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RADIOBIOLOGIA - 2

Os efeitos da radiação dividem-se em: efeitos determinísticos e efeitos


estocásticos.
Os efeitos determinísticos são os que são causados pela diminuição ou perda de
função de um órgão devido a danos ou morte de células. Para estes efeitos existem
limiares de dose, ou seja, a função de muitos órgãos e tecidos não é afectada por
pequenas reduções no número de células saudáveis existentes. Só no caso de uma
redução suficientemente grande serão clinicamente observados efeitos patológicos.
Os efeitos estocásticos são os que resultam de modificações provocadas pelas
radiações em células que mantêm a sua capacidade de divisão. Estas células
modificadas podem, em alguns casos, iniciar uma transformação maligna da célula e
conduzir ao desenvolvimento maligno e, finalmente, a um cancro clinicamente
declarado. O período entre o início e a manifestação da doença pode ir de alguns anos a
algumas décadas. Além disso, podem ser iniciados efeitos genéticos por irradiação de
células reprodutoras.
Para os efeitos estocásticos não é
considerado um limiar e admite-se que a
probabilidade da sua ocorrência é proporcional
à dose (relação linear dose-efeito na banda dos
pequenos débitos de dose). Por isso, a
probabilidade de indução deve ser reduzida pela
manutenção da dose tão baixa quanto possível.
Já no caso dos determinísticos existe limiar de
dose e a gravidade do efeito aumenta com o
aumento da dose.
A carcinogénese inclui-se neste grupo. É conhecida a probabilidade de cancro
aumentar com a dose, mas não existe limiar de
dose a partir da qual acontece carcinogénese, e a
severidade do cancro não está relacionada com
a dose. Um cancro induzido por 1Gy não tem de
ser pior do que um cancro induzido por 0,1Gy,
embora a sua probabilidade esteja aumentada.
É necessário evitar os efeitos
determinísticos e reduzir a probabilidade de

4. FACTORES QUE INFLUENCIAM A


RESPOSTA CELULAR

A resposta das células à radiação pode ser afectado por vários factores. Estes
factores parecem afectar a radiossensibilidade das células: as células que apresentam
uma resposta potenciada parecem ser mais radiossensíveis; as que apresentam uma
resposta diminuída, parecem ser mais radiorresistentes. Deste modo, a sensibilidade
inerente às células não terá sido alterada; a célula é basicamente a mesma, com as
mesmas características (ou seja, em divisão ou não, diferenciada ou não). O que terá
modado, é um factor externo, como o LET da radiação ou o meio em que ela está a
crescer, exercendo assim, uma influência sobre a resposta da célula (do organismo) à
radiação. No entanto, a sensibilidade inerente da célula, determinada segundo a lei de
Bergonié e Tribondeau, segue sendo a mesma.
Estes factores são afectam a radiossensibilidade celular, ou seja, factores a que a
célula está exposta antes e depois da radiação induzida por estes factores denomina-se
de sensibilidade condicional.
Os factores que afectam a resposta agrupam-se em factores físicos, factores
químicos e factores
Factores Físicos Factores Químicos Factores Biológicos
Dose Radiosensibilizadores Estado proliferativo
Taxa de dose Radioprotectores Fase do ciclo celular
Fraccionamento de dose Antioxidantes Estado fisiológico ou metabólico
Exposição aguda ou crónica Constituição genética da célula
Tipo de radiação (LET, RBE)
Factores que afectam a resposta celular

LET e RBE (Transferência Linear de Energia e Eficácia Biológica relativa)

LET (linear energy transfer): frequência de deposição de energia sob a forma de partículas carregadas, no
trajecto de um determinado tipo de radiação.

Unidade de medição: keV. µm-1 i.e. energia depositada por unidade de distância percorrida.

Fig.5

LET baixo – ionizações dispersas: raios X e gama e electrões

LET alto – ionizações densas: partículas alfa, iões pesados (C+, He+), neutrões
(Massa e carga ++; Muitas ionizações num trajecto curto)

• Radiações com LET diferente produzem graus diferentes dos mesmos efeitos
• Doses iguais de radiações com LET diferente não produzem o mesmo efeito

RBE = Dose de raios X (250 kV) / Dose de qualquer outro tipo de radiação que provoque o
mesmo efeito biológico

Depende da dose, quantifica o efeito do LET e é-lhe proporcional.

Tipo de radiação LET ( keV.µm-1)


Cobalto 60 0.3
Raios- X
3 MeV 0.3
250 keV 3.0

1
Partículas alfa 5 100.0
MeV
Neutrões
19 MeV 7.0
2.5 MeV 20.0
Electrões
1.0 MeV 0.25
1.0 KeV 12.3

Tabela 1 LET em função do tipo de radiação.

A intensidade da radiação electromagnética dissipa-se inversamente ao quadrado da distância da


fonte que a produziu. A dose de radiação a 2cm da fonte é 25% da dose encontrada a 1cm desta fonte. A
interacção da radiação com a matéria (tecido que está a ser tratado) é a quantidade de energia absorvida
por unidade de massa. Esta quantidade é chamada de dose absorvida, e o Gray é a unidade mais
comummente utilizada. Um cGy corresponde a 100 ergs de energia absorvida por grama de tecido. A
unidade actualmente utilizada para mensurar a dose absorvida é medida em joules por quilograma. Esta
unidade é o gray (1 gray = 100 rad), no qual 1 joule/kg corresponde a 1 gray (1Gy = 100cGy).

