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2º CONGRESSO INTERNACIONAL DE

INVESTIGAÇÃO E EXPERIÊNCIA EDUCATIVA


(2021)

https://even3.com.br/ciiee2021

O PAPEL DO PROFESSOR DE ENSINO


RELIGIOSO NO COMBATE AO RACISMO, À
INJÚRIA RACIAL E AO PRECONCEITO ÀS
RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA
Paulo Henrique Ferreira Fernandes 1

Anselmo Cordeiro de Souza2

Maria Cecilia Leite de Moraes3

Resumo: Trata-se de ensaio teórico que se utiliza da narrativa bibliográfica e que


objetiva apresentar o diálogo com pais e alunos mediado pelo professor de Ensino
Religioso como um caminho no combate ao racismo e à intolerância religiosa contra
alunos membros de religiões de matriz africana. Para atender ao objetivo, a pesquisa
passará por três etapas. Primeiramente, vai contrastar o Ensino Religioso nos moldes
iniciais do Brasil colonial com os moldes atuais da pós-modernidade. Em seguida, vai
discutir o preconceito racial e religioso no Brasil e sua realidade, destacando os desafios
enfrentados pelo educador dentro das salas de aula e o que este pode refletir para a
vida do aluno na sociedade. Por fim, vai enfatizar o papel do docente no combate ao
preconceito às religiões de matriz africana âmbito escolar. Concluímos que o papel
conciliador do professor de Ensino Religioso é um elemento-chave nesse desafio,
utilizando criativamente as ferramentas disponíveis.
Palavras-chave: Ensino Religioso; Racismo; Intolerância Religiosa.

Abstract: This is a theoretical essay that uses bibliographical narrative and aims to
present the dialogue with parents and students mediated by the Religious Education
teacher as a way to fight racism and religious intolerance against students who are
members of African-based religions. In order to meet the objective, the research will go
through three stages. First, to contrast religious teaching in the initial molds of colonial
Brazil with the current molds of post-modernity; second, to discuss racial and religious
prejudice in Brazil and its reality, highlighting the challenges faced by the educator
within the classroom and what this can reflect on the student's life in society; and finally,
the third, to highlight the role of the religious education teacher in combating prejudice
against African-based religions within the classroom. We conclude that the reconciling
role of the religious education teacher will be a key element in this challenge, creatively
using the available tools.
Keywords: Religious Education; Racism, Religious intolerance.
1 Especialista, Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT/FADBA). E-mail:
paulohenrique.ensino@gmail.com
2 Mestre, Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). E-mail:
anselmo.vivamelhor@hotmail.com
3 Doutora, Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: leimo7@hotmail.com
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1 Introdução

O período escolar é de suma importância para o desenvolvimento do ser humano.


É nesse momento da vida que ele sai do seio familiar e começa a socializar com o
restante da sociedade, adquirir novos conhecimentos e conhecer amigos. Também
ocorrem melhoras significativas na capacidade da criança em sua atenção, na seleção
da informação mais relevante e na memória. Nesse período se dá um desenvolvimento
nas estratégias de memorização da criança, devido ao avanço da memória de curto
prazo, em razão da rapidez das informações que recebe.

Nesse contexto, também acontecem as pequenas “provas” que conduzem o


escolar a decisões influenciadas em maior ou menor medida por crenças e valores
incutidos no seio familiar, pelos ambientes com os quais tem contato (escola, igreja,
vizinhança) e por opção própria. Ainda que essas escolhas apresentem algum padrão,
independentemente da influência de maior impacto, elas não são completamente
previsíveis. Dentro de suas possibilidades, pais ou responsáveis desempenham o papel
social de oferecer as condições para o desenvolvimento integral das crianças sob sua
tutela. E como é de se esperar, os filhos por vezes refletem aquilo que aprenderam em
casa com os pais, responsáveis e membros mais velhos do ambiente familiar ao qual
pertencem.

