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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL DE


GÊNERO

GUARULHOS – SP

1
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 4

2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL ....................................... 5

2.1 Desigualdades sociais e raciais na educação brasileira ............... 5

2.2 Políticas e práticas de superação do racismo e desigualdade racial


na educação brasileira ......................................................................................... 7

3 AÇÕES AFIRMATIVAS .................................................................... 10

4 INCLUSÃO ESCOLAR ...................................................................... 13

5 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E DIVERSIDADE NO AMBIENTE


ESCOLAR............................................................................................................... 15

5.1 As faces do racismo: discriminação e segregação sociorracial .. 15

5.2 Contribuições culturais na construção histórica do Brasil:


colonialismo e diversidade ................................................................................. 19

5.3 A escola e o combate ao racismo na promoção da igualdade .... 21

6 ETNIA E RAÇA .................................................................................. 23

6.1 Distinção entre etnia e raça......................................................... 23

6.2 Questões histórico-sociais dos conceitos de etnia e raça ........... 26

7 REPENSANDO O PRECONCEITO RACIAL ..................................... 29

8 RACISMO E FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES ÉTNICAS ............... 31

8.1 Formação da identidade e da autoimagem ................................. 32

8.2 Identidade étnica: desafios dos grupos minoritários ................... 35

8.3 O posicionamento do professor frente ao racismo e à injúria


racial....................................................................................................................39

9 DISCRIMINAÇÃO .............................................................................. 42

9.1 Sobre a origem da discriminação ................................................ 42

2
9.2 A relação entre discriminação, preconceito e violência ............... 46

9.3 Consequências da discriminação para a dignidade humana ...... 50

10 DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS ........................................... 53

10.1 Desigualdades simbólicas e estruturais à luz da sociologia


brasileira..............................................................................................................53

10.2 O fator biológico e o fator social no conceito de raça ................. 56

11 CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA SOCIEDADE


BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ....................................................................... 60

11.1 A colonização do Brasil: táticas de resistência cultural ............... 60

11.2 Os indígenas sob o olhar europeu: entre o bom e o mau


selvagem.............................................................................................................61

11.3 Índios e negros na literatura brasileira ........................................ 64

11.4 Coragem, nobreza e solidariedade: a poesia indianista ............. 64

12 A ESCRAVIDÃO NO BRASIL: DENÚNCIAS E CRUELDADE ....... 66

13 POR UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA ...................................... 69

13.1 Racismo: identificar e combater .................................................. 70

14 DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL ....................................... 73

14.1 Diversidade cultural .................................................................... 73

15 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E


MULTICULTURALISMO NO BRASIL ................................................................... 77

16 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO


BRASIL...................................................................................................................79

17 BIBLIOGRAFIA .............................................................................. 83

3
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL

A inclusão escolar tem sido discutida e fomentada nas últimas décadas no


Brasil, ao encontro do entendimento de que deve ser garantido a todos os grupos
culturais o acesso a uma educação igualitária e de qualidade. Como o Brasil
historicamente produziu muitas diferenças e distanciamentos entre alguns grupos
étnicos, é necessário o estudo a respeito das relações étnico-raciais dentro e fora
da escola.

2.1 Desigualdades sociais e raciais na educação brasileira

Para estabelecer um histórico a respeito da produção de desigualdades no


Brasil, devemos abordar os processos de colonização, uma vez que o país foi
conquistado por Portugal, fazendo parte de todo um planejamento de expansão
territorial de nações europeias no século XVI. Nessa época, predominava a ideia de
levar a essas novas colônias um jeito de pensar e viver que se aliasse aos preceitos
europeus, com a cultura dos povos conquistadores — vista sempre como a de maior
valor — como o caminho correto e como a norma comportamental a ser seguida.
Essa imposição dos padrões europeus, que chegou ao Brasil com os portugueses,
é o primeiro ponto para entendermos como as desigualdades sociais e raciais, em
um primeiro momento manifestadas contra os índios e negros escravizados da
África, tiveram lastro para acontecer em nosso País.
Os mecanismos coloniais estabeleceram uma relação entre cor e raça, a
qual, além de classificar as populações, também servia para operar a “[...]
inferiorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista da produção da
divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos”
(OLIVEIRA; CANDAU, 2010, documento on-line). Ou seja, a colonização não
ocorreu somente no território, na materialidade dos recursos e na exploração do
trabalho do colonizado, mas também na colonização de saberes, impondo novas
formas de pensar e, consequentemente, agir em sociedade.

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Ao analisarmos a história dos negros no Brasil — principalmente no período
pós-escravatura, com a Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888 — e as suas
inúmeras dificuldades de inserção na vida social e laboral, Pesavento (1989, p. 83)
comenta que “[...] os egressos da escravidão, como negros, agregavam a este
quadro o estigma do qual eram portadores: eram visualizados ideologicamente
como uma força de trabalho inadequada para o trabalho regular, avessos à nova
ordem que se impunha”. A marca deixada pela escravidão nas populações negras
somente foi minimizada, segundo a autora, na segunda metade do século XIX,
período recente em termos históricos.
Essa desigualdade, o racismo e a discriminação que se estendem aos que
se distinguem dos padrões estabelecidos são produzidos histórica e culturalmente,
como resultado da assimetria de poder entre grupos identitários mais privilegiados
e grupos identitários discriminados. A problemática que envolve os processos
coloniais brasileiros, que evidencia a emergência de uma etnia mais poderosa e que
possui uma visão monoculturalista sobre o mundo, tem impactos na área
educacional.
Como alguns grupos de origens étnicas distintas foram privilegiados em
detrimento de outros, também nos aspectos que envolvem a educação, como, por
exemplo, o acesso à escolas de maior qualidade, devem ser criados mecanismos
que possam reparar essas discriminações históricas que prejudicaram alguns
grupos bem específicos, como os negros e os índios. Banton (2000, p. 457) define
o processo de racialização como o “[...] processo ou situação em que a ideia de raça
é introduzida para definir e qualificar uma população específica, suas características
e suas ações”.
Dessa forma, as pessoas são convencidas de que certas características
são intrínsecas de alguma raça ou etnia, o que se confirma por expressões como
“ele é italiano, por isso é mão fechada”, “o alemão é melhor com planejamento” e
“os índios são preguiçosos”. Essas frases são manifestações dessa racialização,
que acaba marcando e estereotipando uma etnia e/ou raça a partir de aspectos
relacionados a questões biológicas e fenotípicas (cor da pele, cabelo, formato do
nariz, espessura dos lábios, tamanho do crânio, etc.).

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Ao analisar essa estratificação social a partir de aspectos étnico-raciais
nos sujeitos, podemos identificar uma pedagogia que:

[...] educou o olhar deste sujeito branco que julga; ela educou seu modo
de compreensão sobre a pertença racial. Ela o educou para pensar que
ele, branco, não tem raça nem cor e, portanto, pode, do alto de seu estatuto
de incolor, julgar quem são, afinal, os “de cor” (KAERCHER, 2010, p. 87).

Ao estudarmos a história mundial e brasileira, observamos, por exemplo,


como as práticas da eugenia — considerada ciência — propunham saberes que
relacionavam as características físicas, raciais e fenotípicas do ser humano com as
suas capacidades (ou falta delas) em relação a uma ideia de raça humana superior.
As práticas eugênicas no Brasil se associaram às correntes higienistas e
sanitaristas no início do século XX, a fim de buscar o aprimoramento de uma raça
nacional, o que envolvia inclusive o branqueamento da população. Segundo
Souza (2005, p. 6), “[...] os eugenistas entendiam que atitudes radicais como a
esterilização, pena de morte, controle rigoroso da entrada de imigrantes,
obrigatoriedade do exame pré-nupcial, proibição do casamento inter-racial e de
portadores de doenças contagiosas” levariam a esse objetivo.
A desigualdade social — embora muito relacionada aos aspectos
econômicos, que dividem a sociedade em classes, de acordo com as suas posses
ou propriedades — também atinge outros campos, como o de gênero, o religioso e
as questões de orientação sexual diversas, que fazem parte daqueles que são
diferentes do construído como normal e socialmente aceito. O fato é que esses
grupos identitários diversos se encontram no interior da escola e fazem parte
cotidiana dos afazeres de professores — assim, as aulas devem ser desenvolvidas
de forma harmônica, intercultural e igualitária, procurando mediar conflitos e propor
reflexões aos alunos.

2.2 Políticas e práticas de superação do racismo e desigualdade racial na


educação brasileira

O País — embora tenha, nas últimas décadas, promovido inúmeras


discussões em torno da diversidade cultural e dos processos de hibridismo ou

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mestiçagem das várias etnias que compõem a identidade nacional — ainda
apresenta traços de racismo que acabam por produzir situações de desigualdade
na sociedade. Uma das principais conquistas das lutas do Movimento Negro em
busca de positivação da sua identidade afro-brasileira foi a inserção dos estudos
sobre história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares a partir da Lei nº.
10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003).
Com relação ao currículo escolar, é evidente a existência de um jogo de
poder na seleção do que deve ser ensinado. A esse respeito, Passos (2008, p. 17)
argumenta que “[...] o currículo escolar, tal qual a sociedade brasileira, está pautado
numa compreensão de que apenas a cultura do colonizador — branca, masculina,
heterossexual e cristã — tem legitimidade para ser estudada”. Todos aqueles
saberes que não se enquadram nesses termos acabam excluídos da escola.
Muitas vezes, alguns grupos — cujos saberes não são considerados
legítimos para estudo nas escolas — são privados do acesso a uma educação de
qualidade e, consequentemente, das mesmas oportunidades que outros têm.
Devido a esses aspectos socioculturais enraizados na nossa história, cabe à escola
dar visibilidade e tornar positiva a maneira de pensar e agir em relação aos afro-
brasileiros, que representam uma significativa parte da população na atualidade.
Carneiro (2006, p. 99), admite que ainda existe nas escolas “[...] uma cultura
travada e preconceituosa, impermeável a aceitar o diferente e a conviver com o
desigual”. Talvez por esse fato tenhamos percebido a movimentação de muitos
grupos identitários em busca do seu espaço de aceitação e igualdade na sociedade
nas primeiras décadas do século XXI, no Brasil, entendendo que fazer parte das
discussões que ocorrem na escola é uma das formas mais potentes de modificar o
modo como se pensam os temas e os jeitos de viver.
Em resumo, temos a seguinte cronologia das alterações e modificações das
leis sobre raça e etnia na educação brasileira:
• LDB — Lei nº. 9.394/1996, art. 26, §4º;
• Lei nº. 10.639/2003, que alterou a LDB e acrescentou os art. 26-A e 79-B;
• Lei nº. 11.645/2008, que alterou a LDB, modificada anteriormente pela Lei
nº. 10.639/2003, no art. 26-A.

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A Lei nº. 11.645/2008, em vigência, propõe a seguinte redação para o
art.26-A da LDB (BRASIL, 2008, documento on-line): “Art. 26-A Nos
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados,
torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Assim,
é obrigatório para todas as instituições do sistema de ensino nacional também o
estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira. É importante perceber que o
art. 79-B, acrescido à LDB pela Lei nº. 10.639/2003, não foi alterado, permanecendo
o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra.
Reforçando a importância de o respeito à diversidade ser considerado nos
currículos, de modo a ampliar o escopo da educação escolar que considera as
relações étnico-raciais, Silva (2007, p. 490) refere que:

[...] a educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de


cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de
igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos
direitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos
étnico- -raciais e sociais.

Para que as escolas possam organizar as suas práticas curriculares em


torno do ensino dessas temáticas étnicas negras e indígenas, a Lei nº. 11.645/2008
propõe os seguintes conteúdos programáticos:
• história da África e dos africanos;
• luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil;
• cultura negra e indígena brasileira;
• negro e o índio na formação da sociedade nacional.

Ao analisarmos os conteúdos programáticos propostos, podemos verificar


as possibilidades para os professores alinharem os seus planos de aula e proporem
práticas, durante todo o ano escolar, que possam envolver discussões referentes à
aprendizagem sobre as contribuições dessas etnias na formação e no
enriquecimento cultural da nossa sociedade, deslocando-se da visão única das
culturas europeias. Não estamos propondo substituição ou esquecimento das
demais etnias europeias, mas uma educação visando à valorização das diferentes
etnias. Só assim uma efetiva mudança social será promovida.

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3 AÇÕES AFIRMATIVAS

As ações afirmativas são políticas públicas que visam a diminuir os


impactos sociais causados por conflitos étnicos ou racismo. Seu objetivo maior é
oferecer equidade, a fim de que a sociedade atinja um panorama de igualdade. A
equidade diz respeito a tratar grupos sociais distintos de forma diferente, a partir de
suas necessidades específicas, para que então eles possam desenvolver
ferramentas e travar contato com outros grupos sociais de forma igualitária.
Um projeto de ação afirmativa conhecido no Brasil é o de cotas raciais para
o acesso a universidades públicas. Ele busca garantir o acesso da população negra
ao ensino universitário, acesso este que foi historicamente impedido devido à
escravização e às suas consequências. Há ainda universidades que oferecem cotas
sociais para estudantes de baixa renda e provenientes de escolas públicas,
corrigindo o ciclo de quase nulidade na ascensão social das classes D e E, causado
pela estrutura capitalista neoliberal adotada pelo País a partir da década de 1990.
A temática das ações afirmativas chegou ao Brasil no princípio dos anos
2000, a partir da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação e
Xenofobia da ONU, realizada em 2001 na África do Sul. Na conferência, salientou-
se que as desigualdades sociais e econômicas e os conflitos étnico-culturais eram
uma responsabilidade dos Estados para com seus cidadãos. Saná-los dependeria
da observância das particularidades dos impactos gerados em cada grupo social
(SCHWARCZ, 2001).
Posteriormente, no Brasil, alguns projetos de ação afirmativa contra o
racismo foram elaborados, como a Lei nº 10.639, de 2003, que prevê a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas nas
escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio, uma vez que mais da
metade dos estudantes são afro-brasileiros. Há também a Lei nº 11.096, de 2005,
que coloca em prática o Programa Universidade para Todos (PROUNI), plataforma
de acesso à universidade para pessoas de baixa renda que teve grande impacto
nos padrões de mobilidade social brasileiros nos 10 anos subsequentes à sua
promulgação.

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Das ações afirmativas podem derivar projetos especiais que auxiliem o
grupo em questão. Considere, por exemplo, as cotas sociais para estudantes de
escolas públicas. Reconhecidamente, as escolas públicas brasileiras não têm os
melhores índices de aproveitamento, salvo algumas escolas-modelo. Algumas
universidades públicas, então, contam com projetos de auxílio e tutoria nos estudos
para quem encontra dificuldades.
Alunos de escolas particulares podem chegar às universidades com bom
conhecimento em outros idiomas, fator que facilita os estudos de ponta e abre
oportunidades no mercado de trabalho, mas essa não é uma realidade para alunos
provenientes de escola pública, em geral. Por isso, há projetos de extensão que
oferecem cursos de idiomas, dos básicos aos aprofundados. Assim, ao deixar a
universidade, alunos cotistas e ingressantes por ampla concorrência terão os
mesmos conhecimentos, as mesmas bases e, consequentemente, as mesmas
oportunidades.
As políticas para provimento de equidade resultarão, algum tempo depois,
num contexto de igualdade. As políticas públicas voltadas para ações afirmativas
podem receber críticas que salientam a desigualdade no tratamento de grupos
sociais. As cotas raciais, por exemplo, são constantemente questionadas, e um dos
argumentos erroneamente utilizados é o de que elas seriam uma forma de
discriminação social. No entanto, elas são extremamente necessárias, porque não
se pode oferecer as mesmas oportunidades para grupos sociais com possibilidades
tão distintas. Fazê-lo seria compactuar com a manutenção das estruturas de
marginalização das classes sociais mais pobres, compostas em sua maioria por
afrodescendentes (AUGUSTINHO, 2019).
Se, no caso das cotas sociais, um aluno cotista precisa trabalhar para viver
e essa é sua prioridade, como ele pode manter o mesmo nível de aprendizagem
que um aluno de escola privada, que se dedica apenas aos estudos? Apenas o
tempo disponível para as atividades escolares já se torna um princípio de
desigualdade. A qualidade das escolas frequentadas, outro. A possibilidade de
permanência na universidade pública, especialmente em cursos de período integral,
sem suporte da universidade ou de programas sociais, outro desnível.

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Nesse cenário, sem as ações afirmativas e os projetos de auxílio delas
derivados, mesmo que esse aluno chegue à universidade, as possibilidades de ele
se manter nela são pequenas. Se conseguir finalizar o curso e se formar, ficaria,
ainda assim, em uma posição inferior. Afinal, a bagagem cultural e o capital
simbólico adquiridos por aqueles que têm melhores condições financeiras lhes
ofereceriam mais e melhores portas de emprego, fomentando as desigualdades
sociais.
As ações afirmativas podem ser destinadas a qualquer grupo social que,
por algum motivo, seja lesado em suas oportunidades de vida. Pessoas com
deficiência têm atualmente seu direito de estudar em escolas públicas comuns, o
que favorece a interação e o desenvolvimento social. Porém, podem precisar de
equipamentos, recursos ou atenção especial, dependendo da deficiência. Esse
auxílio, elemento da equidade, auxiliará o aluno com deficiência a ter os mesmos
estímulos e possibilidades que os outros, aprendendo e se desenvolvendo tanto
quanto eles, gerando, assim, uma situação de equidade.
Portanto, as ações afirmativas se baseiam na elaboração de ferramentas
que favoreçam a equidade, para depois se chegar à igualdade. As diferenças
precisam ser observadas e compreendidas na ação do Estado pelo bem de seus
cidadãos.
Como você viu, ao longo da trajetória das civilizações ocidentais, as
diferenças foram ainda mais aprofundadas. Quem tinha as melhores oportunidades
conseguia provê-las também para seus descendentes. Nesse sentido, as ações
afirmativas permitem ainda que a etnia marginalizada ocupe os espaços
necessários para que possa reificar seu valor (AUGUSTINHO, 2019).
No caso do povo negro no Brasil, as políticas de cotas raciais permitem que
o negro saia da condição de estudante para ocupar espaços e posições que lhes
eram negados, como o comando de uma sala de aula universitária, a chefia de uma
equipe médica e a responsabilidade por um grande projeto de engenharia civil. Ou
seja, todo e qualquer espaço de que os brancos e descendentes europeus
usufruíram quase com exclusividade por séculos. Essas políticas públicas não
privilegiam um grupo, mas fornecem ferramentas para que seus componentes

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tenham tantas oportunidades quanto qualquer cidadão, inclusive aqueles
beneficiados pelo privilégio branco. No panorama contemporâneo das estruturas e
das formas de relacionamento social, considerando os legados históricos para os
grupos dominantes e os que foram dominados, a justiça social se dá pela
observância das diferenças.

4 INCLUSÃO ESCOLAR

Antes iniciarmos o debate a respeito da inclusão escolar, vamos retomar


alguns pontos importantes já comentados. O primeiro diz respeito ao conceito de
cultura, aqui entendida como um termo utilizado “[...] para se referir a tudo o que
seja característico sobre o ‘modo de vida’ de um povo, de uma comunidade, de uma
nação ou de um grupo social” (HALL, 2016, p. 19). Essa definição do autor é
importante para nos fazer pensar nos aspectos antropológicos e sociológicos da
cultura, uma vez que não se restringe somente a um conjunto de coisas — literatura,
arte ou programas de TV — mas, principalmente, engloba um conjunto de práticas
(HALL, 2016). Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a
apresentar uma interpretação do mundo similar, pois foram ensinados, no interior
das práticas cotidianas da sua sociedade, a se comportar e a pensar de acordo com
determinados valores.
O problema aqui é quando uma cultura se define de forma monoculturalista,
como aquela detentora de saberes e como o caminho mais correto ou único a ser
seguido, servindo para orientar sobre tudo e todos. Assim, todos aqueles que não
se enquadram nos padrões por ela estabelecidos são marginalizados de alguma
forma. O que se busca com a ideia da inclusão escolar é justamente estender
àqueles que possam ser considerados diferentes, um espaço garantido nas
escolas, para que desfrutem com equidade o seu processo de escolarização. “O
conceito de diferença, considerando a escola e o currículo, é, geralmente, traduzido
como diversidade ou identidade” (LOPES; DAL’IGNA,2007, p. 13).

