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Artigo Original • Original Article O valor da fase sem contraste na TC do abdome

O valor da fase sem contraste na tomografia


computadorizada do abdome*
The role of the unenhanced phase in the routine abdominal computed tomography

Ana Paula Klautau Leite1, Leandro Accardo de Mattos2, Gustavo Alfredo Duarte Henriques
Pinto2, Andrea Puchnick Scaciota3, Rita Maria Aparecida Monteiro Moura Franco4, Cássio
Andreoni5, Henrique Manoel Lederman6, Giuseppe D’Ippolito7

Resumo OBJETIVO: Determinar o valor agregado da fase sem meio de contraste da tomografia computadorizada do
abdome em pacientes sem diagnóstico determinado ou em estadiamento tumoral. MATERIAIS E MÉTODOS:
Estudo prospectivo e transversal em 100 pacientes consecutivos submetidos a tomografia computadorizada
abdominal sem e com meio de contraste intravenoso. Dois examinadores avaliaram todos os exames, pro-
curando estabelecer, através da fase com meio de contraste intravenoso (primeira análise) e posteriormente
através da fase sem contraste (segunda análise), o diagnóstico principal e os secundários em função da
indicação clínica do exame. Mediu-se a freqüência de mudança diagnóstica decorrente da análise combinada
das fases pré- e pós-contraste intravenoso. Casos que tiveram mudança diagnóstica foram avaliados por
especialistas clínicos para determinar se implicaria mudanças de conduta. RESULTADOS: Diagnósticos prin-
cipal e secundário foram modificados em 1 e 18 casos, respectivamente (p = 1,000; p = 0,143). Os diag-
nósticos modificados foram: esteatose, definição de nódulo em adrenal, nefrolitíase, classificação de cistos
renais e calcificação hepática. Nos casos em que a fase sem contraste modificou o diagnóstico, os especialis-
tas mudaram sua conduta em 14/19 (73%) dos pacientes (p = 0,038). CONCLUSÃO: A fase sem contraste
não modificou significativamente o diagnóstico principal ou secundário. Porém, as mudanças nos diagnós-
ticos secundários influenciaram na conduta adotada pelos especialistas.
Unitermos: Tomografia computadorizada; Contraste; Abdome.

Abstract OBJECTIVE: To determine the role of the unenhanced phase of abdominal computed tomography in patients
without a definite diagnosis or undergoing tumor staging. MATERIALS AND METHODS: A prospective and
transversal study was developed with 100 consecutive patients submitted to unenhanced and contrast-
enhanced abdominal computed tomography. Two observers evaluated all the computed tomography images
in the contrast-enhanced phase (first analysis) and, later, in the unenhanced phase (second analysis) in an
attempt to establish the primary and secondary diagnoses as a function of the clinical indication for the study.
The frequency of changes in the diagnoses resulting from a combined analysis of the images in the pre- and
post-contrast phases was evaluated. Cases with changes in the diagnosis were reviewed by clinical specialists
for determining possible changes in the therapeutic approach. RESULTS: Primary and secondary diagnoses
were changed in respectively 1 and 18 cases (p = 1.000; p = 0.143) as follows: steatosis, adrenal nodules,
nephrolithiasis, renal cysts and hepatic calcification. In the cases where the unenhanced phase changed the
diagnosis, the specialists changed the therapeutic approach in 14 of the 19 patients (73%) (p = 0.038).
CONCLUSION: No significant change was observed in the primary or secondary diagnosis as a result of the
findings in the unenhanced phase. However, changes in secondary diagnoses affected the therapeutic approach
adopted by the specialists.
Keywords: Computed tomography; Contrast media; Abdomen.
Leite APK, Mattos LA, Pinto GADH, Scaciota AP, Franco RMAMM, Andreoni C, Lederman HM, D’Ippolito G. O valor da fase
sem contraste na tomografia computadorizada do abdome. Radiol Bras. 2008;41(5):289–296.

* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Ima- 4. Médica Contratada do Pronto-Socorro, Colaboradora do
INTRODUÇÃO
gem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Departamento de Gastroclínica da Universidade Federal de São
Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Em virtude dos avanços tecnológicos
1. Médica Residente do Departamento de Diagnóstico por Brasil.
Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista 5. Professor Assistente do Departamento de Urologia da Uni-
incorporados aos métodos diagnósticos, a
de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. versidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
2. Médicos Assistentes do Departamento de Diagnóstico por (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil.
Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista 6. Professor Titular do Departamento de Diagnóstico por Ima- Endereço para correspondência: Dr. Giuseppe D’Ippolito. Rua
de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. gem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Doutor Alceu de Campos Rodrigues, 95, subsolo, Vila Nova
3. Coordenadora do Setor de Artes Gráficas do Departamento Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. Conceição. São Paulo, SP, Brasil, 04544-000. E-mail: scoposl@
de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São 7. Livre-Docente, Professor do Departamento de Diagnóstico uol.com.br
Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Pau- Recebido para publicação em 4/9/2007. Aceito, após revisão,
Brasil. lista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. em 29/11/2007.

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Leite APK et al.

tomografia computadorizada (TC) vem meio de contraste da TC de abdome, neste na dose variando entre 1,5 e 2,0 ml/kg de
sendo cada vez mais utilizada na avaliação grupo de pacientes. peso, infundido por meio de bomba inje-
das doenças abdominais. A tecnologia tora, na velocidade de 3 a 4 ml/s. Após a
multislice fez crescer ainda mais a utiliza- MATERIAIS E MÉTODOS injeção do meio de contraste as imagens fo-
ção desta ferramenta diagnóstica(1,2). ram obtidas nas fases de contrastação arte-
Atualmente, há uma grande variedade No período de março de 2007 a junho rial (ou corticomedular), portal (ou nefro-
de protocolos específicos utilizando a TC de 2007 realizamos estudo prospectivo, gráfica) e de equilíbrio (ou pielográfica),
de abdome para determinadas suspeitas clí- transversal e observacional, com o intuito dependendo da indicação clínica. O meio
nicas(3–9). Por outro lado, existe um grupo de avaliar o valor agregado da fase sem de contraste administrado por via oral ou
considerável de pacientes que são subme- meio de contraste na TC de abdome. Foram por via retal foi utilizado quando indicado.
tidos a exames de TC do abdome e que não avaliados 100 pacientes (56 homens e 44 Todos os exames foram interpretados
possuem uma clara hipótese diagnóstica mulheres) com idade média de 55,23 ± em estação de trabalho EasyVision (Philips
pré-estabelecida, como os que apresentam 15,38 anos. Medical System; Best, The Netherlands)
quadro clínico composto unicamente por O estudo foi aprovado pelo Comitê de por dois radiologistas com dois anos de ex-
febre de etiologia indeterminada ou perda Ética em Pesquisa da nossa Instituição, rea- periência em TC de abdome, de forma in-
ponderal injustificada, entre outras situa- lizado no Setor de Tomografia Computa- dependente, que emitiram parecer baseado
ções clínicas, e que quando submetidos ao dorizada do Departamento de Diagnóstico na indicação clínica e inicialmente apenas
exame de TC de abdome são avaliados por por Imagem do Hospital São Paulo da Uni- na fase pós-contraste intravenoso (primeira
meio de um protocolo de estudo genérico, versidade Federal de São Paulo/Escola análise) e em seguida combinando os acha-
assim como aqueles em estadiamento tu- Paulista de Medicina e desenvolvido em dos das fases pré- e pós-contraste intrave-