Ressaltamos que no ambiente escolar as diferenças percebidas entre os escolares


e seus colegas podem compor intolerâncias as quais produzem preconceitos ao
diferente, levando a comportamentos etnocêntricos. Neste trabalho, abordamos em
específico essa reação negativa por parte dos pares de alunos que professam tradições
de matrizes africanas. É tudo muito diferente daquilo que aquela criança ou adolescente
que vivencia religiões de origem judaico-cristã tem visto até então na vida, e
brincadeiras de mau gosto podem se transformar em bullying.

O professor de Educação Religiosa exerce um papel diferente daquele que


emergiu quando da criação da disciplina e que por vezes persiste na mente dos que não
conhecem as diretrizes atuais da disciplina. A função de doutrinador que existia nos
tempos coloniais por meio dos jesuítas e dos colégios confessionais tradicionais deu
lugar ao pensamento conciliador e abrangente do momento contemporâneo. A
principal função do professor é promover a igualdade e o respeito mútuo entre os
alunos, combater o racismo e a intolerância religiosa, além de conscientizar pais e
estudantes acerca do respeito à diversidade religiosa. Isso extrapola a transmissão de
conteúdos que privilegiem apenas uma tradição religiosa, em detrimento de outras que,
apesar de presentes na vivência de alunos, são desprestigiadas.
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Salientamos ainda que a atitude proselitista não se confunde com ser autêntico e
intencional. Sublinhamos que ser autêntico é vivenciar os princípios e os valores pelos
quais é norteada a vida, sem constrangimento de esclarecer qualquer detalhe quando
requerido por qualquer pessoa e em qualquer lugar, mantendo a lucidez entre os
limiares do direito e do dever. Ser intencional é dividir e compartilhar o que “me faz
bem”, em possível benefício de quem está ao redor, o que pode por exemplo ocorrer
por meio de uma reflexão espiritual inclusiva; isso não se confunde com a inquisição
individual ou coletiva em qualquer de suas formas. Nesse sentido, é proposta uma
abordagem com a possibilidade do incentivo ao exercício da fé e da espiritualidade (sem
distinção de credo) como política de escolas e universidades promotoras da saúde do
escolar/acadêmico.

No que tange às concepções vigentes, seria possível observar o papel


intermediador do professor de Ensino Religioso na resolução desses potenciais conflitos
que abrangem o combate ao racismo, à injúria racial e ao preconceito às religiões de
matriz africana dentro das salas de aula? Para responder tal questionamento, este
ensaio tem como finalidade apresentar uma reflexão introdutória acerca da tarefa do
docente como mediador dos conflitos mencionados sem abrir mão de conscientizar
alunos e pais para a importância do respeito mútuo e do convívio de todos em um
mesmo espaço.

2 Procedimentos metodológicos

Trata-se de ensaio teórico (LARROSA, 2003; ALVES, 2000) que se utiliza da


narrativa bibliográfica e que vai contemplar três diferentes etapas. A primeira consiste
em contrastar o Ensino Religioso nos moldes iniciais do Brasil colonial com os moldes da
pós-modernidade, focando as diferenças entre ambos, já que o praticado no Brasil
Colônia tinha um perfil mais doutrinador, ao passo que o atual é mais conciliador. A
segunda etapa busca discutir o preconceito racial e religioso no país, sua origem e
realidade, destacando os desafios enfrentados pelo educador dentro das salas de aula
e o que este pode refletir para a vida do aluno na sociedade. Por fim, a terceira pretende
enfatizar o papel do docente no combate ao preconceito às religiões de matriz africana
dentro do espaço escolar.

3 Resultados e discussão

3.1 Contexto histórico do Ensino Religioso


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A disciplina de Ensino Religioso na atualidade tem sido vista com certa


desconfiança, sobretudo em relação à legitimidade de seu lugar dentro do currículo
escolar. Falar sobre “religião” não é algo fácil de fazer. Atualmente, observa-se que a
disciplina tem uma conotação diferente das demais:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação


básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (BRASIL, 1997,
Art. 33)

Por ter sido catequizado por padres jesuítas durante o período colonial, o Brasil
instituiu o Ensino Religioso nos primórdios da sua história, ressaltando que emergiu com
os conteúdos de português e matemática. Naquela época, diferentemente dos moldes
atuais, havia uma função doutrinadora ou catequista, já que tal ensino ultrapassava a
incumbência de ensinar aos índios a nova língua, a principal atribuição era catequizá-
los.

