Você está na página 1de 99

WERNERBAER

A INDUSTRIALIZAÇÃO
E O DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO DO BRASIL
Tradução de
Paulo de Almeida Rodrigues
■• ........... 3? edição

FGV — Instituto de Documentação


Editora da Fundação Getulio Vargas
Rio de Janeiro — RJ — 1977
Direitos reservado« desta edição da Fundação G etulio Vargas —
Praia de Botafogo,! 190, C.P. 9.052 — ZC-02 — 20.000 — Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.

E vedada a reprodução total ou parei

© porRichardD. Irwin, Inc., 1965

1.* edição em português — 1966


2? edição revista e aumentada — 1975
3? edição — 1977

FGV — Instituto de Documentação —


tora da Fundação Getulio Vargas — Chefe: José J. Veiga; Coordena­
ção Editorial: Robson Achiamé Fernandes; Supervisão gráfica: Helio
Lourenço Netto; Capa Leon Algamis; Com posto no Centro de Serviço
Gráfico do IBGE; Impresso na Editora Vozes.
I \\
§T . O
H/ ' ] ' J

Baer, Werner

A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil.


3. ed. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getulio Vargas, 1977.

xxii 430 p. ilust. 21 cm

Bibliografia: p. 309-16

1. Industrialização — Brasil. 2. Brasil — Economia — 1918-1945.


I. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro. II. Título.

CDD338.981
CDU 338.924 (81)
, 1

A
John Kenneth Galbraith
e Arthur Smithies
4

avantajada da produção total. Todavia, esses agregados escondem


diferenças existentes por classe de indústria. Por exemplo, na side­
rurgia e, especialmente na indústria automobilística, predominam
as firmas grandes. Por outro lado, o censo inclui como empresas
muitas oficinas rurais e firmas não especificadas.
Predominam ainda no Brasil as firmas individuais ou perten­
cente;» a famílias. Algumas dessas (como Matarazzo, Klabin e
Renner) são gigantescos combinados de muitas empresas criadas
por empreendedores dinâmicos e dotados de iniciativa, enquanto
outras não passam de empresas pequenas e extremamente conserva­
doras. Muitas transformaram-se em sociedades anônimas por razões
tributárias e outras vantagens de ordem legal, mas permanecem
fechadas. As crescentes necessidades de recursos, aliadas às dificulda­
des em obter capital nos bancos e a seu elevado custo, levou muitas
delas, porém, a abrir seu capital e a vender ações no mercado. É
interessante observar que qualquer tentativa do governo no sentido
de introduzir-restrições antiinflacionárias no crédito (como as feitas
no início de 1963), obriga mais e mais companhias a abrirem seu
capital ao público, através da venda de ações.
Embora venha a classe média crescendo numericamente, só aos
poucos vai ela apercebendo-se das vantagens de adquirir títulos. Boa
parte dela continua mergulhada na velha mentalidade de tipo agrá­
rio que prevalecia no Brasil rural, dando preferência à aplicação de
suas poupanças em propriedades imobiliárias. Por outro lado, a
bolsa de valores é ainda muito pequena e suas operações obedecem
a um modelo antiquado. Os títulos somente são negociados durante
um período muito limitado da tarde dos dias úteis e muitas ações
deixam de ser negociadas por semanas e até meses. (Para desenvolvi­
mento da década de 60, ver cap. 9 e 10.)
Do ponto de vista dos métodos de negociar, os empresários bra­
sileiros utilizam tradicionalmente o método de operar com pequenas
quantidades e elevadas margens de lucro, o que envolve muitos des­
perdícios em uma sociedade que se industrializa. Claro está que
semelhante tradição tem fonte nas anteriores limitações do mercado
brasileiro.
De vez que a sociedade anônima aberta ao público apenas
começa a surgir, não é de sürpreender que também esteja em sua
fase inicial o profissionalismo em matéria de administração. Mal
existiam cursos bem concebidos de formação administrativa, mas
começa a se fazer sentir a influência da inauguração, há alguns anos,
da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e da instala­
ção no Brasil de algumas empresas industriais estrangeiras, que se
deslocaram para o país depois da guerra.

86
5. O financiamento da industrialização
brasileira: fonte de fundos e papel de inflação

Vimos, em capítulo anterior, que o crescimento da economia


brasileira no pós-guerra apoiou-se em uma taxa dê investimento
situada na média de 15% (isto é, a formação bruta de capital fixo
representava 15% do produto interno bruto).xO objetivo principal
deste capítulo é apurar como foi financiado esse investimento. '

5.1 Fontes de fundos

O quadro 5-1 contém a distribuição proporcional dos agregados


representativos das fontes de fundos. É útil compará-lo com ò qua­
dro 4-3, do capitulo anterior, que registra a contribuição relativa
dos setores público e privado_para ■formação do capitd._Chega=se
.ljà conclusão de que' o setor privadolfpi e continua a ser a principal) ;
fonte de fundos e, f in d ^ q u e d ú ? ã n te ~ y
p^cè!a"t{d'governo nos investimentos tem superado a sua partici­
pação na poupança global. Isto significa que, de uma maneira ou.
de outra, ràs poupanças não-governamentais têm desempenhado •
importante papel no financiamento da formação de capitãr_fíxb'|«Io>
g o v ern o ./.. ... - - - - - - ...........— ----- ---------------— ” •
_£2— ----- 1
A importância das poupanças de origem externa tem flutuado,
durante o período posterior à guerra Embora ünüTïnica vez tenham
ultrapassado os 15%, nem por isso podem ser postas de lado como
relativamente sem importância, pois foram ap liçad ^ em áreas e s t r a ­
tégicas para o processo de crescimento do Brasil: tanto no inves­
timento privado como no financiamento infra-estrutural patrocinado
pelo governo. Nos momentos cruciais, elas também ajudaram^a,
financiar os deficits dõ balanço dèpagam entos em 'conta-corrente. ..
Devê-se observar que, durante a década de 50, havia estreita corre-
"iação entreTo nível dos recursos financeiros dè origem externa é
o ritmo de crescimento.___ ~
O fato de o governo brasileiro investir mais d o q U e poupa é
revelado com clare/a IffnHã maior if6^ qüadrò S-i27 ónde tàntò a pou-
pança como o investimento são rêlaciònàdos com a renda intema
briíta (qüe é igual ao produto interno bruto menos os impostos

87
O e0
CD
Os
«5 <fiT

Ol CO
IO ^CO iO
<N
^
M
Oi 00 «D î>
Oi

00 «O
to <0
o 3 R -fc *:

r*~
00 00 CO «
o>
&
H

% CO
lOIO
o *o
05 8 8 o ^
CM

w
Q to 00
to «o «O
Oi <N
O
Mj
O
<
S

s
o>
co r-T

o
Cu «
CO
IO Ç3 «o i>. CO CO
Oi *o CO íSSSS
S?3
M
o O
tt <o
ft
< co
e*
iO 0C 't f <o iíf
D W 05 W CO
rH
<y H
£
O
O
tO
Oi
«O
Ctt
cO 10
22
< O O
Q * tC PH
T «rtí
ff ^ C0 IO-
t~ ( o>
ü

2 tu

a iO *0
<0

oc to
Cs to oT

r-
Oi

o o 00■>o co o
•+*
0?
4 *.S 'S
G0 o o ** *M -«*-s *Ü
o m3 *Ü 8
"O €> O O «8 .5 p*
83 * «5
OJ «8 o
c ' To3 g
«
13 1 Cí»*!2 °

"0
cj
C, *
S’S S a s « ? . ^3
*7 es
— «• »
*-í Ä V
S o-a o .o ' S'S.g ..
3
o
is-sf8! 8
O
p* H
S oS g^i
ü ( T3 O .J 2 *-! £
^' indiretos e mais os subsidios). Fica evidenciado, que, durante a maior
parte dos anos examinados, as poupanças do setor privado forãixT
maiores do q u ê seü investíménto, ocorrendo o oposto com o governo—
No caso deste último, a União, cujas poupanças são freqüentemente
inferiores aos investimentos que realiza, deteve a parcela predomi­
nante de influência.

Q uadbo 5-2

POUPANÇA E FORMAÇÃO DE CAPITAL NOS SETORES PÜBLICO


E PRIVADO EM RELAÇÃO A RENDA INTERNA BRUTA
(Percentagens)

Setor privado Setor público


D éficit do balanço
Ano Form ação de pagamentos
Form ação
Poupança de Poupança em C/C
de
capital capital

1947 12 14 4 3 2
1948 14 14 4 4 0
1949 10 10 4 5 1
1950 12 8 2 5 —1
1951 13 17 5 5 3
1952 16 17 4 6 4
1953 15 11 1 4 0
1954 19 19 4 5 1
1955 17 14 2 5 0
1956 17 13 1 ■-4 " Õ
1957 16 12 1 7 2 '
1958 12 10 5 9 2
1959 16 14 6 10 2
1960 14 12 5 10 3

Fonte: Calculado por I. ICeratenetsky, com base qm conta« naeionftúi levantadas pela Fundação
Getulio Vargas.

Nossa tese, neste capítulo, é a de que o processo inflacionário |


I loi o responsável por boa parte da| redistribuição dos recursos _dt> i
setor privado para o setor público^ No pequeno numero de vezes \
em que a proporção das poupánças privadas foi inferior à parte do j
investimento nesse setor, substanciais ingressos de poupanças de ori- ;
| gem externa compensaram o desequilíbrio. Isto não significa que !
I o setor investidor privado não se tenha beneficiado da inflação, t
| Tod wia, esse benefício consistiu exclusivamente em constituir parté !
> j e sua poupança com recursos tomados dos consumidores, j
O quadro 5-3 registra as fontes de poupança do setor privado,
podendo-se verificar que os lucros retidos contribuíram com 55 a
60% na década de 50, contra cerca de 40% no período imediata-

89
Q uadro 5-3

PRINCIPAIS FONTES DA POUPANÇA L ÍQ U ID A DO SE TO R PR IV A D O


(Distribitiçao perrentual)

Variação no
R etidos papelt-moeda T otnl
Ano Outros*
lucros em poder do
público

1947 54 3 43 100
1048 45 18 37 100
1949 33 18 49 100
1950 29 48 23 100
1951 40 22 38 100
1952 47 15 38 100
1953 46 21 33 100
1954 49 24 27 100
1955 60 19 21 100
1956 58 21 21 100
1957 46 20 34 100
1958 59 20 21 100
1959 53 23 24 100
1960 55 8 37 100

• Constituído principalmente pelas reservas técnicas das companhias de seguros e capitalização


e pelos depósitos a prato nos bancos comerciais e caixas econômicas federais.
Fonte: Revieta Brasileira de Economia, mar. 1962, e SUMOC. Relatório do exercício de 1901.

mente posterior à guerra. O saldo restante é representado por pou­


panças do público — ao reter m aior volume de papel-moeda — e
por depósitos a prazo nos bancos comerciais e caixas econômicas,
bem como pelas reservas das companhias de seguro e capitalização.
Tanto o mecanismo de empréstimos como o i processo inflacionário
contribuíram para que este saldo fosse apropriado pelos setores p ú ­
blico e privado.
O fato de o setor privado apoiar-se predom inantem ente em
fontes internas para o financiamento de suas inversões ressalta de
maneira mais conclusiva do quadro 5-4. Os balanços das sociedades
anônimas, os quais discriminam a origem e aplicação dos recursos,
são a base das informações nele contidas, para o conjunto das
sociedades anônimas, discriminando-se separadam ente os dados
referentes ao comércio e à indústria. Parecerá surpreendente, à pri­
meira vista, a grande parcela de fundos de origem externa, mas um
exame mais cuidadoso mostrará que as fontes externas são consti­
tuídas, principalmente, por novas emissões, de capital e, especial­
mente, pela categoria de exigibilidades de outros, onde predomi-

90
Q uadro 5 -4
ORIGEM E APLICAÇÃO DOS RECURSOS DAS SOCIEDADES
ANÔNIMAS
(Em percentagem da origem e da oplicaçOo)

1054 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961

TO TA L DAS SO C IE D A D E S
ANÔNIMAS
Origem 100 100 100 100 100 100 100 100
Externa 77 71 57 79 68 67 66 71
CaDital 15 22 22 14 16 20 18 13
Exigibilidades de bancos 7 8 5 9 9 10 9 10
Exigibiiidade8 de outros 55 41 30 56 43 37 39 48
Interna 23 29 43 21 32 33 34 29
Reavaliações — 2 18 3 _ 3 4 3
Reservas 4 5 14 3 2 6 6 3
Provisões 14 16 9 10 24 17 17 18
Depraciações 5 6 2 5 6 7 7 5
Aplicação 100 100 100 100 100 100 100 100
Ativo Fixo 22 30 34 27 30 35 36 30
Disponível — 7 3 12 3 7 4 3
Realizável: estoques 26 20 10 11 13 16 14 18
Realizável: outros 52 43 53 50 54 42 46 49
COMÉRCIO
Origem 100 100 100 100 100 100 100 100
Externa 83 28 97 100 68 76 75 74
Capital 35 27 58 35 11 13 16 16
Exigibilidades de bancos 7 1 1 22 7 10 11 14
Exigibilidades de outros 41 — 38 43 50 53 48 44
Inierna 17 72 2 — 32 23 25 26
Reavaliações _ _ __ __ , 2 _ 1
Reservas 13 23 2 -3 30 19 22 23
Depreciações 4 49 — 3 2 2 3 2
Aplicação 100 100 100 100 100 100 100 100
Ativa Fixo 14 22 13 16 17 12 10 13
Disponível -17 6 — 10 3 5 5 3
Realizável: estoques 54 30 27 14 21 16 14 33
Realizável: outros 48 42 56 60 59 66 69 51
INDÚSTRIA
Origem 100 100 100 100 100 100 100 100
Externa 69 41 100 76 70 63 64 66
Capital 28 36 65 30 20 22 20 13
Exigibilidades de bancos 9 8 10 11 9 11 8 10
Exigibilidades de outros 32 26 35 41 30 36 43
Interna 32 56 -1 24 30 36 36 34
Reavaliações _ _ _, _ __ 4 3 4
Reservas 23 20 17 23 25 27 24
Depreciações 9 36 5 7 7 7 7 6
Aplicação 100 100 100 100 100 100 100 100
Ativo Fixo 32 41 38 36 31 36 36 29
Disponível -4 5 2 6 4 7
Realizável: estoques 39 21 15 20 14 19 17 21
Realizável: outros 33 33 44 39 51 38 43 46

Fonte: A» percentagens deste quadro foram oalctJadas com base nos balanços consolidados das
Bociedadei. anônimas, publicados anualmente por Conjuntura Econômica e que, em 1961, abrangeram
6 441 sociedades pertencentes ao comércio, indústria, transportes, serviços de utilidade pública e
outras atividades.

91
nam as contas a pagar. Os bancos proporcionam parcela dim inuta
dos fundos. Como o item capital compõe-se, basicamente, de novas
aiões. parece claro que somente parcela reduzida dos recursos de
minem externa representa forças impessoais do mercado (pois não
e\isie uni mercado de obrigações), que nas economias mais estáveis
e desenvolvidas atuam como força disciplinadora externa.
Da m aior im portância para nossos objetivos imediatos é a cons­
tatação de que a proporção das aplicações em tativo fixo, que
representa o investim ento bruto em capital fixo das empresas, equi­
vale geralm ente à parcela dos recursos cle origem interna. É uma
boa_ indicação clÇ.JÜJe_aS. íirmas apóiam-se predom inantem ente nos
recursos Tntcrnos como fonte para suaTiríVgrsõesr— ----- ™,-----.—
O quadro 5-5, revelando o modo pelo qual se tornaram dispo­
níveis as poupanças de origem externa, perm ite avaliar o papel
decisivo dos capitais de compensação, públicos e privados. Apesar de
a im portância relativa desses dois tipos de capital ter variado através
dos anos, não pode haver dúvida de que, nos fins cla década de
50 e nos primeiros anos cla clêoO, foi cada vez m aior a influência
da poupança privada externa no linancnm iento das inversões.
Ao fazermos este trabalho, não cuspomos, infelizm ente, para o
setor governo, de discrim inação das fontes de poupanças sem elhante
à apresentada para o setor privado. O exame do quadro 5-2 sugere
que o grosso da poupança é feita pelo governo federal. Em m uitos
anos toda a poupança foi realizada pela U nião, transferindo-se
depois fundos de investim ento para os estados e -municípios. As
proporções relativas do investim ento público realizado pelos di­
versos escalões governamentais, reproduzido no quadro 5-6, fornece
uma visão interessante da distribuição desses fundos. Fica eviden­
ciado com clareza que, m algrado sua pequena contribuição para a
poupança, os estados e m unicípios são im portantes agentes de in­
versão. A parte das empresas mistas, incluída a p a rtir de 1956, figu­
rava antes do investim ento do setor privado. As proporções elevadas
com que figuram os departam entos — nacional e estaduais — de
estradas de rodagem dá um a idéia do vulto do investim ento infra-
estrum ra!.
No sistema aqui descrito, deve-se levar em conta a im portância
do líanco Nacional do. .D.esenvolyimento Econômico (BNDE)""nã‘
dTenagem de poupanças internas e externas para certas áreas sele­
cionadas. O quadro 5-7 fornece um a indicação da im portância
fclativa das atividades levadas a efeito pelo banco durante a década
de 50. Medida em termos de proporção dos empréstimos em cruzei-
Q uadro 5 -5

IN G R E SSO DE CAPITA L E S T R A N G E IR O NO B R A SIL


(Em U SS milhões)

C apitais autônom os C apitais


Ano compen­
P rivados satórios
Oficiais T o tal

1947 47 ( 36)* -1 6 31 182 213


1948 80 ( 25) —89 —9 24 15
1949 32 ( 5) —67 -3 5 74 39
1950 28 ( 3) —57 —29 —52 —81
1951 70 (-4 ) — 14 56 291 347
1952 118 ( 9) 2 120 615 735
1953 85 ( 22) 12 97 -1 6 81
1954 75 ( 11) —53 22 203 225
1955 109 ( 43) —70 39 — 17 22
1956 248 ( 90) -4 7 201 — 194 7
1957 356 (144) —66 290 180 470
1958 230 (110) —28 202 253 455
1959 248 (124) — 32 216 154 370
1960 176 ( 98) —84 92 430 522
1961 300 (108) -3 2 268 13 281
• As cifras entre parênteses referem-se ao investimento privado direto.
Fonte: SUMOC, Rclat&rio do exm(cü> de 1961 e de alguns anos anteriores.

Q uadro 5-tt
D IST R IB U IÇ Ã O PERCENTU AL DO IN V E S T IM E N T O PÜ B L IC Q

E m pre­
Previd.
União D N ER * D E E R ’s* E sta d o s M un icí­ sas mis­
social pios
tas**

1947 39 7 12 — 34 8 — 100
1948 43 11 12 — 27 7 — 100
1949 49 9 8 —. 27 7 — 100
1950 48 10 8 — 27 7 .— 100
1951 31 11 10 12 29 7 — 100
1952 28 8 11 7 36 9 —. 100
1953 32 12 16 9 21 10 — 100
1954 33 13 16 8 21 9 — 100
1955 33 15 15 5 22 10 — 100,
1956 29 14 12 3 21 10 11 100
1957 30 14 16 3 17 8 12 100
195.3 18 12 10 4 18 5 33 100 »
1959 24 15 10 5 16 6 24 100
1960 19 16 12 7 18 5 23 100

* Os Departamentos nacional e estaduais, de estradas de rodagem, sSo entidades públicas de nato*’


reza autônoma. . ^
“ À TJniSo ou os estados detém o controle acionário das empresas mistas.
Fonte: Ver apêndice 3, quadro 3A-7 (F).
Q uadro 5 -7

A) IM PO R T Â N C IA R ELA TIV A D OS F IN A N C IA M E N T O S F O R N E ;,.i> O S


PE LO BANCO DO D ESE N V O LV IM E N TO
(Em percentagens)

1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960

Proporção dos em ­
préstim os em moeda
nacional para a for­
mação b ru ta de ca­
pital fixo - 1,7 - - 3,3 7,3 5,5 7,4 6,2
Proporção dos em­
préstimos em moeda
estrangeira p ara o
ingresso de capitais
autônomos 1,9 30,9 50,2 23,9 38,7 86,6 69,9 78,4

B) E M PR É ST IM O S DO BANCO E M M O ED A N ACIONAL — 1952-62


(Distribuição percenluai)

D istribuição dos empréstimos às


P o r setores de atividade in d u st'.as de base

Transportes 15 Siderúrgica 71,0


Energia elétrica 45 Química 12,4
Indústrias de base 36 Automobilística 5,8
A gricultura 4 C onstrução naval 4,6
Celulose 2,6
100 M aterial elétrico 1,5
M ecânica 1.2
M aterial ferroviário 0,7
D iversas 0,2

100,0

C) E M P R É S T IM O S EM M OEDA E S T R A N G E IR A — 1952-62
(Distribuição percentual)

Transportes 24,8
Energia 25,4
Indústria de base 48,1
A gricultura 1,7

100,0

onte: JJanco Nacional do Desenvolvimento Econômico, Kr posição sobre o prvgrama àe reapare-


£amtnto etonôfçico, exercício de 1962, J tio de Janeiro, Brasil.

94
ros para a formação b ru ta de capital, jverifica-se que as atividades
do BNDE foram de vulto suficiente para que pudessem influenciai
os rumos da formação nacional de capital, especialmente a partii
de 1956._ Se com pararm os o volum e dos empréstimos que fez em
moeda estrangeira com a entrada global de capitais no país, avulta
ainda mais a im portância do banco. Deve-se ter em m ente que,
em bora fosse inferior a 10% da poupança global[ a poupança de
origem externa desem penhou papel decisivo, pois perm itiu a im por­
tação de equipam entos sem os quais a formação interna de capital
teria sido severam ente prejudicada. O quadro 5-7 também dá uma
idéia da ênfase posta pelo Banco do Desenvolvimento nos investi­
mentos de infra-estrutura e em indústrias básicas como a siderurgia
(quer fossem de propriedade estatal, quer privada).

5.2 A inflação brasileira e suas conseqüências

O exame do quadro 5-8 dem onstra que os elevados índices de


crescimento real apresentados pelo Brasil no período do pós-guerra,
especialmente na década de 50 e nos prim eiros anos da de 60, foram
acompanhados p or elevadas taxas de inflação. É tam bém interessante
observar que a aceleração do processo inflacionário nos últim os
anos d a década de 50 íõi concom itante com a elevação do índice
médio de crescimento do produto real. Sendo assim, a impressão do
áutor è H de q u e-a inflação não teve conseqüência irremissivelmente
negativas sobre o desenvolvimento do país, podendo-se argüir e até
dem onstrar, em parte, que ela teve um efeito positivo. Já mostramos
com o quad ro 5-2 que a inflação deve ter tido certa repercussão
sobre a form ação de capital, pois reside no processo inflacionário
a única explicação para as transferências de poupança do setor
privado — que norm alm ente poupava m ais do que investia — para
0 setor público — que investia mais do que poupava,/"Nosso ponto
de vista, porém , é o de que a inflação não serviu apenas de meca­
nismo para efetuar a transferência intersetorial de poupanças, mas
tam bém como m eio de extrair recursos do setor consumidor em
benefício dos investidores, fossem eles de natureza estatal ou privada.
A fim de to rn ar mais clara essa análise em pírica, preparam os um
m odelo resum ido que generaliza a situação brasileira, sem todavia
adaptar-se necessariamente a todos os seus detalh es.1

1 O autor form ulou este modelo, pela prim eira vez, no artigo Inflation and
economic growth: an interpretation of the Brazilian case. Economic Develop-
m ent and C ultural Change, Oct. 1962.
Q uadro 5 -8

ÍNDICE DE CRESCIMENTO REAL E VARIAÇÕES


NOS NlVEIS DE PREÇOS
(índices percentuais de crescimento)

Índice de Variações no custo de vida* V ariação nos ■


Ano crescim ento preços por
real atacado*
G uanabara São Paulo

1047 1,8 6 24 —1
1948 9,5 4 3 12
1949 5,6 6 4 17
1950 5,0 11 4 14
1951 5,1 11 11 12
1952 5,6 21 24 10
19.53 3,2 17 16 25
1954 7,7 26 23 24
1955 6,8 19 17 9
1956 1,9 32 33 26
1957 6,9 13 14 3
1958 6,6 17 23 28
1959 7,0 52 43 36
1900 6,3 24 32 33
líHU 7,7 43 43 50

• Vftriaçfte* anuais, com base em dezembro de cada ano.


Fonto: Conjuntura Econômica, jan. 1963, e Revista Brasileira de Economia, mar. 1962.

5.3 Um modelo p ara a análise da inflação brasileira

53.1 Pressupostos relativos à posição do pais

Admitamos que o país a ser exam inado tenha um a baixa renda


per capita, mas que seja suficientem ente desenvolvido para dispor
cic alguns grandes centros de atividades comerciais e industriais.
Une a m aior parte de suas receitas de exportação dependa de um
ou dois produtos prim ários da agricultura, ao passo que suas im ­
portações abranjam um a variedade de bens de capital, matérias-
primas, produtos interm ediários e bens de consumo durável. A dm i­
tamos ainda que, até o m om ento de iniciarmos nossa análise, o
país fosse relativam ente estável, o que significa que o nível de preços
permanecia inalterado ou elevava-se a um a taxa m oderada em
t dação à sua experiência histórica, e que o balanço de pagamentos
estava em equilíbrio. Era a princípio lim itada a capacidade das in ­
dústrias com petidoras das importações, e inflexíveis, no sentido da
redução, os preços dos produtos e dos fatores. Admitamos, final­
mente, que o país estivesse crescendo a ritm o satisfatório e se en­

96
contrasse politicam ente motivado para conservar esse índice de
crescimento no futuro.

5.3.2 Resultados de a?iia receita declinante de exportações

Admitamos que as receitas de exportação comecem a se reduzir.


em relação ao 'à'uitiéntp'J‘da.s importações.. Isto pode decorrer de
estarem dim inuindo os preços de exportação, sem que o seu quantum'
cresça na m edida necessária para compensar a queda dos preços; ou ■
de o q uantum das exportações aumentar muito lentamente e m :
relação às necessidades de importar de uma economia em crescimen­
to, embora permaneçam estáveis ou sofram apenas ligeiro declínio
os preços de exportação. Admitamos ainda que não haja reservas _•
adequadas para sustentar ^ n íveF llãs~ im ^ rtã^ ès" a nãô ser pôr
um período m uito curto, e que o capital estrangeiro,., que „poderia
ser utilizado para cobrir os deficits do~Ealànço de pagamentos, n ã o .
acorresse, ou só acorresse por um curto» período. Desse modo, haveria
_que reduzir o valor das importações em moeda estrangeira ã . fim
desequilibrá-lo com as receitas de exportação, isto pode ser feitò
de divèrsás maneiras, dependendo das preferências dos responsáveis :
e da situação enfrentada pelo país que esteja neste caso. Pode-se
recorrer tanto ao emprego de controles diretos da natureza quanti*
tativa, quanto às tarifas, à desvalorização da moeda, a taxas múl­
tiplas de câmbio etc. Admitiremos, inicialmente, que permaneçam
inalteradas as receitas em moeda interna dos exportadores (haveria
süBsíclio governam ental para o setor, o que equivaleria a promover
um a desvalorização da m oeda em seu benefício).
O governo está interessado em conservar o índice de cresci-
nie.uS^fnTicaHo antes de se manifestarem as dificuldades no balanço
de pagameiTtõs r iinpôrtandõ isso em sustentar, nos níveis anteriores,
a's'Taxas'de investimento em projetos de infra-estrutura econômica
e social e em investimentos privados de natureza diretamente
produtiva. Para consegui-lo, precisará o governo influenciar, de uma
ou outra maneira, a estrutura das importações, isto é, assegurar
que não dim inua o afluxo dos itens essenciais aos projetos priori-
tjjyòg;. Em conseqüência, os bens de consumo terão de suportar o
peso das restrições na importação.

