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no Enfrentamento
à Violência
CONTRA MULHER
1
Violência de
Gênero e Modelos
de Masculinidade
Leila Paiva
Lélia Rejane Paiva de Souza
2 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
P232
O papel do homem no enfrentamento à violência contra a mulher / Concepção e
coordenação geral: Valéria Xavier; coordenação de conteúdo: Leila Paiva; ilustrações: Carlus
Campos. – Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2021.
4 fascículos : il. color.
ISBN 978-85-7529-964-7 (Coleção)
ISBN 978-85-7529-965-4 (Fascículo 1)
1. Direitos humanos. 2. Violência contra a mulher. 3. Feminicídio. 4. Machismo. 5. Gênero
e educação. I. Título. Todos os direitos desta edição reservados à:
Fundação Demócrito Rocha
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Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER
SUMÁRIO
Introdução 4
1. Direitos Humanos e
Violência Contra a Mulher 6
2. Construção Histórica
das Masculinidades 10
3. Masculinidades e
Violência de Gênero: Cenário 13
Internacional e Nacional
Referências 15
4 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
INTRODUÇÃO
A
proposta do curso O Papel do Nos quatro fascículos deste curso,
Homem no Enfrentamento da será possível ter um panorama do fenô-
Violência contra a Mulher é meno e das relações e tecidos sociais que
contribuir para o conhecimento interferem para a continuidade de práti-
das diversas faces desse tipo de violência, cas tão violentas mesmo em sociedades
dos alicerces que foram construídos ao que, como a brasileira, vivem sob a égide
longo da história que ainda justificam tais de uma legislação considerada avançada
práticas e de como o universo masculino para o tema no mundo.
dialoga com o tema nos dias atuais. O debate é iniciado aqui, a partir do
universo de garantia dos direitos huma-
nos, os aspectos históricos que fizeram
com que esse fenômeno tivesse uma di-
mensão tão relevante e os impactos pro-
duzidos nas relações de gênero e pelas
mudanças e normas.
A violência contra a mulher não é um
tema dos nossos tempos; é resultado de
uma construção histórica, o que nos pos-
sibilita a luta pela desconstrução do mo-
delo de relações sociais que a legitimou. O
modelo que construiu o cenário histórico
da violência contra a mulher guarda total
relação com temas como: gênero, classe,
raça/etnia e relações de poder.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER
1
DIREITOS HUMANOS
E VIOLÊNCIA CONTRA
A MULHER
A
Organização das Nações Unidas
(ONU) começa a mobilizar os
Estados para construir políticas
contra essa forma de violência
em 1946, com a instituição da Comissão
sobre Status da Mulher, criada pelo Con-
selho Econômico e Social da ONU após a
Conferência de Beijing, com as funções de:
preparar relatórios e recomendações ao
ECO SOC sobre a promoção dos direitos
das mulheres nas áreas política, econômi-
ca, civil, social e educacional.
