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ISSN 0103-7013
Psicol. Argum., Curitiba, v. 30, n. 71, p. 639-649, out./dez. 2012
[T]
[A]
Mariana Lopez , Maíra Longhinotti Felippe , Ariane Kuhnen[c]
[a] [b]
[R]
Resumo
[a]
Psicóloga, pós-graduada Este trabalho de revisão bibliográfica busca apresentar e discutir a relação pessoa-ambiente
em Neuropsicologia Clínica,
no processo do envelhecimento, sobretudo em relação ao lugar favorito. Para isso, foi reali-
mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia zada uma busca na base de dados BVS-PSI e no Journal of Environmental Psychology com as
da Universidade Federal palavras-chave: lugares favoritos e envelhecimento; lugares favoritos e idosos; favorite places
de Santa Catarina (UFSC),
e aging – em julho de 2009. Dois objetivos centrais foram contemplados: apresentar os docu-
Florianópolis, SC - Brasil,
e-mail: psicolopez@gmail.com mentos que aparecem com as palavras de busca utilizadas; discutir aqueles documentos que
mencionam no corpo do texto a relação lugar/lugares favoritos no envelhecimento, exploran-
[b]
Arquiteta e Urbanista,
do o conteúdo dos mesmos. Foi encontrado apenas um documento na BVS-PSI e 13 no Journal
mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia of Environmental Psychology, sendo selecionados para discussão sete documentos. Identidade
da Universidade Federal de lugar, lugar favorito e capacidade restauradora dos lugares foram conceitos presentes em
de Santa Catarina (UFSC),
Florianópolis, SC - Brasil, e-mail:
todos os trabalhos. Observou-se que a possibilidade de interações sociais e o ambiente da casa
mairafelippe@gmail.com geralmente descrevem os lugares favoritos do idoso, estimulando a experiência de bem-estar
[c]
e restauração decorrente da satisfação e do prazer vivenciado. Como forma de avaliar a con-
Psicóloga, mestre em Sociologia
Política e doutora em Ciências
tribuição teórico-metodológica destes trabalhos à Psicologia Ambiental, também foram obser-
Humanas, professora do vadas questões relativas à constituição disciplinar das equipes de pesquisadores, bem como
Departamento de Psicologia e as perspectivas teóricas, os paradigmas de investigação, os delineamentos metodológicos e os
do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade contextos de pesquisa – se naturais ou artificiais – adotados nestes estudos. [#]
[P]
Federal de Santa Catarina
(UFSC), Florianópolis, SC - Brasil, Palavras-chave: Lugar. Lugar favorito. Envelhecimento. [#]
e-mail: ariane@cfh.ufsc.br
[A]
Recebido: 05/05/2010 Abstract
Received: 05/05/2010
This study on literature review seeks to present and discuss the person-environment relationship
Aprovado: 17/03/2011 in the aging process, especially in relation to the favorite place. For this purpose, a search was
Approved: 03/17/2011
conducted in the BVS-PSI database and in the Journal of Environmental Psychology using the
keywords: lugares favoritos and envelhecimento; lugares favoritos and idosos; favorite places
and aging – on 17th of July, 2009. Two main objectives were addressed: present the documents
that appear by using those search words; discuss those documents that mention the relation pla-
ce/favorite places in aging, exploring their content in the body of the text. Only one document
was found in the BVS-PSI and 13 in the Journal of Environmental Psychology, 7 of them ha-
ving been selected for discussion. Place identity, favorite place and restorative capacity of places
were concepts present in all studies. It was observed that the possibility of social interaction
and the domestic environment generally describe the favorite places for the elderly, stimulating
the experience of well being and restoration arising from the satisfaction and pleasure expe-
rienced. As a way of assessing the theoretical and methodological contribution of these works
to Environmental Psychology, issues relating to disciplinary training of researchers, as well as
theoretical perspectives, research paradigms, methodological outline and research contexts –
whether natural or artificial – adopted in these studies were also analyzed. #]
[K]
(Günther et al., 2003; Speller, 2005). Já o apego ao Psi Periódicos Técnico-Científicos, Index Psi Peri-