moral. duas fases. noso (segunda análise).
Neste grupo de pacientes parece haver Os examinadores tiveram, previamente,
consenso na literatura internacional (e prin- Fase 1 acesso aos dados constantes no pedido mé-
cipalmente na norte-americana) de que a Com o objetivo de estabelecer possíveis dico do paciente e classificaram, na pri-
fase sem o uso de meio de contraste intra- mudanças no diagnóstico tomográfico pro- meira e segunda análises, os diagnósticos
venoso seria desnecessária(4,5). Entretanto, venientes da análise de exames de TC de tomográficos em principais e secundários,
no nosso meio, estes pacientes são subme- abdome com e sem a fase pré-contraste, em função da sua prioridade e importância
tidos rotineiramente a uma fase sem meio foram avaliados os exames de TC de ab- clínica para o paciente. Ao final da cada
de contraste intravenoso e que precede as dome de 100 pacientes consecutivos e cujo avaliação, os dois examinadores estabele-
fases com meio de contraste intravenoso. critério de inclusão foi: indicação de exa- ceram se houve mudança nos diagnósticos
O uso deste protocolo tem implicações re- mes de TC sem e com meio de contraste principais e secundários, entre a primeira
lacionadas à dose de radiação, ao tempo de intravenoso, de acordo com o protocolo de e a segunda análise, ou seja, se a interpre-
exame e ao consumo do tubo de raios X, e atendimento adotado no serviço. Foram ex- tação feita a partir da análise combinada da
somente seria justificado se agregasse in- cluídos os pacientes com indicação de TC fase sem e com meio de contraste interfe-
formações complementares indispensáveis sem meio de contraste(6) (p.ex.: pesquisa de riu no diagnóstico, quando comparada à
para estabelecer um preciso diagnóstico, urolitíase), pacientes com contra-indicação análise apenas da(s) fase(s) com meio de
interferindo, assim, na conduta e prognós- ao meio de contraste e pacientes em inves- contraste. Nos casos discordantes, um ter-
tico do paciente. tigação de nódulo/massa de adrenal(12), nó- ceiro examinador estabeleceu se houve ou
Em algumas situações clínicas, como a dulo/massa renal(10), esteatose hepática(11), não mudança do diagnóstico entre a pri-
pesquisa de urolitíase, esteatose hepática, e hemocromatose e hemossiderose(13), em meira e a segunda análise.
hemocromatose/hemossiderose ou a ava- razão da reconhecida necessidade da fase
liação de nódulos e massas renais ou adre- sem meio de contraste para o diagnóstico Fase 2
nais, a fase sem meio de contraste tem de- destas doenças. Nesta etapa do estudo foram utilizados
monstrado utilidade indiscutível(6,10–13). Em Todos os exames foram realizados em apenas os casos nos quais houve mudança
outras situações, a validade deste tipo de equipamento de TC helicoidal Tomoscan dos diagnósticos principais e secundários,
abordagem diagnóstica não tem sido com- AV (Philips Medical System; Best, The entre a primeira e a segunda análise.
provada. Netherlands), seguindo-se protocolo de es- Foram convidados dois médicos espe-
Após extensa revisão bibliográfica, não tudo que consta do manual de rotina de pro- cialistas experientes, com mais de dez anos
identificamos estudos que avaliassem o cedimentos do Serviço de Tomografia de atividade, escolhidos em função do tipo
valor da fase sem meio de contraste na TC Computadorizada do Hospital São Paulo. de diagnóstico que sofreu mudança (p.ex.:
do abdome, antecedendo a fase contras- Os exames foram realizados com cortes gastrenterologista e urologista para indicar
tada, em pacientes com quadro clínico in- axiais e contíguos variando entre 3 e 7 mm conduta na esteatose hepática e urolitíase),
definido ou em estadiamento/reestadia- de reconstrução, com pitch variando entre com o objetivo de estabelecer se estas mu-
mento tumoral. Por estas razões decidimos 1 e 1,5, antes e após a injeção intravenosa danças de diagnósticos implicariam altera-
determinar o valor agregado da fase sem de meio de contraste iodado hidrossolúvel, ções de conduta clínica.

