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No ensino tradicional o conteúdo já vem pronto e acabado dentro de uma

cartilha ou livro didático e o que resta a criança é apenas memorizar passivamente


aquilo que foi escrito e dito pelo sujeito protagonista que é a figura do professor.
As crianças são escolarizadas, pois estão em uma instituição de ensino e devem
aprender os códigos, as regras gramaticas, enfim, a escrita sistemática. No entanto, a
escolarização pressupõe alguns equívocos ainda presente nos espaços pedagógicos
contemporâneos que é a valorização das letrinhas incorporadas em cada criança, fato
que supostamente irá potencializar o sucesso escolar.
Os espaços e os tempos mudaram e os conteúdos escolares tomaram todo o
tempo. Portanto, a importância de explicar esses conceitos a partir da prática da pesquisa, nos
leva a reflexão e traz ao professor o sentimento de repensar a sua prática a fim de articular o
espaço pedagógico e geográfico como elementos que dão condições de acesso as formas mais
elaboradas de cultura, tendo a professora como organizadora desse acesso

Entendemos a escrita como uma função social, utilizada para registrar fatos,
expressar ou comunicar informações, ideias opiniões, sentimentos, enfim, usar as mais
diversas formas de linguagem com significado social.
Apoiamo-nos na teoria histórico-cultural que entende a escrita como um
instrumento cultural e complexo. Nesse sentido, a aprendizagem é um processo que
exige apropriação do objeto, pois aprender é estar envolvido por inteiro: corpo, mente e
emoção. Aprender algo exige que a criança seja um sujeito ativo e participante do
processo de aprendizagem. A leitura e a escrita, conforme explica Vigotski, precisa se
tornar uma necessidade vital da criança”.
É importante que os espaços pedagógicos passem por processos de mudanças,
assumindo o compromisso com a democracia e produzindo bens culturais
enriquecedores de aprendizagem. O compromisso da escola é fazer com que a criança
tenha acesso a cultura e aprenda a cultura escrita de maneira significativa, através da
leitura de mundo elas possam partilhar saberes e, assim, construir identidade.
As situações que garantem mais aprendizado para as crianças são aquelas que
elas realizam com a consciência daquilo que estão fazendo, com isso, elas se empenham
e se dedicam a realizar uma atividade que elas compreendem a necessidade de seus
esforços. O motivo da atividade, aqui, é significativo, ao contrário do aspecto puramente
mecânico de aprender.
A cultura escrita no E.F não tem o objetivo de reproduzir letras soltas, cópia de
palavras sem sentido para as crianças, mas o de torná-la sujeito participante do
processo, dar significado a linguagem escrita, a partir de sua função social. A criança é
parte integrante no processo de ensino e de aprendizagem, ela possui caráter ativo, é
detentora de voz e vez no espaço pedagógico, sendo protagonista, juntamente, com a
professora, em mediação com a cultura.

Que elas sejam sujeitos autônomos e livres para explorar o espaço geográfico e
com ele aprender e se desenvolver. Assim como aponta Vigotski (2010) o meio e a
cultura são elementos determinantes para o desenvolvimento das crianças. Nesse
sentido, a escola é ferramenta para elas aprenderem a ser humano no processo de
aprendizagem que acontece no decorrer da vida e se organizarem para atual conjuntura
da realidade das crianças do século XXI.

Assim, o espaço organiza as ideias, as intenções e produz interesse e motivações


a partir de um sentido, ou seja, experiências constituídas pelas interações sociais. O
espaço pedagógico permite que as crianças explorem cada pedaço de terra e cada
ambiente com a motivação e a vontade de querer estar ali e se identificar com as
atividades que são produzidas por eles.

Portanto, o sentido e o significado são articulados pela linguagem, através dos


signos que não são necessariamente a fala (oral), mas podem ser os gestos, o desenho,
os objetos geográficos e a linguagem escrita que constituem um instrumental cultural
que devem necessariamente ser significativos para a criança.

Observamos que enquanto a criança desenha ela cria; revive experiências,


recordando lembranças boas ou más; ela imagina, desenvolvendo, também, o
imaginário infantil. Assim, a criança se expressa através de manifestações gráficas que
são significativas para ela.
O desenho é prática comum na Educação Infantil, mas, como já abordado no
capítulo anterior, precisa ser vivenciado (contaminado) no Ensino Fundamental. O
desenho potencializa habilidades e aptidões, enriquecendo o cognitivo e o emocional.
Assim, as manifestações gráficas ampliam o processo de humanização, contribuindo
para a apropriação da cultura escrita.
Há uma ruptura e diferenças nesses espaços, assim, é importante que haja, nessa
passagem da educação infantil para o ensino fundamental, continuidade dos processos
de aprendizagem.
O desenho é uma forma de representação e se constitui signo, conforme Vigotski
(1995) o signo em forma de desenho participa da pré-história da linguagem escrita que
está presente em cada criança.

