A
REVOLUÇÃO FRANCESA
E A MODERNIDADE
COLEÇÃO
REPENSANDO A HISTÓRIA GERAL
CONCEPÇÃO
COORDENAÇÃO
EDITORA CONTEXTO
ISBN 85-85134-81-X
Caro leitor(a)
Atenciosamente.
Projeto Prometheus.
Sumário
Conclusão ..................................................... 67
A MONARQUIA ABSOLUTISTA
A SOCIEDADE DE CORTE
E A LÓGICA DO PRESTÍGIO
O ESTADO DE COMPROMISSO
3. ILUMINISMO E REVOLUÇÃO[24]
A ENCICLOPÉDIA
VOLTAIRE
ROUSSEAU
A FRANCO-MAÇONARIA
O JACOBINISMO
A BOÊMIA LITERÁRIA
O historiador norte-americano Robert Danton propõe uma
interpretação muito original das relações entre iluminismo e revolução. A
originalidade decorre, em larga medida, de seu entendimento sobre o
ofício do historiador. Com sólida formação em antropologia, Danton se
classifica como um historiador etnográfico porque, ao se dedicar à
história da cultura da França no século XVIII, o faz considerando a
maneira[51] como as pessoas comuns entendiam o mundo e construíam
suas interpretações sobre a realidade a que estavam submetidas.
Essas referências iniciais justificam-se para sublinhar alguns traços de
sua postura teórico-metodológica, e salientar que seu trabalho se rege
pela preocupação de captar as diferenças que identificam as sociedades
em épocas distintas. A aparente simplicidade desta afirmação dilui-se
quando a aplicamos especificamente a um objeto de estudo, pois sua
operacionalização significa não apenas eleger outras fontes documentais
para análise, como também atribuir um outro conteúdo aos temas em
pauta. Com muita firmeza ele adverte os historiadores para os perigos de
se deixarem seduzir por uma falsa familiaridade entre o seu presente e o
passado que pretendam reconstruir.
Para o historiador da cultura este risco levaria ao equívoco de se
supor que há dois séculos os franceses pensavam e sentiam da mesma
forma que nós.
Assim, seu trabalho se propõe a reconstituir e respeitar as formas em
que o conceito for entendido à época e que significado lhe atribuíam.
Nestes termos para ele importa menos saber o que pensavam e, sim,
como pensavam. No caso de uma pesquisa sobre o iluminismo, esta
perspectiva implica na adoção de um procedimento que respeite o ponto
de vista dos autores da época, por mais estranhos que eles nos possam
parecer em determinadas circunstâncias.
Foi este estranhamento que ele experimentou ao deparar com uma
lista de pedidos encaminhada a um livreiro na Suíça. Os títulos ali citados
como "filosóficos" não condiziam com o entendimento que hoje se tem
sobre o tema. Títulos como Vênus no claustro ou A freira de camisola: O
cristianismo desvendado: Thérèse, a filósofa e Margot, a companheira do
exército, não correspondiam à idéia que hoje se tem sobre filosofia e
nem sobre iluminismo. Segundo Darnton, esta lista - que mais parecia
"um monte de lixo" - de alguma forma terminou por incorporar-se à idéia
de filosofia que se tinha naquela época.
Em suas pesquisas sobre a vida intelectual na França do século XVIII,
ao lado de nomes conhecidos do pensamento francês ele descobriu um
verdadeiro mundo de subliteratos, da "boêmia literária", constituída por
escritores que não desfrutavam do status dos integrantes da "república
das letras". Viviam isolados e contavam sempre com poucos recursos,
pois eram os excluídos do monde e, portanto, não recebiam pensões.
Suas considerações sobre a "boêmia literária" reforçam as
interpretações sobre as tensões criadas pelo sistema de ascensão social
através do prestígio, que - por sua própria natureza - só recobria um[52]
grupo limitado, o que significava manter na condição de excluídos o
contingente maior da sociedade.
Suas conclusões possibilitam também o encaminhamento da questão
levantada por Tocqueville a respeito das razoes que poderiam explicar a
"paixão" que parecia empolgar os franceses e tornar compreensível a
"indignação" que experimentaram ao contemplar a sociedade em que
viviam.