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Dessa forma, os especialistas estabele- Foi utilizado o teste do qui-quadrado, dulo de adrenal, inicialmente considerado
ceram uma conduta baseada em dados clí- considerando-se resultados com p < 0,05 indeterminado, e que, após a medida de
nicos, laboratoriais e nos diagnósticos ad- como estatisticamente significantes. densidade da fase sem meio de contraste
vindos da primeira análise tomográfica, e (segunda análise), demonstrou ser um ade-
em seguida, baseada no diagnóstico modi- RESULTADOS noma (Figura 1).
ficado (ou complementado) a partir da se- Dos 100 pacientes, 18 (18%) tiveram
gunda análise tomográfica. Fase 1 seus diagnósticos secundários modifica-
Os diagnósticos principais emitidos dos, porém, sem significância estatística
Análise estatística pelos radiologistas que atuaram nesta fase, (p = 0,143), entre os quais citamos: estea-
Os dados obtidos foram tabulados no em consenso, foram: abdome agudo (4%), tose (7%), nódulo de adrenal (1%), nefro-
programa Excel XP® da Microsoft. As aná- neoplasia abdominal (65%), processo in- litíase (7%), cistos renais (2%) e calcifica-
lises dos dados foram realizadas no pro- flamatório-infeccioso (8%), nefrolitíase ções hepáticas sem alterações perfusionais
grama SPSS 11.5 para Windows® (SPSS (2%), nódulo de adrenal (2%), nódulo he- (1%) (Figuras 2, 3, 4 e 5).
Inc.; Chicago, USA). pático (3%) e outros (16%). Entre os casos estudados, foi possível
Em relação à fase 1, mediu-se a freqüên- Dos 100 pacientes que participaram do fazer o diagnóstico na primeira análise (ou
cia de mudança dos diagnósticos principal estudo, apenas um (1%) teve o seu diagnós- seja, sem necessidade da fase sem meio de
e secundários quando comparadas a pri- tico modificado após a leitura da fase sem contraste) em nove pacientes com estea-
meira com a segunda análise. meio de contraste (segunda análise) em tose, em seis com nefrolitíase e em um com
Na segunda fase do estudo foi medida relação à leitura da fase com meio de con- adenoma de adrenal (Figuras 6, 7 e 8).
a freqüência de mudança de conduta clí- traste (primeira análise) e sem significân-
nica estabelecida pelos especialistas em cia estatística ( p = 1,000). Este paciente, Fase 2
função do diagnóstico tomográfico obtido com neoplasia de cólon operada e em re- Entre os 19 pacientes cuja segunda aná-
na primeira e segunda análises. estadiamento tumoral, apresentava um nó- lise modificou os diagnósticos principal

Figura 1. Mudança de diagnóstico principal em paciente em reestadiamento de carcinoma de cólon. Nódulo de adrenal indeterminado na fase pós-contraste
(b,c) (wash-out relativo < 50%) e com medidas de densidade compatíveis com adenoma (UH < 10) na fase sem contraste (a).

Figura 2. Mudança de diag-


nóstico secundário. Calcifica-
ção hepática puntiforme (seta),
sem alteração perfusional as-
sociada, diagnosticada apenas
na fase pré-contraste.

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(um paciente) ou secundários (18 pacien- tes casos e estabelecimento da conduta. esteatose. Em um jovem paciente em rees-
tes), 11 apresentavam alterações do sistema Dos oito pacientes avaliados pelo gas- tadiamento tumoral, sem sinais tomográfi-
urinário — cistos renais, nefrolitíase, ade- trenterologista, cinco (62,5%) tiveram sua cos de recidiva e com colelitíase identifi-
nomas de adrenal —, e oito, no sistema di- conduta final modificada. Em quatro pa- cada apenas na fase sem meio de contraste
gestivo — esteatose, calcificação hepática). cientes com esteatose diagnosticada apenas (Figura 5), a conduta do especialista foi
Por esta razão, convidamos um urologista pela fase sem meio de contraste, a conduta indicar colecistectomia. Nos outros três
e um gastrenterologista para a análise des- do especialista foi investigar a causa da pacientes a conduta não foi modificada,
em razão do seu diagnóstico principal e da
evolução clínica.
Dos 11 pacientes avaliados pelo urolo-
gista, em dois a conduta foi mantida. Es-
tes dois pacientes tinham incidentaloma de
adrenal e seriam submetidos a investigação
laboratorial, independentemente da defini-
ção tomográfica da natureza da lesão. Nos
outros nove pacientes (81,8%), sete com
nefrolitíase e dois com cistos renais classi-
ficados como Bosniak II e IIF pela segunda
análise, o especialista optou por propor tra-
tamento para os pacientes com cálculos
renais e acompanhamento evolutivo nos
dois pacientes com cistos renais.
Aplicando o teste do qui-quadrado nos
Figura 3. Mudança de diagnóstico secundário. Esteatose hepática diagnosticada apenas na fase pré- casos em que a conduta foi alterada, obser-
contraste.

