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RIO 

— A pandemia da Covid-19 serviu para intensificar um


fenômeno que ocorre há décadas: a concentração de riqueza no
mundo. Desde 1995, o 1% mais rico capturou 38% da riqueza
global produzida no período, enquanto o os 50% mais pobres
ficaram com apenas 2% desse montante.

Hoje, um seleto grupo de 520 mil bilionários, que fazem parte do


0,01% mais rico, detém 11% da riqueza global. Esse número
correspondia a 7% em 1995.

Natal com fome:Beneficiários dos extintos Bolsa Família e


Auxílio Emergencial devem passar fim de ano à míngua

É o que mostra o último relatório “Desigualdade Mundial”,


divulgado nesta terça-feira e produzido pelo laboratório de mesmo
nome que tem o francês Thomas Pikkety (autor do best-seller "O
capitalismo no século XXI") como um dos seus coordenadores.

Os números do relatório são calculados com base na paridade do


poder de compra. É nada mais que uma métrica que compara as
moedas de diferentes países por meio de um índice que mensura o
poder de compra.
A parcela de riqueza capturada pelos 10% do topo é sempre superior ou próxima aos
70%. Foto: Editoria de Arte

Bilionários ganharam US$ 3,7 b tri


só em 2020

O cálculo considera a quantidade de recursos necessários para


adquirir um conjunto de bens e serviços em um país, que pode ser
comparada com a de outros.
O principal autor do relatório e coeditor do laboratório, Lucas
Chancel, destaca que a riqueza dos bilionários globais cresceu US$
3,7 trilhões em 2020, quantia próxima ao montante de gasto
público global com saúde no mesmo período, que foi de US$ 4
trilhões.

CONHEÇA O SELETO GRUPO DOS QUE TÊM FORTUNA DE US$ 100 BI

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Dono da Tesla e da Space X, Elon Musk acumula atualmente uma fortuna de US$ 222,1
bilhões, ocupando o primeiro lugar do ranking de centibilionários da Bloomberg Foto:
POOL / REUTERS
Fortuna do fundador da Amazon, Jeff Bezos, bate US$ 190,8 bilhões Foto:
ALESSANDRO DI MARCO / ANSA
Com uma fortuna
de US$ 155, 6 bilhões, Bernard Arnault, presidente e diretor executivo da LVMH, a
maior empresa de artigos de luxo do mundo, dona das marcas Louis Vuitton, Dior e
Givenchy, entre outras, ocupa a terceira posição do ranking de centibilionários. Foto:
Balint Porneczi /
Bill Gates, fundador da Microsoft, tem atualmente uma fortuna avaliada em US$ 127,9
bilhões Foto: SAMUEL CORUM / Agência O Globo

Larry Page, do Google, soma uma fortuna de US$ 124,5 bilhões Foto: Eduardo Munoz /
Reuters
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A fortuna do CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, chega a US$ 123 bilhões Foto:
JOSH EDELSON / AFP

Ao lado de Larry Page (à direita), Sergey Brin, cofundador do Google, acumula um


patrimônio de US$ 120,1 bilhão Foto: John Cogill / Bloomberg News
O fundador da Oracle, Larry Ellison, entrou para o clube ao bater uma fortuna de US$
108,3 bilhões. Foto: Reuters

Steve Ballmer, o ex-CEO da Microsoft, é o mais novo integrantes do grupo de


'centibilionários', com um patrimônio líquido de mais de US$ 105,7 bilhõess Foto:
Bloomberg
O megainvestidor americano Warren Buffett soma uma fortuma de US$ 103,4 bilhões
Foto: AFP
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Ao atingir um patrimônio de US$ 100,6 bilhões, o magnata indiano Mukesh Ambani


acaba de entrar para o clube de centibilionários, ao lado de Jeff Bezos e Elon Musk
Foto: Bloomberg
 — Essa polarização no mundo não é algo novo. O que aconteceu
durante a crise da Covid-19 é a exacerbação desse padrão que
observamos desde o início dos anos 90. Há variações entre as
regiões do mundo. Mas a parte mais pobre, um lado significativo
da população em cada região, sistematicamente tem menos de 5%
da riqueza  — destaca Chancel.

Benefícios:  Governo quer pagar Vale-gás de R$52 junto ao


Auxílio Brasil de R$ 400 ainda em dezembro

Mas o que pode ser definido como


riqueza?