Mas qual é a importância dessa ação
inicial realizada pela ONU? Bem, a Co-
missão sobre o Status da Mulher (CSW)
formulou, entre os anos de 1949 e 1962,
Carta das uma série de tratados baseados em pro-
Nações Unidas visões da Carta das Nações Unidas e na
Documento Declaração Universal dos Direitos Huma-
que afirma
nos, que declara que todos os direitos e
expressamente
os direitos iguais liberdades humanos devem ser aplicados
entre homens e igualmente a homens e mulheres, sem
mulheres. distinção de qualquer natureza.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER
Além dos Tratados, a CSW formula social de questões vistas como exclusiva-
recomendações ao ECO SOC sobre pro- mente privadas (domésticas ou familiares)
blemas de caráter urgente que requerem por muito tempo. A ONU, por meio de seus
atenção imediata aos direitos das mulhe- documentos provoca grandes debates e
res e acompanha a implementação do Pla- avanços nas normas e nas relações de desi- of Discrimination Against Women) foi pro-
no de Ação de Beijing. gualdade entre homens e mulheres. mulgada em 1979 pelas Nações Unidas,
A CSW foi determinante para o avanço do Ao falarmos de direitos humanos para e no Brasil foi promulgada pelo Decreto
debate sobre os Direitos Humanos das Mu- todas as pessoas, salienta-se que as mu- nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Cha-
lheres, sobretudo porque influenciou para lheres são sujeitas de direitos dos 30 direi- mada de Convenção das Mulheres, é o
inclusão do tema na elaboração da Decla- tos afirmados pela Declaração Universal primeiro tratado internacional que trata
ração Universal dos Direitos Humanos, em do Direitos Humanos, conforme traduz a dos direitos humanos de mulheres, e de-
1948. Foi a CSW que imprimiu o olhar sobre organização Youth for Human Rights: fine em seu artigo 1º:
as questões de gênero deixando estabele- Todos nascemos livres e iguais. 2. Não Artigo 1º - Para os fins da presente
cido naquele documento a perspectiva da ser discriminado. 3. O direito à vida. 4. Convenção, a expressão “discrimi-
igualdade entre homens e mulheres. Nenhuma escravatura. 5. Nenhuma nação contra a mulher” significará
Considerando que a história do femini- tortura. 6. Você tem direitos onde toda a distinção, exclusão ou restri-
no foi marcada por profunda invisibilidade quer que vá. 7. Somos todos iguais ção baseada no sexo e que tenha por
perante a Lei. 8. Os direitos humanos objeto ou resultado prejudicar ou
determinada pelo imaginário de que o lu- são protegidos por lei. 9. Nenhuma anular o reconhecimento, gozo ou
gar do feminino estava na esfera privada detenção injusta. 10. O direito a julga- exercício pela mulher, independente-
(doméstica), e do masculino, pública, isso mento. 11. Estamos sempre inocentes mente de seu estado civil, com base
impossibilitou a politização e o debate até prova em contrário. 12. O direito na igualdade do homem e da mulher,
à privacidade. 13. Liberdade para lo- dos direitos humanos e liberdades
comover. 14. O direito de procurar um fundamentais nos campos político,
lugar seguro para viver. 15. Direito a econômico, social, cultural e civil ou
uma nacionalidade. 16. Casamento e em qualquer outro campo.
família. 17. O direito às suas próprias
coisas. 18. Liberdade de pensamen- Outro documento relevante para situar
to. 19. Liberdade de expressão. 20. O a violência contra a mulher no âmbito dos
direito de se reunir publicamente. 21. direitos humanos é a Convenção Intera-
O direito à democracia. 22. Segurança
mericana para Prevenir, Punir e Erradi-
VOCÊ SABIA?
social. 23. Direitos do trabalhador. 24.
O direito à diversão. 25. Comida e car a Violência Contra a Mulher, a qual
abrigo para todos. 26. O direito à edu- ocorreu no ano de 1994 em Belém (PA) e
Durante a IV Conferência Mundial sobre a cação. 27. Direitos de autor. 28. Um definiu o fenômeno como “uma ofensa à
mundo justo e livre. 29. Responsabi- dignidade humana e manifestação das
Mulher, em setembro de 1995, na capital
lidade. 30. Ninguém pode tirar-lhe os
da China, foi aprovada a Declaração de relações de poder historicamente desi-
seus direitos humanos.”
Beijing, em que os governos participantes guais entre mulheres e homens”.
(Declaração Universal dos Direitos do No plano do Direito Internacional
se comprometeram a cumprir, até o fim
Homem das Nações Unidas - versão
do século XX, as estratégias acordadas dos Direitos Humanos, não existe uma
simplificada)
em Nairóbi, no Quênia, em 1985. definição precisa do que é violência de
Fonte: Agência Câmara de Notícias
A Convenção sobre Eliminação de To- gênero. Por isso, a ONU adota uma con-
das as Formas de Discriminação Contra cepção ampliada da definição de violên-
as Mulheres (Cedaw, em língua inglesa, cia contra mulher em alguns tratados in-
Convention on the Elimination of All Forms ternacionais que versam sobre o tema.
