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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA

CLEITON FRIEDEMANN
SUSAN CRISTINA MOHR

IMAGEM DE DEUS

São Bento do Sul


2008
2

CLEITON FRIEDEMANN
SUSAN CRISTINA MOHR

IMAGEM DE DEUS

Trabalho apresentado ao curso de


Bacharelado em Teologia
Disciplina: Seminário de Aprofundamento
Bíblico – Antropologia Bíblica
Professor: Werner Wiese

São Bento do Sul


2008
3

1. QUESTÕES PRELIMINARES

A temática, imagem de Deus já tem sido amplamente discutida e analisada no decorrer de


toda a história da teologia. Contudo, discussões mais pertinentes sobre esse assunto iniciaram se
apenas ao final do séc. XIX1.
Por um lado, fica nítida a dificuldade que existe na interpretação de um texto bíblico, de
forma mais específica neste caso, Gn 1. 26-27. No entanto, vendo por outro viés, é saudável que
haja diferentes interpretações, e por diversas vezes até contraditórias e totalmente adversas. A
tensão entre opiniões é que permite que o assunto não caia em desuso ou em esquecimento.

2. BREVE ANÁLISE EXEGÉTICA

Antes de nos aprofundarmos neste assunto, é necessário que se analise o termo hebraico

~l,c, (imagem, que a partir de agora será transcrito como tselem) a partir de um dicionário
teológico2. Este termo aparece cerca de 16 vezes no AT, e está basicamente ligado a uma
representação, semelhança. Apenas 5 vezes este termo é aplicado ao homem como sendo imagem
de Deus, e na maioria das vezes aparece referindo-se a ídolos, representação de divindades.
Entende-se que o homem como tselem de Deus significa que tem domínio sobre a criação divina,
age como vice-regente. Esta imagem não se encontra no corpo do homem, mas na semelhança
espiritual, intelectual e moral com Deus, de quem veio o sopro da vida. O aspecto espiritual foi
manchado pelo pecado, mas será aperfeiçoado na eternidade3. Alguns dogmáticos luteranos
afirmam que tselem seria o conhecimento de Deus e a santidade existente no homem antes da
queda. Já os escolásticos afirmavam que a imagem consiste na racionalidade e na liberdade da
natureza humana4.

1
HAFNER, Philip H. A Criação. In: BRAATEN, C.E., & JENSON, R.W. Dogmática Cristã. São Leopoldo:
Sinodal, 1990. p. 332.
2
Para tal será usado: HARRIS, -R. Laird, et. al. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1998.
3
HARTLEY, John E. in Id. pp. 1288-1289.
4
SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Canoas: ULBRA, 2002. p. 247.
4

Alguns comentaristas de Gênesis trabalham nesta direção. O homem é retratado como ao


nível da natureza criada e até acima dela. O contraste está em “façamos” (v. 26) e “produza a
terra” (v. 24). O homem é colocado em nível superior devido o seu ofício. Isto pode ser
observado a partir do Salmo 8.4-8. Mas o que talvez mais destaque a questão da imagem, é o
relacionamento que o ser humano pode ter com Deus. Imagem está intimamente relacionada com
a semelhança, porém, a imagem é a constituição do homem como ser racional e moral, e a
semelhança como a harmonia com Deus, perdida na queda. A semelhança, como relata I João
3.2, será restaurada quando o homem estiver face a face com Deus. Assim, domínio é uma
conseqüência da imagem de Deus5. Baseado nestas informações pergunta-se: o homem então
perdeu apenas a semelhança na queda?
Outro comentarista supõe que o homem tenha sido criado para ser imortal, e que tinha o
livre poder de escolha, até o ponto em que desobedeceu ao seu Criador 6. Estes são alguns
pensamentos de comentaristas bíblicos.

3. COMPREESÕES DE IMAGO DEI

3.1 O ser humano – um ser distinto

Alguns personagens relevantes na teologia cristã, defendem a opinião de que a Imago Dei
é uma atribuição humana específica 7. Nomes como, Gregório de Nissa, Tomás de Aquino, Irineu,
Basílio o Grande, e Schleiermacher, pertencem a essa categoria 8. Irineu foi o primeiro a fazer a
diferenciação entre ícone e essência. A ícone seria constituída de razão e livre-arbítrio, enquanto
que a essência seria constituída de fé e obediência, e este o ser humano perdeu na queda. Para
Gregório de Nissa, não há distinção entre ícone e essência. Pois imago é reprodução fiel do
modelo, mudando apenas na identidade que carrega. Ele também é da opinião que a sexualidade é
corrupção da Imago Dei. Tomás de Aquino aplicou a concepção de Irineu, acrescentando que o