FACTORES QUÍMICOS
RADIOSSENSIBILIZADORES

Um verdadeiro radiossensibilizador é aquele que aumenta o efeito letal celular, de


uma dada dose de radiação. Foram encontrados muitos compostos químicos que tem
este efeito. No entanto, existem aqueles que tem um efeito mais drástico. E destes
factores, existe um que mostrou ser capaz de alterar a resposta à radiação em todos os
organismos que se terão ensaiado. Este factor é o oxigénio. A universalidade deste
radiossensibilizador, está testada, uma vez que este potência a resposta celular à
radiação tanto em mamíferos como em qualquer outra classe de organismos, desde
bactérias a todo o corpo humano. A capacidade do seu efeito e universalidade, a
resposta das células à radiação na presença de oxigénio é denominado de, efeito do
oxigénio.
A resposta dos tecidos biológicos à radiação é maior quando a irradiação ocorre
em tecidos bem oxigenados do que quando irradiados em condições de hipoxia (este é
o efeito do oxigénio). O efeito do oxigénio é descrito numericamente pelo OER
(Oxygen Enhancement Ratio). OER é definido como o quociente entre a dose de
radiação que produz uma resposta biológica em condições de anóxia e a dose que
produz a mesma resposta biológica em condições aeróbias.
O oxigénio actua a nível dos radicais livres, formados como resultado da
interacção da radiação com a água contida na célula. A cadeia de eventos que vão desde
a absorção até à expressão final do dano encontra-se esquematizada na figura 1. A
radiação ao ser absorvida provoca a formação de electrões rápidos que por sua vez
provocam a formação de pares de iões de vida muito curta. Estes iões dão então origem

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a radicais livres com uma vida consideravelmente superior. Estes radicais livres são
partículas altamente reactivas e vão ser responsáveis por grande parte das lesões
provocadas pela radiação por efeito indirecto.
Se o oxigénio se encontrar presente, ele vai reagir com estes radicais livres
formando-se um peróxido orgânico, que é uma forma irreversível do material alvo.
Ocorre assim a alteração da composição química do material exposto. Se o oxigénio não
estivesse presente esta reacção não poderia acontecer e muitas destas lesões poderiam
ser reparadas permitindo à célula funcionar normalmente. Considera-se assim que o
oxigénio vai fixar (no sentido de tornar a lesão permanente) as lesões provocadas pela
radiação.
O OER apresenta o seu valor máximo para radiação pouco ionizante (como por
exemplo raios X e γ). Isto ocorre porque para radiação pouco ionizante existe um
predomínio do efeito indirecto sobre o efeito directo. À medida que a densidade de
ionização da radiação aumenta o efeito directo começa a ter cada vez mais importância.
O efeito do oxigénio só ocorre quando a radiação provoca a formação de radicais livres,
ou seja, quando ocorre efeito indirecto. Como referido, o efeito indirecto é o que
predomina em radiação pouco ionizante e por isso é que o OER é máximo para este tipo
de radiação. Por outro lado, para radiação altamente ionizante como as partículas α
(alfa) praticamente só ocorre efeito directo pelo que a sensibilização provocada pelo
oxigénio é insignificante.
OER é dependente do LET (Linear Energy Transfer). O OER é mais pronunciado
para radiação de baixo LET e menos eficaz com radiação de alto LET. Para células dos
mamíferos, o OER varia entre 2 e 3. Para radiação de alto LET os valores do OER
variam entre 1.2 e 1.7.
Com radiações de baixo LET em condições de hipóxia a probabilidade de
ocorrência de uma quebra na molécula alvo é muito reduzida, devido à enorme distância
entre os eventos ionizantes. Em situações aeróbias com feixes de baixo LET, o efeito
indirecto é intensificado, pois mais radicais livres são formados e o volume de acção
que envolve a interacção é alargado. Usando radiações de alto LET, as ionizações
ocorrem tão próximas umas das outras que há uma grande probabilidade de ocorrer
quebra de forma directa, muito maior do que para radiações de baixo LET por efeito
indirecto.
As diferenças físicas entre radiações de baixo e alto LET levam a que a
quantidade de danos causados pela radiação de alto LET superem a reparação de danos
subletais. A presença de oxigénio não intensificará a resposta à radiação com a mesma
magnitude que a observada no caso de radiações de baixo LET. Em radiações de baixo
LET, o oxigénio e outros modificadores conseguem alterar a resposta à irradiação, mas
este tipo de modificações é largamente diminuído à medida que o LET aumenta. A
rápida descida do OER e o valor de RBE (Relative Biologic Effectivenss) ideal coincide
com o mesmo valor de LET, 100 KeV/µm.
Os gráficos que se seguem representam a variação hipotética do factor de
intensificação do oxigénio em função do LET, tendo em consideração o estado de
oxigenação do tecido ou célula em questão.

