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UMA BREVE HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: DA

CRIAÇÃO DAS ESCOLAS NORMAIS AS TRANSFORMAÇÕES DA


DITADURA CIVIL-MILITAR

BERTOTTI, Rudimar Gomes 1 - UFPR

RIETOW, Gisele 2 - PUCPR

Grupo de Trabalho: Formação de professores e profissionalização docente


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

A presente investigação parte do princípio de que a maioria dos países ainda não obteve êxito
em alcançar os padrões mínimos para colocar a profissão docente a altura da sua importância.
Diversas modificações têm sido realizadas, tanto em termos legais quanto em aumento da
discussão acerca de quais seriam as características que comporiam a formação ideal,
abrangendo desde estudos sobre o perfil dos estudantes que optam pela docência, quanto
trabalhos comparativos entre instituições formadoras, reflexões acerca do currículo. Essas
investigações apontam para permanência de preceitos neoliberais, a proliferação de cursos de
formação a distancia, bem como a dissociação entre teoria e prática pedagógica.
Considerando-se que para melhor analisar o presente, é necessário retomar o passado,
buscando desvendar aspectos positivos e negativos das práticas adotadas, optou-se por
realizar um exame teórico para nortear a compreensão da problemática que envolve a
formação docente no Brasil, possibilitando, ao presente estudo, analisar a evolução das
estratégias de formação de professores no Brasil e relacioná-la ao período histórico e as
políticas econômicas que influenciaram em diversas esferas a nossa sociedade. Considerando
as dificuldades na formação dos professores do Brasil, faz-se necessário a presente
investigação no sentido de desvendar as ações que permearam a preparação dos nossos
docentes no decurso da história. Para alcançar o objetivo proposto, utilizou-se a pesquisa
bibliográfica, apoiada em livros, revistas e artigos especializados, com base em Tanuri (2000),
Saviani (2011), Perrenoud (2002), Gatti (2009), Cunha (1985), Romanelli (1984), Freire
(2012), Tardif e Lessard (2005), Ribeiro (1986) e Gadotti (2004).

Palavras-chave: Formação de professores. Escolas normais. Ditadura civil-militar.

1
Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professor da SEED/PR e da prefeitura
municipal de Curitiba. E-mail: rudigbertotti@gmail.com.
2
Mestranda em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisadora da Fundação
Araucária. Professora do Núcleo de línguas da PUCPR e da SEED/PR. E-mail: gisele.rietow@pucpr.br.
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Introdução

A formação dos professores vem sendo objeto de debate e de profundas reformulações


no Brasil e no mundo, “o fato é que a grande maioria dos países ainda não logrou atingir os
padrões mínimos necessários para colocar a profissão docente à altura de sua responsabilidade
pública para com os milhões de estudantes”. (GATTI, BARRETO, 2009, p. 8). Neste
contexto, a formação docente deve ser compreendida em sua plenitude por meio de uma
perspectiva histórica, que permita entender de que forma ocorreram os desdobramentos dessa
formação no decurso do tempo.
Ultimamente no Brasil a formação dos professores vem passando por inúmeras
transformações, num cenário claramente marcado por permanências neoliberais, competição,
crescimento desenfreado das licenciaturas à distância, presença de novas tecnologias
educacionais e a dissociabilidade entre formação específica e docente. Faz-se necessário
repensar a formação docente no Brasil, de forma que atenda as demandas da sociedade, afinal,
“o magistério, longe de ser uma ocupação secundária, constitui um setor nevrálgico nas
sociedades contemporâneas, uma das chaves para entender as suas transformações”
(TARDIFF e LESSARD, 2005).
Partindo do pressuposto de que é possível compreender o contexto por meio de sua
historicidade, pois, “não há atualidade nacional que não seja processo histórico” (FREIRE,
2012, p. 25), o objetivo geral do presente artigo é discorrer sobre a formação dos professores
em suas diferentes fases permeadas pelas influências do pensamento educacional brasileiro,
retomando o contexto histórico da formação dos professores na tentativa de compreender as
mudanças e permanências que selaram este processo.
Para atingir o objetivo citado utilizou-se a pesquisa bibliográfica, apoiada em livros,
revistas e artigos especializados.
O presente estudo divide o histórico da formação dos professores em três fases,
influenciadas por diferentes ideários da educação brasileira. O primeiro período corresponde à
criação das escolas normais e a presença das concepções iluminista e positivista na educação,
que se estende de 1890 a 1930. O segundo período é influenciado pelas ideias escolanovistas
e vai até 1961. E finalmente, o terceiro período estende-se de 1961 até 2001, sob a influência
da concepção pedagógica produtivista.
Por fim, destaca-se que a formação docente tem se defrontado com inúmeros desafios
no que tange a excelência dessa formação. Sendo alvo de críticas constantes, o processo de
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formação dos cursos de licenciatura tem de se adaptar as novas demandas do século XXI, “a
formação não tem nenhum motivo para abordar apenas a reprodução, pois deve antecipar as
transformações (PERRENEOUD, 2002, p. 17)”, assumindo dessa forma o relevante papel que
o magistério deve exercer na sociedade.