Figura 4. Mudança no diag-


nóstico secundário. Cisto renal
à direita, espontaneamente hi-
perdenso (a), classificado como
cisto simples (categoria I de
Bosniak) na primeira análise e
como cisto atípico (categoria II
de Bosniak) na segunda aná-
lise.

Figura 5. Mudança no diag-


nóstico secundário. Litíase ve-
sicular (seta) diagnosticada
apenas na fase sem contraste
da segunda análise. Fase sem
contraste (a) e fase com con-
traste (b).

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Figura 6. Paciente com nefro-


litíase puntiforme e não-obs-
trutiva (seta) identificada na
fase sem contraste (a) e na
fase nefrográfica (b), sem mu-
dança no diagnóstico entre a
primeira e segunda análises.

Figura 7. Sem mudança no


diagnóstico. Na primeira aná-
lise foi identificado nódulo em
adrenal esquerda com wash-
out relativo maior que 50%,
compatível com o diagnóstico
de adenoma. Fase portal (a)
e fase de retardo (b).

Figura 8. Sem mudança de


diagnóstico. Esteatose acen-
tuada diagnosticada na pri-
meira análise, através da fase
com contraste (b). a: Fase
sem contraste.

vamos que a utilização da fase sem meio principalmente após o advento da tecnolo- minuem a vida útil do tubo e aumentam a
de contraste foi estatisticamente signifi- gia helicoidal e, mais recentemente, da tec- radiação absorvida pelo paciente(2). Inúme-
cante (p = 0,038). nologia multislice, fizeram não só crescer ros estudos têm sido desenvolvidos no sen-
a utilização deste método diagnóstico, mas tido de reduzirem a dose de radiação em
DISCUSSÃO também aumentar a complexidade de al- exames de TC abdominal, adotando as
guns protocolos de estudo abdominal, fa- mais diversas estratégias(16–18). Entre estas,
Os avanços tecnológicos incorporados zendo uso de múltiplas fases de contrasta- a supressão de algumas das fases de estudo
em equipamentos de TC nos últimos anos, ção(14,15). Estes protocolos multifásicos di- parece ser uma maneira prática e segura,

