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c-/\Y/r pierrepaulBroca
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O pesquisador
prodígio
pon
METrculoso
EMsEUsEsruDos,o NEURoLocrsrA
rRnrucÊs
FoI REsporusÁvel
ENcoNTRAR ÉpRocEssADA
n RrcÉooNDEA LrNcuAceu No cÉnreno

diaera17 deabrilde 1861,e acidade,Paris.A platéia,

movia-senervosamente
cheia de expectativas, em
Ansiosos,os membrosda Sociedade
seusassentos.
de Antropologia aguardavama entradado principal orador da
tarde, o médico Piene PaulBroca.Corria o boato de que uma
descobertaextraordináriaparaa neurologiaseriaapresentada.
O palestranteera um dos mais iminentescientistasfranceses.
Com 37 anos já era respeitado por colegas e acumulava
prêmios. Fundador da antropologia na França,neurologista,
cirurgião, pesquisadorde temasde medicina, como anatomia
cerebrale evoluçãodo câncer,erareconhecidopor seuespírito
de liderança desde a jwentude. Poliglota, pintor e músico,
ainda escreviae discursavabem.
A rápidaapresentaçãodeixou a platéiadesapontada,Broca
era cauteloso,tinha fama de examinaruma questãode todos
os ângulos e de considerarvárias explicaçõespara o mesmo
fenômeno.Ninguém dwidou, porém, que aqueledia seriaum
úvisor de ágrnsparaa históriada ciência.Brocahaviamostrado
(e prometido mais detalhespara quatro mesesdepois) o caso
de um paciente,M. Laborgne,apelidadode Tãn (por ser essa
aúnica palawa que conseguiaemitir quandoperguntavamseu
f 1824 - Nnscrrv SruNr-Foy-rn-GnaNor,nn Fnnrçn. nome), que teve seucérebro dissecadopelo médico. Tàn era
f 1841 - EurRapqRn n escouwÉorcron UNvrnsronoe
oePnnls, epilético e havia sido intemado no Hospital Bicêtre,de Paris.
aosl 7 aruos. Durante váriosanosteve uma incapacidadeadquiridade falar,
r i 848 - Cor.rRArADocoMoAUXTLTARDEANAroMnon Flcupnor na épocachamadaafemia.Seuintelecto e habilidadede com-
oeMrorcrrua. preensãopareciamintactos,assimcomo a mobilidade de seus
a1849 - Receee o rÍrulo pr DouroR
EMMEDtctNA. órgãosarticuladoresda fala (língua,mandíbula,cordasvocais
f 1859 - Funoan Socreonor AurRopolóclce
oePnrus. etc.). A impossibilidadede articulara linguagemdeveriaserde
r 1861 - Apmsenrn n rEoRrA
euEsEroRNouuMDrvrsoR oeÁcum ordem mais superior,um possível"centro da fala" no cérebro
ttl ntsróRnpn ctÊNctl"
coNHEctDAcoMo"AFAstA oeBnoca". frontal. Essasíndrome, que posteriormente foi denominada
f 1863 - Fnzupranrsrónrcn srssÃorunAcnorun or MrorcrlÀ "afasiade Broca",apareciacom certa freqüênciaem vítimas de
euEESTABELECE suAFAMA e pnesrícto
ctewírtco. derrames,traumase tumores cerebrais,mas, principalmente,
r 18OZ - Ér.roMEADo pRoFEssoRDEpAToLocrA
crnúncrcn,
cHEFE
DA em pessoascom sífilis em estágioadiantado.Essaera a causa
ct-ítttcrcrnúnoclEMEMBRo onAclorun oeMeorcrnn. provável da afasiade Laborgne.
a1872- Cnnn Rrvueo'AurnnopoLocrr. Ele apresentavauma lesão localizada no terço posterior
]1E76 - Fuxonr Escouor ANrRopoLoctA pr PnRrs. da terceira convolução do córtex frontal do lado esquerdo.
