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RESUMO
O presente artigo procura desenvolver uma reflexão sobre as particularidades da
metodologia de pesquisa em artes. A pesquisa sobre poéticas visuais e processos criativos,
realizada por artistas pesquisadores, envolve uma serie de particularidades nas formas de
cruzar os aspectos práticos e teóricos. Tendo como pressuposto a produção artística como
parte intrínseca à pesquisa, a metodologia dessa área não se permite fechar campos
rígidos, uma vez que busca-se o desenvolvimento de linguagens e poéticas pessoais e
reflexões sobre a instauração do processo criativo. Após um levantamento de referencial
que discutisse diferentes aspectos do trabalho de pesquisa em artes, esse trabalho destaca
e questiona alguns caminhos, desafios e potências dessa área de investigação que transita
entre diferentes fronteiras.
PALAVRAS-CHAVE
Metodologia; pesquisa em arte; pesquisa-criação; processo criativo; poéticas visuais
ABSTRACT
This article aims to develop thinking about the particularities of the research methodology in
arts. The research about visual poetics and creative processes carried out by artists
researchers, involves a series of particularities in the ways of crossing the practical and
theoretical aspects. With the premise of the artistical production as an intrinsic part of the
research, the methodology of this area does not allow to close rigid fields, since it seeks the
development of languages and personal poetics about the instauration of the creative
process. After a referential survey that discussed different aspects of the research work in
arts, this work highlights and questions some paths, challenges and capacities of this
research area that moves through different borders
KEYWORDS
Methodology; art research; research-creation; creative process; visual poetics.
Diferenças entre sobre e em.
SILVEIRA, Guilherme Lima Bruno E. O que propõe o processo de criação? Uma breve revisão sobre
a metodologia de pesquisa em arte, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia:
Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2143-2155.
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É possível aceitar que a pesquisa sobre e para possam ser divididas ou não, de
qualquer maneira, representam as pesquisas que vão olhar para a arte e seu
contexto pós-fato, normalmente, um olhar exterior. A pesquisa em arte diz respeito
ao olhar de dentro, às indagações do sujeito produtor, ainda que elas possam se
vincular à história da arte, aos sistemas das linguagens, à recepção ou a uma
técnica e forma de fazer específicas, sempre se voltam à produção da obra. Fortin e
Gosselin afirmam sobre a pesquisa em arte que “esta última categoria é a mais
controversa, pois ela mistura teoria e prática ao longo do processo criativo e no
objeto de arte” (2014, p.1). Por que controverso e quais são as implicações dessa
mistura é a pergunta a ser desdobrada.
SILVEIRA, Guilherme Lima Bruno E. O que propõe o processo de criação? Uma breve revisão sobre
a metodologia de pesquisa em arte, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
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difícil de atingir porque é específica da arte, sem uma formatação fechada de
método, o que gera alguma insegurança ao fazer o paralelo com as cobranças da
universidade, formatos de tese, e demais aspectos que tentam buscar amparo em
outras áreas já mais “adequadas”.
Quando Manoela Afonso discute sobre o formato da tese, não é um detalhe menor,
uma vez que ele será resultado de todo um processo. Qual tipo de tese é esse? Não
há um consenso, mas Fortin e Gosselin pontuam as possibilidades formalmente
estabelecidas na Universidade de Quebec e Montreal (UQAM), que são a “Tese-
pesquisa”, “Tese-intervenção” e “Tese-criação” (2014, p.2). A tese-criação parece
ser a que mais especificamente se enquadra na linha e metodologias que discuto
nesse texto. Como o próprio nome já indica, é uma produção de pesquisa
acadêmica que se forma pela sistematização de uma investigação da criação
artística em processo, gerando, portanto, uma tese que é obra e tese em um só
objeto. Objetivo não muito fácil de se atingir ao imaginarmos a sinergia necessária
entre esses dois âmbitos da pesquisa.