A criação das escolas normais

Com a criação das escolas normais, a educação brasileira do século XIX concebeu as
primeiras iniciativas no que tange a formação docente no país. Estas instituições foram
pioneiras no que se refere à formação dos professores, responsáveis pela instrução dos
docentes que atuavam no ensino elementar. A primeira experiência ocorreu na província do
Rio de Janeiro com a criação da primeira escola normal brasileira, por meio da Lei nº 10, de
1835. Nas décadas seguintes, a prática foi reproduzida em várias outras províncias do país.
Não obstante, as escolas normais não lograrem êxito, seja por falta de engajamento de
uma população predominantemente agrária e marcada pela escravidão ou pela ausência de
interesse pelo magistério. O fato foi que a implantação das escolas normais não produziu os
resultados esperados, conforme argumenta Tanuri:

Pode-se pois dizer que nos primeiros 50 anos do Império, as poucas escolas normais
do Brasil, pautadas nos moldes de medíocres escolas primárias, não foram além de
ensaios rudimentares e mal sucedidos. Em 1867, Liberato Barroso, registrando a
existência de apenas quatro instituições desse gênero no país – no Piauí, em
Pernambuco, na Bahia e no Rio –, lamentava o fato de que,em virtude de suas
deficiências, “nenhum aproveitamento notável tinham elas produzido até então”, de
forma que a escola normal era ainda uma instituição “quase completamente
desconhecida” (apud Tanuri, 1979, p. 22).

Por outro lado, sob a influência do ideário iluminista, a educação brasileira passou a
assumir uma importância profícua nos anos subsequentes. Talvez pelo crescimento da camada
burguesa que percebia a necessidade de oferecer instrução mínima para a massa trabalhadora
(GADOTTI, 2004) ou pela ideia que a educação colaboraria com o desenvolvimento do país.

A crença de que “um país é o que a sua educação o faz ser” generalizava-se entre os
homens de diferentes partidos e posições ideológicas e a difusão do ensino ou das “
luzes”, como se dizia frequentemente nesse período, era encarada como
indispensável ao desenvolvimento social e econômico da nação (Barros, 1959, p. 23)

Nesse sentido, tanto o iluminismo quanto o positivismo influenciaram na ênfase que o


Estado passara a creditar no setor educacional. Afinal, o positivismo fundamentava-se na
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visão científica da realidade, interferindo de forma decisiva no processo educacional e a


formação dos educadores no final do século XIX e início do XX.

No Brasil, o positivismo influenciou o primeiro projeto de formação do educador, no


final do século passado. O valor dado à ciência no processo pedagógico justificaria
maior atenção ao pensamento positivista. É inegável sua contribuição ao estudo
cientifico da educação (Gadotti, 2004, p. 111).