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Nas escolas brasileiras, é possível perceber essa pluralidade de
identidades, essa variedade de indivíduos que se distinguem culturalmente por
vários aspectos, sejam eles étnicos, religiosos, de gênero, de classe social (pobres
e ricos), geracional, deficiências de todas as ordens, orientações sexuais distintas,
etc. A todos deve ser garantido o direito à educação que promova uma
aprendizagem de qualidade, mas não se resume a isso. Walsh (2001) propõe que
— além do simples reconhecimento de grupos diversos, do respeito e da tolerância
— é necessário reparar e compensar os prejuízos decorrentes da assimetria de
poder existentes entre os grupos culturais durante o seu processo histórico de
constituição. Ou seja, a escola deve ser um espaço onde as desigualdades sociais,
econômicas e políticas não são ocultadas, mas reconhecidas e confrontadas
(WALSH, 2001). Dessa forma, a inclusão escolar emerge como movimento de luta
por direitos de igualdade entre os diversos e de afirmação das suas diferenças como
marcadores da sua identidade.
Deve-se cuidar, no entanto, para que as práticas inclusivas sejam
naturalmente engendradas no cotidiano escolar, não forçadas. Nesse sentido, o
professor precisa entender que “[...] os diferentes não possuem déficits de
aprendizagem, mas aprendem de uma forma peculiar e que mais do que
diagnósticos precisamos problematizar e negociar outras representações para
esses sujeitos” (LOPES; FABRIS, 2000, p. 3). Isto é, devemos deixar de olhar para
um aluno com ênfase naquilo que lhe falta, no que o torna incapaz em relação aos
demais — devemos focar nas suas possibilidades de aprender visando potencializá-
lo de forma particular.
Considerando alunos com deficiência, por exemplo, devemos promover
políticas públicas e programas educacionais visando à sua inclusão nas redes
regulares de ensino, compreendidos dentro do conceito da educação inclusiva.
Destacamos que, na Constituição Federal, art. 205, existe a garantia da educação
como direito de todos, reforçado ainda na LDB (BRASIL, 1996, documento on-line),
que traz, no art. 4º, III, o dever do Estado quanto à garantia de “[...] atendimento
educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino”.

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O processo de inclusão de alunos com deficiências nas escolas regulares
não é fácil ou simples, pois demanda investimentos em recursos materiais e
humanos. Mesmo em meio às dificuldades durante esse período adaptação que
vivemos, incluir todos os alunos na escola é um grande passo adiante. Finalizando
nossa discussão sobre os aspectos que envolvem a inclusão escolar, devemos
considerar as diferenças entre os mais variados grupos culturais que frequentam a
escola, de forma a reconhecer os seus direitos à educação equitativa, entendendo
que existem muitos processos nas interações entre esses grupos no cotidiano
escolar. Logo, devem ser encarados com o olhar da alteridade e da participação do
outro na constituição das suas identidades.
Ao falarmos sobre equidade na educação, entendemos, acompanhando
as ideias de Franco (2007, documento on-line), que deve haver simetria, igualdade
no interior da escola quanto aos aspectos dos “[...] recursos escolares, organização
e gestão da escola, clima acadêmico, formação e salário docente e ênfase
pedagógica”. A pesquisa realizada pelos autores analisa como esses itens da
equidade intraescolar vão refletir diretamente na eficácia dessa instituição de
ensino, muitas vezes indo além do desempenho esperado. Como podemos
perceber, a busca por equidade, além de ser pensada sobre o campo social do qual
o aluno se insere, também deve ser analisada do ponto de vista do que as escolas
oferecem para os seus alunos, uma vez que a falta ou a carência desses itens
acabaria por reforçar as desigualdades sociais existentes.

5 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E DIVERSIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR

5.1 As faces do racismo: discriminação e segregação sociorracial

No Brasil, a escola pública é destinada a todos os cidadãos,


independentemente de cor de pele, herança cultural, religião, classe social, gênero
ou orientação sexual. A sociedade é diversa e, para cumprir sua função social
emancipatória, a escola deve acolher toda a multiplicidade social e cultural. Como

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você sabe, a escola oferece conhecimento aos estudantes e assim imprime marcas
na sociedade. Contudo, ao mesmo tempo, como componente do tecido social, ela
reflete as formas de leitura social e de comportamento estruturadas exteriormente.
Por isso é que se diz que o racismo no Brasil é estrutural, ou seja, está presente em
muitas esferas sociais. Ele é reproduzido por padrões de comportamento históricos
e está presente também nas escolas, desde as séries iniciais, entre estudantes e
professores.
Você sabe o que é o racismo? O racismo é a ideia, manifestada ou não, de
que uma etnia é inferior a outra, em habilidades ou possibilidades. Ele gera
discriminação, marginalização e desigualdade social e econômica. Assim, o racismo
deixa marcas estruturais nas biografias das vítimas, cerceando suas possibilidades
emancipatórias e de mobilidade social. Ou seja, ele reproduz desigualdades e
impossibilita que as vítimas transcendam as dificuldades sociais e econômicas que
lhes foram impostas.
O racismo se estabelece quando uma etnia histórica ou economicamente
(no geral, há uma combinação dos dois fatores) privilegiada, por meio de ações
segregadoras e discriminatórias, reproduz padrões de marginalização e
desigualdade. As leituras de mundo eurocêntricas, motivadas pelo expansionismo
imperialista do século XIX e aprofundadas no século XX, fizeram com que
caucasianos — pessoas de pele clara com origem europeia não ibérica e detentoras
do poder econômico e militar nas expansões territoriais — estruturassem as
sociedades como se a sua compreensão cultural fosse central. Assim, outras
comunidades e culturas deveriam se encaixar no modelo. Com o passar do tempo,
expressões sociais que não fossem semelhantes às suas eram descartadas,
ignoradas ou reprimidas (AUGUSTINHO, 2019).
Você pode se perguntar: então, o racismo só acontece a partir das ações
discriminatórias de brancos caucasianos em relação a não brancos (negros,
indígenas, hispânicos, orientais, árabes, entre outras etnias)? A resposta é não. O
racismo acontece quando há a discriminação de um cidadão em virtude de sua
etnia, seja ela qual for, independentemente de quem propaga a ação.

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No entanto, é muito importante compreender: o racismo, quando associado
ao privilégio e ao poder econômico e cultural, exclui, marginaliza, impede acessos
sociais e, em sua forma mais cruel, mata. Nas sociedades ocidentais, são os
brancos os detentores dos privilégios e do poder econômico. Por isso, as ações
discriminatórias desse grupo social têm impactos negativos muito mais profundos
do que uma ação empreendida por alguém não branco.
Você já reparou que, nas periferias, favelas e comunidades carentes, a
maior parte da população é negra, ainda que composta também por pessoas de
diferentes etnias? Já observou que os trabalhos braçais e os menos remunerados
são desempenhados por pessoas negras? Por que isso acontece? No Brasil, último
país ocidental a findar a escravidão, a população negra foi marginalizada a partir da
abolição, quando não encontrou qualquer respaldo para a manutenção digna de sua
vida no País, muito menos possibilidade de retornar às comunidades ancestrais. A
força de trabalho do povo negro escravizado foi substituída pela mão de obra —
remunerada — de imigrantes europeus. Sem trabalho e expulsa das senzalas que
abriam espaço para as colônias, a população negra passou a viver à margem da
sociedade, formando comunidades distantes dos centros das cidades e vilas.
Os sobreviventes não conseguiam espaço nas novas estruturas pós-
abolicionistas. Assim, o subemprego, a moradia indigna e distante e a
impossibilidade de acesso à educação reproduziram por gerações as condições de
vida desiguais. Por isso, no Brasil, o racismo tem ainda um recorte de classe
(FERNANDES, 2008). As classes mais pobres são compostas em sua maioria por
pessoas negras, e a configuração das estruturas sociais reimprime em cada
geração os impedimentos de acesso aos elementos que poderiam inserir a
população negra num contexto de igualdade social e econômica. Um desses
elementos, como você pode imaginar, é a educação.
Decorre daí a necessidade de reparação, especialmente por meio da
facilitação do acesso à educação formal continuada até a universidade. Esse é um
dos únicos dispositivos que oferecem a possibilidade de rompimento do ciclo da
pobreza para esse grupo social. Ainda assim, no mercado de trabalho, esse grupo
pode sofrer racismo. Tal racismo não se relaciona apenas às suas características

17
físicas, mas também ao eventual recebimento de algum auxílio reparatório ao longo
da vida. Profissionais que foram cotistas, por exemplo, têm suas capacidades
intelectuais constantemente questionadas, mesmo que avaliações indiquem o seu
alto rendimento.
O racismo também pode ser definido como o apontamento de
características físicas, culturais ou religiosas como forma de ridicularização ou
menosprezo, como se os elementos apontados significassem a inferioridade do
sujeito. Você pode identificar ações racistas até mesmo construídas para se
passarem por “elogios”: “Ela é uma negra muito bonita”; “Aquele rapaz asiático é
muito trabalhador”; “Aquela criança indígena é muito inteligente”. Sempre que a cor
da pele ou a etnia é ressaltada num elogio ou no apontamento de alguma
característica, não é elogio, é racismo. Afinal, quando os mesmos elogios são
direcionados à etnia dominante, eles não vêm acompanhados do apontamento da
pele branca.
Em ambientes de trabalho, o apontamento de características físicas ou
elementos culturais e religiosos pode ser utilizado como pressão para um
“branqueamento” visual. Em alguns espaços, pessoas negras são estimuladas a
alisar os cabelos, cortá-los ou prendê-los, com a justificativa de que se tornariam
visualmente mais arrumados, elegantes. Elementos culturais como guias e
turbantes não são, normalmente, permitidos nos códigos de vestimenta das
empresas, embora colares e faixas não sejam problema. Reflita: por que essas
situações acontecem? Talvez porque esses elementos sejam uma manifestação
visual identitária, que informa aos contatos sociais o sentimento de pertencimento
do indivíduo à cultura negra. A cultura dominante, no entanto, pressiona para que,
visualmente, a herança identitária se apague e o indivíduo se torne mais “palatável”,
ou seja, mais próximo da cultura branca (AUGUSTINHO, 2019).
No ambiente escolar, além dos exemplos citados, que acontecem em todas
as esferas sociais, há formas específicas de racismo, presentes na elaboração e
nas matrizes curriculares. O apagamento da história dos povos negros nas aulas é
racismo. Ignorar a presença e a produção de escritores, historiadores e cientistas
negros é racismo. O reconhecimento desse cenário é o primeiro passo para que a

18
escola possa inserir conteúdos que reflitam a história e as contribuições sociais e
científicas dos povos que constituem a nação. Dessa forma, os estudantes, ao
circular por novos contextos sociais, poderão estar mais receptivos,
compreendendo que a diversidade deve ser respeitada e acolhida.

5.2 Contribuições culturais na construção histórica do Brasil: colonialismo


e diversidade

Como conquista colonial do período de expansão marítima europeia, o


Brasil nasce com a função de prover riquezas à sua metrópole. Os dois primeiros
séculos de ocupação portuguesa, hispânica e holandesa em terras brasileiras não
tinham como objetivo construir uma sociedade. Na verdade, como você deve saber,
havia sociedades aqui constituídas antes da chegada dos portugueses. Tais
sociedades eram diversas e ricas em conteúdo histórico e cultural, com suas
próprias vivências e saberes. Contudo, não houve interesse em integrar tais culturas
aos processos de exploração extrativista que se estabeleceram. Assim, os nativos
brasileiros foram exilados da construção civilizatória de sua própria terra, muito
embora tenham recebido os recém-chegados e indicado o nome da árvore cuja
madeira resistente e preciosa tingiu de vermelho palácios e casas reais no Velho
Continente (AUGUSTINHO, 2019).
O mesmo parece ter acontecido com a presença negra no Brasil. Não nativo
e trazido à força do continente africano, o povo negro, com sua força de trabalho,
criou as riquezas que eram mandadas para a Europa, construiu cidades, portos,
ferrovias e estradas. E contribuiu muito para a formação cultural nacional: música,
culinária, literatura, danças, fé. Assim como ocorreu em outras colônias do chamado
“Novo Mundo”, a construção cultural brasileira se deu na expressão e nas relações
entre diferentes etnias. Não é possível ignorar o fato de que algumas dessas etnias
eram livres e outras não. Mas isso não significa que as livres contribuíram mais ou
mais efetivamente para a construção sociocultural do que as escravizadas ou
marginalizadas. O Brasil é produto das conexões sociais e das leituras e
interpretações de mundo, vivências e saberes de todos os grupos culturais que aqui

19
estavam. E a cultura nacional continua sendo reformulada, pois é plástica, mutante,
não é estática.
A configuração de domínio político e físico de uma etnia sobre outra
terminou por fundamentar a ideia de domínio ou superioridade cultural de brancos
sobre negros e indígenas. Mas, na sociedade brasileira contemporânea, sabe-se
que essa ideia é falaciosa. Por isso, Estado e sociedade têm se organizado, com
mais veemência a partir dos anos 2000, para a promoção da igualdade social, por
meio de políticas públicas de esclarecimento sobre discriminação e racismo, bem
como práticas sociais de valorização da cultura negra. A escola é parte fundamental
desse processo, redirecionando ações a partir de projetos nacionais.
Em 1996, surgiu o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH),
formulado para promover estratégias de proteção dos direitos humanos
fundamentais e proteger grupos sociais vulneráveis no Brasil. Entre os focos
principais do programa, estava a diminuição da marginalização social de pessoas
negras e das práticas de racismo, minimizando desigualdades e promovendo a
equidade social.
É preciso refletir: a Lei nº 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade da
presença de conteúdos da história e da cultura afro-brasileiras nas matrizes
curriculares da educação, foi promulgada apenas em 2010, mais de um século após
a abolição da escravatura. Além da legitimação da identidade negra, essa ação
permite que a sociedade brasileira reconheça a importância e as contribuições
culturais, econômicas e políticas do povo negro à história nacional. Mas não se pode
esquecer de que a demora para a implementação de políticas como essa causou
um profundo impacto negativo em vidas de pessoas negras. Esse reconhecimento
pode incentivar uma nova leitura da constituição social brasileira (AUGUSTINHO,
2019).
Nessa nova leitura, negros, indígenas e imigrantes — aqueles que
imigraram como colonizadores ou aqueles que imigraram nos séculos XX e XXI
buscando asilo político, terras de paz ou oportunidades de emprego e vida estável,
vindos da Europa, da África, da Ásia e da América Latina — devem ter o mesmo
espaço, a mesma importância e as mesmas possibilidades de crescimento,

20
educação, saúde; enfim, vidas saudáveis e protegidas. A referida lei visa, portanto,
a estabelecer patamares interpretativos de igualdade na contribuição histórica, para
que relações entre raças e etnias diversas se deem de forma respeitosa, sem
racismo ou discriminação.

5.3 A escola e o combate ao racismo na promoção da igualdade

Como você viu, a escola tem papel fundamental no combate ao racismo e


à discriminação racial. Isso ocorre por dois motivos essenciais. Primeiro, porque a
escola precisa estar apta a oferecer o espaço, os dispositivos e as adaptações
necessárias para que estudantes marginalizados e discriminados tenham acesso à
educação de qualidade. Em segundo lugar, ao receber esses estudantes, a escola
precisa oferecer um lugar seguro e amigável. Como você pode imaginar, isso só é
possível se toda a comunidade escolar, assim como a comunidade do entorno, for
educada para compreender as práticas reparatórias e inclusivas como um benefício
a todo o contexto social, não apenas aos indivíduos em questão.
Além disso, é primordial que escolas e professores construam e difundam
a noção de igualdade social. A ideia é que, também fora do contexto escolar,
cidadãos negros, indígenas, imigrantes e pessoas com deficiência não sejam
discriminados por não serem os espelhos dos padrões normativos. Eles devem ser
vistos como portadores de características diversas, que enriquecem o contexto
cultural brasileiro. Para além, devem ser encarados com o mesmo respeito e as
mesmas oportunidades que quaisquer outros cidadãos (AUGUSTINHO, 2019).
Se a escola é entendida como ferramenta essencial no processo
civilizatório, ela é utilizada quando se quer mostrar ou cristalizar novas leituras de
contextos sociais. Por isso, a escola é utilizada para combater o racismo e promover
a igualdade racial, e isso não apenas a partir de práticas e projetos pedagógicos
inovadores e externos às diretrizes curriculares. Em 2010, foi promulgada a Lei nº
12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. Entre outras ações, o dispositivo
confirma a obrigatoriedade da presença na escola da história dos povos negros no
Brasil e em África, identificando-a como elemento formador da estrutural social e

21
cultural brasileira. Além disso, o estatuto também prevê a obrigatoriedade desse
conteúdo na formação de professores e profissionais da pedagogia, para que
educadores tenham em sua formação a noção cristalizada da importância das
contribuições dos povos negros.
Na busca por uma educação destinada a todos os cidadãos, que considere
as diversidades de cada grupo e as respeite, o Ministério da Educação no Brasil
promove uma série de ações e programas para integrar grupos sociais
marginalizados à escola. A ideia é que as diversidades sejam consideradas, não
suprimidas. A seguir, você pode ver alguns exemplos (BRASIL, 2013).

• Educação Escolar Quilombola: esse programa visa a inserir as


características culturais e históricas de estudantes e professores pertencentes ou
descendentes de comunidades quilombolas às diretrizes curriculares, fortalecendo
e legitimando a sua identidade social.

• Educação de Jovens e Adultos (EJA) — Projovem Urbano e


Projovem Rural: o conhecido programa EJA, que oferece educação do ensino
fundamental ao médio para jovens e adultos que estão fora da idade escolar,
ganhou nos últimos anos duas novas versões. Uma delas privilegia e insere
temáticas e particularidades do contexto urbano nas práticas educativas. A outra
faz o mesmo a partir do contexto rural, anexando saberes e práticas que fortaleçam
a identidade do cidadão do campo, mas também que favoreçam suas práticas de
trabalho e seus meios de vida.

• Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas


Interculturais Indígenas (Prolind): esse projeto favorece os saberes e as
vivências indígenas na formação de professores e profissionais cuja intenção é
voltar o seu trabalho especificamente para as suas comunidades. Assim, é possível
preservar a cultura original, com o ensino da língua materna, por exemplo, além do
português, juntamente a propostas de economia sustentável. 8 Relações étnico-
raciais e diversidade no ambiente escolar.

22
• Bolsa Família: é um benefício financeiro mensal para famílias em
situação de vulnerabilidade social extrema, desde que as crianças e adolescentes
em idade escolar (de 6 até 17 anos) sejam mantidos na escola. De acordo com o
Ministério da Educação, há acompanhamento do rendimento escolar de cada um
dos estudantes.

• Acessível: esse programa procura inserir nas escolas públicas


dispositivos e elementos que permitam aos estudantes com deficiência estudar,
permanecer e circular na escola de forma facilitada, com foco em sua autonomia.
Ele prevê desde rampas de acesso até salas multifuncionais com equipamentos e
instrumentos especiais para pessoas com deficiência física, visual, auditiva,
intelectual ou pessoas neuroatípicas. Pessoas com deficiência não
necessariamente precisam de escolas e educação especial, a não ser que isso seja
recomendado por médicos, em situações específicas. Elas podem (e isso é um
direito seu) ser recebidas nas escolas públicas regulares. É dever do Estado
providenciar os recursos necessários para que isso aconteça.