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desde que se garanta a confiabilidade diag- hepática, na hemocromatose, nos nódulos fase sem meio de contraste medindo menos
nóstica do exame(3). renais e de adrenal, e que foram conside- que 10 UH, abaixo da densidade do baço(21).
Por esta razão, realizamos o presente rados critérios de exclusão. É interessante observar que em nove pa-
estudo, uma vez que não existem evidên- O estudo foi desenvolvido em duas eta- cientes com esteatose mais avançada foi
cias, na literatura, de que a adoção de pro- pas, para medir não somente a freqüência possível fazer o diagnóstico na fase com
tocolos de TC do abdome sem a utilização de mudança nos diagnósticos, mas também meio de contraste (primeira análise), o que
da fase sem meio de contraste mantenham o impacto na conduta clínica, mediante opi- foi confirmado na segunda análise.
a mesma eficiência diagnóstica em pacien- nião emitida por dois especialistas. Dois pacientes apresentaram cistos re-
tes sem uma clara hipótese diagnóstica ou O diagnóstico principal somente foi al- nais que foram inicialmente classificados
nos pacientes em estadiamento e reestadia- terado na segunda análise em um dos 100 como simples (categoria I de Bosniak) e
mento tumoral. pacientes, demonstrando que a fase sem que a avaliação da fase sem meio de con-
No nosso serviço de TC, em um hospi- meio de contraste tem pequena utilidade, traste demonstrou tratar-se de cistos com
tal universitário, existem diversos protoco- neste aspecto. A paciente em questão rea- conteúdo hiperdenso ou com septos e re-
los específicos para determinadas suspei- lizou o exame tomográfico para estadia- classificados como categoria II ou IIF de
tas diagnósticas. Entre estes, adotamos um mento de neoplasia de colón. O diagnós- Bosniak. Os cistos tipo II não merecem
protocolo denominado de genérico, quando tico inicial (após a primeira análise) indi- acompanhamento e, portanto, não seriam
não existe hipótese clínica definida (p.ex.: cava apenas a presença de um nódulo em responsáveis por mudanças de conduta.
febre de origem indeterminada ou emagre- adrenal indeterminado (wash-out relativo Ao contrário, cistos classificados como ca-
cimento a esclarecer) ou é preciso um es- menor que 50%) (Figura 1) e que poderia tegoria IIF, em razão do risco, ainda que
tadiamento ou reestadiamento tumoral. ser de origem secundária. O diagnóstico baixo, de crescimento e malignização, re-
Neste protocolo genérico o exame é reali- final (após a segunda análise) demonstrou cebem acompanhamento(22).
zado em três fases: uma primeira, sem meio tratar-se de um adenoma, em razão da sua Um paciente apresentou uma calcifica-
de contraste intravenoso; uma segunda, baixa densidade na fase sem meio de con- ção hepática puntiforme, sem alteração
realizada 70 segundos após o início da in- traste(12). O restante do exame apresenta- perfusional associada e identificada ape-
jeção do meio de contraste (fase portal); e va-se normal, de acordo com a avaliação nas na segunda análise. É importante ob-
uma terceira, obtida entre três e cinco mi- dos dois examinadores, e sem evidência de servar que este tipo de calcificação não
nutos após a injeção do meio de contraste disseminação metastática para outros ór- apresenta significado patológico, sendo um
(fase de equilíbrio). O objetivo do nosso gãos. Apesar dessa mudança de diagnós- achado freqüente em pacientes assintomá-
estudo foi o de estabelecer se neste grupo tico ser importante, diante do prognóstico ticos(23).
de pacientes a fase sem meio de contraste do paciente, é importante fazer algumas Em um paciente foi identificado um
era realmente necessária ou se poderia ser considerações. nódulo de adrenal indeterminado na fase
suprimida, reduzindo-se assim a dose de Metástases para a adrenal são comuns com meio de contraste e compatível com
radiação absorvida pelo paciente e aumen- a partir de uma variedade de neoplasias pri- adenoma pela medida de densidade obtida
tando a vida útil do tubo de raios X. A ne- márias, entre elas, tireóide, rim, estômago, na fase sem meio de contraste (segunda
cessidade ou não da fase sem meio de con- cólon, pâncreas, esôfago e melanoma. En- análise). Nestes casos, quando a fase com
traste foi medida pela freqüência de mu- tretanto, apesar de freqüentes, muitos meio de contraste não permite um diagnós-
dança nos diagnósticos principal e secun- nódulos de adrenal em pacientes com cân- tico preciso, preconiza-se que o paciente
dário obtidos a partir da análise apenas da cer são benignos. Mesmo em pacientes seja reconvocado para nova avaliação atra-
fase com meio de contraste (primeira aná- com carcinoma de pulmão, cerca de 30% vés de uma fase sem meio de contraste, não
lise) e da avaliação combinada das fases dos nódulos de adrenal não são metastáti- trazendo, portanto, impacto clínico direto,
sem e com meio de contraste (segunda aná- cos(19,20). Além disso, após revisão biblio- mas apenas causando certo desconforto ao
lise), realizada por dois examinadores in- gráfica, não encontramos casos de pacien- paciente, que precisa retornar ao serviço de
dependentes. Foi considerado diagnóstico tes com carcinoma de cólon e metástase tomografia para um novo exame comple-
principal aquele diretamente relacionado única para a adrenal. Quando isto ocorre, mentar(12).
com a clínica do paciente ou que justifi- a doença geralmente encontra-se dissemi- Em sete pacientes foram identificados
casse o seu quadro clínico. Os diagnósti- nada em outros órgãos, o que não foi ob- cálculos renais (seis dos quais não-obstru-
cos secundários foram os que não preen- servado na referida paciente. tivos), a maioria com menos que 6 mm de
cheram os requisitos de diagnóstico prin- Entre os 100 casos estudados, os 18 que diâmetro e encontrados em pacientes assin-
cipal, segundo o julgamento subjetivo dos tiveram os seus diagnósticos secundários tomáticos. Não existe consenso na litera-
examinadores. modificados apresentavam esteatose, ne- tura urológica sobre qual a conduta ade-
Neste sentido, selecionamos pacientes frolitíase, nódulos de adrenal, cistos renais quada neste grupo de pacientes(24,25). O fato
que não apresentassem suspeita ou diag- e calcificações hepáticas sem alterações de serem pacientes assintomáticos e com
nóstico definido de doenças em que a fase perfusionais. Destes, os sete casos com es- pequenos cálculos não-obstrutivos parece
sem meio de contraste fosse particular- teatose apresentavam uma forma leve de ser indício favorável para uma conduta ex-
mente útil, como na urolitíase, na esteatose infiltração gordurosa, com densidade na pectante(26).