I 1890 - MonnesuBrrAMENrE eu Pnnrs,
aos54 nNos. Broca tinha outros casossimilares, e dois de seus colegas,

2A H,trNrrtcÉRreRo 2OO9
FEVEREIRO

que tambématendiampessoas com
problemas semelhantes, corroboravam
suaidéiade queeletinhaencontradoo
centrodafalaou "circunvolução dalin-
guagem". que
Brocaobservou emtodos
oscasosospacientes tinhamlesõesdo
lado esquerdo,e pessoascom lesões
do ladodireito,namesmalocalização,
não tinham desenvolvidoa afasia.A
implicaçãodessefatoeraextraordinária,
pelaprimeiravez,aneurologia compro-
vavaclaramente a lateralidadede uma
importantefunçãocognitiva,ou seja,a
dominânciadeum hemisfériocerebral
sobreo outro.Issofoi comprovadonas
décadas peloestudodetalha-
seguintes
do de centenasde casos,por Brocae
por outrosespecialistas.
BOLINHASDE CHUMBO
Por volta de 1870,outrasregiões
relacionadas à linguagemcom carac-
teísticassemelhantes à áreade Broca,
como veio a ser conhecida,foram
descobertas, tanto pelo neurologista
alemãoCarl \íernicke (umaparteno
lobotemporal,cujalesãocausava afasia
sensorial)quantopelo neurocirurgião
franco-suíço Joseph JulesDejerine(área
integradora do lobo parietal,responsá-
velpelaleitura,cujalesãocausava alexia,
ou seja,incapacidade de entendera
linguagemescrita).
Nascidoem 1824,em Saint-Foy-
la-Crande,na França,em uma família
pequeno-burguesa típica do interior,
PienePaulBroca pertenciaà minoria
religiosahuguenote. Seupai,Benjamin
Broca,era cirurgião,lutou na batalha
de \flaterloo. Suamãeera fflha de um
pastorprotestante, dotadade extrema
inteligênciae memóriaexcepcional.
Criançaprodígio,Brocaobtevebacha-
reladossimultâneos em letras.mate-
WWW.MENTECEREBRO.COM.BR
rF
IELE SEDEDTCOUA ASS|STENCIA
MEDTCADOS
POBRES, FOtDEFENSORDA EDUCAçÃO
E DlRtctU
o sERVrço pÚeltcnDEpARtsI
DESnÚOr
máticae física,algo excepcionalpara
o severosistemaeducacionalfrancês
estabelecido por NapoleãoBonaparte.
Instigadopor seuspais,que queriam
um filho médico,entrouparaa escola
de medicinada Universidade de Paris,
em 1841, aos17anos,seformando aos
20- quandoa maioriadeseuscontem-
porâneosaindaestavainiciandocomo
estudante de medicina.
Após se formar,Brocase tornou
notávelpesquisador. Renunciando
aossonhospaternosde seestabelecer
comoclínicogeralemsuacidadenatal,
peÍïnaneceu emParise, apósum perío-
do de aprendizado comoresidente, foi
contratadocomo auxiliarde anatomia
da Faculdade de Medicina,em 1848.
Ali, fezumasériedepesquisas
científicas
emrápidasucessão: estudou
ahistologia
da cartilageme dosossos,determinou
O caminhodaspalavras
A produção da fala envolve
passosque se sucedem
numa seqüênciaprecisa.
A área de Broca,no lobo
frontal inferior esquerdo
(laronjo),deflagra o processo
e transmite as unidades
sonoraspara sistemas
motores dafala (süo 1). O
córtex motor (verde) envia
comandos para os órgãos
executores,como a laringe
ou a língua. O processoé
continuamentemonitorado
pelasáreasauditivas (seta2),
como a de Wernicke (ozul).
por RenatoM. E.Sabbatini
I
a etiologiamuscularda distrofiade
Duchenne,a origemnutricionaldo ra-
quitismoe o papeldo sanguenasmetás-
tasesdo cânceq, sendoum dosprimeiros
a usarsistematicamente o microscópio
no diagnósticodessadoença.Com 24
anosjá haviarecebidoprêmiose ocu-
padocargosimportantes. Doutorou-se
emmeúcinaaos25 anose,quatroanos
depois,foi aprovadono concursopara
professorassistentedecirurgia,umarara
honrariaparaalguémtãojovem.Final-
mente,em 1867,foinomeadoprofessor
catedráticodepatologia ciúrgica,chefe
daclínicaciúrgicaemembrodaAcade-
miadeMedicina,aos44 anos.