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Fig. 8- Efeito do oxigénio

Como se pode constatar, e como já foi referido anteriormente, o factor de


intensificação do oxigénio (OER) é maior para radiações de baixo LET, como os raios-
X. Em condições de hipoxia, a fracção de células sobreviventes é equivalente, 0.01, para
ambos os tipos de radiação mas com doses muito diferentes. Isto porque a radiação de
alto LET é densamente ionizante causando portanto morte celular com uma dose de
radiação inferior à necessária para provocar os mesmos danos celulares com um feixe
de radiação de baixo LET, dispersamente ionizante. O facto de se tornar o meio mais
oxigenado não altera significativamente a efectividade da radiação de alto LET, esta é
pouco mais intensificada pela presença do oxigénio. A diferença de magnitude
observada entre as curvas de sobrevida para radiações de baixo LET, querendo isto
dizer que na radiação de baixo LET o oxigénio tem um papel intensificador relevante. A
radiação de baixo LET é mais eficaz pela acção indirecta, enquanto que a radiação de
alto LET possui uma eficiência um pouco maior, mesmo para acção directa. Isto deve-
se às diferentes densidades de ionização de cada tipo de radiação, de alto ou baixo LET.
À medida que aumenta o LET, menor é a acção intensificadora do oxigénio e menor é o
valor do OER.
O gráfico da figura 9 ilustra a variação do OER e do RBE em função do LET da
radiação. Como se pode verificar, as curvas do OER e do RBE são praticamente reflexo
uma da outra até aos 100 KeV/µm. O OER e o RBE variam de forma inversa com o
aumento da energia da radiação. Temos assim que para radiação de baixo LET o OER é
máximo e o RBE é mínimo. De seguida à medida que a energia da radiação aumenta o
OER começa a diminuir em direcção à unidade, que corresponde à ausência do efeito do
oxigénio. Por seu lado, o RBE aumenta com a energia da radiação até atingir um pico,
que se situa nos 100 KeV, a partir do qual começa a diminuir drasticamente. Esta
energia corresponde à energia óptima em termos de produção de efeitos biológicos.

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A magnitude da resposta das células à radiação na presença do oxigénio não
aumenta de forma ilimitada.

- Variação do OER e do RBE em função do LET

Pela análise do gráfico, observa-se que à medida que a concentração do oxigénio


aumenta, o material torna-se progressivamente mais sensível à radiação, até que na
presença de uma concentração de oxigénio igual a 100%, a sensibilidade é cerca de três
vezes superior à que se verifica em condições de hipóxia. Assinala-se ainda o facto de
ocorrer uma variação muito rápida da radiossensibilidade à medida que a pressão parcial
do oxigénio aumenta de 0mmHg para os 30mmHg. Para lá deste ponto. 30mmHg, um
aumento da pressão parcial do oxigénio tem um efeito insignificante em termos de
aumento da sensibilidade. O tecido normal apresenta tipicamente uma pressão parcial de
oxigénio compreendida entre os 20mmHg e os 40mmHg. Como a sensibilidade máxima
do oxigénio é atingida por volta dos 30mmHg, como já foi referido, o tecido normal não
vai ser afectado de forma efectiva por aumentos da pressão parcial de oxigénio, pois o
efeito sensibilizador do oxigénio já se encontra normalmente muito próximo do seu
máximo. No entanto as células tumorais apresentam vários estados de oxigenação sendo
que uma grande proporção da população se encontra em hipóxia. Pode ainda observar-
se que, basta um aumento de 0,5% cerca de 3mmHg, para que se consiga atingir metade
da sensibilização máxima possível. Desta forma facilmente se conclui que são
necessárias quantidades de oxigénio relativamente pequenas para que se aumente de
forma substancial o efeito do oxigénio.

Curva que ilustra as limitações do efeito do


oxigénio ao aumentar a tensão do oxigénio.

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As células de maior importância, são as células hipóxicas suficientes, para serem
resistentes à terapia com radiação ionizante, contendo no entanto, oxigénio suficiente
para serem viáveis, e portanto continuarem a crescer depois do tratamento. Estudos em
animais mostraram que a maioria dos tumores contêm 10 a 85% de células hipóxicas.
Proporções semelhantes foram observadas em nódulos tumorais humanos. Quando uma
única dose de radioterapia é enviada para este tipo de tumor, as células aeróbias serão
mortas, enquanto que a maioria das células hipóxicas permanecerão. Depois da
irradiação, as células hipóxicas que se encontram mais perto da superfície da massa
tumoral restante, são agora rodeadas por um meio rico em oxigénio e tornam-se
aeróbias. Depois de um atraso suficiente, a massa deverá agora ter uma fracção de
células hipóxicas de 10 a 15%. Se uma segunda dose de radioterapia é aplicada as
células recém oxigenadas, serão mortas. Este ciclo irá repetir-se como decréscimo
progressivo da massa tumoral. A esperança é que a massa tumoral acabe eventualmente
por ser completamente destruída recorrendo a várias doses. Este efeito do oxigénio é a
primeira razão para fragmentar as doses de radioterapia e para os múltiplos tratamentos
serem necessários à completa destruição do tumor.

A figura 2 mostra-nos tanto o OER como o RBE em função do LET da


radiação. Como se pode ver pela figura as curvas do OER e do RBE são
praticamente o reflexo uma da outra até aos 100 KeV.