5.3.3 Inicio do processo inflacionário

É evidente que a pressão inflacionária e a alta de preços são


inevitáveis num a situação como essa. O total do poder aquisitivo
interno permanecerá, a princípio, inalterado, ao passo que dimi­
nuirá a quantidade global de bens disponíveis, a começar pelos de
consumo. Se os consumidores aceitarem a dim inuição do poder
aquisitivo real -^sem jD ressionar por aum ento de salários á fim de
contrabalançar a elevaçao 'do-custQ_de vida — as m argens de lucro
dos im portadores e fabricantes de produtos industriais substitutivos
de importações aum entarão substancialm ente. Isto poderá levá-los
a am pliar a capacidade de suas empresas ou a criar novas indús­
trias substitutivas de importações. Como o país defronta-se com um
persistente declínio n a receita de suas exportações prim árias, o
governo pode encarar com bons olhos essas novas inversões e até
favorecer, através do crédito, a formação de capital nessa área (isto
é, maiores lucros). Isto acarretaria, entretanto, novo im pulso à in ­
flação, de vez que massa m aior de recursos seria desviada para as
atividades de investimento, por meio da oferta de melhores preços
fSêlos fatores. encarecendo o custo geral da produção. Este encare­
cimento, combinando-se com a crescente escassez de bens de con­
sumo relativamente às elevadas rendas dos fatores empregados nas
atividades de investimento, acentuaria mais ainda a alta dos preços.
Finalmente, a ampliação das atividades investidoras viria provavel­
mente agravar o desequilíbrio externo a curto prazo e intensificar
as pressões inflacionárias.
D urante o período de realização do investimento, o surto de
expansão das indústrias substitutivas de importações im plicaria,
naturalm ente, em maiores importações. Para atender a isso, haveria
que reprim ir as importações destinadas a outros investimentos (o
que im plicaria, por exemplo, em amortecer o crescimento das insta­
lações de infra-estrutura).2 Como alternativa, seria forçoso tolerar
durante algum tempo um déficit na balança comercial, com pen­
sando-o com as parcas reservas disponíveis ou com a utilização de
empréstimos externos, já que as im portaçõe; se destinariam a inves­
timentos que, em últim a instância, virian aliviar a dependência
do país em relação às compras no exterior.
- Vimos até aqui que a inflação funcionoa em parte como meca­
nismo de racionam ento, obrigando os consumidores a apertarem o
cinto em conseqüência do declínio' das receitas de exportação. A
inflação adicional decorrente das atividades de investimento no setor
de substituição das importações, acentuou essa compressão do setor
consumidor, pois correspondia a impor-lhe um processo de poupança
forçada.

* Isto dificilmente ocorreria. Os programas de desenvolvimento d a maioria dos


paises subdesenvolvidos requerem substancial expansão da infra-estrutura eco­
nômica e social, como elemento complementar indispensável de seu programa
geral de desenvolvimento. É tal a natureza dos projetos de infra-estrutura
econômica e social que, freqüentem ente, eles têm de ser empreendidos em grandes
blocos.

98
5.3.4 Inevitabilidade da inflação

Poderia a inflação ter sido inteiram ente evitada se os exportadores


não tivessem recebido subvenções, isto é, se os seus ganhos em moeda
nacional caíssem em proporção correspondente à redução de sua
receita em moeda estrangeira? (Mesmo adm itindo-se que isso fosse
politicam ente factível, o resultado não seria evitar a inflação; ela
poderia, apenas, ser menos violenta. A queda da receita dos expor­
tadores em moeda nacional enfraqueceria, de certo modo, a dem anda
de bens importados, ajustando-a m elhor à oferta declinante. É
duvidoso, porém, que esse decréscimo d a dem anda fosse suficiente
para im pedir a manifestação das pressões inflacionárias que exami­
namos, evitando assim que fosse lucrativo investir nas indústrias
substitutivas de importações. Se encararm os o problem a de m aneira
realista, o provável é que as pressões políticas e sociais fossem bas­
tante fortes para im possibilitar a redução das receitas dos exporta­
dores em moeda interna. No caso de ser viável q u alq u er redução,
esta seria provavelmente inferior à queda nas receitas em moeda
estràngeira, ficando protegida, até certo ponto, a renda do setor
exportador e incentivada a fuga de fatores do setor em declínio.
. Embora a redução da receita dos exportadores em m oeda na­
cional pudesse aliviar parte da pressão inflacionária, resultado m uito
mais significativo seria alcançado se o governo se dispusesse a
-1 s i ' ' bf promover a m udança da estrutura das exportações, isto é, se ele
encorajasse o desenvolvimento de novas indústrias exportadoras. A
conseqüência seria um novo ciclo de criação de crédito, que con­
duziria a oferecer m elhor preço pelos fatores ocupados em outras
atividades, elevando interiorm ente o nível dos preços. Parte dos
recursos para as novas indústrias de exportação poderia provir do
setor exportador em declínio, aliviando assim a profundidade das
pressões inflacionárias adicionais. Realisticam ente, porém, deve ser
adm itido que, durante algum tempo, as novas indústrias exporta­
doras teriam possibilidades lim itadas no m ercado m undial, neces­
sitando, por isso, de certo grau de subvenção. Isto im plicaria em
emissão adicional de papel-moeda, contribuindo para fortalecer a
tendência altista dos preços. Por outro lado, seria aliviada a situa­
ção do abastecimento, pois o acréscimo de receita em m oeda estran­
geira, gerado pelas novas exportações, perm itiria aum entar o volume
de importações.
ii
j.3.5 Avaliação crítica do modelo
! Como acabamos de descrever, o processo inflacionário é um
acompanhante n atu ral de um país que enfrente queda persistente
de suas receitas de exportação, esteja em penhado em elevadas taxas

99
I|i c c u cin iêm õ ‘ê”prõcüre résòiver seu desequilíbrio externo promo- t
'vendo a criação tanto de indústrias substitutivas de importações,
como de indústrias que am pliem sua pauta exportadora. sfA função ■
do pj e inflacionário é fòrçaí o setor consum idor a poupar para
que e i 1 iam as importações, bem como aum entar a capacidade
produtiva planejada e a capacidade de produção necessária para í
substituir importações. T a l poupança n ão seria viável se o setor de
consumo dispusesse de força para im por que suas receitas m onetá­
rias aumentassem em escala suficiente para salvaguardar sua renda
real. A defasagem dos salários é, pois, um a condição indispensável
para que o processo inflacionário possa ser produtivo. •
Esta análise torna evidente que a adoção de m edidas delibe­
radam ente antiinf 1acionárias seriã^pfyüdicial aos objetivos funçía-
riiêntais de crescimento econômico do país. Assim, por exemplo, a
política m onetária é de natureza geral, e com prim ir a oferta de
tneios de pagam ento com prom eteria a taxa ótim a de investimento
em itens integrantes da infra-estrutura econômica e social e em in ­
dústrias substitutivas de im portações ou destinadas a diversificar as
exportações. Além disso, essas indústrias não teriam força para
bombear recursos do setor de consumo corrente. Pode-se argum entar
que todos estes objetivos de política enum erados poderiam ser
alcançados por métodos mais diretos. É possível que isso pudesse
ser feito em certo núm ero dé casos, mas, eni conjunto, o m étodo
inflacionário seria mais eficiente, a curto prazo, para um país rela­
tivamente subdesenvolvido, dotado de um a burocracia inexperiente,
ineficiente, atrasada e tum ultuada, bem como de um sistema tribu­
tário inoperante e acanhado.

:i EmSora este modelo constitua evidente generalização da experiência brasi­


leira no período posterior à II Guerra M undial, alguns dos pressupostos de
que lançamos mão poderiam ser omitidos sem prejudicar sua validade. Assim,
as tendências inflacionárias continuariam presentes mesmo se eliminássemos a
hipótese de defesa do poder aquisitivo do setor de exportações tradicionais.
Quando as receitas de exportação se reduzem, as importações são comprimidas e
seus preços elevam-se; se isso estim ular as indústrias substitutivas de importações,
leremos tudo o que é necessário para o tipo de inflaç5o que analisamos.
Claro está que não haveria pressões inflacionárias se o declínio das receitas
internas dos exportadores acompanhasse exatam ente a redução de suas receitas
cm moeda estrangeira e se, como resultado disso, a dem anda de bens importados
diminuísse em volume equivalente à compressão na renda interna do setor
im portador. Mas, trata-se de um a suposição inteiram ente inviável.
1’ode-sc argum entar ainda que a hipótese de queda nas receitas de expor­
tação não é essencial. De fato, uma situação de estabilidade ou ,de lenta ele­
vação das receitas de exportação, ocorrida nos quadros de um acelerado desen­
volvimento econômico interno, de tal modo que as necessidades de importação
superassem o modesto ascenso das receitas de exportação, conduziria a idêntico
esforço de substituir importações, com efeitos inflacionários semelhantes aos que
acabamos de analisar.
Agradeço a Dudley Seers e a Richard Ruggles por estas observações.

100
Restam-nos duas importantes perguntas:'primeira, quanto tempo,
precisará d u rar a inflação e, segunda, se há_possibiIidãdé cie a
inflação tornar-se galopante oü de não desempenhaí!Tpàj^7jüè~cIêlã
se espera? A resposta à primeira pergunta é a de que á anSação
deveria começar a refluir a partir do momento em que surgissem
no mercado os frutos das atividades gerais de investimento; em
outras palavras, a extensão do processo inflacionário dependerá do
período de gestaçaõ do programa de investimentos què, por sua vez,
eT ünção cia composição dos diversos projetos de investimento que
tenham sido estimulados. A resposta à segunda pergunta depende
da m edida em que piiderem"Tef"m antidos em xeque os aumentos
de salários, èviiando-se assim, a clássica espiral salários-preços, e" dp
grau em que a persistência das pressões inflacionárias não desviar
recursos para investimentos improdutivos. Empiricamente, pode-se
cfizer que tal método terá chance de êxito, enquanto o setor de
mão-cle-obra não for suficientemente esclarecido e poderoso para
reclam ar firm em ente sua parte no produto nacional. Seria desejável
que, quando os trabalhadores se tivessem organizado a este ponto,
o aparelho fiscal e outros mecanismos de controle já estivessem
suficientemente desenvolvidos para poderem canalizar recursos para
os setores decisivos de crescimento.

5.4 A inflação brasileira face ao modelo

Procuraremos, nesta seção, mostrar até que ponto a inflação bra­


sileira pode ser explicada pelo modelo que foi esboçado. Isto não
quer dizer que o modelo possa esclarecer toda a experiência dos
últimos 10 anos, pois dela participaram muitas forças, inclusive a
realização, pelo governo, de certos gastos desnecessários com desti-
nações improdutivas, como por exemplo, o número excessivo de
funcionários públicos, as subvenções à rede ferroviária deficitária
etc. 4
Q uanto à correspondência entre o caso brasileiro e o modelo
estabelecido, já vimos, em seções anteriores que ajitu ação do país
caracteriza-se ja n to ,„pela .perda nas, relações de, tròcã, cõriíó pela
redução de suas receitas de exportação: tendia a diminuir a ünpòr-
tância relativa de um comércio externo e se processava uma mudança
na estrutura das importações, aumentando a p^tidpação.dos^bèhs
de produção às expensas dos bens de. consumo, a importação destes
sendo substituída pela implantação de novas indústrias. A poupança

* Essas políticas que agravaram desnecessariamente a inflação são analisadas


no artigo dc Baer, W., Kerstenetzky, X. e Simonsen, M. T ransportation and
inílatioa: a study of irrational policy making in Brazil. Económic Development
and Cultural Change, J?.n. 1965. .
de origem externa só financiou parte do investimento generalizado
em indústrias substitutivas de importação e na infra-estrutura com­
plementar. Seu financiamento por poupanças de origem interna
significava a criação de volumoso contingente de renda sem contra­
partida imediata no acréscimo de bens de consumo. Em parte,
portanto, as forças inflacionárias eram representadas pela diminuição
da massa de bens de consumo importados, acrescida do elevado
grau de rendas adicionais criadas pelos investimentos.5

Q uadro 5-9
A) PODER AQUISITIVO DO SETOR C A FEEIR O (1653=100)

Valor médio R eceita em cruzeiros


índice da receita em
Ano por saca cruzeiros deflacionado
p or 10 kg de café pelo índice do
(em US$) Santos 4 custo de vida

1953 100 100 100


1954 123 185 151
1955 87 180 119
1956 87 192 95
1957 83 194 92
1958 76 20S 86
1959 60 198 59
1960 61 242 55
1961 60 313 54

B ) PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO DE C A FÉ EM 1 000 TON ELA DA S


(Os índices são indicados entre parênteses)

Ano Produção Exportação

Média anual dos períodos


1948/49
1953/54 1 076,6 (100) 1 006,5 (100)
1959/60 2 628,9 (244) 1 046,2 (104)
1960/61 1 796,6 (167) 1 009,1 (100)
1961/62 2 085,0 (194) 1 018,2 (101)

Fonte: B&aeado em d&doa de Conjuntura Econômica; IBGE, Anuário Estatístico; FAO, Yearbook oi
ood and agricultural statistic*.

5 Evidentemente, os custos mais elevados de produção, nas novas indústrias,


do» bens antes importados, constituía fator adicional de inflaçSo, embora seja
extremamente difícil dim ensionar tanto essa diferença de custos, como o grau
em que contribuíram para a inflação. Pode-se argum entar, no entanto, que
o prosseguimento do processo de aprendizagem leva a elim inar essa força infla­
cionária através do aumento da produtividade dos fatores.

102
Pode-se comprovar, também, que o declínio das receitas de ex­
portação não foi acom panhado de um a queda correspondente na
renda interna auferida pelo setor exportador. Pelo quadro 5-9 verifi­
ca-se redução acentuada dos ganhos unitários em dólar para o café,
sendo que o índice dos preços do café em cruzeiros, deflacionado pelo
custo de vida, situa-se ora abaixo, ora acima, do declínio do índice
em dólar. Mas, se levarmos em conta que a produção de café p ra­
ticamente dobrou no período exam inado, perm anecendo bastante
estável seu quantum de exportação, torna-se bem claro ter o governo
defendido ativamente o setor café contra perdas internas equivalentes
ao declínio de sua receita de exportação. Desse modo, este setor
recebeu, em moeda nacional, m ontante relátivam ente superior à
capacidade de im portação que proporcionava ao país, constituindo-se
em outro fator de inflação.
O fato de a elevação das taxas de inflação não ter afetado o
índice de crescimento da economia (ver quadro 5-8) — o qual foi
em média mais alto nos últim os anos da década de 50 e nos primeiros
da de 60 do que no início do período exam inado — evidencia que
a inflação pode ter sido não apenas um fator positivo.
. 'Esse papel positivo d a inflação brasileira deve ser visto sob o
aspecto de alocacão de recursos, ou antes, de redistribuição de
recursos do setor consum idor p a ra o setor produtor. Os dados
de que dispomos parecem dar guarida a esta hipótese. Exam inado
superficialmente, o q uadro 5-10 podeçia parecer contraditório com
essa afirmativa, pois no período exam inado, aum entou ligeiram ente
a parte dos salários na renda interna bruta. Trata-se de um a ilusão,
porém, já que os salários foram tomados antes de ser feita a dedução
dos impostos. Se levarmos em conta a natureza regressiva do sistema
tributário brasileiro, por nós exam inado no capítulo anterior, bem
como o fato de a relação entre os impostos indiretos e a renda
interna b ru ta ter crescido m uito mais do que a razão dos salários
para esta últim a, pode-se concluir que isso indica a possibilidade
de um decréscimo proporcional dos salários. 8
J
8 A explicação pode trazer alguma dúvida sobre a validade dos argumentos
apresentados a respeito da inflação, pois poderá ser utilizada para m ostrar que,
em última instância, foi o sistema tributário regressivo que efetuou as trans­
ferências de renda dos consumidores para o setor governo. Não afirmamos que
o governo não tenha financiado parte de suas atividades através dos impostos,
elevando-os inclusive. Mas, no inicio deste capítulo, demonstramos não serem
as rendas tributárias suficientes para financiar as atividades do governo. À menor
participação dos salários, depois de deduzidos os impostos, pode ser explicada,
em parte, pelas transferências feitas através do mecanismo tributário, mas isso
somente quanto à diferença entre a participação antes e depois de considerados
os impostos. Verificado o declínio da participação depois de deduzidos os im ­
postos, não fica excluído o papel da inflação na transferência de recursos dos
trabalhadores para outros setores.

103
t

Q uadro 5 -1 0

PE R C E N T A G E M DA R E M U N E R A Ç Ã O D O TRA B A LH O . E DOS
IM PO ST O S IN D IR E T O S E M RELA ÇÃ O Ä R E N D A N A C IO N A L
BRU TA AO CU STO D OS F A T O R E S

Ano R em uneração de trabalho Im postos indiretos

UM7 39 11
194* 40 11
lllld 41 12
1951) 41 12
1951 39 13
195‘2 40 13
195:; 40 12
195-1 39 15
1955 42 13
1950 45 14
1957 45 14
1958 45 17
1959 45 19
190D 44 18

Font«': CíUculoa de L Kerstenetzky, com base em dados da Fundaç&o Getulio Vargas.

Q uadro 5-11
RAZÃO DOS SA LÁ R IO S PA R A O VALOR A D IC IO N A D O

Ind ú stria
P rodutos
dt: transform ação
(Total) alim entares

10-19 23 1949 30 1949 14


1955 24 1955 32 1955 18
U>5’> 24 1956 32 1956 16
1957 23 1957 35 1957 16
195' 21 1958 32 1958 15
19 59 19 1959 29 1959 14

Siderurgia
M ecânica
e. m etalurgia

19 19 27 1949 32
1955 27 1955 32
195-) 25 1956 30
1957 25 1957 31
195S 23 1958 28
1959 21 1959 23,5

Fonte: C--m base fim fiados do IBGE. Censo Industrial, 1950 e 1980 e IBGE, Produção- indui-
• Bnunl, 1956, 1957, 1958.

i0 !
O quadro 5-11 proporciona comprovação muito mais clara de
nossa tese. Nele e t registrada a relação entre os salários e o valor
adicionada, tanto para Ô conjunto da indústria de transformação
como para alguns ramos desse setor, nos dois anos censitários de
1949 e 1959 e para os quatro anos interm ediários nos quais se
procedeu a inquéritos industriais. O decréscimo da relação é bem
n ítido em todos os casos, especialmente na segunda metade da
década de 50, quando a taxa de inflação era mais elevada do que
na prim eira parte do decênio. A dim inuição mais acentuada ocorreu
nos ramos mais dinâmicos das indústrias substitutivas de impor*
tações, como na m etalurgia e na indústria mecânica. Esta constatação
perde um pouco de sua força, se levarmos em conta que se tratava
de indústrias novas e, ainda, que houve mudanças drásticas de
tecnologia, aum entando, provavelmente, sua densidade de capital.
No entanto, a tendência declinante que se observa em indústrias
tradicionais como a têxtil e de produtos alimentares, nas quais ás
m udanças tecnológicas foram reduzidas durante o período exami­
nado, pesa a favor de nossa análise.
O exame do com portam ento dos salários na indústria e no
governo também contribui para com provar a tese, embora em parte
somente, dado o caráter esparso dos levantamentos e sua falta de
co n tin u id ad e.7 O quadro 5-12 resume diversas informações relativas
ao com portamento dos salários. Observa-se grande atraso no reajus­
tam ento do^ salário-mínimo durante o decênio 1950-60. Ésté fato,
ríà~medida em que o salário-mínimo influencie o nível geral de
salários dos trabalhadores urbanos, significa ter havido ,ampla
margem para a transferência de recursos dos assalariados para o
setor produção. A parte fí do quadro 5-12 registra ás variações
dos salários médios do setor d a indústria de transformação con­
frontando-as com as variações do custo de vida e com o crescimento
do produto real (deve-se à irregularidade dos inquéritos o número
reduzido de informações). A razão de ser desta comparação está
em que, mesmo que os salários reais tenham aum entado, seu cresci­
mento foi freqüentem ente m enor do que o do produto real. Como

~ No Brasil, as informações relativas a salários são precárias. Existem, de longa


data, estatísticas sobre os salários-mínimos, mas desconhece-se o verdadeiro im­
pacto dos seus níveis. Os dados sobre salários oriundos do 1API não merecem
confiança; baseiam-se eles nas contribuições feitas pelos empregadores à previ­
dência social, que dependem do número de empregados registrados. Sabe-se estar
aquém da realidade o número de empregados e os salários informados por
muitos empregadores. Os inquéritos econômicos também compilam dados a
respeito do salário médio, tendo por base levantamento dos trabalhadores in ­
dustriais, feito desde 1955. Muitos economistas brasileiros encaram ta is ' levan­
tamentos com suspeita, em virtude do universo abarcado; nâo têm eles por
base a técnica de amostragem e só se estendem a certo número de grandes
empresas.

105
Q uadro 5-12

COM PORTAM EN TO DOS SA LÁ RIOS NO B R A SIL

A) M UDANÇAS NOS S A L Â R IO S -M ÍN IM O S

Salário-mínimo mensal
Data da vigência
(em cruzeiros)

1940 (julho) 240


1943 (dezembro) 380
1952 (janeiro) 1 200
1954 (julho) 2 400
1956 (agosto) 3 800
1959 (janeiro) 6 000
1960 (outubro) 9 600
1961 (outubro) 13 440

Fonte: Anuário EitatUtico.

B) SALÁRIO M ÉDIO NA IN D Ú S T R IA DE TRA N SFORM A ÇÃ O


(ANOS SELEC IO N A D O S)

1949-55 1955-56 1956-57 1957-58

AumenU) percerUual dos salários no total K J


das indústrias de transjormaçOo 192 34 22 19

M&talurgia 183 30 16 21
Mecânica 163 27 15 21
Têxtil 175 33 19 17
Produtos alimentares 221 48 25 14

Aumentos do custo de vida


Guanabara 148 21 16 15
Sào Paulo 143 23 19 15

Variações no -produto real total das


indústrias de transjormação 66 6 6 17

Metalurgia 81 16 — 8 20
Mec&nica — 15 — 4 8
Têxtil 41 0 — 12 34
Produtos alimentares 46 -1 2 22 10

Fonte: IBGE. Produção industrial brasileira, 1955-58; Conjuntura Econômica, Retida Brasileira
de Economia, mar. 1902.

106
1

Q uadro 5-12 — Continuação

C) V ARIA ÇÕ ES NO SA LÁ RIO M Ê D IO D OS TRA B A LH A D O R ES DA


IN D Ú S T R IA D E TR A N SFO R M A Ç Ã O , E M P E R lO D O S CURTOS

P ro d u to s Custo de
M eta­ M ecâ­
Período T êxtil alimen-- T otal vida
lurgia nica
tares (GB)

Abri! de 1955 a abril


de 1956 9 8 11 7 13 14
A bril de 1956 a no­
vem bro de 1956 32 27 43 51 38 14
N ovem bro de 1956
a abril de 1957 4 2 1 1 i
Abril de 1957 a no­
vem bro de 1957 11 12 2 3 5 3
N ovem bro de 1957
a abril de 1958 5 5 8 3 6 23
Abril de 1958 a no­
vem bro de 1958 11 9 8 6 8 10
N ovem bro de 1958
a abril de 1959 10 22 32 39 30 20
Abril de 1959 a no­
vem bro de 1959 15 14 8 2 10 2i3

Fonte: Anuário Estailtíico.

D ) A UM IÍN TO P E R C E N T U A L DOS V E N C IM E N T O S DOS S E R V I-


D O R E S P Ü B L IC O S F E D E R A IS E CUSTO D E VIDA NA GUANABARA

Classes de 1945- 1948- 1952- 1955- 1956- 1959 a julho Ju lh o de lObO


servidores 48 52 55 56 59 de 1960 a dez. de 1960

A 41 67 40 29 30 28 60
B 38 64 39 61 30 — 54
C 37 60 37 65 30 — 60
D 37 57 36 77 30 — 62
E 38 52 34 85 30 — 35
F 36 53 34 80 30 — 66
G 31 46 31 80 30 — —•
II 32 39 28 81 30 — 55
I 33 33 25 82 30 — —
J 34 28 22 78 30 — 46
K 31 23 23 69 30 — 53
L 32 19 24 70 30 — 51
M 35 15 14 81 30 — 50
N 38 11 12 72 30 — 50
O 40 7 11 70 30 13 44
Cuato de vida 28 51 72 21 85 28 15

Nota: Em 1959 adotou-se nova classificaç&o dos servidores civis. Os aumentos proporcionai«
regiotrados desde 1959 eSo, a grosso modo, comparáveis com os anteriores.
Fonte: Fundação Getulio Vargas.

