Você está na página 1de 15

Gravuras Rupestres de Trebilhadouro

Registo do Painel A

Câmara Municipal de Vale de Cambra


DCDT – Sector Património e Museus

Alexandre Rodrigues

16/12/2010 – Versão 1.0

1/15
Índice de conteúdos
1. Introdução...............................................................................................................................................3
2. Contextos...............................................................................................................................................3
2.1. Contexto geográfico.............................................................................................................................3
2.2. Contexto Arqueológico.........................................................................................................................4
4. As Gravuras de Trebilhadouro...............................................................................................................7
5. Considerações Finais...........................................................................................................................11
5.1. Proposta de trabalhos futuros............................................................................................................11
5.1.2. Meios humanos..............................................................................................................................................11
5.1.3. Técnica de Registo........................................................................................................................................12
5.2. Medidas de Protecção e Minimização de Impactes............................................................................13
6. Bibliografia............................................................................................................................................14

Índice de ilustrações
Ilustração 1: Localização do conjunto de gravuras.........................................................................................4
Ilustração 2: Gravuras que compõem o Painel A.............................................................................................9
Ilustração 3: Outra visualização do Painel A..................................................................................................9
Ilustração 4: Representação esquemática do Painel A...................................................................................10
Ilustração 5: Proposta de criação de um Perímetro de Protecção Arqueológica...........................................14

2/15
1. Introdução
Para a interpretação das manifestações de arte rupestre temos que recorrer às tradições
antropológicas das sociedades cuja memória ainda existe, verificando-se um denominador comum:
o misticismo que incorporam e as crenças que em torno desse mito se formam, estabelecendo uma
relação temporal entre o Passado e o Presente (Sanches, M.J., 2003:85-86).
Essa relação temporal, que se faz pela via narrativa e na passagem da tradição oral às gerações
subsequentes, não ficou estática e sofreu as naturais transformações dos tempo. Olhemos por
exemplo o exemplo do Outeiro dos Riscos cuja tradição actual é de matriz marcadamente católica
romana, exorcista da acção infiel normalmente atribuída aos "mouros" (Rodrigues, A., 2008).
Certamente, estando esse conjunto datado no largo período do Bronze Final à Idade do Ferro, que
os autores de tais gravações não considerassem todo o misticismo e crenças católico-romanas. No
entanto o sítio não perdeu o seu significado místico mas manteve-o adaptado à sua tradição original.
Podemos aperceber-nos que apesar das transformações na narrativa, existe um diluir gradual do
tempo no seu conteúdo. A atribuição aos “mouros”, o povo infiel e invasor da Península Ibérica da
Alta Idade Média, é a demonstração disso, trazendo-nos esse tempo para o presente através do
carácter unificador e limitador da tradição histórica.
A volatilidade a que a narrativa está sujeita leva-nos a crer que neste imenso intervalo de tempo,
desde o passado longínquo até ao presente, os sítios possam “ter tido diversas interpretações, isto é,
(...)” podem “(...) até ter contido, em simultâneo diversas mensagens, dependendo do auditório e do
tempo (em termos do calendário tradicional) em que seria “lida”” (Sanches, M.J., 2003:87).
Assim sendo, a interpretação para este tipo de sítio afigura-se-nos extremamente difícil, uma vez
que as pistas que hoje nos restam resultam de recolhas antropológicas ou de relatos de exploradores
dos séculos XIX e XX, fornecendo-nos unicamente enquadramentos possíveis. Tanto mais que,
com o surgimento das sociedades industrializadas, a relação das comunidades com o seu território
alterou-se significativamente, perdendo-se grande parte das crenças que falamos atrás.
Assim procuramos chegar ao local, em Trebilhadouro, após informações recebidas acerca da
existência de um novo conjunto de gravuras rupestres, de tipologia semelhante às do Outeiro dos
Riscos, parecendo-nos oportuno o seu inventário mais rigoroso procurado compreender, dentro do
possível, essas representações e tentando ligá-las ao meio envolvente assim como à arqueologia das
imediações.