Por riqueza, entende-se um recurso econômico que foi acumulado


ao longo do tempo.
Elon Musk, fundador da Tesla, alterna com Jeff Bezos, da Amazon, no posto de mais
rico do mundo Foto: Bloomberg
Ela surge tanto da acumulação de capital - que pode estar na
forma de imóveis, ações e dinheiro - quanto dos efeitos do preço,
isto é a valorização ou desvalorização, desses ativos.

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E uma vez que a riqueza é uma fonte importante de ganhos


econômicos futuros, além de poder e influência, a atual realidade
é um presságio de aumento na desigualdade futura se nada for
feito.

Na América Latina, 10% fica com


77% da riqueza

E essa desigualdade está presente em todos os continentes. A


parcela de riqueza capturada pelos 10% do topo é sempre superior
ou próxima aos 70%.

Na América Latina, os 10% do topo da pirâmide detêm 77% da


riqueza total das famílias, muito superior a 1% capturado pelos
50% da base.

A comparação fica ainda mais clara quando se divide a riqueza


média dos 10% do topo pela riqueza média dos 50% da base.

ÓRFÃOS DO AUXÍLIO EMERGENCIAL

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Os invisíveis do Auxílio Brasil: Maria Nascimento com sua filha,Francisca Vitória.
Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Thamires Dias, de 26 anos, moradora de Santa Cruz, no Rio, cria sozinha seis filhos,
mas só recebe o Bolsa Família referente a quatro deles. Foto: Hermes de Paula /
Agência O Globo
Mãe de seis filhos, Gizelia de Oliveira Sebastião, de 40 anos, aguarda desde setembro
do ano passado o resultado da averiguação que suspendeu o pagamento do seu auxílio
emergencial. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Indiara dos Santos, de 22 anos, mãe solo de duas meninas de 2 e 4 anos, recebeu até
outubro o auxílio emergencial de R$ 375. Ela não sabe se será incluída no Auxílio
Brasil de R$ 400. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
O Ministério da Cidadania informou que o programa Auxílio Brasil vai entrar em vigor
em novembro e que o calendário do mês está mantido. Foto: Hermes de Paula / Agência
O Globo
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Gizelia recebeu o Auxílio Emergencial de R$ 1.200, pago a mães solo, e que agora está
recebendo o auxílio de R$ 375. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Na Europa, região menos desigual, os 10% mais ricos possuem
cerca de 66 vezes a riqueza dos mais pobres, enquanto nas regiões
mais desiguais esse número passa dos 100.

0,01% mais rico, detém 11%

Olhando novamente para a América Latina, a riqueza média dos


10% mais ricos é 630 vezes superior a dos 50% mais pobres.
América Latina está entre as três regiões com maior discrepância em relação à renda.
Foto: Editoria de Arte
Os autores projetam que, em caso de manutenção das taxas de
desigualdade  de riqueza vistas nas últimas décadas, no ano de
2070, o 0,1% mais rico irá capturar mais de um quarto da riqueza
global e, no final do século, essa parcela será maior do que os
40%.

Concentração também na renda


E quando o critério de análise passa a ser a renda, o cenário não é
muito diferente. Os 10% mais ricos possuem cerca de 52% da
renda global, enquanto os 50% da base correspondem por 8%
dela.

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Na prática, isso quer dizer que os mais pobres ganham apenas


€2,800, o equivalente a US$ 3,920 por ano. Já os 10% mais têm
em suas mãos €87,200, correspondentes a US$ 122,100 por ano.
Esse valor é quase cinco vezes maior que a média global.
Desigualdade no interior dos países acelera. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
A renda média do 1% mais rico é 144 vezes maior que a renda
média do 50% mais pobres.

Por renda, entende-se o valor que os indivíduos recebem em seus


contracheques, quando têm um, antes da cobrança de impostos e
já contando os valores de pensão e aposentadorias.
Se dividirmos a renda média dos 10% mais ricos com os 50% da
base, assim como fizemos com as taxas de riqueza, vemos que as
regiões do norte da África e Oriente Médio, África Subsaariana e
América Latina estão entre as mais desiguais.

Na América Latina, os 50% da base ganham 27 vezes menos do


que os 10% do topo. Já no Brasil, os 50% da base têm renda média
29 vezes menor do que os 10% do topo.