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Relação entre OER e RBE em função do LET

O RBE e o OER variam de forma inversa com o aumento da energia da


radiação. Temos assim que para radiação de baixo LET o OER é máximo e o
RBE é mínimo. De seguida, à medida que a energia da radiação aumenta o
OER começa a diminuir em direcção à unidade, que corresponde à ausência
de efeito de oxigénio. Por seu lado o RBE aumenta com a energia da radiação
ate atingir um pico, que se situa nos 100KeV, a partir dos quais começa a
diminuir drasticamente. Esta energia corresponde à energia óptima em termos
de produção de efeitos biológicos. Isto acontece porque o espaço médio que
separa duas ionizações para esta energia coincide com o diâmetro da cadeia
de ADN. Radiação com esta densidade de ionização é a que apresenta a maior
probabilidade de provocar uma ruptura das duas cadeias que constituem essa
mesma molécula pela passagem de uma única partícula carregada. O RBE
para radiação pouco ionizante é relativamente baixo, pois a probabilidade de
ruptura das cadeias é baixa. Do lado oposto, para energias superiores a
100KeV, o RBE diminui drasticamente porque como a densidade de ionização
é muito superior apesar de esta radiação provocar a ruptura das duas cadeias,
vai ocorrer também um desperdício de energia o que provoca a diminuição do
RBE. É o chamado efeito de “over kill”.

Para se observar o efeito do oxigénio, este tem que estar presente


durante a exposição à radiação, ou mais precisamente, durante ou micro-
segundos após a exposição. Descobriu-se que o oxigénio não precisa de estar
presente durante a irradiação para sensibilizar as células e pode ser adicionado
após a irradiação desde que não passe demasiado tempo. Verifica-se alguma
sensibilização celular para o oxigénio adicionado após 5ms da radiação.
É de consenso geral que o oxigénio actua ao nível dos radicais livres. A
cadeia de eventos que vão desde a absorção da radiação ate à expressão final
do dano encontra-se esquematizada na figura 3.

Absorção da radiação pela


matéria e acção do oxigénio.

A radiação ao ser
absorvida provoca a formação
de electrões rápidos. Por sua
vez estas partículas rápidas
provocam a formação de
pares de iões de vida muito curta. Estes iões dão então origem a radicais livres
com uma vida consideravelmente superior. Estes radicais livres são partículas

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altamente reactivas e vão ser responsáveis por grande parte das lesões
provocadas pela radiação por efeito indirecto.
Se o oxigénio se encontrar presente, vai reagir com estes radicais livres
formando-se um peróxido orgânico. Ocorre assim a alteração da composição
química do material exposto. Se o oxigénio não estivesse presente, esta
reacção não poderia acontecer e muitas lesões poderiam ser reparadas
permitindo à célula funcionar normalmente. Considera-se assim que o oxigénio
vai fixar as lesões provocadas pela radiação.
Para radiação pouco ionizante existe um predomínio do efeito indirecto
sobre o efeito directo. À medida que a densidade de ionização da radiação
aumenta, o efeito directo começa a ter cada vez mais importância. O efeito do
oxigénio só ocorre quando a radiação provoca a formação de radicais livres, ou
seja, quando ocorre efeito indirecto. Como referido, o efeito indirecto é o efeito
que predomina em radiação pouco ionizante e por isso é que o OER é máximo
para este tipo de radiação. Por outro lado, para a radiação altamente ionizante
como as partículas α, praticamente só ocorre efeito directo pelo que a
sensibilização provocada pelo oxigénio é insignificante.

Qual a concentração de oxigénio necessária para que se amplifique o


efeito da radiação? Será necessário um grande aumento de concentração ou
será suficiente um ligeiro acréscimo de oxigénio? A figura consiste na
representação mais utilizada para representar a variação da
radiossensibilidade celular com a concentração de oxigénio. Esta figura não
representa os resultados de nenhum estudo experimental específico, embora
esteja em conformidade com os resultados obtidos nos diversos estudos que já
foram realizados. Atribui-se aleatoriamente, em relação à sensibilidade, o valor
da unidade para as condições de hipóxia.

Fig. 4 –
Gráfico
da variação
da

radiossensibilidade com a concentração de O2

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Pela análise do gráfico observa-se que à medida que a concentração de
oxigénio aumenta, o material torna-se progressivamente mais sensível à
radiação, até que na presença de uma concentração de oxigénio igual a 100%,
a sensibilidade é cerca de três vezes superior à que se verifica em condições
de anóxia.
Assinala-se ainda o facto de ocorrer uma variação muito rápida da
radiossensibilidade à medida que a pressão parcial do oxigénio aumenta de 0
mmHg para 30 mmHg. Para lá desse ponto, 30 mmHg, um aumento da
pressão parcial do oxigénio tem um efeito praticamente insignificante em
termos de aumento da sensibilidade. Assim, são necessárias quantidades de
oxigénio relativamente pequenas para que se aumente de forma substancial o
efeito do oxigénio.
Nos tumores as situações de hipoxia celular podem ser desencadeadas
por dois processos distintos. A hipoxia crónica resulta da limitada distância de
difusão, cerca de 150m para lá da parede capilar, através do tecido. As
células neste tipo de hipoxia podem permanecer hipoxias durante longos
períodos de tempo. O segundo mecanismo é conhecido por hipoxia aguda que
resulta normalmente do bloqueio temporário de um determinado vaso
sanguíneo.

Hipoxia
Crónica

A suspeita de que
o oxigénio afectava a
radiossensibilidade
celular começou em
1930. Contudo, foi em
1955 que se descreveu o
fenómeno da hipoxia crónica através de um estudo histológico acerca do
carcinoma brônquico. As células do epitélio escamoso estratificado, quer sejam
normais ou malignas, normalmente permanecem em contacto umas com as
outras. O estroma vascular do qual depende a nutrição destas células
encontra-se em contacto com o epitélio, mas os capilares não penetram por
entre as células. Os tumores que surgem neste tipo de tecido normalmente
crescem como nódulos sólidos, que quando seccionados parecem ter várias
camadas rodeadas pelo estroma. O centro destes tumores é constituído por
sua área necrótica que por sua vez é rodeada por células tumorais intactas que
aparecem como anéis em volta do centro necrótico.
Pela análise de vários carcinomas brônquicos, verificou-se que à medida
que os tumores se tornam maiores o tamanho do centro necrótico também
aumentava de tamanho, enquanto que a espessura da camada de células
vivas permanecia relativamente constante.