lugar, conceito derivado da teoria da vinculação ódicos de Divulgação Científica, Index Psi Teses,
afetiva de John Bowlby (1989) e Mary Ainsworth Index Psi Livros, LILACS (Literatura Latinoame-
(1979/1997), reflete a relação emocional estabele- ricana e do Caribe em Ciências da Saúde), Google
cida com lugares, caracterizada pelo desejo de pro- Acadêmico, Index Psi TCC (Trabalhos de Conclu-
ximidade com ambientes que satisfazem as necessi- são de Cursos), Index Psi Monografias de Conclu-
dades físicas e psicossociais do indivíduo e reforçam são de Cursos de Especialização, PePSIC (Periódi-
sua identidade pessoal (Günther et al., 2003). cos Eletrônicos em Psicologia), SciELO, Literatura
Uma das formas de se estudar o apego ao lugar Científica, Sites e Biografias em Psicologia. Para
é por meio do lugar favorito. Para Newell (1997), este trabalho foram excluídos os resultados do
os indivíduos tendem a preferir lugares relacio- Google Acadêmico por causa da heterogeneidade
nados ao ambiente natural, com corpos de água dos achados. O Journal of Environmental Psycho-
e vegetação. Entretanto, lugares favoritos podem logy é um periódico voltado a estudos e discipli-
ser também ambientes construídos ou virtuais. nas com interesse na relação entre a pessoa e seu
Isto porque o que está em questão é a busca de ex- meio sociofísico, principalmente com foco na dis-
periências e sensações prazerosas, relaxamento, ciplina de Psicologia Ambiental.
independência, interações sociais e reflexão, que
atuam como fatores restauradores, favorecendo o
enfrentamento de situações ameaçadoras ou expe- Resultados
riências negativas. Além disso, a escolha do lugar
favorito depende de faixa etária, sexo, cultura e in- Na base de dados BVS-PSI não foram encon-
teresses (Macedo et al., 2008). trados resultados nos seguintes diretórios: Index
Tem-se, assim, a possibilidade do espaço físico Psi Periódicos Técnico-Científicos, Index Psi Peri-
converter-se em um espaço significativo e afetivo ódicos de Divulgação Científica, Index Psi Teses,
ao indivíduo, repercutindo no desenvolvimento, na Index Psi Livros, Index Psi TCC (Trabalhos de
cognição e no comportamento (Corraliza, 2002). Conclusão de Cursos), Index Psi Monografias de
Tais conceitos (identidade de lugar e apego ao lu- Conclusão de Cursos de Especialização), e PePSIC
gar) podem se relacionar, por exemplo, a estudos de (Periódicos Eletrônicos em Psicologia. Apenas o
lugares favoritos e seus efeitos sobre o bem-estar trabalho de Macedo et al. (2008) foi encontrado
psicológico dos indivíduos (Corraliza, 2002; Gün- nessa base, sendo ele indexado tanto no LILACS
ther et al., 2003). quanto no SciELO.
O tema central do documento encontrado na
BVS-PSI, com o título O lugar do afeto, o afeto pelo
Método lugar: O que dizem os idosos?, envolve a relação lu-
gares favoritos/envelhecimento e, em específico,
Para a investigação da relação lugar favorito e en- retrata os lugares favoritos, os lugares evitados e os
velhecimento, foi realizada uma pesquisa, em julho afetos a eles relacionados em idosos. No momento
de 2009, na base de dados BVS-PSI e no Journal of do estudo, os autores eram vinculados no Brasil às
Environmental Psychology, com dois objetivos cen- Universidade de Brasília e Universidade Federal do
trais: (a) apresentar os documentos selecionados a Rio Grande do Norte e, no Reino Unido, ao OPENspa-
partir das palavras-chave lugares favoritos e enve- ce Research Centre, Edinburg College of Art.
lhecimento, lugares favoritos e idosos, favorite places Na pesquisa realizada no Journal of Environ-
e aging, (b) dentre estes, analisar os documentos mental Psychology, foram encontrados 12 estudos.
que mencionam no corpo do texto a relação lugar/ Os documentos foram separados em dois grupos:
lugares favoritos no envelhecimento, explorando o (a) estudos em que não é evidente a relação lugar/
conteúdo dos mesmos. lugares favoritos no envelhecimento, (b) estudos que
A base de dados BVS-PSI reúne documentos mencionam a relação lugar/lugares favoritos no en-
da área de Psicologia, do Brasil e da América La- velhecimento. A Tabela 1 relaciona os trabalhos in-
tina, com acesso nos seguintes diretórios: Index cluídos no primeiro grupo.
