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Pré-história II

Módulo I- O processo de Neolitização no Mediterrâneo Ocidental,


com especial destaque da região que corresponde ao atual
território português.

Docentes: Sérgio Monteiro e Maria Sanches

Trabalho realizado por: Ari Coelho Lima


Introdução
O Neolítico nasce no Próximo Oriente com as primeiras sociedades agrícolas por volta
de 9.000 a.C. quando estas domesticam as espécies do Crescente Fértil. Espécies cuja
variedade selvagem apenas existe no Próximo Oriente.

No entanto, sabemos que o Neolítico não é exclusivo ao Próximo Oriente e que chegará
ao Mediterrâneo Ocidental incluindo a Península Ibérica. Naturalmente, surge a questão
do como lá chegaram as espécies originais do Próximo Oriente assim como as restantes
inovações que o Neolítico traz.

Para explicar o processo de Neolitização no Mediterrâneo Ocidental, existem dois tipos


de modelos prevalentes: os modelos difusionistas e de colonização pioneira e os
modelos percolativos ou capilares.

Modelos Difusionistas e de Colonização Pioneira


Os modelos difusionistas, mais especificamente o modelo de difusão démica argumenta
que o Neolítico terá chegado ao Mediterrâneo Ocidental através da migração ou
expansão dos povos Neolíticos do Próximo Oriente avançando lentamente em direção a
oeste ao longo de 6.000 anos (tendo em conta que o Neolítico chega à Península ibérica
por volta de 3.000 a.C.). Segundo Ammerman e Cavalli-Sforza, estes povos, devido a
terem adotado a economia de produção, sentem um enorme crescimento demográfico o
que em retorno os “obriga” a expandirem o seu território agrário dada a escassez de
recursos. Ora, segundo a teoria, os povos de caçadores-recolectores que entrariam em
contacto com o chamado “pacote Neolítico” reconheceriam as suas vantagens ou
melhor dizendo, o seu valor, e lentamente o adotariam fazendo com que, como foi
referido anteriormente, ao longo de milhares de anos, as sociedades “originais” se
diluíssem. Este fenómeno intitula-se “wave of advance”.

Ainda no tema de migrações, temos a “colonização pioneira “, segundo este modelo, as


populações agrárias colonizam território de forma seletiva dando prioridade ou
exclusividade inicialmente aos territórios mais férteis. Porém, se assim for o caso, surge
a questão de como coexistiam as populações caçadoras recolectoras nativas das regiões
com as “novas” populações agricultoras. Terá sido uma coexistência simbiótica, bélica,
de competição ou outra?
Se perguntarmos aos arqueólogos Zvelebil e Rowley conwy eles apresentariam o
“availability model” desenvolvido pelos mesmos. Este modelo, divide a interação entre
os caçadores recolectores e os povos migrantes em três fases ou etapas. Numa primeira
fase, a de disponibilidade é quando se estabelece o contacto entre os povos e
consequentemente é formada uma “fronteira agrícola”, ou seja o limite do território
agrário. Inicialmente, o máximo que se estabelece entre as populações é a troca de
informações. Esta primeira etapa termina com a incorporação das novidades agrícolas
por parte dos caçadores recolectores ou simplesmente com o avanço da “fronteira
agrícola”. A segunda fase intitulada de “fase de substituição” é caracterizada por uma
competição a vários níveis, seja pela terra, recursos, prestígio social ou outros. Esta fase
acabará quando o modo de vida dos caçadores recolectores deixa de conseguir competir
com a abundância de recursos dos agricultores, ou seja, quando o número de recursos
produzidos é bastante mais do que os recursos recolhidos. Finalmente a última fase, a de
consolidação, é como o nome indica, quando o modo de vida Neolítico e a economia de
produção se estabelecem na totalidade, tornando essa a norma.