As modernas tendências culturais e do conhecimento acadêmico, principalmente


em razão da Reforma Protestante (século XVI) e da Revolução Francesa (final do século
XVIII), fizeram com que o Ensino Religioso fosse perdendo espaço, inclusive na educação
brasileira. Por muito tempo, o país foi predominantemente agrário, período em que os
padres detinham o poder. Somente após os anos de 2000, no governo Lula, o Estado
brasileiro assumiu-se como laico. Tal transformação alterou também a apresentação do
Ensino Religioso nas salas de aula.

A PGR solicita a suspensão da eficácia do dispositivo I do Artigo 33 da LDB,


que autoriza a oferta do ensino religioso em escolas públicas neste modelo,
tendo como professores representantes das confissões religiosas adotadas,
assim como do Artigo 11 do Decreto nº 7.107/2010, que segue na mesma
linha [...]. No caso das escolas particulares, a ADI não se aplica, já que essas
não utilizam recursos públicos para a oferta de ensino religioso. (HIROMI;
GOIS, 2017, p. 1)

A disciplina de Ensino Religioso tornou-se facultativa há muitos anos. Tal aspecto


concorre tanto para o desinteresse do alunado quanto para uma possível falta de
estímulo do professor que a leciona.

Nesse cenário, vale destacar que o crescimento dos índices de violência tem
trazido novas reflexões às autoridades no que se refere à importância da matéria. Em
tempos atuais, o Brasil lidera o ranking mundial de violência nas escolas. De acordo com
Kianek e Romani (2019), o “Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São
Paulo (Apeoesp), em 2017, revela que 51% dos professores da rede estadual já sofreram
algum tipo de violência – porcentual acima dos 44% registrado três anos antes”. Sobre
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as agressões a professores, os autores ainda complementam que pesquisa realizada pela


Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que “em
2013, 12,5% dos professores ouvidos no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais
ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana” (KIANEK; ROMANI, 2019).

Apesar de ser algo polêmico, reconhece-se que a religiosidade dentro do ambiente


escolar pode ser um elemento reconciliador, principalmente no que diz respeito à
tolerância entre as pessoas, e ainda ser um antítodo contra a violência. Segundo
argumentam Hiromi e Gois (2017, p. 3), “o ensino religioso oferecido atualmente nas
escolas brasileiras não tem sido eficiente no combate à intolerância no ambiente
escolar”.

Sobre o papel da escola nesse contexto, Melo (2012, p. 29) afirma que “a escola é
uma instituição socializadora, sendo esta ação [a intolerância], contrariamente,
conservadora da sociedade”. Em tempos contemporâneos, observa-se frequentemente
a ausência dos pais, em função da necessidade de trabalharem para manter a família.
Diante desse quadro, a responsabilidade, o cuidado e a formação moral dos filhos ficam
sob a égide da instituição escolar, tarefa que tradicionalmente estava sob encargo da
família. Desse modo, com mais essa atribuição, os professores, muitas vezes, estão
sozinhos na batalha de educar os alunos. Franklin (2016, p. 63) comenta que “uma
escola que se propõe a educar uma criança precisa estabelecer condições para que ela
consiga, em meio à vivência escolar, adquirir a habilidade de captar significados do
mundo que a cerca”.

3.2 O preconceito racial e o religioso no Brasil

O que têm em comum o preconceito racial e o religioso atualmente no Brasil? A


resposta é a pessoa do negro. O país se sobressai pela opressão social relacionada a
grupos não hegemônicos, destacando-se por elevados índices de racismo quando
comparados aos de outros lugares do mundo. Os assassinatos, o desemprego e até
mesmo o salário daqueles que estão empregados dão contam de uma disparidade
enorme entre negros e brancos. “O crime de racismo atinge uma coletividade
indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça” (BRASIL,
2016, p. 8).