Tabela 1 - Estudos sem evidência da relação lugares favoritos no envelhe- (2001) buscou discutir a teoria da atitude como base
cimento encontrados no Journal of Environmental Psychology para o desenvolvimento do sentido de lugar. O objetivo
desse estudo, bem como sua análise e discussão teóri-
Autor Ano Título ca não citaram a relação entre idosos/envelhecimento
Dixon & Durrheim 2004 Dislocating identity: Desegre- e lugar ou ambiente. Em contrapartida, a Tabela 2 re-
gation and the transforma- laciona estudos que mencionam no corpo do texto a
tion of place.
relação lugar/lugares favoritos no envelhecimento.
Fraine et al. 2007 At home on the road? Can
drivers’ relationships with
their cars be associated with
territoriality? Tabela 2 - Estudos com evidência da relação lugares favoritos no envelhe-
Jorgensen & 2001 Sense of place as an attitude: cimento, encontrados no Journal of Environmental Psychology
Stedman Lakeshore owners attitudes
toward their properties. Autor Ano Título
Mazumdar & 2009 Religion, immigration, and Cloutier-Fisher 2009 Home beyond the house: Expe-
Mazumdar home making in diaspora: & Harvey riences of place in an evolving
Hindu space in Southern retirement community.
California. Gross & Lane 2007 Landscapes of the lifespan:
Min & Lee 2006 Children’s neighborhood Exploring accounts of own
place as a psychological and gardens and gardening.
behavioral domain. Manzo 2003 Beyond house and haven: To-
Rechavi 2009 A room for living: Private and ward a revisioning of emotional
public aspects in the expe- relationships with places.
rience of the living room. Oswald et al. 2006 Homeward bound: Introducing
Fonte: Dados da pesquisa. a four-domain model of percei-
ved housing in very old age.
Scopelliti & 2004 Choosing restorative environ-
Giuliani ments across the lifespan:
A matter of place experience.
De forma geral, esses estudos não mencionam, no
Smaldone, 2005 An exploration of place as a
corpo do texto, a possível relação lugar/lugares favo- Harris & Sanyal process: The case of Jackson
ritos no envelhecimento. Como exemplo, o estudo de Hole, WY.
Rechavi (2009), que apresentou achados sobre o uso Fonte: Dados da pesquisa.
e as experiências de pessoas na sala de estar. Mazu-
mdar e Mazumdar (2009) retrataram a maneira como
imigrantes decoram e criam suas casas em outro lugar,
baseando-se na religião. Fraine et al. (2007) investiga- O conteúdo desses estudos será explorado na
ram a relação entre as pessoas e seus carros no âmbi- discussão deste trabalho, a fim de contemplar seus
to da teoria de Altman, sobre territorialidade humana. objetivos centrais. Como forma de avaliar a contri-
Com isso, examinaram descrições dadas por pessoas buição teórico-metodológica dos trabalhos para a
com diferentes formas de apropriação e utilizações de Psicologia Ambiental, também foram observadas
seus carros, explorando a congruência entre estas e questões relativas à constituição disciplinar das
as características utilizadas para descrever territórios equipes de pesquisadores e suas propostas de tra-
humanos. No estudo de Min e Lee (2006), buscou-se balho integrado, bem como as perspectivas teóricas,
a relação entre a fase de desenvolvimento infantil e o os paradigmas de investigação, os delineamentos
lugar, tratando-se de descrever as características posi- metodológicos e os contextos de pesquisa – se natu-
tivas deste último para a criança. Já Dixon e Durrheim rais ou artificiais – adotados nos estudos.