O interessedeBrocapelaneurologia
clínicae pelasafasias teveorigemem
seustrabalhospioneirosem antropo-
logiafísica,em 1847,quandofezparte
de umacomissãoqueexumouúversas
CóÍtex motor
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MENTE&CEREBRO 29
 pcrs@ma
vesseessaligação,afinal,a evidênciada
neuroanatomia animal apontava esse
fato, incontestavelmente,principal-
mente entre os primatas.Darwin tinha
demonstrado que o ser humano era um
símio evoluído,com baseno estudode
espéciesmaisprimitivas.
Mas seráque a relaçãosemantinha
dentro de uma mesmaespécie,especi-
ficamente no Homosapiens? Uma visão
sexistae racistadominavaessesdebates,
o cérebroindubitavelmentemenor das
mulheresera associadoa uma suposta
inteligência inferior, fato aceito sem
questionamentospela antropologia,
[srcur.rooBRocA,"As PREMtssAs
MENOSQUESTIONAVEIS
CoNSTDERADAS SAO
As MAISQUEsIONÁVIIS"]
FREQÜENTEI\4ENTE
psicologia e neurologia de então, o
que resultava da condição social de
inferioridade à qual as mulheres esta-
vam submetidas.Era irônico que Broca
aceitasseessasafirmações,pois politi-
camente tinha defendido a educação
o igualitáriadasmulheres,independente
GRAVURA MOSTRA AULAno anfiteatroda da tutela da lgreja.
Universidadede Paris,
onde Broca estudou Os primeiros trabalhos da antro-
pometria tentaramdiferenciaras etnias
sepulturasem um cemitério parisiense, julgaús maisprimitÌvas,como os afri-
numaépocaem que os círculoscientí canos e índios, das conqideradasmais
ficos europeusestavamfascinadospela evoluídas, masas
como os caucasianos,
antropometria e pela caracterologia conclusõeserammuito afetadasporpre-
(estudo das correlações entre as me- conceitos,racismoe pelafaltade méto-
didas físicas da face, do crânio e do dosconfiáveisde medida.Especializado
cérebro e as caracteísticasraciais,de em anatomiado cérebro,interessadoem
comportamentoe personalidade). Entre físicae matemática,Brocadedicou-sea
médicos e antropólogos alastrava-se estudar o tema. Começou estudando
uma polêmica sobre a existênciade o crânio de primatase sereshumanos,
relação entre inteligência e tamanho desenvolvendo métodos e aparelhos
do cérebro. Parecianatural que hou- paramedir com precisãoo tamanhodo
30 MENTE&CÉREBRO
cérebroem fósseise esqueletosipassou,
por exemplo,a preenchera cavidade
cranianacom bolinhasde chumbo para
avaliar seu vohme. Tàmbém pesava
cérebros recém-retiradosdos cadáve-
res que autopsiava. Fez descobertas
pioneiras,como a primeira descrição
do sistema límbico (um conjunto de
estruturas subcorticais envolvidas no
processamentodasemoções).
Embora Broca tivesse,em dado
momento, defendido a correlação
entre inteligência e tamanho do cé-
rebro, mudou de opinião ao perceber
que fósseisde homens da era neolítica
(Cro-Magnons),negrosafricanos,
esquimós, e índios(incluindo
asiáticos
umfamosoespécime trazidodo México
pelastropasfrancesas) tinhamum vo-
lumecerebralbem maiordo queo de
cientistaseuropeus.Emaisainda,aaná-
lise post-mortmdo cérebrode cientistas
franceses e alemães, notáveispelasua
genialidade, logo mostrouque alguns
eramdecepcionantemente pequenos
(o médicoaustríaco FranzCall, por
exemplo,tinha um cérebrominúscu-
1o,com apenas1,148kg). Broca,aos
poucos,sedewencilhoudesse delicado
assunto. Na épocanãohaviaestatística
parao testedehipóteses, e ninguémfez
a correção óbvia pelo peso corporal(a
razãorealdo tamanhomédiomenordo
cérebrofeminino).