Mas, o que é o racismo? “Racismo é a doutrina que afirma a superioridade de


determinados grupos étnicos, nacionais, linguísticos, religiosos, sobre outros. Por
extensão, o termo passou a designar as ideias e práticas discriminatórias advindas dessa
afirmada superioridade” (LOPES apud BRASIL, 2016, p. 8).
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Uma forma de preservação do sentimento de superioridade e manutenção de


ações preconceituosas diz respeito a práticas vivenciadas no cotidiano. Acontecem de
diferentes maneiras, tal como um xingamento ou ofensa, como são observados em
diversos casos. Atualmente, episódios dessa natureza ganharam força denunciadora
pelo poder das mídias, com ênfase às redes sociais. Muitas dessas ocorrências abalaram
o mundo esportivo, como os casos dos atletas de futebol Grafite (em 2005), depois
Aranha (2014) e Tinga (2015). Mais recentemente, em 2019, atitudes racistas
alcançaram os jogadores Balotelli, Lukaku e Taison, assim como um segurança que
trabalhava em um clássico do futebol mineiro. “A injúria racial consiste em ofender a
honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou
origem” (BRASIL, 2016, p. 8).

De acordo com Moore (2007, p. 38), o “racismo é um fenômeno eminentemente


histórico ligado a conflitos reais ocorridos na história dos povos”. O autor ainda comenta
a respeito do conceito de “raça existe: ele é uma construção sociopolítica”, ou seja, está
mais ligado a sua identidade como indivíduo − dito de outro modo,como ele se enxerga
na sociedade.

Tal construção é alimentada por uma concepção relacionada à cor da pele e ao


status do indivíduo negro que serviu a várias sociedades como escravo ao longo de
séculos. Dessa forma, a desvantagem aparente, juntamente com a observação desse
sujeito como um ser inferior, contribui para um constructo adverso.

Em relação aos assassinatos, por exemplo, de acordo com o portal Terra (2014),
“dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde apontam
que, no Brasil, 71,4% das 49,3 mil vítimas de homicídios em 2011 eram negras – o que
corresponde a 35,2 mil assassinatos”. Segundo a notícia, “morrem 153,4% mais negros
do que brancos por homicídios no Brasil” (Terra, 2014). Ribeiro (2019) destaca que no
estado do Espírito Santo morrem cinco vezes mais negros do que brancos, ainda que
63,3% da população se autodeclare parda ou negra.

Logo após a abolição da escravatura, os negros, mesmo libertos, tinham direitos


limitados, a discriminação os impedia de frequentar os mesmos lugares que a população
branca, incluindo as escolas, e o direito ao voto era negado, perpetuando uma situação
de inferioridade. Era o início de um cenario no país que perdura até hoje em diversos
tipos e formas.

As oportunidades de emprego são escassas no que tange à ascensão em cargos de


destaque, com possibilidades diminutas. De acordo com pesquisa realizada e divulgada
pelo Instituto Ethos em 2017, dentre as 500 maiores corporações do país, apenas 4,7%
dos cargos executivos são ocupados por negros em um país no qual 55% da população
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é de afrodescendentes. Ribeiro (2019) destaca que “70% dos negros estudam em área
de risco no Espírito Santo”.

A negação do racismo e a evolução do conceito de democracia racial se


aperfeiçoaram com o conceito de meritocracia, segundo o qual os negros que
se esforçarem poderão usufruir de direitos iguais aos dos brancos. Tal
conceito, na prática, apenas serviu para a manutenção da desigualdade entre
brancos e negros. (BATISTA, 2018, p. 2584)

O racismo é visto como devastador e nocivo ao negro por fender uma


oportunidade, uma chance de estudar ou de trabalhar e, por assim dizer, de buscar um
futuro melhor. Essa é a realidade no Brasil que, talvez em sentido análogo e em alguns
aspectos, lembra o regime de casta na Índia. Almeida (2018, p. 25) descreve como
funciona esse sistema no país: existe “uma forma sistemática de discriminação que tem
a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo racial
ao qual pertençam”.