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UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
TÁ NA LEI
A seguir, alguns documentos internacionais relevantes para o
debate da violência doméstica e familiar contra a mulher:
• Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) (1979).
• Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos
Direitos Civis à Mulher (1948).
• Convenção da OIT nº 100 (1951).
• Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953).
• Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (Cerd) (1966).
• Protocolo Facultativo à Convenção Sobre Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1999).
• Convenção da OIT nº 156 (1981). Dispõe sobre a
igualdade de oportunidades e de tratamento para
homens e mulheres trabalhadores.
• A Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim (1995).
• A Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU
sobre Mulheres, Paz e Segurança (2000) e as quatro
resoluções adicionais sobre mulheres, paz e segurança:
1820 (2008), 1888 (2009), 1889 (2009) e 1960 (2010).
• Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher - Convenção do
Belém do Pará de 1994.
• A Declaração do Milênio e os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio.
• Estratégia de Montevidéu para a Implementação
da Agenda Regional de Gênero no Âmbito do
Desenvolvimento Sustentável.
• A partir da mobilização da ONU, várias ações têm sido
conduzidas, a âmbito mundial, para a promoção dos
direitos da mulher. No que compete ao Brasil, uma série
de medidas protetivas vem sendo empregada visando
à redução dos alarmantes dados de violência. Há dois
grandes marcos normativos: (1) a Lei Maria da Penha e
(2) a Lei do Feminicídio.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER
VOCÊ SABIA?
Em 2006, foi promulgada a lei nº Outra norma determinante no enfren-
11.340/2006, de 7 de agosto de 2006, tamento da violência contra a mulher
designada Lei Maria da Penha (Brasil 2006), foi a Lei do Feminicídio, que também
e, em 2015, entrava em vigor a Lei do cumpriu um papel de possibilitar a visi-
Feminicídio (Lei nº 13.104/15). bilidade dos homicídios cometidos con-
tra mulheres que são consequências de
sua condição de mulher. Essa alteração
descortina uma série de homicídios que
ocorriam todos os dias no Brasil contra
A partir da mobilização da ONU, vá- mulheres, mas não viravam uma estatís-
rias ações têm sido conduzidas, a âmbito tica de violência contra a mulher, o que
mundial, para a promoção dos direitos impossibilitava a visibilidade necessária
da mulher. No que compete ao Brasil, para a formulação das políticas públicas
uma série de medidas protetivas vem de prevenção e proteção.
sendo empregada visando à redução dos Para entender a relação de violência
alarmantes dados de violência. Há dois que marcou a história do universo mas-
grandes marcos normativos: (1) a Lei Ma- culino e feminino, é preciso avançar no
ria da Penha e (2) a Lei do Feminicídio. conceito específico e trazer para o debate
A Lei Maria da Penha e a Lei do Femi- outros fatores, como aspectos culturais,
nicídio serão detalhadas no decorrer do dados e normas, que ajudam a entender
curso, mais especificamente no módulo a prática mundial da violência doméstica.
3. Neste momento, é importante chamar A ONU conceitua violência de gênero
atenção para as características desses como “qualquer tipo de agressão física,
dois marcos normativos nacionais. A Lei psicológica, sexual ou simbólica contra
Maria da Penha, que completa, em 2021, alguém em situação de vulnerabilidade
15 anos, foi um divisor de águas no tema. devido à sua identidade de gênero ou
Foi a Lei Maria da Penha que demonstrou orientação sexual”. Apesar dos vários
a existência desse tipo de delito no inte- esforços das organizações internacionais,
rior das “famílias” brasileiras, tipificando esse é um fenômeno mundial, o que de-
o crime da violência doméstica. No ima- monstra a urgência de ampliação do de-
ginário nacional, reinava a ideia de que o bate para além das instituições de direitos
lar guardava as relações sagradas e, por ou de atendimento às mulheres vítimas e
conseguinte, harmônicas. A Lei Maria da ainda – não envolver apenas o universo fe-
Penha prestou esse indispensável servi- minino. É preciso debater entender e reco-
ço e descortinou a triste realidade dos al- locar o papel dos modelos de masculinida-
tos índices de violência contra a mulher. de no crescimento desse tipo de violência.