2. Contextos

2.1. Contexto geográfico


As gravuras aqui tratadas estão próximas da aldeia de Trebilhadouro, freguesia de Rôge, deste
concelho. A pé o seu acesso faz-se pelo caminho que, da entrada da aldeia, contorna o monte por
detrás desta. Inicialmente a subir, por alturas da Mamoa de Trebilhadouro fica plano. Chegados a
um troço do caminho que se abre em dois, escolhemos o lado direito para, imediatamente a seguir,
cortarmos novamente à direita por um caminho rectilíneo. No seu final, viramos novamente à
direita, descendo, e logo a seguir, junto a um marco em cimento que se encontra à direita, entramos

3/15
no terreno à esquerda. As rochas que daí se vêm correspondem ao painel gravado.
A morfologia da extensão da serra da Freita onde se localizam as gravuras revela cumes
sucessivos que, despidos de vegetação, são compostos por grandes penedias graníticas que se
elevam entre espaços aplanados de diversas dimensões, cujas altitudes variam entre os 600 e os
cerca dos 800 m. Na cartografia militar identificam-se algumas dessas elevações que, em caso de
referência geográfica, importa revelar. A principal é conhecida como “Serra de Trebilhadouro”,
cujo ponto mais elevado se cota nos 798 m e se situa a Oeste do núcleo gravado. A Norte/Este,
encontramos a “Lomba Gorda” com os seus 759 m de altitude, seguindo-se o “Vale da Serra” que
corresponde ao escarpado abrupto existe na encosta Sul da Lomba Gorda.
Hidrologicamente, aspecto aqui directamente associado à arte rupestre, as gravuras encontram-se
na margem esquerda (de montante para jusante) de um ribeiro afluente da ribeira de Fuste que
abastece o rio Caima por alturas de Sandiães e assim se integra na grande bacia hidrográfica do
Vouga.

Ilustração 1: Localização do conjunto de gravuras.

2.2. Contexto Arqueológico


A arte rupestre, até ao momento identificada no concelho de Vale de Cambra, enquadra-se no
Grupo I do grande complexo gravado do Noroeste Peninsular, cuja expressão é essencialmente
litoral, semelhante ao grupo “galego-atlântico, que se estende por toda a fachada litoral do Norte de