Os literatos da boêmia expressavam suas idéias nos libelle, uma
espécie de panfleto que disseminava o sentimento de repulsa pelo Antigo
Regime, sempre tratado de forma apaixonada, em tom insolente
difamador e caluniador.
Os panfletos que circulavam e eram lidos principalmente nos cafés -
uma espécie de "salão" das parcelas menos favorecidas da sociedade -,
tinham como assunto predileto e alvo principal de sua mordacidade, o
monde. Escolhiam preferencialmente personagens da corte, membros da
aristocracia, freqüentadores dos salões e das academias, assim como a
hierarquia eclesiástica como personagens dos casos escandalosos e
sensacionalistas, com o que pretendiam demonstrar a corrupção
instaurada no reino, a degeneração e decadência moral da aristocracia.
Importa chamar atenção para o fato de que, mesmo sendo uma
literatura que se nutria de escândalos, de "segredos de bastidores", de
detalhes da vida íntima de personagens importantes da corte, entre os
quais não escaparam nem o rei, a rainha e o poderoso cardeal de Rohan,
o que estava em foco era a questão moral.
Ainda que não elaborassem propostas, nem submetessem à opinião
pública projetos de reforma para a sociedade, os libelles eram
instrumentos permanentes de denúncias. A seu modo contribuíram para
desgastar ainda mais a imagem do Antigo Regime, sua decadência e
falta de autoridade moral.
Estes "Rousseau de sargeta" como os apelidou Danton, viviam numa
realidade muito distinta daquela que imperava para os literatos bem-
sucedidos. Nesse underground não vigiam princípios, nem estavam os
libelles submetidos a certas regras implícitas de "civilidade" das demais
instituições do Antigo Regime. Entre eles reinavam uma acirrada
competitividade e um profundo despeito pelo sucesso alcançado por
todos que haviam conseguido penetrar no monde. Este foi o caldo de
cultura em que ferveu seu ódio pelas elites.
Numa certa medida esse é o limite de sua campanha "revolucionaria".
Disseminar o descontentamento, insuflar a repulsa pelas elites, atacar os
privilégios e desmoralizar os poderosos, eram os objetivos de sua
campanha contra o status quo.
[53] Rétif de Ia Bretonne talvez seja uma exceção nesse meio. Se,
por um lado, pôde integrar esse submundo pelo estilo de vida que
levava, antes da revolução publicou várias obras contendo projetos de
reformas reunidas sob o título de "Idéias Singulares", e que constavam
de um plano para a reforma da educação, da ortografia, a reforma da
prostituição e uma reforma social baseada na eliminação da propriedade
privada.
Não está em jogo a excentricidade de sua obra e, sim, o interesse em
reforçar o argumento sobre o peso que àquela época exerciam as
questões morais. Os libelles raramente propunham reformas, limitavam-
se a denunciar a decadência moral, mas cumpriram importante papel
para a revolução.
Danton é enfático ao concluir que o extremismo jacobino nutriu seu
verdadeiro timbre "neste ódio que subia das entranhas, e não nas
refinadas abstrações de uma bem tratada elite cultural", dando assim
sua versão para as relações entre iluminismo, jacobinismo e revolução.
Esta interpretação inclui ainda uma consideração final de que a
revolução teria virado pelo avesso o mundo cultural e, no cumprimento
dessa tarefa, bebeu na fonte das concepções antielitistas cultivadas com
paixão pela "boêmia literária".
A revolução destruiu as instituições onde florescera a elite intelectual
do Antigo Regime, os salões e as academias; revogou a censura,
eliminou as pensões, e aboliu os privilégios.
4. CULTURA E REVOLUÇÃO[54]
Com extrema lucidez e certa dose de perplexidade, Tocqueville
traduziu o sentimento vigente na França pós-revolucionária ao afirmar:
HISTORIA E CIDADANIA
CONCLUÇÃO[67]
O LEITOR NO CONTEXTO[71]