107
4

a densidade de capital das novas indústrias fez com que o cresci -


mento do número de trabalhadores fosse .geralmente inferior ao da
produção, o fato de a renda real de várias indústrias crescer menos
que o produto indica que a participação do trabalho na produção
adicional foi m enor do que no produto total do início do período.
Em outras palavras, isto que dizer que, para grande p arcela dos
trabalhadores urbanos," a inflação representou" um a redistritmição
do incrcmcnto á o produto real em proveito do setor de produção.
Isto significa que os trabalhadores não tiveram necessariamente
reduzido seu nível de vida, mas o aum ento deste últim o não acom­
panhou o crescimento do produto real. Vê-se que no período 1949-
55, os salários reais atrasaram-se em relação ao produto real, ocor­
rendo o mesmo em 1957-58. O fato de os aum entos de salários-
mínimos terem afetado o período 1955-56 e de as dificuldades
ocorridas no balanço de pagamentos terem concorrido para dim inuir
a produção industrial em 1956-57, impede que nossa análise possa
ser conclusiva. í ' ' ' ' ' '
Na parte C do quadro 5-12 comparamos as variações no custo
de vida com os aum entos do salário médio em períodos curtos.
Temos aí um a boa indicação .das defasagens que freqüentem ente
ocorrem em períodos curtos ç' que soem ser m uito eficientes para
o funcionam ento do mecanismo de redistribuição. A parte D mostra
os freqüentes descompassos na rem uneração dos servidores públicos.
Em passagem anterior deste capítulo, deixamos bem claro que,
tanto o setor público como o setor privado beneficiaram-se dos
efeitos redistributivos da inflação. A participação declinante da
remuneração do trabalho contribuiu para os vultosos lucros retidos
utilizados na realização do program a de investimentos do setor
privado, e o fato de o investimento do setor governo ter superado
' sua própria poupança sugere que o processo inflacionário serviu
ao governo para efetuar transferências de poupança do setor privado
para o setor público.
^ É claro que a função redistributivá da inflação brasileira só
I pôde funcionar graças à incapacidade de os assalariados m anterem
i constante sua parte no produto nacional. É o que revelam os atrasos
; no reajustam ento do salário-mínimo durante a décadà de 50. Em
i parte, isso é devido ao firm e controle m antido pelo governo sobre
os sindicatos, du ran te o período (ver capítulo anterior). Pode-se
também aventar a hipótese de a inflação ter maiores possibilidades
redistributivas nos países de industrialização recente, dotados de
amplas reservas de mão-de-obra rural (grande massa da qual anual­
mente se incorpora ao setor urbano). Os trabalhadores recém-vindos
do campo levam algum tem po para um a adaptação ao mecanismo de
uma economia puram ente m onetária e poderem perceber a razão
de os preços subirem mais do que os salários. No entanto, os reajus-

108
tam entos m uito mais freqüentes do salário mínimo após 1961, as
greves mais amiudadas e a m aior independência do movimento
sindical em relação ao governo parecem indicar que talvez não se
possa mais repetir o que aconteceu na década de 50.
H á também indícios de que a redistribuição processou-se em
detrim ento do setor agrícola, especialmente dos trabalhadores do
campo. Não pode haver comprovação direta do fenômeno, pois as
estatísticas agrícolas são levantadas por produto e impossibilitam,
assim, o exame d a participação dos fatores. Mas o próprio fato
de, até recentem ente, não se estender à zona rural a legislação do
salário-mínimo sugere que ali os salários ficaram abaixo da ele - 1
vação do nível dos preços. Veremos adiante que foi fayorável à l
agricultura a relação de trocas que ela manteve com a indústria.
Mas não há indício de que os trabalhadores rurais tenham-se
beneficiado deste fato. JÊ sabido que, no Brasil, a rede de comercia­
lização se apropria de gran3ê~parté dàTerída que cabe à agricultura,
e que existe uma" tefidêncn a ip licar;“nó setòr urbano, essa renda
captada (muitos capitalistas brasileiros de hoje começaram como
atacadistas). Sabe-se, também, que os proprietários de terra colocam
suas poupanças à disposição do setor industrial; assim, por exemplo,
boa parte das primeiras indústrias que se criaram em São Paulo
iniciaram sua existência com fundos provindos das poupanças do
setor cafeeiro.

5.5 Inflação e eficiência econômicas

Pode-se argum entar que, embora a inflação tenha conduzido ao


crescimento, não era esta a melhor maneira de alcançá-lo, pois ela
acarreta ineficiência na alocação de recursos. Teme-se geralmente
que a inflação provoque distorções no investimento econômico,
em virtude de suas repercussões sobre a distribuição dos haveres
dos detentores de poupanças e sobre as decisões dos investidores a
respeito da estrutura de seus investimentos. Os primeiros darão
preferência aos haveres físicos sobre os financeiros e, desse modo,
optarão por “ . . . realizar seus investimefttos diretamente e não
através do m ercado de capitais”. O resultado será " . . . afastar das
melhores oportunidades de investimento a oferta de poupanças para
inversões” . 9

s Grande parte deste capítulo foi originalmente publicado como artigo: Brazil:
inflation and economic efficiency. Economie Development and Cultural Change,
July 1963.

f>. Shaalan, A. S. T he impact of inflation on the composition o! private


investment. IM F Staff Papers, July 1962, p. 246-7.
Durante uma inflação geradora de distorções, a ação dos inves­
tidores seria atraída pelas inversões em estoques e por investimentos
diretos em projetos de gestação relativam ente curta. Como diz uma
autoridade, a inflação. ..
...te n d e a desestimular os investimentos em itens de infra-estrutura
caracterizados por preços rígidos, como energia, transportes e com u­
nicações, deslocando a propensão a investir para os setores dotados
de flexibilidade de preços e de rentabilidade imediata. Ela gera
também uma desproporção no desenvolvimento industrial, pois as
indústrias de bens de capital, que requerem longo período de m atu­
ração, passam a ter rentabilidade relativamente menor do que a
indm tria leve. Esses desequilíbrios induzidos pela inflação tendem
a amortecer ou mesmo sufocar a taxa de crescimento. 10

O surgimento de taxas negativas de juros é outra m aneira pela


qual é fortalecida a má locação dos investimentos. H abitualm ente,
deve-se isso aos limites legais fixados para a taxa nom inal de juros
(12% no Brasil), geralmente inferior à taxa efetiva de inflação,
favorecendo o crédito a curto prazo e podendo distorcer os im esti-
mentos em benefício dos projetos de curta m aturação ou em favor
de grupos bem relacionados nos círculos creditícios e que podem
não ser os mais eficientes.
Os dados do quadro 5-8 mostraram-nos que a inflação bra­
sileira posterior à guerra não foi uniforme, tendendo a variar de
ano para ano, embora as taxás de inflação fossem mais altas no
fim da década de 50 do que no período anterior. Mas as variações
anuais eram tão amplas que dificultavam a previsão da taxa do
ano seguinte. Trata-se de um fator im portante a mencionar, pois,
há quem alegue não serem inevitáveis as deficiências que a inflação
acarreta na alocação dos recursos se as taxas de inflação forem
uniformes e previsíveis. É difícil estabelecer um a relação, quer
positiva quer negativa, entre a taxa de inflação e a de investimento
(isto é, a proporção do investimento em capital fixo para o produto
interno bruto). O mesmo acontece com a distribuição da formação
de capital entre os setores público e privado. Em bora tenha havido
uma tendência declinante na participação do setor privado, não se
pode, evidentemente, atribuir esse fato à taxa de inflação.
Como não se dispõe até o momento de dados anuais sobre a
discriminação setorial dos investimentos, torna-se necessário recorrer
a indicações indiretas para avaliar o grau de eficiência da alocação
de recursos para inversões. O único dado disponível, reproduzido

lo Campos, Roberto de Oliveira. Inflation and balanced growth. In.: Ellis,


Howard S. & Wallich, Henry G. ed. Economic Development for Lalin America.
London, Macmillan, 1961, p. 102.

110
no quadro 5-13, refere-se à divisão do investim ento global em for­
mação de capital fixo e variação de estoques. Os prim eiros anos do
pós-guerra caracterizaram-se basicamente- pela redução de estoques,
predom inando seu crescimento durante os anos 50, em bora não
pareça existir ligação estreita entre as taxas de variação desse item
e as de inflação. Assim, por exemplo, em 1952, quando houve
sensível am ortecim ento da taxa de inflação, as proporções da
acumulação de estoques elevaram-se para 24% enquanto em 1956,
ano em que a taxa de inflação deu um grande salto, manteve-se
razoavelmente estável o índice de crescimento dos estoques. Os ú lti­
mos anos do decênio foram marcados, naturalm ente, pelo acúmulo
de estoques de café nas mãos do governo. Em bora o decênio 1950-60
tenha-se caracterizado pelo crescimento dos estoques, é difícil dizer
até que ponto isto resultou do clim a de inflação ou da necessidade
de estoques proporcionalm ente maiores que possa ter um país em
processo de industrialização e urbanização. Cabe m encionar que,
em conseqüência das crises periódicas no balanço de pagamentos,
que davam origem a diversos tipos de controles diretos, a acum u­
lação de estoques foi freqüentem ente influenciada pela expectativa
de mudanças na taxa cambial e em outras políticas relacionadas
com a importação.

Q uadro 5-13
VARIAÇÃO DE E ST O Q U E S NO B R A SIL

Percentagem D istribuição do acréscimo de estoques


dos estoques
Ano sobre a S eto r privado
formação de T o tal do setor T otal
capital governo geral
Agrícola U rbano

1947 — 11*
1948 — 2*
1949 — 14*
1950 — 16*
1951 15 24% 76% — (-)“ 100%
1952 24 27 42 31 (31) 100
1953 5 167 -3 0 37 (-37) 100
1954 20 36 54 10 (15)*** 100
1955 12 70 6 24 (44)*** 100
1956 12 83 2 15 (7,5) 100
1957 19 42 18 40 (30) 100
1958 12 36 -3 6 100 (97) 100
1959 19 16 3 81 (74) 100
1960 16 18 2 80 (71) 100

• De 1947 a 1950 a redução de estoques concentrou-se quase totalmente no setor privado.


*' Está indicada entre parônteses a percentagem dos estoques de café no total do setor governo.
*** Esses números são maiores do que a percentagem atribuída ao setor governo; isso se deve à
redução de estoques ocorrida em outros itens, que não o café, no setor governo.
Fonte: Baseado em dados não publicados, da Fundação Getulio Vargas.
O balanço consolidado das sociedades anônimas, refletido nc
quadro 5-4, fornece-nos outro indício do com portam ento dos in­
vestimentos. Verifica-se que proporção relativam ente dim inuta dos
recursos foi aplicada em estoques pelas sociedades anônim as e não
parece haver qualquer tendência discernível.
Além das aplicações em estoques, outra causa de ineficiência
nos investimentos é a preferência por projetos de curta m aturação.
Seria, portanto, de esperar a ocorrência de investimentos propor­
cionalm ente menores em indústria pesada e serviços de utilidade
pública do que, por exemplo, em habitação. Na falta de discri­
m inação anual dos investimentos, os índices de produção industrial
— constantes do quadro 5-14 — podem ser utilizados para fornecer
uma indicação grosseira. A comparação da produção de cim ento e
aço com o índice representativo da área licenciada para edificações
residenciais não parece indicar tenha havido volume im oderado
de investimento na construção de casas e prédios de apartam entos.
Não estamos procurando dem onstrar que não tenha havido inversões
destinadas à defesa contra a inflação, mas somente que não parece
ter havido desequilíbrio acentuado na estrutura dos investimentos.
É verdade que houve setores da economia que ficaram abandonados,
por vezes, especialmente os serviços de utilidade pública como a
produção de energia, os transportes públicos e as comunicações.

Q u ad ro 5-14
ÍN D IC E S DA PRODUÇÃO
(1948 = 100)

Edificação
Ano Cimento Aço residencial*

19-17 82 79 91
1949 155 119 110
195Ü 125 153 123
1951 130 167 161
1<)">2 145 174 179
1953 183 199 199
1954 217 230 191
1955 234 231 93
195G 294 268 163
1957 287 248 182
195S 337 273 124
1959 341 301 109
1960 397 356 133
1961 421 390 114

* Representa somente as licenças de construção, podendo assim exageraras construções efetivas.


Fonte: Conjuntura Econômica, jan. de 1963.

112
Mas, como mostraremos mais amplamente adiante, a inflação só
pode ser considerada como uma causa parcial do fenômeno.
E m bora conheçamos todos os percalços do emprego da relação
cap ital/p ro d u to , achamos útil examinar as variações nessa rela­
ção d u ran te um período, como um dos argumentos demonstrativos
de que, no Brasil do pós-guerra não houve erro grave na alocação
dos recursos. Dividimos os anos do pós-guerra em três períodos:
1947-52, 1953-56 e 1957-60. Determinamos a proporção do investi­
m ento no produto interno bruto, para cada um desses períodos e
dividimos aquela proporção pelo índice de crescimento médio anual
de cada período considerado. As proporções foram tomadas a preços,
correntes e em termos reais (ver quadro 5-15). Observa-se ligeiro
aum ento da relação do prim eiro para o segundo período, seguindo^
se no terceiro período um a queda acentuada alcançando nível
inferior ao do período inicial. Se aceitarmos o emprego da relação
cap ital/p ro d u to como representativa da eficiência da estrutura de
investimentos da economia, seu declínio no período de maiores taxas

Q uadro 5-15
VARIAÇÕES NA RELAÇÃO C A PITA L/PR O D U TO

1947-52 1953-56 1957-60 1947-60

Form ação bruta de capital fixo/PIB


a preços correntes 15,4 14,4 14,7 14,7 ’
Form ação bruta de capital fixo/PIB
a preços constantes 13,1 13,4 14,1 13,4
Índice de crescimento real, m édia
anual 6,1 5,4 6,7 6,0
Relação capital/produto a preços
correntes (1/3) 2,52 2,67 2,19 2,45
(103)* (109)* (89)* (100)*
Relação capital/produto a preços
constantes (2/3) 2,15 2,48 2,10 2,23
(96)* (111)* (94)* (100)*

• índice da relação capital/produto no período com base n a relação capital/produto para o período
1.947-60.
Fonte: Baseado em dados da Revista Brasileira de Economia, mar. de 1962.

de inflação não indica, em absoluto, uma estrutura de investimento


menos eficiente, pois tal declínio pode ser tomado, grosso modo,
como aum ento da produtividade dos investimentos. É daro que esse
tipo de análise está sujeito a inúmeras restrições. Uma das mais
im portantes consiste em que as inversões em volumosas instalações
de serviços de utilidade pública tenderão a elevar aquela relação,
m uito em bora tais investimentos sejam da maior importância para
que o crescimento econômico se processe sem gerar pontos de estran­
gulamento. De m aneira bastante surpreendente, os investimentos
feitos em serviços de utilidade pública, no Brasil, especialmente em
energia elétrica, foram m uito maiores no últim o período selecionado
do que nos anteriores.
N o quadro 5-15, junto a cada valor da relação capital/produto,
está indicado entre parênteses seu índice em função da relação
média para o período 1947-60, perm itindo apreciar os desvios de
cada período em comparação com essa média. É interessante con­
frontar as diferenças apresentadas por esses desvios, conforme a
relação cap ital/p roduto seja m edida em termos reais ou a preços
correntes. O fato de, no segundo e terceiro períodos, quando era
mais elevada a taxa de inflação, tais desvios serem aproxim ada­
mente da mesma m agnitude, parece indicar que a estrutura de
investimentos não estava sendo afetada por distorções de preço.
A distorção dos preços relativos influenciaria inevitavelm ente a
relação a preços correntes, de m odo que as duas séries representa­
tivas da relação capital/produto (a preços correntes e a preços
constantes) apresentariam tendências substancialm ente discrepantes.
O utro indício, que sugere não ter a inflação afetado drastica­
m ente as operações gerais e especialmente as decisões de investi­
m ento, das empresas comerciais e industriais, é fornecido por um
membro da Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
Em inquérito realizado entre diversas empresas formulou-se, entre
outras, a seguinte pergunta: “Sua empresa tom ou algum a provi­
dência para adaptar suas operações aos reflexos da inflação?” Cerca
de 90% das respostas foram afirm ativas.11 O quadro 5-16 tabula
os tipos de medidas adotadas por essas er.ipresas para ajustarem-se
às pressões inflacionárias. Salta aos olhos que a ênfase é posta em
medidas que não desviassem as atividades para rum os relativam ente
improdutivos. Poucas se referem a aum entar os estoques. Mesmo
levando-se em conta os habituais mal-entendidos inerentes ao em­
prego do m étodo de entrevistas (não se tratou no caso de um a
amostragem estatística), as respostas indicam um a adaptação fácil
e construtiva às forças inflacionárias. À pergunta “A inflação
influenciou o desenvolvimento do país?”, a m ?' ;ia respondeu pela
afirm ativa e o quadro 5-16 m ostra os tipos .sposta. Percebe-se,
mais um a vez, um estado de espírito bastante o tim ista.12

U Richers, R aim ar. O empresário e a inflação brasileira. Revista de A d m i­


nistração de Empresas, p. 31-46, maio/ago. 1962.
12 Estes resultados foram confirmados pelo autor em algumas visitas a em ­
presários de São Paulo. Nenhum parecia considerar a inflação entre os principais
problemas enfrentados por sua empresa e alguns chegaram a afirm ar que
qualquer programa de estabilização deveria ter caráter acentuadamente gra-
dualista, de modo que a comunidade empresarial pudesse adaptar-se p aulatina­
mente a uma economia de tipo estável.

114
Q uadro 5 -1 6

R ESPO ST A S DE A D M IN IS T R A D O R E S A PERGUNTAS
SO B R E A IN FLAÇÃO

j Percentagem*

Método de adaptação às Jorças inflacionárias 100

A justar os preços (entre outras medidas) 26


A justar os preços (única medida) 22
Racionalizar as operações p ara dim inuir os custos (única
medida) 11
O bter novas fontes de capital (única medida) 11
Combinação das medidas mencionadas 11
R eduzir a ativo líquido (única medida) 7
Transform ar haveres m onetários em investim entos (única
medida) 6
A dotar política de estoques adequada à situação inflacionária
(única medida) 3
M edidas diversas das já mencionadas 3

Injluência da injlação sobre o desenvolvimento econômico 100

Predom inantem ente positiva 53


Predom inantem ente negativa 24
Em p arte negativa e em p a rte positiva 5
Sem ponto de vista 18

• Percentagem sobre o total de 113 respostas.


Fonte: Ver a nota 11, neste capítulo.

5 .6 Conclusões

Não defendemos a tese de que íosse perfeita a alocação de recursos


para investimentos. Os fatos que examinamos nesse capítulo apenas
mostram ser difícil discernir erros graves de alocação, atribuíveis
diretam ente à inflação. É sabido que houve destinações defeituosas,
mas eram geralm ente provocadas por certos tipos de controles
governamentais. A rigidez da lei concernente aos serviços de utili­
dade pública determ ina que a tarifa deve ser fixada de tal m aneira
que o lucro resultante não exceda a 10% do capital registrado pelo
custo histórico. N um am biente inflacionário, isto evidentem ente
determ ina lucros reais extrem am ente reduzidos, senão inexistentes,
acarretando o abandono do investimento. É preciso dizer, no
entanto, que esse gênero de dificuldades aos poucos surgiria, mesmo
se a inflação fosse menor, pois decorrià diretam ente da orientação
do governo. O controle exercido pelo governo sobre os preços dos
transportes foi compensado por vultosas, subvenções (que alcan­

115
çaram freqüentem ente a quase 1/4 do orçam ento da União), con­
tribuindo fortem ente para a inflação. No entanto, o investimento
nessa área não ficou m uito prejudicado porque, ou era controlado
pelo próprio governo ou as subvenções compensavam as perdas de
tarifas, como nas com panhias de navegação aérea. De uni modo
geral e em bora a solavancos, as inversões em serviços de utilidade
pública acom panharam o ritm o de crescimento econômico do país
(com a exceção dos serviços telefônicos); em decorrência, o governo
envolveu-se cada vez mais nessa área da economia.
Destinações insatisfatórias de recursos resultaram também de
certos erros cometidos durante o período de vigência de taxas
m últiplas de câmbio, como, por exemplo, os subsídios para im por­
tações de petróleo e papel de imprensa, acarretando o esbanjam ento
de muitas divisas valiosas em bens que poderiam ter sido produzidos
no país ou poupados em m aior medida.
Alega-se às vezes que, nas condições de um a inflação de 20
ou 30%, o fato de conservar se a 12% a taxa m áxim a de juros
legais conduz a graves distorções na destinação das poupanças, em
benefício dos empréstimos a curto prazo. É procedente o argu­
mento, mas como vimos no quadro 5-4, a m aioria das grandes
empresas industriais não recorreu m uito ao crédito das instituições
financeiras. T am pouco pode ser atribuído à inflação o recurso
preferencial ao autofinanciam ento e aos créditos diretos dos for­
necedores, pois isso deve ser considerado um a característica do
subdesenvolvimento.
O utro fator institucional que pode ter influído para evitar
distorções excessivas foi a lei do inquilinato, exam inada no capítulo
anterior. Ela tornou claram ente desinteressante investir em resi­
dências como meio de defesa contra a inflação. Por outro lado,
o reduzido investim ento em estoques poderá ser atribuído às difi­
culdades de obtenção de crédito num am biente altam ente infla­
cionário, ou m elhor, do crédito barato e por prazo suficientemente
longo necessário a tal tipo de operação. Assim, pode-se dizer, a
inflação traz consigo mesma certas garantias contra distorções ex­
cessivas nos investim entos.13
Nosso objetivo neste capítulo não foi o de fazer um a defesa
cerrada da inflação como o m elhor e mais eficiente m étodo de
desenvolvimento. Nosso_ propó_sito__foi_ m ostrar que um a jparte ;.d'a i
inflação _brasileira„contribuiu-para^Q_ crescimento re a L d o país, em \
virtude de representar ura mecanismo de poupança forçada (não \
obrigatoriam ente à custajda redução do padrão de vida, mas através '
■de um a redistribuição do^increm ento do produto nacional, tom ando

13 Esta interessante observação foi feita pela prim eira vez pelo Prof. Donaíd
H uddle, da Universidade de Rice.

116
dos consumidores em benefício dos investidores).jProcuramos indicar
tãmFéTri^quêr riò Brasil', a inflação não distorceu gravemente a
alocação de recursos e que as distorções ocorridas, especialmente
no setor de serviços de utilidade pública, decorreram antes de
fatores institucionais, como o método de fixar preços nos setores
controlados da economia. Claro está que este último fenômeno não
está inteiram ente divorciado das forças inflacionárias, mas não pode
ser predom inantem ente a elas atribuído.
As reações dos setores da economia não submetidos a controle
apresentam interesse para a análise. Por que houve tão poucas
distorções nos investimentos? Além da explicação institucional que
demos, pode-se também argum entar que em um país como o Brasil
a inflação é m uito antiga e há muito que os homens de negócios
aprenderam a adaptar-se às variações de preços. Como era fácil a
adaptação às mudanças de preços e como durante longos períodos
estes m antinham-se à frente dos custos, especialmente dos custos de
mão-de-obra, os investidores achavam que eram de pequena monta
as conseqüências negativas da inflação sobre seus planos. Como
predominava o autofinanciam ento, isto é, havia pouco apelo às
instituições financeiras, não se tornaram prementes nem o equilíbrio
de caixa, nem a taxa controlada de juros. Finalmente, como numa
economia com tradição inflacionária a moeda nunca é vista como
reservatório de valor e, ainda, como eram palpáveis e iam-se trans­
formando em realidade as possibilidades de desenvolvimento do pais,
que dispõe de amplo mercado, a taxa real de retorno a longo prazo,
do capital, parece ter sido mais forte do que as defesas de curto prazo
contra a elevação dos preços.
Q uadbo 7-4

ESTR U TU RA AGRÁRIA DO BRA SIL EM 1960

Estabelecimentos Área total Área cultivada


Classes de área
Percen­ Percen­ Percen­
Números 1 0 0 0 ha tagem 1 0R0 ha tagem
tagem

Menos de 10 ha 1 499 545 44,88 5 923 2,23 3 960 13,31


10-49 ha 1 221 448 36,55 20 599 10,78 9 613 32,30
50-59 ha 273 100 8,17 19 099 7,19 3 690 12,39
100-199 ha 157 550 4,71 21 807 8,22 3 157 10,61
200-499 ha 116 717 ' 3,49 35 989 13,55 3 805 12,79
500-999 ha 40 582 1,21 28 495 10,73 2 113 7,10
M ais de 1 000 ha 2 885 0,98 125 538 47,30 3 421 11,50

Total 3 311 827 100,00 265 450 100,00 29 7£>9 100,00

Fonte: Serviço Nacional de Recenseamento.

de exploração agrícola e a produtividade na agricultura. 9 N ão há


dúvida de que os padrões de estrutura agrária do Nordeste não con­
tribuem para m odificar o tipo de agricultura existente na região
nem sua produtividade. E m jn u ita s zonas do Nordeste estão presen-
tes as dificuldades típicàs da agfictntúTã“r a r a c t e m à 3 ã ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ S
latifundiário é absenteísta. Problem à inverso existe no extrem o suí áo
país: predom inam as pequenas propriedades de fazendeiros de ori­
gem européia, sofrendo as glebas subdivisões sucessivas em conse­
qüência das leis de herança. T rata-se de m inifúndios freqüente­
m ente antieconômicos. Nas áreas dedicadas à criação, ou onde os
solos são pobres (a menos que recebam tratam ento) e a população
escasseia, como em M inas Gerais, oeste paulista e em M ato Grosso,
o sistema latifundiário não é obrigatoriam ente tão ineficiente como
no Nordeste. Em outras palavras, é impossível generalizar a respeito
da estrutura ideal de exploração agrícola para o país. Os métodos
indicados para lidar com o problem a são variáveis de região para
região.
A dificuldade de fazer generalizações válidas para todo o país
não im pede que se faça, para o Brasil como um todo, algumas
observações im portantes sobre as relações entre a estrutura da pro­
priedade agrícola e a produtividade. Sendo bastante baixa a fer­

9 Ao fazermos este trabalho ainda não se dispunha dos dados do censo


agrícola de 1960, discriminado por sub-regiões. O trabalho de W illiam H.
Nicholls, Perspectiva estat/srica da estrutura agrária do Brasil, na Revista
Brasileira de Economia, jun. 1963, contém um a análise da estrutura das explo­
rações agrícolas em 1950, para várias regiões.