Contudo, desde o Império até a instauração da República, a instrução primária não era
centralizada, ficando sob a responsabilidade das províncias. O governo central ocupava-se do
ensino secundário e superior administrando o ensino primário somente no Distrito Federal.
Diante da ausência do governo central, os estados passaram a ser os protagonistas das ações
educacionais sob sua jurisdição. Em 1890 o estado de São Paulo iniciou uma ampla reforma
educacional alcançando ”avanços no que diz respeito ao desenvolvimento qualitativo e
quantitativo das escolas de formação de professores” (TANURI, 2000). Nesse contexto, havia
uma preocupação com a implantação do ensino graduado na Escola Normal, afinal, “a
condição prévia para a eficácia da escola primária é a adequada formação de seus
professores” (SAVIANI, 2011).
Considerando a reforma educacional concretizada em 1890, o modelo paulista que
estabelecia a instrução primária, a criação dos grupos escolares e a implantação das escolas
normais, se disseminou pelos outros estados da república. Inclusive, as modificações
substanciais que o governo do estado executava no setor educacional, como, por exemplo, a
instrução primária que fora dividida em duas partes: elementar e complementar com duração
de oito anos no total, sendo o ensino complementar uma preparação para o ingresso na escola
normal que passaria a ser dividida em ciclos. Esta alteração irradiou-se por outros estados da
nação, influenciando em 1923 o educador Lysimaco Ferreira da Costa no estado do Paraná,
que separou a escola normal, em dois cursos: o fundamental com duração de três anos e o
profissional com duração de três semestres (TANURI, 2000) .
No decorrer dos anos as escolas normais passariam a oferecer cursos de cinco anos
com fortes influências escolanovistas. Esta nova tendência se enraizaria em todas as esferas
da educação brasileira, oferecendo uma nova forma de enxergar as questões educacionais e a
formação do professor, iniciando um novo período educacional no país.
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Formação docente após a década de 30

A revolução de 1930 alterou a ordem político-social e a estrutura educacional do país.


Nesse sentido, a formação dos professores deixou de ser promovida pelas escolas normais,
com a instituição de cursos superiores para este fim. É necessário considerar que as
transformações na educação após a década de trinta, compõe um processo que vinha se
desenvolvendo desde o surgimento da Associação Brasileira de Educação em 1924 que
contribuiu na disseminação das ideias da escola nova. Não obstante a criação da ABE, o
marco histórico que registra a introdução do ideário escolanovista na educação brasileira fora
o “Manifesto dos pioneiros da Educação Nova” em 1932, que influenciaria no texto da carta-
magna de 1934 conforme os argumentos de Saviani (2011, p. 32)

O Manifesto é um documento de política educativa.[...Suas diretrizes influenciaram


o texto da Constituição de 1934, cujo capítulo sobre a educação resultou, porém, da
conciliação entre as posições opostas de católicos e renovadores].

Além disso, o movimento pela renovação da educação se traduziu em outras ações,


como o decreto do Estatuto das Universidades Brasileiras em 1931 que estabeleceu os
padrões de organização do ensino superior no Brasil, e a incorporação da Escola de
Professores de São Paulo e do Distrito Federal pela USP e pela Universidade do Distrito
Federal respectivamente. Caracterizando uma crescente preocupação com a preparação
docente que fora redirecionada das Escolas Normais para as universidades.
O modelo padrão para as universidades do país foi a Faculdade Nacional de Filosofia,
criada em 1939 e dividida em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia. Sendo o
curso de Pedagogia um bacharelado com uma seção especial de Didática que habilitava os
licenciados para a docência no ensino secundário. Nesse contexto, as medidas adotadas
inicialmente em São Paulo e no Distrito Federal disseminaram-se regularmente para os outros
estados da federação.
Por outro lado, a incorporação dos cursos ligados à educação nas Faculdades de
Filosofia, Ciências e Letras não lograram êxito, seja pela expansão desordenada das
faculdades de filosofia ou pela tradição das escolas profissionais isoladas. Embora a formação
docente das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras tenha se expandido pelo país atingindo
em 1964 o total de 32.396 alunos matriculados (ROMANELLI, 1984), em meados dos anos
sessenta, a maior parte dos professores era proveniente das escolas normais e de outros cursos
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superiores ofertados em sua maioria por faculdades isoladas. Conforme os argumentos de


Candau (1987, p. 16): “[...] dados referentes a 1960, nos mostram que menos de 20% dos
professores secundários são diplomados por faculdades de filosofia”.
Considerando que grande parte dos docentes provinha das escolas normais, faz-se
necessário destacar as alterações sofridas na estrutura dos cursos normais por meio da
promulgação das Leis Orgânicas a partir de 1942. As “Leis Orgânicas” também conhecidas
como “Reformas Capanema” trataram de diversos aspectos concernentes a educação como o
ensino industrial e secundário (1942), comercial (1943), normal, primário e agrícola (1946),
complementados pela criação do SENAI (1942) e do SENAC (1946). Todavia, no que se
refere à reformulação do ensino normal e primário destaca-se:

O ensino que era de 5 e de 2 anos passou a ser de 4 e 3 anos. Ao primeiro


corresponde o chamado curso ginasial e, ao segundo, o curso colegial. Este com
duas modalidades: o curso clássico e o curso científico. [...] o curso de mestria, de 2
anos, e estágio correspondente aos cursos industriais básicos e cursos pedagógicos
na indústria, de 1 ano para preparo dos professores e administradores [...].
(RIBEIRO, 1986 (1977), p. 137).