Outro assunto que merece destaque é o preconceito religioso, que surgiu no


Brasil Colônia, por conta da catequização dos índios e, posteriormente, dos negros
oriundos da África. Essa convicção provocou a perseguição àqueles que não seguissem
os ditames da Igreja Católica. Essa forma de discriminação se estendia aos judeus
refugiados no Brasil, que foram obrigados a declarar a fé católica para não ser mortos
pela Inquisição.

Posteriormente, os evangélicos, no século XX − já que os protestantes só chegaram


ao Brasil depois da segunda metade do século XIX −, sofreram o mesmo tipo de assédio.
Com o recente aumento do protestantismo no Brasil, os preconceitos, adjuvados por
algumas correntes evangélicas, se voltam para as religiões de matriz africana.

A questão é de grande relevância, dado o contexto de intolerância religiosa


presente nas escolas públicas, afetando o bem-estar e a aprendizagem dos
estudantes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015,
publicada em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
4,2% dos estudantes de 13 a 17 anos que disseram ter sido vítimas de
humilhação na escola apontaram sua religião como motivo − é a quarta
principal razão de provocações feitas pelos colegas, atrás apenas da
aparência do corpo, da aparência do rosto e da cor/raça, e à frente de
orientação sexual e região de origem. (HIROMI; GOIS, 2017, p. 2)

Fiorotti (2019, p. 1) destaca que “o crescimento do pentecostalismo no Brasil


continua impactando negativamente as religiões afro-brasileiras”. Parte significativa das
igrejas denominadas evangélicas pentecostais acentua a guerra espiritual contra as
religiões de matrizes africanas.
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Algumas religiões parecem compactuar com concepções que enxergam os


indivíduos negros como seres inferiores. Os ensinamentos dos mórmons mencionam
que os negros não entrarão nos céus; Allan Kardec, fundador do espiritismo kardecista,
religião com muitos adeptos no Brasil, caracteriza os negros como indivíduos de alma
inferior. Ricardo (2013, p. 1) ilustra a opinião com as próprias palavras de Kardec:

Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos, como


espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são
verdadeiras crianças às quais pode-se ensinar muita coisa; mas por cuidados
inteligentes, pode-se sempre modificar certos hábitos, certas tendências, e já
é um progresso que levarão numa outra existência, e que lhes permitirá, mais
tarde, tomar um envoltório em melhores condições.

Recentemente, de acordo com a reportagem de Torres (2018), a Record TV, que


pertence ao grupo religioso da Igreja Universal do Reino de Deus, foi condenada a exibir
16 programas em horário nobre acerca das religiões de matriz africana devido às suas
declarações e seus livros. O autor destacou a posição da desembargadora que conduziu
o caso, pontuando que a emissora é uma empresa detentora de um serviço público,
conforme a Lei de Radiodifusão, possuindo um serviço público, e não estaria avalizada
a usar seu poder para ofender outras religiões.

A igreja é uma grande influenciadora de vidas, o que é dito em um culto ou por


um pregador pode refletir nas ações de crianças e adolescentes nas salas de aula. O caso
acima mencionado acerca do tratamento dispensado às religiões de matriz africana
mostra muito do pensamento de parte dos líderes religiosos neopentecostais. Segundo
Fiorotti (2019, p. 1), “diversos destes atos de intolerância dos evangélicos são
decorrentes de alianças entre igrejas e políticos evangélicos, ou mesmo por mais
extraordinário que possa parecer, entre igrejas e ‘traficantes evangélicos’”.

Recentemente, um pastor evangélico foi preso no Rio de Janeiro por envolvimento


com o tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, traficantes, agora evangélicos, expulsaram
praticantes de religiões de matriz africana de suas casas e destruíram os terreiros como
se fosse uma espécie de processo de “purificação” da comunidade.

Porém, é nas escolas que esse conflito se torna mais frequente, conforme relata
Zuazo (2017, p. 1):

A Polícia Civil investiga um caso de intolerância religiosa ocorrido dentro de


uma escola pública em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Aluna
do 6º ano no Colégio estadual Padre Manuel da Nóbrega, no bairro
Brasilândia, a jovem Kethelyn Coelho, de 15 anos, que é candomblecista, foi
alvo de ofensas por parte de outros estudantes em sala de aula.