140
tilidade natu ral do solo em muitas zonas do Brasil, poderia pare­
cer que o grande núm ero de estabelecimentos de até 10 ha constitui
form a altam ente ineficiente de organização econômica. Chegou-se
até a alegar ser antieconômica a maioria das propriedades com me­
nos de 50 h a . 10 Os dados do Censo de 1950 (último ano para o .
qual se dispõe de informações censitárias completas sobre a agri-..
cultura) m ostraram que 40,5% da área total das lavouras situavam*
se em propriedades de menos de 50 ha. Verificou-se, também, serem
exatam ente essas pequenas propriedades que têm maiores dificulda­
des em adotar novas técnicas produtivas capazes de aumentar o .
re n d im e n to .11
As grandes propriedades de mais de 1 000 ha, que representam '
cerca de 1% do núm ero total de estabelecimentos, ocupam mais dé
47% da área total. E nquanto em 1950, mais de 56% das terras das ;
propriedades de até 10 ha estavam sob cultivo, nas propriedades d e :
m ais de 1 000 ha apenas 3% da área eram cultivadas e 57% eram"
utilizadas para pastagens e, assim mesmo, de maneira fortemente
extensiva.12
Desse padrão geral de distribuição da terra resulta grande con-5
cen tração da mão-de-obra agrícola nas pequenas propriedades (ha­
vendo exceções, como nas áreas de cultura de cana-de-açúcar do
Nordeste). Assim, em 1950, os estabelecimentos de até 50 ha reuniam
cerca de 56% do pessoal ocupado; .
Nas pequenas propriedades, a maior parte do pessoal não é
constituída de proprietários, mas de arrendatários, de. forma que
a renda que sobra é pequena e não há incentivo para investir em ;
melhores métodos de produção. Quanto às grandes propriedades, é.
tão am pla a natureza extensiva da exploração que muitos dos seus
proprietários tam bém não tiveram estímulo para fazer grandes in­
versões em suas te rra s.13
Até a década de 60 eram reduzidas as atividades de planeja­
m ento relacionadas com a mudança na estrutura agrária e poucas
discussões havia a esse respeito. A partir de 1961 é qúe a reforma :
agrária passou a ser tema geral das conversas e objeto de certa.
> agitação política.’ A pressão pela reforma agrária déveu-se, de um
íado, a terem encontrado expressão política, na década de 60, as in-
, justiças sociais decorrentes do padrão de propriedade territorial
dom inante em certas regiões do país e, de outro lado, às tensões
sociais criadas pela escassez de gêneros alimentícios nos centros ur­
banos. jAt‘é'_o 'mòmêrrt'ô dé‘ séif~elabbrad6 esle traSllfiW"(1965)- àinda'

10 Presidência da República, op. d t., p. 142-5.


11 Ibid.
12 Ibid., p. 145.
13 Ibid., p. 147.

141
não se formulou, e m uito menos se adotou, um programa completo de
reform a agrária que fixe os métodos de expropriação, indeniza­
ção, e redistribuição da terra, bem como q ^e trate do crédito rural
e da assistência técnica às novas unidades agrícolas. Em março de
1964 foi baixado um decreto — a seguir abandonado pela revolu­
ção de abril de 1964 — autorizando a expropriação de terras situa­
das na faixa de 10 km de cada lado das rodovias federais, estradas
de ferro e açudes.
Em outubro do mesmo ano, o governo do Presidente Castello
Branco form ulou um novo program a de reforma agrária. Seus dis­
positivos principais voltavam-se para a realização da redistribui­
ção da terra através do mecanismo tributário, lançando-se mão de
um imposto altam ente progressivo sobre as terras não cultivadas ou
pouco utilizadas, ao mesmo tempo que eram encorajadas as pro­
priedades utilizadas com eficiência. O imposto territorial rural se­
ria transferido da esfera estadual para o âmbito federal, a fim de
assegurar arrecadação mais eficaz. Outros dispositivos dão ao go­
verno o poder de expropriar terras por interesse social, pagando-
se as indenizações em títulos (garantidos até certo ponto contra a
corrosão da moeda). Ao fazermos este livro pouco se sabia a res­
peito de dispositivos mais pormenorizados, bem como sobre pro­
gramas complementares destinados a aperfeiçoar o crédito rural e
os serviços de extensão técnica.
Graças às imensas áreas não cultivadas de que dispõe o país,
o surto inicial da industrialização não encontrou na agricultura
um ponto de estrangulamento. No entanto, é geralmente reconhe­
cido que o desenvolvimento ulterior da indústria ficará seriamente
prejudicado se não for encontrada um a saída para aum entar a pro­
dutividade agrícola nas proxim idades dos grandes centros de con­
sumo. A elevação mais que proporcional dos preços dos gêneros
alimentícios cria tensões sociais nos centros urbanos e contribui des­
necessariamente para aumentar, as pressões inflacionárias. Por outro
lado, como o incremento dos preços é absorvido pelos interm ediá­
rios, a m elhoria das relações de troca, em benefício da agricultura
não contribui para elevar a renda dos produtores, que teriam nisso
um estímulo autom ático para aum entar sua produção e sua efici­
ência. Finalm ente, o fortalecimento dos sindicatos, que têm tido
êxito crescente no reclamo de melhores salários reais para os tra­
balhadores urbanos, faz com que a alta dos preços dos gêneros acar­
rete a elevação dos custos reais na indústria. Isto poderá conduzir a
um amortecimento da expansão industrial ou a um desenvolvimen­
to orientado para m aior densidade de capital, o que virá agravar
as dificuldades com que o país já se defronta para absorver o i n ­
cremento das populações urbanas. / ”

142
Como foi acertadam ente indicado pelo economista Ju lian Cha-
cel, diferentem ente de outros países nos quais a reform a agrária
foi um pré-requisito da industrialização, o Brasil pôde expandir
sua indústria durante um longo período sem que houvesse m udan­
ças radicais na a g ric u ltu ra .14 Isto foi possível, principalm ente, gra­
ças à grande disponibilidade de terras, que infundia ao país enorme
flexibilidade. No entanto, o surto inicial de industrialização chamou
a atenção para o atraso do setor agrícola, de vez que o prossegui­
m ento da expansão industrial dependerá, em grande m edida, de
um a reform a agrária. Em certo sentido, pode-se dizer que, levando-
se em conta o padrão de relações sociais existentes no Brasil antes
da II C uerra M undial, fazia-se necessário um surto industrial para
alcançar, ou tornar possível, um a m udança radical nas relações eco-
nômico-sociais do campo.
Que se pode dizer das relações entre os setores industrial e
agrícola? Que tipo de inter-relações prevaleciam e em que m edida
a agricultura financiou o program a de industrialização? Infeliz­
mente, a natureza dos dados disponíveis não perm ite respostas m ui­
to precisas a estas perguntas. Como os dados relativos à agricultu­
ra nas contas nacionais do Brasil são levantados em termos de valor
de produção, não há informações sobre a participação dos fatores
no setor. T am pouco se dispõe de dados a respeito de investim ento e
poupança na agricultura. As melhores informações provêm das es-
, tatísticas concernentes aos preços relativos. Lem brem os que as re­
lações de troca atuaram a favor do setor secundário, especialmente
nos fins da década de 50 e r.o início do decênio seguinte. Lem bre­
mos ainda que o grosso da elevação dos preços relativos dos produtos
agrícolas foi absorvido pelo setor de comercialização e que a maior
parte dos benefícios decorrentes daquela alta não alcançou o pro­
dutor. Os dados qualitativos existentes sugerem que os elementos
que atuam na interm ediação dos bens agrícolas e que captam , atra­
vés das relações de troca, a m aior parte do increm ento do produto
nacional correspondente à agricultura, tendem a investir sua pou­
pança no setor não-agrícola — na construção civil e na indústria. 15
Claro está que este mecanismo não representava um a transferência
de poupança do setor agrícola para o industrial, mas, antes, um dis­
positivo a im pedir que parte do acréscimo de poupança no setor
, não-agrícola se transferisse para a agricultura.

Esta observação foi feita pelo Dr. Chacel em um a palestra proferida no


Seminário de problemas econômicos latino-americanos, realizada a 19 de março
de 1964 na Universidade de Yale.
15 Grande parte dos grandes industriais brasileiros de hoje começaram sua
atividade no setor de distribuição.

143
No que se refere à transferência de recursos da agricultura
propriam ente dita para a indústria, é difícil ir além de sugerir sua
existência. Vimos que a taxa de crescimento demográfico nos cen­
tros urbanos era superior ao elevado índice geral de crescimento da
população, o que im portava num êxodo dos desempregados d isfar-
çados, do campo para as cidades. .'Lembremos, tam bém que, como vi­
mos em capítulos anteriores, a taxa de absorção de trabalhadores pela
indústria era m enor do que a taxa de crescimento das cidades, fa­
zendo com que muitos dos recém-chegados ingressassem no setor de
serviços. É de supor que esta pressão tenha contribuído para im ­
pedir que os salários acompanhassem a elevação dos preços, em m ui­
tos setores da economia, tornando possível, desse modo, o funcio­
nam ento do mecanismo de poupança forçada exam inado no capitulo
5. O aum ento da oferta de alim entos nas cidades foi resultado do
aum ento da produção e não de um a clássica redistribuição de ali­
m entos entre o campo e a cidade, apoiada em um mecanismo fiscal.
No entanto, dada a distribuição desigual de ren d a no setor rural,
é legítim o adm itir que grande parte da renda da classe dos proprie-
v tários de terra tenha fluído para o setor não-agrícola.16

7.2 Os desequilíbrios regionais 17

Q esforço de industrialização do Brasil concentrou-se na região Cen-


tro-Sul do país. Já antes da II G uerra M undial, o crescimento econô­
mico dava-se predom inantem ente nesta área, enquanto as outras p ar­
tes do país atrasavam-se visivelmente. A industrialização do pós-guer-
ra tendeu a acentuar os desequilíbrios regionais. Nesta seção, concen-
trar-nos-emos no exame do desequilíbrio m anifestado depois da guerra
entre o centro-sul e o Nordeste, pois esta sempre foi a m ais im por­
tante das regiões estagnadas do país (abrange um q u arto da po­
pulação global).
Começaremos por delinear as diversas explicações que podem
ser oferecidas a respeito das taxas diferenciais de crescimento re­
gional, em um grande país em processo de industrialização. Isto

Deve-se ter em mente que o surto de industrialização dos anos 30 foi finan­
ciado pelo setor cafeeiro. Ver o cap. 2.
i" A m aior parte desta seção foi publicada inicialmente sob a forma de artigo:
Regional inequality and economic growth in Brazil. Economic Development
and Cultural Change, Apr. 1964. No trabalho de Hirschman, A. O. — Journeys
toxuard progress. New York, T h e T w entieth Century Fund, 1963, cap. 1; h;i
uma análise histórica dos problemas econômicos do Nordeste brasileiro. O livro
de Robock, Stefan H. — Brazil’s developing Northeast: a study of regional
planning and foreign aid. W ashington, D.C., T h e Brookings Institution, 1963,
representa, também, ura estudo ccm pleto do Nordeste.
proporcionará um quadro de fundo para o exame dos desequilíbrios
reais existentes no caso brasileiro.

7.2.1 Explicações teóricas


Não são habitualmente difíceis de explicar as razões para as desi­
gualdades regionais de riqueza. Hicks caracterizou de maneira ex­
tremamente sucinta e feliz as circunstâncias responsáveis pelas van­
tagens que apresentam algumas regiões de um pais para empreen­
derem o crescimento inicial, ao dizer que as " . . . zonas determina­
das de um país em que a riqueza pode-se expandir mais facilmente
são caracterizadas por vantagens geográficas, pela proximidade de
jazidas minerais ou fontes de energia, ou de áreas particularmente
adequadas a certas lavouras especializadas; além disso, podem dis­
por de boas condições naturais de comunicação, de tal modo que,
embora estejam distantes suas fontes de abastecimento, podem ser
supridas facilmente por muitas fontes”.18 Claro está que a estrutu­
ra da demanda é que determinará qual das regiões favorecidas será
a primeira a se desenvolver. Assim, é de um modo geral reconhecido
que o processo de desenvolvimento implica, necessariamente, em
desigualdades inter-regionais (ou até internacionais) nas taxas de
crescimento.19
Urna vez formadas, as taxas desiguais de crescimento tenderão
a se perpetuar, senão a se acentuar, porque, " . . . ao.se concentra-
rèm num determinado centro, a indústria e o comércio proporcio­
nam a este uma vantagem para o desenvolvimento ulterior”. 20
A menos que existam razões especiais em contrário, as novas firmas
tenderão a se estabelecer nas regiões já em crescimento, pois as
economias externas tornam mais remunerador o investimento nessas
regiões. Tais economias externas consistem em fonte mais acessí­
vel de mão-de-obra qualificada, acesso imediato a uma ampla va­
riedade de bens e' serviços auxiliares que não precisarão ser impor­
tados, etc. Embora a razão inicial para o crescimento mais rápido
da região possa ter sido uma vantagem de ordem geográfica, " . . . é

18 Hicks, J. R., Essays in w orld economics. Oxford, At The Qarendon Press,


1959, p. 163; outra exposiçSo, e ainda mais conhecida, sobre as desigualdades
regionais é a de Myrdal, Gunnar. Economic theory and under-developed regions.
London, Dukworth, Geraldo Co., Ltd., 1957, acp. 3.
18 Hirschman também acentua o fenômeno: “Seja qual for a razão, n3o pode
haver dúvida de que uma economia, para alcançar maiores níveis de renda,
necessita primeiro desenvolver, dentro de si mesma, um ou mais. centros re­
gionais de força econômica” ; ver Hirschman, A. O. The strategy of economic
development, p. 183. A mesma idéia foi expressa em muitos dos textos de
Perroux, que fala em termos de “pólos de crescimento” (pôle de croissance);
ver, por exemplo, Perroux, François. Note sur la notion de pôle de croissance.
Economie Âpliquée, t. 7, n. 1-2, p. 307-200, jan ./ju n . 1965.
a» Hicks. op. cit. p. 163.

145
J
8. Epílogo da l.a edição

8.1 Conclusões analíticas

Este estudo teve como propósito principal descrever e analisar ;ò.:


processo de industrialização substitutiva de importaçoes, no Brasil,
bem como seu im pacto sobre a economia do pais. Impulsionou ò
processo a retração dos mercados internacionais para os tipos' de -
produtos que o Brasil tradicionalm ente exportava. Ela tom ou mais
difícil ao país alcançar e conservar um elevado índice de crescimento
econômico, a menos que um a transformação radical na estrutura
de sua economia tornasse suas atividades internas menos dependen­
tes da exportação de seus produtos tradicionais.
Os instrum entos de política de que se lançou m ão (como o
controle cambial, as tarifas etc.) foram a principio utilizados,
principalm ente, para enfrentar as dificuldades no balanço de paga­
mentos nos fins da década de 40 e princípios da de 50; o estímulo
que proporcionaram à indústria interna, em virtude de suas conse­
qüências protecionistas, não passavam então de m ero subproduto.
Somente no decênio de 1950 a 1960 é que os responsáveis p elo ’
país decidiram-se pela m udança a longo prazo da estrutura da'
economia através da industrialização e, dai em diante, os instru­
mentos de política passaram a ser usados mais conscientemente para
conduzir a economia nesta direção.
As medidas políticas que acompanhavam os altos protecionistas
provocaram um processo de industrialização bastante profundo. .Ou
as empresas avançavam consideravelmente na integração vertical, ou
se criavam firmas fornecedoras de tal modo que, decorrido pouco
tempo, a m aior parte dos produtos industrializados era quase total­
mente fabricada no país. Foram as seguintes as medidas que favo­
receram essa tendência: a aplicação rigorosa da lei que permitia
às firmas supridoras requererem proteção, desde que demonstrassem
sua capacidade de atender ao mercado interno; a criação de empre­
sas governamentais na indústria pesada e nos diversos elementòif
da infra-estrutura econômico-social è o financiamento de certas
indústrias básicas (através de um banco governamental de desén-,
volvimento).
A acentuada ênfase posta na integração vertical das indústrias
sugere ter havido um a tendência a m axim izar os efeitos globais
de linkages que tanto as indústrias novas como as antigas podiam
proporcionar ao país. A maximização dos efeitos internos de linka­
ges, uo país, teve grande repercussão am pliando o crescimento pro­
vocado pelo processo inicial de substituição das importações.
Não foi em preendida qualquer tentativa séria para selecionar
criteriosamente as indústrias a serem substituídas, de modo a desen­
volver um a estrutura industrial baseada nas vantagens comparativas
potencialm ente maiores para o Brasil. Além das dificuldades de
fazer previsões a respeito do desenvolvimento dos recursos, da tec­
nologia e da produtividade dos fatores de produção, é duvidoso
se uma política mais seletiva de industrialização, buscando a linha
das maiores vantagens comparativas, poderia ter proporcionado ao
pais taxas de crescimento tão elevadas quanto as efetivamente ocor­
ridas. Se o Brasil se tivesse concentrado, por exemplo, na expansão
das indústrias têxteis, de produtos alim entares e outros produtos
leves de consumo (admitindo-se que para esses produtos fossem
maiores as vantagens comparativas), não se pode garantir que as
oportunidades de exportação .para tais produtos fossem de magni­
tude suficiente para provocar grande expansão interna do emprego
e da renda c gerar divisas suficientes para atender às crescentes
necessidades de im portação.
As medidas de política conducentes à rápida integração vertical
do setor industrial (maximizando os efeitos de linkages no próprio
país), acarretaram tam bém um crescimento industrial bastante equi­
librado, isto é, a expansão sim ultânea de indústrias que, em grande
medida, relacionavam-se entre si como consumidoras dos respectivos
prod u tos.
A natureza dos dados estatísticos existentes no Brasil toína
difícil explicar com precisão o papel das relações intersetoriais no
financiam ento da expansão industrial do país. As informações
disponíveis sugerem ter havido transferência de alguns recursos da
agricultura para a indústria e os serviços. H á evidências de que
o setor de comercialização de bens agrícolas tenha-se apropriado
da maior parte do increm ento relativo dos preços de produtos agrí­
colas, c de epie não investiu seus ganhos na agricultura. Assina­
lamos também que, tanto no surto industrial dos anos 30, como
no que se seguiu à II G uerra M undial, afluíram para a indústria
recursos provenientes do setor exportador da agricultura, isto é,
logo que se tornou visível existir um mercado interno protegido
para os bens m anufaturados, o setor subsidiado de exportações
agrícolas passou a aplicar seus recursos na indústria.
Pode-se dizer que o aparelho governamental também concorreu
para a redistribuição de recursos da agricultura em beneficio da
indústria, através da concentração dos recursos públicos de inves­
tim ento no desenvolvimento da infra-estrutura econômico-social e
na im plantação de indústrias básicas destinadas a facilitar a ex­
pansão industrial, bem como atíavés do financiamento a longo
prazo de indústrias privadas pelo banco de desenvolvimento. Pe­
queno m ontante de fundos de investimento foi aplicado no setor
agrícola (e destinaram-se, principalmente, à produção para o
mercado interno). ■
As informações disponíveis sugerem ainda que o processo infla- j
cionário desempenhou, em parte, o papel de mecanismo destinado
a financiar a industrialização por meio da redistribuição da renda ■
em detrim ento dos consumidores (especialmente os assalariados) ;
e em benefício dos investidores, quer públicos quer privados. ' |
Em bora boa parte dos dados apresentados neste estudo tenha-se ;
referido à defasagem entre preços e salários, tanto na indústria ■'
como nos serviços públicos, é altamente plausível ter ela atingido :
também os assalariados agrícolas. Concorreram para permitir o
processo de poupança forçada não só a fragilidade de organização, j
dos trabalhadores, até o início da década de 60, como o afluxo \
maciço de mão-de-obra do campo para as cidades (a qual não :
podia ser absorvida com rapidez pelas novas atividades industriais). -1
" Finalm ente, também tiveram papel relevante no financiamento
do processo de expansão da economia, as poupanças de origem
externa, ou seja, o grande afluxo de capitais privados e oficiais, j
Elas não só proporcionaram recursos para fins de importação, como. |
trouxeram os conhecimentos e a tecnologia indispensáveis a muitas
das novas indústrias. , .... ........... .....
A ênfase exagerada na industrialização substitutiva de impor­
tações e o descaso em relação a outros setores, provocou desequi­
líbrios que poderiam prejudicar o crescimento ulterior da economia.
0 atraso do setor agrícola,1 além de acarretar tensões sociais ■—
tanto nas zonas rurais em que continuaram a prevalecer as arcaicas
relações de propriedade, como nas cidades, em virtude da alta
relativa dos preços dos gêneros e das situações de escassez — pode
prejudicar seriamente o crescimento da indústria no' futuro, através
da elevação desproporcional dos custos de subsistência das massas
citadinas e /o u obrigando ao gasto de divisas para importar quanti­
dades cada vez maiores de alimentos.

1 Excluímos no caso o setor agricola de exportação, altamente beneficiado por


subvenções do governo, Não se pode alegar que a industrialização do pós-guerra
tenha sido feita às expensas do setor tradicional de exportaç5o.
O crescimento futuro pode também ser prejudicado pela
negligência em que caíram a educação* e determ inadas instalações
da infra-estrutura econômico-social. Do mesmo modo, nada pode
pressagiar de bom o descaso pelo setor exportador, um a vez que
nada foi feito para diversificar as exportações em consonância com
a estrutura econômica interna em processo de m udança, princi­
palm ente se levarmos em conta a extensão da dívida externa que
o país terá de pagar um dia, e as necessidades não avaliadas de
importações vitais (como a de combustíveis) '
Os desequilíbrios regionais acentuados pela industrialização,
não constituíram necessariamente um elemento frenador do cres­
cimento continuado, embora deva ser levado em conta que o em­
pobrecimento progressivo de um a grande região como o Nordeste
possa im pedir o desabrochar de um grande mercado potencial para
a crescente produção m anufatureira do país. Vimos, porém, que a
acentuação do desequilíbrio era insustentável do ponto de vista
político imediato, de m odo que ele precisou ser atenuado através
de políticas governamentais destinadas a atrair e até a transferir
diretam ente recursos das regiões dinâmicas para as regiões estag­
nadas.
Poderiam ter sido evitados esses diversos desequilíbrios seto­
riais? A resposta é negativa, como prim eira aproximação, por uma
série de razões econômicas e políticas. A alocação unilateral de
recursos era praticam ente inevitável, no início, dada a escassez de
recursos para investimentos e o grande vulto dos fundos necessá­
rios para criar um setor industrial amplo e bem integrado.2 Em­
bora se possa alegar que a sustentação do setor cafeeiro tenha
provocado o desperdício de muitos recursos que poderiam ter sido
utilizados para financiar o desenvolvimento de algumas das áreas
atrasadas, tratava-se de um a condição política que não poderia ter
sido modificada.
Levando-se em conta certos aspectos sociopolíticos, pode-se
dizer que antes da industrialização teria sido impossível efetuar
mudanças estruturais em alguns setores que se atrasavam. É tão
grande o poder político dos interesses vinculados às zonas rurais
e a outras seções da sociedade, que teria sido impossível deslocá-lo
antes da criação de um novo e poderoso setor econômico-social.
Desse modo, apesar do descaso em que caíram m uitos setores, a
industrialização deveria prosseguir até que o aguçamento das tensões

- Neste ponto, nossa exposição soa até como se sempre tivesse havido um órgão
central de planejamento a tom ar essas decisões de maneira deliberada. Recordar-
se-á que, como expusemos no capítulo 4, tal não se deu, sendo, aliás, bastante
desordenado o processo de formulação de decisões no Brasil. Não obstante,
do ponto de vista ex post, as várias políticas seguidas obedeceram a um padrão
bem definido.

174
provocadas pelos desequilíbrios fosse capaz de forçar um a m udança
radical das instituições econômicas e sociais da agricultura, bem
como na educação e em outros domínios. Do ponto de vista
econômico, pode-se tam bém alegar que somente depois da criação
de certo m ontante de capacidade de produção industrial poder-se-ia
dispor dos recursos necessários para atu ar sobre os setores retarda­
tários. É um a interpretação que nos aproxim a m uito da conhecida
análise seqüencial de H irschm an.3
N a segunda parte deste capítulo adotarem os o ponto de vista
segundo o qual, a crise brasileira dos prim eiros anos da década de
60, pode ser interpretada como conseqüência de ter o país alcançado
aquele ponto em que certos desequilíbrios terão de ser enfrentados
e corrigidos, para que não seja prejudicado o crescimento ulterior.
Ao fazermos este trabalho, trava-se- n a Am érica L atina um
debate que poderá ter algum a relevância para a situação brasileira.
Argumenta-se que, para m uitos países como o Brasil, a industria­
lização baseada na substituição de importações representou um a
força dinâm ica capaz de gerar elevados índices de crescimento eco­
nômico. Virá o momento, porém, em que o processo substitutivo
terá chegado ao fim. M uitos países ingressarão, a p artir desse ponto,
num longo período de estagnação. A razão para isto está em inexistir,
mesmo nos países maiores, mercado suficiente para ocupar plena­
m ente a capacidade produtiva instalada (deve-se recordar que no
Brasil, por exemplo, criou-se um a indústria bastante desenvolvida
de bens de capital). Não se tendo modificado a distribuição da
renda, o processo de industrialização deixou de elevar o poder
aquisitivo das massas em consonância com a am pliação da capaci­
dade de produção. \Em alguns países alega-se até existirem evidên­
cias de que a industrialização tenha acarretado redistribuição da
renda em benefício das classes mais ricas.4 O único caminho para
rom per a estagnação em diversos desses países é em preender um a
série de profundas reformas sociais (reform a agrária, reform a tri­
butária) que redistribuam a renda e, desse modo, criem o nível de
procura efetiva necessária à plena ocupação da capacidade e à sua
ulterior expansão.

3 Hirschman, A. O. The Strategy of Economic Developm ent, cap. 5.


* Navarette, Ifigênia M. de. La distribución dei ingreso y el desarrollo eco­
nómico de Mexico. México, D.F. Instituto de Investigaciones Económicas, Escuela
Nacional de Economia, 1960. Argumento interessante, por vezes avançado, é
o de que as novas indústrias criadas nos paísef em desenvolvimento, em virtude
de a tecnologia não ser m uito flexível, estão adotando processos que exigem
densidade de capital relativamente elevada. Se adm itirm os que a relação
capital/trabalho tenha alguma influência sobre a distribuição da renda, isto
implicaria em m aior concentração desta em favor das classes capitalistas, mesmo
se a renda per capita dos trabalhadores das novas indústrias for superior à
média dos salários.

175
É difícil avaliar a aplicabilidade dessa argum entação ao Brasil.
Não há dúvida de que o processo de industrialização criou ou
am pliou no Brasil um a am pla classe m édia, bem como um a classe
de assalariados dotada de poder de com pra m uito superior à que
existia ao findar a II G uerra M undial. íA explicação dada pelos
defensores da tese da estagnação terá sem dúvida certas raízes, se
a estagnação iniciada no Brasil em 1961 prosseguir através da década
de 60. (Q uanto a nós, procurarem os explicá-la como um fenômeno
de curto prazo e mais em termos da análise do desequilíbrio que
foi exposta.) Esperamos que novos dados tornem-se disponíveis breve­
mente a fim de que possa ser testada a hipótese de estagnação.

8.2 A crise do início da década de 60

A análise feita nesta m onografia baseou-se, fundam entalm ente, nos


acontecim entos até 1961. U m a série de razões justifica esta limitação.
Em prim eiro lugar, ao empreendê-la, só se dispunha, para 1962
e 1963, de estimativas gerais e aproxim adas das contas nacionais,
e assim mesmo sem os detalhes indispensáveis a um a análise mais
profunda. Em segundo lugar, 1961 assinala o fim de um a era
caracterizada por rápido surto de industrialização, negligência pelos
setores não industriais (agricultura, educação etc.), e por elevadas
taxas de inflação que, em parte, serviram para redistribuir a renda
dos consumidores em benefício das classes produtoras. Ao se iniciar
o decênio dos anos 60, a pressão dos desequilíbrios setoriais e as
reivindicações trabalhistas e de outros grupos sociais afetados pelo
processo inflacionário, são de tal vulto que sua solução exige pro­
fundas reformas, de m odo que o crescimento ulterior só se poderá
dar sob regras bem diversas.
Em 1961 o Brasil alcançou um dos seus mais elevados índices
de crescimento: 7,7%. Os ritm os de crescimento dim inuíram consi­
deravelm ente nos dois anos seguintes. As estimativas prelim inares
situam em 3,7% para 1962 e 2,1% para 1963, o aum ento real do
produto interno bruto. Como a população se expande a 3,1% ao
ano, a renda per capita efetivam ente dim inuiu em 1963. No mesmo
período a inflação atingiu a alarm ante taxa de 50% em 1962,
ultrapassando os 80% em 1963.
A perm anente crise política em que viveu o país desde a
renúncia de Jân io Quadros, em agosto de 1961, parece ter consti­
tuído a causa im ediata da estagnação que se seguiu àquele ano. Jân io
foi eleito com o apoio maciço da população brasileira. Começava a
pôr firm em ente a m ão no problem a das reformas econômico-sociais
e havia sinais de que a inflação começava a ser controlada. R e­
nunciou face à resistência do Congresso a seu program a cle reformas.