O período que compreende a segunda república (1946-1964) foi de intensos debates


acerca das questões educacionais. A nova constituição que entrara em vigor no ano de 1946,
definiu como competência da União fixar “as diretrizes e bases da educação nacional”.
Porém, a Lei de Diretrizes e Bases só foi promulgada em 1961, e segundo Saviani (2011) a
LDB (Lei n. 4024/61) manteve a estrutura fundamental da organização do ensino decorrente
das reformas Capanema, salvo algumas alterações.

Ditadura civil-militar e a formação dos professores

Para iniciar este item entende-se pertinente a colocação de Saviani (2011, p. 34) a
respeito da não criação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação após o golpe civil-
militar de 1964: “[...] dado que o golpe visava garantir a continuidade da ordem
socioeconômica que havia sido considerada ameaçada no quadro político presidido por João
Goulart, as diretrizes gerais, em vigor, não precisavam ser alteradas”. Nesse sentido, bastava
ajustar a organização da educação, o que se concretizou por meio do decreto das leis Nº
5540/68 (reforma universitária) e Nº 5692/71 (reforma do ensino de 1º e 2º graus).
A Reforma Universitária, por meio das medidas da Lei N o 5540 de 28 de novembro de
1968, alterou de forma profunda as estruturas da educação superior no país. O ensino passou
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ser ministrado preferencialmente nas universidades, salvo alguns casos isolados, ao passo que
a menor fração da estrutura universitária passou a ser o departamento que reunia as disciplinas
afins. Neste contexto, o governo extinguiu as faculdades e as reagrupou na universidade por
meio da federalização, desta forma foi eliminada a duplicação de meios para os mesmos fins,
como por exemplo: laboratórios e bibliotecas.
Para solucionar o problema da duplicação o governo criou departamentos para áreas
de conhecimentos afins, reunindo os profissionais por área congruente. Desta forma o
estudante de Pedagogia, que possuía em sua grade curricular a disciplina de Estatística, assim
como o discente de Engenharia civil, deveriam se dirigir ao departamento de matemática
aplicada para assistir a aula. Formando turmas “enormes” que prejudicavam o rendimento dos
alunos, mas que barateavam os custos com professor, apesar dos péssimos resultados
pedagógicos.
Contudo, a departamentalização inviabilizou a transição dos estudantes pelos
departamentos da universidade e, para solucionar o problema, o governo instituiu o método de
créditos. Importado das universidades americanas, o sistema preconizava que os estudantes
deveriam acumular os créditos necessários para a conclusão da graduação. Desconstruindo
dessa forma a integração estudantil, pois essa organização foi o responsável pela dissolução
das turmas, o que contribuiu para o enfraquecimento do movimento estudantil.
Entretanto, outro ponto que mereceu relevância e que era uma reivindicação de alguns
setores acadêmicos, foi a extinção da cátedra vitalícia. A reforma universitária extinguiu o
regime de cátedra, que por um lado afastou professores que não contemplavam a pesquisa,
mas em contrapartida desmantelou instituições e áreas acadêmicas que obtiveram sucesso
com o regime de cátedra como afirma Cunha (1985, p. 86):

Foi o caso das Faculdades de Medicina, para falar numa área acadêmica. Foi o caso,
também, da Universidade de São Paulo, para falar numa instituição especifica, que
teve em seus quadros professores catedráticos da maior competência. A “escola” de
Sociologia que se desenvolveu na USP, gérmen da fértil produção brasileira e latino-
americana, não foi barrada nem distorcida pelo regime de cátedras.