10 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
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CONSTRUÇÃO
HISTÓRICA DAS
MASCULINIDADES
P
ara enfrentar a violência contra Esta foi, sem dúvida, mais uma das di-
mulher, é necessário entender versas consequências nefastas da pande-
que ela não acontece isolada- mia causada pela covid-19: o aumento da
mente. A violência de gênero violência doméstica que atinge, na maio-
faz parte de um sistema que estrutura o ria, mulheres. (ONU BRASIL, 2020)
Patriarcado poder e a divisão sexual do trabalho. O pa- Além de deixar as mulheres mais ex-
Sistema triarcado impôs a mulher ao lugar de cui- postas, por ficarem isoladas junto ao seu
sociopolítico que dados com o lar, dentro de relações com a agressor, a pandemia acirra a desigualda-
coloca os homens família. Mas é claro que essa estrutura não de social e de gênero.
em situação
de poder.
seria possível se não fosse atribuída à mu- No contexto de denúncias de condutas
lher a condição de menor capacidade para sexualmente abusivas e violentas de ho-
atividades intelectuais e frágeis, criando o mens, surge o debate mais público sobre
estereótipo ideal para a condição de sub- os atributos do que se entende tradicio-
jugada. Esse modelo de masculinidade, nalmente por “ser homem” e os modelos
construído de forma conjunta com o mo- de masculinidade que foram aceitos sem
delo da incapacidade feminina, até hoje questionamentos e que impactavam nos
vê a mulher como objeto do homem. comportamentos masculinos caracteri-
O modelo construído de homem, que zados por homens que não falam de seus
tem mais força e maior racionalidade ao sentimentos, não cuidam da própria saú-
ponto de não chorar, determina compor- de, não demonstram fragilidade e resol-
tamentos mais violentos, incapazes de vem seus conflitos de forma violenta.
dialogar de forma mais equilibrada e inca- Alterar o contexto social que cons-
pazes de práticas conciliatórias. trói ambiência para uma masculinidade
Assim, essa masculinidade “tóxica”, tóxica pressupõe o necessário cuidado
apontada como um dos fatores por trás de para que sejam promovidas reais trans-
problemas vividos pela sociedade atual, formações nas relações. O modelo de
que afetam vários países, com o número masculinidade que foi elaborado com
crescente de violência doméstica sobretudo características tão violentas não será
durante a pandemia, e que levou as mulhe- vencido apenas com imposição legal.
res a ficarem no mesmo ambiente violento Certamente, isso evitará que os homens
com estresse pandêmico e violência, preci- pratiquem crimes previstos na legislação,
sa ser confrontada por homens e mulheres. mas isso não é suficiente.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER
SAIBA MAIS
a música e com a família e o comporta-
mento com a mulher.
Nesse sentido, é urgente ampliar o de-
O movimento “#MeToo” ganhou força em bate com o universo masculino. Assumir
2017, quando a atriz Alyssa Milano publicou que, da mesma forma que as realidades
no seu perfil no Twitter um pedido para que sociais são múltiplas e dinâmicas, assim
todas as pessoas que já sofreram assédio se comportam as masculinidades. É preci-
sexual usassem a hashtag #MeToo. so contar com partes das masculinidades
O termo viralizou não só em Hollywood, que também se sentem oprimidas pelo
mas no mundo todo. Homens e mulheres modelo que lhes foi imposto.
compartilharam inúmeras histórias de No Brasil e no mundo, várias iniciati-
abusos e assédios sexuais. vas surgem no sentido de dialogar com
Leia sobre o assunto em: https://veja.abril. esses homens. O primeiro programa de
com.br/videos/veja-explica/voce-sabe-o- intervenção com homens autores de vio-
que-e-o-movimento-metoo-veja-explica/ lência (Emerge) foi criado em Boston, nos
Estados Unidos, em 1977, a partir dos
movimentos de mulheres contra a violên-
cia de gênero e dos primeiros serviços de
apoio para mulheres.