6 ETNIA E RAÇA

6.1 Distinção entre etnia e raça

Somos todos iguais? Essa questão é muito complexa, e é sobre ela que
vamos nos debruçar neste capítulo. Para iniciar a discussão, precisamos saber que,
apesar de termos em comum a condição de humanidade, temos origens biológicas,
territoriais e culturais diferentes, e isso faz com que tenhamos diferenças não só no
modo de viver a vida, mas também em aspectos físicos.
Segundo Neves (2006), as principais espécies hominídeas consideradas
cruciais para a história da evolução humana datam de sete milhões de anos atrás.
De lá para cá, o bipedismo, o consumo de proteína animal, a fabricação de
ferramentas, o desenvolvimento do cérebro e a construção da vida em sociedade

23
permitiram que o homem chegasse aos dias atuais como o conhecemos. Entretanto,
é importante considerar esse aspecto temporal e pensar nos processos biológicos
pelos quais a nossa sociedade passou:

O acaso na evolução biológica remete-se à existência ou não de variante


numa população exatamente no momento em que essas variantes
poderiam ser instadas à condição de solução adaptativa. A existência de
variabilidade depende de mutações, que ocorrem de forma absolutamente
imprevisível no genoma. A necessidade, por sua vez, remete-se ao desafio
de sobrevivência imposto por uma nova situação ambiental, ambiente aqui
entendido no seu sentido lato, que inclui também os competidores
(NEVES, 2006, p. 81).

Em essência, para sobreviver, cada sociedade passou por processos de


adaptação em sua forma de alimentação, de vestimentas, de proteção das
intempéries climáticas e de tantos outros aspectos. Estes interferiram não somente
nas expressões culturais às quais se filiavam, mas também em aspectos biológicos
que resultaram em mudanças físicas perceptíveis. Desse modo, a cor da pele, a cor
do olho, a cor do cabelo, a altura, o tamanho, as formas corporais de partes do
corpo são aspectos visíveis que diferenciam as sociedades e as culturas que
conhecemos.
Vamos compreender melhor como podemos analisar essas sociedades a
partir da noção de raça e etnia. Carolus Linnaeus (1758) foi quem criou a taxonomia
moderna e o termo Homo sapiens, reconhecendo quatro variedades do homem: o
americano (Homo sapiens americanus), o europeu (Homo sapiens europaeus), o
asiático (Homo sapiens asiaticus) e o africano (Homo sapiens afer). Essa situação
difundiu a ideia de que há uma diferença entre grupos sociais a partir de cores:
respectivamente, o vermelho, o branco, o amarelo e o preto. Para refletir o que a
cor nos leva a pensar sobre raça, cabe lembra o que diz Guimarães (2008, p. 76–
77): “[...] cor é uma categoria racial, pois quando se classificam as pessoas como
negros, mulatos ou pardos é a ideia de raça que orienta essa forma de classificação
[...]”.
Logo, a difusão desse conhecimento influenciou os estudos evolutivos no
sentido de reforçar a ideia de que há divisão, de certa forma homogênea, entre os
grupos sociais. Todavia, poderíamos dizer que Etnia e Raça são diferentes —

24
muitas vezes percebidas pelas cores — que compõem a base para as sociedades
que conhecemos hoje? Para isso, vamos estudar o próprio termo raça e
problematizar os seus usos.

O termo raça tem uma variedade de definições geralmente utilizadas para


descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características
morfológicas. A maioria dos autores tem conhecimento de que raça é um
termo não científico que somente pode ter significado biológico quando o
ser se apresenta homogêneo, estritamente puro; como em algumas
espécies de animais domésticos. Essas condições, no entanto, nunca são
encontradas em seres humanos. (SANTOS et al., 2010, p. 122).

A explicação sobre a diferença entre as sociedades por meio da divisão dos


grupos sociais a partir das cores se torna sem fundamento, até mesmo porque é
rara a existência de sociedades isoladas. Em geral, há grandes trocas culturais
entre sociedades que vivem próximas — os seus membros inclusive transitam por
esses grupos sociais por meio de casamentos.
Guimarães (2008, p. 64–65) destaca que é preciso esclarecer uma
diferença importante para compreender esse termo de forma conceitual e mais
aprofundada:

O que é raça? Depende. Realmente depende se estamos falando em


termos científicos ou de uma categoria do mundo real. Essa palavra “raça”
tem pelo menos dois sentidos analíticos: um reivindicado pela biologia
genética e outro pela sociologia. [...] A biologia e a antropologia física
criaram a ideia de raças humanas, ou seja, a ideia de que a espécie
humana poderia ser dividida em subespécies, tal como o mundo animal, e
de que tal divisão estaria associada ao desenvolvimento diferencial de
valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais entre os seres humanos.
Para ser sincero, isso foi ciência por certo tempo e só depois virou
pseudociência. [....] Depois da tragédia da Segunda Guerra, assistimos a
um esforço de todos os cientistas — biólogos, sociólogos, antropólogos —
para sepultar a ideia de raça, desautorizando o seu uso como categoria
científica [...]. Ou seja, as raças são, cientificamente, uma construção
social e devem ser estudadas por um ramo próprio da sociologia ou das
ciências sociais, que trata das identidades sociais. Estamos, assim, no
campo da cultura, e da cultura simbólica. [...] As sociedades humanas
constroem discursos sobre suas origens e sobre a transmissão de
essências entre gerações. Esse é o terreno próprio às identidades sociais
e o seu estudo trata desses discursos sobre origem.

Cabe deixar de lado o termo raça usado pelas ciências biológicas e tão
difundido nos séculos XVIII e XIX, que entendiam como pertinente a ideia de raças
humanas para diferenciar os grupos sociais — e até mesmo hierarquizá-los —, para

25
compreender que a única raça existente é a raça humana. Neves (2006)
compreende que o termo raça só faz sentido se for utilizado no âmbito sociológico,
no qual são levadas em consideração as origens do grupo, tanto pelos traços
fisionômicos como pelos aspectos culturais, abarcando as suas complexidades
históricas e a identidade dos seus membros.
Silva e Soares (2011) destacam que esse “novo” uso do termo vem se
consolidando; porém, em outros momentos, diferentes conceitos tentaram dar conta
de identificar os grupos sociais de forma que considerassem a sua pluralidade sem
hierarquizá-los, como explicam a seguir:

Apesar dessas novas leituras conceituais e usos das palavras, o que


confere uma mudança histórica altamente comum e saudável no campo
das mentalidades, o conceito de “raça”, por muitas vezes foi deixado de
lado em detrimento de outros, não completamente substituidores, mas que
talvez fizessem o mesmo papel definidor e classificador dessas pessoas
unidas por características, cultura e instituições semelhantes e, num
contexto de luta por igualdades, experiências parecidas de resistência e/ou
percepção de todo um sistema insistentemente segregacionista.
Atualmente, um desses outros conceitos seria o de “etnia”, que tem origem
do grego ethnos, o que entendemos não só como um conjunto de pessoas
da comunidade. É o pertencimento do grupo, independente dos laços
consanguíneos e a construção de ações coletivas (SILVA; SOARES, 2011,
p. 106).

Assim, o termo etnia abrange a complexidade dos contextos sociais,


políticos e econômicos dos grupos sociais, não só enquanto identificação de grupo,
mas enquanto mobilização política para a sua existência em meio aos outros grupos
sociais. Luvizotto (2009, p. 30) explica que “[...] a concepção de etnicidade está
além da definição de culturas específicas e, portanto, é composta de mecanismos
de diferenciação e identificação que são acionados conforme os interesses dos
indivíduos em questão, assim como o momento histórico no qual estão inseridos
[...]”. Logo, com essa discussão, temos um quadro panorâmico de como os
conceitos de raça e etnia se inserem nas sociedades e nos debates atuais.

6.2 Questões histórico-sociais dos conceitos de etnia e raça

Para que você possa entender como esses conceitos foram utilizados
diante das questões histórico-sociais, vamos enfatizar alguns momentos da história
26
mundial e até mesmo da história nacional pertinentes a essa compreensão. É
importante perceber que alguns usos políticos dos conceitos de raça e etnia podem
explicitar diferenças entre grupos sociais dispostas pelos poderes político e
econômico ou mesmo pretendem invisibilizar aspectos específicos de culturas que
vivem no mesmo espaço territorial, a partir de uma suposta de ideia de democracia
racial.
O primeiro destaque aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial (1939–
1945). O plano alemão de conquista do mundo se valia da diferenciação dos grupos
sociais para hierarquizar uns sobre os outros e valorizar a dita raça ariana: os
descendentes de uma das três grandes sociedades humanas provenientes do
Cáucaso (região da Europa Oriental e da Ásia Ocidental, entre o Mar Negro e o Mar
Cáspio). Mazowe (2008) destaca que os nazistas optaram pelos velhos padrões
coloniais europeus, tanto em termos geopolíticos como em termos de questões
raciais, para impor as suas ideias imperiais, exterminar povos considerados
diferentes dos seus e se apresentar como raça superior.
Assim, essa era uma estratégia política de Adolf Hitler (político alemão que
foi líder do Partido Nazista) para dividir os grupos sociais, mas também fazer com
que os arianos apoiassem esse regime político por medo de morrer, como analisa
Foucault (1996, p. 210):

[...] o regime nazista não terá como único objetivo a destruição das outras
raças. Este é apenas um de seus aspectos. O outro [aspecto] é o de expor
a própria raça ao perigo absoluto e universal da morte. O risco de morrer,
a exposição à destruição total é um princípio inscrito entre os deveres
fundamentais da obediência nazista e entre os objetivos essenciais da
política.

Entretanto, em nome da construção da Alemanha somente por pessoas


provenientes da raça ariana, inúmeras atrocidades foram cometidas, misturando
nazismo com eugenia — a seleção das pessoas com base em características
genéticas. Umas das consequências desse pensamento político entre os
governantes alemães da época foi o holocausto, que, segundo Katz (1994, p. 28),
é descrito como “[...] fenomenologicamente único em virtude do fato de que nunca
antes um Estado se fixara, como objetivo de princípio e como política Etnia e raça

27
de fato, a tarefa de aniquilar fisicamente cada um dos homens, mulheres e crianças
pertencentes a um povo determinado [...]”.
Diante desses números, percebemos como determinado uso da ideia de
raça pode ter consequências perversas e aterrorizantes. Um segundo destaque
para pensar nos conceitos estudados neste capítulo é em relação à difusão de uma
suposta democracia racial no Brasil do século XIX. Assim como o nosso primeiro
exemplo, essa proposta também tem implicações políticas de modo a invisibilizar
as disputas raciais da constituição do povo brasileiro.
Freyre (1995) apresenta uma convivência quase harmoniosa entre brancos,
indígenas e negros desde a colonização do Brasil, trazendo a ideia de que não havia
disputas raciais, imposições culturais ou mesmo resistência por parte dos povos
colonizados. A sua perspectiva era de evidenciar traços de diferentes culturas que
formaram o que hoje conhecemos como a cultura brasileira, mas essa leitura foi
apropriada politicamente pelos governantes da época para dizer que havia no Brasil
uma democracia racial. No entanto, apesar de esse ter sido um discurso oficial por
muito tempo, os cidadãos reconhecem no cotidiano das cidades brasileiras que isso
é um mito, como explicita Hasenbalg (1979, p. 239):

[...] as pessoas não se iludem com relação ao racismo no Brasil; sejam


brancas, negras ou mestiças, elas sabem que existe preconceito e
discriminação racial. O que o mito racial no brasileiro faz é dar sustentação
a uma etiqueta e regra implícita de convívio social, pela qual se deve evitar
falar em racismo, já que essa fala se contrapõe a uma imagem enraizada
do Brasil como nação. Transgredir essa regra cultural não explicitada
significa cancelar ou suspender, mesmo que temporariamente, um dos
pressupostos básicos que regulam a interação social do cotidiano, que é a
crença na convivência não conflituosa dos grupos raciais.

Sabe-se que houve, no começo do século XIX, políticas de branqueamento


que buscavam atrair populações da Europa ao Brasil, a partir de vantagens para a
fixação desses povos no território brasileiro. Silva (2017, p. 594) explica como se
deu essa articulação:

[...] para o entendimento da democracia racial como dispositivo biopolítico


assentado na miscigenação e no chamado “projeto” de branqueamento da
nação, nomeadamente a partir dos anos 1930, quando a miscigenação e
a negação oficial do racismo passaram a ser emblemáticos nas narrativas
identitárias da nação. [...] É neste contexto que defendo a ideia de que a
população negra acaba por ser constituída como saber, pois, incluída nas

28
narrativas nacionais pelo viés da miscigenação é excluída pelo seu virtual
desaparecimento, uma vez que o branqueamento é concebido mediante a
própria ideia de miscigenação.

Mesmo evidenciando os motivos e as consequência do mito da democracia


racial, Munanga (1999, p. 125–126) explica que essas ideias influenciam até mesmo
a maneira como a nossa sociedade é constituída hoje:

Apesar do esforço dos movimentos negros em redefinir o negro, dando-lhe


uma consciência política e uma identidade étnica mobilizadoras,
contrariando a ideologia de democracia racial construída a partir de um
racismo universal, assimilacionista, integracionista — o universalismo —
aqui, concordamos com Peter Fry — essa ideologia continua forte no
Brasil, na sua constituição e na ideia da democracia racial, mesmo se há
sinais [...] de uma crescente polarização. Se a mestiçagem representou o
caminho para nivelar todas as diferenças étnicas, raciais e culturais que
prejudicavam a construção do povo brasileiro, se ela pavimentou o
caminho não acabado do branquecimento, ela ficou e marcou
significativamente o inconsciente e o imaginário coletivo do povo brasileiro.

Chamando atenção para essas situações que envolvem a discussão de


raça e etnia, pretendemos enfatizar a relevância das conceituações apresentadas
e a necessidade de um olhar crítico para a proposição de diferença dos grupos
sociais. Longe de resolver a questão, o objetivo é ampliar a percepção de como
esses conceitos estão atrelados às discussões políticas e econômicas, não só na
nossa história, mas também nos dias atuais.

7 REPENSANDO O PRECONCEITO RACIAL

A partir dos exemplos emblemáticos enfatizados, devemos lembrar que o


preconceito racial ainda é velado nos dias de hoje. Talvez não tão explícito como
no holocausto, na escravidão ou mesmo nas políticas de branqueamento
anteriormente citadas, o olhar com desdém para alguém de etnia diferente ou
mesmo a exclusão de um currículo por conta da cor da pele são considerados
formas de preconceito racial.
Para Blumer (1965), quatro aspectos permitem evidenciar as formas de
preconceito racial por um grupo dominante: (a) de superioridade; (b) de que a raça

29
subordinada é intrinsecamente diferente e alienígena; (c) de monopólio sobre certas
vantagens e privilégios; e (d) de medo ou suspeita de que a raça subordinada deseje
partilhar as prerrogativas da raça dominante.
Logo, as populações que se sentem prejudicadas em função do preconceito
racial têm se organizado em movimentos sociais e se articulado para fazer valer os
seus direitos sociais. Considera-se que as ações políticas afirmativas:

[…] tomam como base para sua implementação a extrema desigualdade


racial brasileira no acesso ao ensino superior. Os argumentos favoráveis
concentram- -se nesse sentido, afirmando a necessidade de um
enfrentamento direto da sociedade brasileira a esse respeito, o que implica
o reconhecimento de que o Brasil é um país racialmente desigual e que tal
situação é fruto de discriminação e preconceito, e não de uma situação de
classe social (LIMA, 2010, p. 87).

Essas políticas são consequência da mobilização dos movimentos sociais


vinculados à noção de raça e etnia. Entre eles, podemos destacar:

A partir da segunda metade da década de 1990 acelera-se um processo


de mudanças acerca das questões raciais, marcado fortemente por uma
aproximação entre o Movimento Negro e o Estado brasileiro. É a partir
deste momento que as reivindicações por ações mais concretas para o
enfrentamento das desigualdades raciais começam a ser cobradas. Dois
acontecimentos — um de âmbito nacional e outro, internacional — são
destacados consensualmente pelos estudiosos do tema como momentos
importantes desse processo: a Marcha Zumbi de Palmares contra o
Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 1995, ano de comemoração do
tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, e a Conferência de Durban,
em 2001 (LIMA, 2010, p. 89).

Podemos dizer que, apesar de diferentes grupos sociais que reivindicam a


questão da identidade étnica no Brasil, como negros, indígenas, ciganos, e outros
povos que habitam o território brasileiro, a mobilização do movimento negro tem se
destacado. Essas mobilizações descritas acima tiveram consequências concretas
nas implantações das cotas raciais, como explicita Maio e Santos et al. (2010, p.
189):

Logo após a conferência, o governo brasileiro definiu um programa de


política de cotas no âmbito de alguns ministérios (Desenvolvimento
Agrícola e Reforma Agrária, Justiça e Relações Exteriores) (Moehlecke,
2002). No plano estadual e municipal, diversas iniciativas foram realizadas
para a implementação do sistema de cotas. Aquela que obteve maior
destaque no final do ano de 2001 foi a da Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro, que estabeleceu uma porcentagem das vagas das

30
universidades estaduais para pretos e pardos (Maggie; Fry, 2004). A partir
de 2002, o debate e a implementação de políticas de ação afirmativa com
viés racial, com foco no sistema de cotas, estenderam-se por diversas
universidades públicas, tanto estaduais como federais. Em sua ampla
maioria, com regras variadas, foram definidos mecanismos centrados na
auto declaração dos candidatos. Já a UnB, além de ser a primeira
universidade federal a adotar o programa, estabeleceu critérios adicionais
à auto declaração para definir os beneficiários, ou seja, quem seriam os
"negros".

A implantação das cotas não se deu sem polêmicas, e desde então são
produzidas avaliações sobre o programa em inúmeros estados. As principais
críticas à política de cotas destacadas por Guarnieri e Melo-Silva (2017, p. 185)
desde a sua implantação em 2012 apontam:

[...] inexistência biológica das raças; caráter ilegítimo das ações de


“reparação” aos danos causados pela escravidão em tempo presente; risco
de acirrar o racismo no Brasil; possibilidade de manipulação estatística da
categoria “parda”; inviabilidade de identificação racial em um país mestiço;
a questão da pobreza como determinante da exclusão social.

Por outro ladro, também é preciso evidenciar pontos que foram vantajosos
e que conseguiram provocar uma nova configuração da população no acesso à
educação superior. Logo, a mesma pesquisa destacou:

Os argumentos favoráveis concentraram-se na discussão sobre a


constitucionalidade das cotas e relevância para o país. A intervenção do
Estado foi colocada como fundamental diante dos quadros de
desigualdade raciais remanescentes de fenômenos sociais que precisam
ser enfrentados; destacando-se que as “ações afirmativas” atuariam como
alternativa para a busca de igualdade através da promoção de condições
equânimes entre brancos e negros (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2017, p.
185).

8 RACISMO E FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES ÉTNICAS

A formação da identidade pessoal ocorre desde o nascimento, a partir das


experiências e vivências nos campos sociais. Nesses campos, as pessoas
aprendem a respeito da cultura de cada grupo étnico. Nesse contexto, cada etnia
tem uma cultura própria, forjada a partir das experiências históricas que vivenciou,

31
das ideias e normas sociais que produziu com o passar dos tempos e que procurou
transmitir de geração em geração.
A vida em sociedade, algumas vezes, faz com que determinadas etnias
tenham mais poder e dominem as demais. Isso afeta a produção das identidades e
pode abalar a construção da autoimagem dos sujeitos dominados e inferiorizados.
Quando a cultura de um grupo étnico é vista como superior e procura servir como
padrão para todas as demais, pode haver efeitos indesejáveis, como o racismo e a
discriminação étnico-racial.