Há interferência do meio no desenvolvimento psicológico da criança. Portanto,


podemos afirmar que a influência do meio no desenvolvimento psicológico e na
formação da personalidade da criança está diretamente relacionada as vivências. Assim,
as qualidades psíquicas como a linguagem oral e a linguagem escrita, segundo Vigotski,
antes de se tornarem internas ao indivíduo, elas precisam ser vivenciadas através das
relações e interações entre as pessoas.
O diário de turma se fundamenta em um processo dialógico autêntico que
constrói a vida do grupo em uma relação histórico e cultural. É um instrumento que dá
oportunidade as crianças exporem suas inquietações, dúvidas, contentamentos,
descontentamento. Ou seja, possibilita um espaço democrático que garante voz e vez às
crianças.
O objetivo do diário de turma não é apenas realizar a escrita em um pedaço de
cartolina, mas o motivo do registro é que move a criança a retirar a imagem do social e
colocá-la em letrinhas. Ou seja, o importante não é a junção de letras para formar
palavras, mas o processo de como a criança realizou a leitura do social e escreveu a sua
vida em palavras.
O cérebro humano cria imagens que ele retira do social e recria, transformando
experiências anteriores. Então, o que as crianças fizeram com a atividade do diário foi
uma construção coletiva de imagens do social e não imagens em letrinhas.

A possibilidade para apropriação da cultura escrita no espaço pedagógico de


primeiro ano do E.F nos revela que através dos desenhos ou brincadeiras as crianças
passam a ler e a escrever, tornando uma necessidade básica.
O diário de turma é o motor do conselho, os dois são articulados e organizados
com o tempo e espaço definidos. No conselho há o diálogo de tudo que foi registrado
durante a semana no diário. Nesse momento há a construção de normas de convivência,
princípios, valores éticos, enfim, é a tomada de decisão e negociação das coisas do
cotidiano no espaço pedagógico.
O início da intervenção não foi uma tarefa fácil, nem para as crianças e nem para
a professora, pois as atividades feitas em sala eram novidades que o grupo não estava
acostumado. Assim, o espaço e o tempo escolar foram reorganizados e houve mudanças
na rotina do grupo.
Antes da construção do diário de turma foi feita a explicação de tudo que foi
desenvolvido e o motivo da atividade foi sendo construído, assim, as crianças pouco a
pouco iam compreendendo a função desse instrumento de pilotagem, gerando um
sentido para o grupo.

Assim, os problemas que iam surgindo nas interações da turma não se revolviam
facilmente. Havia debates e exposição de exemplos que as crianças traziam de casa na
interação com a família sobre princípios e valores éticos. As crianças lidavam com as
emoções e, algumas vezes, não aceitavam serem criticadas por algo que fizeram.
Nesse momento o conselho foi importante para as crianças exporem os seus
problemas e angústias que até a professora desconhecia. Aprender a falar e ouvir,
compreender o coleguinha e agir com respeito foram atitudes valorizadas durante a
atividade no espaço pedagógico.
A nossa intenção foi explicar que antes de começar um conflito ou se envolver
em uma briga, as crianças podem registrar no diário os descontentamentos na coluna
“não gostei”. Na sexta-feira discutiremos todos os questionamentos. É necessário,
primeiramente, debater esses problemas em grupo antes de agir emocionalmente, ou
seja, com raiva.
O diário de turma possui ainda uma outra função, conforme Niza (1991), de ser
“catalisador emocional”. Assim, segundo Garcia (2010, p. 8) esta perspectiva mostra
que “as crianças, ao escreverem sobre os problemas e os conflitos que as atingem,
também estão a aprender a conter a sua impulsividade, a evitar agir de forma emotiva e
a racionalizar as suas emoções através da escrita”.
Essa função de “catalisador emocional” foi confirmada durante as intervenções.
Antes de começar uma briga, as crianças escreviam o problema no diário para ser
discutido posteriormente. A escrita tem o seu papel de regulador por excelência, pois o
fato de escrever “a sangue frio” os descontentamentos de cada criança auxilia no
controle das emoções.
A aprendizagem de novos conhecimentos e novas aptidões parte de uma ideia de
apropriação que decorre primeiramente, a nível social, ou seja, através do meio no qual
a criança está inserida. Assim, a valorização da comunicação entre as pessoas atua
interpsicologicamente, construindo interações em grupo e promovendo aprendizagens
para além dos “muros da escola”. Depois, ocorre a aprendizagem a nível individual, ou
seja, intrapsicologicamente, sendo construído no interior da criança. Essa aprendizagem
valoriza o pensamento crítico-reflexivo, a tomada de inciativa, autonomia, cooperação,
solidariedade, princípios e valores morais mediados pela cultura.
O processo dialógico presente durante a reorganização do espaço pedagógico
nos permitiu estreitar a ligação entre a teoria e a prática. Enquanto estudávamos a teoria,
também pensávamos juntas as possíveis intervenções a serem realizadas no espaço. A
contribuição do MEM veio a somar o cumprimento da nossa proposta. A articulação do
MEM com a teoria se mostrou essencial na intervenção prática, ainda, nas mudanças
constantes que foram ocorrendo no decorrer da pesquisa.

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