4/15
Portugal até ao rio Mondego. Por oposição, o Grupo II, que se identifica nas zonas mais interiores,
faz-se representar por “um traço menos largo e pouco profundo” representando, além de outros
motivos, muitos antropomorfos esquemáticos, motivos quadrangulares ou rectangulares
segmentados interiormente, círculos simpoes segmentados, semí-círculos pontuados (ferraduras),
espirais e raros zoomorfos (Silva, A.M. e Alves, L.B., 2006:177-179).
Em termos cronológicos as dificuldades são imensas e inerentes à subjectividade dos motivos e
das percepções do tempo, do espaço, dos usos e costumes. Sucintamente, e aproveitando a síntese
de António Pereira Dinis e Ana Maria Bettencourt (Dinis, A.P. e Bettencourt, A.M.S., 2009),
diferentes autores ora as datam do início do Mesolítico até ao Bronze Final ou desde o Neolítico até
à Idade do Bronze ou Idade do Ferro, reportando a um longo ciclo de vida, havendo outros que as
situam durante o Calcolítico Final/Bronze Inicial (finais do III aos inícios do II milénio a.C.) (Dinis,
A.P. e Bettencourt, A.M.S., 2009:41), considerando um ciclo de vida mais curto. Deste modo é
evidente essa dificuldade de estabelecer uma baliza temporal para as estas gravuras rupestres.
Até há poucos anos o único sítio com arte rupestre conhecido no concelho era o do Outeiro dos
Riscos, largamente divulgado nos anos 30 do século XX por de Alberto Souto - ver (Souto, A.,
1931), (Souto, A., 1932) e (Souto, A., 1938) - e conheceu diversas referências na bibliografia
temática que se seguiu como (Cunha, A.M.C.L. e Silva, E.J.L., 1980:7-8), (Silva, C.T., 1978:172),
entre outros. Actualmente, com o acrescento do núcleo 2 do Outeiro dos Riscos (Queiroga, F.,
2001) e do núcleo de Trebilhadouro (por indicação do Dr. Vítor Tavares), contam-se três os sítios
com arte rupestre existentes no concelho.
Ambos apresentam uma filiação tipológica e cronológica semelhante, independentemente dos
motivos gravados, diferenciando-se apenas na visibilidade dos painéis gravados, porque em termos
de visibilidade exterior do sítio todos são discretos, e nos motivos gravados. Mesmo o Outeiro dos
Riscos I, cujas gravuras se encontram num imponente penedo e dominando a totalidade do curso
superior do rio Caima (num círculo entre Este, Norte e Oeste), só se revela quando lhe estamos nas
imediações, revelando uma perfeita integração com a paisagem. Com o painel gravado ao nível do
solo, portanto oculto a quem o não conhecer, o Outeiro dos Riscos II, essencialmente o vale
encaixado do rio Caima, quase não se vislumbrando a parte em que o rio se abre no vale de Cambra
(Oeste). Assim diluído na paisagem, também, se encontra o núcleo de Gravuras de Trebilhadouro,
dispostas num conjunto de afloramentos (junto ao solo) latitudinais (Norte-Sul), cuja visibilidade se
reduz ao vale rasgado por um ribeiro actualmente seco e afluente do rio Caima.
Ou seja, estaremos perante uma hierarquização das gravuras, tendo em conta a dimensão do
suporte e a sua visibilidade no local, sendo certo que os núcleos se diluem na paisagem, conferindo-
lhe uma certa “intimidade”?
A nível temático, o reportório da “Arte Atlântica” não é muito variado. Normalmente
encontramos os motivos geométricos e naturalistas, assim chamados porque podem representar
quadrúpedes ou figuras humanas (Luis Sanchidrián, J., 2001:506-507).
• Covinhas: Vastamente representadas por todo o território. Pequenas cavidades semiesféricas
com um tamanho que ronda os 5cm de diâmetro. Podem aparecer em grupos com bastantes
unidades ou associadas a outros motivos.
• Círculos: A temática mais variada e característica, assim como numerosa. Nas rochas
associam-se entre si e com animais. Essencialmente partem de uma circunferência inicial e