176
O Vice-Presidente João Goulart, eleito por parcela bem inferior a
50% dos votos, só pôde assumir o governo depois de drasticamente
reduzido o seu poder, que foi forçado a partilhar sob um sistema
parlamentarista criado para isso. O ano de 1962 foi marcâdo pela
porfiada luta entre o Congresso e o presidente e, portanto, pela
falta de liderança firme. Caracterizou-se, ainda, pelo aguçamento
da agitação política contra o capital estrangeiro e pelos reclamos em
prol de seu controle. Em outubro de 1962 foi aprovada uma lei de
remessa dos lucros destinada a controlar e limitar severamente as
remessas de lucros pelas empresas estrangeiras. Só poderiam remeter
o máximo de 10% do valor original de seus investimentos.
O plebiscito realizado em janeiro de 1963 devolveu ao presi­
dente todo o seu poder. Goulart, porém, não demonstrou firmeza
diante dos problemas do país. N o que toca à inflação, por exemplo,
sua fraqueza o conduzia a ceder tanto aos reclamos dos sindicatos
como dos homens de empresa, reajustando os salários com maior
freqüência e em maiores proporções do que anteriormente, ao mes­
mo tempo que abria mão de significativas restrições de crédito e
da eliminação dos subsídios à importação de combustíveis e papel
de imprensa. Disso resultou uma inflação desenfreada e de natureza
altamente contraproducente, pois nem sequer redistribuía as par­
celas de renda dos consumidores para os investidores.
Goulart tinha consciência da necessidade de profundas refor*
, mas econômicas e sociais, mas nunca assumiu o seu encaminhamento.
Usava a bandeira das reformas como arma demagógica, agitando
uma plataforma reformista sem formular programas concretos para
as reformas agrárias, tributárias etc. Jogava uma classe contra a
outra, terminando por perder o controle da situação e sendo derru­
bado a l 9 de abril de 1964.
Não é de admirar que em semelhante clima de efervescência
política, tanto os investidores nacionais como estrangeiros tenham
restringido drasticamente suas atividades. O afluxo de capitais
autônomos de natureza privada declinou de US$ 108 milhões, em
1961, para US$ 71 milhões, em 1962 e US$ 31 milhões em 1963.
Embora ao fazermos este trabalho ainda não se disponha de dados
relativos ao investimento realizado em 1962 e 1963, a retração das
atividades de investimento refletiu-se na queda do índice do cres­
cimento da indústria do nível de 12%, em 1961, para 9% e 1,9%
respectivamente, em 1962 e 1963. A diminuição de ritmo foi também
provocada pelo grave racionamento de energia na área Rio—São
Paulo, em parte resultado da severa estiagem ocorrida em 1963 e,
em parte, dos colapsos e carências no sistema infra-estrutural.
Também tiveram sua parcela de influência as inúmeras greves
desencadeadas em 1963, como reflexo da crescente agitação política
e da diluição do controle governamental sobre os sindicatos.
N a segunda metade de 1964, havia sinais de que o novo governo
chefiado pelo Marechal Castello Branco, começava a controlar os
problemas imediatos e mediatos. Em agosto foi formulado um
Program a de Ação do Governo Revolucionário, para curto prazo,
com o objetivo de deter a inflação (lim itando a expansão do crédito,
subordinando as elevações de salário ao aum ento da produtividade
e elevando as receitas tributárias m ediante diversas reformas na
adm inistração fiscal) e estim ular a produção. Esperava-se estimular
a produção m ediante um am plo plano governamental de construção
de residências populares, que ao mesmo tempo, inrentivaria as
indústrias básicas fornecedoras da construção civil e daria saída ao
problem a social representado pela aguda carência de habitações nas
cidades. As modificações introduzidas na lei de remessa de lucros
e o acordo de pagamentos realizado em função d a nacionalização
dos serviçoS de utilidade pública que pertenciam à American and
Foreign Power concorreram substancialmente para restaurar a
confiança da iniciativa privada internacional no Brasil e, pelos fins
de 1964, já havia sinais de que o capital privado começaria a
reingressar no país.
Com a publicação do Estatuto da T erra, e sua remessa ao
Congresso em outubro de 1964, o governo Castello Branco deu
mostras de estar disposto a enfrentar os desequilíbrios socioeconô-
micos subjacentes. O estatuto aborda o problema da propriedade
da terra através do mecanismo fiscal, tributando pesadamente o uso
ineficiente da terra (e as terras deixadas ao abandono) segundo
taxas progressivas.5 Além disso, contém dispositivos que permitem
a expropriação pura e simples da terra, m ediante indenização em
títulos (que substitui o pagamento em moeda previsto na Consti­
tuição). A feroz oposição que o projeto suscitou nos círculos conser­
vadores do Congresso é um sintom a do seu gume, bem como do
espírito decidido de que está im buído o governo. Nos fins de
1964 o governo Castello Branco empenhou-se em medidas reformis­
tas similares no dom ínio dos impostos, da adm inistração pública e
de outro mais. Resta ver até que ponto terá êxito em conseguir sua
aprovação e implementação.
M inha impressão pessoal é a de que a crise política e econômica
que o Brasil atravessa nos albores da década de 60 é, em parte,
conseqüência do próprio êxito no esforço de industrialização em­
preendido no decênio anterior. O florescimento de um moderno

5 Ao escrevermos este trabalho (1965) ainda não estava estabelecido se a autori­


dade coletora será a União ou os estados. A implementação será provavelmente
melhor e mais eficaz se ocorrer a prim eira hipótese. *
• O emprego do imposto territorial para fins de reforma agrária, que o autor
aponta como o aspecto mais positivo do Estatuto da T erra, foi retirado do
projeto original que perdeu, assim, grande parte de seu mérito. (N.T.)

178
setor industrial pôs em destaque o atraso da agricultura, da edu­
cação, da m áquina adm inistrativa do Estado etc. E o atraso destes
setores ameaça agora o prosseguim ento da expansão do país. O
êxito da industrialização fez com que m uitos grupos sociais tomassem
consciência das iniqüidades existentes no sistema social e econômico
do país, tornando-se politicam ente cada vez mais poderosas as reivin­
dicações no sentido de redistribuição da renda, tanto por meio
da reform a agrária, como pela proteção da renda real dos assala­
riados contra a inflação.
Os dirigentes do país estão, claram ente, diante de um dilema.
De um lado, inúm eras reform as socioeconômicas fazem-se neces­
sárias para que o desenvolvimento ulterior não se veja obstaculi-
zado. De outro, propósitos de justiça social tornam necessárias
m uitas reformas que podem pôr em perigo o crescimento —
especialmente a insistência dos grupos assalariados em obterem
m aior participação no produto interno bruto.
Os dois anos de governo João G oulart serviram apenas para
aguçar os conflitos e seus sucessores continuam a braços com a
necessidade de muitas reform as esscnciais. A estabilidade do regime
ficará seriamente com prom etida se essas necessidades não forem
atendidas. O dilema distributivo, isto é, a necessidade simultânea
de elevados índices de crescimento econômico e de distribuição
mais equitativa da renda, poderia ser solucionado na próxim a
década m ediante ‘substancial afluxo de capitais estrangeiros e m e­
diante um program a maciço de ajuda por parte dos Estados Unidos
e de outros países. N ão ficarei surpreendido se, dentro de uns
15 anos, desde que ocorra essa ajuda externa, o Brasil tiver cons­
truído um a base bastante forte que lhe perm ita alcançar, sim ulta­
neamente, elevados índices de crescimento econômico e justiça
social.

179
•rr
9. A economia brasileira nos anos 60 *

(Escrito em colaboração com Isaac Kerstenetzky)

Introdução

A principal característica da economia brasileira nos anos 60 foi


sua natureza oscilante. No início da década a economia ainda estava
apresentando as altas taxas de crescimento que haviam prevalecido
na m aior parte da década de 50. Nesses anos o crescimento foi devido
principalm ente ao processo de industrialização via substituição de
importações que havia sido acelerado por meio de vários tipos de
políticas governam entais.1 Em 1962, entretanto, a economia perdeu
seu dinamismo e seguiu-se um período prolongado de estagnação.
Apenas nos dois últimos anos da década recuperou-se o crescimento,
mas a esta altu ra ainda é m uito cedo para determinar se se trata
de um novo período de elevadas taxas de crescimento que poderão
prevalecer durante a m aior parte dos anos 70.
Nos primeiros anos da década de 60 a economia brasileira
sofreu altíssimas taxas de inflação, as quais foram gradualmente
reduzidas pelo regime instaurado após abril de 1964. Os governos
que determ inaram a política econômica no início dos anos 60 fize­
ram apenas esforços interm itentes e pouco vigorosos para combater
a inflação. Os governos de Jânio Quadros e João Goulart sentiam
que os intensos esforços de substituição de importações dos anos 50
haviam produzido ou acentuado os desequilíbrios estruturais na
sociedade e na economia. L idar com esses desequilíbrios pensava-se
ser tão im portante ou mais do que controlar a inflação herdada
dos anos 50. Por diversas razões, principalm ente de natureza não-
econômica, reformas básicas e mudanças estruturais não foram
realizadas nem a inflação foi controlada.
As ações do regime após 1964 também mostram interesse no
combate à inflação e nas reformas. Entretanto, o combate à inflação'
* Agradecemos a Cláudio M. Castro, Paulo H addad, Elton Hinshaw, W illiam
O. Thw eatt e Annibal Villela por valiosas sugestões.
1 1’ara análises detalhadas da industrialização por substituição de importações
nos anos 50 ver: cap. 3; Bergsman, Joel & Candal, A rthur. Industrialization:
past success and future problems. T h e economy of Brazil, ed. by Howard S.
Kl lis, Berkeley and Los Angeles. T h e University of Califórnia Press, J969,
p. 29-73; e Bergsman, Joel. Brazil's industrializalion and trade policies, New
York, Oxford University Press, 1970.
recebeu prioridade. Além do mais, a visão das reformas necessárias
segundo os governos após 1964 era algo diferente da do governo
deposto.
Uma coisa que parece clara quando se revê a década de 60
é que, durante a mesma, os diversos governos tiveram que lidar
com problemas criados pelo intenso processo de substituição de
importações dos anos 50. Enquanto aquela década foi um período
de iniciativa econômica — no sentido de que muitas medidas foram
déliberadamen te. tomadas para impulsionar a economia num pro­
cesso de intensa industrialização — os anos 60 foram uma década
de reflexo económico, um tempo durante o qual os ajustes às mu­
danças estruturais prévias eram o objetivo principal.
Nas páginas que seguem examinaremos o desempenho da
economia de acordo com a evidência estatística disponível, 2 passa­
remos em revista as medidas de política tomadas pelos sucessivos
governos durante os anos 60 e discutiremos as várias interpretações
do comportamento da economia durante o período em exame.

9.1 Uma descrição estatística da economia nos anos 60


O desempenho da economia brasileira é mostrado no quadro 9-1.
Como as taxas de crescimento alcançadas em 1960 e 1961 eram mais
altas do que a média de 6,7% no período 1956-62, esses anos per-
téncem ao período de elevada industrialização através de substitui­
ção de importações. O declínio começou em 1962 e a taxa média
de crescimento no período 1962-67 não chegou a 3,7%. Estimativas
preliminares mostram taxas de crescimento de 8,4 e 9,0% para 1968
e 1969, respectivamente. A produção industrial (ver coluna 4 do
quadro 9-1) que era o setor líder no período de substituição de
importações nos anos 50 e que cresceu a taxas anuais médias de
10% entre 1950 e 1962, caiu para uma taxa anual de apenas 3,2%
no período 1962-67. Após elevar-se a uma taxa de crescimento de
15% em 1968, esperou-se que ela caísse a menos de 10% em 1969.
O crescimento da produção agrícola foi semelhante ao observado
nos anos 50, isto é, taxas médias um tanto acima de 4% (a população
cresda à taxa de cerca de 3,2%); no entanto, conforme pode ser
visto no quadro 9-1 (coluna 3), houve alguns anos com desempenho
bastante baixo em meados da década de 60, principalmente devido
a secas e/ou geadas em várias partes do país. O quadro 9-1B tam-
* Infelizmente, ao escrevermos este artigo, os dacjos para os dois últimos anos
da década de 60 nSo estão disponíveis. O censo de 1970, que daria alguns dados
fundamentais sobre as mudanças na estrutura da economia não estará internam en­
te disponível antes de fins de 1974. Desse modo, a avaliação aqui feita é baseada nas
tendências observadas noi anos 60, as quais talvez devam ser corrigidas ligeira­
mente quando a totalidade das informações estatísticas sobre os anos 60 tornar-se
disponível.
bém mostra que durante a m aior parte dos anos 60 a taxa de
crescimento do consumo governam ental (coluna 10) c a formação
bruta de capital (coluna 11) foi pequena em relação ao fim dos
anos 50 e começo dos 60, enquanto que o crescimento da capacidade
de im portar do Brasil (coluna 12) foi m uito errático.
O quadro 9-2 m ostra que o desenvolvimento durante os anos 60
quase não produziu m udanças estruturais se as mesmas são medidas
pela contribuição de cada setor para o produto interno bruto. O
m arcante aum ento relativo da contribuição da indústria para o
PIB que caracterizou o período de 1947 a 1960 não foi observado
no período 1960-67. Voltaremos à im portância dessa tendência mais
adiante.
No quadro 9-3A apresentarem os várias relações macroeconômi­
cas. A coluna 2 m ostra um declínio notável no coeficiente de
investimento atribuível principalm ente a um declínio relativo
no investimento privado (ver coluna 4). É interessante observar
que a estabilidade do coeficiente de investim ento público,
conjuntam ente com o declínio relativo do coeficiente de consu­
mo do governo durante os anos 60 significa que o declínio nas
despesas reais do governo deu-se nos itens correntes e não nos
de capital. M uitos projetos de investim ento do governo eram a longo
prazo, financiados em parte por agências internacionais e governos
estrangeiros, e não podiam ser facilmente interrom pidos para satis­
fazer objetivos de estabilização. Em bora os anos 50 tenham sido
caracterizados por um a baixa relação increm ental capital/produto,
obviam ente não haveria m uito sentido em dar im portância ao fato
de que essa relação elevou-se substancialm ente nos anos 60. Como
veremos mais adiante, boa parte da economia estava trabalhando
abaixo da capacidade du ran te o período e o tipo de investimento
que mais caiu foi aquele que tinha curtos períodos de gestação
e relações m arginais ca p ital/p ro d u to mais baixas do que a dos
projetos de investim ento (principalm ente nos projetos públicos de
infra-estrutura) que foram prosseguidos. Por isso, não faria sentido
concluir com base nas mais altas relações ca p ital/p ro d u to dos anos
60 que isso representasse um a tendência de longo prazo para um a
m aior intensificação de capital e dessa m aneira para um a neces­
sidade de mais altas taxas de poupança, a fim de atingir taxas de
crescimento semelhantes às dos anos 50. 3
3 U m artigo recente e interessante chamou a atenção para o fato de q u e
as taxas de poupança foram razoavelmente constantes nos anos 50. Notar-se-á
que não houve nenhum a tendência para essa taxa elevar-se nos anos 60.
Isso contradiz a noção de que as taxas de poupança devem aum entar à medida
que o desenvolvimento prossegue. Até agora não houve resposta para esse
fenômeno. N aturalm ente, a aplicação das poupanças m udou no decorrer do
processo de crescimento e desse modo afetam as taxas de crescimento. Ver:
Leff, N. H. Marginal savings rates in the development process: the Brazilian
experience. The Ecunomic Journal, p. 610-23, Sep. 1968.

183
s!
Q u a d no 9-1

A) BRASIL: TAX AS D E CRESCIM ENTO REAL PO R SETO RES DA


ECONOMIA

Produto real Serviços

Ano Per. Agricul­ Indús­ Comér­ Transp.


Total cap. tura tria Total cio & comu­ Outros
nicações
(D (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8)

1957 8,1 5,0 9,3 B,7 9,0 9,6 7,8 8,8


1958 7,7 4,6 2,0 16,2 5,4 7,0 6,1 3,2
li 1959 5,6 2,5 5,3 11,9 1,2 9,3 9,6 -- 12,9
9É ' ' . 1900 9,7 6,5 4,9 9,6 13,0 5,9 17,3 20,0
li
II 1961 10,3 6,7 7,6 10,6 11,9 7,0 3,3 18,2
IP 1962 5,3 2,1 5,5 7,8 3,3 5,8 8,4 0,9
1963 1,5 - 1,5 1,0 0,2 2,8 0,0 7,8 3,5
1964 2,9 - 0 ,2 1,3 5,2 2,0 1,1 1,6 3,4
1965 2,7 — 0,4 13,8 -4 ,7 . 1,3 1,6 1,8 0,7
:j 1968 5,1 1,8 — 3,2 11,7 5,8 7,7 6,6 3,5
í 1967 4,8 1,5 5,7 3,0 5,8 4,4 7,8 6,3
?! 1968 8,4 5,0 1,5 13,2 — 8,4 8,8 —
1969 9,0 5,6 6,0 10,8 8,7 11,7 —■

Fonte: Centro de Costas Nacionais. Fundação Getulio Vargas.

B ) BRASIL: TAX A D E CRESCIM ENTO REAL DOS AGREGADOS


, MACROECONÔMICOS

Formação
Consumo Consumo do Capacidade de
bruta de
i Ano pessoal governo importar
J capital

(9) (10) (11) (12)


i -
■i
1 1957 6,2 3,5 13,4 — 6,0
1958 9,7 6,5 5,9 — 5,6
1959 1,8 6,7 12,9 15,3
1960 12,9 16,6 4,1 2,8
1961 9,1 10,0 5,1 8,2
1962 6,1 0,4 3,1 — 14,9
1963 1,4 7,1 — 2,8 13,5
1964 3,2 - 2,3 2,5 5,2
1985 2,7 — 6,9 - 2,6 11,8
1966 7,7 6,5 20,1 4,7
1967 5,1 6,8 1,9 - 6,2
1968 6,6 5,1 21,6 8,9

Fonte: Fundação Getulio Vargas; taxas de crescimento baseadas em agregados a preços de 1953.

184
Q uadro 9 -2

MODIFICAÇÕES NA DISTRIBUIÇÃO F U N C IO N A L 1-0


PRODUTO INTERNO BRUTO DO B R A S ll,

1939 1947 1953 1957 1960 19G6 1907 19C-S

E m preços corren­
tes
A gricultura 25,8 27,6 26,1 22,8 22,6 19,1 19,2 17,9
Indústria 19,4 19,8 23,7 24,4 25,2 27,2 26,2 28,0
O utros setores 54,8 52,6 50,2 52,8 52,2 53,7 5 4,õ 54,1

T otal 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100.0 100,0

Aos preços de 1953


A gricultura 30,0 26,1 24,6 22,2 21,9 22,0 20,5
Indústria 20,6 23,7 24,5 28,0 2S,8 28,3 29,3
O utros setores 49,4 50,2 50,9 49,8 49,3 49,7 50,2
T o tal ! 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Calculado com dados da Fundação Getulio-Vargas, Centro de Contas Naeiomu.-, e Con-
juntura Econômica,

De acorclo com os dados do quadro 9-3, o setor privado con­


tinuou a ser a principal fonte de poupanças na economia (vido
coluna 7) enquanto que as poupanças do governo foram na maioria
dos anos substancialm ente inferiores ao coeficiente de investimento
(compare colunas 3 e 8). Isto significa que estava havendo uma
transferência de recursos do setor privado para o setor público. Na
m aioria dos anos essa transferência foi do consumidor privado paia
o setor de investimentos do governo. No entanto, em 1961 e 196f>
houve tam bém algum a transferência de recursos das poupanças pri­
vadas para os investimentos públicos, de vez que naqueles anos as
taxas de poupança privada foram superiores às taxas de investimento
privado. No início e no meio da década de 60 essa transferência
foi em parte realizada através do processo inflacionário. 1 A contri­
buição das poupanças externas declinou substancialmente após
1962. As colunas 10 e 11 do quadro 9-3 indicam que a capacidade
de o governo arregim entar recursos através do mecanismo tributário
aum entou no fim da década de 60. Especialmente notável é a mais
alta percentagem da arrecadação de impostos diretos, que reflete
uma política deliberada do regime pós-1964 de fortificar o meca­
nismo de arrecadação do imposto de renda.

•í Ver o cap. 5 deste livro.


Q uadro 9-3

A) B R A SIL : PRINCIPAIS RELAÇÕES MACROECONÔMICAS


(Todas as variáveis em •percentagens do PIB )

Investim ento to ta l Consumo


Investi­
Ano Com Sem m ento
In v esti­
estoques estoques • m ento do privado
P rivado Governo
governo
(D (2) (3) (4) (5) (6)

1957 16,6 14,2 3,9 10,3 71,5 12,5


1958 17,5 16,2 4,7 11,6 70,7 12,4
1959 21,5 18,5 4,3 14,2 66,9 12,5
1960 18,4 16,9 4,7 12,2 69,6 13,3
1961 19,4 17,2 4,3 12,9 67,8 13,3
1962 20,3 17,9 4,5 13,4 68,6 12,7
1963 18,7 17,6 4,1 13,5 68,4 13,3
1964 18,6 16,5 4,2 12,3 67,6 12,7
1965 18,4 14,7 4,4 10,3 67,6 11,5
1966 15,2 15,3 4,0 11,3 72,3 11,6
1967 15,2 14,4 4,5 10,0 73,0 11,9
1968 13,1 12,5 4,1 12,5 71,8 11,5

Poupanças
Deficits E x p o rta­ Im por­
Im pos­ Im pos­
do ções de tações
tos in­ tos
Ano balanço bens & de ser­
P riv a d a diretos diretos
Governo de paga­ serviços viços
liquida
m entos
' (7) (8) (9) (10) (11) (12) (13)

1957 8,6 1,8 1,2 11.2 5,8 6,1 6,7


1958 6,8 4,5 1,2 13,9 6,0 6,1 6,7
1959 10,3 4,6 1,7 14,8 6,0 6,7 7,7
1960 6,6 4,7 2,1 14,4 5,7 6,1 7,4
1961 12,0 1,3 1,1 12,8 6,0 6,9 7,4
1962 13,1 -0 ,2 2,6 12,5 5,2 5,1 6,8
1963 12,4 0,3 1,0 12,8 5,2 9,7 10,1
1964 14,3 - 0,2 - 0,4 13,9 5,4 7,5 6,4
1965 14,1 0,9 - 1,5 15,0 6,8 8,8 6,3
1966 7,2 2,9 0,1 16,5 7,6 7,6 6,7
1967 8,5 0,5 1,2 15,3 8,1 6,6 6,7
1968 7,6 3,2 1,6 17,9 8,8 6,9 7,6

186
Quadro 9-3

B) FIN A N C IA M EN T O DA FORM AÇÃO BRUTA DE CAPITA L (% )

Poupanças Poupanças Financiam ento


Ano privadas Total
públicas tx te m o
bru tas

1957 81,9 11,1 7,0 100,0


1958 67,0 25,9 7,1 100,0
1959 71,0 21,2 7,8 100,0
1960 62,9 25,7 11,4 100,0
1961 87,3 6,9 5,8 100,0
1962 8S,6 - 1,2 12,6 100,0
1963 92,9 1,6 5,5 100,0
1964 103,2 - 1,0 - 2,2 100,0
1965 103,4 4,7 - 8 ,1 100,0
1966 80,0 19,3 0,7 100,0
1967 88,8 3,5 7,7 100,0
1968 72,3 18,4 9,3 100,0

Fonte: FundaçSo Getulio Vargas, Centro de Contas Nacionais e Conjuntura Econômica.

Para com pletar essa visão global do desempenho da economia


brasileira nos anos 60, é de se notar que o coeficiente de comércio
internacional (considerando-se quer as exportações quer as impor­
tações de bens e serviços como um a proporção do PIB), não exibiu
nenhum a tendência pronunciada, como se observou durante o
período que vai do fim da década de 50 ao início da de 60, quando
ele caiu cerca de seis pontos de percentagem (de cerca de 14 para 7
a 8%). Comentaremos sobre a im portância da estabilidade desse
coeficiente em um a seção posterior. Finalm ente, o quadro 9-4 mostra
que a taxa de inflação acelerou no início dos anos 60, alcançando
um máximo em 1964 (a taxa anual no meio daquele ano ultra­
passou 100%), reduzindo-se gradualm ente em seguida, não obstante
no fim dos anos 60 a taxa de inflação ter sido ainda mais alta do
que em qualquer época dos anos 50.
Antes de in terp retar o desempenho global descrito, é neces­
sário rever brevem ente as medidas de política que foram seguidas
pelos sucessivos governos durante a década.
Q üadbo 9 -4
TAXAS D E CRESCIMENTO: PREÇOS, OFERTA DE
M OEDA E D ÉFIC IT FED ERA L EM % DO PIB

Oferta de moeda Déficit


Custos de Preços por federal
Ano vida na atacado em % do
Depósitos Oferta
Guanabara (sem café) Papel- PÍB
à total de
moeda vista moeda

1957 16,5 14,3 20,9 40,0 34,1 3,3


1958 14,6 14,4 23,5 20,5 21,3 1,8
1959 13,9 42,9 27,0 47,8 41,9 2,7
1960 29,3 31,5 33,1 39,8 38,1 2,8
1961 33,2 40,3 51,5 50,3 50,6 3,4
1962 51,5 50^1 55,1 65,6 63,1 4,3
1963 70,8 76,4 72,3 81,9 64,3 4,3
1964 91,4 81,3 69,0 91,4 85,9 3,2
1965 65,9 53,6 49,7 82,8 75,4 1,6
1966 41,3 40,7 35,4 10,2 15,0 1,1
1967 30,5 26,6 25,7 47,5 42,6 1,7
1968 22,3 23,1 38,6 44,1 43,0 1,2
1969 22,0 20,0 31,9 32,5 32,4 0,6

Fonte: Conjuntura Econômica, Boletim do Banco Central, e dados fornecidos pela Fund&çSo Getulio
Vargu.

0.2 A política econômica nos anos 60

As altas taxas de crescimento em 1960 e 1961 refletiram o resultado


das políticas de -substituição de importação adotadas.5 Elas consis­
tiram em forçar a industrialização via substituição de importações
tanto do ponto de vista extensivo como intensivo, fortalecendo os
elos linkages internos enquanto se descurava da modernização de
outros setores da economia, especialmente a agricultura e dando
pouca atenção a forças perturbadoras que estavam sendo produzidas
pelas políticas do govérno, especialmente as crescentes taxas de
inflação.
Quer se simpatize quer não, com a estratégia de desenvolvi­
mento adotada nos an os.50, tanto os críticos como os defensores
daquela estratégia concordariam provavelmente que ela deixou um
legado de problemas que os formuladores de política, nos anos 60,
teriam que enfrentar a fim de assegurar crescimento e desenvolvi-

o Para um sumário dessas políticas, ver caps. 3 e 6 do presente volume;


T i v k o , Maria da Conceição. The growth and decline of impovt subsiitution
ln brsuil, ECLA, Economic bulletin for Latin .■imrnYn, v. n. 1, M.u. HHil;
Lessa, Carlos. Fifteen years of economic policy in Brazil. ECLA, Economic
Bulletin fo r Lalin America, v. 9, n. 2, Nov. 1964.
mento econômico contínuos. Não apenas a agricultura havia sido
negligenciada,0 como também a inflação estava atingindo taxas tais
que q u alquer possibilidade de ela contribuir para o crescimento
através do mecanismo de poupanças forçadas estava desaparecendo
e ela estava atuando principalm ente como um a força de distorção
na alocação dos recursos. A acentuação das desigualdades que o
crescimento industrial havia causado, ou seja, a distribuição desigual
dos benefícios do crescimento do ponto de vista regional, setorial
e das classes de renda, estava produzindo crescentes pressões sociais
para que fossem tomadas medidas adequadas. H avia também pres­
sões para tratar do problem a representado pelo atrasado sistema
educacional que há longo tempo havia sido negligenciado, tanto
no que se refere ao suprim ento de pessoal m elhor qualificado para
o m oderno setor industrial, como também para possibilitar maior
m obilidade social e dessa m aneira perm itir o acesso aos frutos da
industrialização a um a m aior percentagem da população. Final­
mente, havia as crescentes pressões no balanço de pagamentos prove­
nientes do fato de que parte do crescimento nos anos 50, especial­
m ente na segunda metade, foi financiado «por um substancial influxo
de capital estrangeiro, tanto sob a forma de investimento direto
como de empréstimos. N o início dos anos 60 a dívida externa do
Brasil já havia alcançado mais de US$ dois bilhões dos quais uma
grande parte era a curto prazo, e tanto os pagamento de juros e
amortização, como as remessas de lucros das empresas estrangeiras,
produziam crescentes dificuldades no balanço de pagamentos. O fato
de que a política de substituição de importações havia sido unila­
teral, que se tenha descuidado da promoção de exportações e/ou da
sua diversificação, estava-se tornando agora um problem a im por­
tante.
O breve governo Jânio Quadros estava a par de muitos desses
desequilíbrios na economia e tentou resolver alguns deles. Foi feito
um esforço firm e para lidar com a inflação. Simplificou-se o sistema
de taxas m últiplas e os subsídios inflacionários às importações
essenciais, como trigo e petróleo, foram substancialm ente reduzidos.
Em bora isso tenha elevado os preços de itens de consumo tais como

o A agricultura não havia sido inteiram ente abandonada uma vez que alguns
investimentos em instalações de comercialização e serviços de extensão foram
realizados. Além disso, a agricultura expandiu-se satisfatoriamente q u a n d c o m ­
parada com o crescimento da população; entretanto, vários especialiín, %':o
de opinião que isso deu-se mais devido à agricultura extensiva do que u ',;m
autnei/to de produtividade nas áreas agrícolas. Existe ainda substancial concor­
dância em que as condições sociais para maioria da força de trabalho agrícola
continuou precária (no início dos anos 60 mais de 50% da população ainda
era r u r a l) . Ver Chacel, Julian. T h e principal characteristics of the agrarian
siruciure and agrieultural produetion in Brazil. Smith, Gordon W. Brazilian
agricultural policy, 1950-1957. Ambos em Howard Ellis ed. op. cít.