Modelos percolativos ou capilares


Os modelos percolativos ou capilares justificam a expansão do Neolítico através de
“redes de contactos intra e inter-comunitária — nomeadamente através de práticas de
exogamia e de reciprocidade intergrupal”[ CITATION Rod11 \l 2070 ] . Deste modo a
expansão do Neolítico aborda um carácter mais social do que económico como
havíamos explorado anteriormente. E dando continuidade a esse pensamento, deve ser
referida a assimilação seletiva. Segundo este fenómeno, os povos caçadores-
recolectores não acolhem o pacote Neolítico por completo, ou melhor dizendo, não o
acolhem de forma igual, filtrando aquilo que “entra” ou não na sua cultura.
Culturalmente, as inovações do pacote Neolítico têm diferentes significados para
diferentes grupos. Uns mais dispostos a aceitar as novidades e outros não, nas palavras
de Teresa Simões: “O Neolítico é pois uma realidade fragmentada e dispersa,
localizada nos seus efeitos, em que práticas sociais e tradições vieram a ser
constituídas a vários ritmos, conferidos pelas diferentes resistências que geraram”.
O caso português
Porém, onde se enquadra Portugal no meio destes modelos? Segundo os defensores tais
como os mencionados anteriormente dos modelos difusionistas, a Neolitização ter-se-á
iniciado com a colonização de um território supostamente desocupado desde os finais
do Plistoceno por parte de comunidades já agrícolas no interior da Península Ibérica. No
entanto, evidências sugerem que existiram populações no Interior de Portugal durante o
Holocénico Antigo e Médio. Facto que vai contra a lógica difusionista, dado que isto
torna a interação social entre os grupos de caçadores-recolectores e agricultores
inevitável. Logo, o mais sensato será assumir que, para o caso de Portugal, o tipo de
modelo que melhor se aplica e mais provavelmente corresponde à verdade, são os
percolativos. Porém, que evidências temos a favor dos modelos percolativos ao invés de
contra os modelos de colonização pioneira?

Se pegarmos o sítio do Prazo como exemplo, lá não foram encontrados utensílios


tipicamente associados a atividades agrícolas mas antes outros dedicados à atividade de
caça. Ademais, foram encontradas conchas, (o que sugere a prática de pesca ou outras
atividades aquáticas) medronhos e pilritos (dois tipos de fruto silvestre) e indícios de
ovinos e caprinos que poderão ter sido adquiridas a partir de comércio. Além disso foi
encontrada cerâmica, todavia, a quantidade encontrada é bastante mais reduzida que
outros assentamentos Neolíticos e o seu tamanho é também menor que o “habitual”,
levando à conclusão de que o mais plausível é esta cerâmica ser utilizada para fins
culinários e não de armazenamento. Ora, estes factos mencionados acima e outros tais
como não haver evidências de pressão animal no habitat, não existir pólen de cereal e a
significativa mobilidade do assentamento, apontam para que esta população não tenha
aderido ao pacote Neolítico por completo.

Concluindo, a teoria da assimilação seletiva parece encaixar perfeitamente nestas


condições, e como resultado, a que melhor explica a chegada do Neolítico ao território
de Portugal dadas as provas presentes.
Bibliografia
Cruz, D. J. (1998). Expressões Funerárias e Culturais no Norte da Beira
Alta.
Dietler, M. (2011). Feasting and Fasting. Em T. Ingersoll, The Oxford
Handbook on the Archaeology of Ritual and Religion (p. 185).
Lubell, D., Jacke, M., Schwarcz, H., Knyf, M., & Meiklejohn, C. (1992).
The Mesolithic-Neolithic Transition in Portugal: Isotopic and
Dental evidence of Diet .
Rodrigues, S. (2011). Pensar o Neolítico Antigo: Contributo para o Estudo
do Norte de Portugal. Viseu.
Sanches, M. (2008). ARTE DOS DÓLMENES DO NOROESTE DA
PENÍNSULA IBÉRICA: UMA REVISÃO ANALÍTICA. Portugal.
Teixeira, J. (2017). ESTUDO HISTÓRICO E ETNOLÓGICO DO VALE
DO TUA.
Thomas, J. (2014). Commentary: What Do We Mean by ‘Neolithic
Societies’?
Módulo 2
O Neolítico Médio/Final e o Calcolítico como períodos
cronológico-culturais.

