo de agdo farmacocinética otimizada (Figura 11.13D), associada a estudos que estabeleceram sua seguranga durante 0 uso a longo prazo, sem incidéncia elevada de tolerancia ou de dependéncia (Figura 11.15B), abriu caminho para o tratamento continuo da insénia crénica. Entretanto, a maioria dos estudos sobre hipnoticos esta focada na ins6nia primaria, ¢ ndo na ins6nia associada a transtornos psiquidtricos. Assim, ha menos orientagdes claras sobre como usar os hipndticos no tratamento da insénia em transtornos como depressao, transtorno de ansiedade, transtorno bipolar ete. Atualmente, os pesquisadores estio comegando a considerar a utilizagéio adequada, contemplando © uso prolongado de hipn6ticos em diversos transtornos psiquidtricos. Por exemplo, estudos recentes mostraram que os hipnéticos podem aumentar as taxas de remissao tanto de pacientes com depresséo maior que apresentam insénia quanto de individuos com transtorno de ansiedade generalizada (TAG) que também tém ins6nia (Figura 11.17). Nao apenas os sintomas de insénia melhoram, conforme esperado quando pacientes com TAG ou com depresséio maior sao tratados por eszopiclona acrescentada a um ISRS (p. ex., fluoxetina ou escitalopram), mas 0 mesmo ocorre com os outros sintomas de TAG ou de depressio, levando a taxas mais altas de remissio (Figura 11.17). Ainda nao se sabe se isso se aplica a todos os farmacos Z ou, na verdade, a qualquer hipnético com qualquer mecanismo que seja eficaz para melhorar a insénia quando acrescentado a qualquer antidepressivo nesses transtornos. Tampouco se sabe se o tratamento da ins6nia também ira ajudar a prevenir futuros episédios de depressdo ou de TAG. Todavia, tendo em vista que a insénia é, talvez, o sintoma residual mais frequente apés o tratamento da depressdo com antidepressivo (discutido no Capitulo 7 e ilustrado na Figura 7.5), é plausivel utilizar hipndticos como agentes potencializadores dos tratamentos de primeira linha para a depresso ou os sintomas de ansiedade e, se necessario, fazer uso continuo de hipnoticos para eliminar os sintomas da ins6nia nesses transtornos. & Depresséio com ISRS isoladamente insénia/TAG com insénia {SAS +4famacosZ 33%de Zf 42% de remissao —_remissa0 = Bg Figura 11.17 Tratamento da insénia psiquia trica. Ainsonia é um sintoma residual comum nos transtornos psiquidtricos, como depressdo e transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Achados recentes sugerem que as taxas de remissao possam ser maiores na depresséo ou TAG com insénia quando se acrescenta um hipnético ao tratamento com antidepressivo de primeira linha. Tal efeito atribui do ao antidepressivo melhoraria ndo apenas a insénia como também outros sintomas. Tratamento Hipnoticos melatoninérgicos A melatonina € 0 neurotransmissor secretado pela glandula pineal, que atua principalmente no nucleo supraquiasmatico (NSQ) para regular os ritmos circadianos (discutidos no Capitulo 7 e ilustrados nas Figuras 7.42A a 7.42D). As Figuras 7.42A e 7.42B mostram os efeitos da luz e do escuro, respectivamente, sobre a melatonina. A agomelatina, um antidepressivo melatoninérgico (Figuras 7.41, 7.42D, 11.18), desloca os ritmos circadianos em individuos deprimidos com atraso de fase (Figura 7.42C). A prépria melatonina ¢ os agonistas seletivos do receptor de melatonina, como o ramelteon ou o tasimelteon (Figura 11.18), apresentam agdes semelhantes sobre o deslocamento dos ritmos circadianos em individuos sem depressdo, mas que tenham atraso de fase (varios adolescentes normais) ou avango de fase (muitos idosos normais) ou naqueles que sofram dessincronose (jet lag), devido a mudangas dos ritmos circadianos induzidas por viagens. Sabe-se, também, que a melatonina e os agonistas seletivos dos receptores de melatonina (Figura 11.18) sio hipnéticos efetivos em iniciar 0 sono. A melatonina est disponivel para venda livre nos EUA, em doses nem sempre confidveis. Fora dos EUA, dispde-se de melatonina comercial em formulagio de liberagao