189
pão e passagens de ônibus, ajudou o governo a reduzir o deficit
orçam entário. Além disso o governo Jân io Q uadros impôs a con­
tenção de crédito e congelamento salarial e iniciou um severo
program a de dim inuição das operações governamentais. Em meados
de 1961 já havia algum a evidência de que o crescimento d'a inflação
estava dim inuindo e os credores externos do Brasil começaram a
olhar o país com mais sim patia. U m elem ento que exerceu um certo
papel na confiança dos credores estrangeiros foi o fato de os p ri­
meiros anos da década dos 60 terem m arcado o início da Aliança
Para o Progresso, de Kennedy, que supostam ente favorecia governos
especialmente reformistas. H á pouca dúvida de que os esforços
objetivando reformas estruturais e o vigoroso esforço de estabilização
estavam entre as principais causas das fortes pressões sobre Jânio
Q uadros que causaram sua renúncia à presidência. 7
Os turbulentos anos a p artir d a renúncia de Jânio Q uadros em
agosto de 1961 até à deposição do governo G oulart em abril de
1964, foram vazios de qualquer lin h a consistente de política eco­
nômica. Isso foi devido à falta de liderança dem onstrada pelo Pre­
sidente João G oulart e, na prim eira parte de sua adm inistração, a
circunstâncias que não haviam sido diretam ente causadas por ele.
G oulart só teve permissão de assumir a presidência após ter con­
cordado que dividiria o poder com um a forma de governo parla­
m entar recentem ente criada. T a l fato confundiü as linhas de
autoridade e não surgiu nenhum a liderança clara. E ntretanto, após
um plebiscito em 1963 que restaurou total poder à presidência,
G oulart revelou-se um hom em fraco subjugado por pressões, de gru­
pos diversos. Houve tentativas para se conseguir a estabilização, logo
abandonadas quando ele não conseguia resistir à dem anda dos lí­
deres trabalhistas para rápidos ajustes salariais, à dem anda dos
homens de negócio p ara atenuar as restrições creditícias, à préssão
de vários grupos para não abandonar as taxas d e câmbio de sub­
sídio com efeitos inflacionários para a im portação de petróleo e
trigo e para não reajustar as tarifas de serviços públicos e trans­
portes, de acordo com a elevação dos níveis de preços. Essa últim a
política criava mais pressões inflacionárias através de aum entos nos
deficits dos orçamentos públicos. ®
D u rante o'governo G oulart, grupos que dem andavam reformas
institucionais básicas e políticas mais nacionalistas em relação ao
capital estrangeiro, tornaram -se crescentemente exigentes e tiveraíii

" Para maiores detalhes sobre a situ ação . política do período, ver Skidmore,
Thomas E. Politics in Brazil 1930-1964, an experim ent in democracy. New
York, Oxford University Press, 1967, cap. 6.
8 Baer, W erner; Kerstenetzky, Isaac & Simonsen, Mário H . T ransportation and
inflation: a study of irrational policy-making in Brazil. Economic Development
and Cultural Change, Jan. 1965.

190
influência substancial sobre o presidente; A agitação pelas refonnas
agrária e fiscal cresceu, mudanças institucionais n a estrutura edu­
cacional do país e um controle m aior sobre as atividades do capital
estrangeiro (e em alguns casos, desapropriação) foram demandadas.
G oulart simpatizava com essas forças que desejavam drásticas refor­
mas socioeconômicas, usava seus argumentos em seus pronuncia­
mentos, mas falhou na im plementação de programas concretos.
Algumas medidas foram tomadas no período, tais como um a
severa lei de remessa de lucros (aprovada pelo Congresso em outubro
de 1962), e um Plano T rienal foi elaborado no início de 1963,
que devia controlar drasticamente a inflação e lid ar, sistematica­
m ente com os principais desequilíbrios da economia. Este plano
foi logo arquivado quando se tornou óbvio que o governo não
tin h a nem os meios nem a vontade de im por algumas de suas m edi­
das de estabilização e reformas. A falta de controle político, a
contínua agitação por reformas e contra o capital estrangeiro, teve
como resultado crescentes e severos problemas econômicos. A um en­
taram os deficits orçamentários e a taxa de inflação cresceu a níveis
de 50% e finalm ente a taxas anuais superiores a 100% em 1964.
Com as incertezas políticas, o investimento tanto privado como
estrangeiro declinou e a taxa de crescimento da economia decresceu
continuam ente em relação ao pico alcançado em 1961.
Logo após a deposição de G oulart, em abril de 1954, o novo
governo Castello Branco form ulou um program a de política eco­
nômica de curto prazo (Programa de Ação Econômica do Governo
— PAEG), que objetivava o controle da inflação e a correção das
distorções que haviam sido criadas no sistema econômico, devidas
tanto à rápida substituição de importações dos anos 50 como ao
longo período de inflação.8 Essas políticas foram continuadas sem
grande modificação pelo governo Costa e Silva que tom ou posse
em 1967.
M edidas clássicas de estabilização foram adotadas — corte das
despesas do governo, contenção de crédito e dos salários. O novo
governo fez esforços especiais para reduzir as despesas em vários
setores e aum entar as receitas pela m elhoria do mecanismo de
arrecadação tributária. Isso resultou em um aum ento real das
receitas do governo de 25% em 1965. A política salarial foi form u­
lada de modo a m anter os salários e ordenados em consonância com
os aum entos de produtividade. A política governam ental fez com
que os aum entos salariais se realizassem com um a decolagem em

9 Ver Programa de Ação Econômica do Governo 1964-66. R io de Janeiro,


Nov. 1964; para uma descrição e racionalização desse programa, ver Sitnonsen,
Mário H . Brazilian inflation: postwar experience and outcome of the .1964
reforms. In: Economic Development Issaes: Latin American Committee for
liconomic Development, Supplementary Paper n.° 21, Aug. 1967.

191
relação aos aumentos de preços, causando assim reduções substan­
ciais no poder de compra real dos trabalhadores. A contenção de
crédito foi de tal ordem que o total de crédito disponível na
economia durante os meados e fim da década de 60 foi inferior ao
dos anos iniciais da mesma. O comércio, a indústria e o crédito
pessoal sofreram o ônus dessa política, enquanto que o setor rural
ficou em melhor situação (ver quadro 9-5).
O regime após 1964 introduziu um grande núm ero de leis e
decretos que objetivavam eliminar as distorções herdadas do pas­
sado e estimular a atividade econômica. Eliminaram-se os subsídios
às importações de petróleo e de trigo. As tarifas dos serviços de
utilidade pública foram aumentadas de acordo com a taxa de infla­
ção. Embora essas medidas tivessem um impacto inflacionário ime­
diato, esperava-se que elas, em última instância, eliminassem os
deficits orçamentários do governo federal e desse modo reduzissem
as forças inflacionárias de longo prazo (o impacto inflacionário
dessas medidas foi chamado inflação corretiva).10 Foram realizados
esforços para modernizar os mercados financeiros. Instituições espe­
ciais de crédito foram criadas para auxiliar as pequenas e médias
empresas a financiar a compra de bens de capital. Uma inovação
importante foi a criação de instrumentos financeiros cujos valores
seriam sujeitos a reajustes periódicos de acordo com a taxa de in­
flação. O governo introduziu títulos reajustáveis, elim inando assim
parte do impacto inflacionário de seus deticits (isto é, os deficits
sendo financiados por títulos vendidos ao público seriam menos
inflacionários do que os títulos vendidos ac Banco Central, o que
equivalia a uma injeção de dinheiro novo na economia). N atu ral­
mente, essa medida teve também um impacto restritivo no mercado
de crédito privado, pois o governo estava agora, efetivamente, trans­
ferindo grande volume de fundos do mercado de capitais.
De grande importância foi a criação do Banco Nacional de
Habitação, autorizado a usar instrumentos de crédito que podiam
ser reajustados à taxa de inflação.11 Após um começo pouco ativo,
o Banco Nacional de Habitação teve um im pacto substancial no
ressurgimento do setor de construção civil no final dos anos 60.
Ainda é muito cedo para determinar a extensão do sucesso dos
instrumentos de crédito reajustáveis sobre o setor habitacional a

10 Para uma discussão da idéia de infla(So corretiva, ver o artigo de Baer,


Kerstenetzky e Simonien, citado na nota n.° 8.
11 Ver especialmente Simonsen. Mário H . Inflation and the money and capital
markets of Brazil. In: Howard, S. EUis (ed.), op. cit., p. 156-59. Esperava-se que
o Banco Nacional de HabitaçSo nSo só iria construir um mercado financeiro
para as atividades de construção, mas que isso era o melhor meio para estimular
as atividades de construção civil, que ajudaria a elim inar o grande dcficit
habitacional do país.

192
Q uadro 9 -5

S IS T E M A B A N C Á R IO DO B R A SIL — E M P R É S T IM O S AO SETO R
PR IV A D O
(.Aos preços de 1962 — 1962 = 100)*

Comércio Indústria Agricultura Pecuária Indivíduos T otal


Ano
Autoridades monetárias

1958 107 (7,6) 99 (17,7) 73 (8,4) 63 (3,1) 185 (0,5) 90 (37,4)


1959 78 86 69 55 56 76
19G0 95 82 71 67 35 79
1961 109 85 105 61 32 91
1902 100 100 100 100 100 100
1963 84 54 112 62 50 76
1964 67 68 118 56 38 80
1965 55 55 79 47 41 61
1966 51 63 97 69 147 72
1967 60 (4,0) 61 (10,0) 106 (8,4) 83 (3,9) 32 (0,1) 76 (29,4)
1968 89

Bancos comerciais Total geral

1958 102 (27,3) 83 (22,2) 95 (4,6) 80 (1,2) 97 (7,3) 93 (62,6) 92 (100,0)


1959 100 85 103 70 94 93 86
1960 111 94 109 81 104 103 94
1961 102 95 99 80 99 98 96
1962 100 100 100 100 ‘ 100 100 100
1963 83 96 112 96 > 75 90 84
1964 72 94 135 124 74 87 84
1965 77 107 162 149 84 97 83
1966 64 93 145 147 104 88 82
1967 80 (2,0) 116 (28,7) 192 (8,6) 243 (3,5) 139 (9,8) 112 (70,6) 98 (100,0)
1968 143

• Os números entre parênteses indicam a distribuição percentual dos empréatimos ao setor privado.
Font ;: Relatórios do Banco Central.

longo prazo. H ouve sinais — dem ora ou falta de pagamentos, con­


tração forçada de outras despesas de consumo — em 1969, de que
o ônus real das dívidas reajustáveis era excessivo para m uitos pro­
prietários de residências.
‘ Numerosas medidas foram tam bém tomadas para modernizai-
as operações do mercado de ações. Incentivos fiscais foram usados
para aum entar o fluxo de poupanças, aum entar o fluxo de fundos
de investim ento para regiões menos favorecidas do país — espe­
cialm ente o Nordeste, onde crescente im portância foi dada ao

193
irtigo 34/18 da Sudene para atrair fundos de investim entos12 —
: para aum entar e diversificar as exportações do país. Para atingir
:sse últim o objetivo, o governo estabeleceu um a instituição de i
:rédito à exportação, aboliu os impostos que incidiam neste setor
: simplificou substancialm ente os seus processos burocráticos. Em bora
enham sido feitas tentativas para reduzir as despesas do governo,
js investimentos públicos em infra-estrutura, como construções *
-odoviárias, projetos hidrelétricos (por exemplo, a barragem de
Boa Esperança no Nordeste, o vasto projeto hidrelétrico de Ilha
solteira em São Paulo), foram m antidos.
Os principais objetivos do governo desde 1964 eram reduzir
gradualm ente a taxa de inflação, elim inar as distorções de preços
; outras que a inflação havia introduzido, m odernizar os mercados
Einanceiros e restaurar um clima de confiança do investidor na
;conomia. Os formuladores de política pensaram que, em bora a
:urto prazo essas medidas requeressem alguns reajustam entos peno­
sos por vários grupos socioeconômicos (durante a m etade dos anos 60
houve um a constante admoestação pelos formuladores de política,
ao público, da necessidade de sacrifícios para restaurar a ordem
econômica), em últim a instância haveria um aum ento das poupan- j
ças disponíveis; essas poupanças seriam canalizadas para os setores
mais rem unerativos e desse m odo produziriam , a longo prazo, taxas
de crescimento satisfatórias. P ara os form uladores de política “ . . . o
principal problem a da economia era visto do lado da oferta. A <,
volta de um sistema de preços refletindo a escassez relativa e a
criação de melhores instituições para capturar as poupanças da
economia eram consideradas como a estrada real para um a taxa
mais elevada de crescimento econômico”. 13

9.3 Análise do desempenho da economia

São duas as principais questões analíticas a exam inar quando se


avalia o desempenho da econom ia brasileira nos anos 60. Prim eiro,
o efeito da inflação e seu controle e, m ais im portante ainda, as causas
e as implicações das taxas de crescimento mais baixas que prevale­
ceram du ran te o período.

12 O artigo 34/18 da Sudene possibilita aos investidores usar 50% de seu


imposto de renda em investimentos industriais no Nordeste.
M Baer, W erner & Maneschi, Andrea. Im port-substitution, stagnation and
strucniral change: an interpretation of the Brazilian Case. T h e Journal of
Dn'eh>t>ing Areas, Jan. 1971.-

194
9.4 Inflação

J á mencionamos as elevadas taxas de inflação atingidas no início


dos anos 60. Desde a m udança de regime em 1964, a taxa de in­
flação declinou gradualm ente. Isso ocorreu devido a um d ed ín io
mais ou menos constante na taxa de expansão do suprim ento de
moeda e a um a tendência constante à baixa d a relação do déficit
do governo federal e o PIB (ver quadro 9-4). É im portante observar,
ao se exam inar o quadro 9-5, que o crédito em termos reais con­
cedido pelas autoridades m onetárias e bancos privados já declinara
a p artir de 1962. U m a possível explicação para isso é que em 1962
houve um grande salto n a relação entre o déficit do governo fe­
deral e o PIB, indicando que grande parte do crédito real havia
sido apropriada pelo governo. O nível global de crédito reál ao
setor privado tanto pelas autoridades m onetárias como pelos bancos
comerciais não havia recuperado seu nível de 1962 no fim da década.
E ntretanto, as dificuldades dos diversos setores variavam conside­
ravelm ente. Assim, a restrição de crédito ao setor industrial e aos
indivíduos foi m aior do que ao setor agrícola.
U m fenômeno curioso na economia brasileira após 1964 é a
continuação, de altas taxas de inflação. Em bora as taxas tivessem
sido gradualm ente reduzidas pelas diversas medidas m encionadas,14
a taxa de inflação ao fim da década ainda era surpreendentem ente
alta se se levar em conta a duração do período du rante o qual u m
dos objetivos básicos do governo foi a estabilização dos preços. Isto
é especialmente curioso um a vez que durante a m aior parte, dos
anos 60 a taxa de crescimento da economia brasileira foi baixa e,
como se verá em seguida, muitos setores estavam trabalhando com
capacidade ociosa.
No quadro 9-6 tentamos indicar alguns dos setores que lideravam
ou se atrasavam na alta do índice do custo de vida e do índice de
preços por atacado. Isso foi feito*- " ' .do côm puto de um a relação
da alta de itens individuais no % custo de vida e a alta
global desse índice. U m procedimen^ ^ i u i l a r foi seguido para o
índice dos preços por atacado. Um a relação superior a 100 indica
que o item foi um dos setores que lideraram na elevação dos preços

l i H avia um a probabilidade de que no fim dos anos 60 existisse um volume


substancial de inflação reprimida; havia também pressão das autoridades
governamentais sobre vários setores industriais p ara evitarem altas de preços.
Por exemplo, as usinas siderúrgicas (muitas de propriedade do governo) não
eram autorizadas a elevar seus preços de acordo com a alta de custos; outras
indústrias eram persuadidas a não elevarem seus preços sob pena de não terem
acesso a crédito nos bancos do governo.

195
(liderai é usado aqui para indicar pressão relativa sobre o nível
de preço, ao invés de indicar tempo). O leitor pode ver que após
1964 a alimentação não foi um setor que exerceu pressão sobre o
custo de vida. Os setores líderes eram representados pela habitação
e os serviços públicos (que em conjunto representam um peso de
18%); essas pressões representavam parte do período de inflação

Q uadro 9-6

A) RELAÇÃO DO ÍN D IC E D E ALTERAÇÃO D E IT E N S IN D IV ID U A IS
D E CONSUM O E A ALTERAÇÃO DO ÍN D IC E G ER A L DO CUSTO
D E V IDA - ESTA D O D A GUANABARA

Ali­ Artigos
Ves­ H abi­ Serviços Serviços
Ano domés­ Saúde
m ento tuário tação pessoais públicos
ticos

1958 99,8 97,2 101,8 94,1 93,9 93,6 106,3


1959 104,3 99,0 86,0 106,2 107,5 114,0 97,4
1960 100,9 100,3 91,8 108,1 104,9 102,9 101,4
1961 100,8 109,9 87,9 95,6 99,0 110,8 99,1
1962 106,8 98,4 90,2 96,8 88,8 97,1 93,6
1963 97,1 106,0 89,2 112,8 103,6 101,1 112,1
1964 102,4 96,4 78,8 106,0 91,6 107,0 110,7
1965 88,7 99,8 119,4 98,8 109,3 111,0 122,6
1966 98,2 92,5 123,9 87,3 92,7 96,6 107,7
1967 93,8 101,6 152,3 94,5 102,7 105,6 101,6
1968 92,5 103,S 85,8 108,3 105,2 106,0 97,9

Nota: Até julho de 1966, as ponderações do indice de custo de vida foram as seguintes:
Alimentos 43,0%
Habitação 20,0%
Vestuário 11,0%
Artigos domésticos 5,7%
Saúde 4,0%
Serviços pessoais 5,8%
Serviços públicos 10,5%
Após aquela data, as ponderações usadas foram as seguintes:
Alimentos 45,15%
Habitação 10,57%
Vestuário 8,48%
Artigos domésticos 11,49%
Saúde 5,52%
Serviços pessoais 11,12%
Serviços públicos 7,67%
Fonte: Calculado com base nos dados do custo de vida em Conjuntura Econôtnica.

196
Q u a d ro 9-6 — Continuação

B) RELAÇÃO DO ÍN D IC E D E P R E Ç O S IN D IV ID U A IS PO R ATACADO
E O ÍN D IC E G ER A L DOS P R E Ç O S P O R ATACADO

Ali­ M etais
M aterials P rodu­
mentos Combus­ e produ­ de cons­ tos de Têxteis P rodutos
Ano Café sem quím icos
tíveis tos m etá­ trução couro
café licos

1958 89,1 96,4 107,4 128, a 113,8 92,7 103,8 116,9


1959 76,6 100,3 112,5 104,0 96,1 113,2 96,6 105,9
1960 95,8 104,3 84,5 81,0 86,8 125,8 105,0 102,1
1961 86,9 98,7 121,0 93,6 103,6 91,0 110,4 96,8
1962 97,8 105,0 84,5 101,2 93,3 94,4 92,6 103,1
1963 79,8 98,1 102,2 112,2 115,0 90,9 104,1 120,9
1964 185,2 95,5 103,3 92,7 86,0 84,1 90,7 118,3
1965 87,3 97,3 119,3 112,6 107,6 107,1 101,1 110,2
1966 73,2 109,6 90,9 94,4 101,2 109,9 08,5 78,4
1067 89,5 100,3 95,9 95,9 107,0 98,1 101,0 108,5
1968 113,6 93,6 104,0 104,8 108,2 94,3 106,9 98,6

Nota: A ponderação dos preços por atacado:


Alimentos 57.0%
Combustíveis 3,5%
Produtos metálicos 5,9%
Materiais de construção 6.0%
Produtos de couro 3.1%
Têxteis 16,8%
Produtos químicos 1.8%
Desde 1969 houve substanciais alt-erações no sistema de ponderação.
Fonte: Calculado com base nos dados do custo de vida em Conjuntura Econômica.

corretiva15 durante o qual as distorções de preços estavam sendo


elim inadas. No fim dos anos 60 os aum entos dos preços de alimentos
não mais se atrasavam em relação ao aum ento do índice geral de
preços, ao passo que produtos m anufaturados como vestuário e
artigos domésticos passaram a liderar. O exame dos preços por

13 D urante o longo período inflacionário dçs anos 50 e início dos anos 60,
os preços controlados pelo governo não tinham permissão para se e le v a r na
mesma taxa do índice geral de preços. Isso introduziu severas distorções de
preços. Parte do programa de estabilização consistiu na elevação do s preços
dos setores em atraso (alimentos, combustíveis, serviços públicos, a lu g u é is ).
Esta medida teve um im pacto inflacionário de curto prazo q u e é ch a m a d o
inflação corretiva. Ver Baer, W.; Kerstenetzky, I. & Simonsen, M. H. T r a n s p o r ­
tation a n d inflation: a study o£ irrational policy-making in B ra zil. E c o n o m i c
Development a n d Cultural Change, Jan. 1965; Simonsen, M. H. Brazilian in ­
flation: postwar experience and outcome of the 1964 reforms. In: E c o n o m i c
Development Issues: Latin America. Supplem entary Paper n. 21, issued b y the
committee for economic development. New York, Aug. 1967: Ellis, H o w a r d S.
Corrective inflation in Brazil, 1964-1966, in T h e Economy o f B r a z i l , e<l. b y
H. S. Ellis, Berkeley & Los Angeles, University of California Press, I960.
atacado mostra que os produtos químicos, têxteis e m ateriais de
construção eram freqüentem ente os líderes nos aum entos de preço.
Infelizm ente essa identificação dos pontos de maior ou m enor
pressão na inflação contínua não responde à questão fundam ental,
isto é, por que as forças inflacionárias persistiram durante um perío­
do prolongado de estagnação relativa, de capacidade ociosa na indús­
tria e, durante todo o período, um a taxa de crescimento adequada da
oferta de alimentos. £ verdade que as condições para um a inflação
contínua estavam presentes, um contínuo crescimento da oferta
m onetária e a existência de deficits orçam entários do governo. No
entanto, essas últimas características não explicam as causas básicas
do fenômeno.
A tentativa mais interessante para explicar essa anom alia foi
feita por Samuel Morley em um artigo re cen te.16 Prim eiro, com
base em estimativas das mudanças trim estrais na atividade econô­
mica, Morley encontrou um a relação clara na taxa de modificação
da expansão m onetária e da produção real durante os anos 60.
Isso “ . .. sugere que a razão pela qual o program a de estabilização
resultou em um período tão longo de estagnação com inflação é a
m aneira pela qual ele foi a p lic a d o ...” . A contenção'm onetária
" . . . foi aplicada de forma irregular, o que causou inicialm ente
recessão com inflação residual, em seguida recuperação com infla­
ção ainda maior. Do ponto de vista da estabilidade dos preços, os
benefícios integrais de cada período de contenção foram pedidos em
excessivas expansões su b se q ü e n te s...”. 17 Morley acha que a con­
tenção da oferta de m oeda não foi m antida durante longo tempo,
em virtude das pressões para abrandam ento que foram geradas.
Entretanto, como a política de contenção contiuou, " . . . essas re­
versões tem porárias de política apenas prolongaram o período de
ajuste a uma taxa de inflação mais baixa. Elas criaram tam bém a
falsa impressão de cinco anos de preços crescentes com produção
constante ou em declínio. Ao invés disso, todos os declínios de
produção concentram-se em três subperíodos, ao passo que mais da
metade da inflação vem em diferentes períodos de expansão m one­
tária excessiva”. ls
Em bora o que foi m encionado esclareça um pouco- o fenômeno
da coexistência de estagnação com inflação, a análise de M orley diz
pouco sobre a baixa taxa de crescimento econômico a longo prazo
durante os anos 60. N aturalm ente, se em alguns trimestres houver
uma contenção m onetária que afete adversamente o crescimento, é

!<• Morley, Samuel A. Inflation and stagnalion in Brazil. Economic Oevelop-


ment and Cultural Change, Jan. 1971.
I" Ibiil.. p. 187.
I b id .

198
difícil saber se o crescimento teria continuado n a ausência das várias
restrições m onetárias a curto prazò. Ele apresenta, no entanto,
algumas sugestões interessantes sobre a fonte das persistentes pressões
inflacionárias nos anos 60.
Existe pouca evidência de que havia prevalecido a clássica
inflação de dem anda ou de custos, ou inflação causada por rigidez
estrutural. A oferta de alimentos, como já vimos, cresceu a um a
taxa satisfatória e, exceto em curtos períodos, não exerceu liderança
na pressão sobre os índices de preços. Morley encontrou uma
quedà nas relações matérias-primas e custo de mão-de-obra e valor
das vendas na m aioria das indústrias, o que afasta a explicação de
um a inflação de custo. A capacidade ociosa na m aioria das indús­
trias tam bém afasta a explicação de um a inflação de ;dem anda.19
Morley achou tam bém que da m etade dos anos 5.0 à m etade dos
anós 60 as altas de preços das indústrias que cresciam a taxas mais
baixas (tradicionais) eram mais rápidas do que as das Indústrias
mais dinâmicas. Para confundir as coisas, achou também que os
lucros (definidos como valor das vendas, menos o valor dos insumos)
elevaram-se em meados dos anos 60 subindo mais rapidam ente nas
indústrias mais velhas, menos dinâmicas, embora esses aumentos de
preços não tenham estim ulado a - expansão da produção.20
Morley sugere um a possível explicação do fenômeno de estag­
nação com inflação no efeito peculiar que a restrição de crédito
teve sobre as firmas brasileiras. Elas dependem m uito mais do cré­
dito externo para capital de giro do que as empresas em países
mais * *ados. Com a redução do crédito externo, as empresas
tive.- '«sar recursos internos, lucros, como capital de giro.
Daí, a fi ue se m anter em operação durante um período em que
são tentadas m edidas clássicas de estabilização, as firmas tentarão
elevar os preços para aum entar os lucros. Elas tenderão a usar os
lucros nas operações correntes ao invés de destiná-los à expansão da
capacidade e da produção, ou seja, os preços são elevados apenas

19 Apesar de mais adiante darmos algum a evidência direta da capaddade


ociosa nas indústrias brasileiras, Morley mostra como evidência o fato de que
nove em 15 dos principais grupos industriais brasileiros, representando 65%
do valor adicionado, estavam operando em 1965 abaixo dos níveis de. produção
de 1962. Morley, op. cit.