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a metodologia de pesquisa em arte, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
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O que foi colocado acima me traz um incômodo grande: qual a nossa localização, na
pesquisa em artes, dentro de um “grande mapa das metodologias científicas”? É
uma pergunta aberta, uma vez que autores como Buti preferem já afirmar de cara
“arte não é ciência”, mas ainda assim, estando na academia, no âmbito da pesquisa,
parece ser um caminho a sistematização das investigações, ainda que se respeite
suas especificidades. Novamente é Fortin e Gosselin que parecem esclarecer um
pouco essa localização ao definirem em qual paradigma lhes parece melhor que o
artista-pesquisador se enquadre:
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a metodologia de pesquisa em arte, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
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“Aqui, o termo etnografia indica uma orientação muito ampla que pode assumir
diversas possibilidades de utilização dos dados” (FORTIN, GOSSELIN, 2014, p.8).
Parece-me que os autores usam aqui o termo etnografia de maneira bastante ampla,
como indicador do um trabalho de investigação que envolva campo e observação –
incluindo o atelier como campo. Essas tradições e suas etnografias podem todas se
vincular à tese-criação, mas cada uma com um enfoque de realização. A
fenomenológica busca analisar e investigar os objetos relacionais, a experiência em
si torna-se a matéria para a obra. A Teoria crítica é carregada de um viés de
intervenção, analisa as relações a serem desveladas e pode propor trabalhos
coletivos, que tensionem as relações sociais. Enquanto a pós-moderna – ou pós-
estruturalista – se volta para a própria linguagem, como estruturante das relações e
realidades, liga-se ao desconstrucionismo, a rupturas constantes com a
naturalização do mundo. Ao meu ver, sem tentativa de restringir, boa parte dos
textos aqui discutidos se vinculam com uma tendência à terceira tradição – em que
se incluem os métodos de autoetnografia e de escrita criativa.
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a metodologia de pesquisa em arte, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
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mas sim de compreender (em muito tateando, na tentativa e acerto) o que ali está se
construindo, de modo amplo. “A obra se fazendo”, essa construção que soa quase
autônoma, ao mesmo tempo em que depende do indivíduo criador, essa relação
complexa entre obra que se forma e criador que forma a obra, aparece também nas
discussões de Luigi Pareyson (1993), e é nesse pensador que se ampara Fábio
Gatti (2018) para propor sua contribuição nessa linha de pesquisa. Em seu artigo, “A
formação da obra de arte como pesquisa: formatividade e metodologia em
processos criativos”, Gatti faz uma reflexão sobre a pesquisa em arte tendo como
foco a Teoria da Formatividade de Pareyson. Sua proposta é de deixar que a ideia
de como a obra se forma – nesse processo formativo que carrega potência própria –
guie o processo metodológico de pesquisa.
Sobre a pesquisa que muitas vezes cai em uma utilização intensa de metodologias
de outras áreas ele afirma que “ao escolher uma ferramenta previamente formatada,
aniquila-se a experiência” (GATTI, 2018, p.3), uma vez que esta
não pode ser antecipada, não tem a ver com o tempo linear do
planejamento, da previsão, da predição, da prescrição, esse tempo em que
nada acontece, e sim com o acontecimento do que não pode se ‘pre-ver’,
nem ‘pre-escrever’ (LARROSA, apud GATTI, 2018, p.3).
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Eric Le Coguiec apresenta em seu artigo “Récit méthodologique pour mener une
autopoïétique”, 2006, uma possibilidade de escrita metodológica que visa auxiliar o
artista-pesquisador a compreender o seu processo criativo. Para o autor o desafio
na pesquisa prática não é construir o método, mas revelá-lo. O início da investigação
é mais um trabalho de arqueólogo do que de construtor (2006, p.113). A experiência
pessoal de Manoela Afonso reforça esse entendimento ao pontuar que aos poucos
percebeu o direcionamento que deveria colocar em suas investigações para melhor
cumprir a proposta de pesquisa em Poéticas Visuais e Processo de Criação:
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materiais, meios e suportes de ação (...) o conjunto de estudos que
se dirigem ao ponto de vista da instauração da obra, notadamente da
obra de arte (PASSERON apud REY, 1996, p.84)
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encontro com a visão das teorias pós-modernas de constante revisão da realidade
pela linguagem (assim como a revisão dela mesma enquanto indivíduo e artista).