controlada. A melatonina atua em trés locais diferentes, nao apenas nos receptores de melatonina 1 (MT,) & de melatonina 2 (MT,), mas também em um terceiro local, denominado sitio de melatonina 3, que hoje se sabe ser ae ima NRH:quinona oxidorredutase 2, que provavelmente no esté envolvida na fisiologia do sono (Figura 11.18). A inibigao de neurénios no NSQ mediada pelo MT; pode ajudar a promover 0 sono ao diminuir as ages promotoras de vigilia do “relogio” ou do “marca-passo” circadiano que fimciona nesse local, talvez. ao atenuar os sinais de alerta do NSQ. Isso possibilita 0 predominio dos sinais de sono, induzindo-o. Acredita-se que a mudanga de fase e os efeitos do ritmo circadiano sobre 0 ciclo normal de sono/vigilia sejam, principalmente, mediados pelos receptores MT2, que transmitem esses sinais a0 NSQ. Agentes melatoninérgicos Figura 11.18 Agentes melatoninérgicos. A melatonina endégena é secretada pela glandula pineal e atua, principalmente, no niicleo supraquiasmatico, regulando os ritmos circadianos. Existem trés tipos de receptores para a melatonina: os receptores de melatonina 1 ¢ 2 (MT; € MT), ambos envolvides no sono, e o receptor de melatonina 3, o qual, na verdade, & a enzima NRH:quinina oxirredutase 2, que se acredita nao estar envolvida na fisiologia do sono. Dispde-se de varios farmacos diferentes que atuam nos receptores de melatonina, conforme mostrado aqui. A propria melatonina, disponivel para venda livre, atua nos receptores MT; e MT2, bem como no sitio de melatonina 3. Tanto o ramelteon quanto o tasimelteon so agonistas dos receptores MT; e MT e parecem proporcionar 0 inicio do sono, mas nao necessariamente sua manutengao. A agomelatina nao apenas é agonista dos receptores MT; e MT, mas também antagonista dos receptores de SHT2c © SHT 2g, € esté disponivel na Europa como antidepressivo, O ramelteon € um agonista MT\/MT, comercializado para a insénia e o tasimelteon, outro agonista MT\/MT,, esté em fase de testes clinicos (Figura 11.18). Esses agentes aumentam a qualidade do inicio de sono e, as vezes, sio melhores quando usados seguidamente por varios dias. Nao se sabe se eles ajudam na manutengdo do sono, porém induzem um sono natural nos individuos que softem, principalmente, de ins6nia inicial. Hipndticos serotoninérgicos Um dos hipnoticos mais populares entre os psicofarmacologistas é o antidepressivo trazodona. Esse antidepressivo sedativo, com meia-vida de apenas cerca de 6 a 8 h, foi reconhecido, ha muito tempo, pelos médicos como hipnotico altamente efetive quando administrado em dose inferior aquela usada como antidepressivo, com administragiio apenas 1 vez/dia, a noite (ver discussaio no Capitulo 7 7.47 a 7.50). De fato, embora a trazodona nunca tenha sido aprovada oficialmente como hipnotico, nem comercializada como hipnético, ela, entretanto, responde por até metade de todas as prescrigdes de hipnéticos. Como a trazodona funciona? O mecanismo da trazodona como antidepressivo € discutido ilustrado (Figuras 7.47 a 7.50) no Capitulo 7. 5 evidente que, para agir como antidepressivo, a dose de trazodona precisa ser alta o suficiente para recrutar ndo apenas suas propriedades antagonistas de SHT,, mais potentes, como também suas propriedades de bloqueio da recaptagao de serotonina (Figuras 7.48 e 7.49). Nessas doses, a trazodona pode ser muito sedativa, visto que suas propriedades anti-histaminicas H, e de antagonismo a também sao recrutadas. As contribuiges do antagonismo H, ¢ do antagonismo a,-adrenérgico para a sedagdo sao discutidas no Capitulo 5 e esto ilustradas na Figura 5.38. Por tentativa e erro, sendo de modo incidental, os médicos descobriram que a meia-vida da trazodona representa, na verdade, uma vantagem quando administrada como hipnético (Figura 7.50). Isso porque seus efeitos sedativos diurnos, que so t&o evidentes quando o firmaco é administrado em altas doses, 2 vezes/dia, para a depressio, podem ser bastante reduzidos pela administragao desse farmaco