Entretanto, o corpo docente departamentalizado, sem a existência de uma hierarquia


como no regime de cátedra, trouxe como consequência o individualismo por parte dos
professores, “que dificulta ao máximo a formação dos grupos de trabalho, mas induz a
emergência dos meros grupos de interesses”. (CUNHA 1985, p. 87).
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A reforma universitária também propôs a extinção de unidades acadêmicas por meio


da departamentalização e a unificação de algumas ciências, como fora o caso da História e da
Geografia, cursos cujos departamentos foram fundidos, e demonstraram sinais do que
aconteceria com estas disciplinas no currículo de ensino do 1o grau (Estudos Sociais). A
reforma universitária veio a legitimar as licenciaturas curtas ou polivalentes, no caso da
História e da Geografia, a licenciatura em Estudos Sociais.
Neste contexto, a reforma universitária apresentou um caráter extremamente técnico
no que diz respeito as suas ações na transformação do modelo da educação superior no país.
A reforma, que já era uma antiga reivindicação por parte do movimento estudantil, foi
liderada pelo governo, que protagonizou uma mudança com aspectos “modernizantes”, mas
sem ferir com os anseios do conservadorismo. Pautada num contexto onde a educação está a
serviço do desenvolvimento econômico, a reforma transformou, mas, sobretudo sob um ponto
de vista técnico, como corrobora Romanelli (1984, p. 231):

Nesse contexto, a racionalização, a eficiência e a produtividade tornam-se valores


absolutos: tem validade em si e por si mesmos. A racionalidade técnica procura
sobrepor-se a qualquer opção de ordem política e a neutralizar o processo de
inovação de qualquer ingerência de caráter ideológico.

Dentre as medidas da lei Nº 5540/68, percebe-se o atendimento de duas demandas


opostas: a dos professores e estudantes e dos grupos ligados ao regime civil-militar. A
primeira foi atendida com a autonomia universitária, a indissociabilidade entre ensino e
pesquisa, a abolição da cátedra e a eleição da universidade como forma prioritária de
organização do ensino superior. O atendimento da segunda ocorreu por meio do regime de
crédito, da matrícula por disciplina, cursos semestrais, cursos de curta duração e a
organização fundacional (SAVIANI, 2011). Respondendo desta forma, a pressões opostas
advindas de diferentes setores da sociedade.
Por outro lado, a reforma do ensino de 1O e 2O graus apresentou algumas contradições
entre os documentos que inspiraram a Lei 5692/71. Os documentos elaborados pelo Relatório
Meira Mattos e pelo Grupo de Trabalho da Reforma Universitária fundamentavam-se num
rearranjo do ensino médio em contrapartida ao ingresso na educação superior. Neste contexto,
o ensino médio assumiu um caráter profissionalizante, e diminuiu o ingresso de estudantes no
ensino superior, resolvendo temporariamente a crise na universidade, que em parte era fruto
do excedente que não ingressava por falta de vagas. Não obstante as contradições dos
documentos que inspiraram a Lei 5692/71, a reforma do ensino de 1O e 2O graus alterou de
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forma significativa os meandros da educação nacional e assumiu a postura


“profissionalizante” no ensino médio.
Todavia, a reforma trouxe a obrigatoriedade escolar do ensino a nível fundamental,
que passou a ser de oito anos, com carga horária de 720 horas anuais. Destinado a formação
da criança e do pré-adolescente da faixa etária dos 7 aos 14 anos, contemplava a formação
geral dos alunos e ao mesmo tempo investigava suas aptidões profissionais e possível
iniciação ao trabalho. Por outro lado o 2O grau era destinado a formação do adolescente, com
três ou quatro anos de duração e carga horária de 2200 horas, para os cursos de três anos, e
2900 horas, para os de quatro anos. O ensino de 2O grau tornou-se a ponte para a habilitação
profissional do aluno, com um enfoque na relação entre ensino e aprendizagem extremamente
técnico.
Contudo, a reforma do ensino de 1O e 2O graus também promoveu a reorganização do
currículo escolar, recorrendo a uma organização pautada em um núcleo comum, obrigatório
em âmbito nacional. O Conselho Federal de Educação ficou incumbido de planejar e fixar as
matérias do núcleo comum para cada nível, e fixar o mínimo a ser exigido nas habilitações
profissionais para o 2O grau.
A obrigatoriedade da oferta do ensino fundamental as camadas jovens da população,
denotava uma preocupação com a instrução da população. Não obstante o caráter dessa
instrução fosse estritamente técnico, é necessário refletir acerca do momento histórico que o
país vivia e da influência de teorias que relacionavam a educação ao desenvolvimento
econômico. Por outro lado, os movimentos migratórios do campo para a cidade, criavam
demandas educacionais, que a estrutura da formação docente não comportava, ensejando uma
formação aligeirada e muitas vezes incongruente.
As novas demandas educacionais dos anos setenta interferiram na formação dos
professores habilitados a lecionar nas primeiras séries do ensino fundamental. Os docentes,
que até então eram habilitados por meio do curso normal, passaram a realizar sua formação a
nível de 2º grau em curso profissionalizante que ficou popularmente conhecido como
magistério. Este curso integrou as diferentes habilitações ofertadas anteriormente pelo curso
normal, adotando de forma inédita um esquema integrado, flexível e progressivo de formação
de professores (TANURI, 2000).
Além disso, outra característica relevante da reforma de ensino de 1º e 2º graus foi a
regulamentação das licenciaturas curtas, evidenciada no capítulo V, artigo 29 e 30 da Lei Nº
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5692/71. Estes dispositivos legais tratavam especificamente da formação dos professores e