Viu isso? Governo quer ampliar programas sociais em ano de


eleição, mas Orçamento é apertado

Para Chancel, países que possuem sistemas de proteção social


bem estabelecidos conseguiram conter a pobreza durante a crise
da Covid-19, como ocorreu na Europa Ocidental.

 — Políticas públicas importam. Políticas têm sido efetivas para


atacar a pobreza e a desigualdade no passado e nós observamos
um impacto positivo durante a crise da Covid-19 em certos países.
Desigualdade e pobreza são escolhas políticas ao invés de
restrições econômicas. Intervenção governamental é chave para
atacar desigualdade e quando olhamos para diferentes regiões do
mundo, algumas estão fazendo isso melhor que outras e isso é
evidente quando olhamos para renda  — disse.

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Governos mais pobres


No relatório, os autores destacam que um fenômeno que se tem
visto em termos de desigualdade é a redução da desigualdade de
renda entre os países, mas o aumento dela no interior dos países.

Ativistas da ONG britânica Oxfam satirizam líderes de grandes economias em protesto


na COP26, em Glasgow, contra o que consideram ações insuficientes dos países ricos
contra as mudanças climáticas: pegada de carbono também é um termômetro da
desigualdade Foto: LEE SMITH / Reuters
Outro ponto que chama atenção é o empobrecimento dos
governos. Segundo o relatório, nos últimos 40 anos, os países
tornaram-se mais ricos, mas a parcela da riqueza pública vem
diminuindo enquanto a do setor privado cresce.

Essa tendência foi intensificada pela pandemia, quando muitos


governos contrataram débitos para financiar programas de auxílio
e aumentaram sua dívida.

Manobra:  PEC dos Precatórios será fatiada e alterações só serão


votadas pela Câmara em 2022

Chancel destaca que essa é uma questão que os governos terão de


enfrentar no futuro próximo.

 — O que os governos fizeram durante a crise da Covid-19 foi jogar


para baixo do tapete quem vai pagar a conta e agora essa questão
está aberta para as sociedades. As gerações mais jovens vão pagar
esse débito no futuro? A inflação vai contribuir para pagar esse
débito?  — questiona.

Mulheres seguem recebendo menos

No recorte por gênero, o cenário de desigualdade persiste. A


participação das mulheres na renda do trabalho global pouco
avançou da década de 1990 até hoje. Esse percentual se
aproximava de 30% em 1990 e agora é de menos de 35%.

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Meninas em escola do Afeganistão, país que tem a pobreza agravada há décadas por
guerras e regimes autoritários: No recorte por gênero, a participação das mulheres na
renda do trabalho global pouco avançou desde a década de 1990. Elas são menos de
35% no mercado Foto: HECTOR RETAMAL/16-11-2021 / AFP
Os motivos da discrepância entre a participação de homens e
mulheres já são conhecidos. Em geral, elas gastam mais tempo em
atividades de trabalho não remunerado e, mesmo quando
conseguem entrar no mercado formal, possuem rendimentos
salariais menores.
O cenário vem mudando, ainda que a passos bem lentos. Um
recorte que inclui Brasil, Costa Rica, Espanha, França e Estados
Unidos mostra que em todos esses países ocorre um crescimento
das mulheres no topo de suas distribuições salariais desde a
década de 1990.

Presença feminina entre os 10% mais ricos sobe no Brasil, mas desigualdade em relação
aos homens persiste. Foto: Editoria de Arte
No Brasil, o percentual de mulheres brasileiras entre o grupo dos
10% mais bem assalariados cresceu de 24% em 1996 para cerca de
36% em 2018%.

Quando se olha o 1% dos mais bem assalariados, a participação


das mulheres é menor, o que indica que ainda há um teto que não
foi superado por elas. Vale destacar que a representação de
mulheres no 1% aumentou mais rapidamente no Brasil e na
Espanha do que nos Estados Unidos.

Chnacel destaca que o estudo fornece sinalizações sobre o


caminho que a desigualdade global vem trilhando, além de
oferecer sugestões para os governos lidarem com esse cenário, que
foi intensificado pela pandemia.

 — Um mundo desigual e com sociedades mais desiguais tem mais


dificuldades para enfrentar situações como a crise da Covid-19. Há
vários benefícios para se mover para uma sociedade mais igual e
um deles é estar em uma melhor posição para enfrentar os
desafios do século XXI  — disse.

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