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O valor da fase sem contraste na TC do abdome

Entre os casos apresentados ao gastren- Apesar de não existir um valor máximo de 3. Iannaccone R, Laghi A, Catalano C, et al. Hepa-
terologista, as mudanças de diagnóstico dose de irradiação ao qual o paciente pode tocellular carcinoma: role of unenhanced and
delayed phase multi-detector row helical CT in
foram relacionadas a esteatose, colelitíase ser exposto, sendo aceito que ele deve re- patients with cirrhosis. Radiology. 2005;234:
e calcificação hepática sem alterações per- ceber a dose necessária para o diagnóstico 460–7.
fusionais. O especialista valorizou todos os da sua doença, é desejável que esta dose 4. Zeman RK, Baron RL, Jeffrey RB Jr, et al. Heli-
cal body CT: evolution of scanning protocols. AJR
diagnósticos de esteatose leve, indicando seja a menor possível(32). Em exames de TC
Am J Roentgenol. 1998;170:1427–38.
investigação das possíveis causas. A estea- multislice do abdome a dose empregada em 5. Urban BA, Fishman EK. Tailored helical CT
tose hepática é comum em doentes com cada fase é de aproximadamente 12 a 20 evaluation of acute abdomen. Radiographics.
infecção crônica pelo vírus da hepatite B e mSv(33). Esta seria a redução média de dose 2000;20:725–49.
C. Estudos têm demonstrado que a estea- de radiação obtida suprimindo-se uma das 6. Smith RC, Verga M, McCarthy S, et al. Diagno-
sis of acute flank pain: value of unenhanced heli-
tose está associada com a progressão ace- fases tomográficas. cal CT. AJR Am J Roentgenol. 1996;166:97–101.
lerada da fibrose hepática e pouca resposta O nosso estudo apresenta algumas limi- 7. Galvão Filho MM, D’Ippolito G, Hartmann LG,
à terapêutica antiviral nos pacientes com tações. O número de pacientes avaliados et al. O valor da tomografia computadorizada
helicoidal sem contraste na avaliação de pacien-
hepatite C(27,28). Uma medida precisa dos poderia ter sido maior e estamos empenha-
tes com dor no flanco. Radiol Bras. 2001;34:129–
coeficientes de atenuação do parênquima dos em ampliar esta amostra e validar os 34.
hepático é fundamental para tornar elegí- resultados obtidos neste estudo; no entan- 8. D’Ippolito G, Mello GGN, Szejnfeld J. The value
vel um candidato à doação hepática para to, não acreditamos encontrar modificações of unenhanced CT in the diagnosis of acute ap-
pendicitis. São Paulo Med J. 1998;116:1838–45.
transplante intervivos. Neste grupo de pa- expressivas nestes resultados. Os critérios
9. D’Ippolito G, Nunes Jr JAT, Wolosker AMB, et
cientes é indispensável a fase sem meio de de seleção dos pacientes foram difíceis de al. O valor da tomografia computadorizada sem
contraste para obtenção destas medi- serem estabelecidos, pois muitos pacientes contraste na avaliação da região cecoapendicular
das(21,29). Estes pacientes não foram incluí- apresentavam histórias clínicas incomple- normal. Radiol Bras. 1996;29:247–51.
10. Bosniak MA. The current radiological approach
dos no nosso grupo de estudo e nestes ca- tas ou hipóteses diagnósticas confusas nos
to renal cysts. Radiology. 1986;158:1–10.
sos não seria indicada apenas a fase com pedidos de exame. Futuramente, pretende- 11. Limanond P, Raman SS, Lassman C, et al.
meio de contraste. mos selecionar apenas pacientes em esta- Macrovesicular hepatic steatosis in living related