20 Muitas das indústrias tradicionais do Brasil, tais como têxteis, estão sobre­
carregadas com um grande volume de equipam ento obsoleto. Lucros mais
elevados devido a pieços mais altos podem, não necessariamente, induzir mais
investimento e produção nessas indústrias, de vez que um a completa moder­
nização só seria possível com um grande volume de fundos do governo. Esta
possibilidade foi sugerida por Anníbal Villela.
com o objetivo de aum entar o capital de g iro .21 N aturalm ente, na
medida em que os preços não puderem ser aum entados em algumas
indústrias, há alguma pressão sobre aum entos de produtividade
para reduzir custos a fim de gerar o capital de giro necessário.

9.5 Explicação alternativa das baixas taxas de crescimento na


década dos 60

A maioria dos observadores da economia brasileira nos anos 60


concordaria que o dinamismo que ela exibiu nos anos 50 desapa­
recera, mas existe substancial desacordo sobre as causas do baixo
crescimento na década. Todos concordariam que as causas da baixa
taxa de crescimento dos anos 60 podem ser encontradas na natureza
do processo de substituição de importações da década anterior, mas
existe um amplo desacordo sobre as raízes do problema. Exam ine­
mos algumas dessas explicações e vejamos qual a evidência dispo­
nível para apoiá-las.

9.6 Explicação pela restrição das importações

A idéia básica dessa explicação é que durante o período de substi­


tuição de importações dos anos 50 o Brasil prestou pouca atenção
às exportações, mas considerou seu objetivo principal produzir
produtos internam ente im portados para reduzir tanto quanto pos­
sível o coeficiente de im portação da economia. Em bora este coefi­
ciente tenha dim inuído, não pode ser reduzido m uito abaixo do
nível atual (cerca de 7%) devido à m udança na composição das
importações. N um a proporção crescente das importações do Brasil
compõe-se atualm ente de matérias-primas e bens de capital que são
insumos im portantes para as indústrias recentem ente instaladas.
Esses insumos im portados não podem ser substituídos de nenhum a
m aneira ou apenas a largo prazo por exemplo (com a descoberta
de novas matérias-primas ou com um aum ento da sofisticação in­
dustrial que elim inaria a im portação das necessidades de bens de
capital especializados). A curto e m édio prazos, no entanto, esses
insumos im portados são vitalm ente im portantes para m anter a pro­
dução industrial. Um a queda nessas importações devida a dificul­
dades no balanço de pagamentos forçaria um a contração ou um
declínio na taxa de crescimento da produção industrial.

21 Tem sido afirmado também que os custos unitários mais altos, de níveis
de produção mais baixos também foram transferidos pelos produtores brasileiros
através de preços mais elevados. Dada a estrutura oligopolística da indústria
brasileira, custos mais altos sSo geralmente transferidos na forma de preços
mais altos ao invés de serem absorvidos pelas firmas.

200
Como a perspectiva para as exportações tradicionais não c
m uito favorável e como não liá garantia de que suficiente capital
privado e /o u estrangeiro estaria disponível em épocas de queda das
receitas cam biais,22 faria sentido que o Brasil expandisse suas
exportações e diversificasse a estrutura das mesmas a fim de evitar
estrangulam entos nas importações que poderiam causar um a recessão
industrial. Isso não aconteceu (ver quadro 9-7B). T em havido pouca
modificação na estrutura das exportações do Brasil. Na verdade,
até meados dos anos 60 o país não tinha nenhum a política para
estim ular tanto as exportações tradicionais como as novas expor­
tações. N a realidade os exportadores tinham de pagar impostos de
exportação e lu tar contra um a complicada barreira burocrática para
exportar seus produtos. 23
Segundo um autor a estagnação dos anos 60 foi causada por
um estrangulam ento das irriportações, que ocorreu em 1963.24 Os
dados não apóiam essa opinião. Por exemplo, o quantum das im­
portações de bens interm ediários e m atérias-primas caiu de 12% em
1962, mas aun\entou novam ente de 28% em 1963; em bora o cresci­
m ento industrial declinasse em 1962 (ver quadro 9-1), ele havia
praticam ente estagnado em 1963.25 O quadro 9-7 indica que o valor
das im portações declinou substancialm ente em meados dos anos 60,
ao passo que o valor das exportações cresceu firm em ente após
1962. Não obstante a restrição de im portação não ter sido uma
causa da redução do crescimento econômico nos anos 60, ela não
deve ser afastada como um a possível limitação ao crescimento
futuro da economia brasileira.

22 Era outro documento estimamos que a taxa de crescimento da ca p a cid a d e


de im portar do Brasil entre meados dos anos 60 e meados dos anos 70 não
seria superior a 3% ao ano. Baer, W . 8c Kerstenetzky, X. Patterns of B r a z ilia n
economic growth. Mimeografado, p a p e r apresentado na Universidade de C o r n e ll,
em abril de 1966, em Conferência sobre A próxim a década de d e s e n v o lv im e n to
da América Latina.
23 Para um a descrição do fracasso do Brasil em promover ex p o rta ç õ es , ve r
Leff, N athaniel H . Export stagnation and autarchic development. T h e Q u a r t e r l y
J o u r n a l o f E c o n o m i a , May 1967. Para ser justo, entretanto, deve-se d iz e r qu e,
a fim de estim ular a substituição de importações e atrair c a p ita l e s tra n g eiro ,
os formuladores brasileiros de política tiveram que acenar c o m o in c e n tiv o com
o grande e protegido mercado interno brasileiro. Poucas firmas te ria m fe ito
investimentos maciços no Brasil se tivessem sido forçadas desd e o in íc io a
exportar uma grande proporção de sua produção.
24 Leff, N athaniel H . Im port constraints and development: causes o f the
recent decline of Brazilian economic growth. R e v i e w o f E c o n o m i c s a n d S t a t i s t i c s ,
Nov. 1967.
25 Para um a refutação da análise de Leff, ver Bergsman, Joel & M o rle y ,
Samuel A. Im port constraints and development: causes of the recent d e c lin e
of Brazilian economic growth: a comment. R e v i e w o f E c o n o m i c s a n d S t a t i s l i c s ,
Feb. 1969.

201
Q üaduo 9 -7
A) Q U A N T U M E VALOR DAS E X P O R T A Ç Õ E S E
IM P O R T A Ç Õ E S DO B R A S IL
(1953 = 100)

E xportações Im portações
Ano
Quantum Valor
Quantum Valor Quantum Valor
(sem café) (sem café)

1957 100 124 90 121 145 113


1958 96 135 81 123 145 103
1059 117 140 83 122 160 104
1960 118 150 82 123 161 111
1961 128 183 91 154 151 111
1962 118 158 79 127 140 112
1963 130 155 91 146 146 113
1964 116 168 93 149 122 96
1965 116 194 104 197 101 83
1966 132 200 113 217 131 113
1967 116 155 107 211 145 126
3968 131 181 126 249 178 162

Fonte: Conjuntura Econômica.

B) ESTRUTURA DAS EX PO R TA Ç Õ E S E IM PO R T A Ç Õ E S
DO B R A SIL
[Em, percentagem)

1950 1960 1965 1967 1968

Exportações
Animais vivos
M atérias-prim as 23,9 23,6 30,5 28,3 28,0 32,1
Alimentos e bebidas 75,0 73,7 61,8 62,4 64,4 59,1
Produtos químicos e farm acêuticos 1,1 1,0 1,7 1,4 1,4
M aquinaria e equipam entos de
transporte 1,1 0,1 1,8 2,6 2,2 2,6
M anufaturas 0,5 4,1 4,3 3,4 3,5
Diversos 1,0 0,8 0,7 0,6 1,2
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 00,0
Importações
Animais vivos 0,8 0,1 0,2 0,1 1,5
M atérias-prim as 28,7 27,6 24,8 19,4 19,7 16,8
Alimentos e bebidas 17,1 13,6 19,4 19,6 1,5,7 13,3
Produtos químicos e farm acêuticos 9,5 15,9 13,8 15,2 14,9
M aquinaria e equipam entos de
transporte 35,6 22,3 28,5 31,0 33,1
M anufaturas 53,4 13,5 17,1 17,7 18,1 20,0
Diversos 0,2 0,4 0,8 0,3 0,4
Tota! 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: ,-tnu<íno ÆsfaMsîtVo.
O quadro 9-8 dá um a visão agregada do balanço de pagamentos
do Brasil no período 1958-68. Observe-se que, exceto em 1960 e
1962, q balanço de mercadorias esteve sempre com saldo, o qual
cresceu em meados da década e declinou fortem ente em 1968. O
balanço favorável de mercadorias de meados dos anos 60 foi clara­
m ente causada pela recessão por que passou a produção industrial,
de vez que, como já mencionamos, um a proporção crescente das
importações do Brasil durante o período dé substituição de im por­
tações consistiu de insumos para o setor industrial. Nos anos 60
o estrangulam ento das importações não foi um a causa' do declínio
do crescimento, mas o declínio do crescimento industrial foi um a
causa do declínio das importações.
Com a exceção de um período de dois anos a conta-corrente
do balanço de pagamentos tem sido negativa. Deve-se isto ao fato
de que o balanço de serviços que é tradicionalm ente negativo
cresceu nos anos 60. De US$ 400 milhões no início da década o
déficit de serviços cresceu para US$ 500 milhões nos últim os anos
da mesma. Grande parte dos pagamentos de serviços do Brasil
cohsiste em fretes, juros da dívida externa e remessas de lucros por
firmas estrangeiras. Os pagamentos de fretes permaneceram em tom o
de um a média de US$ 125 milhões durante os anos 60, enquanto
que os pagamentos de juros e remessas de lucros aum entaram de
U^$ 190 milhões no início da década para cerca de US$ 300 milhões
no fim da mesma. O Brasil está fazendo um esforço para construir
sua m arinha mercante, aum entar a proporção de suas exportações
e importações transportadas em navios nacionais para, désse modo,
reduzir o déficit de pagamentos. Entretanto, as remessas dfe paga­
mentos de juros provavelmente continuarão sendo um a pesada carga
por m uitos anos de vez que a dívida externa total foi d a ordem de
US$ 4 bilhões em 1969 e, dados os extensivos investimentos estran­
geiros diretos (que freqüentem ente cresceram nos últim os anos com
um grande volume de lucros retidos e empréstimos locais), deve-se
esperar que as remessas de lucro cresçam nos anos 70.
O movimento total de capital autônom o declinou substancial­
m ente na crise dos meados da década dos 60 e só em 1968 ultrapassou
os níveis atingidos no fim. dos anos 50 ou início dos 60. É interes­
sante observar o declínio drástico do capital privado direto, que
nunca mais chegou aos níveis dos anos 50, durante a década seguinte.
Em parte, esta redução na entrada de capital estrangeiro deveu-sé
à falta de confiança na estabilidade política do país, à m edida que os
anos 60 decorriam, tendo como um fator, agravante adicional o pró­
prio esmorecimento da economia brasileira. M uitas das firmas indus­
triais que se estabeleceram no Brasil nos anos 50 e que expandiram
suas instalações nos anos 60, lançaram m ão em larga escala dos lu­
cros retidos e de fundos tomados emprestados localm ente.

203
Q uadro 9 -8
BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL — 1958-1968
(Em milhoea de U 8 Í)
|
Empréstimos oficiais e privados declinaram substancialmente
do início aos meados dos anos 60, mas elevaram-se novamente a
níveis ainda mais altos no fim da década. É digno de nota também
a elevação nos pagamentos das amortizações que absorveram uma
grande proporção desses empréstimos. Considerando-se que a dívida
externa do Brasil era de cerca de US$ 4 bilhões no fim dos anos 60,
é de se esperar que na década dos 70 um a grande proporção das
receitas cambiais do Brasil será gasta no serviço da dívida externa.
Os dados que apresentamos devem esclarecer o enigma de um
volume substancialm ente mais elevado de recursos colocados à dis­
posição do governo brasileiro pela USAID, pelo BIRD e outros
órgãos internacionais, após a m udança de regime em 1964, que
ocorreu em um a época de reiativa estagnação. Grande parte do
novo crédito externo foi usado para pagar a antiga dívida a curto
prazo e não representou capital a ser usado para iniciar investi­
mentos maciços em setores novos, que teriam tido um impacto
cum ulativo na taxa da atividade econômica in te rn a .28
Um a interessante m edida de política econômica foi introduzida
em 1968. O governo instituiu o que foi chamado um a taxa de
câmbio jlexiv&l, tendo, anteriorm ente, lim itado a desvalorização do
cruzeiro a um a, ou, no máximo, duas vezes por ano. Dadas as taxas
de inflação, era óbvio que após um certo período de tempo
realizar-se-ia um a desvalorização e antes da mesma, ocorreriam
substanciais especulações contra o cruzeiro — os exportadores ten­
dendo a m anter seu dinheiro no exterior ou a atrasar seus paga­
mentos, en quanto que os im portadores tenderiam a comprar suas
cambiais tão rapidam ente quanto possível. Pelo novo sistema, as
modificações no valor do cruzeiro ocorrem a intervalos curtos, mas
de m aneira errática. Teoricam ente, o valor poderia ir em ambas as
direções, mas vai sempre para baixo. D ada essa incerteza, existe
menos especulação contra o cruzeiro, permanecendo a taxa de
câmbio m elhor alinhada com a taxa interna de inflação e, assim,
as exportações não serão desestimuladas e haverá menos tentação
para se realizarem im portações especulativas. Finalmente, desvalo­
rizações mais freqüentes tornariam a própria desvalorização um
assunto político de m enor im portância do que quando ela ocorria
apenas um a vez por ano.

20 Para um a análise interessante da ajuda internacional ao Brasil nos anos 60,


ver Diaz-Alejandro, Carlos F. Some aspects of the Brazilian experience with
fnreign aid. Economic Growtli Center, Yale University, Òct. 1969, inimeografado.
Alguma parte da ajuda externa nos anos 60, naturalm ente, serviu para financiar
projetos tais como construção de rodovias, continuação de projetos hidrelétricos,
construção de um a nova fábrica de fertilizantes etc. Porém, em relação à extensão
do país, nenhum desses projetos teve um im pacto bastante forte para afetar
significativamente o nível geral de atividade econômica.

205
9.7 Duas visões opostas das tendências econômicas nos anos 60

Em bora se conceda geralm ente que nos anos 60 a economia brasi­


leira perdera o dinam ism o da década precedente, existem duas esco­
las de pensam ento sobre as causas e im plicação de longo prazo dessa
perda de dinam ism o.27 Examinemos os argum entos de cada escola
e a evidência disponível para apoiar as suas respectivas assertivas.

9.8 A Escola do C urto P raz o 28

Os economistas dessa escola de pensam ento encaram o desempenho


vagaroso da economia nos anos 60 como sendo causado, em parte,
pela situação política da prim eira m etade da década. A continuação
da estagnação econômica nos meados dos anos 60 é atribuída às
políticas de estabilização. Os acontecimentos que se seguiram à
renuncia do Presidente Jânio Quadros em 1961, descritos anterior­
mente, criaram um clim a desfavorável para os investidores brasileiros
e estrangeiros. A instabilidade política e indecisão do governo João
G oulart tam bém fizeram com que as taxas de inflação atingissem
níveis prejudiciais ao desenvolvimento. Esses fatores explicam o
declínio no período de 1962-64. Com a m udança de governo, a
prim eira ordem do d ia foi baixar a taxa de crescimento do nível
de preços. Isto, como já explicamos anteriorm ente, tornava neces­
sário a elim inação de distorções que já haviam ocorrido nos preçcs
e na alocação de recursos. As m edidas tom adas neste sentido expli­
cam a baixa taxa de crescimento, especialmente na indústria.
As altas de crescimento experim entadas em 1968 e na prim eira
m etade de 1969 são apontadas com cautela por esses economistas
como um a indicação de que a política de estabilização da década
dos 60 está com eçando a surtir efeito. As taxas mais baixas de in­
flação, os esforços continuados do governo no sentido de erradicar
os deficits orçam entários e elim inar distorções de preços e o desen­
volvimento de sistemas de incentivo para investir poupanças em
setores menos privilegiados da economia, na promoção de expor­
tações e em um sistema financeiro m odernizado, restauraram a
confiança na economia brasileira, tanto por parte dos investidores
brasileiros como dos estrangeiros. Espera-se que as atividades de

27 Essa dicotomia na observação da economia brasileira nos anos 60 foi sugerida


pela prim eira vez em um paper p or W em er Baer & Andrea Maneschi (ver
nota IS ).
28 Incluídos entre os economistas da Escola do C urto Prazo estão Simonsen,
M ário H . op. cit. e Kafka, Alexandre. T h e Brazilian stabiHzation program,
1964-66. T he Journal o f Political Economy, Aug. 1967, Supplem ent — Issues
in monetary research.

206
investim ento do setor privado e tam bém o im pacto das atividades
pública^ de investim ento n a infra-estrutura conduzam o país a um a
década de crescimento continuado e equilibrado nos anos 70.
Im plícita nas racionalizações dessa escola de pensamento é a
idéia de que os acontecimentos havidos durante grande parte dos
anos 60 não poderiam ser evitados. A industrialização dos anos 50
foi m uito rápida, mal planejada e excessivamente unilateral para
que pudesse sustentar-se sem alguns reajustes. Desse modo, as m edi­
das saneadoras dos anos 60 eram realm ente inevitáveis — era preciso
restabelecer um a estrutura de preços que indicasse escassez relativa,
o governo tinha de descobrir meios não-inflacionários de financiar
suas operações, pois a economia tinha elim inado a capaddade de
utilizar um mecanismo inflacionário para realocar recursos, um
mercado financeiro m oderno tin h a de ser criado para captar pou­
panças para investimentos futuros e era preciso descobrir, através
de um sistema de incentivos de m ercado e fiscais, um a m aneira de
diversificar as exportações a fim de evitar futuros estrangulamentos
nas importações e neutralizar o desequilíbrio regional produzido
pela industrialização no passado.

9.9 A Escola Estagnacionista 20

À semelhança da Escola do C urto Prazo, os estagnacionistas encaram


o crescimento vagaroso dos anos 60 como um a conseqüência natural
da industrialização por substituição de importações da década dos 50.
Contudo, eles estão em desacordo quanto às causas d a dim inuição
do ritm o e os corretivos. Vamos exam inar seus argumentos de ma­
neira sistemática.
O processo de substituição ,de importações na década dos 50
consistia no estabelecimento de indústrias, no Brasil, que fabricas­
sem produtos até então importados. O mercado para aqueles pro-

2» Entre os representantes da Escola Estagnacionista estariam incluídos: Furtado,


Celso. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. R io de Janeiro;
Editora CivilizaçSo Brasileira, 1967 (especialmente cap. 8 ); Furtado, Celso &
Maneschi, Andrea. Um modelo de simulação de desenvolvimento e estagnação
na América L atina. Revista Brasileira de Economia, ju n . 1968; Tavares, Maria
da Conceição. O processo de substituição de importação como modela de desen­
volvimento recente na América L atina e Auge y declínio dei proceso de substi-
tución de importaciones en Brasil. S oletin Econômico de América Latina,
v. 9, n. I, mar. 1964; Lopes, Francisco. Subsídios à formulação de um modelo
de desenvolvimento e estagnação no Brasil. Revista Brasileira de Economia,
jun. 1969. Uma visão mais eclética do problem a da estagbáçSo encontra-Se eat
H irshman, A lbert O. T h e political economy of import-substitution industriáli-
zation in Latin America. The Quarterly Journal of Econòmics, Feb. 1968. Ver
também o modelo estagnacionista em Baer e Maneschi, op. cit.
dutos já existia e assim, através de um a série de medidas protecio­
nistas, incentivos e subsídios, encorajava-se tanto o capital nacional
como o estrangeiro a construir indústrias para substituir im porta­
ções. Essa atividade de investimento é responsável pelas altas taxas
de crescimento dos anos 50, as quais foram reforçadas através da
política do governo brasileiro de encorajar a integração vertical da
recém-surgida estrutura industrial, ou seja, não apenas a construção
de indústrias de bens de consumo, como também de bens de capital.
Im plícita nessa política estava a esperança de que a implantação
de indústrias substitutivas de importações criaria bastante renda
adicional de modo que, quando o processo de substituição de im­
portações chegasse ao fim, isto é, quando a relação im portação/
oferta global da m aioria das indústrias atingisse níveis extrema­
mente baixos, já se teriam gerado rendas novas suficientes para
continuar o processo de crescimento industrial.
Isso não aconteceu. Devido à tecnologia das novas indústrias,
ou seja, seus altos índices de capital/trabalho, apenas um a pequena
fração da força de trabalho foi absorvida e um a proporção relati­
vamente grande do increm ento da renda nacional criada pela
substituição de im portações foi para outro setor que não o tra­
balho. Em outras palavras, a tecnologia das indústrias de substitui­
ção resultou em um a m aior concentração da distribuição de renda
no Brasil, im pedindo a criação de grandes increm entos novos na
dem anda por produtos industriais.30 Assim, nos anos 60, o Brasil
emergiu com um a capacidade produtiva m uito m aior que a de­
m anda efetiva por aquela capacidade. Essas tendências teriam sido
superadas se o governo houvesse redistribuído rendas entre grupos
de renda, entre regiões e/o u entre diferentes setores da.-■economia,
o que não foi feito. Pouco esforço se fez para m odernizar a agri­
cultura e m elhorar os salários dos trabalhadores rurais. Pouca
redistribuição de renda entre grupos de renda foi realizada através

so A taxa baixa de absorção de trabalho na indústria (cerca de 2,5% ao


a n o ), em conseqüência da intensidade de capital das novas indústrias foi,
segundo muitos escritores, causada pela distorção no fator de estrutura de
remuneração, isto é, salários artificialmente altos e baixo preço do capital.
Assim, se os salários fossem mais baixos e o capital menos subsidiado (o que
foi feito para atrai-lo), poderiam ter sido empregadas técnicas com maior
utilização de mâo-de-obra. Com base na experiência brasileira, esta hipótese
é questionável. Em algumas indústrias, como a do aço, não há m uita escolha
de tecnologia. Na indústria automobilística, o fato de se ter im portado equi­
pamento de segunda mão, menos automatizado que em D etroit ou Wolfsburg
também indica que se escolheu uma técnica relativamente mais intensiva do
niSo-de-obra. Os trabalhos conhecidos da CEPAL sobre a indústria têxtil d*
América Latina mostram que as técnicas de produção são tão antiquadas e
intensivas de mão-de-obra) que a produtividade é extremam ente baixa e a pena:
com alguma modernização do processo de produção a indústria poderá ser
salva, no longo prazo.

208
do mecanismo tributário. E o tipo de redistribuição de renda re­
gional tentado no início e meados da década dos 60 não exerceu
grande im pacto sobre a dem anda agregada.
Em suma, os estagnacionistas também alegam que a ênfase
exclusiva sobre as indústrias substitutivas de im portação nos anos 50
produziu distorções. N o entanto, eles se preocupam menos com as
distorções ocorridas no mecanismo de preços do que com o descaso
dos outros setores da economia e as distorções distributivas daí
resultantes. A necessidade de investimentos e reform a na agricultura,
em regiões menos privilegiadas do Brasil, e em educação, são enca­
radas como im portantes para m anter a paz social e também suprir
um a base para taxas de crescimento satisfatórias nos anos 70. A
política seguida pelo governo nos meados e fim dos anos 60 é vista
apenas como medidas incompletas. A elim inação de distorções no
mecanismo de preços, dim inuição das taxas de inflação, m oderni­
zação do mercado de capital, todas são ações relativas à oferta. No
entanto, o problem a básico da estagnação nos anos 60 não pode
ser solucionado sem medidas paralelas do lado da procura.
Os estagnacionistas criticam a política de incentivos, seguida
pelo governo desde 1964. Os incentivos fiscais para investimentos
no Nordeste e na região amazônica carrearam investimentos subs­
tanciais para apenas dois centros urbanos (Recife e Salvador),
onde estão sendo construídas indústrias que absorvem m uito pouca
mão-de-obra. Houve um a duplicação da capacidade já subutilizada
do Centro-Sul. Além disso, as novas indústrias do Nordeste ver-se-ão
em dificuldades, pois m uito pouco se tem feito naquela região para
redistribuir as rendas nos centros urbanos e rurais, criando assim
um mercado para a capacidade recém-construída. Alega-se, que
através desses incentivos, a situação em que se encontrava o país
na década dos 50 está sendo reproduzida/ no Nordeste — um boom
regional de substituição de importações, ò qual não está produzindo
suas finalidades de longo prazo. Os incentivos para investimento
no mercado de capitais, para exportação etc., tam bém não estão
sendo considerados como solução para o problem a principal, de
acordo com o m odo de ver dos estagnacionistas.

9.10 Avaliação dos argum entos

Examinemos de que m aneira os argumentos de ambos os lados são


apoiados pela evidência disponível. O quadro 9-9A indica que o
processo de substituição de importações foi explorado de modo
mais ou menos extenso nos anos 60. A relação entre o total de bens
im portados e a oferta total situou-se por volta de 16% em 1949.
Nos meados da década dos 50, um a grande parte do processo de

209
Q uadro 9 -9

A) IM PO R T A Ç Õ E S EM PERCENTAGEM DA O FERTA TOTAL

1955 1900 1962 1965 1966

Bens de capital 43,2 23,4 12,9 8,2 13,7


Bens interm ediários 17,9 11,9 8,9 6,3 6,8
Bens de consumo durável 10,0 3,3 2,4 1,6 1.0
Bens de consumo não durável 2,2 1,2 1,1 1,2 1,6

T otal 11,1 8,1 6,8 3,9 5,0

Fonte: A industrialização brasileira: diagnóstico e perspectivas. Estudo especial, Projrama Ei»


tratègico de Desenvolvimento 1968-1970, Ministério do Planejamento e Coor.denaçSo Geral, jan. 1969.

B) IM PO R T A Ç Õ E S E E X P O R T A Ç Õ E S D E B E N S E SE R V IÇ O S E M
percen ta g em DA O F E R T A TOTAL D E B E N S E SERV IÇO S*

Ano Im portações Exportações

1957 6,6 5,5


1958 5,8 4,8
1959 6,6 5,2
1960 6,8 4,9
1961 5,8 4,9
1962 5,4 4,0
1963 5,1 4,5
1964 4,4 4,5
1965 4,4 4,9
1966 5,0 4,9
1967 5,3 4,4
1968 5,7 4,4

* Aos preços de 1953.