O pêndulo é difícil de se fazer, a dificuldade entre falar de seu processo, sem cair na
“cultura do sentido”, não escrever apenas explicando o próprio trabalho, e também
buscar as referências externas, históricas, conceituais, sem esquecer a obra, ou
usá-la como ilustração da teoria alheia é um incômodo constante. Parece necessária
uma revisão constante para cruzar por todos esses territórios sem se limitar pelas
fronteiras. É preciso “um processo interativo entre a exploração prática de sua
artform, seu fazer artístico, e compreensão teórica do que está em questão em seu
projeto específico” (FORTIN, GOSSELIN, 2014, p.7). Esses autores percebem a
insegurança de estar em um campo metodológico em que não há um ponto final pré-
determinado a se chegar. Cada caminho é um. Como professores de metodologia,
eles propõem (Fortin e Gosselin) não que resolvamos essas incertezas, mas que as
encaremos. Para eles “os cursos de metodologia tornam-se, muitas vezes, um lugar
de desestabilização” (FORTIN, GOSSELIN, 2014, p.7). É interessante pois ser
“desestabilizado” pode tornar o processo instigante e inquietante, carrega uma
liberdade, mas não é desprovido de responsabilidades. Perguntas como “qual
pergunta move sua pesquisa? ” ou “a que e a quem serve a sua pesquisa?” 1 são
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incômodos que parecem necessários para o caminhar. Sobre a responsabilidade
desses campos de pesquisa, se opondo à possibilidade de que um biografismo ou o
simples relato seja o bastante:
Nesse sentido, ao criar uma realidade, ou ir contra os sentidos que antes eram
familiares – ao próprio artista-pesquisador, mas também a um provável grupo mais
amplo – essa pesquisa tem de se colocar com compromisso ético, buscando
seriedade investigativa. Ainda mais por ser um paradigma, que compreendendo a
construção da realidade pela linguagem, aceita também relatos que jogam com o
ficcional (LE COGUIEC, 2016), que podem interpor o documental e o imaginativo, o
depoimento e a invenção, que aceita, na tese-criação os mais diversos diálogos de
linguagem e realidade, é por esses motivos que “o desafio da etnografia pós-
moderna é, portanto, acolher a ficção e as experiências individuais subjetivas,
mantendo a credibilidade e rigor da pesquisa” (FORTIN, GOSSELIN, 2014, p.14).
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Notas
1 São algumas das várias perguntas desestabilizadoras que foram feitas aos alunos na disciplina de
“Metodologia de pesquisa em Arte e Cultura Visual”, ministrada no Programa de Pós-graduação em Arte e
Cultura Visual” da FAV, UFG, ministrada pelas professoras Dra. Alice Fátima Martins e Dra. Leda Maria de
Barros Guimarães. Serviram de impulso para que nos questionássemos, entendêssemos e dialogássemos
melhor com nossa pesquisa e nosso campo, bem como para as reflexões que geraram o presente artigo.
Referências
SILVEIRA, Guilherme Lima Bruno E. O que propõe o processo de criação? Uma breve revisão sobre
a metodologia de pesquisa em arte, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia:
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Guilherme Lima Bruno E Silveira
Graduado em Educação Artística, com habilitação em Artes Plásticas (UNESP-Bauru),
mestre em Teoria da Literatura (UNESP-Ibilce) e doutorando em Arte e Cultura Visual (UFG-
Goiânia), na área de Poéticas artísticas e processos de criação, com pesquisa sobre a
criação de histórias em quadrinhos e os precessos de abstração e experimentação.
Quadrinhista, compositor musical e professor de artes, leciona no IFPR-Londrina. Contato:
guilherme.silveira@ifpr.edu.br
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