8.1 Formação da identidade e da autoimagem

Para analisar o processo de formação das identidades, é preciso


compreender bem o conceito de cultura, pois esse conceito é decisivo para que as
identidades sejam produzidas nos sujeitos. O termo “cultura”, nesse caso, pode ser
utilizado “[...] para se referir a tudo o que seja característico sobre o ‘modo de vida’
de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de um grupo social [...]” (HALL,
2016, p. 19). Essa definição é interessante pois remete aos vários aspectos
antropológicos e sociológicos presentes na cultura. Dessa forma, não a restringe a
“[...] um conjunto de coisas — romances e pinturas ou programas de TV e histórias
em quadrinhos —, mas sim [a define como] um conjunto de práticas [...]” (HALL,
2016, p. 20).
Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a apresentar
uma interpretação de mundo semelhante, uma atribuição de sentido similar sobre
as coisas. Afinal, eles aprendem no interior das práticas cotidianas de seu grupo
étnico a respeito desses conceitos e seus significados. Considere, por exemplo,
uma criança pequena. Ela desenvolve traços de comportamento similares aos dos
pais ou irmãos, na maioria das vezes. Na escola também ocorre esse processo. É
a partir da conduta do professor ou dos colegas na educação infantil ou anos iniciais
do ensino fundamental que os alunos aprendem formas de agir que farão parte da
sua identidade. Para compreender melhor como ocorre o processo de formação das

32
identidades, veja algumas características inerentes a ela: negação; diferença;
relação.
Os sujeitos constituem a sua identidade a partir da negação daquilo que
não são. Ou seja, sou “branco” porque não sou “negro” ou “amarelo”; sou um sujeito
“calmo” pois não sou “nervoso” ou “agressivo”. Esse mesmo mecanismo que faz
alguém definir quem é (ou pretende ser) exclui as demais possibilidades,
normalmente inserindo o sujeito em um sistema de classificação social que possui
representações simbólicas sobre as diferentes categorias. Ou seja, quando alguém
se posiciona como “branco”, por exemplo, assume todos os significados que essa
classificação proporciona. Isso inclui os privilégios históricos, bem como uma
posição que simbolicamente denota maior confiança, ou que é associada à
competência profissional, etc.
O segundo elemento que você deve considerar é que a identidade é
produzida também a partir da marcação da diferença. Assim, um sujeito é da forma
como é porque é diferente dos demais com os quais não se identifica. É importante
você notar que “[...] a diferença é um elemento central dos sistemas classificatórios
por meio dos quais os significados são produzidos [...]” (WOODWARD, 2012, p. 68).
O problema com a questão da diferença ocorre quando ela é utilizada dentro desse
sistema classificatório para realizar juízo de valor e construir representações ruins,
negativas e que inferiorizam algumas identidades.
Isso foi muito recorrente, por exemplo, durante os processos colonizadores
no Brasil. Nesse contexto, assumiu-se a identidade europeia (dos colonizadores)
como a central, mais importante e poderosa do que todas as demais. Nesse
processo, indígenas e negros foram representados como subalternos, inferiores,
selvagens e sem cultura. Convém reforçar ainda que

“[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;
e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades [...]” (SANTOS, 2003, p. 56).

33
As diferenças são marcadores que constituem as pessoas, as tornam seres
singulares e especiais. Dessa forma, devem ser reconhecidas e valorizadas
socialmente.
O terceiro aspecto talvez seja o mais importante de todos: o caráter
relacional da identidade. A identidade é produzida a partir das relações nos grupos
sociais e nas instituições que fazem parte das experiências dos sujeitos: “Nós
participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de
escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade,
um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos [...]”
(WOODWARD, 2012, p. 29).
Os campos sociais são importantes e decisivos para que as relações e
interações sociais ocorram e, assim, contribuam para que os sujeitos produzam
suas identidades. Nesse contexto, a escola é uma importante instituição, que as
crianças frequentam de forma obrigatória a partir dos 4 anos de idade no Brasil e
que acolhe aos mais diversos grupos étnicos e culturais. As escolas também
possuem seus contextos particulares e seus simbolismos. Por exemplo, uma escola
pública pode ser muito diferente de uma escola privada nas questões estruturais,
curriculares e, até mesmo, em relação ao público que atende
O processo de formação da identidade também envolve aspectos
psíquicos. O indivíduo produz tanto selfs sobre si mesmo quanto sobre todos os
demais com quem convive, formando o seu autoconceito. Segundo Goñi e
Fernández (2009, p. 25), “[...] o conceito que uma pessoa tem de seu self surge das
interações com os outros e reflete as características, expectativas e avaliações dos
demais [...]”. O autoconceito se relaciona estreitamente com a autoimagem e com
a autoestima que os sujeitos possuem. Por sua vez, segundo mendes et al. (2012,
p. 7),

A autoimagem é uma descrição que a pessoa faz de si, a forma como ela
se vê, estando esta percepção também relacionada ao modo como os
outros a percebem. Por seu turno, a autoestima é uma avaliação que o
sujeito faz de si, estando esta valoração relacionada também com o modo
como os outros o avaliam [...]

34
Como você pode perceber, durante o processo de formação das
identidades, existe uma estreita relação entre o autoconceito, a autoimagem e a
autoestima, o que tem importância significativa. Caso o sujeito, ao conviver em seus
campos sociais, perceba que simbolicamente sua identidade é representada como
inferior ou excluída em relação às demais, pode ter sérios problemas de autoestima
e autoimagem. Nesse caso, ele assume para si as representações distorcidas que
o desvalorizam. É o que acontece, por exemplo, com identidades culturais
minoritárias que sofrem estigmatizações, preconceitos, racismo e violências
diversas.
Bee e Boyd (2011, p. 284), ao analisarem o autoconceito e o ambiente
escolar, comentam que “A criança em idade escolar também começa a ver suas
próprias características (e as de outras pessoas) como relativamente estáveis e,
pela primeira vez, desenvolve um sentido global de seu próprio valor [...]”. É possível
inferir que, na escola, os mecanismos de produção das identidades encontram
terreno fértil para que as mais variadas relações e interações necessárias se
estabeleçam. Cabe ao docente estar atento, percebendo e intervindo sempre que
esse processo possa ser prejudicado por práticas racistas ou preconceituosas
durante suas aulas.

8.2 Identidade étnica: desafios dos grupos minoritários

Você já viu que a formação das identidades individuais ocorre a partir das
relações estabelecidas entre os grupos e instituições sociais às quais os sujeitos
pertencem. Essa formação também envolve os aspectos internos, ligados ao
desenvolvimento psicológico. É aí que são estabelecidos o autoconceito, a
autoimagem e a autoestima. Da mesma forma, a cultura tem importância
fundamental. Por meio dela, os indivíduos aprendem as práticas sociais discursivas
(o que se diz) e não discursivas (o que se faz) do seu grupo étnico. A cultura, dessa
forma, envolve todos os simbolismos e representações que foram estabelecidos
com o passar das experiências históricas do grupo. Ela costuma servir como
balizador, como norte a guiar as ações futuras daqueles que fazem parte de

35
determinada etnia. Assim, as características étnicas contribuem significativamente
para a formação das identidades.
Como exemplo, considere algumas alusões a traços ou comportamentos
culturais de determinadas etnias: “o povo alemão sabe melhor como poupar”, “os
italianos são mais acolhedores e hospitaleiros”, “os indígenas são mais
espiritualizados e desapegados dos bens materiais”, etc. Essas afirmações
procuram essencializar os traços de uma identidade étnica, o que pode ou não ser
verdadeiro para todos os que compõem a etnia (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 16).
A formação das identidades culturais e étnicas é um processo histórico e
social produzido nos embates de poder e força entre as etnias existentes. No
decorrer da história brasileira, houve, acompanhando as tendências internacionais,
o favorecimento de algumas etnias. Além disso, ocorreu a construção de
representações simbólicas que favorecem tais etnias e, ao mesmo tempo,
desqualificam e inferiorizam todas as demais, produzindo grandes desigualdades
sociais e raciais.
Dessa forma, os mecanismos de colonização no Brasil estabeleceram uma
relação entre cor e raça que serviu para classificar as populações, bem como para
executar a “[...] inferiorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista
da produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos
conhecimentos [...]” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 16). A colonização não se deu
somente no território físico, na materialidade dos recursos e na exploração da mão
de obra do colonizado, mas também colonizou os saberes, impôs novas formas de
pensar e agir socialmente.
As sociedades ocidentais e, mais particularmente, a sociedade brasileira
desenvolveram um processo de racialização em que foram cristalizadas algumas
características essenciais ao sujeito moderno, que serve de referência a todos os
demais. Louro (2011, p. 65) reforça essa ideia ao argumentar que “[...] no contexto
da sociedade brasileira, ao longo de sua história, foi sendo produzida uma norma a
partir do homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão [...]”.
Dessa forma, as minorias sociais são compostas por todos aqueles que por
quaisquer motivos não se encaixem na norma: as mulheres, os negros, os

36
indígenas, os homossexuais, aqueles que possuem outras religiões (como as de
matriz africana), as pessoas com deficiência, os pobres, etc. Embora, em grande
parte dos casos, esses grupos apresentem-se quantitativamente maiores do que os
que servem de referência, são considerados minoritários devido à sua falta de força
e de poder nas relações sociais.
O professor, ao desenvolver suas atividades na escola, deve estar atento
para que as suas aulas não reforcem uma estratificação social que se vale dos
aspectos étnico-raciais dos sujeitos. Ele não deve ceder espaço a uma pedagogia
que “[...] educou o olhar deste sujeito branco que julga; ela educou seu modo de
compreensão sobre a pertença racial. Ela o educou para pensar que ele, branco,
não tem raça nem cor e, portanto, pode, do alto de seu estatuto de incolor, julgar
quem são, afinal, os ‘de cor’ [...]” (KAERCHER, 2010, p. 87). Ou seja, o docente,
seja ele branco, negro ou de qualquer outra cor de pele, deve ter consciência de
que as características étnicas influenciam e são importantes para a formação da
identidade e, consequentemente, da autoimagem e da autoestima de seus alunos,
coibindo práticas racistas e preconceituosas.
Ao analisar a produção histórica relativa ao conceito de racismo e suas
modificações com o passar das décadas no Brasil, Guimarães (2004, p. 33)
comenta que

[...] o nosso desafio atual, ao formar as novas gerações, é teorizar a


simultaneidade desses dois fatos aparentemente contraditórios, apontados
por todos os que nos precederam: a reprodução ampliada das
desigualdades raciais no Brasil coexiste com a suavização crescente das
atitudes e dos comportamentos racistas [...].

O autor faz uma crítica e um alerta ao fato de que no Brasil entende-se que
não há racismo devido ao mito da democracia racial. O fato de haver miscigenação
na formação do povo brasileiro não faz com que, naturalmente, as relações sociais
sejam harmônicas e justas. O mito da democracia racial mascara o grande abismo
que é produzido desde a época colonial e reproduzido em instituições como a
escola, colocando alguns grupos étnicos em condição desigual, marginalizada e
empobrecida.

37
Você deve entender que “[...] a identidade étnico-cultural, mesmo quando
aparece como marginalizada, excluída, não é uma realidade muda, simples objeto
de interpretação. Ela é fonte de sentido e de construção do real. Os processos
culturais são processos conflitivos [...]” (KREUTZ, 1999, p. 83). Os conflitos
normalmente surgem a partir dos movimentos sociais de algumas etnias em busca
de sua igualdade de direitos políticos, econômicos e sociais, procurando quebrar a
hegemonia de poder que se instituiu historicamente. Como exemplo, considere o
movimento negro brasileiro, que, com suas lutas, conseguiu incluir nos currículos
escolares a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileiras por
meio da Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Além disso, esse movimento teve
participação decisiva na implantação do sistema de cotas raciais e sociais nas
universidades públicas e na criação do Estatuto da Igualdade Racial, entre outras
conquistas que visam a reparar danos históricos causados às etnias
afrodescendentes.
A escola, como instituição social que se estende a todos,
independentemente de sua identidade étnico-cultural, deveria promover cursos que
“[...] alargassem a compreensão que os/as estudantes possam ter de si mesmos/as
e de outras pessoas, ao examinar eventos que enfoquem um senso de
responsabilidade social e moral [...]” (GIROUX, 1995, p. 91). Dessa forma, cabe à
escola, ao professor, conduzir seus alunos a:

[...] examinarem criticamente sua própria localização histórica em meio a


relações de poder, privilégio ou subordinação. [A escola] Pode, também,
ajudá-los a perceberem as especificidades étnico-culturais próprias,
distinguindo e reconhecendo as especificidades dos grupos étnicos,
incentivando-os a um diálogo intercultural (KREUTZ, 1999, p. 93).

A escola e os professores dispõem de uma gama de possibilidades para


trabalhar as questões que tanto contribuem para que a formação e a afirmação das
identidades étnicas ocorram em simetria e equidade. Assim, podem ajudar a
produzir uma sociedade melhor e mais justa para todos.

38
8.3 O posicionamento do professor frente ao racismo e à injúria racial

O professor deve ser um bom observador. Além disso, deve conhecer as


características pessoais e culturais de seus alunos. A ideia é que ele atue como um
mediador entre os mais diversos grupos étnico-culturais que se encontram sob sua
docência. Dessa forma, ele deve conhecer muito bem os conceitos listados no
Quadro 1 para que possa tomar as atitudes adequadas.

Conhecer os conceitos apresentados no Quadro 1 é fundamental. Você


deve considerar que, na formação de sua identidade étnica e cultural, as pessoas
podem se apropriar de preconceitos, ideias distorcidas e/ou crenças equivocadas a
respeito de outras etnias e suas características. Isso pode levar a comportamentos
discriminatórios e, inclusive, culminar em crimes de racismo e injúria racial. Essas
situações não são admissíveis em nenhum segmento da sociedade e
especialmente na escola, por ser um espaço privilegiado de formação das
identidades étnicas e culturais. Como as crianças entram precocemente na escola,
a partir dos 4 anos de idade, já na educação infantil o professor pode observar e
desconstruir tais preconceitos. A ideia é que ele ajude os alunos a desenvolver uma
conduta intercultural que reconheça e respeite a todos sem distinção (BES, 2019).

39
Como exemplo, considere o caso de um professor que atua com uma turma
de alunos do 5º ano do ensino fundamental de uma escola de periferia. Tal escola
recebe crianças e jovens em condições de vulnerabilidade social. Na turma em que
o professor trabalha, existem dois grupos étnicos com uma rivalidade muito grande,
que se manifesta tanto entre os meninos quanto entre as meninas. Um grupo é de
alunos afrodescendentes e o outro é de alunos que se consideram “brancos”.
O professor decide analisar o contexto dos alunos, conhecer sua vida social,
as particularidades de sua rotina diária. Assim, ele percebe muitas semelhanças
entre eles. Com base nisso, resolve confrontar ambos os grupos e provocá-los a
pensar sobre a sua condição social. Para iniciar a discussão, o tema escolhido é a
situação de pobreza em que se inserem, as perspectivas e planos que têm para o
futuro, suas angústias e desafios cotidianos, seus problemas familiares, entre outras
situações. No decorrer das aulas, o professor realiza algumas dinâmicas de grupo
e abre o canal de comunicação para que todos se manifestem sempre que acharem
oportuno.
As trocas de experiências entre os estudantes negros, brancos e todos os
demais que não se identificam com esses dois grupos são muito produtivas e
significativas. Muitos percebem semelhanças em suas relações na sociedade, nas
mazelas que lhes afligem socialmente, na carência dos bens materiais, nos
sofrimentos sentidos durante a infância, nas frustrações, decepções e mágoas
familiares, nos planos para o futuro e nas perspectivas que possuem. Essa vivência
faz com que os grupos de alunos se aproximem muito e une a todos já no primeiro
bimestre. Resolvidas as questões que provocaram o choque cultural entre os jovens
alunos, não há mais problemas de ofensas raciais ou estereótipos de qualquer
natureza. O diálogo torna os estudantes mais tolerantes, respeitosos e acolhedores
das diferenças.
Oliveira e Candau (2010) refletem sobre a importância do reconhecimento
de todos os grupos étnicos nos debates interculturais realizados nas escolas
visando a uma educação antirracista. Eles afirmam que:

[...] o termo reconhecimento implica: desconstruir o mito da democracia


racial; adotar estratégias pedagógicas de valorização da diferença;
reforçar a luta antirracista e questionar as relações étnico-raciais baseadas

40
em preconceitos e comportamentos discriminatórios [...] (OLIVEIRA;
CANDAU, 2010, p. 32).

Para que isso possa ser realizado pelo docente, é necessário que haja
conhecimento, interesse e posicionamento sobre essas questões tão importantes e
presentes na sociedade. A proposta é que os alunos entendam que a diferença
torna os sujeitos ricos e não os deprecia ou inferioriza.
Cabe aos professores e professoras, no decorrer de suas práticas docentes,
independentemente do nível educacional em que atuam, da educação infantil ao
ensino superior, “[...] promover processos de desconstrução e de desnaturalização
de preconceitos e discriminações que impregnam, muitas vezes com caráter difuso,
fluido e sutil, as relações sociais e educacionais que configuram os contextos em
que vivemos [...]” (CANDAU, 2012, p. 8). Para que possa superar esse desafio, você
deve estar atento às questões apresentadas de:
• naturalização;
• igualdade e diferença;
• currículo escolar;
• culturas;
• interações.
A naturalização de características que se relacionam com alguma etnia
específica deve ser observada pelo professor. Assim, pode ser contestada e
desconstruída junto aos seus alunos. Dessa forma, conforme explica Hall (2016), a
naturalização muitas vezes opera para fixar as possíveis “diferenças” que são
produzidas dentro de uma lógica etnocêntrica e monocultural. Partindo desse
princípio, é comum que os alunos utilizem expressões e noções naturalizadas sobre
determinadas etnias. É o caso da associação dos afrodescendentes com esportes
de luta e corrida. Nesse caso, se propõe que essa seja uma “verdade” recorrente a
todos os negros, o que os exclui de outras realizações, ao mesmo tempo em que
interfere outras etnias de ter sucesso nessas modalidades.
A igualdade e a diferença devem sempre ser colocadas em discussão. Elas
são importantes para a formação das identidades étnicas e culturais de todos os
alunos, marcando que as diferenças existem e constituem os sujeitos. Por sua vez,

41
a igualdade remete aos direitos que todos possuem. Da mesma forma, o currículo
escolar deve ser observado com atenção pelos professores, em cada detalhe, na
seleção de conteúdo, textos, livros didáticos e técnicas a serem utilizadas. Deve-se
reconhecer que todo saber carrega consigo o poder de produzir um entendimento
sobre o mundo.
Ao trabalhar junto aos alunos os processos de formação de suas
identidades culturais, os professores podem valer-se do importante recurso das
histórias de vida desses sujeitos. Ao narrar a sua trajetória, os alunos exercitam o
processo de escolha de suas memórias e percebem os aspectos que lhes são mais
caros e pertinentes. Da mesma forma,

É importante que se opere com um conceito dinâmico e histórico de


cultura, capaz de integrar as raízes históricas e as novas configurações,
evitando-se uma visão das culturas como universos fechados e em busca
do “puro”, do “autêntico” e do “genuíno”, como uma essência
preestabelecida e um dado que não está em contínuo movimento
(CANDAU, 2012, p. 8).

9 DISCRIMINAÇÃO

A discriminação é composta por um jogo de forças cujo objetivo é a


manutenção de poder por estratos sociais que se julgam possuidores de valor social
mais elevado, o que resulta na produção de desigualdades como resultado
estrutural da vida em sociedade.