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Com base nestes resultados concluíram que as células tumorais só
podiam crescer e proliferar eficazmente quando se encontravam próximas de
uma fonte de oxigénio e de nutrientes do estroma. A privação de oxigénio era o
principal factor responsável pelo desenvolvimento de áreas necróticas nos
tumores.

Fig. 6 - Difusão do
oxigénio, a partir de
um capilar, através de
um tecido normal.

Como se pode
ver na figura, na
extremidade arterial o
oxigénio consegue-se
difundir cerca de
70m. À medida que
nos vamos
aproximando da
extremidade venosa
observa-se claramente a diminuição da distância de difusão do oxigénio.
Pela análise histológica das secções tumorais consegue-se distinguir
duas classes de células. A primeira classe corresponde ás células que se
encontram em proliferação e de boa saúde. Estas células encontram-se bem
oxigenadas, estando por isso a uma curta distância de um capilar. A segunda
classe corresponde ás células que estão mortas ou a morrer. Estas células
encontram-se a uma distancia considerável de um capilar (>70m), pelo que
não recebem nenhum oxigénio. Entre esses dois extremos podemos identificar
uma terceira camada de células, que vai corresponder a uma região na qual as
células têm uma quantidade de oxigénio suficientemente alta lata para manter
as células viáveis, mas baixa o suficiente para que as células não sejam tão
afectadas pelos danos da radiação ionizante. Esta camada é então constituída
por células em hipoxia. Desta forma as células desta região vão ser mais
resistentes à radiação por possuírem uma pressão parcial de oxigénio baixa e
podem funcionar como um foco de recrescimento tumoral após terapia. Com
base nisto, concluiu-se que uma porção relativamente pequena de células
hipoxicas num tumor limita grandemente o sucesso da radioterapia em diversos
quadros clínicos.

- Hipoxia Aguda

As regiões de hipoxia aguda desenvolvem-se como resultado do


bloqueio ou fecho temporário de um determinado vaso sanguíneo num tecido
tumoral. Se este bloqueio fosse permanente, as células que se encontrasse
para além dele acabariam por morrer. No entanto existem fortes evidencias que
os vasos sanguíneos tumorais abrem e fecham de forma aleatória, pelo que
diferentes regiões do tumor tornam-se hipoxias de forma intermitente. No
momento em que a dose de radiação é administrada, uma dada região do

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tumor pode encontrar-se hipoxica. No entanto se essa dose tivesse sido
administrada algum tempo depois já poderia ser uma outra região do tumor a
encontrar-se em hipoxia.

– Diferença entre hipoxia crónica e hipoxia aguda

Os danos provocados pela radiação nas células podem ser divididos em


três categorias: (1) danos letais, os quais são irreversíveis e irreparáveis e, por
definição, levam à morte da célula; (2) danos subletais, que podem ser
reparados em situações normais a não ser que outro danos subletal seja
adicionado (provocado, por exemplo por uma segunda dose de radiação),
podendo levar à formação de um dano letal; e (3) dano potencilamente letal,
que pode ser reparado se as condições ambientais celulares forem modificadas
(subóptimas).

- Danos letais

No que diz respeito aos danos letais pouco há a dizer já que a


denominação os define inteiramente. São danos que causam a morte da célula
e como tal não são susceptíveis a qualquer processo de reparação sendo
assim irreversíveis. Se o número de células mortas for elevado pode levar à
morte do tecido em questão, ou à morte do órgão que é constituído pelo tecido

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em causa ou ate mesmo à morte do ser. São as rupturas de cadeia dupla as
responsáveis por este tipo de dano.

- Danos potencialmente letais (DPL)

A variação das condições do ambiente depois de uma exposição a raios-


x pode influenciar a proporção de células que sobrevive devido a reparação
dos danos ditos potencialmente letais (DPL). Este dano é assim designado
uma vez que em circunstâncias normais leva à morte celular, contudo, se a
sobrevivência aumenta como resultado da modificação/manipulação do
ambiente pós-irradiação, considera-se que o DPL está reparado.
As experiências ocorridas demonstraram que os DPL são reparados e
que a fracção de células sobreviventes a uma dose administrada aumenta se
as condições pós-irradiação forem subóptimas para o crescimento, de maneira
que as células não entrem no processo mitótico, evitando assim que se
multipliquem ainda com os erros nos cromossomas. Se a mitose se der em
condições subóptimas, os danos no ADN podem ser reparados. A reparação
destes danos tornou-se um motivo de interesse na medida em que foi sugerido
que a radiorresistência de certos tipos de tumores humanos está relacionada
com a sua capacidade de reparar os danos potencialmente letais, o que leva a
crer que os tumores mais resistentes possuem mecanismos eficientes de
reparação de danos.