5/15
podem chegar a formas complexas muito variadas: círculos concêntricos com covinha no
centro, com traço radial para o exterior, quadriculado, contornado por uma orla de covinha,
entre outras variantes.
• Espirais: Existem-nas de dois tipos: início ao centro que evoluí da esquerda para a direita e
ao contrário. Ambos os tipos podem conter covinhas no interior.
• Labirintos: Normalmente associados à combinação de uma espiral e um círculo com duplo
traçado.
• Zoomorfos: As suas dimensões podem ser variadas, variando entre os 30cm e o metro. São
figuras perfiladas cuja classificação taxonómica é extremamente difícil face à sua grande
esquematização, sendo os animais que melhor se identificam os veados e os equídeos.
Também existem representações serpentiformes, assemelhadas a serpentes, assim como
pares de semicírculos que poderão corresponder a pegadas de herbívoros.
• Antropomorfos: Além dos personagens montados a cavalo, existem dois tipos: um muito
esquematizado e outro contornado, por vezes juntamente com objectos que se podem
considerar armas.
• Idoliformes: São figuras que fazem lembrar o perfil de certos ídolos oculados do final do
Neolítico e sobretudo do Calcolítico. No entanto são raros.
• Armas: Entre elas podemos diferenciar escudos (simples ou mais complexos), espadas e
punhais, machados, alabardas, entre outras.
• Quadriculados: Geralmente apresentam-se sob a forma rectangular, com duas versões
básicas: quadrados simples e dois quadrangulares inscritos; os subtipos dependem dos
detalhes que preenchem o interior, como covinhas, divisões rectilíneas, axadrezados, entre
outros. Há que os associe a tabuleiros de jogo medievais.
• Vários: Neste grupo inscrevem-se muitos motivos que apontam cronologias mais recentes,
como por exemplo paletas, suásticas, pegadas humanas calçadas e descalças ou podomorfos,
zigzags múltiplos, entre outros.
Localmente, as gravuras de Trebilhadouro estão numa área onde, predominantemente, ocorrem
indícios datáveis do Neolítico/Calcolítico e Calcolítico/Idade do Bronze e que, tipologicamente, se
inscrevem nos monumentos funerários, genericamente designados como Mamoas.
Em todo o caso à excepção da Mamoa de Trebilhadouro, a cerca de 400 m das gravuras
rupestres, os restantes registos arqueológicos encontram-se num raio de 1 km de distância. Esta
referência apenas serve para assinalar um vazio que não poderá corresponder à verdade. À
semelhança do que ocorre no Outeiro dos Riscos, crê-se na existência de mais penedos gravados e,
porque não, incidências de outras tipologias nomeadamente Mamoas ou povoados antigos, não só
pelas condições que o terreno oferece como também pela toponímia. Só nas suas imediações
encontramos pelo menos três topónimos sugestivos, como Porto Novo, Devesa e Muros.
Relativamente a essa hipotética existência, podemos procurar um exemplo do que poderá ocorrer
no sítio do Crastoeiro, no Monte da Senhora da Graça (Mondim de Basto) onde, nas imediações das
gravuras, foram detectadas diversas estruturas de pedra e uma grande fossa aberta no saibro, uma
pia cavada no afloramento, um pavimento (área de ocupação normalmente associada ao interior de

6/15
habitações) e duas lareiras, num indicador seguro de uma ocupação entre os séculos IV e II/I a.C.
Além destas estruturas, no interior dos sedimentos da fossa escavada no saibro, foi encontrada uma
ponta de seta datada do Neo-Calcolítico (Dinis, A.P. e Bettencourt, A.M.S., 2009:43), sendo uma
evidência que aponta para actividades pré-históricas anteriores.
Quanto às gravuras, um dos paralelos mais próximos e conhecidos encontra-se nas gravuras do
Forno dos Moiros, localizadas na Serra do Arestal, concelho de Sever do Vouga (Souto, A., 1938).

4. As Gravuras de Trebilhadouro
Os motivos gravados em Trebilhadouro encontram-se num afloramento granítico junto ao solo,
ligeiramente inclinado, e acompanhando o decline natural do terreno cavado por um pequeno
ribeiro afluente da ribeira de Fuste.
Não sendo possível ser mais preciso, devido à vegetação que o cobre, o afloramento parece
estender-se ao longo da margem do ribeiro numa extensão que será superior a 50 m. Encontramos
indícios de gravuras para montante e jusante do Painel A, que assim ficou temporariamente
designado até a uma intervenção no local que permita colocar a descoberto todo o conjunto de
gravuras.
A superfície do afloramento é irregular, suspeitando-se alterada da forma original pela extracção
de pedra para fins variados, apresentando assim desníveis artificiais. No entanto, no caso do Painel
A, aparentemente o desnivelamento que aí encontramos será natural uma vez que nele encontramos
gravada uma espiral (A-Esp.02).
Neste conjunto de gravuras do Painel A, o único onde conseguimos recolher informação,
encontramos um elevado número de covinhas e de diferentes dimensões espalhadas principalmente
pela parte superior da pedra.
• Espirais: Existem, neste painel, pelo menos duas espirais havendo outro motivo circular
que não conseguimos identificar com exactidão. No caso das espirais, ambas são
sinistrorsum, evoluindo do centro numa rotação da direita para a esquerda, e possuem
covinha no centro. Não sendo certo, supomos da existência de uma covinha no final da
espiral. A primeira espiral (A-Esp.01) mede cerca de 60 cm de diâmetro, sendo composto
por cerca de 4 linhas, existindo, no espaço que medeia a penúltima e a última linha, duas
covinhas alinhadas verticalmente. A segunda espiral (A-Esp.02), imediatamente abaixo
da primeira, mede cerca de 36 cm de diâmetro e é composta por 3 linhas.
• Covinhas: Além de se encontrarem no centro e no interior das espirais, e aquelas
supostamente na extremidade das espirais, encontramos covinhas de diferentes
dimensões espalhadas por toda a parte superior do painel. Existe, pelo menos, uma
covinha que se liga a A-Esp.01 através de uma linha sinuosa, junto à covinha inferior
situada dentro desse espiral. Julgamos existir outra que faz o mesmo, mas neste caso a
partir de cima, ligando-se à covinha superior no interior da espiral A-Esp.01. Ainda
relativamente a este motivo (A-Esp.01), a covinha de maior dimensão que identificamoss
junta-se, na parte superior. Outro elemento a destacar é uma covinha que se liga por uma
linha sinuosa bifurcada a um motivo gravado que identificamos como um machado. As
restantes covinhas pontilham pela superfície, agrupando-se ou dispersando-se, sendo