(2004), a partir de entrevistas realizadas em uma
praia multirracial na África do Sul, discutiram con-
ceitos como lugar e mudança de identidade de lugar. Discussão
Defenderam a hipótese de que a diferença racial pode
modificar a relação entre um indivíduo e o outro e en- Uma das formas de as pessoas se relacionarem
tre indivíduo e lugar. O estudo de Jorgensen e Stedman com seus ambientes é observada pelo modo como
esses incidem nas reações afetivas e emocionais dos (Cloutier-Fisher & Harvey, 2009; Gross & Lane, 2007;
indivíduos, sendo explicado principalmente pelo fe- Manzo, 2003; Oswald et al., 2006; Scopelliti & Giulia-
nômeno de lugar e ambientes favoritos. A relevân- ni, 2004; Smaldone, Harris & Sanyal, 2005).
cia deste tema pode ser encontrada na possibilida- Na pesquisa de Cloutier-Fisher e Harvey (2009),
de de se pensar espaços que propiciem experiências da Universidade de Victoria, Canadá e da Universi-
positivas, estimulando o bem-estar (Macedo et al., dade de British Columbia, Canadá, foi desenvolvida
2008; Peron, 2002). a ideia de “lar para além da casa”, representando as
Como exemplo, o estudo encontrado na BVS-PSI, interações sociais (comunidade) como facilitadores
de Macedo et al. (2008), mostra que os lugares fa- de bem-estar e apego ao lugar. Os autores realiza-
voritos podem servir como estratégias de regulação ram um estudo qualitativo, com 25 indivíduos com
das emoções. Nessa pesquisa, 340 participantes mais de 55 anos, considerados idosos saudáveis e
com idades entre 60 e 90 anos, residentes em Bra- com boas condições financeiras, que se mudaram
sília (Brasil), responderam individualmente a uma para uma região que tem se transformado rapida-
entrevista semiestruturada que objetivou identi- mente em uma comunidade de aposentados. O es-
ficar os lugares favoritos de idosos quando eles se tudo visou a dois objetivos: descrever o significado
sentem alegres e quando não se sentem alegres, de lugar, casa e comunidade para idosos, com base
os lugares evitados e as razões para tais escolhas. na Psicologia Ambiental, Gerontologia Ambiental e
As respostas em relação à questão “Qual o lugar que Geografia Humana; e discutir conceitos como signi-
você prefere estar quando se sente alegre?” foram ficado de casa e sentimento de pertença para novos
agrupadas em quatro categorias: (a) ambiente fa- moradores da região.
cilitador de interação social – bares, restaurantes, Observaram que, para os idosos mais velhos,
festas, feiras, shopping (n = 134); (b) a própria casa existe um espaço geográfico composto e interliga-
(n = 114); (c) ambiente natural – chácaras, cachoei- do por domínios pessoais, sociais e físicos, sendo
ras, fazenda, parques, praia e campo (n = 46); e (d) a casa física e a comunidade compreendidas como
igreja (n = 46). Assim, os autores observaram que, fronteiras dinâmicas e permeáveis. O significado
quando os idosos entrevistados se sentiam alegres, da casa para os idosos teria relação principalmente
preferiam ambientes que estimulassem a interação com os domínios pessoais e sociais. Ou seja, os do-
social, seguindo-se a preferência pela casa. Esse mínios sociais (representados pela conexão de uma
resultado sugere que tais ambientes proporcionam pessoa a outra) e pessoais (identidade que promo-
bem-estar, autonomia, paz, segurança e privacidade. ve reconhecimento pelos membros da comunidade)
Contudo as respostas sobre a preferência por lu- foram categorias mais associadas.
gares quando não se sente alegre, corresponderam Em outro estudo, Gross e Lane (2007), da Univer-
em sua maioria à casa, pela facilidade de se manter sidade de Loughborough, Reino Unido, exploraram
isolado e em privacidade. Ao ambiente residencial um local específico da casa: o jardim – em diferentes
seguiram-se os ambientes sociais, representando fases de desenvolvimento da pessoa (participantes
uma estratégia de enfrentamento da situação emo- com 18 a 85 anos de idade). Consideraram a casa
cional adversa. Em contrapartida, os lugares mais como elemento fundamental na vida dos indivídu-
evitados quando não se está alegre são os de alta os, em que são constituídas relações sociais e com
densidade social, agitados, lugares tristes e com o ambiente físico. Referiram-se ao jardim da mesma
multidão, sugerindo que excedem à capacidade de forma, sendo esse um recurso da casa, considerado
manejo ambiental (Macedo et al., 2008). um elemento de território pessoal, que auxilia na
Lugares que possibilitam interação social e a pró- aproximação com a natureza.