Entre os casos apresentados ao urolo- diamento ou reestadiamento tumoral para liver donors: correlation between CT and histo-
logic findings. Radiology. 2004;230:276–80.
gista, em apenas um não houve modifica- restringir melhor a nossa amostra. A defi-
12. Korobkin M, Brodeur FJ, Francis IR, et al. CT time-
ção da conduta, pois o diagnóstico de nó- nição de diagnóstico principal e secundá- attenuation washout curves of adrenal adenomas
dulo de adrenal indicaria a necessidade de rio foi bastante subjetiva, mas não encon- and nonadenomas. AJR Am J Roentgenol. 1998;
avaliação hormonal, independentemente da tramos uma maneira mais precisa de clas- 170:747–52.
13. Fritz GA, Schoellnast H, Deutschmann HA, et al.
natureza do nódulo, considerando-se o fato sificar os achados observados nos exames
Density histogram analysis of unenhanced he-
que foi diagnosticado em um paciente sem tomográficos. patic computed tomography in patients with dif-
história de neoplasia conhecida. Nos casos Com este estudo podemos observar que fuse liver diseases. J Comput Assist Tomogr.
2006;30:201–5.
com nefrolitíase não-obstrutiva e assinto- a fase sem contraste não proporcionou mo-
14. Liu WY, Jin Y, Rong RH, et al. Multi-phase heli-
mática, a conduta do urologista foi ofere- dificações significativas nos diagnósticos cal CT in diagnosis of early hepatocellular carci-
cer ao paciente a escolha de retirar o cál- principais dos pacientes no contexto clí- noma. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2003;2:73–
culo por meio de ureteroscopia flexível ou nico em questão. Os diagnósticos secundá- 6.
apenas acompanhamento, dependendo do rios acrescentados pela fase sem meio de 15. Huang QJ, Xu Q, Wang XN, et al. Spiral multi-
phase CT in evaluating resectability of pancreatic
estilo de vida e características pessoais do contraste também não foram quantitativa- carcinoma. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2002;
paciente(30). Nos dois pacientes que tinham mente significativos, porém, os diagnósti- 1:614–9.
cistos complexos, o especialista optou por cos considerados inicialmente como secun- 16. Kim BS, Hwang IK, Choi YW, et al. Low-dose
acompanhar os pacientes por meio de exa- dários foram significativamente valoriza- and standard-dose unenhanced helical computed
tomography for the assessment of acute renal
mes de ressonância magnética (RM). O se- dos pelos médicos especialistas nas doen- colic: prospective comparative study. Acta Radiol.
guimento tomográfico demonstrou ser uma ças em questão. 2005;46:756–63.
forma efetiva de manejo de pacientes com Na nossa opinião, ainda não está claro 17. Funama Y, Awai K, Miyazaki O, et al. Improve-
ment of low-contrast detectability in low-dose
cistos renais moderadamente complexos(22), se a fase sem meio de contraste pode ser
hepatic multidetector computed tomography us-
e a TC e a RM demonstram achados seme- abolida em pacientes sem hipótese diag- ing a novel adaptive filter: evaluation with a com-
lhantes na maioria dos cistos renais(31). Em nostica definida ou naqueles em estadia- puter-simulated liver including tumors. Invest
alguns casos, no entanto, a RM demonstrou mento tumoral. Radiol. 2006;41:1–7.
18. Meagher T, Sukumar VP, Collingwood J, et al.
alguns aspectos adicionais, como septos ou REFERÊNCIAS Low dose computed tomography in suspected
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