7/15
certo que não registamos, neste painel, grande parte delas.
• Linhas: Neste conjunto identificamos, claramente, 4 linhas, restando dúvidas quanto a
uma quinta linha. No entanto, do registo que efectuamos, dá para perceber que estas
linhas são geralmente sinuosas e têm uma espessura que ronda os 2,2 cm. Destas
salientamos aquela bifurcada que liga uma covinha a um eventual machado. Existe uma
outra que ladeia a espiral A-Esp.02 pelo seu lado esquerdo e, parece, ligar-se à mesma
pela sua parte inferior.
• Armas: Se bem que ainda de forma preliminar, identificamos o que aparenta ser uma
representação de um machado assemelhado, tipologicamente, a um machado de pedra.
Sendo este um elemento a confirmar, não nos alongaremos mais, uma vez que a nossa
interpretação do motivo pode estar equivocada.
Do ponto de vista temático, e comparando com as gravuras do Outeiro dos Riscos e por analogia
às de Forno dos Moiros, as gravuras de Trebilhadouro não apresentam a mesma regularidade
geométrica (Souto, A., 1932), além de serem aparentemente mais complexas com a confirmação de
novos motivos ocultos pela vegetação e nos patamares inferiores da rocha. Ou seja, enquanto o
Outeiro dos Riscos se limita a formas geométricas como círculos concêntricos, em Trebilhadouro os
motivos são mais variados não só pela existência de inúmeras covinhas, como pela existência de um
eventual machado e várias linhas sinuosas que ligam motivos entre si (como por exemplo uma
covinha a uma espiral, ou uma covinha ao possível machado). Assim, as gravuras de Trebilhadouro
assemelham-se mais às do Forno dos Moiros (Sever do Vouga) tanto nos motivos como na
disposição do suporte que, no Outeiro dos Riscos, assume uma invulgar verticalidade.
No entanto estas considerações são prematuras até se conhecer a total extensão da superfície
gravada e os motivos aí representados. Será necessário desenvolver um trabalho continuado e que
permita a identificação e registo de todos os painéis, sendo só assim possível interpretar e valorizar
eficazmente este sítio arqueológico.

8/15
Ilustração 2: Gravuras que compõem o Painel A.

Ilustração 3: Outra visualização do Painel A.

9/15
Quanto à gravação, em ambos os casos, Outeiro dos Riscos I, Outeiro dos Riscos II1 e
Trebilhadouro apresentam um traço largo, medindo cerca de 2,2 cm, cujo contorno se terá definido
pela utilização de percutores de pedra, podendo por vezes ser delimitadas previamente por um
picotado mais fino. A obtenção dos círculos concêntricos mais bem delineados poderá resultar da
junção de sucessivas pequenas covinhas (Valdez, J., 2010:51).