pria casa podem se apresentar aos idosos como lu- Os dados coletados nas entrevistas foram sepa-
gares favoritos, com capacidade restauradora, pois rados em temas como: o escapismo (positiva distra-
favorecem mudanças fisiológicas gerando alterações ção ou fuga de ansiedade e restrições da vida coti-
de humor no sentido positivo, equilíbrio da capacida- diana demonstrando o importante papel do ar livre
de de atenção, relaxamento e contemplação dos pró- na regulação de estados mentais), a propriedade e
prios sentimentos (Macedo et al., 2008). Esse dado a identidade, e relacionamentos. A maioria dos par-
também é mencionado em todos os outros estudos ticipantes resgatou o uso do jardim na infância de
encontrados no Journal of Environmental Psychology forma positiva, identificando-o como significativo e
destacando-o pela conexão com a natureza. O papel fundamentalmente com a saúde e o bem-estar dos
do jardim na adolescência e na idade adulta precoce, idosos, sendo a casa um dos lugares favoritos desse
ou seja, em indivíduos com menos de 30 anos de ida- grupo de pessoas. Assim, o ambiente da habitação
de, não se demonstrou significativo, transparecendo que gera independência e bem-estar mostra-se im-
percepções de que o jardim é um lugar para adultos portante ao processo de envelhecimento, servindo
mais velhos. Para os idosos, graças à debilitação da como mediador para a idade avançada saudável, no
saúde ao longo do processo de envelhecimento, o enfrentamento da perda funcional e na adaptação
cuidado do jardim parece ficar cada vez mais restri- ambiental (Macedo et al., 2008; Oswald et al., 2006).
to, o que é apresentado como motivo de frustração Smaldone, Harris e Sanyal (2005), da Universi-
e impacto diante da percepção de diminuição da ca- dade de West Virginia, Mogantown, Estados Unidos,
pacidade física, com representações de luto, perda e da Universidade de Idaho, Moscow, Estados Uni-
de identidade como jardineiros e perda de controle dos, desenvolveram um estudo centrado teorica-
sobre o ambiente. Entretanto, graças à importância mente nos conceitos de lugar e identidade de lugar.
da conexão com a natureza representada pela jardi- Entrevistaram 43 participantes de idades entre 23 e
nagem, houve referências a adaptações do modo de 77 anos, que frequentavam um parque, a fim de ex-
vida do idoso para prosseguir com atividades no jar- plorar a concepção de lugar (neste caso, do parque)
dim. Evidenciou-se no estudo que, para a maioria das como um processo, examinando três dimensões:
pessoas, o significado do jardim está ligado a memó- curso da vida, busca de sentimento, e compromisso
rias da infância, com dimensões físicas e sociais. com um lugar. Os autores observaram que 25 dos 43
Os pesquisadores Oswald et al. (2006) realiza- indivíduos relataram que o lugar (parque) mostra-
ram um estudo abrangendo três países europeus, va-se importante graças aos momentos partilhados
com uma amostra de 1.223 idosos, que viviam sozi- com significados.
nhos em residências de cidades urbanas. O objetivo Neste estudo, são reforçadas as ideias de autores
foi medir e compreender a satisfação com a habi- já citados (Cloutier-Fisher & Harvey, 2009; Gross &
tação, a usabilidade da casa, o significado da casa Lane, 2007; Oswald et al., 2006; Smaldone, Harris &
e as crenças de controle a ela relacionadas. Nesse Sanyal, 2005), ao se mencionar que as pessoas uti-
estudo, o foco central foi o lugar, o envelhecimento e lizam ativamente e constantemente configurações
a identidade de lugar. Referiram-se à expressão usa- físicas/ambientais para regular as emoções, frequen-
bilidade da casa como predominantemente desen- tando lugares favoritos que geram bem-estar. Isso
volvida no âmbito da terapia ocupacional, em que pode ser observado nas entrevistas, em que a grande
o foco é a funcionalidade do ambiente doméstico maioria (29 indivíduos) relatou preferir ambientes
diante das atividades preferidas. naturais e sociais (tal como o parque), que podem
A casa representou o espaço que cumpre o ob- apresentar qualidades restauradoras – proporcio-
jetivo de funções (como uso e abrigo) e o lugar que nando relaxamento, contemplação, inspiração e re-
envolve significados pessoais, experiências, rela- novação – seguidos pela preferência da própria casa.