9.1 Sobre a origem da discriminação

O inatismo, princípio segundo o qual nascemos todos providos com alguma


ideia que independe do meio onde vivemos, é controverso na filosofia. Alguns
filósofos intuem que sim, outros que não; por isso, iniciaremos esta discussão
investigando a possibilidade de a discriminação ser uma ideia que nasce com todos

42
os seres humanos, para, em seguida tratar desse fenômeno social a partir da cultura
ou da construção simbólica que é amplamente difundida na sociedade.
Segundo o dicionário Houaiss, a discriminação é um conceito que envolve
a distinção, que, aplicada à vida em sociedade, trata de uma quebra de sentido de
igualdade (HOUAISS; VILLAR, 2001). Esse é um bom ponto de partida para esta
investigação, que continuará a partir da análise de alguns filósofos contratualistas
sobre o tema da vida em sociedade, uma vez que é do período Iluminista que
herdamos o ideal de uma vida igualitária entre todos os cidadãos e que se funda na
ideia de que a garantia de direitos individuais é um elemento fundamental para a
dignidade humana.
Desse período, três filósofos que tratam do inatismo serão destacados para
a análise, a saber: Locke, Hobbes e Rousseau. O primeiro, Locke (1983), critica o
inatismo e toma o ser humano como uma tábula rasa, em que nada está
previamente escrito. Já Hobbes (1979) e Rousseau (1978) abordam o inatismo
segundo a ideia que fazem da “natureza humana”, ou uma abstração sobre o
comportamento humano a partir de um momento que antecede o contrato social, o
qual denominam “estado de natureza”.
Locke (1983) também trata do “estado de natureza”, condição na qual a
razão orientaria a conduta social segundo uma lei natural na qual é fundamental a
atenção ao princípio de igualdade, sobretudo ao prejuízo da vida, da saúde, da
liberdade e das posses. Para o filósofo, é a razão que torna possível a conduta
natural, e não um conhecimento inato.
A ideia de “estado de natureza” é distinta entre Hobbes (1979) e Rousseau
(1978). Enquanto o primeiro afirma um caráter egoísta inato, que orienta a conduta
humana a uma visão competitiva da vida, em que todos realizamos um movimento
que consiste em se aproximar do que nos agrada e se afastar daquilo que nos
desagrada, Rousseau (1978) ressalta a capacidade de todos de se associarem em
torno de vontades gerais, que seriam as responsáveis pela alienação coletiva da
liberdade natural em favor da aquisição da liberdade civil. Se pensarmos a
discriminação em termos individuais, a teoria de Hobbes (1979) nos levaria a
conclusões interessantes, no entanto, em ambos os casos, é difícil derivar o

43
comportamento discriminatório pela análise de grupos sociais uns contra os outros,
seja por seu caráter cultural, físico, religioso ou comportamental.
Pensar a discriminação enquanto um fenômeno social que afronta a
igualdade entre todos os seres humanos como o resultado de ideias que são
adquiridas por meio de nosso convívio social torna mais apropriado, ao debate, o
seu desenvolvimento de análise a partir do campo da cultura, uma vez que dela
derivam os aprendizados de significados comumente atribuídos para descrever o
mundo e orientar nossa conduta coletiva.
Aqui, utilizaremos o conceito de cultura exposto por Geertz (1978), que trata
a cultura enquanto significados que são produzidos e compartilhados amplamente
em sociedade e que sustentam as nossas relações sociais.

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo


tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max
Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que
ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ,
1978, p. 15).

De fato, é a nossa capacidade de “simbologizar” que torna possível criar,


atribuir e compreender significados (WHITE, 2009). A partir dessa característica, é
possível analisar qualquer processo social, mas os significados constituídos mudam
ao longo do tempo, o que evidencia a ideia de aprendizado, mas, ao mesmo tempo,
impõe o desafio de identificarmos na discriminação seu aspecto mais geral, capaz
de abranger uma multiplicidade de casos específicos.
O tratamento diferenciado a determinados extratos da sociedade que
configura a discriminação será abordado, portanto, enquanto relações de poder.
Desse modo, seremos capazes de tratar do conceito de modo abrangente, o que
permitirá sua compreensão em diferentes contextos empíricos, como, por exemplo,
em relação a discriminação racial, de gênero, sexual ou religiosa.
Para facilitar essa análise, é importante compreender a sociedade como
composta de diferentes conjuntos humanos, que possuem diversas formas de
interconexão entre si, e, a partir dessa ideia, isolar determinados conjuntos para
refletir sobre o modo como se dão as relações de poder entre estratificações

44
distintas. Por exemplo, se tomarmos a população brasileira como um todo, podemos
separar o conjunto compostos por mulheres, negras e homossexuais para, então,
avaliar o modo como participam da sociedade por meio de indicadores sociais e
também interpretar as evidências culturais que afirmam ou negam a influência
dessa população em comparação ao todo, ou mesmo a outra estratificação, como
a dos homens, brancos e heterossexuais. Entre esses conjuntos, não há qualquer
interseção e, portanto, as assimetrias quanto a indicadores de emprego, renda, nível
educacional, moradia ou violência podem ser comparados com a finalidade de
incorporar evidências empíricas para a interpretação social a respeito do fenômeno
da discriminação.
A análise de problemas sociais, como a discriminação, pela sociologia, não
pode abrir mão de dados empíricos para ser capaz de cumprir as etapas do método
científico, que observa recorrências no mundo, formula hipóteses para explicar o
fenômeno, colhe dados empíricos — sejam eles numéricos ou a partir do registro
de fatos que corroborem uma interpretação — e, por fim, fundamenta uma teoria ou
formula uma lei geral que apresenta relações de causa e consequência para uma
multiplicidade de situações que cumpram as mesmas premissas.
É evidente que o fenômeno da discriminação é persistente ao longo da
história humana, mas se buscou deixar claro, nesta primeira seção, que a cultura
desempenha um papel preponderante para a análise do tema e que estabelece
relações de poder capazes que podem ser interpretadas pelo modo como justificam
a atribuição de valor humano diferente a determinados grupos na sociedade,
inferiorizando-os e mantendo privilégios já estabelecidos. Esse jogo de poder se dá
por meio da aplicação de forças, que atuam em diferentes camadas da vida em
sociedade e são percebidas a partir do modo como alteramos nossa perspectiva
para abordar os problemas sociais derivados da discriminação. Por todos os
diferentes olhares, fica evidente a formação de preconceitos e a violência que
perpetuam as desigualdades sociais (MARIN, 2020).

45
9.2 A relação entre discriminação, preconceito e violência

Nem mesmo o maior negacionista, quanto à discriminação, poderia admitir


que existe igualdade social na atualidade, uma vez que fartos são os exemplos do
aleijamento de parcelas representativas da sociedade com base em critérios de
aparência física, orientação sexual, de gênero ou religiosa. Existe um sem número
de evidências históricas muito bem documentadas que nos ajudam a compreender
que determinados extratos da sociedade são considerados seres humanos de
menor valor.
Como vimos anteriormente, esse fenômeno social será analisado sob a
perspectiva das relações de poder, e a aplicação dessa categoria de análise
sociológica tornará mais claro o modo pelo qual a discriminação se forma e se
manifesta na sociedade. O ponto de partida para nossas análises se dará a partir
da obra de Elias e Scotson (2000). Elias explica que encontrou, em uma pequena
comunidade no interior da Inglaterra, um tema humano universal para realizar um
estudo sociológico sobre as relações de poder.
O foco do estudo inicialmente tratava de diferentes índices de delinquência
entre dois grupos de moradores de uma pequena comunidade, chamada Winston
Parva, na qual vivia uma parcela da população constituída de antigos habitantes e
outra com novos moradores, desabrigados pelos bombardeios nazistas durante a II
Guerra Mundial, que ocupavam um conjunto residencial composto de 700 casas.
Entretanto, logo que o pesquisador vai a campo, os índices começam a se
estabilizar e, com o passar do tempo, não mais se nota alguma diferença evidente
entre o agrupamento dos antigos e dos novos moradores (ELIAS; SCOTSON,
2000).
Elias passa a se interessar pela relação estabelecida entre os novos e
antigos moradores daquela comunidade, que não possuíam grandes diferenças
raciais, religiosas ou salariais. O autor chama de “estabelecidos” os antigos
residentes de Winston Parva, de “outsiders” os recém-chegados, e orienta suas
análises a relacionarem os comportamentos, o linguajar utilizado e a percepção

46
coletiva que se dá a partir da perspectiva de “estabelecidos” e “outsiders” (ELIAS;
SCOTSON, 2000).
Os autores identificam no grupo “estabelecido” um maior grau de coesão
social, o que explica sua maior eficiência na aplicação de forças para se manterem
em espaços de poder, evidenciada pelas organizações comunitárias existentes —
a participação nessas organizações garantia status diferenciado perante os demais
habitantes. Essa coesão também possibilitava ao grupo “estabelecido” um rápido
compartilhamento de significados entre seus membros, uma vez que todos se
conheciam de longa data. Esse processo inicial é chamado por Elias de
“estigmatização” e ocorre quando o conjunto de preconceitos individuais se torna
parte de um grupo (ELIAS; SCOTSON, 2000).
Nessa obra, os sociólogos apresentam anotações realizadas a partir de
depoimentos espontâneos dos “estabelecidos” que tornam evidente a classificação
dos “outsiders” como pessoa de categoria inferior (ELIAS; SCOTSON, 2000). É
possível notar, nessas anotações, que são realizadas generalizações ao grupo
“outsider” que confrontam os valores cultivados pelo grupo “estabelecido”, como
com relação a higiene pessoal, caráter, preferência política ou hábitos de consumo
alcóolico. Esses pequenos preconceitos, conforme vão tomando um caráter de
grupo, transformam-se em estigmas que caracterizam pejorativamente o grupo
“outsider”.
É curiosa e pertinente a referência de Elias com relação ao papel da fofoca
nesse processo, uma vez que a informação circula de maneira muito mais eficiente
entre um grupo coeso socialmente do que em um fragmentado, como é a
característica da população residente no conjunto habitacional (ELIAS; SCOTSON,
2000). A piada, a caricatura e a generalização são aplicadas de modo a depreciar
o alvo das informações transmitidas entre os habitantes antigos da comunidade e
que foram ouvidos pelo pesquisador, o qual registrou, também, impressões sobre o
tom de voz e o vocabulário utilizados na fofoca, cuja motivação subjetiva era
enfatizar a superioridade de um grupo em detrimento de outro (ELIAS; SCOTSON,
2000).

47
Essa análise realizada por Elias (ELIAS; SCOTSON, 2000) e que vai do
indivíduo para o coletivo é também empreendida por Almeida (2019), que descreve
o racismo estrutural, que se inicia com o preconceito, individual, baseado em
estereótipos, e a discriminação, a partir da qual um grupo se beneficia com a
aplicação da força para a manutenção do poder.
Para Almeida (2019), a discriminação possui uma concepção individualista
segundo a qual as ações de violência são praticadas por grupos isolados ou
indivíduos que se comportam irracionalmente, contrários a uma ética que se regula
juridicamente a fim de punir ou indenizar, o que bastaria, na opinião de alguns, para
resolver o problema do racismo. Para o autor, embora sejam chocantes os
exemplos que justificam a análise individualista do problema da discriminação na
sociedade, deve-se também atentar para uma abordagem institucional e estrutural
sobre o problema, porque essas, sim, dão uma dimensão do processo histórico que
mantém as desigualdades e impede certos estratos sociais de participarem de
forma justa dos jogos de poder que se estabelecem ao longo da vida dos indivíduos
em sociedade.
Pela concepção institucional, Almeida (2019) chama a atenção para a
compreensão de como a cultura e os padrões estéticos são estabelecidos e para o
modo como são preenchidos os cargos de instituições públicas e privadas. Assim,
é chamado de racismo institucional aquele que se repete segundo uma orientação
que mantém os sistemas sociais estáveis.
Já a análise do racismo pela perspectiva estrutural abrange a sociedade
como um todo, o processo de constituição dos indivíduos e o funcionamento de
diversas instituições públicas ou privadas, de modo que a responsabilização jurídica
não satisfaz as premissas necessárias à mudança social necessária para a
prevenção e para o combate à reprodução de desigualdades baseadas em um jogo
de poder, que reforça as assimetrias ao longo do processo político e histórico da
sociedade.
Os preconceitos são fonte da discriminação e organizam simbolicamente o
estrato social que desempenha o papel de “outsider”, que, portanto, é excluído das
diferentes organizações sociais, seja de instituições públicas ou privadas, nas quais

48
o jogo de poder pode ser amplificado e influenciar o funcionamento dessas
instituições e da cultura como um todo.
Qualquer tipo de discriminação que se desenvolve historicamente, a ponto
de influenciar o processo político de uma sociedade, pode ser analisado quanto ao
seu desenvolvimento estrutural, a partir das marcas que deixa ao longo da história
e de relatos sobre diferentes conflitos que mobilizam a opinião pública de modo
cada vez mais intenso, na mesma proporção em que se popularizam os dispositivos
capazes de produzir textos, sons e imagens a serem publicados em servidores
conectados à internet.
Os registros de violência moral ou física que determinados grupos sociais
sofrem viralizam on-line e mobilizam a atenção pública sobre o tema da igualdade.
Normalmente, trazem imagens fortes, que nos fazem imediatamente repudiar o uso
da violência, notadamente expressa em função de raça, gênero, orientação sexual,
religiosa ou de qualquer situação que indique uma identidade coletiva
discriminatória. O que alerta Almeida (2019), aplicado ao racismo, é que a
sociedade deve focar seus esforços nos pilares estruturantes da discriminação, e
não apenas criminalizar atos isolados, com a finalidade de viabilizar uma sociedade
da qual todos participem de modo igualitário.
A elaboração de medidas para a promoção de ações afirmativas é a
principal atitude tomada por instituições públicas e privadas para tentar romper
diversas formas de discriminação que estão estruturalmente presentes na
sociedade, como é o caso daquela que identifica os grupos humanos segundo
funções que devem desempenhar na sociedade, os chamados “papéis sociais”
(CASTELLS, 2010), segundo os quais, por exemplo, as mulheres são associadas
ao trabalho doméstico ou pessoas negras devem assumir posições de servidão.
Por isso, são criadas políticas de cotas raciais para a ocupação de
empregos ou de vagas em instituições de ensino superior, o que torna possível à
sociedade desvincular a ideia de funções sociais associadas a categorias de
estratificação e permite igualdade de oportunidades para a diversidade humana que
compõe a sociedade como um todo.

49
9.3 Consequências da discriminação para a dignidade humana

A ideia de direitos humanos enquanto parte de um pressuposto de


igualdade tem fortes fundamentos lançados no pensamento ocidental durante o
Iluminismo, a cujos filósofos devemos a organização do Estado moderno, enquanto
uma república, composta por três poderes que se autorregulam e são regidos por
leis. À época, as elites intelectuais, sobretudo na França e na Inglaterra,
empenharam-se em questionar o regime político absolutista, em que a nobreza e a
igreja se constituíam como grupos “estabelecidos” e todo o restante da população,
amplamente majoritária, como “outsiders”.
Locke (1983) já apresenta em sua obra a ideia de direitos naturais como
sendo aqueles evidentes à razão e que tratam da preservação da vida, da saúde,
da liberdade e das posses. Na França, a Assembleia Nacional Constituinte aprova,
em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual todos os
seres humanos são agrupados em uma categoria única, da “humanidade”, nascem
livres e compartilham os mesmos direitos.
Depois do Iluminismo e de seus ensinamentos para a constituição de uma
ordem social capaz de buscar o estado de igualdade entre os seres humanos, um
marco histórico de violência motivado pela discriminação é fartamente
documentado no século XX e expõe ao mundo, com registros visuais, as
atrocidades cometidas contra os judeus durante a II Guerra Mundial, cuja barbárie
fez nascer a necessidade de um compromisso global que evidenciasse a
preservação de direitos mínimos capazes de preservar a dignidade humana e,
portanto, indicassem a contramão do que pode ocorrer com a discriminação de
certos estratos sociais na vida em sociedade. Imediatamente após a guerra, é
fundada a Organização das Nações Unidas e, três anos depois, promulgada a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948.
A DUDH não tem força de lei, serve apenas como inspiração para o ideal
de igualdade e da preservação da dignidade humana, e sua autoria é resultado do
esforço de um organismo multilateral, com abrangência global. A partir desse marco
internacional, movimentos sociais começam a ganhar notoriedade, sobretudo nos

50
Estados Unidos, o que culmina com a aprovação, em 1964, da legislação que
garante os direitos civis (Civil Rights Act) a todos os cidadãos e criminaliza a
discriminação baseada em raça, cor, religião, orientação sexual ou nacionalidade.
No Brasil, o artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 2016), que trata de
direitos e deveres individuais e coletivos, prevê a igualdade perante a lei e protege
a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade de todos os brasileiros
e estrangeiros residentes aqui. Nota-se, evidentemente, o alinhamento da
legislação brasileira aos ideais do Iluminismo; entretanto, apesar disso, o Brasil é
um dos países mais desiguais do mundo, e a discriminação contra mulheres, negros
e homossexuais se expressa de modo estrutural em diversas perspectivas de
análise social, como trabalho, renda, escolaridade e violência.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, outras iniciativas
legislativas foram realizadas para tentar mitigar o problema da discriminação sob a
forma penal, que tipifica crimes contra minorias, como os que ocorrem motivados
contra as mulheres e contra os negros. Já a legislação que se relaciona aos
homossexuais ou outros representantes da comunidade LGBTQ+ não foi aprovada
pelo Congresso Federal, mas, em 2019, o Supremo Tribunal Federal determinou
que os crimes de racismo sejam aplicados a esses casos até que uma lei específica
seja aprovada pelo poder legislativo.
A regulamentação de marcos legais que chamam a atenção para atos
discriminatórios na sociedade é importante, mas, como já mencionado
anteriormente, não bastam para o enfrentamento do caráter estrutural do problema.
Portanto, os governos, a sociedade civil organizada e as instituições privadas têm
se mobilizado conjuntamente para que a promoção da igualdade e a proteção da
dignidade humana se afirmem como direitos fundamentais no mundo em que
vivemos.
Entre as ações afirmativas que visam a promoção da igualdade, podemos
citar as políticas de cotas, que são aplicadas em universidades públicas, partidos
políticos, concursos públicos e no contexto do preenchimento de vagas de trabalho
em algumas empresas privadas. Essas iniciativas, muito questionadas na
sociedade atual, visam a promoção de ações que impliquem a melhoria de

51
perspectivas de mobilidade social, qualidade de vida e promoção da diversidade em
diferentes esferas públicas e privadas da vida em sociedade.
O problema da discriminação tem sido potencializado na atualidade em
virtude do registro de atos violentos contra minorias sociais com dispositivos móveis
e que são publicados em redes sociais, gerando ampla divulgação e comovendo
parcelas amplas da população em torno do tema da igualdade e da importância de
combater a discriminação com amplitude global (SUDRÉ, 2020).
No ano de 2020, uma agressão policial ocorrida na cidade de Mineápolis,
nos EUA, que levou à morte de um homem negro por asfixia, foi filmada e publicada
em redes sociais. As imagens do policial ajoelhado sobre o pescoço da vítima,
causando o sufocamento, viralizaram e motivaram diversos protestos, mundo afora,
sob o slogan Black Lives Matter (em português, vidas negras importam), chamando
a atenção da opinião pública global para o fato de que o tema da igualdade racial
ainda deverá percorrer uma longa trajetória até que se efetive enquanto uma prática
social amplamente aceita e respeitada por todos.
Entretanto, como lembra Almeida (2019), não é por meio do mero combate
à violência que o problema da discriminação pode ser enfrentado, já que isso pode
levar a sociedade a interpretações equivocadas sobre a centralidade do caráter
individual da discriminação — nesse sentido, o autor chama a atenção para o
aspecto estrutural do problema.
A discriminação, portanto, deve ser compreendida de modo cultural,
difundida na sociedade por meio de estratégias de dominação que mantêm a
centralidade do poder em grupos que são historicamente privilegiados e que
produzem a estigmatização de outros grupos como uma forma de colocar em
evidência seu valor inferior na sociedade.
É possível mudar esse quadro, mas a solução passa por uma ampla
conscientização sobre o modo como a discriminação está amplamente inserida na
sociedade, não se restringindo apenas a pequenos grupos ou indivíduos que
apresentam comportamentos desviantes, cuja violência é capaz de sensibilizar a
sociedade para a necessidade de mudanças. Contudo, ao mesmo tempo, faz com
que a real magnitude do problema seja minimizada pela exemplar punição de alguns

52
poucos casos isolados mobilizados pela opinião pública, relacionados a violência
física, enquanto a violência cotidiana, a segregação e a desigualdade de
oportunidades ferem direitos fundamentais que tentam ser implementados em
diversas partes do mundo há mais de 200 anos, ainda sem sucesso.