Ilustração 4: Representação esquemática do Painel A

1 Cuja interpretação ainda não está definida com exactidão.

10/15
5. Considerações Finais
Conforme já referimos, foi-nos unicamente possível proceder a um registo preliminar do Painel
A do conjunto de gravuras rupestres identificadas em Trebilhadouro. A densa vegetação e a
complexidade deste tipo de registo2 não permitiram mais informação que aquela que se encontra
exposta e visível.
Fica clara a importância que estas gravuras possuem no panorama arqueológico de Vale de
Cambra, não só pela sua tipologia única no concelho (apesar de enquadrável no mesmo grupo de
Outeiro dos Riscos) mas, também, pelo local onde se encontram. Parece-nos bastante feliz a
conjugação da aldeia de Trebilhadouro com a Mamoa de Trebilhadouro e este conjunto de gravuras
demonstrando, numa pequena e acessível área, a ancestralidade da ocupação do território
valecambrense, sendo esta uma oportunidade que o passado no oferece para a criação de um espaço
de cultura e conhecimento arqueológico, histórico e etnográfico, tal como propusemos em 2007 e
que por motivos diversos não foi possível concretizar.
Mais do que nos focalizarmos em “pontos” espacialmente delimitados, como uma aldeia, uma
mamoa ou um grupo de gravuras rupestres, há que compreender o que os envolve e a sua ligação.
Ou seja, tratar as diferentes ocorrências como um todo inserido no mesmo contexto natural, pois
para as gerações passadas esse era um dos primeiros critérios para a escolha dos seus
assentamentos, dos seus locais de culto e dos seus espaços comunitários. Tenhamos um breve
exemplo, entre outros: os assentamentos rurais, deste tempos remotos, privilegiam na montanha a
meia encosta soalheira e protegida do tempo invernoso como condição para a sua vivência e
subsistência (este é um padrão ainda hoje observável no concelho); por sua vez, o estabelecimento
de Mamoas, independentemente do seu período, privilegia pequenas elevações planas que, no
mínimo, ofereçam um destaque natural em observação de proximidade, tal como acontece com a
Mamoa de Trebilhadouro; por fim, os conjuntos de gravuras rupestres conhecidos até hoje no
concelho, estão intimamente ligados a cursos de água de menor expressão, além de se ocultarem
com a paisagem sendo apenas reconhecíveis por que sabe da sua existência. Que factor comum
existe aqui? Em primeira análise demonstra os diferentes usos do espaço, independentemente do
período da história, dando-nos uma ideia de continuidade e unidade. Que mais informação tem a
zona de Trebilhadouro para nos oferecer? Julgamos que bastantes.

5.1. Proposta de trabalhos futuros


Neste caso em particular propomos, de futuro, a realização de um levantamento arqueológico de
todas as superfícies gravadas num trabalho que terá que ser faseado e adequado aos recursos
materiais e humanos actualmente existentes na Câmara Municipal.

5.1.2. Meios humanos


De facto, não havendo principalmente recursos humanos adequados para realizar trabalhos
permanentes no terreno, que levariam a uma execução de 2 a 3 meses, teremos que recorrer aos
períodos de contexto de trabalho de alunos da Escola Profissional de Arqueologia (turmas de
Conservação e Restauro e Assistente de Arqueólogo) limitados às férias da Páscoa, final do ano

2 Tal como se demonstrará adiante.

11/15
lectivo (Junho-Julho) e início do ano lectivo (Setembro), ao abrigo do protocolo celebrado entre a
Câmara Municipal e a EPA. Do mesmo modo, e na mesma periodização, podemos recorrer ao
voluntariado de jovens alunos da Escola Secundária de Vale de Cambra (unicamente 10º ao 12º)
que assim poderão participar num projecto científico no âmbito da Cultura e Património do
concelho. Também se poderá considerar a abertura a voluntários das Universidades, se bem que,
para estes, a Câmara Municipal tenha que disponibilizar, no mínimo, alojamento e alimentação. O
recurso a profissionais externos, em regime de prestação de serviço ou equiparado, poderá ser uma
hipótese em aberto e à consideração, e que permitirá resultados mais rápidos.