A chegada e adoção do Neolítico causou uma grande mudança social, ideológica e


tecnológica nas sociedades pré-históricas. De certa maneira, podemos afirmar que
ocorreu uma complexificação do seu modo de vida e também da sua organização social.
Vemos o estatuto social a ganhar importância e a ser uma parte integral da comunidade
onde muitas atividades, costumes e práticas se revolvem no estabelecimento dessa
mesma ordem, e onde conseguimos observar bem a importância dessa mesma é nos
monumentos que surgem a partir desta época.

Estes monumentos, de cariz sagrado, funerário e de encontro tais como as mamoas,


navetas ou cromeleques, são utilizados entre outras coisas, para honrar os “ancestrais”,
aqueles que viveram e fizeram parte da comunidade. Naturalmente, dada a natureza da
arquitetura, estes monumentos acabariam por perdurar por várias gerações, criando
entre elas um elo de ligação e um senso de comunidade. Além disso, vemos a partir dos
monumentos e dos enterramentos uma gradual diferença de como são tratados os mortos
ao longo do tempo.,“This much is suggested by the growing importance of single grave
burial (sometimes under round mounds, sometimes with grave goods) in the middle and
later Neolithic in some areas.” [ CITATION Tho14 \l 2070 ] onde notamos que é dado um
tratamento diferente consoante cada morto, o que nos conduz à ideia de que a linhagem
se torna um aspeto significativo e muito presente das sociedades. Continuando a
alimentar esta ideia da contínua importância da linhagem, temos o exemplo Britânico
onde as práticas mortuárias insinuam a “saída” de membros específicos da sociedade e
onde os mortos, a partir do final do IV milénio a.C., começam a ser enterrados com
espólio sepulcral e são depositados num “cemitério” próprio para os “single grave
burials” os “round barrows”.

No entanto, como já foi referido anteriormente, estes monumentos não oferecem


funções apenas funerárias mas culturais e comunitárias “ trata-se de sepulcros, guardião
das relíquias dos ancestrais, mas sobretudo de locais onde se desenvolvem cerimónias
que interessam e envolvem toda a comunidade”[ CITATION Cru98 \l 2070 ] . Vejamos dois
exemplos de forma mais aprofundada e específica, os causewayed enclousures e os
dólmens.

Começando pelos dólmenes, assumimos justamente pela dimensão do monumento,


pedras altas e pesadas, montadas umas sobre as outras, que o esforço para o construir foi
certamente coordenado. Ademais, o facto de alguns possuírem pinturas no seu interior e
exterior (dolmens decorativos) levam a pensar que tudo na construção e apresentação do
monumento é pensado: desde a altura das pedras, à largura, às pinturas que o
incorporam e ao espaço interior. Sabendo pois estes detalhes podemos inferir que este
era um trabalho comunitário que envolvia na sua construção e planificação vários
membros da comunidade. É de notar também, que o interior destes dólmens seria muito
estreito e apenas algumas poucas pessoas caberiam, o que leva a pensar que o acesso ao
mesmo estaria destinado a um pequeno número de pessoas provavelmente de estatuto
elevado.