Os traumas decorrentes dessa experiência sofrida por Kethelyn podem acarretar


futuros problemas psíquicos em razão da humilhação vivenciada no ambiente escolar.
Torna-se importante relatar que a aluna de 15 anos está acima da idade escolar regular
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para o sexto ano, em que as idades variam entre 11 e 12 anos. O autor da reportagem
ainda destaca:

Ao ouvir provocações como “gorda macumbeira” e “macumbeiros têm que


morrer”, a vítima se levantou para discutir com os adolescentes e acabou
sendo expulsa do recinto pela professora. O caso foi registrado na Delegacia
de Atendimento à Mulher (Deam) de São Gonçalo, no último dia 14. (ZUAZO,
2017, p. 1)

Zuazo (2017, p. 1) comenta que “de acordo com o promotor de vendas Leandro
Bernardo Coelho, de 35 anos, pai da jovem, Kethelyn já vinha sofrendo bullying por
causa da religião desde o início do ano, quando se matriculou na unidade”. Como
Kethelyn, existem diversas crianças e adolescentes em várias partes do Brasil passando
pela mesma situação de ser discriminada.

Hiromi e Gois (2017) destacam um fator fundamental nessa balança: “o estudo


Laicidade e Ensino Religioso no Brasil, realizado em 2010 pelas pesquisadoras Debora
Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, da Universidade de Brasília, revelou que o foco
do ensino está na religião cristã”. Em outras palavras, se as crianças e os adolescentes
não estão preparados para a diversidade religiosa dentro do ambiente escolar, da
mesma forma muitos profissionais da área de educação não estão aptos a vivenciar e
trabalhar com a diversidade:

Para chegar a essa conclusão, as pesquisadoras avaliaram as legislações


estaduais sobre ensino religioso e uma amostra de 25 livros didáticos
adotados no país. Com isso, o ensino religioso, de modo geral, “ignora a
diversidade e o pluralismo cultural da sociedade brasileira, estimula a
intolerância e transmite preconceitos”, segundo as pesquisadoras. (HIROMI;
GOIS, 2017, p. 3-4)

É preocupante a situação de despreparo profissional e social do professor que


ministra o Ensino Religioso, principalmente no que diz respeito à diversidade das
religiões presentes no país. Ressalta-se ainda a incapacidade dos governantes acerca do
tema.
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3.3 O papel do professor de Ensino Religioso no combate ao preconceito às religiões


de matriz africana

O professor de Ensino Religioso, apesar da condição legal imposta à disciplina,


desempenha um importante papel a respeito da diversidade religiosa dos alunos. As
lacunas quanto ao material didático e à questão pedagógica propriamente dita lhe
impõem uma autocapacitação e reavaliação constante dentro do contexto.

Cabe a ele transformar a disciplina em um ponto de apoio aos alunos, um refúgio


em meio às pressões constantes acerca do desempenho escolar nas demais disciplinas.
Além disso, ela deve ser um canal que levará o aluno ao conhecimento e ao respeito
mútuo por meio de conversas e diálogos relevantes que podem auxiliá-lo nos
relacionamentos futuros.

Informação e diálogo são ferramentas eficazes para combater a intolerância


religiosa nas escolas. Ao entender que as religiões são manifestações culturais
legítimas, os estudantes podem aprender a conviver com as diferenças,
valorizar a diversidade e construir a própria identidade. (HIROMI; GOIS, 2017,
p. 3-4)

Houve, de modo confluente, o crescimento do pentecostalismo evangélico no


Brasil, bem como um aumento da incidência de violência e intolerância religiosa, ainda
que não possamos inferir diretamente uma associação entre essas situações. Fiorotti
(2019, p. 1) destaca que “as religiões afro-brasileiras historicamente também têm
sofrido com desqualificações e com criminalizações por parte do poder público, sendo
continuamente acusadas de charlatanismo e curandeirismo”.