- Reparação de danos subletais

Os danos subletais são um outro tipo de danos que podem ocorrer no


ADN por acção da radiação ionizante e a sua reparação é possível em
condições normais, ao contrário dos anteriores, desde que haja fraccionamento
da dose.
Reparação dos danos subletais é o termo usado para o aumento da
sobrevivência celular que é observado se a dose administrada for dividida em
duas fracções iguais e separadas por um intervalo de tempo, ou seja, se a
dose for dividida em duas fracções iguais separadas no tempo, a fracção de
sobrevivência celular é apreciavelmente maior do que se fosse administrada
uma só dose (dose única ou aguda).
Á medida que o intervalo de tempo aumenta, a fracção de células
sobrevivente também aumenta até atingir um plateau, ou seja, a partir de um
dado momento o aumento do
intervalo de tempo entre as doses
não leva ao aumento do número
de células sobreviventes,
demonstrando assim a reparação
dos danos.

Fig. 8 - Sobrevivência de células


expostas a duas fracções de raios-
x a 24ºC.
A figura 9 mostra o
resultado de um estudo no qual as

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células foram expostas a doses fraccionadas e mantidas na temperatura
normal de crescimento (37º C). Nas primeiras duas horas a reparação dos
danos subletais é evidente, mas à medida que o tempo entre as doses
aumenta a fracção de sobrevivência diminui outra vez.
Se uma população de células assíncronas for exposta a uma grande dose de
radiação, uma maior quantidade de células é morta durante a fase sensível do
que na fase resistente do ciclo celular. Assim, as células tornam-se, em parte,
sincronizadas.

Fig. –

Sobrevivência de células expostas a duas fracções de raios-x a 37ºC.

O modelo de reparação mostrado na mesma figura é a combinação de


três processos que ocorrem simultaneamente. Primeiro, existe um momento de
reparação dos danos subletais provocados pela radiação. Depois, há uma
progressão das células através do ciclo celular durante o intervalo existente
entre as doses fraccionadas, denominada por redistribuição. Em terceiro lugar
verifica-se um aumento na fracção de células sobreviventes resultante da
divisão celular ou repopulação.

Os vários factores que estão envolvidos na reparação dos danos


subletais estão sumariados na fig. A figura mostra que se uma dose for
dividida em duas fracções separadas por um intervalo de tempo, mais células
sobrevivem do que se fosse dada a mesma dose total numa única fracção,
uma vez que o ombro da curva é repetido em cada fracção. Em geral, existe
uma boa relação entre a relação dos danos subletais e o tamanho do ombro da
curva de sobrevivência. Este ombro é a manifestação de dois fenómenos: a
acumulação e a reparação dos danos subletais.

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Como se pode constatar, o factor de intensificação do oxigénio (OER) é maior
para radiações de baixo LET, como os raios-x. em condições de hipoxia, a
fracção de células sobreviventes é equivalente para ambos os tipos de
radiação mas com doses muito diferentes. Isto porque a radiação de alto LET é
densamente ionizante causando, portanto, morte celular com uma dose de
radiação inferior à necessária para provocar os mesmos danos celulares com
um feixe de radiação de baixo LET, dispersamente ionizante. O facto de se
tornar o meio mais oxigenado não altera significativamente a efectividade da
radiação de alto LET, esta é pouco mais intensificada pela presença do
oxigénio. A diferença de magnitude entre as curvas que representam a fracção
de sobrevida celular em condições de hipoxia e aeróbias com radiações de alto
LET é muito menor que a diferença de magnitude observada para as curvas de
sobrevida para radiações de baixo LET, querendo isto dizer que na radiação de
baixo LET o oxigénio tem um papel intensificador relevante. A radiação de
baixo LET é mais eficiente pela acção indirecta, enquanto que a radiação de
alto LET possui uma eficiência um pouco maior mesmo por acção directa. Isto
deve-se às diferentes densidades de ionização em cada tipo de radiação. O
valor de OER é portanto superior em situações de irradiação com baixo LET. À
medida que aumenta o LET menor é acção intensificadora do oxigénio e menor
é o valor do OER.

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RADIOPROTECTORES

Há alguns anos atrás, descobriu-se que no momento em que se


administrava a radiação, encontravam-se presentes certos compostos que
teriam um efeito protector sobre o organismo. Também se verificou que estes
compostos tinham de estar presentes aquando a irradiação para exercer a sua
função protectora, pois se estes compostos fossem administrados
imediatamente depois da irradiação não se observava nenhum efeito protector.
Estes compostos são os chamados radioprotectores, que actuam reduzindo a
dose efectiva de radiação que as células recebem.
O grupo de compostos que têm propriedades radioprotectoras são os
sulfídricos. Existem dois aminoácidos no organismo que pertencem a este
grupo de compostos sulfídricos, e são: a cisteína e a cistamina. De facto, a
cisteína foi um dos primeiros compostos observados que tinha propriedades
radioprotectoras. A sua estrutura é:

SH – CH2 – CH NH2
COO
H
Em 1948, Patt descobriu que a cisteína podia proteger os ratos dos
efeitos da irradiação corporal total dos raios X, se as substâncias fossem
injectadas ou ingeridas bastante tempo antes da exposição à radiação. Por
volta desta altura, ao mesmo tempo que Patt, Bacq descobriu que a cistamina
também protegia os animais da irradiação corporal total. A estrutura da
cistamina é:
SH – CH2 – CH2 – NH2

Quando se administra um destes compostos antes da irradiação, é


necessário uma dose maior para produzir a mesma resposta quando não estão
presentes estes compostos. O factor que relaciona esta diferença de resposta
na presença do composto protector é o chamado factor de redução de dose
(DRF).
O DRF define-se como o quociente entre a dose de radiação necessária
para produzir um efeito dado na presença de um composto radioprotector e a
dose de radiação necessária para produzir a mesma resposta na ausência
desse mesmo comopsto. O DRF para os compostos que contêm grupos
sulfídricos é aproximadamente de 1,5 a 2,0. Na presença de um composto
radioprotector durante a irradiação é necessário o dobro da dose na ausência
do composto em questão.