5
KIDNER, Derek. Gênesis – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1985. pp. 47-49.
6
PFEIFFER, Charles F.; HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody. Vol 1. São Paulo: Imprensa Batista
Regular, 1990. p. 5.
7
HAFNER, op. cit., p. 332.
8
Id.
5

esforço de crer e obedecer dependia do ser humano. A manifestação da Graça da Imago Dei
depende do homem.
Compreendendo-se o ser humano como um ser distinto, por ser Imago Dei, vê-se que ele
o ocupa uma posição privilegiada diante de toda a criação 9. Por isso ao homem (entenda-se aqui a
humanidade como um todo), é dada a capacidade e a função de dominar, sujeitar cultivar e
guardar o que Deus criou. Ao ser humano é confiada toda a criação, e tem autoridade sobre ela.
Por ser criado a Imagem de Deus, ao homem é atribuída a responsabilidade de administrar a
criação, bem como de ele mesmo tornar-se criativo, e poder moldar o mundo, construindo assim
o seu habitat na terra10. No entanto, as expressões ‘dominar’ e ‘sujeitar’ não podem estar
desvinculadas da responsabilidade própria da criatura diante do criador 11. Uma vez que este elo
entre o ‘dominar’ e sujeitar’, com a responsabilidade que o ser humano tem com o próprio Deus,
seja rompido, a função de domínio do ser humano se corrompe e se torna em exploração e
tirania12. Foi exatamente isso que aconteceu com o Racionalismo Moderno, representado na
figura de Descartes, que viram nestas expressões a concessão para a liberdade de explorar a
criação de forma arbitrária e irresponsável13.
No entanto, essa compreensão de Imago Dei deve ser interpretada como sendo o homem
capaz e responsável perante toda a criação, inclusive dele próprio. Desta forma ‘dominar’ e
sujeitar’ não são um ato de violência, mas sim de amor e responsabilidade14.
Esta forma de compreensão também não quer expressar que o ser humano possa possuir
atributos, marcas ou características divinas15. Da mesma forma que a bíblia não permite que se
imagine Deus em forma humana, ela também não permite que se faça o caminho inverso. Imago
Dei, não quer se referir de forma alguma a características que o ser humano tenha em comum
com Deus.

9
BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em busca de identidade: contribuições para uma antropologia
teológica. São Leopoldo/ São Paulo: Sinodal/Paulus, 2002. p. 18.
10
BRAKEMEIER, op. cit., p. 19.
11
Id.
12
Id.
13
WIESE, Werner. Ética Fundamental: critérios para crer e agir. São Bento do Sul: União Cristã: FLT, 2008. p.
65.
14
WIESE, op. cit., p. 65.
15
BRAKEMEIER, op. cit., p. 19.
6

3.2 O ser humano – relacionamento com Deus

Na segunda categoria de interpretação do que consiste imago Dei, podemos alistar nomes
como: Agostinho, Tillich, Reinhold, Niebuhr, Lutero, Calvino, Barth e Brunner 16. Estes
entendiam que a imagem de Deus, consiste no fato de o ser humano poder se relacionar com
Deus e de co-responder se com Ele. No entanto, havia entre eles ainda algumas distinções quanto
à compreensão de Imagem de Deus.
Agostinho dizia que o homem é protótipo da Trindade. Se o homem é ícone de Deus,
também tem sua essência. Porém, com o pecado houve conturbação na sua Imago Dei.
A reforma também teve grande importância na discussão deste tema. Destaca-se Calvino e
Lutero. Calvino afirmava que a imagem de Deus no ser humano está na alma, e envolve tudo
aquilo que o difere dos animais. Não há distinção de ícone e essência. Já Lutero, afirma que ao ter
a imagem de Deus, o homem era como os anjos, mas após a queda, torna-se como os animais.
São poucas as coisas que os diferenciam.
Emill Brunner se adapta a uma linha liberal. Ele se inclina para a posição tomista, de que a
imagem de Deus no homem o capacita a receber a Palavra, e assim decidir se vai aceitá-la ou
não. Brunner foi acusado de herege por Barth.
Karl Barth é neo-ortodoxo. Ele parece um pouco confuso, pois se contradiz em suas
conclusões sobre a Imago Dei. Em seu comentário sobre Romanos afirma que o ser humano
deixou de ser ícone e essência de Deus. Já na dogmática, diz que deixou de ser ícone, mas no
homem ainda reside a essência de Deus17. Sob essa ótica, Imago Dei, significa que o homem é
estátua de Deus na criação, ou seja, é a criatura que representa legitimamente ao criador em meio
a toda a criação18. O fator imagem e semelhança de Deus, quer mostrar que Deus é o Senhor de
toda a criação19, e não o ser humano, ou qualquer outro elemento criado. Por esse motivo o ser
humano é duplamente responsável. Uma vez perante o próprio Deus, pois é co-responsável pela
causa social, ecológica e política no mundo20. De outro lado, também é responsável perante a
própria criação em si, visto que é o administrador da mesma21.