ções sociais, valores, cognições e emoções (Oswald Na revisão de literatura de Manzo (2003), da
et al., 2006), como também mencionaram Gross e Universidade de Washington, Estados Unidos, são
Lane (2007). Oswald et al. (2006) observaram que discutidas temáticas como a relação bidirecional
os participantes idosos que consideraram suas pessoa-lugar e emoção, residência e lugar, efeitos
casas como úteis para atividades diárias apresen- negativos e experiência no lugar, fenômenos dinâ-
taram laços significativos com a residência e se micos do lugar, lugar como processo. No corpo do
mostraram mais satisfeitos com as condições de ha- texto, são mencionados em dois momentos a rela-
bitação. Os autores não evidenciaram variabilidade ção idoso/envelhecimento e lugar/lugar favorito, ao
significativa entre as respostas encontradas nos três se tratar: (a) da relação frequentar praças e idosos,
países da Europa, embora antecedentes pessoais, (b) do fator histórico-social como possível preditor
ambientais e condições de alojamento pudessem para a escolha do lugar para idosos, influenciando
variar. A usabilidade da casa e o significado da casa na relação entre pessoa e lugar/lugar favorito, prin-
estiveram fortemente associados em todas as amos- cipalmente ao se observar a história da política ra-
tras, sugerindo que características do ambiente do- cial. Mencionaram o importante papel das praças
méstico e sua experiência subjetiva relacionam-se públicas promotoras de encontros entre os idosos,
que vivenciam parte do dia nesses locais, caracteri- as pessoas se envolvem na busca pessoal e social de
zados como lugares favoritos que geram bem-estar. redefinição de identidade. Na idade adulta, tendem
O ambiente natural e construído como lugar à preservação da integridade, utilizando estratégias
favorito é tema do estudo de Scopelliti e Giuliani adaptáveis inspiradas em experiências do passado,
(2004), do Instituto de Ciência Cognitiva e Tecnoló- com estabilidade nos padrões de lazer e atividades.
gica, Roma, Itália e da Universidade ‘‘La Sapienza’’, Tal estabilidade aumenta progressivamente com o
Roma, Itália. Os autores analisaram 67 entrevistas envelhecimento, mas não significa ausência de ne-
semiestruturadas com pessoas de três distintas fa- cessidade de novidade e estimulação. O contexto
ses da vida: jovens, adultos e idosos. As questões social tem importante papel para a preferência do
se referiram a experiências restauradoras que eles lugar e para a qualidade restauradora deste.
mesmos apresentavam durante o tempo livre do dia, Resultados na pesquisa de Scopelliti e Giuliani
durante a semana, e durante as férias, como também (2004) mostraram uma caracterização diferente de
no dia de trabalho, na semana de trabalho e durante experiências restauradoras para as distintas fases
um longo período de trabalho, solicitando respostas da vida. Jovens e adultos indicaram a preferência
que explicitassem as situações consideradas restau- dos ambientes naturais como restauradores, com
radoras. Foi elaborado também um check-list sobre menos relatos sobre a casa. Os idosos indicaram
experiências restauradoras, para que as pessoas se- preferir ambientes internos como restauradores,
lecionassem, de acordo com seu próprio julgamento, com mais frequência do que os ambientes naturais.