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Fig. 11- Efeitos da administração de um
composto radioprotector sobre a curvea de
sobrevivência de animais irradiados. Na
presença do composto B é necessário 1000 R
de irradiação em todo o corpo para reduzir a
percentagem de sobreviventes de 50 para
100. No entanto na ausência do composto A,
a mesma resposta é produzida com 500 R.
por tanto, o factor de redução de dose (DRF)

Muitos compostos similares tem sido testados e comprovados como


radiprotectores efectivos.
Os radioprotectores mais eficientes tem uma característica comum na sua
estrutura, possuem um radical livre do grupo SH numa extremidade da
molécula e uma base forte na outra extremidade (amina ou guanina). Separado
por uma cadeia de dois ou três átomos de carbono. Os compostos sulfídricos
são mais eficientes para radiação X e γ.
Os mecanismos de acção deste tipo de modificadores de dose podem
actuar de duas formas. Estes agentes protegem: competindo com os radicais
livres produzidos pela radiação, assim como, também podem ceder um átomo
de hidrogénio às moléculas ionizadas da célula, neutralizando os efeitos de
radiação e restaurando a molécula no seu estado original pré-irradiado.
Os radioprotectores actuam assim, a nível:
− Molecular:
o Como dispersores de radicais livres
o Por doação de átomos de hidrogénio
o Ligação a alvos críticos
o Formação de pontes sulfídricas

− Fisico-químico:
o Induz hipóxia (quanto menor concentração de oxigénio, maior
radiorresistência)
o Choque bioquímico (quanto menor divisão celular, maior tempo
para a célula se repara)
o Hipotermia (quanto menor a temperatura, maior radiorresistência)

Como já foi referido, os compostos sulfídricos são mais eficazes com


raios X e γ. E têm um efeito desprezável com radiação de alto LET, como as
partículas alfa e os neutrões. Assim, o efeito de protecção com estes
compostos é paralelo ao efeito do oxigénio. Estes compostos apresentam um
efeito protector máximo para radiação de baixo LET e uma sensibilidade
mínima para radiação de alto LET.

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Apesar da cisteína ser um radioprotector, é também tóxica e provoca
náuseas e vómitos nas doses recomendadas para radioprotecção. Foi então
iniciado um programa de desenvolvimento em 1959 pelo exército dos Estados
Unidos em estudos conduzidos pelo instituto médico Walter Reeds para
identificar e sintetizar as drogas capazes de oferecer protecção aos indivíduos
no ambiente de radiação, mas sem a debilitante toxicidade da cisteína ou da
cistamina. Mais de quatro mil compostos foram sintetizados e testados. Numa
fase inicial, a importante descoberta foi saber que a toxicidade do composto
poderia ser em grande parte reduzida se o grupo sulfídrico fosse coberto por
um grupo fosfato.
Metade da dose letal do composto pode ser duplicado e o efeito protector
em termos de DRF poderá ser em grande parte aumentado se o grupo SH na
cistamina for coberto por um fosfato. Isto tende a reduzir a toxicidade sistémica.
Uma vez na célula, o grupo fosfato é separado e o grupo sulfídrico começa a
actuar sobre os radicais livres, “desviando-os”.
Os compostos WR-638, WR-2721 e WR-1607 são três exemplos típicos
de 4,000 compostos sintetizados no instituto médico Walter Reeds. O primeiro
composto é o cistaphos e foi usado para proteger soldados contra possíveis
conflitos nucleares durante a Guerra Fria. A sua utilidade deve ser em grande
parte psicológica, porque o composto era transportado como uma “carteira” de
comprimidos para ser administrada oralmente, apesar de na realidade estes
compostos sulfídricos se transformarem num ácido do estômago e serem
apenas eficazes se administrados por via intravenosa ou intraperitoneal. Um
outro factor, reside no facto de tais compostos protegerem apenas da radiação
escassamente ionizante (baixo LET), e cosequentemente oferecem pouca
protecção contra a libertação de neutrões produzida pelo rebentamento de um
equipamento nuclear. Seriam apenas eficazes contra os raios Y das poeiras
radioactivas resultantes.
O segundo composto WR-2721, a amifostina, é o mais eficaz de todos os
sintetizadosno Walter Reeds. Durante uma missão à lua de 14 dias, poderia
ocorrer um evento solar e os astronautas estariam expostos a chuvas de
protões de alta energia, resultando numa dose de vários grays. A
disponibilidade de um radioprotector com um factor de redução de dose entre 2
e 3, teria sido muito importante, como protecção para estes astronautas.
O terceiro composto é o WR-1607. Este tem uma estrutura semelhante
aos dois compostos anteriores, mas na realidade é comercializado como
veneno para ratazanas, d-COM. O WR-1607 mata, produzindo paragens
cardíacas. Este composto é um radioprotector muito mais eficaz do que os
compostos descritos anteriormente, sendo capaz de uma protecção
equivalente a um centésimo da dose, mas não é muito usado devido à sua
toxicidade. Uma pequena mudança na estrutura deste composto pode resultar
numa alteração dramática das suas propriedades, e também porque aponta
uma limitação da dose potencial de toxicidade nos compostos sulfídricos. Por
exemplo, o limite de dose de toxicidade da amifostina é a hipotensão.