16
HAFNER, op. cit., p. 332.
17
JR., Josias Macedo Baraúna. In: http://solascriptura-tt.org/AntropologiaEHamartologia/ImagemDeDeus-
Barauna.htm
18
WIESE, op. cit., p. 66.
19
Id.
20
BRAKEMEIER, op. cit., p. 21.
21
WIESE, op. cit., p. 66.
7

Por ser o homem responsável e administrador da criação, a ele lhe são imputados alguns
direitos e deveres22. Como direito, podemos dizer que o ser humano, diferentemente dos demais
animais, possui a liberdade de decisão23. Isto é, ele não está preso a um instinto 24. Por isso ele
possua a capacidade de se relacionar socialmente, de criar uma cultura e uma religião. Outro
benefício que a imago Dei lhe proporciona, é a liberdade para poder usufruir de forma consciente
e responsável da criação25.
Os deveres que o ser humano tem, por ser imago Dei, são basicamente dois. O primeiro é
o de cultivar e guardar o jardim do Édem de Deus (Gn 2.15) 26. A criação está nas mãos do
homem, portanto, cabe a ele administra-la e preserva-la. O segundo dever do ser humano é a
submissão e a obediência irrestrita a Deus27. Em momento algum o ser humano pode se arrogar
ser ele mesmo o próprio Deus, ou então afirmar que possui atributos divinos em si. De maneira
alguma somos divinos, e não há em nós nem uma centelha do divino em nossa natureza 28. Somos
sim responsáveis por mostrar ao mundo de que Deus, e somente Deus é o Senhor sobre todas as
coisas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais opiniões são expostas. Se o ser humano é imagem e semelhança de Deus, e sendo
Deus um Deus Triúno, também o ser humano é composto por três naturezas: corpo, alma e
espírito, e se relaciona de forma tríplice, a saber, com Deus, com o próximo e com a criação 29.
Mas da mesma forma como há um só Deus, também o ser humano precisa ser visto como um ser
unitário. Afirma-se que o homem foi feito Ícone de Deus, e Jesus Cristo também é Ícone, mas em
plena essência de Deus. Assim sendo, Cristo é a supremacia da Imagem de Deus, o único que é
ícone e essência de Deus de forma completa. Isso pode ser constatado em Colossenses 1.15-20.
Em I Jo 3.2 é dito que quando Cristo se manifestar, o homem será semelhante a ele.
22
Id.
23
Id.
24
BRAKEMEIER, op. cit., p. 21.
25
WIESE, op. cit., p. 66.
26
Id.
27
Id.
28
SMITH, Ralph L. Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem. São Paulo: Vida Nova, 2001.
p. 237.
29
REIS, Rev. Gildásio. In: http://www.monergismo.com/textos/antropologia_biblica/imagem_gildasio.htm
8

Desta maneira, o homem é sim Imago Dei, contudo, ele precisa ser renovado nesta imagem.
A renovação e a restauração da imagem de Deus no homem, somente é possível por intermédio
de Cristo. Sendo Cristo imagem perfeita de Deus, o homem pecador, precisa tornar-se semelhante
a Cristo. Lemos em Cl 1.15 "Ele é a imagem do Deus invisível" e em Rm 8.29 que Deus nos
predestinou para sermos "Conforme a imagem de Seu Filho..." (I Jo 3.2; II Co 3.18). “Quando
Cristo que é a nossa vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados com ele, em
glória” (Cl 3.4).
Diante da tantas opiniões e conclusões, o que pensar? O que é de fato a Imago Dei? É
representação divina? É vice-regência? É relacionamento? E o que aconteceu com ela após a
queda do ser humano? Ela foi perdida? Continua no ser humano, mas de forma deturpada? Ou
então nada mudou, e o homem continua sendo ícone e essência? O que o ser humano tem feito
com este “ser imagem de Deus”?
É nítido que o ícone de Deus permanece, afinal, o homem continua administrando a
criação de Deus30, mas Jesus Cristo veio para aperfeiçoá-la. A glorificação do ser humano
consiste em voltar à perfeição com a qual fomos criados por Deus, ou seja, voltarmos a perfeita
imagem de Deus. Jesus Cristo veio para nos resgatar de nossa pecaminosidade e nos restaurar. A
perfeição da imagem de Deus será o auge da consumação da obra redentora em Cristo Jesus31.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em busca de identidade: contribuições para uma


antropologia teológica. São Leopoldo/ São Paulo: Sinodal/Paulus, 2002.

30
JR., Josias Macedo Baraúna. op. cit.
31
REIS, op. cit.
9

REIS, Rev. Gildásio. In:


http://www.monergismo.com/textos/antropologia_biblica/imagem_gildasio.htm

HAFNER, Philip H. A Criação. In: BRAATEN, C.E., & JENSON, R.W. Dogmática Cristã. São
Leopoldo: Sinodal, 1990.

HARRIS, -R. Laird, et. al. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1998.

JR., Josias Macedo Baraúna. In: http://solascriptura-


tt.org/AntropologiaEHamartologia/ImagemDeDeus-Barauna.htm

KIDNER, Derek. Gênesis – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão,
1985.

PFEIFFER, Charles F.; HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody. Vol. 1. São Paulo:
Imprensa Batista Regular, 1990.

SCHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Canoas: ULBRA, 2002.

SMITH, Ralph L. Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem. São Paulo:
Vida Nova, 2001.

WIESE, Werner. Ética Fundamental: critérios para crer e agir. São Bento do Sul: União
Cristã: FLT, 2008.

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