10 DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS

Desde a Antiguidade, a expansão territorial era perseguida pelas nações.


Assim, foram criados os contextos de dominação. Como você sabe, o processo
expansionista deixou marcas tanto nas sociedades colonizadas quanto nas
colonizadoras. No Brasil, último país ocidental a abolir a escravatura, as raízes
históricas de dominação do povo negro deixaram um legado de marginalização
social. Por isso, as ações afirmativas e as políticas públicas se voltam, no século
XXI, a resgatar a dívida histórica e devolver as possibilidades que são devidas a
esse povo (AUGUSTINHO, 2019).

10.1 Desigualdades simbólicas e estruturais à luz da sociologia brasileira

Os estudos de Fernandes (1978) datados da década de 1960 colocaram


em xeque as leituras anteriores das relações raciais no Brasil. Nas décadas de 1940
e 1950, havia a ideia de que o Brasil era um país miscigenado, composto por
inúmeras raças e etnias e que, portanto, não existiriam por aqui comportamentos
racistas ou excludentes. Para Fernandes (1978), contudo, as falas sobre o tema
não condiziam com a realidade. Filho de uma lavadeira, esse sociólogo tivera
experiências de vida que indicavam que os trabalhadores braçais, mais pobres,
eram em sua maioria negros ou descendentes de famílias negras. As classes mais
abastadas, no entanto, aquelas que contratavam os serviços de sua mãe, eram
compostas por uma maioria branca. Se havia tanta diferença racial entre as classes,
como não havia racismo? Fernandes (1978) entendeu que as relações de raça no
Brasil tinham um recorte de classe: as classes mais baixas eram negras, e as mais

53
altas, brancas. Para ele, o termo “racismo” aparece como “preconceito de cor”
(FERNANDES, 1978).
A leitura da democracia racial era estimulada especialmente por duas obras
de Gilberto Freyre: Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos. Freyre (1981)
produziu ensaios sociológicos de extrema importância, narrando as formas de vida
e a relação entre os núcleos sociais brancos e negros no Brasil pós-colonial. A
análise desse sociólogo, no entanto, é mais suave no tocante aos conflitos e
problemas vividos pelo povo negro após a abolição da escravatura, já que não
houve qualquer política de auxílio para aqueles que, longe de seu continente natal,
não tinham empregos ou moradia. Em 1955, a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) financiou um projeto
desenvolvido por Florestan Fernandes e Roger Bastide sobre as possibilidades de
harmonia racial.
De acordo com Nogueira (2007), as leituras sobre as relações raciais no
Brasil e a condição do negro na estrutura social brasileira se iniciaram a partir de
três perspectivas: a interpretação afro-brasileira iniciada por Nina Rodrigues, que
tinha foco nas contribuições de africanos escravizados e seus descendentes na
cultura brasileira; a análise histórica de como o negro passa a fazer parte da cultura
brasileira, cujo principal expoente seria Gilberto Freyre; e a vertente sociológica,
que se preocuparia com a interpretação das relações sociais entre brancos e negros
na sociedade brasileira.
As duas perspectivas iniciais citadas por Nogueira (2007) tinham a
tendência a romantizar a presença do negro na sociedade e na história brasileiras,
salientando as cores trazidas por sua cultura, sua música, sua culinária. Mas,
embora não o negassem, tais perspectivas não refletiam sobre o fato de que essa
contribuição se deu forçadamente, já que o povo negro nunca foi convidado a
povoar terras brasileiras, mas foi forçado via escravidão. A dimensão da violência e
da segregação econômica vividas nos períodos pré e pós-abolição não era
mencionada.
A perspectiva das relações sociais entre brancos e negros se inicia no
Brasil, ainda de acordo com Nogueira (2007), em 1935, por meio de estudos

54
conduzidos na Bahia por Donald Pierson, publicados em São Paulo na Revista do
Arquivo Municipal e na Revista Sociologia. Durante as décadas de 1940 e 1950, a
presença do negro nos “sertões” brasileiros foi o foco dos estudos, com olhar
voltado para seu trabalho nos campos de cana-de-açúcar e nas usinas. Criava-se
o estereótipo do negro sertanejo. Mas foi entre 1950 e 1960 que, financiados pelos
projetos da UNESCO, sociólogos brasileiros e estrangeiros debruçaram-se sobre
as formas de relacionamento e os trânsitos sociais do negro no Brasil.
Se você considerar que no mesmo período, nos Estados Unidos, havia as
lutas pelos direitos civis da população negra, vai perceber que esse movimento
despertou o interesse de outros países em compreender as suas “relações raciais”.
Por isso, a questão da “situação racial” se torna preponderante: como o negro se
encontra nas sociedades pós-escravocratas? Como a raça que o dominava se
comportava então? Assim, há um deslocamento: do olhar romantizado sobre as
contribuições culturais do negro para o sangue e a violência envolvidos nessa
contribuição forçada. Além disso, passam a ser considerados os resultados
negativos para os descentes dos escravizados, em contraponto ao lucro e à
acumulação de quem os mantinha cativos.
Fernandes (1978), avaliando esse quadro, indica que a situação racial no
Brasil seria ainda de dominação; não uma dominação inteiramente baseada na
raça, mas na classe. Observe que, com isso, o sociólogo afirma que ainda havia
dominação: ocorrera uma transferência de poder simbólico de dominação após a
abolição da escravidão, uma vez que o povo negro não tinha retido a sua liberdade,
mas também não tinha espaço para ascender socialmente. Afinal, não havia
políticas sociais que os acolhessem como cidadãos tais quais os brancos, deixando-
os à própria sorte. Entre 1920 e 1940, a intensa migração europeia para o Brasil
encontrou aqui uma estrutura de acolhimento e de respeito à dignidade humana e
social que os negros nunca encontraram, especialmente por meio do trabalho formal
e da possibilidade de educação, o que, numa sociedade capitalista, pode significar
a manutenção ou a ascensão social.
Nogueira (2007, p. 291) afirma:

55
De um modo geral, tomando-se a literatura referente à “situação racial”
brasileira, produzida por estudiosos ou simples observadores brasileiros e
norte-americanos, nota-se que os primeiros, influenciados pela ideologia
de relações raciais característica do Brasil, tendem a negar ou a
subestimar o preconceito aqui existente, enquanto os últimos, afeitos ao
preconceito, tal como se apresenta este em seu país, não o conseguem
“ver”, na modalidade que aqui se encontra. Dir-se ia que o preconceito, tal
como existe no Brasil, cai abaixo do limiar de percepção de quem formou
sua personalidade na atmosfera cultural dos Estados Unidos.

A baixa “percepção” do racismo no Brasil se deve a um elemento principal:


haveria no País uma distinção entre o preconceito de marca e o preconceito de
origem. O preconceito de marca seria o racismo mais facilmente observado na
América do Norte, onde pessoas negras e seus descendentes são segregados por
pertencerem a essa etnia, independentemente de serem birraciais ou “mestiços”.
No Brasil, esse preconceito estaria firmemente associado também à
condição social e à classe do sujeito: um negro que ascende socialmente seria
“aceito” mais facilmente pela sociedade branca, “quase” como um igual. Mas um
homem negro pobre não teria qualquer privilégio ou passibilidade. Haveria ainda
algumas diferenças na questão do colorismo: no Brasil, indivíduos com ascendência
multirracial com pele clara e fenótipos próximos aos brancos teriam mais
“passibilidade” social, ou seja, se passariam por brancos e sofreriam menos
racismo. Países como os Estados Unidos mantêm a política da “única gota”: uma
única gota de sangue negro tornaria a pessoa também negra, independentemente
da cor da pele e dos fenótipos. Com isso, Nogueira (2007) diz que ainda existem
preconceito e racismo no Brasil, mas que eles são velados quando o indivíduo
ascende socialmente, porque seria vantajoso manter o trânsito social livre entre as
classes abastadas.

10.2 O fator biológico e o fator social no conceito de raça

Você provavelmente já viu um mapa-múndi. Já reparou que nas


representações cartográficas o continente europeu está sempre centralizado? O
planeta Terra é redondo e não tem “centro”. Se um astronauta observar o planeta
do espaço, a parte central vai depender da localização do próprio viajante espacial.

56
As representações da Europa como central nos mapas não são acidentais. Elas
estão ali porque representam a visão dos povos que empreenderam as grandes
expansões marítimas a partir do século XIV. Para os expansionistas,
conquistadores de territórios, o centro do mundo era a própria terra natal, e o
restante, adjacência, territórios “descobertos”.
O problema dessa visão é que boa parte dos territórios descobertos nessas
jornadas eram novos apenas para os europeus, mas, por vezes, mantinham
sociedades centenárias e até milenares. Então, a descoberta só podia pertencer
aos povos europeus por meio da conquista e do domínio. Assim, houve a imposição
da cultura, das estruturas e até da constituição física do que seria “central”. Peles
claras e provenientes da Europa eram o centro, e o que não condizia com essa
descrição, periférico. Nas lutas pelo espaço social ao longo dos períodos de
dominação de um povo por outros, constituiu-se a ideia de que uma raça poderia
ser superior a outra. O nazismo, modelo político de extrema direita que precedeu a
Segunda Guerra Mundial na Alemanha, se constituiu baseado na ideia de
superioridade física, intelectual e moral da raça ariana, subjugando outros povos,
especialmente os judeus.
Os europeus não foram os únicos povos a empreender jornadas de
conquista e dominação de territórios. Muitas sociedades o fizeram, incluindo
sociedades orientais, árabes e africanas. Porém, a expansão imperialista do Velho
Continente, especialmente a partir do século XV, fez com que houvesse ali
centralização política e de poder econômico. Com os territórios dominados
tornando-se independentes, a partir do século XIX, houve a manutenção dos valores
imperialistas, criando uma leitura eurocêntrica de mundo.
Os conflitos étnicos tampouco se baseiam apenas na relação entre países
centrais e periféricos, mas o racismo se estabelece essencialmente por meio dessa
relação. Afinal, ele foi a motivação da escravização de sociedades negras diversas
com vistas ao lucro dos países colonizadores (AUGUSTINHO, 2019).
O racismo e os conflitos étnicos são derivados da ideia de que um povo é
central, superior, e que outros povos, com peles, fenótipos, culturas ou religiões
diferentes, devem ser inferiorizados. Mas, como você vai ver, há na interpretação

57
racista também um viés econômico, já que normalmente as raças e etnias que se
tentam subjugar passam a ser economicamente dominadas e exploradas.
O racismo e os conflitos étnicos, portanto, se constituem no exercício da
dominação e da violência, bem como da subjugação simbólica pautada na exclusão
e no apagamento da individualidade. No Brasil, o mito da democracia racial vem
constantemente sendo negado, e o racismo, apontado — especialmente pela
geração de brasileiros negros nascida a partir de fins dos anos 1980 e início dos
anos 1990. O racismo se mostra especialmente pela marginalização social da
população negra, assim como pelo encarceramento sumário do povo negro.
Religiões de matriz africana são discriminadas, a ponto de sofrerem atentados em
seus prédios, como apedrejamento e incêndios criminosos, especialmente no Rio
de Janeiro, onde fiéis não estão seguros para expressar livremente sua religião (o
que é garantido pela Constituição), correndo o risco de sofrer represálias.
Conflitos étnicos são disputas culturais. Normalmente, acontecem em
associação a uma disputa também territorial. Pode não haver a intenção de domínio
da outra cultura, mas de legitimação religiosa, cultural ou ancestral. Quando os
conflitos étnicos se associam a disputas territoriais, pode haver movimentos
separatistas, em que a comunidade pretende formar um novo Estado, pautado em
suas próprias características culturais e/ou religiosas. Quando essa intenção
separatista é completamente refutada pelo Estado em que a comunidade em
conflito se encontra, o desgaste pode evoluir para uma guerra.
O conflito entre Israel e Palestina pode ser considerado um conflito étnico
por disputa de território. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU)
delimitou um Estado duplo israelense e palestino, mas em 1948 foi criado o Estado
de Israel, que recebeu judeus de todo o mundo após o holocausto. Porém, a região
era previamente habitada por palestinos, árabes de cultura majoritariamente
islâmica. A disputa cultural se inicia especialmente por Jerusalém, a chamada Terra
Santa, território importante para cristãos e muçulmanos. Para palestinos, Jerusalém
ainda é árabe, e para israelenses, pertence aos hebreus. Os Estados tomaram a
frente do conflito, gerando ataques e ofensivas constantes, com períodos de paz e
outros mais violentos (AUGUSTINHO, 2019).

58
O racismo, por sua vez, é a inferiorização de uma raça associada à
supervalorização de outra. Existem novas abordagens sociológicas que indicam
que o racismo só acontece quando há a possibilidade de dominação estrutural ou
hegemônica da raça discriminada. Essa nova leitura indica que no Brasil, por
exemplo, o racismo se dá pela marginalização e pela inferiorização de pessoas
negras ou indígenas por brancos, porque os brancos são estruturalmente
dominantes, sendo maioria na arena política e na detenção de recursos financeiros.
Quando um indivíduo de cultura não dominante discrimina outra cultura ou
indivíduo de grupo social distinto, haveria então episódio de preconceito ou injúria
racial. Isso porque sua discriminação, embora possa ter impactos emocionais
negativos no indivíduo ofendido, não pode causar cerceamentos políticos ou
econômicos, porque ele não tem o poder estrutural. Vertentes sociológicas
tradicionais, por sua vez, indicam que racismo é toda e qualquer ação de
inferiorização, discriminação ou segregação de um grupo sociocultural baseada em
elementos culturais, religiosos ou fenotípicos, independentemente do grupo que
ofende ou que é ofendido.
O escopo biológico indica que a utilização do termo “raça” para seres
humanos é inadequada. Isso porque a raça seria a determinação de uma
subespécie, ou de várias subespécies, atreladas a uma espécie. Ou seja, ela
identificaria diferenças genéticas significativas entre grupos diversos, porém
pertencentes à mesma espécie. Seres humanos não possuem diferenças genéticas
significativas entre si a ponto de formar subgrupos. Pelo contrário, as estruturas dos
códigos genéticos são praticamente indistintas, independentemente dos fenótipos,
como cor da pele, cabelos e olhos e estrutura física. Por isso, a determinação do
termo “raça” a partir dos pressupostos biológicos é errônea.
Do ponto de vista sociológico, o termo “raça” tende a ser utilizado para a
identificação de grupos sociais com traços culturais, sociais e religiosos específicos,
havendo ou não características fenotípicas associadas (BOBBIO et al., 1998). No
caso da sociologia brasileira, esse termo é utilizado para identificar o racismo, ação
discriminatória vivida por indivíduos afro-brasileiros. Contudo, não é adequado,
considerando a leitura biológica, identificar grupos culturais quaisquer como raças.

59
11 CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA SOCIEDADE
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O século XVI foi marcado por um choque cultural sem proporções na


história da humanidade, pois colocou em lados opostos grupos com culturas e
visões de mundo antagônicas. Portugueses e indígenas possuíam entendimentos
distintos em relação à riqueza, à utilização da terra, ao trabalho, às relações
pessoais, à organização social, etc. Esse caldo cultural “engrossa” mais quando um
novo elemento entra em cena, o africano. Como você vai ver, aspectos culturais de
origem africana e indígena contribuíram para a formação do Brasil. Apesar da
violência à qual os indígenas e africanos foram historicamente submetidos, eles
conseguiram burlar as regras estabelecidas e sobreviver, mesclando sua cultura à
cultura dominante e tornando o Brasil, ao contrário do que pretendiam os
colonizadores portugueses, um país plural.

11.1 A colonização do Brasil: táticas de resistência cultural

O processo de conquista e colonização das terras brasileiras pelos


portugueses se inseriu na lógica da expansão ultramarina europeia, iniciada no
século XV pelos reinos ibéricos de Portugal e Espanha e difundido, posteriormente,
para as demais nações daquele continente. De maneira geral, esses reinos
buscaram expandir o seu território conquistando novos mercados consumidores,
obtendo recursos naturais e eliminando outros povos que se opuseram aos seus
objetivos. Esse empreendimento colocou em contato visões de mundo antagônicas
que dificilmente poderiam conviver de maneira pacífica, uma vez que o modelo
colonizador utilizado pelos europeus determinava apenas um padrão de
comportamento, o proposto pelos próprios colonizadores, que deveria ser seguido
à risca pelos colonizados. Isso traz à tona a violência que todo processo de
colonização possui em sua essência: a eliminação do outro, seja física, simbólica
ou culturalmente.

60
Certeau (2009), em A Invenção do Cotidiano, analisou como o ser humano
consegue criar um modelo de comportamento denominado por ele de “arte de
fazer”. Fugindo dos padrões e regras impostos pelo modelo dominante, os
indivíduos inventam o seu cotidiano criando, de maneira sutil, diversas “táticas” de
resistência e sobrevivência, de modo que códigos e objetos são alterados em seu
benefício. Essa noção é de suma importância para que você possa compreender
como se deu a permanência de características culturais de africanos e indígenas na
cultura brasileira.
Essa questão evidencia as condições nas quais a nação brasileira foi
forjada. Estava em jogo um projeto político criado pela coroa portuguesa, que
deveria ser levado a cabo por indivíduos que vinham para a terra brasilis em busca
de fama e riqueza, incentivados pela notícia de que ouro e prata haviam sido
encontrados pela coroa espanhola no mesmo continente. Apesar de ser pioneiro no
processo das grandes navegações, o reino de Portugal não possuía condições
materiais suficientes para efetivar a conquista e a posse do território. Além disso,
havia total desconhecimento da fauna e da flora da região, uma vez que o litoral
brasileiro é formado por aproximadamente 7.300 km de extensão, habitados então
por povos distintos.

11.2 Os indígenas sob o olhar europeu: entre o bom e o mau selvagem

A expansão ultramarina levou os europeus ao encontro de um continente


até então desconhecido por eles: a América. Da mesma maneira, houve um
conhecimento das populações nativas dessa região, que, apesar de possuírem
características heterogêneas entre si, se assemelhavam por se diferenciarem física
e culturalmente dos europeus. No aspecto cultural, é emblemática a percepção das
diferenças na organização social, a qual diferia bastante dos modelos preconizados
pelas sociedades europeias.
A percepção das diferenças entre indígenas e europeus suscita um debate
acerca da humanidade daqueles. Os portugueses se questionavam sobre a

61
existência da alma indígena e sobre a possível conversão dos índios. Sobre essa
questão, veja o que afirma Laplantine (2007, p. 37–38):

A grande questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro


confronto visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que acabaram de
ser descobertos pertencem à humanidade? O critério essencial para saber
se convém atribuir- -lhes um estatuto humano é, nessa época, religioso: o
selvagem tem uma alma? O pecado original também lhes diz respeito?

O olhar europeu sobre a população nativa cria dois modelos que servem de
explicação para a percepção a respeito dos indígenas durante o processo de
colonização. Esses arquétipos inserem grupos inteiros sob uma mesma
denominação, estabelecendo modelos de ação perante a população nativa. São
eles: o “bom selvagem” e o “mau selvagem”. A definição de mau selvagem recai
sobre aqueles indivíduos que possuem estas três características: “estar nu ou
vestido de peles de animais” (aparência física); “comer carne crua/canibalismo”
(comportamentos alimentares); “falar uma língua ininteligível” (inteligência, a partir
da linguagem) (LAPLANTINE, 2007).
Na Figura 1, a seguir, você pode observar dois quadros pintados pelo
holandês Albert Eckhout, que esteve no Brasil entre os anos de 1637 e 1644. Neles,
é possível identificar a oposição entre o “bom” e o “mau” selvagem. A mulher tupi é
representada sob o viés maternal. Ela carrega a vida ao segurar seu filho no colo,
eliminando qualquer possibilidade de ameaça. Além disso, transporta um recipiente
com água e uma cesta com produtos manufaturados e veste uma saia branca
(inserida no seu vestuário pelos colonizadores). Na paisagem, é possível identificar
três características que fazem menção à colonização europeia nos trópicos: a
bananeira, planta introduzida no Brasil pelos portugueses; a paisagem colonial, com
a plantação de cana-de-açúcar; e a casa-grande no engenho.