Nos anos 1990, algumas iniciativas
de atendimento aos homens envolvidos
com violência contra a mulher foram
iniciadas, porém essa entrada se dava a
partir do sistema de justiça, ou seja, a vio-
lência já tinha ocorrido.
Outras ações encontradas foram a do
Núcleo de Atendimento à Família e aos
Autores de Violência Doméstica, criado
em 2003, no Distrito Federal, e alguns que
sugiram em outros estados, como Santa
Catarina e Minas Gerais.
Em 2008, na esfera das ações do Pac-
to Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres, a Secretaria de Políti-
cas para Mulheres da Presidência da Re-
pública (SPM) desenvolveu as Diretrizes
Gerais dos Serviços de Responsabilização
e Educação do Agressor, documento que
integra as orientações sobre a Rede de En-
frentamento à Violência (BRASIL, 2011).
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GÊNERO: CENÁRIO
bientes de trabalho. São ambientes ex-
tremamente machistas, com homens ocu-
pando mais os postos de poder, e acabam
O
lheres. Nesse caso, em comum com os
s dados demonstram que é De acordo com o Fórum de Segurança outros, ocorrem diversas formas de vio-
necessário aumentar as polí- Pública, o número de vítimas de feminicí- lência, que alertam para a necessidade
ticas públicas destinadas ao dio foi recorde em 2020. Houve 1.350 víti- de inclusão do universo masculino nas
enfrentamento da violência mas, um aumento de quase 1% em relação políticas de prevenção.
contra a mulher. É preciso um esforço ao ano anterior. Ainda segundo o estudo, Um dos comportamentos mais graves e o
conjunto e mundial. quase 15% dos homicídios de mulheres mais conhecido é o assédio sexual, conduta
Em números absolutos, nosso país é cometidos em 2020, em que os autores do que se manifesta por meio de contato físico,
um dos que mais matam mulheres no crime eram parceiros ou ex-parceiros das palavras, gestos ou outros meios, propostas
mundo. Um levantamento do Fórum Bra- vítimas, não foram registrados como femi- ou impostas, que causam constrangimento
sileiro de Segurança Pública, publicado no nicídio. Esse dado demonstra que ainda ou violam a liberdade sexual da mulher. É
início de julho/2021, traçou um mapa da é preciso investir muito na formação do importante ressaltar que, sob o aspecto tra-
violência contra a mulher nos meses da sistema de segurança para que se tenha a balhista, nesse caso não é necessária supe-
pandemia de covid-19. Os dados foram le- real dimensão do fenômeno no Brasil. rioridade hierárquica para sua ocorrência.
vantados pelo Instituto Datafolha, que fez Os dados indicam que 9 em cada 10 O assédio moral é caracterizado pela
2.079 entrevistas em 130 cidades em maio mulheres vítimas de feminicídio morre- abordagem abusiva, reiterada e sistemáti-
de 2021. O levantamento mostra que um ram pela ação do companheiro, do ex- ca, realizada por meio de gestos, palavras,
quarto das mulheres entrevistadas rela- -companheiro ou de algum parente. agressões ou comportamentos, que atin-
tou ter sofrido violência física, sexual ou Essa é a forma mais impactante de vio- gem a vítima causando-lhe humilhação e
verbal nos 12 meses anteriores. lência contra a mulher e atinge o maior constrangimento.