o grau de relaxamento e excitação de determinada si- As experiências restauradoras foram mais caracte-
tuação. Os resultados mostraram que ambientes na- rizadas em termos de interação social para adultos
turais e ambientes construídos podem ter diferentes do que para jovens e idosos, principalmente duran-
potencialidades restaurativas para cada fase de vida. te os finais de semana e férias, em analogia a um
A teoria da capacidade restauradora dos lu- único dia. Relações com o parceiro foram signifi-
gares, de Kaplan, fundamentou o trabalho desses cativamente mais importantes para adultos do que
autores. Como também descreveram Gross e Lane para os jovens; relações sociais com os familiares
(2007), lugares restauradores geram prazer com foram significativamente mais importantes para
recompensas psicológicas de bem-estar, atenção idosos; relações sociais com os amigos foram signi-
involuntária, descanso de fadiga mental decorrente ficativamente mais importantes para os jovens que
do prolongado ou intensivo uso de atenção dirigida. para os dois outros grupos. Os quatro componentes
Há quatro aspectos que caracterizam um ambiente propostos por Kaplan, sobre capacidade restaura-
como lugar de restauração: (a) being away (mudan- dora dos lugares, revelaram que a compatibilidade
ça de cenário e de experiência da vida diária); (b) é o mais importante aspecto para a restauração em
fascinação (recuperação de fadiga mental a partir todas as faixas etárias deste estudo. Observou-se a
da atenção involuntária, sem esforço mental); (c) importante relação entre restauração e componen-
extensão (o ambiente é percebido como um todo no te social, restauração e relaxamento, restauração e
qual o conjunto de elementos está coerentemente emoção, evidenciando que os lugares favoritos ge-
relacionado); (d) compatibilidade (congruência en- ralmente possibilitam experiências restauradoras
tre as características do ambiente e as inclinações para todas as faixas etárias (Scopelliti & Giuliani,
da pessoa) (Gross & Lane, 2007; Scopelliti & Giulia- 2004). Essa hipótese é compartilhada em todos os
ni, 2004). Para Gross e Lane (2007) e Macedo et al. demais manuscritos encontrados e aqui discutidos.
(2008), ambientes que propiciam reflexão e bem- Com o intuito de avaliar as contribuições teóricas
-estar são base para a escolha do lugar favorito, fato e metodológicas da pesquisa envolvendo lugares fa-
que pode estar atrelado à capacidade desse lugar voritos no envelhecimento, foram também explora-
em proporcionar restauração. dos, além de seus conteúdos, aspectos como a com-
De acordo com Scopelliti e Giuliani (2004), em posição disciplinar das equipes de pesquisadores, as
virtude das alterações biológicas, fisiológicas, emo- perspectivas teóricas, os paradigmas de investigação,
cionais, de interesses e atividades, nas distintas os delineamentos metodológicos e os contextos de
fases de desenvolvimento, são possíveis mudanças pesquisa adotados. Quanto às disciplinas dedicadas
quanto ao que as pessoas consideram ser uma ex- ao tema, estiveram presentes nos artigos revisa-
periência restauradora. Em todas as fases da vida, dos os departamentos de Arquitetura da Paisagem,
de comportamento, para uma abordagem social, Métodos de pesquisa nos estudos pessoa-ambiente,
que entende a pessoa como parte de uma comuni- como cada método, em razão das limitações pró-
dade, definida e modulada por um contexto históri- prias que o definem, permite apenas uma reprodu-
co-cultural específico. ção incompleta da realidade, a Psicologia Ambiental
A investigação dos lugares favoritos no envelhe- tem se dedicado à chamada triangulação metodo-
cimento parece também seguir essa tendência, ao lógica: articulação entre técnicas de pesquisa per-
referenciar seus achados mais em aspectos sociais tencentes a delineamentos metodológicos diferen-
que individuais. São evidências dessa perspectiva os tes que possibilita averiguar com maior precisão a
estudos transculturais, que compreendem a existên- multiplicidade de dimensões e aspectos envolvidos
cia de um background sociocultural para as relações em uma situação-problema. Ainda segundo esses
humano-ambientais (Oswald et al., 2006); as pes- mesmos autores, o fenômeno da interação pessoa-
quisas em comunidades específicas, assumindo-se -ambiente é demasiado complexo − haja vista a mul-
que resultados diversos poderiam ser encontrados tiplicidade de disciplinas que o estudam − para ser
em diferentes contextos (Cloutier-Fisher & Harvey, abordado por uma ou outra tipologia metodológica.