62
Em contrapartida, a mulher tapuia carrega a morte, um cesto com uma
perna decepada. Na sua mão direita, ela segura a mão de outro indivíduo,
remetendo à prática do canibalismo. Está nua, mesmo que parcilamente coberta
por folhas, e calça sandálias de fibras vegetais. Já a paisagem representa a cena
de guerreiros armados, ao fundo, demonstrando a condição natural dessa
sociedade sem contato com os “civilizadores” europeus.
Esses olhares criados sobre a população nativa demonstram tanto o
posicionamento dos nativos em relação aos europeus quanto o modo como estes
últimos perceberam as trocas culturais entre os povos. De um lado, posicionam-se
aqueles que lutaram contra o invasor, mantendo suas práticas religiosas e culturais
e abertamente inimigos do europeu (maus selvagens). Do outro lado, figuram
aqueles grupos que aceitaram determinados aspectos da colonização, como
roupas, língua e religião, submetendo-se ao poder colonial, mas, apesar disso, não
conseguindo tratamento igualitário (bons selvagens).

63
11.3 Índios e negros na literatura brasileira

Na literatura brasileira há representações de índios e negros que expõem


muito mais a visão do autor do que necessariamente aquilo que ele deseja
representar. Tais obras ganham notoriedade por dois aspectos que se relacionam
entre si.
O primeiro deles é a amplitude de leitores que são capturados pelas páginas
dos romances, sendo mais fácil um leitor conhecer uma obra de ficção do que um
livro acadêmico. Já o segundo é o fato de que, embora sejam obras de ficção, elas
possuem em comum a semelhança com a realidade, o que traz à tona a
possibilidade de serem analisadas sob a óptica da verossimilhança. Afinal, em
determinada medida, tais obras lançam uma luz sobre a sociedade na qual estão
inseridas, demonstrando os medos, anseios e pensamentos de uma época.
Conforme destaca Chartier (2010, p. 21), “As obras de ficção, ao menos
alguma delas, e a memória, seja ela coletiva ou individual, também conferem uma
presença ao passado, às vezes ou amiúde mais poderosa do que a que
estabelecem os livros de história [...]”. Tendo como base esse pressuposto, a seguir
você vai ver como a ficção criou representações e perfis para africanos
escravizados e índios na sociedade brasileira. Você também vai verificar como
esses lugares comuns foram sendo considerados pela sociedade como definidores
de comportamento da população afrodescendente e indígena no Brasil, sendo
retroalimentados por outras mídias, como novelas e filmes.

11.4 Coragem, nobreza e solidariedade: a poesia indianista

Gonçalves Dias foi o poeta que deu início à idealização do indígena na


literatura brasileira. Na corrente do Romantismo, o nativo é associado à coragem, à
compaixão, à bondade, à nobreza e à solidariedade, da mesma forma que os
cavaleiros medievais no imaginário europeu. Autor de diversos poemas indianistas,
como I-Juca-Pirama, Marabá e Canção do Tamoio, Gonçalves Dias reflete a

64
percepção sobre os indígenas no Brasil enquanto um ideal distante, que não pode
mais ser alcançado.
I-Juca-Pirama (“aquele que deve morrer”), escrito em 1851, é considerado
a obra máxima do autor. Ela conta a história de um nobre índio tupi que, após ser
derrotado, torna-se prisioneiro de outra tribo, os timbira. O guerreiro tupi encontra o
seu pai com saúde debilitada, pois está velho e doente, então toma uma decisão
inusitada, pedindo ao chefe timbira que o deixe voltar para a sua tribo para cuidar
do progenitor. Porém, na cultura indígena, esse ato é interpretado como covardia.
É isso o que pensa o seu pai quando o guerreiro retorna à tribo para informar a sua
decisão. O pai recebe o filho com desprezo e indignação, afinal este humilhou não
só a si, mas a toda a sua geração. Então, para provar o seu valor e recuperar a sua
honra, o guerreiro decide ir lutar sozinho contra os inimigos. Após vários combates,
a vitória é obtida e o chefe da tribo timbira encerra a luta. O pai reconhece o valor
do filho, digno de ser chamado novamente de tupi.
Em outro poema, Canção do Tamoio, um guerreiro da tribo tamoio explica
ao seu filho recém-nascido qual é o seu papel no mundo, como ele deve se
comportar frente aos perigos da vida. Ou seja, o pai informa ao filho que tipo de
comportamento é esperado que ele exerça, não só pelo seu pai, mas por todos os
membros da tribo tamoio e dos outros povos que vierem a ter contato com eles.
Veja:

I. Não chores meu filho; não chores, que a vida é luta renhida: viver é lutar.
A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só podem
exaltar. II. Um dia vivemos! O homem que é forte não tema da morte; só
teme fugir; no arco que entesa tem certa uma presa, quer seja tapuia,
condor ou tapir. III. O forte, o cobarde, seus feitos invejam de o ver na
peleja garboso e feroz; e os tímidos velhos nos graves conselhos, curvadas
as frontes, escutam-lhe a voz! IV. Domina, se vive. Se morre, descansa
dos seus na lembrança, na voz do porvir. Não cures da vida! Sê bravo, sê
forte! Não fujas da morte, que a morte há de vir! [...] XI. E cai como o tronco
do raio tocado, partido, rojado por larga extensão; assim morre o forte! No
passo da morte triunfa, conquista mais alto brasão (DIAS, 1852).

Outro exemplo das obras indianistas de Gonçalves Dias é Marabá. O termo


que dá título à obra é de origem tupi e significa “de mistura”. Nesse poema,
Gonçalves Dias expõe o dilema de uma índia mestiça que é recusada pelos índios
guerreiros justamente por sua condição. A personagem Marabá possui olhos com

65
“cor das safiras”, rosto “da alvura dos lírios” e “loiros cabelos”, porém não consegue
encontrar um guerreiro que a deseje, terminando por viver “[...] sozinha, chorando
mesquinha, que sou Marabá!” (DIAS, 1968, p. 325).
Essas representações da população indígena presentes nas obras literárias
criam um ideal que se encaixa em um perfil de guerreiros honrados. Assim,
impossibilita-se outra manifestação cultural e psicológica. Além disso, entra em
cena a crença em um tipo indígena preso no passado, que não conseguiu
acompanhar o desenvolvimento da civilização brasileira.

12 A ESCRAVIDÃO NO BRASIL: DENÚNCIAS E CRUELDADE

No ano de 1869, Joaquim Manuel Macedo publica um romance intitulado


As Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão, uma obra de literatura que propõe uma
espécie de denúncia contra a escravidão praticada no Brasil. Seu autor era um
emancipacionista convicto e defende, utilizando diversos argumentos, o fim da
escravidão, pois para ele “A escravidão gasta, caleja, petrifica, mata o coração do
homem escravo [...]” (MACEDO, 1869, p. 53).
O romance narra a história de três escravizados, todos com características
que têm o objetivo de demonstrar como a sociedade era afetada pela escravidão.
São eles: Simeão, o crioulo; Pai-Raiol, o feiticeiro; e Lucinda, a mucama. Apesar de
ser uma obra de ficção, o autor deixa claro o seu papel de denúncia, na medida em
que os textos escritos são “[...] romances sem atavios, contos sem fantasias
poéticas, tristes histórias passadas aos nossos olhos, e a que não poderá negar-se
o vosso testemunho [...]” (MACEDO, 1869, p. 1).
A construção da argumentação de Macedo (1869) é baseada na ideia de
que a escravidão era um atraso econômico, uma ideia inaceitável em um país que
deveria passar por um processo de modernização, deixando de ser agrícola. Além
disso, o autor defende uma linha de pensamento que demonstra a crueldade desse
sistema: a escravidão era um veneno e criava inimigos dentro de casa. Isso mostra
que Macedo (1869) entende o escravo como o verdadeiro inimigo, pois é

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corrompido pelo sistema e simultaneamente corrompe a sociedade. Para o autor, o
Brasil deveria acabar com a escravidão, não por humanidade, mas para se livrar
dos incômodos desse sistema, incluindo aí a população afrodescendente.
Uma das personagens principais da obra de Macedo (1869, p. 157) é a
mucama Lucinda, “Uma escrava mucama da menina que em breve ia ser moça!”. A
menina chama-se Cândida e acaba de completar 11 anos de idade, ganhando como
presente, uma prática comum do Brasil oitocentista, uma jovem mucama, Lucinda.
No desenrolar da trama, o problema surge a partir do momento em que a mucama
Lucinda, corrupta e imoral, começa a fazer parte do cotidiano da doce e angelical
Cândida.
O uso de adjetivos para definir os comportamentos da mucama e da menina
é intencional por parte do autor; de um lado, há uma pessoa corrupta e imoral; do
outro, alguém doce e angelical. O contato entre elas cria uma rachadura no
comportamento que era esperado para uma moça que faria parte da sociedade.
Após várias conversas, a mucama percebe que a menina é ingênua e começa a
questionar seus conhecimentos sobre “ser moça” e “casamento”, maculando assim
sua pureza inicial. Segundo o autor, a escrava Lucinda, que em momento algum
demonstra inocência em suas atitudes, envenena a alma de Cândida com as
“explicações necessariamente imorais” (MACEDO, 1869).
Com essa narrativa, o autor tem por objetivo criar uma dicotomia entre as
protagonistas, Cândida e Lucinda. A primeira é uma menina branca, ingênua e pura
que é corrompida pela segunda, uma escrava negra e promíscua. Essa dinâmica
torna a sinhazinha “escrava da sua escrava” (MACEDO, 1869), uma vez que
desperta nela um desejo que não poderia ser conhecido naquele momento e que
só foi possível graças à convivência degenerante.
Para o autor emancipacionista, um dos piores males que a escravidão
gerava era o da convivência entre inimigos naturais, ou seja, senhores e escravos.
Segundo ele, “O escravo é necessariamente mal e inimigo do seu senhor. A madre-
fera escravidão faz perversa, e vos cerca de inimigos [...]” (MACEDO, 1869, p. 29).
Essa ideia é percebida quando, ao explicar a transgressão do caráter de Cândida
por Lucinda, o autor afirma que “[...] a ideia do casamento atirada ali de mistura com

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a de moça feita confundiu ainda mais a pobre e curiosa menina abandonada à
companhia da mulher escrava [...]” (MACEDO, 1869, p. 172). Novamente, percebe-
se a suposta depravação que a escravidão trazia para os brancos. Era por meio do
“abandono à companhia da mulher escrava” que as sinhazinhas e a sociedade
branca em geral eram corrompidas aos poucos pelos negros escravizados.
Essa percepção negativa sobre as consequências que a presença dos
escravizados tinha no cotidiano da população não se resumiu às escravas
mucamas, estendendo-se a outro personagem de As Vítimas Algozes, Simeão, um
crioulo, o qual também é afetado psicologicamente pela ação degenerativa da
escravidão. O fato de o indivíduo ser um escravo alterava a sua percepção
emocional: Simeão não possuía a capacidade de amar, já que a escravidão o
degradava e arrancava toda e qualquer forma de sentimento puro. Veja:

O escravo não amava, não amou Florinda; mas em sua mente audaz, em
seus instintos escandalosos, revoltantemente ultrajadores e licenciosos,
lembrou, contemplando a senhora-moça, o que lembrava aproximando-se
da negra fácil, da escrava desmoralizada que lhe agradava e não fugia a
seus ignóbeis afagos (MACEDO, 1869, p. 51).

As denúncias da escravidão presentes na obra de Macedo (1869) também


são estendidas aos escravizados, daí o título da obra, Vítimas Algozes. A ideia é
que aqueles que sofrem a violência da escravidão reproduzem essa mesma
violência na sociedade, tornando-se também algozes. Esse pensamento deve ser
dimensionado, pois cria uma espécie de amenização da escravidão desenvolvida
no Brasil, uma vez que retira parte da culpa dos próprios senhores de escravos, já
que estes também se tornam vítimas do processo.
Em uma perspectiva diferente, outro autor que também contesta a
escravidão desenvolvida no Brasil é Machado de Assis. Ao contrário do que
acontece no caso de outros autores da sua época, como o próprio Macedo (1869),
as denúncias de Machado de Assis são explícitas e o caráter cruel e violento da
escravidão é denunciado em suas páginas.
As várias faces da escravidão são mostradas por Machado de Assis nas
suas obras. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, Prudêncio, um antigo
escravo do protagonista, é visto no cais do Valongo impondo sua fúria a outro

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indivíduo, também negro, porém seu escravo. Essa violência era uma reação à
condição de vida imposta ao indivíduo escravizado:

Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas


recebidas — transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-
lhe um freio na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria.
Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das
pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição,
agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando,
com alto juro, as quantias que de mim recebera (ASSIS, 1881, p. 76).

Outro autor que também viveu e escreveu sobre o século XIX no Brasil,
enfocando o tema da escravidão, foi Castro Alves, conhecido como “o poeta dos
escravos”. Ele faleceu com apenas 24 anos, sem ver a abolição da escravidão nem
a publicação da sua obra máxima, Navio negreiro, de 1880. Nessa obra, ficam
evidentes os horrores da escravidão e as condições desumanas do transporte
marítimo dos “tumbeiros”, termo que designava popularmente os navios que
transportavam os escravizados na travessia transatlântica. Como o índice de
mortandade era elevado, a comparação com tumbas era evidente.
A obra é dividida em partes (cantos): (1) a descrição do belo natural, a
exuberância da natureza brasileira; (2) a descrição do belo humano, a valorização
dos marinheiros dos diferentes países; (3) a indignação ao ver o que se passa no
interior do navio, a estupefação; (4) a descrição dos horrores cometidos contra os
escravos; (5) a comparação da vida pregressa dos negros com o horror do
momento; e (6) a crítica ao Brasil, por se beneficiar da infame escravidão.

13 POR UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

Uma educação antirracista nas escolas deve contemplar a identidade e a


história dos indivíduos e dos respectivos grupos que frequentam o ambiente escolar.
Para que esse processo seja de fato efetivado, a escola deve repensar a sua
estrutura, ampliando a definição de currículo, avaliação e material didático e as
formas de ação entre corpo docente e corpo discente.

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Geralmente, o debate sobre o racismo e as formas de combatê-lo vêm à
tona apenas nas datas de 19 de abril, para a população indígena, e 13 de maio e
20 de novembro, para os afrodescendentes. Esses marcos simbólicos, caso não
sejam devidamente problematizados, podem servir para reproduzir estereótipos e
reforçar visões negativas sobre as populações, transformando a escola em um
ambiente hostil para determinados grupos e anulando a sua função social de
aparelho que possibilita o acesso à cidadania e a emancipação dos indivíduos.
Ao analisar as ações dos movimentos sociais na busca por uma sociedade
mais justa e igualitária, percebe-se que a legislação avançou, possibilitando a
materialização de um aparato legal que diminua e iniba a prática de racismo em
território nacional. Sobre essa questão, Sousa (2005, p. 110–111) destaca o
seguinte:

Dizem até que falar de racismo é invenção do negro complexado, que tem
vergonha da própria origem. Felizmente esta cultura do silenciamento está
sendo superada, um resultado de décadas de lutas do movimento negro
organizado por todo este país e que vem obtendo importantes conquistas,
inclusive no campo legal, como, por exemplo: o art. 5º da Constituição
Federal de 1988, que torna “a prática do racismo crime inafiançável e
imprescritível”; a lei 3.198/2000, que institui o “Estatuto da Igualdade
Racial”; a lei 10.639/2003, que torna obrigatório incluir nos currículos
escolares a “história e cultura afro-brasileira”. Isso demonstra que avanços
estão sendo conquistados, apesar de ainda termos muito a buscar.

Soma-se a essa trajetória de luta antirracista a promulgação da Lei nº


11.645, de 10 de março de 2008. Ela modifica a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003, e amplia a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e
indígena na educação básica do País.

13.1 Racismo: identificar e combater

Gilberto Freyre, na sua obra máxima Casa-Grande & Senzala, de 1933, foi
o responsável por criar um mito que até hoje ecoa na sociedade brasileira, a ideia
de democracia racial. De acordo com esse autor, que era pernambucano e
descendente de antigos senhores de engenho da região, o Brasil seria a “mais
perfeita democracia racial do mundo”, pois o português teria criado nos trópicos uma

70
sociedade em que os preconceitos de raça ou cor teriam sido diluídos na mistura
entre brancos, negros e índios. Assim, teria forjado um ambiente propício para o
desenvolvimento de uma sociedade em que a prática de racismo era inexistente,
modelo bem diferente do de outras sociedades, como os Estados Unidos da
América, onde houve luta por direitos civis, segregação e ação de grupos racistas
como a Ku Klux Klan.
Esse mito começou a ser combatido nos anos 1950, pela chamada “escola
de sociologia paulista”. Autores como Florestan Fernandes e Fernando Henrique
Cardoso questionaram a existência de uma democracia racial no Brasil e passaram
a denunciar as condições nas quais a população negra brasileira estava inserida,
configurando, portanto, a primeira crítica contundente a Freyre e revelando o
racismo na sociedade brasileira após a abolição da escravidão (AUGUSTINHO,
2019).
A negação do racismo no Brasil reforça a ideia de que no país as condições
de vida e as oportunidades são iguais para todos, independentemente da cor de
pele, visão que não reflete a realidade. Em uma análise sobre o perfil étnico do
Brasil e o seu reflexo nas condições econômicas, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2018) constatou que, em média, os brasileiros brancos
possuem salários maiores, sofrem menos com desemprego e possuem maior
acesso ao nível superior. Essa situação reflete o processo histórico iniciado pela
colonização portuguesa e atinge principalmente os grupos que foram historicamente
afastados das classes dominantes.
Ao combater o racismo no ambiente escolar, a escola cumpre a sua função
social. Nesse processo, os professores são peças fundamentais dessa
engrenagem. Identificar o racismo, compreender as suas consequências para a
formação do alunado e o seu consequente exercício de cidadania, reconhecer a
presença de estereótipos, bem como a ausência de embasamento durante a
formação inicial e continuada dos professores, é o caminho a ser seguido para,
enfim, ter uma educação antirracista. Sobre essa questão, Gomes (2009, p. 57)
afirma o seguinte:

71
[...] somos desafiados a realizar uma mudança epistemológica, no campo
da formação de professores (as) no Brasil, que vá além das velhas
dicotomias entre o escolar e o não escolar, o político e o cultural, o
instituído e o instituinte, ainda presente em vários currículos e práticas de
formação de professores [...].