14 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
O preconceito de gênero, que gera no seu enfrentamento o quanto ele foi mo-
distinção, exclusão ou preferência injusti- vido pela pandemia da covid-19.
ficada em relação à mulher, a coloca em No ano passado, os canais Disque 100
situações desafiadoras para se manter e Ligue 180 receberam uma denúncia de
no emprego. Segundo pesquisa realizada violência contra a mulher a cada cinco
pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto minutos. Segundo o Ministério da Mulher,
Locomotiva em 2020, 40% das mulheres Família e dos Direitos Humanos, 72% des-
afirmam ter sofrido supervisão excessiva sas denúncias eram relacionadas a casos
do trabalho. A cada 10 mulheres, 7 têm de violência doméstica e familiar. As ca-
mais medo de relatar gravidez ao superior racterísticas do fenômeno, multifaceta-
do que a um homem que será pai. do, demandam soluções amplas e que
Além disso, é importante ressaltar atendam a sua diversidade.
que os comentários relacionados às ca- Assim, além de métodos diferenciados
racterísticas físicas da mulher se natu- e estudos para melhor conhecer e acom-
VOCÊ ralizaram. A pesquisa apontou que 57% panhar como se manifesta essa violência, é
SABIA?
das entrevistadas concordaram que a preciso abrir os espaços de debate, chamar
aparência física de uma pessoa conta na todos e todas para somar na busca de solu-
contratação. Esse comportamento não ções conjuntas e ganhar novos braços para
Como Denunciar
só aprisiona as mulheres em padrões es- obter mais força de reação a fim de enten-
• Disque 180: O Disque 180 é o
tabelecidos pelos homens como também der e vencer esse grave problema que tem
telefone exclusivo do Governo
gera clima de competitividade e insegu- crescido no Brasil. Não é possível enfrentar
Federal para atendimento à mulher.
rança entre as mulheres. a violência sem contar com o público mas-
O número presta apoio e escuta
Em contrapartida, pouco se fala sobre culino. Enfrentar a violência é enfrentar o
mulheres em situação de qualquer tipo
a punição aos agressores. O estudo des- modelo de masculinidade que a perpetua.
de violação ou violência de gênero.
tacou que, em apenas 28% dos casos, as O tema demanda alteração de estratégias
Por meio do canal, os casos são
vítimas souberam que o agressor sofreu para avançar no sentido de reduzir esse tipo
encaminhados a órgãos competentes.
algum tipo de penalidade pelo fato. de violência. É muito ruim que se perceba
• Delegacias de Defesa da Mulher nos As diversas faces da violência contra a que até agora as políticas estejam voltadas
Estados e Distrito Federal. mulher demandam formação continuada apenas a evitar conflitos ou punir agressores.
• Casa da Mulher Brasileira nos Estados. e atualização frente as alterações da legis- É necessário promover uma alteração
lação como forma de melhor preparar os significativa nas relações de gênero e esta-
diversos profissionais que atuam com o belecer políticas que efetivem o caminho
tema. Nesse sentido, é preciso considerar para a igualdade de gênero.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER
REFERÊNCIAS
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https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/
noticia/2020-12/estudo-mostra-que-76-das-
mulheres-sofreram-violencia-no-trabalho
https://movimentomulher360.com.br/wp-content/
uploads/2019/01/cartilha_violenciagenero-11.pdf
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO https://
www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/2020/08/
tribunal-lanca-cartilha-violencias-contra-a-mulher-
no-trabalho/cartilha-violencia-contra-a-mulher-no-
trabalho-versao-final.pdf
16 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
AUTORAS
Leila Paiva é advogada e mestra em Direito pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). É especialista em Direito Público e Processo
Penal pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e presidente da Comissão
de Direitos Humanos da OAB-CE. É professora de Direitos Humanos
e Direito Tributário e consultora na área de Direitos Humanos, Direitos
da Criança, Gênero, Tributação e Direitos Humanos e Advocacy.
Atuou como coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento
da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes da SDH/Presidência
da República e do Serviço Disque 100. É assessora parlamentar.
ILUSTRADOR
Carlus Campos é artista gráfico, pintor e gravador, começou
a carreira em 1987 como ilustrador no jornal O POVO. Na
construção do seu trabalho, aborda várias técnicas como:
xilogravura, pintura, infogravura, aquarelas e desenho. Ilustrou
revistas nacionais importantes como a Caros Amigos e a Bravo.
Dentro da produção gráfica ganhou prêmios em salões de
Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.