2009; Scopelliti & Giuliani, 2004); e, por fim, as abor- Quanto às práticas de pesquisa da relação pes-
dagens qualitativas, cuja ênfase está nas percepções soa-ambiente no processo de envelhecimento, o uso
de um pequeno grupo de sujeitos e na compreensão de multimétodos ainda parece limitado. O método
de sua relação com o meio, com independência de as- de levantamento de dados é dominante nesses estu-
pectos ligados à replicabilidade para cenários diver- dos e, à exceção do trabalho de Oswald et al. (2006) –
sos (Cloutier-Fisher & Harvey, 2009; Gross & Lane, que associou as técnicas de questionário e entre-
2007; Smaldone, Harris & Sanyal, 2005). vista – todas as demais investigações fizeram uso
Tratando-se da dimensão metodológica, por sua exclusivo da entrevista semiestruturada. Não hou-
vez, cabe ressaltar que as condições de existência de ve referência, por exemplo, a técnicas auxiliares de
uma investigação devem ser satisfeitas unicamen- observação direta do comportamento – que possi-
te pela relação que se estabelece entre um sujeito bilitam compreender aspectos da interação pessoa-
curioso e um objeto. A pesquisa científica tem, pois, -ambiente dificilmente comunicados por meio de
como ponto inicial de desdobramento o objeto/ entrevistas e questionários, e minimizam o viés ca-
fenômeno a ser investigado, e sua validade se sus- racterístico da interação social – tampouco práticas
tenta pela adoção de sistemáticas que respondam interrogativas como as autobiografias ambientais, a
a uma situação-problema, segundo critérios que produção de imagens e modelos, e a classificação e
perpassam, entre outros, o rigor e a coerência. Fun- ordenação de fotografias.
damentalmente, as perspectivas teórico-metodoló- As autobiografias são textos produzidos pelos
gicas adotadas deverão ser capazes de responder, indivíduos pesquisados, sobre as suas experiên-
com legitimidade, as perguntas do pesquisador. cias em relação a ambientes específicos. Em geral,
A história e a epistemologia da Psicologia reve- revelam laços afetivos e cognitivos fundamentais à
lam um debate constante acerca do delineamento compreensão das relações estabelecidas entre as
metodológico mais adequado à construção do co- pessoas e os ambientes (Elali & Pinheiro, 2008).
nhecimento. Para a Psicologia Ambiental, o holismo Na produção de imagens e modelos, o participante
é, sem dúvida, um critério importante nessa cons- elabora material não verbal, como fotografias, de-
trução e diz respeito a uma postura que está sempre senhos, mapas mentais e maquetes, que o possibili-
em busca de identificar a totalidade de fatores cons- tam expressar percepções ambientais importantes,
tituintes de uma situação em questão. Metodologi- com base em experiências vividas ou esperadas. No
camente, esse critério se traduz por uma abordagem caso da classificação e do ordenamento de fotogra-
preocupada em capturar dados complementares fias, é o pesquisador que apresenta as imagens ao
que retratem o quadro geral em que estão inseridos entrevistado, que recebe a tarefa de avaliá-las, agru-
o problema de pesquisa e seus atores, evitando as pá-las e/ou ordená-las segundo critérios pré-es-
lacunas e os vieses possíveis das investigações que tabelecidos ou criados pelo próprio respondente.
analisam dimensões parciais de um fenômeno. O produto dessas diferentes técnicas permite acessar
Conforme discutiram Günther, Elali e Pinhei- percepções e representações adicionais por meio
ro (2008), no último capítulo do livro intitulado de linguagens diversas da falada e escrita, abrindo
novos campos de investigação para estudiosos da de uma maior proximidade à abordagem multi-
relação pessoa-ambiente. metodológica, que tem recebido especial atenção
Por fim, foi possível também verificar, nos es- da Psicologia Ambiental. Por fim, faz-se necessário
tudos revisados, a preferência pela pesquisa em considerar a importância de se analisarem mais es-
ambientes reais, fossem naturais ou construídos. tudos interessados na relação lugar/lugar preferido
Nenhum estudo fez uso de contextos artificiais ou si- e envelhecimento, por ventura disponibilizados em
mulados em computador, por exemplo. A tendência outras bases de dados, aqui não investigadas.
da pesquisa em cenários reais também acompanha
a Psicologia Ambiental. Quando do seu nascimen- Esse estudo tem apoio financeiro da Coordenação
to, ao fim dos anos 1950, havia no meio acadêmico de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
muita discussão acerca da relevância dos resulta- (Capes).
dos obtidos em laboratórios (Valera, 1996). Para a
Psicologia Ambiental, a artificialização de contextos
ambientais impossibilitaria uma compreensão ade- Referências
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