5.1.3. Técnica de Registo


Definidas as necessidades humanas e as suas diferentes opções, importa referir genericamente a
técnica de registo. Antes de mais é indispensável que todos os intervenientes no levantamento sejam
pessoas responsáveis e tenham a noção da importância da tarefa que estão a desempenhar. Este tipo
de registo resulta da interpretação e honestidade do operador que decalca a gravura, devendo todas
as dúvidas estar, o mais possível, esclarecidas aquando da apresentação do trabalho final. Daí a
importância de se efectuarem diversos levantamentos dos mesmos motivos em dias, horas e por
pessoas diferentes, tendo como único objectivo chegar a uma interpretação final. É evidente, posto
isto, que a técnica de registo de gravuras depende em muito da sensibilidade de cada um, sendo este
um método expedito para explorar as diferentes potencialidade de cada interveniente para a
obtenção de uma registo o mais fidedigno possível.
A técnica de registo requer uma limpeza da vegetação da área envolvente assim como das
superfícies gravadas, sendo aqui indispensável a colaboração de técnicos de conservação e restauro
que, neste caso, estarão devidamente orientados por um coordenador que garantirá a qualidade do
trabalho. Só após esta intervenção é possível ter uma noção da extensão e da totalidade dos motivos
gravados. De seguida o decalque, com recurso a plástico de polivinilo de baixa gramagem, será
efectuado por técnicos de arqueologia e voluntários, coordenados pelo arqueólogo no terreno, nos
períodos da manhã e tarde, prolongando-se quando se julgar adequado pela noite recorrendo à luz
artificial rasante, sendo neste caso necessário o recurso a um gerador, extensões eléctricas e
diversos holofotes.
Será efectuado um registo fotográfico rigoroso dos levantamentos e dos painéis, sendo neste caso
necessário material fotográfico profissional3, tanto mais que se recorrerá à fotogrametria para um
registo fotográfico técnico e visual dos motivos e painéis. Esta técnica permitirá a redução de custos
associados à reprodução e redução dos levantamentos efectuados no plástico de polivinilo 4 e que se
encontram à escala 1:1. Ou seja, se um painel medir 5 m então teremos de utilizar um plástico de 5
m para o decalque.
Após o levantamento no terreno há que processar a informação. Num primeiro passo reconstituir
num espaço amplo todo o conjunto de painéis, associando todos os módulos de plástico de
polivinilo. Assim teremos uma visualização total dos motivos, tentando-se nessa altura e com
recurso ao material fotográfico profissional reduzir de uma só vez todo o conjunto e, se não se
conseguir, sucessivamente ir reduzindo os módulos até termos um ficheiro editável digitalmente.

3 Cuja aquisição já foi proposta, mas sem que se tenha concretizado.


4 A fotogrametria não dispensa o registo por decalque, sendo um complemento para a percepção final dos motivos
gravados.

12/15
Caso não seja possível terá que se recorrer a serviços de digitalização de grandes dimensões para a
redução e montagem dos diferentes módulos, com os custos associados.
De seguida a interpretação dos motivos, após o seu desenho de conjunto, permitirá a
interpretação das gravuras que, sendo difícil no conteúdo, será possível quanto às formas e a partir
daí tirar outras ilações.