Os causewayed enclosures sugerem uma separação deliberada do que está dentro e fora.
Talvez para separar aquilo que é “nosso” daquilo que não é ou para marcar o local como
sagrado e para o proteger, que em tal caso, justificaria as “barreiras” (o uso do termo
proteger implica aqui um sentido mais metafórico do que literal). De qualquer maneira,
tudo aponta, incluindo o facto de não serem permanentemente habitados, que estes
espaços foram construídos e utilizados maioritariamente para fins culturais e rituais e
que possuíam um cargo sagrado. Não sabemos que tipo de rituais aconteciam dentro dos
causewayed enclosures e sequer se algum era exclusivo ao local, no entanto os dados
indicam um grande consumo de cereais, plantas, frutos silvestres e carne, o que poderá
denotar para a ocorrência de banquetes, eventos que estão interligados com festas ou
festins e são ainda outra ferramenta para estabelecer e fortificar a hierarquia social
assim como assentar a comensalidade entre os membros da sociedade. O ato de comer
com outrem poderá fortalecer relações sociais e até fluir novos pactos ou alianças,
vemos isto a acontecer nos dias de hoje protagonizado pelos homens de negócios.
Ademais, o elevado consumo e até desperdício inerente aos banquetes é em si uma
demonstração de poderio. Para a comunidade a festejar: um sinal de prosperidade; para
outras comunidades próximas: um sinal de superioridade. Resumindo, as festas podem
ser vistas como um “microcosmo” da vida rotineira e dos sistemas sociais inclusos
nessa mesma, porém não exatamente realistas na sua representação. «As
festas/banquetes distinguem-se pela sua escala e riqueza: transformam o ato quotidiano
de comer num “drama” (…), envolvendo mais pessoas, mais comida e horários e locais
distintos dos do quotidiano [CITATION Mic11 \p 185 \l 2070 ]». Além disso, “As festas
também têm efeitos; elas criam condições para trocas (de variada natureza) e
confraternização, aumentam a solidariedade social, criam obrigações sociais e pagam
(ou repagam) dívidas”[CITATION Mic11 \p 182 \l 2070 ] . Ainda no mesmo tema, não
podemos não referir os modos de reciprocidade. Estes dividem-se em três “categorias”:
reciprocidade generalizada, equilibrada e negativa.

A reciprocidade generalizada é caracterizada pelo seu caracter igualitário e pelo facto de


a retribuição não ser necessária e/ou o seu cumprimento não ter uma data específica.
Um exemplo atual seria dar uma boleia a um amigo, um ato que expenderia recursos
(neste caso gasóleo/gasolina) e cuja data de retribuição não estaria definida.

A reciprocidade equilibrada é igual à anterior porém a sua retribuição é imediata e


finalmente a reciprocidade negativa consiste em ser beneficiado à custa de outro. Como
exemplo atual temos o facto de, num caso de emergência num local, as mulheres, idosos
e crianças serem as primeiras a evacuar o espaço.

Totalizando, vemos todos estes modos de reciprocidade presentes nas sociedades


neolíticas, seja na interajuda na construção e reconstrução de monumentos de ambos os
grupos envolvidos, na troca ou oferta de bens e até na redistribuição desigual de terreno
(sendo este ultimo caso um de reciprocidade negativa onde se presencia também as
diferenças sociais).

Para colmatar, abordemos um último tópico, o da integração de novas entidades,


chamadas de “non-humans” por Bruno Latour, que se tornam essenciais no universo
socio-económico e ideológico do Neolítico. Estes “non-human” consistem em
ferramentas, monumentos e até animais domesticados, ou seja, aquilo que pertence e é
utilizado pelo ser-humano. Isto posto, e contemplando toda a informação que antecedeu
este parágrafo, vemos o enorme impacto que estas entidades têm na sociedade onde se
inserem. Seja nos banquetes, na simbiose formada a partir da construção e reconstrução
de monumentos mútua ou na troca/oferenda de ferramentas e objetos valiosos, a vida e a
própria identidade destas comunidades gira à volta destes.
Bibliografia
Cruz, D. J. (1998). Expressões Funerárias e Culturais no Norte da Beira
Alta.

Dietler, M. (2011). Feasting and Fasting. Em T. Ingersoll, The Oxford


Handbook on the Archaeology of Ritual and Religion .

Lubell, D., Jacke, M., Schwarcz, H., Knyf, M., & Meiklejohn, C. (1992).
The Mesolithic-Neolithic Transition in Portugal: Isotopic and
Dental evidence of Diet .

Sanches, M. (2008). ARTE DOS DÓLMENES DO NOROESTE DA


PENÍNSULA IBÉRICA: UMA REVISÃO ANALÍTICA. Portugal.

Teixeira, J. (2017). ESTUDO HISTÓRICO E ETNOLÓGICO DO VALE


DO TUA.

Thomas, J. (2014). Commentary: What Do We Mean by ‘Neolithic


Societies’?

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