Em 1859,fundoua Sociedade An-
tropológicade Paris;em 1872, cnou a
RevuedAnthropologiee, em 1876,a
2OO9
FEVEREIRO
Escolade Antropologia de Paris.Como frenológicodesfavoráveldo imperador),
ele,a escolaeramultidisciplinar- quan- o debatechamoua atençãoparaascres-
do essapalawa aindanem existia.Além centesevidênciasde quemuitasfunçoes
de antropologia (estabelecidacomo mentais pareciam ter representação
ciência respeitávelgÍaçasao empenho localizada no cérebro. Essaevidência
do médico), a instituiçãoofereciaaulas vinhadesdeexperimentos com animais
d e e t n o l o g i a ,d e m o g r a f i aa, n a t o m i a usandolesõese estimulaçãoelétrica,até
comparadae outïasmatériasinovado- estudosclínicosobservacionais,em que
ras. Na época, Broca era visto como disfunçòes pareciamresultar
específicas
subversivo,pois se atreviaa estudar de lesõesde certaspartes do cérebro e
cientificamentedogmas estabelecidos, não de outras.
cujacontestaçãopareciaperigosamente O s d i s t ú r b i o sn e u r o l ó g i c o sd a
liberal para o governo e a lgreja. Broca l i n g u a g e m ,f a c i l m e n t ed e s c r i t o se
era espionadopela polícia e foi denun- correlacionados com as lesòes,eram
ciado pelasautoridadesreligiosascomo o campo predileto para essesestudos.
má influênciapara os jovens, encoraja- O oioneiro foi o médico francêsJean-
dor de rebeldese defensordas"ofensivas BaptisteBoullaud (t296-t g8t) que,
baseadoem centenasde obsewações o cÉREBRo DlVlDlDosegundo critérios
teorias"da evoluçãodasesPécies.
da frenologia,a primeirateoriacompleta
O trabalho de Paul Broca sobre clínicas,propôs que a parte frontal do cerebral
de localizacionismo
afasiase a sua descobenapioneirada cérebroestariaenvolvidano conrole
d a l i n g u a g e m .M u i t o r e s P e i t a d on a se alinhava com as posiçõesdo sogro
dominância cerebral da Ìinguagem
França,Bouillaudhavia estudadocom e trabalhava para reunir mais casos
sítuava-seem um contexto favorável
Gall, participado da Sociedadede Fre- clínicos que confirmassema interpre-
de desenvolvimentocientífico. Na vi-
rada do séculoXVIII, Franz Call havia nologia e atuado como presidenteda tação vigente. Amigo e colaborador
proposto um sistemade localizaçãoce- Academia de Medicina. Seusachados de Broca,Bouillardestavapersuadido
rebraldasfunçõesmentaise emocionais, de que ashipótesessobre a localização
clínicoseram consideradosirrefutáveis,
e suasinterpretaçoes neuraldasafasias
coÍTetas, eramcoÍretas,e de que
maselas
denominadofrenologia.Embora fosse
inteiramentedestituídode fundamento bastariacoletardadosmaisprecisospara
precisavamde dados para obter maior
científico, sendomuito mal aceito pela precisãode mapeamento. comprová-lascientificamente.Seuses-
ciência francesa(em parte porque Call O tambémmédicoenewocirurgrão, tudos microscópicosdo córtex cerebral
haviacometidoo erro de traçarumperfil Simon Aubertin, genro de Bouillard, evidenciavamque havia especialização
funcional das diferentesáreas,e os
estudosdas relaçõesentre inteÌecto e
UM.HOMEMBOMECORAfOSO tamanho do cérebro haviam apontado
p a r a o p a p e l i m p o r t a n t ed o c ó r t e x
seus contemporâneosdeixaram relatos que descrevemBroca como um
irontal nasfunçõessuperioresda mente.
homem generoso,benevolentee bondoso, coraiosoe honesto. Incansávele
prolífico, escreveucentenasde livrose artigos,53 delesdedicadosaosestudos A descobertafoi fundamentale serviu
médicados pobres.ocupou oaraestudosposteriores. 'roq
sobreo cérebro.Religioso,dedicava-seà assistência
uma cadeirana AcademiaFrancesa de Ciênciase na Academiade Medicinae, no
final da vida, foi eleito membro vitalíciodo Senadoda França.Morreu de forma RENATOM. E. SABBATINI é neurocientista,
súbita,em Paris, aos 56 anos,pouco depois de ter sido nomeado senador.Sua doutorado pela Faculdade de Medicinade Ri-
é bem personalizada por uma frasesua,que beirão PretodaUniversidade deSãoPaulo(USP).
inquietaçãocientífica permanente
Foidocentee pesquisador em neurociência do
deveriafazer parte da crençade todos os cientistas:"As premissasconsideradas comportamento naUSPe Universidade Estadual
menos questionáveissãofreqüentemente as mais questionáveis"' Campinas (UnicamP). de

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