especialistas para ministrarem aulas no 1O e 2O graus, definindo as exigências para a docência
do seguinte modo:

Art. 29. A formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será


feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais
de cada região do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de
cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases
de desenvolvimento dos educandos.
Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:
a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau;
b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao
nível de graduação, representada por licenciatura de 1º grau obtida em curso de curta
duração;
c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior
de graduação correspondente a licenciatura plena.
§ 1º Os professores a que se refere a letra a poderão lecionar na 5ª e 6ª séries do
ensino de 1º grau se a sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou,
quando em três mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo que
incluirão, quando for o caso, formação pedagógica.
§ 2º Os professores a que se refere à letra b poderão alcançar, no exercício do
magistério, a 2ª série do ensino de 2º grau mediante estudos adicionais
correspondentes no mínimo a um ano letivo.
§ 3° Os estudos adicionais referidos nos parágrafos anteriores poderão ser objeto de
aproveitamento em cursos ulteriores.

Considerando o teor dos referidos textos nota-se uma exígua exigência no que refere à
formação mínima dos professores. Podemos apontar que essas exigências legais foram
reflexoda emergência em suprir as novas demandas educacionais, que surgiam por conta de
intensos movimentos migratórios e da necessidade da expansão da instrução oferecida a
população. Isso não a eximiu do caráter técnico que permeou sua essência, e que embora não
de forma determinante, influenciou os diferentes formatos de preparar os professores para o
exercício do magistério.

Considerações Finais

A retrospectiva histórica realizada neste trabalho permite perceber o aumento da


importância conferida ao processo de formação de professores no decorrer dos anos. Essa
ênfase representa o papel prioritário que o preparo docente adequado assumiu na sociedade,
configurando-se como um dos pré-requisitos fundamentais a construção de um sistema
educativo de qualidade.
O olhar histórico justifica-se uma vez que “para enxergar a direção à frente, temos que
reconhecer como chegamos, onde chegamos e por que nos constituímos dessa maneira”
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(SILVA, 2001, p.329). Em termos educacionais, isso significa compreender que os dilemas da
educação emergiram a partir da relação não só de questionamentos e novos paradigmas da
área, mas da sua relação com o modo de produção econômico.

“[...] nessa sociedade capitalista e muito desigual, as mudanças podem sinalizar


alguma disposição oficial para: (i) reparar os riscos correntes; (ii) manter a ordem e preservar
o status quo; (iii) alterar e recompor os rumos; (iv) redirecionar, antever e corrigir situações;
(v) disciplinar condutas. (SILVA, 2001, p. 334)”

Observou-se que apesar de novas roupagens, as modificações realizadas no processo


de formação de professores corroboraram para a manutenção do status quo, a reprodução dos
padrões de relações socioeconômicas estabelecidas, o que culminou com o desprestigio que
enfrenta a carreira na atualidade. Para ocasionar uma mudança significativa, ousando
construir um novo conhecimento, como propõe a autora mencionada anteriormente há a
necessidade do envolvimento docente na formulação e execução de politicas, de tal modo que
as ações dos governantes não somente reflitam os anseios da classe dominante, mas levem em
consideração aspectos humanísticos da educação, desenvolvam um plano de carreira
adequado e que estimule o constante aperfeiçoamento profissional, pois o “[...] entendimento
de que a condição prévia para a eficácia da escola primária é a formação adequada de seus
professores” (SAVIANI, 2011), já esta mais do que consolidado.

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