de meia-vida curta apenas a noite ¢ em dose reduzida (Figura 7.48). Todavia, com esse esquema, a trazodona perde suas propriedades de bloqueio da recaptag&o de serotonina e, consequentemente, suas aces antidepressivas, porém conserva as ages bloqueadoras a), bem como as acoes antagonistas de H, ¢ antagonistas de SHT,, (Figura 7.48). Antagonistas de histamina H, como hipndticos Sabe-se que os anti-histaminicos sio sedativos. Os anti-histaminicos so populares como soniferos de venda livre (particularmente os que contém difenidramina ou doxilamina) (Figura 11.19). Como os anti-histaminicos vém sendo largamente usados hé muitos anos, existe o conceito erréneo comum de que as propriedades dos agentes classicos, como a difenidramina, aplicam-se a qualquer farmaco com propriedades anti-histaminicas. Isso inclui a ideia de que todos os anti-histaminicos apresentam efeitos colaterais “anticolinérgicos”, como visio turva, constipagao intestinal, problemas de meméria e boca seca; de que eles provocam ressaca no dia seguinte quando usados como hipnéticos & noite; de que o individuo desenvolve tolerancia as suas agdes; e de que eles causam ganho de peso. Atualmente, parece que essas ideias acerca dos anti-histaminicos devem-se ao fato de que a maioria dos agentes com propriedades anti-histaminicas potentes, desde a difenidramina até os antidepressivos triciclicos (discutidos no Capitulo 7 — ver as Figuras 7.62 a 7.70), a mirtazapina (também discutida no Capitulo 7 — ver Figura 7.45), a quetiapina (discutida no Capitulo 5 como “Bebé Urso” — ver Figuras 5.47 a 5.50) e muitos outros ndo so, em grande parte, seletivos para os receptores H, em doses terapéuticas normais. Além disso, muitas das propriedades indesejaveis que costumam ser associadas aos anti-histaminicos devem-se, provavelmente, a agées em outros receptores, ¢ néo ao antagonismo de H, em si, Em particular, a difenidramina e muitos dos férmacos clasificados como anti-histaminicos também sao antagonistas potentes dos receptores muscarinicos (Figura 11,19), de modo que, em geral, nao é possivel separar as agdes anti-histaminicas desses agentes de suas ages antimuscarinicas na pratica clinica, O mesmo é valido para a maioria dos antidepressivos triciclicos, que apresentam propriedades antimuscarinicas e bloqueadoras o,- adrenérgicas, além de suas propriedades anti-histaminicas (Figuras 7.62, 7.68 e 7.69). Qual é o mecanismo da difenidramina como hipnotico? Figura 11.19 Difenidramina. A difenidramina é um antagonista dos receptores de histamina 1 e comumente usada como hipnético. Todavia, esse farmaco nao é seletivo para os receptores de histamina 1 e, portanto, também exerce efeitos adicionais, Além disso, a difenidramina é um antagonista dos receptores histaminicos 1 e, portanto, pode exercer efeitos anticolinérgicos (vis4o turva, constipago intestinal, problemas de meméria e boca seca). Alguns achados interessantes esto comegando a emergir das pesquisas clinicas dos antagonistas seletivos de H como hipnéticos. O protétipo dessa abordagem consiste em doses muito baixas do antidepressivo triciclico doxepina. Devido a afinidade muito alta da doxepina pelo receptor H,, & possivel transforma-la em agonista seletivo de H, simplesmente reduzindo-se sua dose (Figura 11.20). Esse firmaco € tdo seletivo em doses baixas que esta sendo até mesmo usado como ligante na PET para marcar seletivamente os receptores H, do SNC. Em doses equivalentes a uma pequena fragdo daquelas necessdrias para suas agdes antidepressivas, a doxepina pode ocupar uma quantidade substancial de receptores H, no SNC (p. ex., 1 a 6 mg de doxepina como hipnético, em comparagéio com 150 a 300 mg de doxepina como antidepressivo) (Figura 11.20). Além disso, a doxepina, na realidade, é uma mistura de duas formas quimicas, uma das quais (¢ seus metabélitos ativos) tem meia-vida mais curta (8 a 15 h) do que a outra, que apresenta a meia-vida longa

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