O autor também chama a atenção para a relação entre intolerância religiosa e


racismo:

A relação entre a intolerância religiosa e o racismo é constatada pelo fato das


religiões afro-brasileiras e seus adeptos serem aqueles que mais sofrem
ataques discriminatórios. As religiões afro-brasileiras (ou religiões brasileiras
de matrizes africanas) carregam a herança africana em diversos aspectos; por
exemplo, mantiveram o culto às divindades da natureza e aos ancestrais
através da tradição oral, algo que é considerado por muitas pessoas como
“primitivo”, atrasado, sujo, repulsivo, “coisa de preto”. (FIOROTTI, 2019, p. 1)

A cartilha Racismo é crime, do Ministério da Justiça e Cidadania, sublinha que “o


combate ao racismo deve ser um compromisso de todos se quisermos ser uma
sociedade justa e igualitária” (BRASIL, 2016, p. 6). Nos últimos anos, destaca Fiorotti
(2019, p. 1), “o racismo volta-se contra os rituais dos candomblés que são considerados
repulsivos e cruéis por conta dos sacrifícios de animais, há inclusive novas tentativas de
criminalização destes rituais”.
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É necessário compreender que o professor de Ensino Religioso não é mais um


doutrinador como ocorria no passado. A figura do catequizador de crianças, como
acontecia no catecismo ou nas escolas bíblicas das igrejas evangélicas espalhadas pelo
Brasil, não se ajusta ao mundo contemporâneo. O professor de hoje é conciliador, sua
responsabilidade é levar o aluno, por meio da própria religiosidade, a respeitar o espaço
do outro.

Ainda enquadra-se entre as funções do professor considerar a realidade vivida


pelos alunos, já que cada um deles experimenta diariamente conflitos pessoais na
sociedade a qual pertence, na família, no trabalho, na escola e na religiosidade. Tais
conflitos alcançam frequentadores de igrejas, mesquitas, sinagogas ou terreiros.

Hiromi e Gois (2017, p. 4) destacam que “uma gestão comprometida com a


equidade deve estar atenta à questão, desenvolvendo ações de combate ao preconceito
e à discriminação no espaço escolar”. É importantíssimo que os professores estejam
atentos a qualquer sinal de discriminação religiosa ou preconceito racial dentro da sala
de aula, pois ali é o lugar onde as correções ainda podem ser feitas. Também é válido
observar que os pais são parte fundamental nessa equação, acompanhando mais de
perto essas questões com seus filhos.

4 Considerações finais

Em primeiro lugar, este ensaio observou que, por meio da educação, o racismo e
o preconceito religioso poderão ser devidamente combatidos, e as possibilidades de
obter resultados satisfatórios são potentes. A parceria com alunos e pais é crucial para
a obtenção desse êxito. É preciso haver disponibilidade e compromisso de ambas as
partes. Importa frisar que foram apontados dados e pesquisas realizadas recentemente
acerca do sofrimento experimentado pelas vítimas do racismo e do preconceito
religioso.

O professor de Ensino Religioso é um reconciliador cultural em classe. É aquele


que irá gerir os conflitos e tratar de conciliar as pessoas, levando-as ao convívio entre
elas, em classes. Torna-se importante destacar que a informação e o diálogo são
ferramentas fundamentais na batalha contra o preconceito racial e a intolerância
religiosa e que ambos têm um fator comum: o racismo. A consciência da relevância do
seu papel junto à comunidade e na relação entre alunos, pais e professores é adjuvante
nesse processo. O conhecimento, a formação e o preparo técnico para poder lidar com
essas diferenças amplificarão os sons da boa convivência e da diversidade.
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Referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte:


Letramento, 2018.

ALVES, Isidoro M. A ensaística e o trabalho científico. Logos, v. 7, n. 2, p. 14-


17, 2000.

BATISTA, Waleska Miguel. A inferiorização dos negros a partir do racismo


estrutural. [Resenha]. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p.
2581-2589, out./dez. 2018. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rdp/a/nkt6FjJDWMvfV7DsqfBY4XK/?lang=pt. Acesso em:
30 jan. 2020.

BRASIL. Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros


Curriculares Nacionais: ensino religioso. 2. ed. São Paulo: AM Edições, 1997.

BRASIL. Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Especial de Políticas de


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