Importações: inclui renda líquida do exterior.
Exportações: capacidade de importar.
Fonte: Conjuntura Econômica, r . 24, n. 6, 1970.

substituição de im portação já havia ocorrido nas indústrias de bens


de consumo e pelos meados dos anos 60 a relação para bens de
capital e bens de consumo interm ediário já tinha descido a níveis
baixos. Os setores de atividade ainda abertos em grandes propor­
ções para -as indústrias de substituição são os de m aquinaria,
indústria química, transporte especializado e equipam ento de comu­
nicação. Nos meados dos anos 60, estimulou-se algum investimento
em fertilizantes e em aços especiais e alum ínio. Assim, foi feito
algum esforço no sentido de baixar ainda mais essa relação. C on­

210
tudo, é de se notar que as grandes oportunidades para substituições
de importações já tinham sido aproveitadas na década dos 60 e que
o país teve de procurar outros meios para levar avante o cresci­
m ento industrial. A parte B do quadro 9-9 apresenta estimativas
mais recentes das importações e exportações como uma proporção
do suprim ento total de bens e serviços. Esta evidência também indica
que o coeficiente de im portação dificilmente descerá abaixo dos 5%.
Alguns críticos da política de industrialização do Brasil já
objetaram ao uso do índice de importação/oferta total como um
indicador de até quando se pode conseguir crescimento baseado
em substituição de importações. Eles alegam que isto representa um
descaso total das vantagens comparativas atuais ou potenciais e uma .
falta completa de seletividade quanto aos setores que são merece­
dores de ser estimulados. Esses críticos devem ter sido escutados
pelos responsáveis pela po’itica no Brasil no fim da década dos 60,
pois em março de 1967 as tarifas em geral foram reduzidas. Os bens
que estavam incluídos em um a categoria de câmbio especial per- ■
deram esse privilégio e a faixa de tarifas que os protegiam caiu de
180 a 220% para um a de 60 a 100%.31 A idéia geral era de aumentar
a eficiência da indústria brasileira por meio de uma competição
real ou um a ameaça. Depois que algumas indústrias começaram *
a sentir essa competição, foram restauradas algumas medidas prote- '
cionistas, m uito em bora o nível geral das tarifas tenha sido mantido
baixo.
A política de m aior seletividade levanta uma série de dúvidas.
De que modo os responsáveis pela política econômica no Brasil '•
poderiam prever onde o país gozaria de maior vantagem compa­
rativa? Ainda, a seletividade significa maiores possibilidades para
exportação de produtos m anufaturados. N o entanto, levando em
conta a atitude de países mais industrializados, no passado, as pos­
sibilidades de eles im portarem grande quantidade de produtos
m anufaturados de países como o Brasil pareciam duvidosas até bem
pouco tempo. Portanto, um a m aior seletividade não seria neces­
sariamente um a estrada aberta ao Brasil. A questão de diminuir
as barreiras tarifárias a fim de aum entar a eficiência das indústrias
brasileiras também suscita algumas interrogações. É prudente fazer
isso na ocasião de um program a de estabilização, quando a produ­
ção industrial já está sendo duram ente atingida? Do mesmo modo,
dado o pequeno tam anho do mercado, as indústrias brasileiras têm
pouca oportunidade de se beneficiar de economias de escala. Assim,

si Para uma discussSo mais detalhada das mudanças de política tarifária do


Brasil, ver Bergsman, Joel. Brazil’s industrialization and trade policies. New
York, Oxford University Press, 1970, cap. 3.

211
o fato de ter de com partilhar um pequeno mercado com im por­
tadores aum enta seus custos fixos unitários e não soluciona neces­
sariamente o problem a da eficiência. Caso as tarifas mais baixas
tiverem como objetivo um a ameaça à indústria local, forçando-a
a racionalizar sua produção, elas farão mais sentido. Se os custos
altos d a indústria brasileira são devidos, em grande parte, à falta
de economias de escala, também se poderia argum entar que a
política redistributiva, através do alargam ento do mercado, aum enta
a escala de produção, aum entando a possibilidade de custos mais
baixos. Finalm ente, m uitas indústrias foram criadas nos fins da
década dos 50 e, além dós problemas de escala, teriam de atravessar
um certo período de aprender fazendo gradualm ente. É ainda uma
questão aberta se um a década é suficiente para indústrias na in­
fância atingirem a m aturidade, considerando o longo período de
gestação das indústrias do século X IX na Alem anha e nos Estados
Unidos.
A evidência disponível pareceria confirm ar o argum ento dos
estagnacionistas de que há um a tendência a um a concentração na
distribuição de renda. O quadro 9-10 indica um declínio acentuado
na relação entre salários e o valor adicionado nas indústrias de
transformação desde os anos 50 até meados dos anos 60. Isso sugere
a m udança de tecnologia na indústria, ou seja, o crescimento de
indústrias com índices mais elevados de capital/mão-de-obra nos
anos 50 em comparação com as relações existentes no período ime­
diatam ente depois da guerra. Nos meados dos anos 60, o declínio
dessa relação reflete também o declínio dos salários reais resultante
da política de estabilização do governo. Contudo, na segunda parte
do quadro 9-10, devc-se notar que o declínio nos salários reais da
indústria só começou depois de 1963 e, desse modo, o índice salários/
valor adicionado na indústria reflete, em grande parte, a tecnologia
utilizada. T a n to as cifras dos salários por operário industrial como
as do valor real do salário-mínimo deixam claro que a renda real
do trabalhador decresceu durante todo o período de estabilização.
Embora as primeiras tenham aum entado novam ente em 1968, con­
tinuou ainda abaixo do salário real em 1965 e o salário-mínimo
real apresentado na tabela dem onstra que, 1969, o mesmo estava
substancialmente abaixo do nível de 1964. A últim a parte do
quadro 9-10 oferece um outro indício sobre as tendências na concen­
tração de renda. Para os grupos de indústria apresentados e para
a indústria de transformação como um todo, a taxa de crescimento
da produtividade esteve bastante à frente do crescimento dos salários
reais, tanto na segunda metade dos anos 50 como em grande parte
da década dos 60.
T odos os indícios sugerem que o Brasil experim entou uma
grande subutilização da capacidade nos anos 60. A evidência apre-

212
Q uadro 9 -1 0

A) B R A SIL : RELAÇÃO DOS SA LÁ R IO S AO VALOR A D IC IO N A D O


NA IN D Ú S T R IA D E TRA N SFORM A ÇÃ O

1949 29% 1964 25%


1957 32% 1965 23%
1959 27% 1966 24%
1962 28% 1967 26 %
1963 26%

Fonte: IBGE, Censo Industrial, Inquéritos Econômicos.

B) FOLHA ANUAL D E SA LÃ RIOS PO R O P E R Á R IO NA IN D Ú S T R IA


D E TRA N SFORM A ÇÃ O

(Em milhares de cruzeiros de 1966)

1949 1 144 1963 2 120


1955 1 477 1964 2 052
1956 1 590 1965 1 ill 9
1957 1 708 1966 2 048
1958 1 721 1967 2 001
1959 1 631 1968 1 873
1962 1 883

Fonte: IBGE, Censo Industrial, Inquéritos Econômicos.

C) SA L Á R IO -M ÍN IM O R EA L E M SÃO PAULO E RIO D E JA N E IR O


(AOS PR E Ç O S D E 1953)

(.Salários mensais — C ri)

Ano São Paulo Rio de Janeiro

1958 1 56 1 56
1959 1 17 1 72
1960 1 54 1 58
1961 1 71 1 81
1962 1 43 1 52
1963 1 31 1 39
1964 1 33 1 3S
1965 1 32 1 34
1966 1 14 1 20
1967 1 12 1 17
1968 1 09 1 16
1969 1 13 1 13

Fonte: IBGE, Anuário Estatístico e Conjuntura Econômica.

213
w < B

Q uadro 9 -1 0

D) PR O D U T IV ID A D E DO O P E R Á R IO E A U M E N TO S D E SALÁRIO
R EA L NO SE T O R DA IN D Ú S T R IA D E TRANSFORM AÇÃO

(1955 = 100)

1956 1958 1962 1963 1964 1965 1966

S P S P S P S P S P S P S P

Grupo I 110 99 112 125 107 148 117 146 115 152 110 147 100 145
Grupo II 105 115 109 123 107 152 131 152 131 158 124 158 109 157
Grupo III 104 117 110 161 111 221 142 216 131 207 125 206 106 231
Total 108 107 113 132 112 173 131 170 129 175 123 173 119 178

Grupo I: Produtos de madeira, mobiliário, produtos de couro, têxteis, alimentos e bebidas, fumo.
editorial e gráfica.
Grupo II: Minerais nSo-metálicos, produtos de papel, produtos de borracha, produtos químicos,
produtos metálicos.
Grupo III; Equipamentos de transportes, equipamentos elétrico e de comunicação, produtos
mecânicos.
S “ Salário real.
P = Produtividade por operário.
Fontes: Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, Programa estratégico de desenvolvimento
1969-1970. Estudo especial, A industrialização brasileira: diagnóstico e perspectivas. Rio de Janeiro,
jan. 1969, p. 146.

sentada no quadro 9-11 dem onstra um grande excesso de capacidade


no setor de bens de consumo e um excesso ainda m aior no setor
de bens de capital. 32 N aturalm eníe, parte desse excesso de capaci­
dade é devido provavelm ente à indivisibilidade d e.m u ito s setores,
especialmente das indústrias de bens de capital, o que obriga m uitas
vezes a um a antecipação da dem anda. N a m edida em que isso é
verdadeiro, o crescimento adicional da capacidade industrial possi­
velmente exigiria despesas de capital substancialm ente menores
relativas a produtos desejados recentem ente. Em outras palavras, a
existência de excesso de capacidade devido a investimentos maciços
poderá fazer com que os investimentos futuros pareçam mais pro­
dutivos, isto é, a relação m arginal prod u to /cap ital seria substancial­
m ente maior. N a parte B do quadro 9-11, por exemplo, notar-se-á
que o excesso de capacidade de lam inação é m uito m aior que a de
ferro gusa ou aço em lingotes. Isto significa que o investimento
nestes últim os aum entará substancialm ente a capacidade de pro­
dução de produtos finais de aço, sem que seja preciso investir
m uito em laminações. Deste modo, a relação p ro d u to /cap ital de

32 Para um estudo interessante do excesso de capacidade no setor industrial


do Brasil durante os anos 60, ver Leme, Ruy. Capacidade ociosa da indústria
brasileira. Indústria e Produtixndade, abr. 1969.

214
Quadro 9 -1 1

A) UTILIZAÇÃO DA CAPA C ID A D E EM IN D Ú S T R IA S D IV E R SA S

(Produção em percentagem da capacidade — 1966)

Equipam ento e m aquinaria mecânica 68% (1 turno)


E quipam ento e m aquinaria elétrica 70% (1 turno)
Constraç&o naval 64% (1 turno) e 39% (2 turnos)
Equipam ento p ara rodovias 46% (1 tu rno)
Veículos 61% (1 tu rno)
Artigos domésticos duráveis 62% (1 turno)
T otal dos bens de capital 53% (1 turno)
T o tal dos bens de consumo 65% (1 turno)

Fonte: Baseado em relatórios não publicados do IPEA, BNDE e estudos da Boos, Allen, Hamilton
para o BNDE.

B) U TILIZA ÇÃO DE CAPA C ID A D E NA IN D Ú S T R IA DO AÇO


(Produção em percentagem, da capacidade* de 1965)

1964 1965 1966

F erro gusa 54% 50% 65%


Lingotes de aço 60% 59% 74%
Produtos planos 15% 17% 23%
Produtos não-planos 43% 38% 47%

• Para 1965 havia apenas estimativas da capacidade.


Fonte: Baer, Werner. The development of the Brazilian .sieel industry, Nashville, Tennessee» Van*
derbilt University Press, 1969.

C) UTILIZAÇÃO D E C A PA C ID A D E E M L IN H A S D E PR O D U TO S
DA IN D Ú S T R IA PESA D A B R A S IL E IR A - 1960

(Demanda estimada em % da capacidade)

Vasos de pressão, ciclcnes, tubos de grande sucção 43%


G eradores de vapor, foriia'has aquecidas diretam ente (verticais) 20%
E struturas metálicas e fornalhas aquecidas diretam ente (horizontais) 21%
T urbinas elétricas 20%
G eradores elétricos 48%
Transformadores p a ra elevar tensão 21%

Fonte: Leff, Nathaniel H. The Brazilian capital foods industry. Cambrideo, Mass. Harvard Uni*
versity Press, 1968. ^
novos investimentos em aço será provavelmente m uito m aior nos
anos 70 do que o foi na década dos 6 0 .33
A existência de excesso de capacidade e de relações mais elevadas
produto/capital, no futuro, em m uitas indústrias, dem onstram cla­
ram ente a necessidade de um crescimento substancial na dem anda.
Os dados de distribuição de renda citados indicariam , no entanto,
que as tendências observadas nos anos 50 e 60 não prognosticam
um aum ento substancial na dem anda, a não ser que essas tendências
fossem revertidas por meio de medidas quaisquer de redistribuição
de renda.
O quadro 9-12, que contém taxas de crescimento anuais de
grupos de indústrias individuais até 1967, m ostra taxas m uito baixas
de crescimento das indústrias que servem os mercados de massa no
Brasil — têxteis, vestuário, artefatos de couro, produtos alimentícios.
Isto se torna especialmente claro na recessão dos anos 60 quando,
por exemplo, num curto período de recuperação, como em 1966,
essas indústrias não se levantaram como no caso dos setores de
transporte e quím ico/farm acêutico. Considerando-se as tendências
de longo prazo na distribuição de renda io Brasil e a queda dos
níveis absolutos dos salários reais das classes operárias nos anos 60,
não é de adm irar que indústrias que servem aquelas classes (um
simples olhar à ponderação do índice de preços cio consumidor nos
mostra que quase 54% do salário do trabalhador é gasto em alim en­
tação e vestuário) foram as que experim entaram as taxas mais baixas
de crescimento.
Devido à falta de informações desagregadas na ocasião em que
este trabalho está sendo escrito, sobre a alta taxa de crescimento
que a economia brasileira experim entou em 1968 e na prim eira
metade de 1969, podemos utilizar apenas alguns dados parciais para
avaliar o significado dessas tendências no fim da década. H á um a
indicação de que a economia estava retornando a um novo caminho
de alto crescimento a longo prazo e, deste modo, corroborando as
idéias da escola de pensamento do curto prazo, ou tratava-se de um
fenômeno temporário?
Segundo informações preliminares, a alta taxa de crescimento
do setor industrial em 1968 e 1969 foi encabeçada pelos setores
automobilístico, de construção, m ateriais de construção e siderúrgico.
A taxa de crescimento da produção de veículos de passeio de 1967

53 Parte da capacidade ociosa nos meados dos anos 60 foi também causada
pela escassez de capital de giro, o que forçou muitas firmas a reduzir as
operações.

216
. . ^

to oo cq
»o eo os* t^'

oo n o co_ oo c q c q h - o_
Cl 00‘ CO CO CO O» co" W
rH W N N

(O N •”!. ®. ÍN. CO
o> o* cí uj oo“ IO h - C Í

a io n 03_ c q o <q o
CÍ tC co"
B R A S IL

(O N O) CC O) o i cq cq n ^ o
o‘ o o‘ cí li CO* co o ^ 00
<N <N
~ 1 I I 1
oo H 'f O i iq c q O O» ^ H T f 1« cq © cq
NO

IO cO~ rH O i co" M* «o* CO* O 05 xf" CÍ h O *->" •O CÍ CÍ

00 00
INDÚSTRIA

h tc co^oo_ t> . > q oo o i


o ' co“ <n ~co" o “ o i t>-~ o “ o o

05 CO CO *— * co c q cq IO CO
■-O C Í 02 —’ o
9-12

oo c q n <M^ -< 00 00 03 00
DA

co“ o’ V »o T»r ‘O oi-


T3
Q uadro

io eo e o ^ c o o o ^ *q
•-O °i
cq cq cq
CRESCIMENTO

co“ »o cp* oí

N N cq o o »q cq !>. O O CJ o
co ' »o t>-‘ »o o " N Oi O* b-‘ io ~

m_ c q «-<_ q q ^ q ©_ CO O i 00 S 05 í- cq 00
c s Oi oo’ bT co" »o co“ b- r-T os“ 00" r i x"
co *-* *-<
TT
r“L ® 05 ©_ o ^ -t cq t -
- tsT f-í co" 00'
DE

r-T C Í C-í T-* OJ

T
05 Tf iq o *q »q
TAXAS

»0 N W O q
V o" o" 0“ »0 oo" t-* 00'
<N <N co t-Tio o <M
*

cq N IN W <N 05 o
de E c

o ' m* C£> 05 W
5 co eo" V c í
A)

oo_ Cí 05_ 05 oo o fq oi
cn 05* •o" co" co* c i »0* •-<“
Brasileiro

h<b
a o§
T3T3
V
Instituto

<r ® ’c o* +-
•«aj
— o
io>l§ 2.8
a-I K
o.Í ' .2 .*0
_ a . - §^ 33 C
Já C ? ! •
4) -0 -O %
1
Fonte:

3 cí S s aJ 3 "Õ
1 i j i ■ O. u. O P* ® D.$
oS O o o íí U«u < -g ”£o *o
Ü
I ã S S 8 s $ Ps a U-o H > 5í « « q h :
00 •00

100,0
o* oo‘
rN

co t- ©
©‘ ©‘

100,0
< cs
ca
00 co

100,0
o ©“
£

o N» Ui
o“ IO

100,0
*< rH
o
<J
S © ©
t-4

100,0
tf H
o
fc(
CQ *-4
03 «5 Ol O Kí H !
£ CO

100,0
1-4
tf
H
CS *“<

100,0
W
CO
H
e
es N

100,0
CO - T CS v li; 1/3 M M CO
tf
Q uadro 9-12

H
m
w

100,0
Q
Í5

O 1/5 Jn 06 O) n 00 >0 cs CO 'J' N ifl «5 M


« O « w cí « N W cs* tf (Öfj rt Wfí 100,0

©. o> cO '«*' eo O O O co H O ® 00_ «i)t


fc> co o> cs” ei eí to rt cí vi
100,0

H
cs co co «-<*cí cí
/N->
H ^ co 'f O O q N N
Cß w« O- b-‘ -*f t-’ COcs «T cs
100,0

K N <» CS CO Cs“ «O tN c í 1-1


<
£ © 00 M Io « « ^H*1 co o o ^ 00 s «
00 ©“ c» oi t~ co »Hec cí
100,0

r co cs ©'
ffi
W
O
o> Oi N « H o CO co_fr- jo o o>
V o" -<r r-T"tf j-T
100,0

< Oi O i r-T CS~ t o c S C* rH oT


o
s
Ó C3
Total da indúâtria de

c
o a §
><■1
V o
«* e
à £ 2, 8
transformação

&ã •S
« e ç ’53
80*®
«J 4) 3
ü •§ D. E S 5 3OaB M b V 'S 3 ■§ o c 2
> S 15 S cã «1 o
j O P £. 1-« «j ©^ C. S9í §
3 1w1-••
S S 8 s s Ah « O -i a*á H > S f c B h i aWf 1i
a 1968 foi de mais de 22%. O crescimento da construção em 1968
refletiu-se em um a taxa de crescimento de 15% na produção média
mensal em comparação com 1967. A produção de aço em( lingotes
no mesmo período cresceu em mais de 20%, o que constituiu
provavelmente um a reação ao aumento da atividade de construção,
à produção de automóvsis e programas de investimento do governo,
em setores como de projetos de hidrelétricas e construção de
estradas.
O boom verificado n a produção automobilística é atribuído
principalm ente ao surgim ento dos consórcios. £ um artifído enge-.
nhoso inventado nos anos 60 para criar crédito para a comprà de
carros. N um esquema típico, um grupo de, digamos, 24 pessoàs;
reúne-se para com prar um Volkswagen. Cada membro do consórcio
concorda em pagar cada mês 1/24 do preço de um Volkswagen'que
vai para um bolo comum, sendo que cada mês um desses veículos
é adquirido. Os pagamentos são reajustáveis pela taxa de. inflação.
Desse modo, cada mês um membro obtém um Volks, mas todos,
continuam a pagar durante os 24 meses, até que cada ura tenha
recebido seu carro. Isso fez com que a venda de diversos modelos
de carro aumentasse no Brasil. E o crescimento da produção de.
automóveis certam ente aum entou a produção de aço e afetou também,
outros setores A dúvida que poderá ser levantada acerca dessa fonte
de crescimento é se o custo de oportunidade resultante para a
economia não será grande demais. As pessoas que compram carros,
desistirão de com prar muitos outros bens (muitas vezes deixam de
pagar em dia aluguéis ou outros compromissos) e muitos deixarão
de poupar. Deste modo, poder-se-á questionar a base de crescimento
apoiada no consórcio. Ela utiliza o poder de compra para aumentar
a produção autom obilística, com sacrifício da produção dè outros
bens e da poupança e, portanto, da construção de uma nova capa­
cidade produtiva n a economia.
Como já dissemos anteriorm ente, o aumento na taxa da ativi­
dade construção no fim da década dos 60 foi devido principalmente
ao funcionam ento do Banco Nacional de Habitação, que pode
operar com instrum entos financeiros reajustáveis à taxa de inflação.
Isso canalizou quantidade substancial de créditos para aquele setor.
A construção de um a indústria intensiva de mão-de-obra, que po­
deria tornar-se um a fonte de crescimento de longo prazo no Brasil,
se levarmos em conta o grande déficit habitacional do país. Não
se pode saber, no entanto, até que ponto as famílias de baixa
renda poderão arcar com uma dívida que não diminuirá de valor
até que seja toda paga.
9.11 Está a economia brasileira em um impasse estrutural?

Este últim o desenvolvimento é relacionado com um a pergunta


im portante que Georgescu-Roegen tem feito nos últim os anos em
relação às inflações latino-am ericanas.34 As estruturas industriais
que foram construídas nos países latino-americanos por meio da
substituição de importações refletiu os perfis de dem anda existentes
nessas economias naquela ocasião. Suponhamos que após um a déca­
da ou duas de substituição de importações os governos decidam
tom ar medidas para redistribuir a renda — seja por questão de
eqüidade ou por razões de criação de dem anda. Será, então, perfei­
tam ente possível que o novo perfil de dem anda criado pela nova
distribuição de renda não esteja sincronizado com a estrutura in­
dustrial. No raciocínio original de Georgescu-Roegen, as inflações
na América Latina têm atuado, em parte, no sentido de redistribuir
renda para os ricos e, desse modo, ressincronizar uma vez mais a
dem anda e o perfil da capacidade de produção. D entro desse mesmo
espírito, poder-se-ia argum entar que os consórcios estão redistri­
buindo a estrutura de gastos da economia, de modo que a capaci­
dade ociosa na indústria automobilística não se desenvolva.
Georgescu-Roegen argum enta que, um a vez que se tenha tomado
um compromisso pesado em uma determ inada estrutura industrial,
é m uito difícil, se não impossível, para a economia voltar atrás.
As enormes quantidades de capital em patado em uma certa estru­
tu ra determ inará ou, pelo menos, lim itará as escolhas de caminhos
futuros.
Em bora m uitas das suposições que apóiain a teoria de
Georgescu-Roegen sejam questionáveis, certam ente merecem ser
testadas. Q ual é a rigidez das estruturas industriais que foram cons­
truídas no passado? Até que ponto elas poderiam ser adaptadas a
novos perfis de demanda? Se existe rigidez, o cam inho do desenvol­
vimento deveria ser traçado de modo a ocupar com pletam ente a
capacidade ociosa, ou o custo de oportunidade envolvido na exis­
tência de capacidade ociosa é compensado pelos rendim entos im ­
plícitos no desenvolvimento de setores inteiram ente novos? Essas
são perguntas im portantes tanto para o Brasil como para outros

3* Nicholas Georgescu-Roegen levantou p r im e ir a m e n te este p r o b le m a e m um


artigo publicado no Brasil. Inflação estrutural e o crescim en to e c o n ô m ic o .
Rexnsta Brasileira de E conom ia, mar. 1968; desde então escreveu u m a versão
em inglês, Structural inflation-lock and balanced grov/th. É c o n o m i e s et S o c i é t é s ,
Cahier de 1’ISEA, t. 4, n. 3, Librairie Droi, Geneve M a rs, 1970. U m m o d e lo
interessante de crescimento e estagnação baseado na id é ia o r ig in a l d e G eorgescu -
Roegen aparece em Lopes, Francisco. Subsídios à fo rm u la ç ã o d e um m o d e lo d e
desenvolvimento e estagnação no Brasil. R evista Brasileira de E c o n o m i a , ju n .
1969.

220
I
(

países em desenvolvimento, ao enfrentarem a fase de pós-substituição


de importações de seu desenvolvimento.
O Brasil também poderá encontrar-se em outro tipo de dilema
estrutural, devido à taxa alta de crescimento populacional. Isso faz
com que haja necessidade de um crescimento rápido das despesas
do governo, pois um a população em crescimento requer despesas
de infra-estrutura cada vez maiores. Mas a taxa de expansão da
população economicamente ativa fica m uito atrás. Isso significa que
as receitas fiscais do governo ficarão atrás dos aum entos de despesas,
tendo como resultado um déficit orçam entário crescente e pressões
inflacionárias. T entativas de estabilização periódica dim inuirão o
ritm o de crescimento da economia. E ntretanto, as taxas de cresci­
mento de longo prazo tam bém serão retardadas por causa da estru­
tura diferente dos investimentos totais. O investim ento de infra-
estrutura do governo terá provavelmente relações m arginais capital/
produto mais elevadas que investimentos diretam ente produtivos.
Dada um a determ inada capacidade de poupança da economia e a
necessidade de investimentos governam entais de infra-estrutura, o
que significa que a participação dos investimentos do governo 110
total dos investimentos crescerá, a relação global m arginal capital/
produto se elevará e a taxa de crescimento obtida pela poupança
total declinará. Para tornar as coisas ainda piores, um a população
inativa proporcionalm ente crescente significa um declínio no índice
de poupança da economia.
Em resumo, as altas taxas de crescimento populacional poderiam
implicar, em taxas mais baixas de crescimento econômico, um a vez
que as tendências inflacionárias produzidas im plicarão em progra­
mas periódicos de estabilização, acom panhados de estagnação e que
essas taxas de crescimento populacional resultam em relações cres­
centes de cap ital/p ro d uto e índices de poupança decrescentes. Assim
sendo, na década dos 70 o Brasil não poderá continuar a ignorar
as implicações de taxas altas de crescimento populacional, ao traçar
os planos futuros de desenvolvimento.

9.12 Perspectivas p ara a década dos 70

A década dos 70 abriu para o Brasil, após dois anos, altas taxas
de crescimento. Quais são as possibilidades de m anutenção dessas
taxas?
Estimamos que, se foi m antido o índice m édio de poupança
dos anos 60, a taxa real de crescimento anual do produto interno
bruto nos anos 70 poderia alcançar 5 ,6 % .35 Se, no entanto, o índice

35 Nossas projeções são baseadas em um modelo de dois g aps q u e a p resen tam os


no trabalho mencionado na nota de rodapé n.° 21.

221

Você também pode gostar