→ Amifostina como radioprotector


A amifostina é um trifosfato orgânico que não é reactivo e que não é
rapidamente absorvido pelas células, principalmente porque pertence a um
grupo ácido terminal fosforotióico. Se for desfosforilado pela enzima fosfatase
alcalina que está presente em grandes concentrações, em tecidos normais e

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capilares, é convertido num metabolito activo, designado por WR-1065. Este
metabolito, rapidamente entra em células normais por difusão facilitada e pelo
afastamento dos radicais livres formados pela radiação ionizante ou por alguns
agentes da quimioterapia tal como agentes alquilantes. Os radioprotectores
tem um número potencial de aplicações na radioterapia. Para uso na irradiação
de todo o corpo a droga é administrada num máximo tolerável de concentração
imediatamente antes da dose de radiação. A protecção dos tecidos normais em
relação aos tecidos tumorais é conseguida através de uma discriminação dos
tecidos e conversão da amifostina em WR-1065, nos tumores. Há prova do
transporte activo da droga para tecidos normais tal como descrito
anteriormente, com apenas difusão passiva nos tumores. Por outro lado, o
efeito diferencial, pode ocorrer simplesmente devido ao melhor funcionamento
vascular dos tecidos normais. Qualquer que seja o mecanismo, o composto
rapidamente flui em tecidos normais mas penetra mais lentamente no tumor.
Consequentemente se a dose de radiação for dada poucos minutos após a
administração do radioprotector, há uma expansão diferencial nos tecidos
normais em comparação com as células tumorais. Esta estratégia é ilustrada
eficazmente por muitas experiências em tumores animais por Yuhas.
Logo depois da administração da droga, a concentração de amifostina parece
ser elevada em vários tecidos normais, aumentando muito mais lentamente no
tumor. Muitos tipos diferentes de tumores foram estudados, e isto parece ser
uma circunstância geral.
Há uma interessante variação na extensão da protecção da amifostina
em tecidos normais. Em geral, não há uma boa protecção para o sistema
hematopoiético, e em particular para as glândulas salivares. Não serve para
proteger o cérebro porque a droga não atravessa a barreira hematoencefálica,
e apresenta um desapontante nível de protecção para o pulmão. O mecanismo
pelo qual a amifostina exerce um efeito diferencial entre tecidos normais e
tecidos tumorais não é clara. Parte da razão para a lenta acção nos tumores
pode ser porque eles geralmente tem sistemas vasculares cujo o
desenvolvimento é enfraquecido. Mas isto não é uma regra geral. Um factor
essencial para o sucesso dos radioprotectores é que estes devem ser
hidrofílicos (isto é, são mais solúveis na água do que nos lípidos). Os
radioprotectores lipofílicos não mostram esta acção diferencial entre os tecidos
normais e os tumores. Pode ser então que a diferença na apreensão da
amifostina nos tecidos normais e nos tumores seja causada, de alguma forma,
por uma diferença na estrutura da membrana das células tumorais, o que
permite às drogas hidrofílicas penetrar apenas lentamente.

A utilização de radioprotectores, nomeadamente a amifostina, é de particular


interesse em radioterapia nos carcinomas de cabeça e pescoço, na protecção
contra a xerostomia. O princípio da acção deste fármaco está nas diferenças
fisiológicas entre as células normais e as células tumorais, que interferem no
transporte selectivo do fármaco para o interior das células. Assim sendo, os
altos níveis de fosfatase alcalina da membrana e o melhor e mais elevado pH
dos tecidos normais, facilitam a sua penetração activa nas células normais e
promovem a acção protectora através de dois mecanismos principais: dispersor
de radicais livres citoplasmáticos e reparador do ADN nuclear. A amifostina é
uma pró-droga, ou seja, é um fármaco inactivo quando injectado, depende da

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acção enzimática da membrana para formar o seu primeiro metabolito activo. É
desfosforilada nos tecidos por acção da fosfatase alcalina da membrana,
formando um tiol livre, WR-1065. Quando dentro da célula este metabolito é
oxidado e forma um segundo metabolito, um composto dissulfidico simétrico
designado WR-33278. A formação deste novo composto liberta iões H para o
mecanismo de reparação do ADN celular.
A estrutura e esquema de activação da amifostina e seus principais metabolitos
estão apresentados na figura:

AMIFOSTINA H2N - (CH2)3 - NH - (CH2) - PO3H2


WR- 2721 Fosfatase alcalina ligada à membrana

WR - 1065 H2N - (CH2)3 - NH - (CH2)2 - SH


Oxidação

WR- 33278 H2N - (CH2)3 - NH - (CH2)2 - S



H2N - (CH2)3 - NH - (CH2)2 - S

Sumariamente, a base farmacológica da citoprotecção associada à amifostina


é a seguinte: conversão selectiva para tiol livre nos tecidos normais devido aos
altos níveis de fosfatase alcalina da membrana; entrada selectiva e activa do
tiol livre e seus metabolitos devido à melhor vascularização e elevado pH;
capacidade do tiol livre dispersar os radicais livres de oxigénio.

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