5.2. Medidas de Protecção e Minimização de Impactes


Sendo o património arqueológico um recurso turístico, e portanto de valor estratégico para o
concelho, importa que este seja devidamente protegido, sendo esse um primeiro passo para a sua
valorização. Embora no actual Plano Director Municipal as figuras do Perímetro de Protecção
Arqueológica (PPA) e Zona de Potencial Arqueológico (ZOPA) não estejam contempladas no
capítulo dedicado ao Património Arqueológico, propomos a criação de um Perímetro de Protecção
Arqueológica (PPA) tendo como base da área de incidência de gravuras rupestres delimitada (Fig.
5) e cujo perímetro será de 50 m a partir dos seus limites exteriores.
Seria de todo importante um procedimento idêntico para todos os sítios arqueológicos
comprovadamente identificáveis no terreno, regulamentando-se as medidas de protecção a tomar.
Do mesmo modo no que respeita aos sítios arqueológicos cuja notícia existe mas cuja verificação
no terreno não é de momento possível. Assim sendo, e avançando com uma proposta neste sentido,
as medidas preliminares de protecção a definir serão as seguintes:
• Acompanhamento arqueológico de todo e qualquer trabalho de aterro, desaterro ou
alargamento de caminhos dentro da área de protecção, de maneira a estabelecer-se a
melhor forma de procedimento que não afecte os conjunto de gravuras.
• Acompanhamento arqueológico de todo e qualquer trabalho de desmatação ou
florestação mecânica (tractores e máquinas), excluindo-se as acções tradicionais.

13/15
Ilustração 5: Proposta de criação de um Perímetro de Protecção Arqueológica

6. Bibliografia
CUNHA, A.M.C.L.; SILVA, E. J. L. (1980) - Gravuras Rupestres do Concelho de Valença (Monte de
Fortes (Taião), Tapada de Ozão e Monte da Laje). Guimarães. Actas do Seminário de Arqueologia
do Noroeste Peninsular.
DINIS, A.P.; BETTENCOURT, A. M. S. (2009) - A Arte Atlântica do Crastoeiro (Norte de Portugal):
Contextos e Significados. Santiago de Compostela - Galiza. Gallaecia: Revista de Arqueoloxía e
Antigüidade, 28, p. 41-47.
LUIS SANCHIDRIÁN, J. (2001) - Manual de arte prehistórico. Barcelona: Ariel Prehistoria.
QUEIROGA, F. (2001) - Inventário Patrimonial de Vale de Cambra: I - Arqueologia. Vale de Cambra:
Câmara Municipal de Vale de Cambra.
RODRIGUES, A. (2008). Curso Superior do Rio Caima: da Pré-história à Época Romana. Porto:
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. (Semin. Lic.).
SANCHES, M.J. (2003) - Escrever na paisagem: sentido para as "artes rupestres". In Arquitectando
espaços: da natureza à metapolis. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras.
Departamento de Ciências e Técnicas do Património, p. 85-104.

14/15
SILVA, A.M.; ALVES, L. B. (2006) - Arte Rupestre Pós-glaciar no Noroeste de Portugal. In Arte
Rupestre Pré-histórica do Eixo Atlântico. Pontevedra - Galiza: Eixo Atlântico, p. 171-185.
SILVA, C.T. (1978) - Gravuras Rupestres inéditas da Beira-Alta. Lisboa. Actas das III Jornadas
Arqueológicas (1978), I, p. 167-183.
SOUTO, A. (1931) - Un document noveau de l'art rupestre galaico-portugais. Les sculptures de
l'Arestal. In Congrés International d' Anthropologie & d' Archéologie Pré-historique - IVe Session
de l' Institut International d' Anthropologie. Paris, p. 410-413.
SOUTO, A. (1932) - Arte Rupestre em Portugal (Entre Douro e Vouga): As Insculturas da serra de
Cambra e Sever do Vouga e a expansão das combinações circulares e espiralóides no noroeste
peninsular. Porto. Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, V (1931-
1932).
SOUTO, A. (1938) - Arqueologia pré-histórica do Distrito de Aveiro (Arte Rupestre): As insculturas
do Arestal e o problema das combinações circulares e espiralóides do noroeste peninsular. Aveiro.
Arquivo do Distrito de Aveiro, 4-13, p. 5-19.
Valdez, J. (2010). A gravura na Arte Esquemática do Noroeste Peninsular: o caso do Monte de
"Góios" (Lanhelas, Caminha). Porto: Universidade do Porto - Faculdade de Letras. (Tese de
Mestrado).

15/15

Você também pode gostar