Ao longo da história do Brasil, os grupos de indivíduos negros e indígenas,


criaram diversas táticas para “burlar” a ordem vigente e realizar suas práticas
culturais sem que fossem punidos pelo poder colonial estabelecido. Essas astúcias
foram materializadas em diversos aspectos da vida cotidiana desses indivíduos,
inclusive na esfera religiosa, com a criação de irmandades religiosas de negros e
pardos, em que as divindades e os orixás africanos foram assimilados ao culto aos
santos católicos. No campo cultural, destaca-se a prática da capoeira, uma mistura
de luta com dança, inicialmente proibida e, posteriormente, alçada à condição de
patrimônio histórico e cultural nacional. Aspectos linguísticos também foram
afetados, como o vocabulário, que amenizou o português europeu, desenvolvendo
uma nova linguagem mais branda, com a repetição de sílabas.
Os aspectos da cultura africana foram ressignificados no Brasil, adquirindo
outras roupagens, repletas de herança, memória e resistência étnica e cultural. No
campo do sagrado, as religiões afro-brasileiras se materializaram como práticas de
fé. Nesse contexto, destacam-se as irmandades negras, associadas ao catolicismo;
a umbanda, associada ao espiritismo; o candomblé; o culto dos orixás; o tambor de
mina (Maranhão); e o culto congo-angolano (Rio de Janeiro e Bahia). A interação
étnica e cultural no Brasil foi tão intensa que surgiram também cultos afro-indígenas,
como os candomblés de caboclo (Bahia), jurema (Paraíba e Pernambuco), barba-
soeira (Amazônia e Pará) e terecô (Maranhão), popularmente denominados de
catimbó, macumba e canjerê (AUGUSTINHO, 2019).
Os folguedos dos reis negros, também conhecidos como festas do rosário,
são manifestações culturais que demonstram a forte presença da cultura africana
no Brasil. Essas manifestações culturais têm origem nas irmandades religiosas de
escravizados, quando os irmãos em um ato de fé elegiam um rei que era conhecido
pelos membros da irmandade e tinha sua autoridade validada inclusive pelos
colonizadores, mostrando como a vida social durante a escravidão era complexa.

72
No Brasil, essas denominações mudaram, dependendo do local de origem,
entretanto guardam semelhanças entre si.
Lutas por posse e manutenção das terras, seja por comunidades
tradicionais indígenas ou comunidades remanescentes de quilombos, refletem a
disputa pelo acesso à terra no Brasil, que ficou restrito a pequenos grupos com
capital necessário e que herdaram a posse da terra dos antigos senhores da região.
Todas essas questões evidenciam a luta pela sobrevivência de negros e indígenas
no Brasil de hoje. Assim, a resistência de índios e negros não terminou; ela não
ficou restrita ao passado, mas continua viva, existindo no Brasil contemporâneo.
Enquanto houver uma sociedade racista, que busca eliminar os indivíduos que
agem de modo diferente da classe dominante, a luta antirracista é necessária.

14 DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL

O Brasil é um país extremamente marcado por diversidades culturais. Tais


diversidades são observadas não apenas na população como um todo, mas
também nas várias regiões do território nacional. Ao lado das diversidades culturais,
há situações de desigualdade social, também muito evidentes no país. Neste
capítulo, você vai aprender um pouco mais sobre esses e outros conceitos.

14.1 Diversidade cultural

A diversidade cultural tem sido considerada uma marca da sociedade


brasileira. Desde os tempos mais remotos até hoje, estudiosos se deparam com
questões como esta: é possível ser igual em uma sociedade em que as pessoas
são tão diferentes? A definição de diversidade está associada aos conceitos de
pluralidade e heterogeneidade. Em síntese, a diversidade remete à multiplicidade
de fatores.
A diversidade tem sua origem na colonização do Brasil, com a chegada dos
portugueses, associada à presença do índio e do negro nas terras brasileiras.

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Holanda (1995, p. 43) aponta que os portugueses foram os pioneiros na missão de
colonizar o Brasil, sendo os “[...] portadores naturais dessa missão”. Os portugueses
que aqui vieram tentaram impor aos habitantes desta terra seus costumes, sua
religião e suas tradições. No entanto, o autor aponta ainda que “pouca coisa se
conservou entre nós que não tivesse sido modificada ou relaxada pelas condições
adversas do meio”. Contudo, manteve-se “[...] a obrigação de irem os ofícios
embandeirados, com suas insígnias, às procissões reais, o que se explica
simplesmente pelo gosto do aparato e dos espetáculos coloridos, tão peculiar à
sociedade colonial” (HOLANDA, 1995, p. 43).
Destaca-se, portanto, o fato de que não apenas os portugueses, como
também os holandeses e outros povos deixaram suas marcas no País, fornecendo
elementos constituintes da cultura brasileira. Ainda é necessário considerar que
também permaneceram características próprias, religiões, festividades e costumes
específicos de cada povo. Portanto, essa mistura de raças, etnias e todos os valores
e tradições deram origem à diversidade cultural da sociedade brasileira, que o
passar do tempo só fez intensificar.
Agora que você já está mais familiarizado com a noção de desigualdade,
considere a noção de cultura. A Declaração Universal da Diversidade Cultural, de
2001, em seu art. 1º, aponta que a cultura “[...] adquire formas diversas através do
tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade
de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a
humanidade” (UNESCO, 2002, p. 2). A referida Declaração foi aprovada por 185
Estados-membros e é o primeiro documento que busca promover a diversidade
cultural dos povos e a comunicação entre eles. A elaboração do documento deve-
se principalmente à necessidade de se preservarem riquezas culturais, ainda que
no contexto da globalização, que, dadas as suas características, acaba
distanciando as culturas ao aproximar os povos exageradamente.
Alves (2010) aponta que o crescimento dos mercados mundiais trouxe a
ampla sensação de que o mundo estaria vivendo um processo de homogeneização
cultural. Nessa perspectiva, foram feitos apelos no sentido de promover a
diversidade e as identidades locais, marcadas por grande variedade de línguas,

74
crenças, costumes, tradições. Segundo o autor, na América Latina, o receio de uma
unificação de culturas fez com que profissionais se organizassem, juntamente a
movimentos sociais, a fim de pressionar os governos locais para a defesa e a
promoção da identidade regional.
Ortiz (1999, p. 83) aponta que “[...] afirmar o sentido histórico da diversidade
cultural é submergi-la na materialidade dos interesses e conflitos sociais
(capitalismo, socialismo, colonialismo, globalização). A diversidade cultural se
manifesta em situações concretas”.
Assim, você pode considerar que a diversidade cultural são os diferentes
aspectos que compõem uma cultura: tradições, costumes, linguagens, formas de
organização familiar, política, religião, culinária, entre outras características próprias
de determinado grupo em determinada época. No entanto, de acordo com Ortiz
(1999, p. 82), é preciso ir além das diferenças:

[...] a diversidade cultural não pode ser vista apenas como uma diferença,
isto é, algo que se define em relação a, que remete a alguma outra coisa.
Toda “diferença” é produzida socialmente, ela é portadora de sentido
simbólico e de sentido histórico. Uma análise tipo hermenêutica que
considere unicamente o sentido corre o risco de isolar-se num relativismo
pouco consequente.

Ortiz (1999) aponta ainda que, em alguns casos, a diversidade esconde


também relações de poder. É importante reconhecer os momentos em que ela
oculta questões como a desigualdade. Para o autor, “[...] se as diferenças são
produzidas socialmente isso significa que à revelia de seus sentidos simbólicos elas
serão marcadas pelos interesses e pelos conflitos definidos fora do âmbito do seu
círculo interno” (ORTIZ, 1999, p. 85). Nesse sentido, complementa que a
diversidade cultural é ao mesmo tempo desigual e diferente, pois ela é permeada
por relações de poder e legitimidade — países fortes versus fracos; governo
nacional versus internacional, entre outros. Dessa forma, não é possível falar em
“unidade na diversidade”, especialmente quando se tratar de problemas para os
quais ainda não há respostas. A expressão “diversidade cultural” busca
compreender as diferenças entre as várias culturas existentes, que fazem parte do
que se chama “identidade cultural”.

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Nesse aspecto, o Brasil é extremamente rico. É um país marcado, desde
suas origens, por diversidade em vários aspectos. Cada civilização que aqui chegou
trouxe um pouco de sua cultura, suas formas de viver, se organizar e ver o mundo,
o que contribui para a heterogeneidade presente na atualidade. Entretanto, Ortiz
(1999) aponta que a diversidade presente no mundo antes do século XV era maior
do que a existente hoje. Muitas culturas, línguas, economias e costumes foram
desaparecendo com a expansão do colonialismo, do imperialismo e da
industrialização. Não se pode deixar de mencionar que a diversidade cultural no
Brasil é bastante evidente também entre as diferentes regiões do País. Norte,
Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste: cada Estado tem características próprias,
que envolvem valores, costumes, linguagens, diferenças climáticas e nível de
desenvolvimento.
Machado (2011, p. 149) afirma que a diversidade deve ser vista “[...] como
um fenômeno dinâmico e multidimensional. O que deve ser preservado, portanto,
não é um dado estado dessa diversidade, mas a possibilidade de direito a ela”. O
autor aponta também que a diversidade deve ser fonte de criatividade e base para
transformações cabíveis. Ainda menciona que não se devem “relativizar direitos
humanos sobre o pretexto do respeito à diversidade”. O autor cita como exemplo
que não se devem “[...] violar direitos das mulheres sob o pretexto de convicções
religiosas ou práticas enraizadas culturalmente”.
Todos esses apontamentos direcionam para um conceito equilibrado de
diversidade, que a define como algo positivo, desde que as atitudes colaborem com
o desenvolvimento de competências e habilidades abertas às diferenças. Para
Machado (2011), não é o caso de reconhecer as pessoas apenas em suas
diferenças, mas de valorizar trocas, reconhecimento, curiosidade e interesse em
conhecer o outro.

76
15 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E MULTICULTURALISMO NO
BRASIL

A cultura ocupa lugar de destaque na atualidade, embora não se possa


deixar de considerar também sua relevância em outros momentos históricos. Entre
suas múltiplas conceituações, a cultura pode ser pensada a partir de um
conhecimento complexo que envolve arte, moral, crenças, costumes e leis
adquiridas pelo ser humano ao longo do tempo. Miguez (2011, p. 18) aponta que:

Esta afirmação ganha sentido, contudo, quando voltamos o olhar para a


constituição da sociedade moderna, tendo em conta o papel que a cultura
desempenhou nesse processo. Ou seja, se à modernidade correspondeu,
como uma de suas mais importantes características, a emergência de um
campo da cultura (relativamente) autônomo em relação a outros campos,
como o da religião, na circunstância contemporânea, a cultura transbordou
seu campo específico, alcançando outros campos da vida social, a
exemplo dos campos político e econômico.

O autor reforça essa análise afirmando que a cultura “invadiu” outros


setores da vida em sociedade, o que não representa o fim da cultura como uma
área específica, mas sua definição como uma área transversal, que atravessa
muitos outros campos. Miguez (2011) aponta que a cultura deixou de ser algo
específico de ciências como a sociologia ou a antropologia e passou a fazer parte
de pesquisas de várias áreas do conhecimento. Também comenta que a cultura
passou a servir como um recurso a ser utilizado no desenvolvimento de programas
assistenciais que têm como focos a inclusão social, a transferência de renda, a
geração de empregos, etc.
Dessa forma, você pode inferir que “cultura” é um termo que pode assumir
várias definições, sendo a mais conhecida àquela ligada à antropologia e à
sociologia, que envolve conhecimentos, crenças, costumes e hábitos adquiridos ao
longo do tempo. Contudo, esse termo pode assumir significados diversos conforme
a área de interesse. Assim, as palavras “monocultura”, “policultura” e
“multiculturalismo” também assumem significados diversos dependendo da área à
qual estão vinculados.

77
O termo monocultura, por exemplo, está associado à produção de um
único produto. Assim, uma monocultura pode ser considerada como uma unicultura.
Transpondo essa noção para a área das ciências sociais, não se pode afirmar que
no Brasil exista a monocultura, uma vez que o País é bastante rico em diversidade
cultural. Nele, há grande variedade de costumes, hábitos, crenças, enfim,
características que apontam para a existência da diversidade. Países como Japão
e China, por exemplo, adotam o monoculturalismo como forma de preservar a sua
cultura, excluindo influências externas. A adoção dessa estratégia se torna um
pouco mais fácil em sociedades mais homogêneas e com tendências nacionalistas,
o que não é o caso do Brasil (DORETO, 2019).
O termo policultura, por sua vez, relaciona-se ao cultivo de vários tipos de
produtos em um mesmo terreno, técnica muito aceita entre os povos indígenas, que
a utilizavam para diversificar a sua produção. Além dos indígenas, há registros de
que os quilombolas utilizavam essa técnica. Outro conceito que se destaca nesse
contexto é o de multiculturalismo, contrário ao monoculturalismo. Ele pode ser
entendido como a existência de várias culturas em determinada região ou país, no
entanto com uma cultura predominante entre elas. Países como Canadá e Austrália
adotam o multiculturalismo. A crítica é que o multiculturalismo pode provocar
desprezo e indiferença por pessoas que não possuem as mesmas características e
cultura e que porventura residam em países que adotam esse sistema. Isso ocorre
porque a diversidade cultural passa a ser considerada uma ameaça para a
identidade nacional.
Nas palavras de Santos e Nunes (2003, p. 26), o multiculturalismo
representa a “[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por
culturas diferentes no seio de sociedades modernas” e está associado a processos
emancipatórios e lutas pela afirmação das diferenças. Taylor (1997), por sua vez,
aponta que as sociedades estão se tornando cada vez mais multiculturais e
permeáveis, o que conduz à imposição de uma cultura sobre as outras. Falar em
multiculturalismo e no predomínio de uma cultura sobre outras implica pensar
também no papel do Estado perante essa questão. Ainda é preciso considerar que
o multiculturalismo exige tolerância, no que se refere a aceitar as diferenças e a

78
aceitar o outro de forma empática e com respeito. Caso contrário, podem ser
favorecidas situações de conflito, desentendimento e violência. Com relação ao
papel do Estado, ele deve contribuir para que a legislação seja de fato efetivada.
Além disso, deve criar medidas para evitar que determinadas situações ocorram em
razão das desigualdades existentes na sociedade.
Cada conceito possui suas especificidades, mas, de forma geral, deve
prevalecer o reconhecimento das diferenças. Assim, grupos que são considerados
minorias podem assumir o seu valor e lutar pela sua representatividade,
favorecendo a sua construção identitária.
Nessa perspectiva, o multiculturalismo deveria prevalecer sobre o
monoculturalismo, uma vez que todas as culturas e cada uma em especial devem
ser reconhecidas a partir de suas diferenças, de forma que nenhuma imponha seus
preceitos, valores e crenças às outras, para que nenhuma seja oprimida ou extinta.
Quanto ao Estado, ele deve considerar a diversidade cultural existente e lidar com
ela a partir dos direitos humanos, do reconhecimento da dignidade dos indivíduos e
do respeito às diferenças.

16 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL

Como vimos até aqui, o Brasil é um país de grande diversidade cultural. E


o mesmo vale para as desigualdades sociais. Há uma relação entre ambas,
conforme destaca Machado (2011, p. 147):

No Brasil, onde muito do que se identifica como riqueza da diversidade


cultural são tradições e saberes das populações mais pobres e, em grande
parte, apartadas do processo de crescimento econômico, tal realidade
produz uma dúvida incômoda. O preço da preservação desses bens
imateriais seria perpetuar os desníveis entre ricos e pobres, mantendo as
populações tradicionais protegidas da contaminação da informação ou do
acesso ao mercado de bens e serviços culturais? Além dessa, outra
indagação permanece como alerta para aqueles que formulam políticas de
reconhecimento ou de promoção da diversidade: se, no limite, a menor
unidade da diversidade é o próprio indivíduo, não estariam, assim, sendo
colocadas em risco conquistas históricas, objeto das lutas sociais que
serviram para consolidar o respeito ao interesse comum e ao espaço

79
público da cidadania? A defesa intransigente da diversidade cultural não
estaria levando mais à separação do que à aproximação entre as pessoas?

Você deve considerar que a maior parte das sociedades vivencia


desigualdades, que se apresentam de diversas formas: poder, renda, prestígio,
entre outras. Além disso, as origens dessas desigualdades são várias, assim como
as suas manifestações. As desigualdades sociais são construções sociais e não
simples fatos naturais; elas dependem em grande parte de escolhas políticas feitas
ao longo do tempo (SCALON, 2011). O Brasil é um exemplo de país em que as
desigualdades históricas permanecem em meio ao desenvolvimento acelerado,
especialmente pela elevada diferença de renda entre a população.
Na atualidade, muitos são os exemplos que caracterizam a desigualdade
social na sociedade brasileira. Por exemplo: a questão habitacional, com muitas
pessoas morando em condições precárias de habitabilidade, vivendo em áreas
compostas por favelas; e o saneamento básico, que resiste e atinge muitos lugares
do País, o que coloca até a saúde dos moradores em risco. Além disso, são
desigualdades sociais: alimentação inadequada (alguns desperdiçam e outros
sequer têm o que comer), educação e saúde precárias, assim como dificuldades de
acesso a outros serviços públicos essenciais.
As desigualdades sociais foram se intensificando ao longo do tempo. Para
compreender esse processo, é preciso considerar a época da colonização. Esse
período foi marcado pelas tentativas portuguesas de transformar os índios e negros
em escravos e vassalos, ou, em momentos distintos, fazer com que assimilassem
costumes europeus em detrimento de suas próprias tradições. Houve um momento,
por volta de 1700, em que portugueses tentaram homogeneizar a população por
meio de casamentos entre índios e portugueses, criando formas de valorização dos
filhos originários dessas relações. A questão portuguesa e indígena é apenas um
exemplo de como a desigualdade, em sua relação com a diversidade, afeta a vida
dos indivíduos.
Em um primeiro momento, pode-se supor que o contato entre os povos, a
tentativa de homogeneização e tantos outros aspectos favoreceram a diversidade
cultural do Brasil, especialmente no que diz respeito a práticas, costumes e valores.

80
Entretanto, é necessário lembrar que a escravidão vivenciada por negros e índios
trouxe consequências importantes para a formação da sociedade. Ela ampliou
distâncias entre as pessoas, divididas por classes sociais, e afastou os negros (em
alguns casos, pobres e marginalizados) do acesso aos bens e serviços, situação de
preconceito e discriminação presente até hoje. Não menos importante, houve o
avanço das desigualdades na sociedade capitalista, em que predominam os
interesses ligados ao capital e aos lucros, diminuindo o acesso da classe
trabalhadora aos bens e serviços produzidos, o que a coloca em situação de
desvantagem.
Refletindo sobre a questão das desigualdades e diversidades, você deve
notar que a diferença entre as pessoas é uma das principais responsáveis por gerar
desigualdades (SCOTT; LEWIS; QUADROS, 2009). Se antes a diversidade
indicava apenas uma pluralidade de culturas humanas, hoje tem implicações
políticas. Tais implicações podem ser percebidas nas relações entre grupos cujas
desigualdades são evidentes, especialmente no que se refere a poder e resistência.
Silva, Guimarães e Moretti (2017) apontam que as desigualdades geradas
pela diversidade muitas vezes resultam em atitudes discriminatórias, no geral
aparecendo de forma sutil e velada, tendo como pano de fundo o discurso sobre
tratamento igualitário. Para os autores, quando determinadas características são
identificadas e pessoas ou grupos são rotulados, surgem os comportamentos
segregadores. Se estão em jogo pessoas ou grupos que já vivem em situação de
desvantagem social, é comum que eles também se sintam em condições de
inferioridade, assumindo esse papel. Assim, em vez de reagir a essa situação,
acabam se sentindo em situação de desvantagem.
Hobsbawm (2007, p. 11), por sua vez, considera a desigualdade como
resultado do mundo globalizado:

A globalização, acompanhada de mercados livres, atualmente tão em


voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades
econômicas e sociais, no interior das nações e entre elas. Não há indícios
de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos países,
apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de
desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade
econômica, como as que se criaram com os mercados livres globais desde
a década de 1990, está na base das importantes tensões sociais e políticas

81
do novo século. O impacto dessa globalização é mais sensível para os que
menos se beneficiam dela.

Como se pode ver, a globalização também favorece o aumento das


desigualdades sociais. Além disso, existe uma relação intrínseca entre a
diversidade e as desigualdades sociais, o que fica evidente no Brasil, país tão
grande quanto suas discrepâncias e contradições. Ao longo do tempo, as
desigualdades e diversidades foram se acentuando. Na atualidade, romper com
esse ciclo não é algo tão simples e requer motivação individual, tolerância e
conhecimento, além do apoio do Estado no enfrentamento dessas questões.

82
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